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FACULDADES INTEGRADAS DO VALE IVAÍ - UNIVALE

ESAP - Instituto de Estudos Avançados e Pós-Graduação

Curso: Educação Especial


Disciplina: Psicologia Evolutiva: Cognitivismo, Psicanálise e Sociointeracionismo
Autor: Profº Ms. Carlos Eduardo de Souza Gonçalves

Ementa: Epistemologia, conceitos e objetivos da Psicologia Evolutiva.


Desenvolvimento humano e aprendizagem de acordo com teorias das abordagens
cognitivista, psicanalítica e sociointeracionista. Contribuições das abordagens
cognitivista, psicanalítica e sociointeracionista para a compreensão das consequências
desenvolvimentais das deficiências e a Educação Especial.

Conteúdo Programático:

I PSICOLOGIA EVOLUTIVA: EPISTEMOLOGIA E CONCEPÇÕES DE DEFICIÊNCIA


1.1 O que é psicologia evolutiva?
1.2 Raízes filosóficas da psicologia evolutiva
1.3 Bases filosóficas da psicologia evolutiva e concepções de deficiência
1.4 Psicologia científica e suas abordagens

II COGNITIVISMO E EDUCAÇÃO ESPECIAL


2.1 – Epistemologia Genética e educação especial
2.1.1 Conceitos fundamentais
2.1.2 Estádios de desenvolvimento cognitivo
2.1.3 Epistemologia Genética e educação especial
2.2 – Teoria do Processamento da informação e educação especial
2.2.1 Memória Sensorial
2.2.2 Memória de Curto Prazo / Memória de Trabalho
2.2.3 Memória de Longo Prazo
2.2.4 Processamento da Informação, deficiências sensoriais e deficiência
intelectual

III PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO ESPECIAL


3.1 Estrutura de personalidade, psicodinâmica e topografia da mente humana
segundo Sigmund Freud
3.2 Estágios de desenvolvimento da personalidade e o papel da educação
3.3 Psicanálise e a criança com deficiência

IV SOCIOINTERACIONISMO, PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E EDUCAÇÃO


ESPECIAL
4.1 Psicologia histórico-cultural de Lev Vygotsky
4.2 Psicologia histórico-cultural e educação especial

Objetivos:
- Apresentar objeto de estudo, objetivos e constituição história da Psicologia Evolutiva
- Esclarecer concepções sobre desenvolvimento cognitivo e aprendizagem de acordo
com a abordagem cognitiva pela Epistemologia Genética e pela Teoria do
Processamento da Informação, relacionando-as com desenvolvimento das pessoas
com deficiência e educação especial.
- Abordar o desenvolvimento psicossexual da personalidade de acordo com a
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abordagem psicanalítica de Sigmund Freud, tratando de considerações psicanalíticas a


respeito da educação de pessoas com deficiência.
- Descrever os principais conceitos da abordagem sociointeracionista pela Psicologia
Histórico-Cultural de Lev Vygotsky e apresentar apontamentos deste autor para a
educação especial.

REFERÊNCIAS

ATKINSON, Rita L. et al. Introdução à psicologia de Hilgard. Porto Alegre: ArtMed,


2002.

BERNARDINO, Leda Mariza Fischer. A contribuição da psicanálise para a atuação no


campo da educação especial. Estilos da Clínica. Vol. XII, nº 22, p.48-67. 2007.

BEYER, Hugo Otto. A proposta da educação inclusiva: contribuições da abordagem


vygotskiana e da experiência alemã. Revista Brasileira de Educação Especial. Marília.
Jul-Dez. v.9, n.2, p.163-180. 2003.

BOCK, Ana Maria. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo:
Saraiva, 1999.

BZUNECK, José A. Aprendizagem por Processamento da Informação: uma visão


construtivista. In: Boruchovitch. E; Buzuneck, J. A. (orgs). A Aprendizagem: Processos
Psicológicos e o Contexto Social na Escola. Petrópolis: Vozes, 2004.

CARVALHO, Maria V. C. de C.; MATOS, Kelma S. A. L. de. Psicologia da educação:


teorias do desenvolvimento e da aprendizagem em discussão. Fortaleza: Edições UFC,
2009.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2008.

COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesús. Desenvolvimento psicológico


e educação: psicologia evolutiva. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. v. 1.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Disponível em:


<http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/ > . Acessado em: 06 dez 2015

DAVIDOFF, Linda L. Introdução à Psicologia. 3. Ed. São Paulo: Pearson Makron


Books, 2001.

FIERRO, Alfredo in COLL, MARCHESI, PALACIOS e cols. Desenvolvimento


Psicológico e Educação: Transtornos de Desenvolvimento e Necessidades Educativas
Especiais. Vol 2. Porto Alegre: ArtMed, 2004.

GOODWIN, C.James. História da psicologia moderna. 4. ed. São Pauo: Cultrix,


2010.
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KASSAR, Mônica de C. M. Deficiência Múltipla e Educação no Brasil: discurso e


silêncio na história de sujeitos. Campinas: Autores Associados, 1999.

MANTOAN, Maria Teresa Egler. A construção da inteligência nos deficientes mentais:


um desafios, uma proposta. XIV Reunião da ANPED. 1991.

OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo socio-


histórico. São Paulo: Scipione, 1995.

PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel. A psicologia da criança. 13. ed. Rio de janeiro:
Bertrand Brasil, 1994.

SALVADOR, César Coll et al. Psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 1999.

SASSON, David; MACIONK, Márcia. Apostilas Nível 1, 2 e 3. Curso de Formação PEI


– Programa de Enriquecimento Instrumental. Curitiba: CDCP, 2006.

SCHULTZ, Duane P; SCHULTZ , Sydney Ellen . História da psicologia moderna.


São Paulo: Cengage Learning, 2009.

SHAFFER, David R. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. 6.ed.


São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2005.

TAILLE, Yves de La; OLIVEIRA, Marta Kohl de; DANTAS, Heloysa. Piaget, Vygotsky,
Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

WOOLFOLK, Anita E. Psicologia da educação. 7. ed. Porto Alegre: Artes Médicas


Sul, 2000.
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I PSICOLOGIA EVOLUTIVA: EPISTEMOLOGIA E CONCEPÇÕES DE DEFICIÊNCIA

1.1 O QUE É PSICOLOGIA EVOLUTIVA?

Como nossa disciplina trata de abordagens da Psicologia Evolutiva a


respeito da Educação Especial, entendemos que antes de tudo é importante responder
às seguintes questões: O que é Psicologia? O que é Psicologia Evolutiva?

Para a autora Ana Bahia Bock (1999), a matéria-prima da Psicologia:

É o homem em todas as suas expressões, as visíveis (nosso comportamento)


e as invisíveis (nossos sentimentos), as singulares (porque somos o que
somos) e as genéricas (porque somos todos assim) – é o homem-corpo,
homem-pensamento, homem-afeto, homem-ação e tudo isso sintetizado no
termo subjetividade (BOCK, 1999, p. 25).

Segundo Atkinson (2002, p. 25) Psicologia é o “estudo científico do


comportamento e dos processos mentais”.
Conforme documento que regimenta as atribuições profissionais do
Psicólogo no Brasil, publicado na página da Internet do Conselho Federal de Psicologia
– CFP, infere-se o que é Psicologia, a partir daquilo que cabe ao psicólogo, que é
aplicar:

[...] conhecimento teórico e técnico da psicologia, com o objetivo de identificar e


intervir nos fatores determinantes das ações e dos sujeitos, em sua história
pessoal, familiar e social, vinculando-as também a condições políticas,
históricas e culturais” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2015).

No entanto, conforme denotam Bock (1999) e Goodwin (2010), não há uma


Psicologia, mas algumas “Psicologias”, como você entenderá mais adiante, o que
impossibilita afirmar que existe um conceito único para Psicologia, no fim das contas.
Já Psicologia Evolutiva ou Psicologia do Desenvolvimento estuda as
“continuidades sistemáticas e mudanças que ocorrem no indivíduo desde a concepção
até a morte” (SHAFFER, 2005). Isto significa que há uma área da Psicologia que se
dedica especificamente a compreender as mudanças pelas quais as pessoas passam
durante seu ciclo de vida, nas dimensões físicas, motoras, intelectuais, afetivas e
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sociais, assim como os estágios (continuidades sistemáticas) desse desenvolvimento.


Compreendemos estágio (ou ainda período, fase, etapa, estádio) como uma
determinada fase da vida de uma pessoa marcada pela estabilidade de algumas
características. Por exemplo, o que faz uma criança ser criança aos dois, aos seis e
aos nove anos é uma característica contínua (estável, permanente), a impossibilidade
de se reproduzir. No entanto, a partir da puberdade a criança passa a ser capaz de se
reproduzir, mudando de estágio, saindo da fase de infância e entrando na fase da
adolescência.
Mas o que determina o desenvolvimento das pessoas? Por que a maioria
das pessoas se desenvolve de modo semelhante em diversos aspectos, mas ao
mesmo se desenvolvem de modo tão diferente em outros? Por que as pessoas com
deficiência se desenvolvem de modo diferente da maioria das pessoas?
Para respondermos a essas questões, precisamos conhecer (ou relembrar)
das raízes filosóficas e científicas da Psicologia Evolutiva. No decorrer do texto faremos
algumas relações entre diferentes visões sobre causas para o desenvolvimento
humano e as concepções de deficiência.

1.2 RAÍZES FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA EVOLUTIVA

Para Sócrates (469-399 a. C, filósofo de Atenas), “antes de querer conhecer


a natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de
tudo, conhecer a si mesmo” (CHAUÍ, 2008, p. 41). Caberia ao homem conhecer sua
própria alma (psychè) e a capacidade desta alma para conhecer a verdade, o mundo
usando para isso a sua razão. Começa assim na Grécia Antiga a Psicologia (“psyché”
= alma; “logos” = razão; psicologia = lógica, razão ou estudo da alma) (BOCK, 1999, p.
32-33).
De onde vêm as leis que caracterizam a razão, essa nossa capacidade para
raciocinar? Nascemos com ela ou a obtemos com aqueles que nos educam? A razão é
algo próprio nosso ou adquirido pela experiência?
Temos duas correntes filosóficas, uma para cada lado do dilema, que terão
seguidores por séculos. O Inatismo, iniciado por Platão (428 a 348 a. C.) (discípulo de
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Sócrates) e o Empirismo iniciado por Aristóteles de Estagira (384 a 322 a.C) (discípulo
de Platão).
Para o INATISMO de Platão, ao nascermos trazemos em nossa alma os
princípios racionais (leis da razão) e ideias verdadeiras. Conhecer para Platão seria
recordar em vida das verdades já existentes em nossa alma. Platão perguntava como
saberíamos que temos uma ideia verdadeira ao encontrá-la se antes não a
conhecêssemos? Como poderíamos diferenciar verdade e mentira se não
soubéssemos o que é a verdade?
Para ele, conhecemos (nossa alma) a verdade no mundo das ideias e
quando escolhemos encarnar no mundo material, devemos ter em mente que as coisas
existentes materiais são meras cópias imperfeitas das coisas verdadeiras que nossa
alma conheceu. Afastar-se do que os sentidos mostram em busca do conhecimento da
ideia pura que habita nossa alma é o que a Filosofia possibilita, graças à Razão.
Segundo Chauí (2008, p. 124), já para o EMPIRISMO nascemos como
folhas em branco a serem “escritas” pelas experiências, ou seja, todo conhecimento
seria proveniente das experiências que temos. Ao contrário de seu mestre Platão,
Aristóteles não daria tanto crédito à fonte de todo conhecimento verdadeiro como
sendo o mundo suprassensível das ideias. Aristóteles não faria tal separação entre o
inteligível e o sensível.
Para Aristóteles, aquilo que o homem conhece é formado por informações
oriundas dos graus sensação, percepção, imaginação, memória, linguagem, raciocínio
e intuição, havendo, portanto, uma continuidade entre o conhecimento sensível e o
intelectual.

Assim, as informações trazidas pelas sensações se organizam e permitem a


percepção. As percepções se organizam e permitem a imaginação. Juntos,
percepção e imaginação conduzem à memória, à linguagem e ao raciocínio
(CHAUÍ, 2008, p. 124).

Toda esta estruturação é possibilitada pelo grau da intuição intelectual.


Aristóteles não chegou a ser inatista nem empirista, mas inicia uma valorização da
experiência oriunda do conhecimento sensível, extensão do conhecimento puro, dado
pela intuição intelectual, esta de origem divina cuja função primordial é possibilitar a
formação do conhecimento graças ao seu poder de organização, de estruturação lógica
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da realidade sensível. A intuição intelectual e seus princípios lógicos (inatos)


possibilitam a análise metafísica e a pesquisa experimental da realidade, estando aí o
valor fundante daquilo que viria a ser o empirismo.
John Locke (1632-1704) destaca-se como um dos principais empiristas
ingleses juntamente com Francis Bacon, Thomas Hobbes, George Berkeley e David
Hume. Para os empiristas, todo o conhecimento se constrói a partir das sensações que
nos chegam pelos sentidos. As sensações se reúnem formando as percepções. Você
vê a cor prata, vê a forma comprida, sente a textura plástica e o peso leve do objeto e,
pela reunião destas e outras sensações, forma a percepção de caneta. Relações entre
percepções formam ideias simples, e relações entre ideias simples possibilitam ideias
complexas e destas surgiria a razão.
Em síntese, tínhamos então um grande dilema: já nasceríamos com nossos
potenciais desenvolvidos (inatismo) ou desenvolveríamos nossos potenciais conforme
as experiências que teríamos após o nascimento, ao longo da vida (empirismo)?
Segundo Chauí (2008, p. 75), Immanuel Kant (1724 a 1804), filósofo alemão,
ofereceria uma solução para o dilema e os problemas do inatismo e do empirismo.
O erro de Descartes e outros inatistas, segundo Kant, seria partir da
realidade interior, do espírito da alma; o erro de Locke e outros empiristas seria partir
da realidade exterior do mundo e da natureza. Segundo Chauí (2008, p. 76) diria Kant:
“o ponto de partida da filosofia não pode ser a realidade (seja interna, seja externa) e
sim o estudo da própria faculdade de conhecer, ou o estudo da razão” (KANT apud
CHAUÍ, 2008, p. 76).
Desde sempre os filósofos definiam o que era a realidade, afirmando que ela
é racional e que pode ser conhecida pela razão. Nunca se questionaram se a razão de
fato pode ou não pode conhecer a realidade. Segundo Kant seria perda de tempo
querer definir o que é a verdade sem antes se ter a certeza de que podemos conhecer
a realidade. Era necessário agora estudar a razão. Kant escreve a “Crítica da Razão
Pura”.
Por Razão Pura, Kant entende que a razão é como uma estrutura vazia,
sem conteúdos (dados posteriormente pela experiência). A estrutura da razão é inata,
ou seja, todos os seres humanos em qualquer tempo e lugar nascem com ela. A razão
já existe antes de qualquer experiência (a priori). No entanto, esta estrutura vazia
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precisa dos conteúdos da experiência para ser preenchida.


