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RIBEIRÃO PRETO
2008
1. RESUMO
A Contabilidade brasileira sempre foi muito afeita a regras que, se por um lado
facilitavam a sua consecução, por outro a engessavam. Entretanto, a partir do momento em
que a economia brasileira se abriu para o mundo e as demonstrações contábeis passaram a ser
utilizadas por investidores e analistas de vários países, existe a demanda por um ajuste das
regras contábeis usadas no Brasil em direção à convergência com as normas internacionais.
No final de 2007, foi sancionada a Lei nº 11 638, que iniciou o processo para preencher essa
lacuna. Preparam-se as regras brasileiras para erigir uma nova Contabilidade. E os
personagens da Contabilidade brasileira, estão preparados para essa novidade? Este trabalho
pretende aferir qual a percepção dos contadores sobre seu nível de adequação ao novo perfil
requerido do profissional e, por que não, suas expectativas em relação à nova lei.
2. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, praticamente todos os países do mundo estão passando por um
processo de transformação de costumes, usos e percepções, no intuito de se alinhar, mesmo
que parcialmente, ao resto do mundo. É um dos efeitos da globalização.
No Brasil não foi diferente: incorporamos à nossa cultura uma série de novos
costumes,” herdados” principalmente da cultura anglo-saxã.
É certo que o impacto cultural da globalização é muito importante; todavia, a
importância do impacto econômico não pode ser considerada menor. A volatilidade do
capital, que pode viajar de um lado ao outro do mundo em questão de segundos, criou uma
certa demanda por uma uniformidade da linguagem em que se expressam as demonstrações
financeiras, nas quais os investidores se baseiam para a tomada de decisões.
No Brasil, a Lei nº 11 638, de 28 de dezembro de 2007, veio ao encontro dessa
demanda, trazendo várias modificações à Lei 6 404/76, no sentido de convergir nossas regras
contábeis às regras internacionais sem, no entanto, significar que haja total paridade entre
ambas.
De acordo com IUDICIBUS et al(2008), a principal mudança:
... mais do que mudança de normas, é a mudança de filosofia, postura e
pensamento quanto a, pelo menos, três tópicos: primazia da essência sobre a
forma, primazia da análise de riscos e benefícios sobre a propriedade
jurídica e normas orientadas por princípios e não por regras excessivamente
detalhadas e formalizadas.
A despeito disso, a julgar pelas publicações em revistas e sites especializados, os
profissionais de contabilidade, na sua grande maioria, estão mais preocupados com a
mudança de normas prevista na lei, principalmente no que se refere à tributação, em
detrimento da abordagem do cerne do problema, a exigência de que os profissionais da
Contabilidade tenham discernimento e capacidade de julgamento, deixando de lado o
tradicional perfil de conhecedores e cumpridores de normas. Dentre essas publicações, há que
se atentar para algumas exceções, como o artigo de autoria de ANTONINHO MARMO
TREVISANii, que reconhece a profundidade da mudança trazida pela nova lei e se refere ao
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profissional doravante demandado pelas empresas e pelo mercado como “Super Contador, um
contador para o mundo”.
Partindo da premissa de que essa mudança tão relevante, cujo início deu-se com a
sanção da Lei 11 638/07, talvez tenha tido sua importância ofuscada pela muito mais prática e
evidente alteração das normas contábeis, o objeto de estudo deste trabalho é aferir, junto aos
profissionais da Contabilidade, quantos se sentem confortáveis perante esse processo de
mudança das características da profissão ou, em outras palavras, se se sentem aptos e com
formação adequada para atuar como um “Super Contador”.
A pesquisa foi feita mediante a aplicação de um questionário (survey), parte com
questões abertas e parte com escala de Likert a contadores e técnicos contábeis pedindo que
quantificassem sua percepção em relação à adequação ao novo perfil requerido pelo mercado.
Este trabalho pretende colaborar no sentido de detectar a necessidade ou não de os
profissionais complementarem sua formação. Em última análise, a justificativa deste projeto
reside no fato de que, para atender às necessidades do mercado, as escolas precisam
proporcionar aos alunos, futuros contadores, uma formação adequada ao que o mercado
demanda.
3. PERCEPÇÃO - Conceitos
Não obstante ser a percepção em relação ao novo perfil do contador o objeto de estudo
aferido pela pesquisa, este estudo vai se concentrar na reação perante uma troca de paradigma
da figura do contador e, porque não, da contabilidade em si. Não se fará uma análise muito
detalhada do fenômeno da percepção propriamente dita, que tem suas raízes na psicologia e
na filosofia. De qualquer forma, é necessário citar alguns estudiosos do fenômeno da
percepção, para que se entendam seus limites em relação à realidade.
De acordo com REICH (2003), a natureza e, por extensão, o mundo, só é
intelectualmente acessível por meio de nossas impressões sensoriais; se essas impressões
refletem objetiva e corretamente o fenômeno e se o aparelho sensorial responsável pelas
impressões funcionar de maneira ótima, as impressões deverão ser a expressão da realidade.
Já BERGSON (2006) diz que a percepção está relacionada à ação e ao movimento, e à
memória compete a tarefa de evocar as percepções passadas análogas às presentes, buscando
a decisão mais útil. Na mesma linha de pensamento, MERLEAU-PONTY (1999) defende
que a consciência coteja as recordações com os dados presentes e leva em conta apenas os
dados nos quais se verifica uma consonância com as recordações. Ou, em outras palavras,
opõe resistência a mudanças em relação ao paradigma adotado.