A experiência forneceria a matéria do conhecimento (a posteriori) e a razão
forneceria a forma do conhecimento. Estruturar, dar forma, organizar a realidade é
função da razão. Conhecimento é a síntese, o produto final, a matéria do conhecimento
com a forma dada pela razão (CHAUÍ, 2008, p. 77).
Podemos dizer que, com Kant, temos lançadas as bases filosóficas do
INTERACIONISMO como pilar das principais teorias da Psicologia. Nossa razão,
conhecimento, personalidade, sentimentos e ações, não são resultado meramente de
fatores internos (organismo) nem apenas de fatores externos (ambiente). Somos em
todas as características, inclusive fisiológicas, produtos da interação entre fatores
externos e internos.

1.3 BASES FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA EVOLUTIVA E CONCEPÇÕES DE


DEFICIÊNCIA

No texto intitulado “Herança Biológica? Constituição Social”, a autora Mônica


Kassar (1999) trata exatamente das relações entre Inatismo, Empirismo e
Interacionismo com diferentes concepções de deficiência que até hoje marcam a
cultura e, conforme nosso entendimento, as teorias de Psicologia Evolutiva quando
referenciadas para compreender o desenvolvimento da pessoa com deficiência.
A explicação inatista de que somos pré-determinados para ser o que somos
influenciava os gregos antigos em seu modo de lidar com as pessoas que nasciam com
deficiências, vistas como herdeiros espirituais daquelas características. Há relatos
históricos que afirmam que bebês nascidos com deficiências físicas eram inclusive
sacrificados por não poderem no futuro colaborar com o desenvolvimento da
comunidade, tal como faziam algumas tribos indígenas.
O inatismo platônico servirá de fundamento para a filosofia cristã de Santo
Agostinho. Na igreja católica europeia da Idade Média, haveria então uma visão
ambivalente a respeito de pessoas com deficiência mental. Por um lado seriam
percebidas como almas imortais cristãs puras a serem cuidadas, por outro, almas
pecadoras merecedoras de castigo (KASSAR, 1999). Desvalidos eram atendidos por
caridade em hospitais-asilo, sendo estes delinquentes, deficientes e doentes mentais,
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todos internados sob uma mesma classificação.


Outra vertente do inatismo era aquela que supervalorizava a determinação
biológica das características das pessoas, fomentando conceitos idealizados de
natureza humana.

a concepção de que a deficiência mental era creditada à transmissão


hereditária e que significava degenerescência da espécie humana vai contribuir
para a institucionalização intensiva de pessoas com deficiência na Europa dos
séculos XVIII e XIX. (KASSAR, 1999, p.08)

Benedict-Augustin Morel (1809-1873) foi um psiquiatra franco-austríaco que


divulgava sua teoria da Degenerescência, segundo a qual as deficiências se devem à
degradação da natureza humana. Passadas hereditariamente, as deficiências
progrediriam em gravidade a cada vez que uma pessoa com deficiência se
reproduzisse. Defensores de procedimentos higienistas de esterilização de pessoas
com deficiências se apoiariam nestas ideias, bem como na teoria da Eugenia de
Francis Galton.
Francis Galton (1822-1911) foi um médico conhecido pela extrema
curiosidade e importantes descobertas oriundas da sua obsessão por medidas precisas
de fenômenos geográficos, biológicos e psicológicos (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009;
GOODWIN, 2010). Primo de Charles Darwin, fascinado pela Teoria da Evolução das
Espécies, considerava que a herança genética da inteligência possibilitaria a melhor
adaptação de uns do que de outros no livro “Gênio Hereditário” de 1869, seu marco
para a Psicologia.
Fundou a Eugenia como ciência, a qual deveria lidar com “questões
relacionadas com o termo grego Eugenes, isto é, de boa estirpe, hereditariamente
dotado de qualidades nobres” (SCHULTZ, SCHULTZ, 2009, p. 137). Para ela, por meio
da seleção artificial, seres humanos, poderiam ter suas qualidades genéticas
melhoradas, uma vez que casais geneticamente bem dotados intelectualmente
acasalassem e menos dotados deixassem de reproduzir. Chegou a afirmar ainda que
não haveria esforço físico ou mental capaz de fazer uma pessoa ser mais inteligente
para além do que sua genética favorecesse.
Felizmente, ainda no Séc. XIX, a posição inatista será abalada por
pesquisas e trabalhos que fundamentam a possibilidade de educação das pessoas
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com deficiência mental, inspirados pelo empirismo de John Locke (1632-1704), cujas
ideias apontavam a experiência humana como decisiva para o desenvolvimento da
razão, da inteligência (KASSAR, 1999).
No entanto, trabalhos e pesquisas também evidenciarão que os estímulos
ambientais têm seus efeitos limitados sobre a alteração de diversas condições,
sobretudo aquelas que também envolvem fatores genéticos e de integridade de tecido
neuronal. Assim, sobretudo no final do Séc. XIX e ao longo do Séc. XX, com o advento
da teoria genética e expressiva evolução das ciências médicas, o interacionismo se
firmará como fundamento para considerações a respeito das possibilidades de
desenvolvimento e educação das pessoas com deficiência.

1.4 PSICOLOGIA CIENTÍFICA E SUAS ABORDAGENS

Wilhelm Wundt (1832-1920) foi um médico e fisiologista alemão e é


considerado universalmente como o fundador da Psicologia enquanto ciência. Seu
objetivo era, por meio da psicologia experimental, promover a psicologia como uma
ciência independente para compreender a relação mente-corpo investigando
percepção, atenção, sentimento, relações e associações em laboratório (SCHULTZ;
SCHULTZ, 2009, p. 80-81).
O Estruturalismo de E. B. Titchener (1867-1927), o Funcionalismo de William
James (1842-1910) e o Associacionismo de Edward Thorndike (1874-1949) foram
outros marcos da psicologia científica em seus primórdios. Graças a eles, a Psicologia
ganhou enorme expressão em centros acadêmicos na Europa e Estados Unidos. Esta
expressão pode ser traduzida em muitas pesquisas, debates, oposições e
concordâncias entre pensadores e cientistas.
Isso fez com que a Psicologia não tivesse se tornado (e não é) uma ciência
com direção única ou com poucas direções de pesquisa. Ela será composta por
diversas correntes teóricas, como Behaviorismo, Psicanálise, Cognitivismo,
Humanismo, Psicologia Histórico-Cultural, Psicologia Sistêmica, Psicologia
Transpessoal, Psicologia Analítica e Neuropsicologia. É importante ressaltar que o
interacionismo como fundamento para o desenvolvimento humano, será considerado
por todas essas correntes, porém cada uma a seu modo e dando mais ênfase ora para
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explicações inatistas, ora para explicações empiristas, mas nunca apenas uma ou
outra.
Enfim, vamos tratar das teorias mais expressivas que pertencem a três das
principais abordagens da Psicologia, Cognitivismo, Psicanálise e Sociointeracionismo,
observando em que elas colaboram para a Educação Especial.

II COGNITIVISMO E EDUCAÇÃO ESPECIAL

Atualmente, a corrente Cognitivista (ou Cognitiva) da Psicologia se revela


como uma das mais novas e influentes abordagens na busca da compreensão sobre o
comportamento humano e seus determinantes.
O behaviorismo rejeitou qualquer possibilidade de se fazer ciência com base
em métodos introspectivos, visto que aquilo que se passa na “suposta mente” é como
uma caixa-preta, misteriosa e impossível de conhecer, restando observar o
comportamento expresso e os estímulos ambientais que o produzem.
No entanto questões relativas aos chamados “processos internos” se
mantiveram, como: como se forma um pensamento? Onde e como se forma uma
memória? O que possibilita às pessoas fazerem escolhas? Como adquirimos,
armazenamos e processamos a linguagem? Por que palavras evocam imagens e
significados em nosso pensamento? Como se dá o processo de solução de
problemas?
O advento da informática na segunda metade do século XX e o modo como
os processadores e demais componentes do computador trabalham com a informação
inserida, acabou por inspirar pesquisadores.
Visto que aprendizagem depende completamente do modo como as
pessoas processam e armazenam informações, sua importância para a educação será
enorme.
As ideias pilares básicas do Cognitivismo são (DAVIDOFF, 2001, p. 14):
- A psicologia deve pesquisar processos, estruturas e funções mentais
que determinam os modos de comportamento, pensamento e
sentimento humanos;
- Pode-se considerar auto-observação, métodos introspectivos como
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úteis, porém métodos objetivos devem ser mais privilegiados;


- Conhecimentos psicológicos produzidos devem ter aplicabilidade.
Vamos conhecer de modo geral e relacionar com Educação Especial duas
teorias do pensamento cognitivista, a Epistemologia Genética de Jean Piaget e a
Teoria do Processamento da Informação.

2.1 EPISTEMOLOGIA GENÉTICA E EDUCAÇÃO ESPECIAL

2.1.1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Jean Piaget (1896-1980), biólogo suíço, desenvolveu uma teoria


denominada Epistemologia Genética. Epistemologia significa “teoria do
conhecimento” e Genética vem de “gênese” ou “origem”.
Piaget era um interacionista construtivista. Não apoiava concepções
empiristas e nem inatistas sobre a origem do conhecimento, da consciência ou da
razão. Não concordava com as ideias de Kant sobre uma origem a priori da razão,
conforme muitos creem, porém respeitava a ideia de organização estrutural da
realidade.
O construtivismo piagetiano tem como base princípios orgânicos
autorreguladores que seguem um padrão sequencial universal no modo de construir o
conhecimento.
São três seus grandes princípios (SALVADOR et al, p.87-88, 1999):
a) “O mesmo tipo de intercâmbio adaptativo entre organismo e
meio produzido no terreno biológico produz-se também no terreno psicológico
no processo de conhecimento dos objetos” (SALVADOR et al, p.87, 1999).
Ou seja, assim como uma planta ou um animal necessita se adaptar ao
ambiente que lhe traz obstáculos e adaptar o ambiente às suas “necessidades”, nossa
inteligência busca se adaptar aos novos conhecimentos que nos chegam ou adaptá-los
a ela, superando as dificuldades que eles trazem.
b) “O conhecimento manifesta-se como fruto de um autêntico
processo de construção”, de estruturação (SALVADOR et al, p.88, 1999).
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Assim, conforme amadurecemos, entramos em contato com mais e


mais experiências e as organizamos internamente, tornando-as conhecidas
(aprendizagem). Essa capacidade de organização também precisa amadurecer e por
isso organizamos de modo diferente nossas experiências, conforme estágios de
desenvolvimento pelos quais passamos. Para Piaget, precisamos antes nos
Desenvolver biologicamente (nossas estruturas organizadoras) para depois poder
Aprender o que o ambiente nos oferece. Desenvolvimento precede Aprendizagem. Daí
também se origina o termo Construtivismo como forma de caracterizar a teoria
piagetiana.

c) “Conhecer implica sempre em atuar sobre a realidade de


maneira ativa e transformadora, física ou mentalmente” (SALVADOR et al, p.88,
1999).
Para conhecer então, é necessário estruturar ou organizar o mundo, ou seja,
experimentar de maneira ativa, entrando em contato direto com os objetos do
ambiente (objetos físicos, o próprio corpo, palavras, formas de pensar, pessoas e
lugares), os adaptando a nós e adaptando-se a eles, física e mentalmente.
O que Piaget pesquisa é exatamente como se dá esse processo de
estruturação das experiências que culminam no conhecimento. Mediante metodologias
extremamente rigorosas de observação e testagem do desenvolvimento cognitivo
infantil, conclui que o mesmo se dá obedecendo a mecanismos biologicamente
imperativos de adaptação progressiva: Equilibração e Assimilação-Acomodação.
Assim como no processo de adaptação orgânica do meio ao sujeito e do
sujeito ao meio visando sua sobrevivência, o amadurecimento cognitivo se dá mediante
a seguinte ordem: Equilíbrio (situação de estabilidade inicial) – Perturbação (efeito do
estímulo ambiental imprevisível que oferece resistências) – Desequilíbrio (instabilidade
decorrente da resistência do objeto aos esquemas de conhecimento previamente
estruturados) – Regulações e Compensações (modificação estrutural cognitiva
decorrente da organização interna das propriedades do objeto de conhecimento) –
Reequilíbrio (reestabelecimento da estabilidade cognitiva, porém modificada pela
realização do novo conhecimento).
Assimilar um objeto, seja ele físico/sensível ou abstrato, como uma palavra
ou um conceito que remete a representações mentais da realidade, nos faz visualizar o
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primeiro contato do sujeito com o objeto, ou seja, das suas estruturas internas pré-
formadas com as características próprias do objeto ou realidade em questão.
Todo objeto novo apresenta novidades, ou seja, resistências às estruturas
mentais prévias do sujeito que entra em contato com ele (se o objeto não é novo, mas
apresenta características desconhecidas, vale o mesmo processo). Nesse momento,
de chegada de informações estranhas para o sujeito, ocorre um desequilíbrio de sua
estrutura.
Ocorre então a Assimilação, como movimento interno em que a estrutura
aplica formas já existentes ao novo objeto para reconhecê-lo, mas como algumas
características dele são desconhecidas e não se “encaixam” na estrutura, não se
mostram organizáveis por ela. É quando agimos sobre algo (elemento novo) que
estamos conhecendo, aplicando modos de pensar e agir que já formamos antes.
O processo de conhecimento então deverá seguir, pois o homem buscará
restaurar seu estado de equilíbrio anterior. Ele fará uma série de regulações e
compensações, coletando informações internas oriundas de outros objetos já
conhecidos com características próximas daquele objeto novo ou informações externas
oriundas do próprio objeto e outros; rejeitará formas antigas de lidar física ou
mentalmente com aquele objeto e criará novas formas de fazê-lo.
Ou seja, ele precisará estruturar, organizar aquele novo objeto, agindo sobre
ele, adaptando-se a ele até que ele se torne conhecido. Essa adaptação receberá o
nome de acomodação. A acomodação pontua o momento de reequilíbrio da estrutura
cognitiva. É quando, diante da resistência oferecida pelo objeto, entendemos que nós é
que precisamos nos transformar para lidar com ele. Cada adaptação realizada para
cada objeto conhecido soma-se e integra-se a outras.
Conhecimento será esse processo de estruturação da realidade, essa
integração entre forma e conteúdo.
A essas adaptações diferenciadas e também relacionadas que fazemos com
objetos (sensório-motores e simbólicos) chamaremos aqui de estruturação da
realidade. Os conjuntos dessas adaptações chamaremos de esquemas, ou seja, são
conjuntos ação sobre o mundo que construímos, ampliamos e experimentamos colocar
em prática sobre novos elementos (assimilação). Assim, um esquema tátil, por
exemplo, se refere ao conjunto de todas as adaptações feitas com todos os objetos
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percebidos pelo tato, adaptações diferenciadas e relacionadas. Esquema então,


segundo Piaget e Inhelder (1994, p. 15) será “a estrutura ou a organização das ações,
as quais se transferem ou generalizam no momento da repetição da ação, em
circunstâncias semelhantes ou análogas”, ou seja, no momento da assimilação, como
já explicamos.
Essas ações cognitivas de estruturação, de organização da realidade,
culminarão potencialmente no pensamento lógico característico do terceiro e quarto
estádios do desenvolvimento cognitivo. Vamos compreender este desenvolvimento?

2.1.2 ESTÁDIOS DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

Piaget concebe que as estruturas com as quais organizamos cognitivamente


a realidade aprimoram-se em estádios progressivos em termos de abstração e
complexidade, possibilitando novas formas de aprender/agir mental e fisicamente no
mundo.
Segundo Piaget (PIAGET; INHELDER, 1994, p. 130-132), quatro serão os
fatores determinantes do desenvolvimento cognitivo.
O primeiro e primordial seria a maturação orgânica, pois é necessário o
desenvolvimento do complexo formado pelos sistemas nervoso e endócrinos. Uma
criança de oito meses não terá condições orgânicas de aprender álgebra e literatura.
Mas atenção: o desenvolvimento orgânico é condição, mas não é determinante do
desenvolvimento cognitivo. Conforme crescemos (dentro de condições normais
biologicamente esperadas), adquirimos potencial orgânico para nos desenvolver, o qual
pode não se tornar um fato completamente bem sucedido por diversas razões, dentre
elas a falta de experiências com a realidade e de estímulos sociais (educativos, por
exemplo) (PIAGET; INHELDER, 1994, p. 130). Ou seja, mesmo um adulto pode não ter
desenvolvido seu potencial para aprender álgebra e literatura, por exemplo.
O segundo fator, se refere às experiências adquiridas pelas ações físicas e
mentais sobre os objetos da realidade. Como vimos acima, conhecer implica em agir
sobre a realidade, formando e ampliando esquemas pelos mecanismos de assimilação-
acomodação e de equilibração. Sem experiências que desafiem a estrutura cognitiva,
não há desenvolvimento de esquemas, logo, de conhecimento e de formas de aplicar
conhecimento.
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O terceiro fator é o das “interações e transmissões sociais” (PIAGET;


INHELDER, 1994, p. 131). É importante enfatizar este fator, pois outro erro que se
comete ao falar de Piaget é dizer que ele ignorou os fatores socioculturais na
determinação do desenvolvimento cognitivo. Pelo contrário, segundo o próprio Piaget
“A inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de interações
sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas” (PIAGET, 1967 apud
TAILLE, p. 11, 1992).
O quarto fator é o mecanismo de equilibração, o qual se refere à própria
natureza do interacionismo. Fatores inatos apenas ou ambientais apenas são
insuficientes para explicar a direção do desenvolvimento cognitivo. A autorregulação do
organismo se dá por “compensações ativas do sujeito em resposta às perturbações
exteriores e de regulagem ao mesmo tempo retroativa (sistema de anéis ou feedback)
e antecipadora” (PIAGET; INHELDER, 1994, p. 132).
Feitas tais considerações, resumidamente, apresentaremos os quatro
estádios do desenvolvimento cognitivo segundo Piaget.

Estágio Sensório-Motor: em média de 0-2 anos de idade

A criança constrói esquemas físicos a partir dos sentidos e dos modos de


ação motora sobre os objetos. Desenvolve estratégias para lidar com a realidade física
e aos poucos começa a conservar mais e melhor em sua mente as características dos
objetos e fenômenos do mundo. As relações entre os elementos da realidade são
sentidas, mas não entendidas com a razão (PIAGET; INHELDER, 1994, p.11-29).
A criança “sensório-motora” apresenta como característica o Egocentrismo
Total. Devemos entender Egocentrismo como uma forma de conceber a realidade
como uma continuidade de nós ou melhor, como se tudo o que existe, nós e o
ambiente fôssemos uma mesma coisa. Assim, sendo o mundo uma extensão da
criança, sem separação, ela tende a conferir a si mesma a responsabilidade pelos
fenômenos que a cercam. Veja, da perspectiva da criança neste estágio, sobretudo
bebês com meses de vida, não há diferença entre eu e objeto, entre eu e outro.
Este Egocentrismo Total, aos poucos, irá diminuir, ou seja, a criança
começará a se diferenciar dos outros elementos que a cercam. Mas o processo se dará
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como cumprido apenas após os 6 a 7 anos de idade, em média, quando a criança


entrar no Estágio Operatório-Concreto. Portanto, o Egocentrismo como modo de
compreender e organizar a realidade será característico dos Estágios Sensório Motor e
Pré-Operatório (6 a 7 anos), embora diminua gradualmente.
Mas, como se dará tal diminuição do Egocentrismo? Pela formação da
realidade objetiva, ou seja, pela separação entre sujeito e objeto que só é possível pela
experimentação das diferentes propriedades do eu e dos objetos da realidade.
Ao experimentar suas ações físicas motoras e sensíveis no contato com os
objetos, a criança conhecerá sons, texturas, pesos, gostos, cheiros, formas, cores,
intensidades de luz e pressão, bem como flexibilidade, deslocamentos, elasticidade,
volume dos objetos. Mas também conhecerá os limites e possibilidades de seu corpo,
reconhecendo este como mais um entre os demais objetos do ambiente, separado dos
outros (repetindo, de modo lento e progressivo). O “esquema corporal”, representação
mental dos limites da extensão do corpo se formará aos poucos, possibilitando o
surgimento da noção de eu.
Conforme mencionamos, pelos mecanismos de equilibração e de
assimilação-acomodação, a criança enriquecerá progressivamente seus esquemas
sensório-motores, diversificando e coordenando esquemas de ação física sensório-
motora sobre o mundo. Conhecerá e organizará em sua estrutura diferentes modos de
ação padronizados para diferentes pesos, cores, cheiros, gostos etc., assim como
coordenará e combinará diferentes esquemas, por exemplo, estruturando um objeto
grande e leve e outro grande e pesado, um outro pequeno e leve, outro pequeno e
pesado. Assimilará a estes, ações estruturantes para outras propriedades que
possuírem, como suas cores e formas.
Como toda a teoria de Piaget é uma explicação sobre o desenvolvimento do
pensamento lógico estruturante da realidade, devemos perceber que o “embrião” do
pensamento lógico está nos esquemas práticos do Estágio Sensório-Motor.
Vamos entender aqui Lógica como a relação entre elementos concretos ou
abstratos. A relação em si é abstrata e não material. Como assim?
Veja, se lhe mostro duas frutas, uma laranja e um limão, e peço que você
me aponte duas semelhanças e diferenças, por comparação, você criará relações entre
elas. Ao colocá-las em um mesmo grupo, o das frutas cítricas, você estará
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organizando-as (lembra? Estruturar, dar forma?) como seres que guardam relação de
semelhança e formará esquemas simbólicos (signo “cítrico” e significado de “fruta
cítrica”) para reconhecê-los depois (assimilação), já atribuindo “formas do
entendimento” a eles. Ao organizá-los em grupos diferentes (limão como mais azedo e
menos doce; laranja como menos azeda e mais doce), você estabelecerá relações de
diferença ou exclusão entre eles.
Perceba que as relações também têm como propriedade a reciprocidade:
limão é igual à laranja, assim como laranja é igual a limão. O mesmo se dá ao afirmar
suas diferenças, mas vamos além, tratando de outras relações entre elementos, de
modo mais desafiante um pouco.
Digamos que seja possível estabelecer uma relação de causalidade entre os
conceitos de injustiça e violência (elementos abstratos). Poderíamos dizer que
“injustiça causa violência”. Pela lei da reciprocidade, exigência do pensamento lógico,
“violência é consequência da injustiça”, concorda? Perceba que é como revertermos a
direção da relação: A → B e depois A ← B. Lógica é uma relação reversível.
Pois bem, agora você entendeu que lógica é a relação reversível entre
elementos (são muitas as formas de relação, como semelhança, diferença, inclusão,
exclusão, causa-consequência, meio-fim, oposição, silogismo, tautologia etc.) e que
“operação mental” é o ato de agir mentalmente sobre os elementos de modo a
organizá-los pelo estabelecimento de relações lógicas reversíveis. Esta capacidade,
segundo Piaget, só estará madura (ainda não plenamente) por volta dos 6 a 7 anos de
idade, quando a criança puder estabelecer relações lógicas reversíveis (operar
mentalmente) sobre elementos concretos da realidade que ela pode sentir, ou
representar mentalmente (Estágio Operatório Concreto). Porém, como diríamos, o
“embrião” desta capacidade de operar logicamente sobre a realidade já estará presente
no Estágio Sensorio-Motor. Como?
A criança pequena, o bebê, ao agir sobre os objetos e no ambiente
apresenta ações ritmadas repetitivas, puxando várias vezes um pedaço de pano,
batendo um objeto plástico nas grades do berço ou no chão, balbuciando sons
repetidamente, etc. É como se ele experimentasse várias vezes a mesma ação e sua
reação resultante. Percebe? Ação e anulação da ação, ir e voltar, mover da esquerda
para a direita e depois voltar ao ponto de partida, silêncio-som-silêncio são
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manifestações de reversibilidade. Sente-se fisicamente o que ainda não é possível


realizar mentalmente.
Mas por que não é possível para o bebê imaginar a ação e a anulação da
ação, operar logicamente sobre a realidade? Porque para isso ele precisará ainda
desenvolver sua capacidade de representar mentalmente a realidade. Até um ano e
meio a dois anos ainda não são capazes de gerar representações mentais sobre a
realidade (dificilmente alguém tem lembranças genuínas de quando estava nesta
idade). Por não representar, a criança “sensório-motora” (mais nova) não conserva
(reter na memória) elementos, mas é claro que, conforme cresce, vai adquirindo tal
capacidade, sobretudo a partir dos dezoito meses em média.
Pela mesma razão, ela não consegue exercer plenamente o uso da
linguagem simbólica. O próximo estágio será caracterizado por esta possibilidade.

Estágio Pré-Operatório: em média de 2-7 anos de idade

A criança interioriza os elementos do mundo, as relações entre eles e os


fenômenos em formas de representação mental, libertando-se mais dos limites dados
pela realidade concreta sensível. Pode agora manipular o mundo em sua mente.
Graças ao poder de interiorizar elementos, progressivamente interioriza cada vez mais
e melhor palavras ouvidas e escritas, associando essas aos elementos representados
mentalmente, adquirindo linguagem para se comunicar e compreender as pessoas. É o
que se chama função simbólica (PIAGET; INHELDER, 1994, p. 46).
Como ainda está se desprendendo do apoio concreto para pensar, não
consegue entender bem as relações entre os elementos (ideias de quantidade, massa,
volume, comprimento, distância e outras ainda são muito abstratas para ela). É
fundamental compreendermos como se inicia e se desenvolve o processo pelo qual a
criança alcançará a possibilidade de exercício de função simbólica e, logo, de
linguagem.
Entre os 18 e 24 meses de idade, em média, a criança se encontra no sexto
sub-estágio do Estágio Sensório-Motor. Suas potencialidades para conservar objetos e
fenômenos permanentes aumenta e isso possibilita que ela interiorize suas ações no
mundo.
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A criança adquire a capacidade de representar alguma coisa (um


“significado” qualquer) por meio de um “significante” diferenciado e que só serve para
essa representação: linguagem, imagem mental, gesto simbólico, etc (PIAGET;
INHELDER, 1994, p. 46).
Nos esclarecendo. Representar é tornar presente algo que está ausente por
meio de outra coisa que está presente. Uma caneta (presente) pode representar um
microfone (ausente) e assim a criança usa a caneta como símbolo de microfone para
brincar. Palavras representam objetos (os substituem), assim como as imagens
mentais que temos em memória também são representações da realidade, não ela em
si mesma.
Significado é a ideia ou conceito que o objeto, ou fenômeno original
concreto carrega e que o seu substituto, o símbolo, também carrega. Se lhe escrevo e
você lê a palavra “pêra”, imediatamente pelo símbolo da escrita “pêra”, você traz a tona
outro representante simbólico da fruta concreta que é a imagem da “pêra” que surge
em sua cabeça. A fruta em si, a palavra que representa e a imagem que veio à sua
mente carregam o mesmo significado e é isto que possibilita o uso de símbolos para
entendermos a realidade e nos comunicarmos.
Significante será a parte sensível do símbolo. Ao falar a palavra “pêra” você
ouve som; ao escrever a palavra, você vê a escrita. Isso que você capta pelos sentidos
chama-se significante.
Piaget e Inhelder (1994, p. 48) explicam que há cinco fases de
desenvolvimento da função simbólica para se chegar à linguagem, sendo: imitação
diferida, jogo simbólico, desenho, imagem mental e linguagem.
A linguagem tem, para Piaget (PIAGET; INHELDER, 1994, p. 76) papel
muito importante, pois ao contrário das outras formas de representação mental
construídas pelo indivíduo conforme suas necessidades, “a linguagem já está toda
elaborada socialmente e contém de antemão, para uso dos indivíduos que aprendem
[...], um conjunto de instrumentos cognitivos (relações, classificações, etc.) a serviço do
pensamento” (PIAGET; INHELDER, 1994, p. 76).
Ela é uma forma de representação da realidade que oferece incríveis
vantagens em termos de velocidade (compare com condutas mais sensório-motoras
usadas para se comunicar, como a mímica, por exemplo), de flexibilidade no tempo
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(falamos sobre passado, presente e futuro) e no espaço (dispensa a presença física


das pessoas e objetos).
Portanto, a linguagem é a forma mais aprimorada de representação utilizada
pelo pensamento simbólico, consequência da evolução das formas desenvolvidas
anteriormente. A conservação de imagens mentais (mesmo rígidas) possibilita a
conservação de sons e imagens correspondentes a símbolos (palavras escritas e
oralizadas, por exemplo), cujos significados são os mesmos de elementos concretos e
abstratos da realidade que estão sendo estruturados (formação de esquemas), desde o
início do sensório-motor.
Porém, preste muita atenção... Sendo a linguagem um sistema simbólico
social, ainda que aprimorado e repleto de vantagens, ela ainda é uma forma de
representação. Os elementos que as palavras representam são organizados na fala
oral e escrita pelas ações mentais estruturantes da realidade que tem sua origem e
desenvolvimento independentes e anteriores à fala, à entrada da criança no mundo da
linguagem.
Vamos destacar então, a partir de agora, características das ações mentais
intuitivas da criança no pré-operatório. Por “intuição” Piaget se refere a uma forma de
inteligência que toma como base o apoio concreto, material, sensorial e motor;
conclusões e relações contaminadas pela materialidade fortemente presente e captada
pelas sensações.
Dominada pelos aspectos perceptivos dos objetos, a criança não se revela
capaz de realizar inferências (deduções) a partir de propriedades de cunho mais
abstrato, como já exemplificamos, substância, peso, volume, comprimento, superfície,
conjuntos após mudanças espaciais (quantidades) etc.
A criança está focada em apenas um aspecto da realidade (dificuldade
para lidar com diversas variáveis simultaneamente). Considera apenas o seu ponto
de visão das situações (Egocentrismo). A prova do monte, ou das montanhas, trata
disso. Coloca-se três imagens de montanhas (em papelão, por exemplo), uma grande,
uma pequena e uma média, diante da criança, sentada atrás de uma mesa em que as
imagens estão de pé. O avaliador se posiciona do lado oposto da mesa. Pede que a
criança descreva como ela vê as imagens. Normalmente a criança fará um desenho
que reproduz as diferenças de altura entre as três montanhas. Depois o avaliador pede
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que a criança desenhe como ele, o avaliador, enxerga as montanhas. A criança no pré-
operatório mais uma vez desenha como ela mesma vê as montanhas, pois é incapaz
de considerar o ponto de vista do avaliador. Por tudo que já explicamos, você deve
entender que este deslocamento precisa do pensamento reversível.
Por não conservar transformações dinâmicas, intermediárias, a criança não
consegue relacionar os estados iniciais e finais de um processo, ou seja, não opera
por reversibilidade, como dissemos. É como se ela “tirasse duas fotos” da realidade,
uma no início outra no final, e ainda não visse relação entre elas (como uma levou ou
foi levada pela outra). Alguns teóricos denominarão essa forma de pensar como
“percepção episódica da realidade”.
Raciocina transdutivamente. Significa que estabelece relações
associativas entre as coisas do particular para o particular, sem considerar relações
lógicas. As crianças precisam estabelecer relações de causa e efeito, mas como não
têm experiência suficiente e não operam logicamente, criam relações entre fatos de
modo ilógico. Para ser lógico, seu planejamento deveria considerar as classificações
dos fenômenos e a possibilidade de generalização das conclusões (de particular para o
geral). O raciocínio transdutivo se fundamenta na percepção imediata dos fenômenos:
“depois que ouviu que a banana verde dá dor de barriga, o alface (verde...) dá dor de
barriga”.
A criança ainda apresentará os pensamentos mágico-fenomenistas:
Realismo: tornar material os processos psicológicos como pensamentos e
sentimentos. Ex: “o pensamento é uma boca que está atrás da minha cabeça e que
fala com a boca da frente”.
Animismo: aquilo que não é vivo ganha vida e características humanas
como intenções e sentimentos. Ex: “a nuvem tá chorando mamãe, tá triste”; “A lua
segue a gente”;
Fenomenismo: fenômenos que ocorrem próximos no tempo são
relacionados como causa e efeito. Ex: “quando fico com fome o almoço fica pronto”;
Finalismo: tudo que existe naturalmente foi construído artificialmente pelo
homem ou pelo ser supremo. Ex: “o mar ficou cheio depois de jogar muitos baldes de
água dentro”; “A fumaça fez a nuvem”.
Perceba que as relações de causalidade e finalidade estão presentes (como
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dissemos, desde o sensório-motor), mas ainda limitadas pela concepção concreta