No senso comum, a figura do Contador é geralmente associada a uma boa dose de
conservadorismo. Se isso se confirmar, a resistência à mudança deve ser considerável. No
entanto, é possível que, perante as perspectivas de valorização do profissional contábil com
que a Lei nº 11 638 acena, esses personagens se revelem ávidos ou, ao menos, animados com
as mudanças.
iii. Todos os saldos existentes da reserva de reavaliação devem ser mantidos até a sua
efetiva realização ou estornados até o fim do exercício social em que essa Lei entrar
em vigor;
vi. Os ativos e passivos de longo prazo serão ajustados pelo seu valor presente; de curto
prazo também, mas somente se ajuste tiver efeito relevante nas demonstrações
financeiras;
viii. Os bens objeto de arrendamento mercantil financeiro – leasing – devem ser registrados
no ativo imobilizado;
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como ajustes de avaliação patrimonial, no patrimônio líquido, enquanto não forem
transferidos para o resultado do exercício;
xi. Passa a ser obrigatória a preparação das demonstrações do fluxo de caixa e do valor
adicionado (para as sociedades por ações de capital aberto), substituindo a
demonstração das origens e aplicações de recursos. Essas demonstrações poderão ser
divulgadas em 2008 sem a indicação dos valores correspondentes ao exercício
anterior;
IUDICIBUS et al (2008) alertam para o fato de que essa lei não é a adoção completa das
normas internacionais e sim, um ajuste de alguns empecilhos à adoção dessas normas,
abrindo caminho para a total convergência a elas. Consideram, entretanto, a despeito de todos
esses efeitos práticos, que a Lei nº 11 638 não se limita a ser uma mudança de normas, mas
principalmente...
A parte 1 do survey consistia de questões abertas cujas respostas eram, via de regra,
objetivas. Por isso, tentou-se agrupar as respostas mais ou menos semelhantes, para facilitar a
visualização dos resultados.
3. Na sua avaliação, a mudança para os contadores será boa ou ruim? Por que?
Dos onze profissionais que responderam ser boa a mudança, sete alegaram ser por
levar os contadores a se inserir num mundo globalizado e quatro destacaram a
valorização do bom profissional devido ao aumento de evidenciação das
demonstrações contábeis. Quatro dizem que será pior, sendo que um teme sobrecarga
de trabalho, dois o aumento de responsabilidade assumida pelo profissional e um cita
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a menor dependência das empresas em relação ao contador como um fator
preocupante. Dois disseram ser ruim no curto prazo (pela sobrecarga durante a
transição), mas boa a médio e longo prazo. Três disseram não ser bom nem ruim e
dois disseram que ainda não sabem.
É interessante o fato de os resultados apontarem que a Lei nº 11 638 foi bem recebida
pelos contadores ou, ao menos, é a percepção que eles têm do fato, contrariando uma
das expectativas da Teoria da Percepção, de que o ser humano tem uma forte
resistência a mudanças.
Uma das prováveis explicações para isso encontra-se nas respostas dos entrevistados
a esta mesma pergunta: destacaram a valorização profissional ou a inserção dos
contadores num mundo globalizado como um efeito secundário dessa lei.
2. Survey - parte 2
As questões da segunda parte foram respondidas com o auxílio de uma escala de Likert,
que ia de 1 (muito pouco, nenhum) a 5 (ótimo), passando por 2 (baixo), 3 (regular) e 4
(bom).
8. Você já fez, faz ou pretende fazer algum curso que o auxilie na utilização dessas
novas normas?
Média das respostas obtidas: 4,00
10. Qual seu nível de informação a respeito das práticas contábeis internacionais?
Média das respostas obtidas: 2,32
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Tabela 1 – Resultados da parte 2 do survey
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
HENDRIKSEN, E S e BREDA, M F Van. Teoria da contabilidade. São Paulo: Atlas, 1999.
IUDICIBUS, Sérgio et al. Manual de contabilidade das sociedades por ações. São Paulo:
Atlas, 2007.
IUDICIBUS, Sérgio e LOPES, A B (Coordenadores). Teoria avançada da contabilidade. São
Paulo: Atlas, 2008.
LOPES, A B e MARTINS, E. Teoria da contabilidade: uma nova abordagem. São Paulo:
Atlas, 2007.
LOPES, A B. Finanças internacionais: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2003.
MERLEAU-PONTY, Maurice, Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
REICH, Wilhelm. O éter, Deus e o diabo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Portal do Jovem Contabilista, de 08abr08. Entrevista com Antoninho Marmo Trevisan.
Disponível em: http://www.crcjovem.com.br, consultado em 22mai08.
IASCF. Framework for the preparation and presentation of financial statements. Preparado
pelo IASB, aprovado pelo IASC em abril de 1989 para publicação para publicação em julho
de 1989 e adotado pelo IASB em abril de 2001.
Portal do Jovem Contabilista, de 08abr08. Entrevista com Antoninho Marmo Trevisan.
Disponível em: http://www.crcjovem.com.br, consultado em 22mai08.
Valor Online de 01fev08. A Lei nº 11.638 e o mercado de capitais. Artigo de autoria de Fábio
Cajazeira Mendes. Disponível em`
http://www.cfc.org.br/conteudo.aspx?codMenu=67&codConteudo=2835 consultado em 20jul08
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Á exceção da capa, que se encontra no padrão comumente utilizado em trabalhos na FEARP-USP, a
formatação deste artigo segue as normas exigidas para submissão de artigos à ENANPAD. Disponível em
http://www.anpad.org.br/evento.php?acao=subsecao&cod_edicao_subsecao=329&cod_evento_edicao=38 ,
consultado em 25jul08.
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Portal do Jovem Contabilista, de 08abr08. Disponível em: http://www.crcjovem.com.br, consultado em
22mai08.
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