imediata e presente da realidade. A criança precisa dar mais um passo na sua
separação cognitiva da realidade concreta.
O aprimoramento da função simbólica é que possibilita isso, pois os
representantes mentais (imagens, palavras) ganharão maior poder de conservação de
seus atributos, dispensando o apoio sensorial enganoso, significados mais abstratos,
generalizáveis que governam as relações entre os muitos elementos representados
tornam-se evidentes graças à expansão e correlação entre os esquemas simbólicos da
realidade.

Estágio Operatório Concreto: em média de 7-11 anos

A criança adquire potencial para compreender relações abstratas entre os


elementos, agindo e anulando ações mentalmente (reversibilidade), mas só consegue
fazê-lo com apoio concreto (PIAGET; INHELDER, p. 80-109, 1994). Precisa ver ou
imaginar objetos concretos para estabelecer relações entre eles. Ex.: dez ovos estão
em sua mão, mas se caem dois, quantos ficam? . Se perguntar à criança “10x – 2x =
?”, ela terá grande dificuldade em responder, pois não há apoio concreto.
Portanto, mesmo livre cognitivamente da imposição das informações
sensíveis imediatas para compreender a realidade, para estabelecer relações lógicas a
criança precisa evocar elementos concretos de modo a evocar também todos os
atributos relacionados a eles, incluindo os abstratos, para poder operar com
reversibilidade.
Como características do operatório-concreto, vamos destacar:
Descentração: seu pensamento agora é mais objetivo, ou seja, “pensa fora
de si”, considera a perspectiva do outro. Por exemplo, antes, quando estava no pré-
operatório, se a mãe cortasse um bife comprido ao meio, mas no sentido de seu
comprimento, gerando duas fatias finas, a criança poderia brigar dizendo que era
pouco e pedir para cortar no sentido da largura do bife, pois então teria mais carne, o
que não tem lógica. A criança “operatória” entende que tanto faz a direção do corte,
pois é capaz de ter em mente a quantidade invariante de carne e compreender as
relações de compensação e reciprocidade, conforme explicamos acima.
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A realidade passa a ser inferida, ou seja, as crianças tendem a confiar


mais nas deduções lógicas do que na realidade imediatamente percebida.
Para realizar uma dedução, é necessário realizar indução e generalização.
Induzir significa partir do particular para o geral. Ex: depois de ficar gripado ao andar
sem camisa em um dia frio; de ficar gripado ao andar de carro de vidro aberto a noite
passando frio; de ficar gripado depois de ter passado muito tempo na piscina em um
dia frio (situações particulares) induz-se que “passar por situações de esfriamento do
corpo pode desencadear um processo gripal”. O produto da indução é a
generalização, ou seja, a frase que acabamos de escrever e que se trata de uma
conclusão, uma generalização e, por isso, aplicável em outras situações. O nosso
personagem que fez sua indução e generalização um dia então vê o pai chegando em
casa de moto, de camiseta apenas, em uma noite fria, reclamando do frio. No dia
seguinte ele vê o pai espirrando, com o nariz escorrendo e deduz: “você passou frio,
por isso está gripado”. Assim, ele realizou uma inferência por ter relacionado fatos e
chegado a uma dedução lógica (do geral para o particular).
Perceba que um pensamento transdutivo do tipo “o pai espirra porque está
feliz”, em alusão aos anões da branca de neve no desenho que viu não faria nenhum
sentido agora, para esta criança...
A reversibilidade pontua a estrutura operatória. Agora a criança consegue
anular as ações interiorizadas mentalmente. Pode fazê-lo por inversão ou negação
(lembra? 1 + 2 = 3, logo, 3 – 2 = 1) ou por compensação ou reciprocidade (um material
longo e estreito pode pesar o mesmo quando curto e largo).
Enfim, agora é possível conservar invariantes como: peso, comprimento,
massa, volume, etc., apesar das transformações. Isso confere “liberdade” para o
pensamento que agora, pode operar sobre a realidade. As operações mentais serão
ações organizadoras da realidade.
A criança vai operar, por exemplo, por classificação, inserindo e excluindo
elementos em classes e subclasses, por conseguir conservar quantidades. Isso
possibilita fazer diversas análises e comparações. Por exemplo, os colegas de sua sala
de aula podendo ser classificados e reclassificados (por idade, altura, gosto por
comida) e subclassificados (meninos com sete anos e meninos com oito anos, meninas
que preferem doces, meninas que preferem salgados).
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Também podem operar mentalmente por seriação, que significa organizar


elementos em graus hierárquicos mediante os mesmos critérios. Por exemplo, pode
seriar brinquedos amarelos dos mais escuros aos mais claros; sons de música dos
mais graves aos mais agudos. Perceba que classificação é pré-requisito para seriação.
Estas são apenas algumas das operações mentais possíveis, mas,
lembrando ainda, dependentes de representações concretas.
Você percebeu que no sensório-motor, por assimilação-acomodação e
equilibração, formam-se esquemas sensório-motores. Pelos mesmos processos de
aprendizagem, formam-se esquemas simbólicos (palavras podem ser reconhecidas na
assimilação e aprendidas na acomodação, por exemplo, criando-se esquemas para
significantes e significados).
Veja, os esquemas sensório-motores e simbólicos continuam sendo
ampliados e coordenados a vida toda, e agora acrescenta-se a formação de esquemas
lógicos para assimilar a realidade, o que também será permanentemente enriquecido
pelas experiências que pedem ação mental do objeto sobre a realidade, estruturando-
a. Isso significa formar padrões de organização lógica da realidade (esquemas lógicos)
para organizar realidades a serem conhecidas (assimilação).
Agora imagine se alguém, tendo estruturado de tantas formas o objeto
“lápis” considerasse transcender a relação do lápis com o papel (a qual conhece bem)
e pensasse: “E se eu pudesse fazer do meu dedo um lápis e da tela do computador
uma folha de papel?”. Esta pessoa estaria prestes a criar a tela de “touchscreen”, hoje
presente em celulares e computadores, por exemplo.
O modo de pensar, de estruturar a realidade desta pessoa é um tipo do
último e mais alto estágio de desenvolvimento cognitivo: o Operatório Formal.

Estágio Operatório-Formal: em média, de 11 anos em diante

O adolescente adquire a capacidade de pensar teoricamente, ou seja,


apenas com base em relações, indiferente aos objetos concretos. Consegue pensar de
modo abstrato. Assim, seu pensamento se torna muito mais flexível e ele pode
imaginar diversas relações possíveis, gerando novas hipóteses sobre a realidade e
questionando as coisas como se encontram relacionadas (PIAGET; INHELDER, 1994,
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p. 111-128).
“Formal” está relacionado à ideia de “forma”. Lembra-se das “formas da
razão pura” de Immanuel Kant? Pois bem, aprendemos que as operações mentais
organizam, estruturam, dão forma à realidade (organização em séries, classes,
hierarquias, ciclos, causas, consequências, meios, fins, etc.).
Aquele que opera no nível formal, portanto, considera mais as relações
lógicas da realidade e deixa em segundo plano os elementos concretos dos quais
dependia para pensar no Operatório Concreto. Ele não precisa que lhe seja dito “10
ovos menos 2 ovos é igual a 8 ovos”. Para ele, “10 quaisquer coisas menos 2
quaisquer coisas é igual a 8 quaisquer coisas” ou “10x – 2x = 8x”.
Perceba que seu pensamento agora é completamente livre da realidade
concreta. Isso significa que ele pode estabelecer relações lógicas entre quaisquer
coisas. O tipo de pensamento típico desse estágio é o hipotético-dedutivo, pois
relações possíveis entre elementos são imaginadas assim como as consequências
dessas relações. Este pensamento é fundamental para a criação de teoria e solução de
problemas que podem pedir diferentes hipóteses a serem testadas.
Ocorre que o pensamento operatório formal pede pelo adequado
desenvolvimento cognitivo nos estágios anteriores, o que infelizmente não ocorre com
aqueles que foram pouco expostos a experiências e desafios que exigissem
pensamentos operatórios. Como já esclarecemos no início, todos os fatores
determinantes do desenvolvimento cognitivo precisam estar harmonizados e alinhados
para que o mesmo ocorra com sucesso, incluindo estímulo por parte de pais e
professores.

2.1.3 EPISTEMOLOGIA GENÉTICA E EDUCAÇÃO ESPECIAL

Pessoas com deficiências sensoriais e físicas são capazes de construir e


coordenar seus esquemas de ação física e mental normalmente, embora não contem
plenamente com a integridade de todos os seus sistemas sensoriais e/ou motores.
Suas sensações físicas, suas imagens mentais e seus esquemas lógicos de
desenvolverão a partir dos tipos de estímulos que podem receber e processar.
A Profª Maria Teresa Egler Mantoan da UNICAMP é uma das maiores
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especialistas em nosso país sobre construtivismo aplicado ao estudo da deficiência


intelectual (DI). Criou o PROEDEM – Programa de Educação do Deficiente Mental – e
é consultora do MEC. Em sua obra “A construção da inteligência nos deficientes
mentais: um desafio, uma proposta”, aponta conclusões sobre educação da pessoa
com deficiência intelectual após anos de desenvolvimento do PROEDEM.
De acordo com Mantoan (1991), pessoas com DI se revelam prejudicados
tanto na fase de construções sensório-motoras quanto na fase seguinte, a das
construções simbólicas. Os esquemas físicos e mentais construídos se mostram
incompletos devido às limitações trazidas pelas alterações orgânicas encefálicas
(estrutura e funções prejudicadas de neurônios e células gliais). Por conta disso, a
interação entre sujeitos com DI e ambiente ficam prejudicadas, por não coletarem
adequadamente todas as informações necessárias e por processá-las de modo falho.
O processamento das informações depende da boa preservação de
sistemas neurológicos responsáveis por percepção, motricidade, memória e ativação
voluntária de ações mentais para solucionar problemas. Fenômenos como fixação na
assimilação-acomodação de objetos e de parada de desenvolvimento intelectual se
devem a estas limitações (MANTOAN, 1991).
A autora ressalta que os conhecimentos construídos pelas pessoas com
deficiência e por crianças de menor idade, quando bem estruturados, se revelam
semelhantes. Uma parcela significativa das pessoas com DI desenvolve estruturas pré-
operatórias semelhantes às crianças em idade de Educação Infantil (sugiro reler as
características explicadas anteriormente), outros avançam ao estágio operatório-
concreto, mas dificilmente desenvolvem estruturas operatório-formais. As pessoas com
DI dependem mais das condições externas oferecidas pela escola e pela família para
serem capazes de transferir pensamentos lógicos de uma situação para outra
(MANTOAN, 1991).
Um aspecto positivo é que uma vez que as pessoas com DI avançam em
seu desenvolvimento, não regridem a estágios anteriores, podendo estabilizar ou
avançar. Para superar o fenômeno da fixação em determinado estruturação, é
importante o estímulo educacional.
Para as pessoas com DI, estímulos à formação de esquemas de ação física
e simbólica para adaptação aos ambientes escolares e não-escolares são prioritários
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com relação aos estímulos às operações lógicas (MANTOAN, 1991), ressaltando-se


que não estamos aqui afirmando que estes não são também importantes uma vez
dadas as condições para ocorrerem.

2.2 TEORIA DO PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO ESPECIAL

Primeiramente, vamos conhecer a Teoria do Processamento da Informação


para, posteriormente, destacarmos o que seus pesquisadores afirmam sobre o modo
como pessoas com Deficiência Intelectual processam informações.
O processo básico de fluxo da informação em sistemas de informática se dá
basicamente por três fases que corresponderiam a fases do ato mental humano: input
ou entrada de informação; elaboração ou processamento da informação; output ou
saída de resultado, produto do trabalho de processamento e elaboração. Apesar de
constar como procedimento de input, é possível complementar o ciclo com o processo
de feedback ou retroalimentação, pela qual o sistema recebe nova entrada de dados,
correspondente aos resultados das três fases anteriores, ou seja, informações a
respeito da suficiência em quantidade e qualidade das informações que entraram, das
relações estabelecidas durante o processamento e das conclusões do processo. O
feedback possibilita que o sistema evidencie problemas que possam ter ocorrido
durante as fases e corrigi-los, e possibilita ainda o aprimoramento dos processos,
mesmo os bem ocorridos anteriormente. Dependendo dos diferentes modelos de
pesquisadores e teóricos da teoria do processamento da informação, componentes
deste sistema podem ser suprimidos ou adicionados, denominações diferentes podem
aparecer, porém, a estrutura básica é esta apresentada acima.
Segundo Bzuneck (p. 20, 2004), nos anos 60, Atkinson e Shiffrin sugeriram
cinco componentes básicos do sistema cognitivo que se tornaram a referência mais
aceita entre especialistas: “o registrador sensorial da informação proveniente do
ambiente externo, a memória de curto prazo, a memória de longo prazo, os processos
de controle executivo e a saída” (BZUNECK, 2004, p. 20). Note que a sequência
respeita os processos de input-elaboração-output na formação do conhecimento.
Mas o que é conhecimento?
Woolfolk (2000, p. 220-221) define o que é conhecimento para a abordagem
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cognitiva. Como resultado da aprendizagem, “conhecimento enfatiza entendimento de


conceitos e teorias em diferentes esferas de matérias e capacidades cognitivas gerais,
tais como raciocínio, planejamento, solução do problema e compreensão da
linguagem” (WOOLFOLK, 2000, p. 200).
Além de conhecimentos de aplicação geral (em diversas situações) e de
aplicação específica, conhecimentos podem ser:
- Declarativos: são aqueles que podem ser declarados por mensagens em
diferentes modalidades. É “saber que” uma coisa é do jeito que é. As unidades de
conhecimento declarativo podem ser organizadas em unidades maiores (GAGNÉ;
YEKOVICH; YEKOVICH, 1993 apud WOOLFOLK, 2000, p. 221).
- Processuais: “saber como” fazer é diferente de dizer como fazer
(declarativo). Esses conhecimentos processuais têm a ver com aquilo que a pessoa faz
ao trabalhar mental ou fisicamente para realizar alguma coisa.
- Condicionais: é saber das condições adequadas para executar alguma
coisa, ou seja, é “saber quando e por que” aplicar determinados conhecimentos, sejam
eles processuais ou declarativos. O conhecimento condicional é possibilitado pela
percepção de contexto, pelas relações entre o conhecimento e as condições dadas
pela situação em que devem ser colocados em prática os conhecimentos declarativos e
processuais.

2.2.1 MEMÓRIA SENSORIAL

Nossa memória sensorial é responsável pela detenção dos estímulos do


ambiente por um tempo bastante breve, entre um e dois segundos, de acordo com
Woolfolk (2000, p. 223). Os estímulos, todos, que nos chegam são denominados
informações pela Psicologia Cognitiva.
Ocorre que nosso sistema cognitivo é preparado para lidar de modo
adequado com esses muitos estímulos simultâneos. Ele é dotado daquilo que se
chama percepção seletiva, função responsável pela entrada limitada de informação e
exclusão das demais. A percepção seletiva só funciona mediante ação de outra função
cognitiva: a atenção. Ambas atuam unidas e mediante a falha da atenção, ocorrem os
erros de percepção seletiva, como da pessoa que não percebe a luz vermelha do
semáforo no trânsito, o texto que lê “sem ler” ou a aula que apenas aparentemente
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ouve, mesmo que os sons cheguem ao seus ouvidos.


Bzuneck (2004, p. 23) destaca que dois fatores ao menos interferem para
aumentar ou diminuir a eficiência das duas funções citadas: as propriedades do
estímulo e os conhecimentos prévios do aluno, por exemplo. Como propriedades do
estímulo, podemos citar suas características que despertam mais atenção do sujeito,
como por exemplo, o tom de voz animado e enfático do professor. Mas também,
digamos que este mesmo professor se assemelhe com um parente muito querido por
um determinado aluno ou que aquilo que ensina o aluno aprendeu muito bem e gostou
em aulas de outro professor do passado. Estes conhecimentos prévios, de acordo com
o autor, despertariam maior atenção e logo melhor percepção seletiva do aluno.
Percepção será “o significado que associamos à informação bruta recebida
pelos nossos sentidos” (WOOLFOLK, 2000, p. 223), o qual depende das características
do próprio estímulo e dos conhecimentos que já temos construídos, como já
explicamos acima conforme Bzuneck (2004).
As aplicações do que dissemos para a aprendizagem são evidentes: sem
atenção, não há percepção, logo, não há entrada de informações que precisam ser
aprendidas. Woolfolk (2000, p. 225) sugere várias ações que o professor pode pôr em
prática para manter a atenção, como usar sinais que se tornem próprios deste
professor para chamar a atenção dos alunos (como um jargão, um assovio ou uma
batida no quadro, por exemplo); dar ênfase a estímulos (voz, movimentos inusitados),
variar estímulos para diferentes canais sensoriais ou ainda atiçar a curiosidade com
perguntas intrigantes e que tenham significado para os alunos (ver percepção e
significado acima).

2.2.2 MEMÓRIA DE CURTO PRAZO (OU DURAÇÃO) / MEMÓRIA DE TRABALHO

Segundo Bzuneck (2004, p. 23), Atkinson e Shiffrin nomearam como


Memória de Curto Prazo aquela que recebe a informação selecionada pela percepção
e a manipula, para definir se ela deverá ser armazenada na Memória de Longo Prazo.
Mais ainda, as informações contidas na Memória de Longo Prazo podem ser captadas
e armazenadas na Memória de Curto Prazo.
É muito interessante destacar uma característica desta Memória, que é
o breve tempo de permanência do registro da informação, máximo de 30 segundos
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(BZUNECK, 2004, p. 24), forçando o sujeito a ter que reforçá-la continuamente para
não perdê-la. Outra fragilidade da Memória de Curo Prazo é a quantidade de
informações que ela comporta, apenas sete itens em média, conforme diversos
experimentos.

Ocorre que posteriormente novas conclusões científicas a respeito da


Memória de Curto Prazo surgiram e seu nome foi alterado por caracterizar apenas uma
de suas características, de importância menor. Mediante todas as operações que ela
realiza sobre as informações, foi renomeada como Memória de Trabalho.

Segundo Bzuneck (2004, p. 26), Baddeley e Hitch destacaram que


existe um executivo central. Sua função é “administrar” a manutenção da informação
enquanto for necessário para que ela não se perca, utilizando para isso daquilo que os
pesquisadores chamam de alças fonológicas e visuoespaciais, que sob seu comando e
controle atentos, farão com a informação o que ele determinar, podendo apenas usá-la,
repeti-la (para manter ativa por alguma razão) ou armazená-la na Memória de Longo
Prazo. Para isso, as alças podem realizar associações com informações já retidas.

O Esquecimento, segundo Woolfolk (2000, p. 227), pode se dar, na


verdade, por interferência ou declínio. Lembre-se de que a quantidade de informações
retidas na Memória de Trabalho é pequena e se não forem repetidas tempo todo e/ou
associadas, tendem a perder-se. Quando entra uma nova informação, outra é perdida,
pela limitação do “espaço”. Outra situação responsável pelo esquecimento é o próprio
tempo que se passa sem que nossa atenção reative as informações, fazendo com que
elas se percam completamente, gerando situações frustrantes.

O processo de Codificação, enquanto ação específica que espelha


aquilo que se denomina de modo geral como processamento consiste, segundo
Bzuneck (2004, p. 33) “numa ampla variedade de ações mentais que os alunos (por
exemplo) realizam com o objetivo de construir o conhecimento-alvo na memória”
(BZUNECK, 2004, p. 33). Seriam dois os tipos básicos de Codificação: semântica e
não-semântica.

A não-semântica se refere ao tipo de associação arbitrária que pode


ser feita entre a informação que chega e aquelas já armazenadas. Um bom exemplo
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são os “macetes” que os professores de cursinho usam para que os alunos fixem fatos
e fórmulas, por exemplo. Seu efeito, em termos de retenção, tende a ser mais
passageiro do que o da codificação semântica e sua associação limitada a esta
formação, sem grandes possibilidades de outras ligações. Isso porque, na codificação
semântica (Memória Semântica), as informações são associadas às informações
prévias de modo significativo e coerente, formando-se uma estrutura prolongada de
informações na Memória de Longo Prazo. Significa formar memórias para significados.

2.2.3 MEMÓRIA DE LONGO PRAZO

A Memória Episódica consta como Memória de Longo Prazo, segundo


Woolfolk (2000, p. 231), e se refere a retenção de informação referentes a lugares e
momentos particulares em que se passou por eventos na vida. A Memória Processual
se refere ao aprendizado a respeito de como fazer as coisas e se apresenta ao sujeito
como regras de condições sobre o que fazer em determinadas situações (WOOLFOLK,
2000, p. 231)

Mas, quais as características da Memória de Longo Prazo? A


característica mais forte é a aprendizagem de fato, ou seja, alto nível de memorização
e durabilidade da retenção da informação. Sua capacidade é ilimitada e é necessário
esforço para induzir a formação de uma Memória de Longo Prazo.

2.2.4 PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO, DEFICIÊNCIAS SENSORIAIS E


DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Aplicando o que aprendemos anteriormente às pessoas com deficiência


sensorial, é inegável que a coleta de informações se revela necessariamente
prejudicada pela ausência ou déficit dos canais sensoriais quando se compara a
pessoa com deficiência com as que não têm. Uma pessoa com deficiência visual, por
exemplo, captará menos informações do ambiente do que alguém que não tenha.

A princípio, poderíamos deduzir que se a pessoa com deficiência coleta


menos informações, seus processos de elaboração seriam mais prejudicados e, logo,
as respostas mais falhas. No entanto, isso não é necessariamente uma verdade. Mais
importa a qualidade com que se processa os dados, mesmo que incompletos em seu
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conjunto, do que a quantidade coletada. Uma pessoa sem qualquer deficiência


sensorial pode processar informações com menos eficiência do que alguém com
deficiência. A educação inclusiva tem aí seu mais importante papel: criar meios de
apresentar as informações e estimular processos cognitivos que utilizem melhor os
canais sensoriais preservados.

De acordo com Fierro (2004), os processos cognitivos de pessoas com


deficiência intelectual podem estar desde debilitados até ausentes. A capacidade de
aprender se encontra em condições incompletas de beneficiar-se das instruções.
Devido ao atraso cognitivo, os estudantes com deficiência intelectual tendem, de forma
generalizada, a apresentar resistência às instruções e necessitam de instruções mais
completas. O grau de detalhamento de etapas e estímulos das instruções depende de
diagnósticos prévios dos desempenhos dos sujeitos em diferentes tarefas.

Pessoas com deficiência intelectual geralmente são mais lentas e menos


eficientes em processar informações, pois a eficácia depende de conhecimentos
prévios (memória de longo prazo) e uso flexível de diferentes estratégias para
processar e aprender. Uma vez que as estruturas neuronais se revelam prejudicadas,
estratégias de processamento mais cuidadosas precisam ser ensinadas.

O educador deve identificar por microanálises os diversos componentes


processuais (operações cognitivas explicadas anteriormente) que integram o processo
completo de conhecimento (FIERRO, 2004). O principal déficit está em generalizar,
transferir e aplicar estratégias já aprendidas em situações diferentes daquelas em que
foram adquiridas, o que exige consolidação por repetições e variação de contextos de
aplicação, respeitando o tempo e o ritmo próprio dos sujeitos.

III PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO ESPECIAL

As ideias inatistas, sobre determinantes universais com os quais todos


nascemos, exercem visível influência aqui.
Sigmund Freud (1856-1939), médico neurologista austríaco, talvez seja o
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nome mais conhecido (popularmente falando) da Psicologia entre nós no Brasil e talvez
no mundo, inclusive gerando crenças oriundas de senso comum de que ele seria o
próprio “pai da psicologia”, o que não é verdade.
Ao final do Século XIX e início do Século XX, o espírito positivista e
cartesiano (René Descartes) conferia ao homem poder pleno sobre a natureza e sobre
si mesmo graças aos poderes da Razão, da Consciência.
Freud revoluciona o pensamento da época afirmando que todos estavam
superestimando os poderes da razão humana, fundamentando que não temos este
controle todo sobre nossos atos e pensamentos. Movidos por impulsos, desejos
incontroláveis, muito (a maior parte) dos nossos atos e pensamentos e sentimentos,
seriam determinados por uma estrutura da nossa personalidade, o Id, plenamente
impulsivo e irracional e que, logo, não poderia “habitar” em nossa consciência, mas sim
em nosso Inconsciente.

A psicanálise propõe mostrar que o eu não somente não é senhor na


sua própria casa, mas também está reduzido a contentar-se com
informações raras e fragmentadas daquilo que se passa fora da
consciência, no restante da vida […]. A divisão do psíquico consciente
num psíquico inconsciente constitui a premissa fundamental da
psicanálise, sem a qual ela seria incapaz de compreender os processos
patológicos, tão frequentes quanto graves, da vida psíquica e fazê-los
entrar no quadro da ciência […]. A psicanálise se recusa a considerar a
consciência como constituindo a essência da vida psíquica. Mas nela vê
apenas uma qualidade desta, podendo coexistir com outras qualidades
e até mesmo faltar (FREUD apud CHAUÍ, 2008, p. 168).

A teoria de Freud inicia investigações fundamentais sobre processos


psicológicos como “motivação inconsciente, personalidade, comportamento anormal e
desenvolvimento infantil” (DAVIDOFF, p. 16, 2001).
As ideias pilares básicas da Psicanálise são (DAVIDOFF, 2001, p. 16):
- existem leis e determinações sobre a personalidade normal e anormal;
- o inconsciente exerce influência sobre nossa personalidade;
- pelo relacionamento paciente e terapeuta, é possível estudar a
personalidade daquele e compreender seu comportamento (o que traz
contribuições para a educação na medida em que, pela relação aluno e
professor, também é possível compreender melhor a personalidade e
os motivos do comportamento de ambos)
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3.1 ESTRUTURA DE PERSONALIDADE, PSICODINÂMICA E TOPOGRAFIA DA


MENTE HUMANA SEGUNDO SIGMUND FREUD

De forma simplista, talvez possamos dizer que para o médico neurologista


vienense Sigmund Freud (1856-1939), pai da Psicanálise, antes de sermos humanos,
somos animais, temos um corpo que sofre de necessidades fisiológicas e busca
satisfazer essas necessidades para aliviar sua tensão energética, obtendo aquilo que
nos falta. Assim, a necessidade biológica gera o comportamento de busca por aquilo
de que se precisa, ou seja, põe o sujeito em ação, o movimenta (motivação), fazendo-o
descarregar sua energia acumulada no e pelo objeto que deseja, para obter alívio
(descarga) e descansar, voltando ao repouso. É o que ocorre quando estamos com
fome e depois comemos algo, por exemplo.
Vamos então nos organizar conceitualmente.
Instinto pode ser entendido como um padrão de comportamentos que
herdamos biologicamente e é universal, ou seja, está presente em todos os exemplares
de uma espécie animal com pouca variação, obedecendo a uma ordem de ações
também padronizadas e apresentando uma finalidade também universal.
Nossos instintos terão duas formas de manifestação, sendo uma física
chamada necessidade e uma mental chamada desejo. Os instintos, em suas
manifestações físicas e mentais, nos propulsionam a agir de acordo com uma
finalidade: eliminar o desconforto das necessidades e desejos. Só será possível
eliminar este desconforto obtendo-se uma coisa, executando uma ação ou
expressando algo que satisfaça a finalidade da necessidade ou desejo que gerou o
desconforto. Esta coisa, ação ou expressão ganhará o nome de objeto.
Assim, teremos objetos de desejo e objetos de necessidade. Objetos de
desejo geram satisfação mental quando adquiridos, executados ou expressados.
Objetos de necessidade geração satisfação física quando adquiridos, executados ou
expressados.
Os instintos necessitam de energia para movimentar o organismo em busca
de sua satisfação. Esta energia aproveitada pelos instintos de vida se chama libido.
A libido é altamente dinâmica em seu deslocamento, acúmulo e descarga,
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pelo corpo e pela mente, concentrando-se em regiões variáveis do organismo de modo


a gerar ali o que se chama tensão energética, pressão ou força. Se chamará pulsão a
pressão ou força gerada pelo acúmulo de libido. É a pulsão que move o organismo, ou
seja, é o acúmulo de energia física ou mental que possibilita o movimento e a ação,
física ou mental,
Desejos são representações psíquicas das necessidades do corpo que nos
movem para buscar aquilo (representação mental de objetos quaisquer) que pode nos
satisfazer e aliviar a pulsão. As representações serão funções simbólicas que nos
distinguem como humanos, impossibilitando que sejamos considerados como meros
organismos.
Essa movimentação, dinâmica, fluxo ou economia da energia que ora se
acumula, ora se descarrega gerando prazer pela eliminação do desconforto é o que
Freud chama de sexualidade. Ou seja, para Freud, o ato sexual em si é só mais uma
das formas de se descarregar pulsões corporais e psíquicas.
Por isso o que ele também estuda é o desenvolvimento psicossexual da
personalidade, ou seja, o desenvolvimento do modo como ocorre a dinâmica
energética psíquica para satisfazer, adiar ou impedir satisfação de desejos, genitais ou
não, ao longo do desenvolvimento humano, sobretudo na infância.
Agora, mais atenção: O modo do indivíduo “gerenciar” sua dinâmica
energética cria diferentes padrões de comportamento (motivados por maneiras de
conter ou descarregar energia) que vão se tornando estáveis no decorrer da infância e
adolescência. Forma-se assim uma personalidade enquanto resultado final das
diversas formas de lidar com a sexualidade ao longo de estágios especificados por
diferentes formas de acúmulo e descarga libidinal e que redundam em comportamentos
que se tornam padronizados. É um erro grosseiro, portanto, dizer que “Freud só
pensava em sexo” no uso simplista, distorcido e popular do termo. Mas, infelizmente,
esta é a primeira interpretação instantânea que se tem...
Nossa personalidade é formada por três dimensões, uma estrutura que se
inter-relaciona e se desenvolve ao longo de estágios. A primeira a se desenvolver se
chama Id e é ele que contém as pulsões, originadoras dos desejos, é ele que busca
satisfação. Mas os desejos do Id são impulsivos, irracionais, não diferenciam
representação mental de objeto real. Para isso, o Id cria e fornece energia para o Ego.
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Ego, essa dimensão de nossa personalidade que nos dá o senso de


realidade, controla o Id e lhe fornece algo real que ele avalia como podendo satisfazer
os desejos do Id e as necessidades do corpo.
Ocorre que a sociedade funciona por normas e essas normas não permitem
que o homem tenha tudo que deseja, porque seria prejudicial a outros homens e a ele
mesmo. O Superego é formado para reprimir os impulsos do Id e gerar uma aspiração
à perfeição para o Ego. Ele também é controlado pelo Ego para não esmagar o Id e
impedir o “gosto por viver” (obter prazer por descargas de pulsões). Enfim, o Ego luta
para equilibrar Id e Superego e gasta muita energia fazendo isso.
Nossa personalidade e suas dimensões constituiriam nossos
comportamentos, pensamentos, sentimentos e atuariam a partir de regiões diferentes
da mente. Tais regiões são denominadas Consciente, Pré-Consciente e
Inconsciente.
Pensamentos, sentimentos e comportamentos nossos que podemos
observar e relatar a respeito aqui e agora, habitam nosso Consciente. Eles podem
provir de nosso Ego, pela percepção de si mesmo e da realidade, e Superego, na
medida em que também temos consciência das normas sociais.
Pensamentos, sentimentos e comportamentos que podemos evocar, ou
seja, lembrar por alguma razão específica, constam em nosso Pré-Consciente. São
informações que estão ao nosso dispor caso necessitemos, como datas, locais,
acontecimentos, imagens de objetos e pessoas por exemplo, mas também regras e
princípios morais que evocamos para regular nosso comportamento, portanto, Ego e
Superego também expõem seus conteúdo aqui.
Ocorre que a maior parte daquilo que está em nossa mente e que tem maior
poder de influência sobre nossas ações, sentimentos e pensamentos não é acessível
pelo Consciente. Falamos aqui da região do Inconsciente, onde constam nossos
medos, desejos sexuais socialmente inaceitáveis, desejos violentos e destrutivos,
impulsos tidos como imorais, desejos irracionais, perversões, necessidades egoístas,
memórias de experiências humilhantes.
Essa “região de trevas” que existe em nossa mente contém tudo aquilo que
se viesse à tona no Consciente, destruiria a saúde mental e por isso mesmo fica lá,
reprimido pelo Ego e Superego. O Inconsciente é a única região habitada pelo Id, mas
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também pelo Ego (que com o Id se comunica fora de nossa consciência) e


principalmente o Superego que trava uma batalha contra o Id para destruí-lo junto com
todos os seus desejos, monitorada pelo Ego.
Freud realizou uma interessante metáfora, fazendo uma analogia entre a
estrutura de nossa personalidade, as regiões que ela habita (topografia da mente) e a
figura do iceberg. Um iceberg, aquela enorme lasca de uma “montanha” de gelo que se
solta e flutua na água, mostra acima da superfície da água apenas sua menor parte,
estando a sua grande massa abaixo deste nível. Assim também se organizariam a
quantidade de conteúdos e a extensão das regiões de nossa mente, sendo que parte
do iceberg relativa ao Inconsciente e seus conteúdos é extremamente maior do que as
outras, escondida na escuridão profunda do mar de nossa mente, longe dos raios de
Sol da Consciência, luzes da Razão...
Significa que muito pouco do que pensamos a respeito daquilo que somos e
sentimos é conhecido por nós. E isto é o que pode ser conhecido conscientemente, de
modo que seja possível viver em sociedade. A maior parte do que somos é
desconhecida por nós e se de repente se tornasse conhecida, sem preparação
adequada do Ego para controlar, haveria uma crise destruidora entre Superego e Id
(fortes sentimentos de culpa, comportamentos autopunitivos, ímpetos violentos de
rebeldia e agressão, atos imorais) e, por sua vez, entre Sociedade e Indivíduo
(rompimento com leis e normas, com a moral, problemas com forças policiais,
aprisionamento, punições severas).
Então, o que ocorre com as pulsões criadas que estão proibidas de serem
desfeitas?
Assim como é impossível manter um pouco de água dentro de uma concha
formada pelas mãos sem deixar escapar nenhuma gota, a energia reprimida encontra
formas de vazar, afinal, o fluxo energético é intenso e precisa sê-lo para manter o
movimento da vida. As energias serão gastas em atividades de sublimação e neuroses.
Por neuroses, entenda-se de modo simplista, podemos entender
pensamentos geradores de sofrimento psíquico, mas que gastam energia de modo a
manter o equilíbrio dinâmico. São culpas intensas e cíclicas, fixações nostálgicas em
eventos do passado ou ansiosas relativas a possíveis eventos no futuro, medos
cultivados, paranoias como ciúmes e sensação de perseguição, invejas obsessivas,
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controles sobre determinados tipos de pensamento, exigências morais e


comportamentais etc.
No fundo, todos que vivemos em sociedade somos neuróticos, em maior ou
menor grau, pois se não fôssemos, não haveria sociedade. O que possivelmente
ocorre com aqueles que são excluídos da sociedade, depositados à força em prisões e
manicômios, é que podem ser pessoas cujo equilíbrio de personalidade se perdeu (ou
nunca chegou a existir, conforme algumas teorias psicanalíticas), causando o
rompimento do Ego, seja por diluição dos limites entre as regiões Consciente-
Inconsciente (psicoses, por exemplo), seja por falhas do Ego na manutenção de
impulsos e repressões (criminalidade, por exemplo) ou outras causas.
Neuroses (quando não exageradas a ponto de culminar nos rompimentos de
limites e equilíbrios agora descritos) não são saudáveis e causam sofrimento à pessoa
e/ou àqueles à sua volta em diversos graus, mas ao menos são administráveis
socialmente (ainda que por vezes sejam necessários medicamentos como
antidepressivos e ansiolíticos, por exemplo).
Haveria uma cura?
Bem, o conceito de “cura” não cabe aqui, pois a necessidade de manter-se
vinculado à sociedade condiciona o homem às neuroses. Porém, o que seria possível,
digamos, é a aprendizagem sobre como lidar com as Neuroses ou até mesmo eliminar
algumas, embora sabendo que outras surgirão. Pode não parecer, mas isso já é muito
bom, pois o sofrimento e a tortura geradas por algumas Neuroses mais intensas
quando cessado ou diminuído, representa para o cliente um alívio tão grande que ele
próprio se interpreta curado.
E como obter isso?
Pela Psicanálise, ou seja, pela análise do dinamismo psíquico, do
deslocamento das pulsões, das manifestações dos conteúdos inconscientes que
insistem em manifestar-se de modo sintomático e a consequente aplicação do método
terapêutico de provocação de catarses e insights elaborado por Freud e seus
colaboradores.
Freud, na verdade, iniciou suas pesquisas por esse caminho, ficando muito
curioso a respeito do método de hipnose utilizado por Charcot para “curar”
temporariamente mulheres histéricas que sofriam de paralisia parcial de partes do
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corpo. Charcot procurava demonstrar como, após aplicada a hipnose, braços e pernas
paralisadas em pacientes recuperavam o movimento durante o tempo em que as
mulheres estavam hipnotizadas, mas depois voltavam os sintomas ou mesmo se
deslocavam de um local para o outro. A tensão muscular e o deslocamento dela
levaram Freud a construir o início de sua teoria psicodinâmica.
Freud chegou a utilizar a hipnose como técnica para alcançar os conteúdos
inconscientes reprimidos que se manifestavam por trás das Neuroses de Conversão
das histéricas, de modo a compreendê-los. Notava que mesmo após relatar e
interpretar para as pacientes o que estava encoberto em seu inconsciente, outros
sintomas surgiam, como por exemplo, em um caso dos mais famosos, sede intensa até
completa cegueira sem nenhum tipo de trauma físico que o explicasse.
Estando elas fora do estado de hipnose, porém, Freud conversava com as
pacientes e notou que pelo diálogo em que relatavam seus sonhos, por exemplo,
surgiam evidências bem escondidas e disfarçadas daqueles conteúdos inconscientes
que ele havia notado durante a hipnose. No decorrer das falas, também notou que
pacientes, sem querer, diziam palavras sem nexo com o discurso e logo se corrigiam.
Ao interpretar para os pacientes em estado consciente os conteúdos que
notava nestes sonhos e falhas de comunicação (atos falhos) que pareciam estar
ligados entre si, Freud notou que de repente surgia à consciência das pacientes
histórias completas das quais elas nunca tiveram conhecimento, que mais tarde veio a
explicar que se tratavam de situações ameaçadoras à estrutura do Ego (como
situações incestuosas, por exemplo), os famosos traumas.
Perceba que, a não ser que tenha passado por psicanálise, ninguém pode
dizer e relatar conscientemente que teve um “trauma psicológico” pelo fato do trauma,
em termos de imagem do episódio, na verdade, estar reprimido no inconsciente e em
termos de emoção sentida na ocasião, estar fixado energicamente, como pulsão, na
mente e no corpo (obsessões e sintomas psicossomáticos, por exemplo).
Apenas trazendo o conteúdo reprimido na mente e no corpo à tona
(disfarçados pelos mecanismos de Ego e Superego em sonhos, atos falhos, piadas e
ações físicas não notadas pelos pacientes, os acting outs), haveria superação do
trauma e, logo, eliminação das Neuroses. As pacientes tinham insights (resgate das
imagens do episódio gerador do trauma e suas relações lógicas recalcadas) e catarses
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(vivência no consultório das emoções então reprimidas psíquica e fisicamente), o que


eliminava os sintomas neuróticos.
Graças a Freud, então, tornava-se possível eliminar os sintomas histéricos,
algo que técnicas anteriores não obtiveram sucesso. Outros tipos de Neurose viriam a
ser estudados e trabalhados nas clínicas de Freud e seus seguidores na Europa.
Mas voltando, não só Neuroses se revelam como forma de vazão das
energias reprimidas. Há também outro mecanismo de defesa, este classificado como
saudável por Freud, que nos ajuda a manter o equilíbrio psicodinâmico: o mecanismo
de sublimação. Por sublimação entenda-se a ação de realizar a descarga energética
originalmente dirigida a um objeto proibido por meio de um outro objeto, esse aceitável
socialmente, mas de modo funcional e agradável para a vida do sujeito e das pessoas
à sua volta.
Um exemplo clássico de sublimação é o do açougueiro (veja, é somente
uma ilustração, pois uma pessoa pode ser açougueira sem fazer a seguinte
sublimação). Ele poderia ter, inconscientemente, o desejo de matar e esquartejar
pessoas, mas seu Ego encontrou uma maneira simbólica dele realizar seu desejo de
modo funcional para ele e para a sociedade, agradando a ambos! E ele não sabe nem
do desejo inconsciente, nem da saída encontrada pelo Ego...
Pelas artes, exercícios profissionais e diversas outras atividades funcionais
sociais, nós sublimamos nossos impulsos inconscientes, mantendo o equilíbrio
energético.

3.2 ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE E O PAPEL DA


EDUCAÇÃO

Antes de tudo, é importante esclarecer que para Freud a Psicanálise e a


Educação percorreriam caminhos opostos. Enquanto a Psicanálise teria como objetivo
trazer o recalque à tona, a Educação viria a reforçar o recalque, ou seja, educar o
controle das pulsões para que fosse possível manter a civilização (BERNARDINO,
2007). Quando estivermos considerando aplicações da Psicanálise à Educação
adiante, estaremos em alguns pontos tratando de revisões e ideias de estudiosos da
área que procuraram reformular as ideias originais sobre esta relação.
Segundo Freud, no início da vida as necessidades orais são imperativas e o
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bebê busca satisfação (Fase Oral, até 1 ano de idade em média). Uma prova de que o
Id não diferencia objetos representados de objetos reais é que para o bebê não importa
o que traz à boca, pois qualquer coisa poderia satisfazer sua necessidade e desejo
oral. Mas o Ego criado pelo Id, racional e em contato com a realidade, logo dará a ele
controle sobre impulsos e procurará pelos objetos reais que eliminam suas pulsões
(alimento, por exemplo).
Se a cultura (os pais, por exemplo) forem muito repressores e impedirem a
busca pelo que ele deseja, o Superego poderá ser mais forte do que o Ego, rompendo
com suas defesas e fazendo das experiências orais situações desagradáveis. Por outro
lado, se os pais permitirem tudo, deixarem que tudo seja comido ou levado à boca, o
Ego poderia ser dominado pelo Id impulsivo.
Na medida em que a Psicanálise considera não as pessoas em si que são
Pai e Mãe biológicos, mas as funções paterna e materna de regulação da
psicodinâmica, pessoas que não necessariamente são pais biológicos exercem essas
funções. Inclusive, é possível que uma mesma pessoa exerça ambas as funções
estruturantes da personalidade.
É importante em especial destacar isto aqui pelo fato de que professores e
professoras em creches e turmas de Educação Infantil têm significativo tempo de
contato diário durante todo um ano letivo com as crianças. Sua influência no
desenvolvimento delas, enquanto representação dada pela mente infantil de suas
ações inerentes a funções maternas e paternas não deve ser ignorada.
Voltando, a forma como se lida com a dinâmica energética da criança na
Fase Oral poderia ter reflexos na personalidade da pessoa para o resto da vida.
Nomea-se tal fenômeno como fixação e o retorno de comportamentos típicos de
estágios na infância e adolescência como regressão.
Não há regras ou receitas a respeito de modos de criar ou educar que geram
determinadas fixações, sobretudo porque o que faz efeito no fim das contas é a
interpretação que a criança tem dos atos maternos e paternos e não a intenção dos
pais. Isto de certa forma é um ponto frustrante da teoria, na medida em que na
verdade, como pais e educadores, não teríamos controle do que de fato será formado
em termos de personalidade da criança. Resta-nos procurar agir do modo mais
equilibrado possível, com foco no fortalecimento de um Ego possivelmente “forte,
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saudável e equilibrado”, capaz de manter uma harmonia entre impulsos do Id e


repressões do Superego.
Porém, vamos aqui simular resultados absolutamente hipotéticos oriundos
da relação entre modos de lidar com o dinamismo energético da criança e
consequências em termos de traços de personalidade.
No primeiro caso citado acima, de repressão ou grande frustração das
necessidades e desejos orais gerados pelos pais, poderia-se ter como consequência a
formação de uma característica de personalidade da pessoa como alguém que “não
engole” qualquer coisa, intolerante com as pessoas, que agride verbalmente (como se
cuspisse ou mordesse). No segundo caso, referente a pais que tudo dão à boca,
mesmo quando a criança não necessita, poderíamos ter como consequência alguém
oralmente compulsivo por comida, cigarro, bebida etc, e/ou talvez dependente demais
das pessoas, que vive esperando ser cuidado por elas. Mas claro, repetimos, a
formação da personalidade é muito mais complexa e esses traços também
dependerão, para serem assim formados, do que ocorrerá a seguir, sobretudo nos
próximos dois estágios, na medida em que para Freud, os três primeiros estágios
teriam maior poder determinante de nossa personalidade, ou seja, os primeiros 6 ou 7
anos de vida.
Freud também notou que o corpo do bebê tem outros pontos específicos
mais sensíveis, ou seja, que acumulam mais tensão pulsional e que por eles se
descarrega a tensão, quando estimulados. São as zonas erógenas. Notou também que
em determinadas idades, a criança é mais sensível em um ponto ou outro, porém
mantendo tensões energéticas em todos. Assim, ele percebeu uma sequência de
deslocamento da fonte erógena de tensão e descarga.
É importante salientar que o acúmulo de energia gerador de pulsões nesses
pontos é funcional no sentido de preservação da vida. A necessidade de muitos
nutrientes para o corpo do bebê em rápido desenvolvimento que esgota rapidamente
seus recursos energéticos, automaticamente desperta necessidades físicas de
alimento a serem preenchidas e, logicamente, é necessário que a pulsão se localize na
boca e no estômago durante um período crucial de desenvolvimento do corpo. O
mesmo ocorrerá com os demais pontos nos quais as pulsões exercerão sua função
com maior ênfase naquele estágio de desenvolvimento específico.
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Assim, por volta de 1 ou 2 anos até os 3 anos em média, as pulsões tendem


a se deslocar para os esfíncteres (Fase Anal). Ocorre que o organismo se prepara
para ser independente. Apesar de sabermos que a espécie humana é a que
proporcionalmente leva mais tempo para atingir um nível mínimo de independência
para a sobrevivência (por volta de 6 anos), desde antes do nascimento o corpo começa
a se preparar para a vida autônoma, desenvolvendo-se sensorial, motora e
cognitivamente. A Fase Anal se dá no período dos primeiros passos, das primeiras
palavras, das primeiras decisões estratégias e de controle dos esfíncteres, sua
característica central, do ponto de vista do desenvolvimento psicossexual.
Poder controlar o momento em que se excreta é uma conquista orgânica
possibilitada pelo amadurecimento de centros de controle nervoso simpático. Como
explicamos, os fenômenos somáticos geram correlatos psíquicos, suas
representações. Ganha-se com o controle esfincteriano a possibilidade de controle de
seu próprio corpo, de suas ações, as quais podem ser adiadas. Ganha-se autonomia,
fundada na possibilidade de exercer sua intencionalidade produtiva. A criança na Fase
Anal adquire o poder de ser gerador de um produto para o mundo, simbolismo
associado às fezes e urina que agora controla e “intencionalmente” produz.
Pode ser que, ao ser reconhecida pelos pais e educadores em sua produção
e educada de forma equilibrada para o controle de seus impulsos excretores, a criança
adquira os traços da produtividade, criatividade, autoestima pelo que faz e autonomia.
Se reprimida pela moralização do ato como algo sujo, por exemplo, pode se tornar uma
pessoa controladora, obsessiva, “presa” nas relações interpessoais ou ainda
“excretora” de sua raiva e problemas, fazendo o que bem entende e onde quer,
indiferente às pessoas.
Por volta de 2 ou 3 anos até os 5 anos em média, a criança entra na Fase
Fálica, em que a tensão energética se acumula de modo mais expressivo no órgão
genital. A descarga energética agora pede pela relação social, uma vez que a
necessidade do ato sexual, função primordial dos órgãos sexuais, possibilita a
existência da sociedade, no sentido de sua reprodução e união para manutenção da
vida. Não se deve, sob hipótese alguma, moralizar este fato. A proposta de Freud se dá
unicamente sobre premissas biológicas a respeito da funcionalidade das pulsões.
Fálico vem de Falo, que significa pênis em si mesmo, mas que na
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Psicanálise tem uma conotação muito mais importante e relevante: Poder. A ação fálica
simbolicamente remete ao poder de ação e afirmação do sujeito na sociedade, sua
inserção ativa dentro de algum papel que exerça.
Sobretudo, a mãe da criança sempre foi o meio privilegiado de descarga de
sua libido, na Fase Oral, quando amamentava, e na Fase Anal, quando da mãe vinha o
reconhecimento da autonomia e do produto (lembre-se de que estamos tratando de
função materna). É natural que continue sendo assim. A descarga da tensão libidinal
pelos órgãos genitais por parte da criança é completamente diferente do ato sexual
adulto, cujo propósito e significados são outros, formados a partir da adolescência. A
criança não tem “malícia” na busca de sua satisfação. Ela apenas é guiada pelas
pulsões que pedem pela diminuição do desconforto, o que tem sua função biológica,
como afirmamos. Posto isso, podemos tratar agora do Complexo de Édipo, evento
primordial de formação da personalidade.
Freud, afeto a metáforas, nomeou sua proposição teórica a respeito do
dinamismo psicossexual na Fase Fálica a partir da história mitológica grega Édipo Rei.
O menino tem em sua mãe um meio de descarga da tensão libidinal,
enquanto objeto de desejo. A sociedade entende tal situação como incesto. Seu pai,
representante da sociedade, castra simbolicamente o falo de seu filho, pelo
impedimento da satisfação oriunda da descarga pulsional (castração de poder). Neste
momento, o filho odeia seu pai e deseja matá-lo devido à frustração causada pela
castração. Em um segundo momento, conformado com o fato de não poder exercer
seu ato sexual com a mãe, o menino reconhece o poder do falo paterno (reconhecido e
aceito antes pela mãe) e passa a desejar ser como o pai, identificando-se com ele para
um dia poder satisfazer seu desejo, como o pai conseguiu.
Com a menina, ocorreria algo diferente. Também apaixonada pela mãe a
princípio, a menina posteriormente se frustra com uma “traição” da mãe: ter feito ela já
castrada. Odiando a mãe e desejando ter um falo, a menina inveja os homens (seu
poder). Passa então a ver no pai alguém que tem o falo e que pode lhe dar,
apaixonando-se por ele. Finalmente, após reconhecer que não pode tê-lo, pela razão
do incesto, aceita sua castração e identifica-se com a mãe, mas de um modo diferente
do menino. Para a mulher, a compensação pela castração com a qual já nasceu virá
quando tiver seu filho, um substituto fálico. O filho será o meio de realização da mãe,
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seu falo, sua afirmação de poder no mundo.


Na verdade, Freud reformulou algumas vezes sua teoria sobre a situação
edipiana feminina, havendo outras versões. Outros psicanalistas, seguidores de Freud,
proporcionarão diversos outros detalhes e etapas do Complexo de Édipo.
De qualquer forma, basicamente, perceba que aqui se desenrola o mesmo
conflito entre ceder aos impulsos ou controlá-los, resultando em mais uma
consequência para a formação do Ego.
Todos nós passaríamos por este drama da relação triádica, pela crise
edipiana. Apesar destas resoluções acima serem ideais, as formas como resolvemos
nosso Complexo de Édipo são variáveis, podendo alguns serem mais ou menos
castrados pelo pai do gênero oposto, se identificarem muito, parcialmente ou nada com
o pai do mesmo gênero. Isso dará contornos à nossa personalidade, como pessoas
mais afirmativas ou mais castradas nos atos e relacionamentos, com identidades mais
parecidas com a figura materna ou com a figura paterna dependendo do resultado na
trama de amor e ódio.
Pessoas que foram “castradas” de modo falho ou insuficiente, podem revelar
atitudes de arrogância, demonstração de poder na sociedade, agressividade. As
mulheres tenderiam a exacerbar sua sedução sexual (disputa com a mãe o desejo do
pai, na origem) pelo poder social que lhes dá o belo corpo, roupas lindas e caras,
maquiagens expressivas, muitas joias (objetos que representam o falo castrado, uma
extensão do seu corpo que revela poder). Os homens tenderiam a mostrar poder com
carros, joias e outros substitutos fálicos, exacerbar que têm dinheiro e potência, por
exemplo em atos violentos e em competições com outros homens (disputa com o pai o
desejo da mãe, na origem).
É importante entender aqui que mudam os objetos que representam pai e
mãe, pela necessidade de deslocamento do desejo, visto que ele nunca será satisfeito,
na verdade (castração). Daí satisfazer-se com uma roupa nova e depois ela perder seu
encanto, com emprego, amigos, relacionamentos etc. Viver é buscar eternamente
satisfação de desejos que nunca serão satisfeitos...
Uma pessoa excessivamente castrada formaria uma personalidade
reprimida, com excessivos sentimentos de culpa por tudo que pensa, sente e faz. Se
condenaria continuamente em todas as dimensões da vida, podendo impedir-se de
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obter satisfação por impulsos fálicos ou buscar satisfazê-los por meios “escondidos e
ilícitos” para determinados contextos ou para a sociedade como um todo. Pessoas
excessivamente reprimidas na Fase Fálica tenderiam a encontrar formas mais sutis e
disfarçadas de exercer poder, principalmente pelo controle obsessivo e punitivo de
outras pessoas.
Voltando ao desenvolvimento “normal”, a culpa pelo incesto leva a criança a
“cegar-se” como Édipo, ou seja, ela reprime intensamente seus desejos (aqui, dentro
de um nível normal que possibilitaria depois o retorno dos desejos também em nível
harmônico), os quais permanecerão em suposto repouso (com pulsão crescente na
verdade, e por isso o nome Fase de Latência) por longos cinco anos. Assim, dos 6 aos
11 anos em média, as zonas erógenas “se acalmariam”, ou seja, seria reduzida a
pulsão e a energia libidinal da criança que precisa de algum escape seria mais
sublimada pelo trabalho (escolar) e pela organização de rotinas, um período também
de organização de sua personalidade após a turbulenta passagem pelo drama edípico
(superação do Complexo de Édipo) ocorrido na Fase Fálica.
A Fase de Latência corresponde ao período das séries iniciais do Ensino
Fundamental. Cabe aos educadores e pais aproveitarem o momento de canalização
sublimada de energia para tarefas que venham a desenvolver uma série de habilidades
da criança, favorecendo inclusive a afirmação de sua personalidade.
Mas então, após os 11 anos, chegaríamos à quinta fase, a Fase Genital, no
sentido do amadurecimento psicossexual e, logo, psicossocial, pois conseguiríamos
canalizar adequadamente nossa busca de desejos para boas relações sociais e
construção de um relacionamento duradouro, a fim de perpetuar a espécie (estrutura
de personalidade equilibrada pelo sucesso na construção do Ego).
Ocorre que a puberdade inicia a preparação do corpo para a busca do
parceiro sexual. Uma das consequências é o retorno de uma intensa pulsão sexual
concentrada no órgão sexual, levando inclusive ao comportamento de intensa
masturbação para se livrar do incômodo gerado pela tensão, o que é normal e
saudável.
Porém, sendo o púbere ainda vinculado à família, ocorre inconscientemente
um retorno dos desejos incestuosos que por tanto tempo ficaram reprimidos e que
agora se expressam intensamente. O horror à situação do incesto pela dor da
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castração seria inconscientemente revivido, gerando uma forte rejeição ao contato com
os pais, tão forte que o adolescente rejeita em si os traços paternos e maternos,
entrando numa profunda crise de identidade.
Na busca de construir uma identidade própria, ele se lança ao encontro
daqueles que, como ele, buscam o mesmo. O grupo de adolescentes passa a ser a
referência de identidade, substituto dos pais.
Como consequências da crise, assistiremos o adolescente ensaiando
revoltas impulsivas e passando por repressões moralizantes por meio de ideologias
políticas, religiosas, causas sociais e ecológicas, visando reconstituição do Ego pelos
confrontos de Id e Superego. Brigas e submissões aos pais e com os membros do
grupo também podem ocorrer. Ensaiará modos de constituição de Ego para lidar com
suas crises de identidade, experimentando roupas diferentes, estilos de música
diferentes, identificando-se com ídolos avaliados como bem-sucedidos.
Enfim, sendo os pares substitutos dos pais, tenderá a identificar entre os
pares aquele com quem poderá se relacionar sexualmente sem culpa, transferindo
para este o amor que foi castrado no Complexo de Édipo (não seria de estranhar que o
parceiro sexual do adolescente ou jovem adulto guarde semelhanças com seus pais às
vezes). A boa resolução deste encontro culminará em um vínculo que substitui a
relação mãe-filho e acaba por gerar outra vida, reiniciando todo o processo.
O professor de adolescentes vivencia todas estas crises e modos de
solução. É importante que saiba auxiliar o adolescente na construção de sua
identidade, lembrando que ele tem uma função materna ou paterna comumente
projetada pelo adolescente. Ao rejeitar os pais em busca de outros modelos de
identidade, o professor ganha imenso valor como referência, o que se percebe
claramente pela relação de paixão e ódio que os adolescentes nutrem por ele, em suas
transferências.
Cabe a ele, portanto, cuidar daquilo que Freud denominava como processos
transferenciais, ou seja, transferência de paixões e ódios originalmente direcionados
aos pais para ele. Deve ter conhecimento para compreender que desejos sexuais de
compensação da frustração causada pela castração não devem ser confundidos com
paixões maduras e adultas, bem como para compreender que as transferências de
ódio não são pessoais e que cabe a ele abrigar este ódio e possibilitar a resolução
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saudável da situação conflituosa que o adolescente revive. Cabe ao professor, então,


não realizar contratransferências, pelas quais pode ele identificar na relação com os
adolescentes possibilidades de resolver suas próprias frustrações.
Enfim, durante todo o processo de desenvolvimento da infância à
adolescência, conforme vimos, caberá ao professor ser um promotor do equilíbrio e
boa formação do Ego, conforme seus contornos em cada estágio.

3.3 PSICANÁLISE E A CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA

Bernardino (2007) recorre às obras de Maria Cristina Kupfer (1989) e Maud


Mannoni (1964;1977) para nos esclarecer que a criança com deficiência é inserida em
um universo simbólico e simbolizada tanto quanto qualquer criança.
Ocorreria falha educacional ao reduzir a criança à deficiência como marca
física impressa em seu organismo. Ela seria tomada unicamente por seu aspecto
biológico deficiente, sendo ignorada como ser de linguagem que exerce suas funções
simbólicas no meio. Nas clínicas, ela seria cuidada em sua inteligência, seus
movimentos, sua audição e sua fala, mas em que momento e espaço lhe perguntariam
sobre seus sonhos, desejos, sentimentos, história e projetos de vida?
Outro aspecto é que, por ser simbolizada, as diferentes interpretações que
os pais têm da deficiência influenciam sua estruturação psíquica.

mesmo nos casos em que está em jogo um fator orgânico, a criança não tem
só que fazer face a uma dificuldade inata, mas ainda à maneira como a mãe
traduz este defeito num mundo fantasmático que acaba por ser comum aos
dois. (MANNONI, 1964/1977, p. 19 apud BERNARDINO, 2007).

Os pais não poderiam se considerar como únicos desejantes da relação,


fazendo da criança um objeto de realização de seus desejos compensatórios. Ela
também precisaria ser ouvida. Os pais teriam aqui o papel de mobilizar os desejos da
criança, estimulando-a a expressar suas demandas e se realizar, independentemente
das limitações orgânicas.
Mas estes pais também precisariam do suporte. Durante o período de
gestação e/ou de crescimento antes da lesão, formam uma imagem do filho sobre a
qual projetam seus desejos, sonhos, expectativas. O impacto da deficiência congênita
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ou adquirida frustra a autorrealização imaginada, tendo que dar lugar a uma outra
forma de autorrealização, construída a partir da imagem oriunda da nova realidade.
Esta nova realidade, apesar de diferente da idealizada, não deverá impedir a
consideração do filho como ser simbólico e desejante que é. Os conflitos entre pais e
filhos que resultam na constituição psíquica e na estruturação da personalidade devem
ocorrer do modo como ocorreriam se não houvesse a deficiência. Brincadeiras,
broncas, permissões, proibições, carinhos e distanciamentos que fazem parte de
qualquer relação precisam estar presentes, ao contrário do que pensam as mães
(pessoas que exercem função materna, lembre-se) que reduzem seus filhos a
organismos com deficiência que precisam apenas de cuidados e tratamento médico.
Mas qual seria a razão desta destituição da condição de sujeito desejante
feita pela mãe? Recorde-se de que, pelo Complexo de Édipo feminino, o filho seria
uma compensação pela “castração congênita” da mulher. Sendo esse filho deficiente, a
compensação não se daria, mas sim, uma dupla castração. Lembre-se de que falo
significa poder e se o falo é deficiente, continua impossibilitado à mãe ter poder. “O
problema da criança é vivido como um defeito da mãe” (BERNARDINO, 2007).
Reações como rejeição e superproteção se dariam como consequência.
Outro efeito nocivo à criança seria a falta de permissão pela mãe da entrada
em cena da ação castradora do pai (função paterna), culminando em uma relação de
dependência absoluta com a mãe. Mãe e filho nesse caso poderiam ficar eternamente
atrelados um ao outro, em uma relação psicótica na qual os sujeitos anulam a
subjetividade de um e do outro, consequência do “édipo” mal resolvido.
Educadores mal formados poderiam cometer o mesmo erro de
desconsideração da pessoa com deficiência enquanto sujeito desejante, infantilizando-
o e reduzindo-o à deficiência, condenando assim seu desenvolvimento.
Bernardino (2007) afirma que cabe aos pais e aos educadores criarem
espaços de “escuta” das crianças com deficiência. Significa respeitar suas diferenças
enquanto sujeitos com diferentes desejos que são como quaisquer outros, ou seja,
respeitar o fato de que são todos iguais no sentido de serem diferentes, uma lema bem
conhecido da educação inclusiva. Atividades que permitam autoexpressão dos sujeitos,
como pinturas, debates, modelagens e jogos, são fundamentais para sua legitimação e
desenvolvimento.
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IV SOCIOINTERACIONISMO, PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E EDUCAÇÃO


ESPECIAL

4.1 PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE LEV VYGOTSKY

A Psicologia Histórico-Cultural (ou Socio-Histórica, como também podem


encontrar) teve como representante central o russo Lev S. Vygotsky, nascido em 1896
e morto jovem, com tuberculose, em 1934. Era formado em Direito, Professor de Artes,
Filologia e Literatura. Toda a sua obra visa caracterizar aspectos tipicamente humanos
do comportamento e elabora hipóteses de como essas características se formaram ao
longo da história humana e de como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo.
Os princípios de sua teoria são:

1 – As características humanas resultam da interação dialética do


homem e seu meio sócio-cultural (homem transforma o meio e vice-versa)
(OLIVEIRA, 1995).

Tomando como base o materialismo histórico dialético de Karl Marx, parte


da ideia de que, da mesma forma que homem-matéria transformam-se mutuamente
como resultando do seu confronto, oriundo da necessidade de sobrevivência humana,
também ocorre a dialética entre homens-homens, uns transformando os outros,
visando adaptação à sociedade e seu desenvolvimento, gerando cultura enquanto
cultivo e melhoria, geração após geração, de relações entre homem-realidade material
e homem-homem.
Para tal desenvolvimento, seria imprescindível preservar e desenvolver não
apenas ferramentas materiais ao longo da história da espécie (filogênese), mas
também instrumentos psicológicos para aprender a lidar, para ensinar e desenvolver
essas ferramentas. Ou seja, a comunicação se tornou condição para a continuidade da
espécie humana e assim o homem desenvolveu signos, logo linguagem, como modo
de autopreservação.
Esses signos são o que chamamos aqui de Instrumentos Psicológicos
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quando internalizados pelo sujeito, visto que por meio da linguagem o homem começou
a operar sobre o comportamento dos outros e sobre seu próprio comportamento.
Aprimorar a Linguagem significaria aprimorar comunicação e poder de
desenvolvimento da sociedade e de si mesmo em relação a essa sociedade.
2 – As funções psicológicas humanas se originam nas relações
entre o indivíduo e seu contexto cultural e social (OLIVEIRA, 1995).

Vygotsky chamará de Funções Psicológicas Superiores aquelas


tipicamente humanas. Postula que elas apenas se desenvolveram porque houve
desenvolvimento da Linguagem, a qual permitiu ao homo sapiens-sapiens, por seleção
natural daqueles que melhor souberam criar, preservar e desenvolver tecnologias
adaptativas graças às interações intermentais (homem-homem) e intramentais
(homem consigo mesmo), ter hoje um sistema nervoso central poderoso, capaz de
intensos processos de codificação e decodificação.
Por exemplo, podemos dizer que um animal inferior a nós como o cachorro,
apresenta a capacidade de buscar pelo objeto em um ambiente, usando sobretudo seu
apurado faro, mas numa busca aleatória, impulsiva. Nós como humanos, poderíamos
agir da mesma forma (quando não desejamos ou não podemos pensar, ou seja, usar
nossos mecanismos superiores), mas ao invés disso sabemos que podemos
economizar energia e tempo planejando nossa busca de modo sistemático. Podemos,
por exemplo, mapear o território, distribuir zonas de busca entre membros do grupo e
criar método de busca, superando a busca aleatória. Eis as funções psicológicas
superiores tipicamente humanas em curso, mas que só foi possível de o ser graças aos
instrumentos simbólicos para criar o mapa, comunicar-se com o grupo e prever
sequência de táticas.
3 – O cérebro é um substrato material com um sistema aberto de
grande plasticidade, com estrutura e modos de funcionamento moldados ao
longo da história da espécie e do desenvolvimento individual (OLIVEIRA, 1995).

Assim, para Vygotsky, o cérebro se tornou o que é graças à interação entre


homem e sua cultura, possibilitada por outros homens enquanto mediadores.
Esse cérebro foi moldado não apenas durante a filogênese
(desenvolvimento histórico da espécie), mas também pôde ser desenvolvido durante
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nossa ontogênese (desenvolvimento histórico de cada ser individual), por si mesmo e


pelos outros representantes da cultura, devido ao seu caráter altamente plástico. Isso é
particularmente comprovado pela medicina e terapias reabilitativas, ao tratarmos de
Neuroplasticidade.
4 – A relação do homem com o mundo não é uma relação direta,
mas mediada por Ferramentas Culturais e Instrumentos Psicológicos (signos
internalizados) (OLIVEIRA, 1995).

Desenvolvimento só ocorre mediante dialética e dialética só ocorre se


houver relação entre dois elementos. Essa relação só é possibilitada se houver algo,
um terceiro elemento, que esteja entre os dois. Esse elemento é um Mediador, ou seja,
aquele que faz a Mediação.
Como disse acima, homens são Mediadores entre outros homens e a sua
cultura. Mas também as Ferramentas Culturais (varas, lanças, agasalhos, papéis,
computadores, lâmpadas, martelos e tudo à nossa volta construído por nós para
garantir e facilitar nossa vida) que usamos para sobreviver são Mediadoras entre nós e
a natureza. E mais, os Signos, a Linguagem (conjunto sistematizado de signos, com
seus significantes e significados que representam tudo o que existe, o que pensamos e
sentimos inclusive), são Mediadores entre homens e homens (dialética intermental) e
entre um homem consigo mesmo (dialética intramental, a qual ocorre quando
“conversamos com a gente mesmo”, quando refletimos, intervindo em nosso próprio
comportamento).
Para que fosse possível ao homem sobreviver e se desenvolver, ele
precisava se comunicar e para isso, criou signos que permitissem comunicar a respeito
de algo quando este algo não estava presente. Como efeito, a Linguagem possibilitaria
antecipar, planejar, hipotetizar, refletir, reorganizar as ideias.
A comunicação guarda analogia com o trabalho. Pelo trabalho, o homem usa
sua energia física e mental na operação de uma ferramenta que transforma a matéria.
Pela comunicação, o homem usa sua energia física e mental na operação de um
conjunto de signos (linguagem) que transformam a sociedade, ou seja, a si mesmo e
ao outro.
Dotar o homem das ferramentas de trabalho e ensiná-lo a usá-las para que
de seu trabalho retire o benefício direto para sua sobrevivência (autonomia) é tão digno
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quanto dotar o homem de Linguagem e ensiná-lo a usar para retirar da comunicação


benefícios diretos para sua vida e desenvolvimento. Eis o papel dos Mediadores da
sociedade, daqueles que estão entre o homem e a cultura que representam.
Ainda é necessário dizer que a relação entre Linguagem e Desenvolvimento
Cognitivo para Vygotsky é diferente da relação entendida por Piaget. Para o russo,
Linguagem e Cognição têm origens distintas e simultâneas, unindo-se posteriormente.
Há um Estágio Pré-intelectual do Desenvolvimento da Fala quando o
recém-nascido se comunica por expressões físicas e emocionais intensas e com isso
mobiliza os adultos à sua volta. Mas há também um Estágio Pré-linguístico do
Desenvolvimento do Pensamento, pois antes de compartilhar conosco do uso de
signos, o bebê já revela uso de estratégias inteligentes para atingir alguns fins, mas
ainda não tipicamente humanas. É na interação social que Linguagem e Pensamento
se unem em Pensamento Verbal e Fala Racional.
Significa que, por exemplo, quando a mãe nomeia os gestos usados, as
intenções manifestas, os objetos usados e apontados pelo bebê durante ações
pensadas e estratégicas (“neném quer pegar a mamadeira, quer?”), ela nomeia os
elementos pensados pelo bebê, o qual passa a associá-los às ações e objetos e imitá-
los (os nomes) como modo de agir sobre a mãe com o uso de símbolos. Para que
sua fala tenha sentido, por outro lado, ele também terá que aplicar organização à
mesma, a qual também é ensinada pela cultura, visto que as frases que o neném
aprende com os Mediadores trazem implicitamente uma ordem lógica (se lhe
dissessem “quer a quer mamadeira pegar neném?” você não entenderia nada) e o uso
errado da lógica na comunicação é quase que automaticamente apontado pela
sociedade, pois esta precisa compreender o que diz o sujeito.
Por trás do ensino do uso lógico das palavras está o ensino do modo de
pensar (por exemplo, a frase “neném quer pegar a mamadeira, quer?” utilizada pela
mãe e depois imitada pelo bebê é utilizada numa situação que indica “finalidade” (quer
mamadeira para alguma coisa) e “causalidade” (o gesto que faz o bebê, interpretado
pela fala da mãe, é causa para se afirmar que com aquilo ele quer pegar a mamadeira).
O modo de usarmos a Linguagem para pensar sobre a realidade de modo
superior tipicamente humano existe antes fora de nós. Exemplo: a “atenção” é um
processo psicológico comum a outros animais. Mas “atenção seletiva” como processo
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psicológico possibilitado pelo uso de Linguagem para interpretar nosso próprio


comportamento e regulá-lo para se focar em determinados detalhes da realidade que
precisamos perceber para atingir determinadas metas anteriormente planejadas, é algo
tipicamente humano, ou seja, aprendido com a cultura.
Como isso ocorre?
Ocorre, por exemplo, quando nossos professores dizem: “De todas as
palavras do texto, apenas duas ajudam a responder à pergunta que fiz. Tenham em
mente o que eu pedi e procurem pelas palavras”. O mesmo ocorrerá em casa pela
educação dos pais.

Qualquer função presente no desenvolvimento cultural da criança aparece


duas vezes e em planos diferentes. Em primeiro lugar, no plano social e depois
no plano psicológico (VYGOTSKY apud SALVADOR et al, 1999, p.106).

Linguagem e Pensamento serão indissociáveis a um tal ponto que somente


as palavras concretizarão os pensamentos, visto que são os representantes mentais
dos elementos da realidade, pelos quais conseguimos estabelecer relações entre os
elementos.
Sem internalização de linguagem e de seu modo de usá-lo, não há
possibilidade de pensamento autônomo, de pensar como humano utilizando processos
psicológicos superiores, visto ser o pensamento movido pela linguagem (antecipar,
planejar, hipotetizar, refletir, reorganizar as ideias) que nos diferencia como humanos.
Ninguém nasce humano, mas se torna humano.
No entanto, é importante que não se entenda o processo de internalização
como uma absorção passiva, mas sim como produto de uma sociointeração que
implica em transformações psíquicas (CARVALHO; MATOS, 2009). Cada indivíduo é
único em seu conjunto de interações com as culturas às quais pertence. Ao longo de
sua história de desenvolvimento pessoal (ontogênese), ele acumula experiências,
reflete, interpreta e modifica os contextos de acordo com significados que aprendeu e
suas necessidades, dando seu sentido pessoal aos signos e à cultura, portanto.
Este processo de internalização da Linguagem passa por etapas de
desenvolvimento. A Fala Exterior ou Socializada tem como função comunicar e
manter contato social. A criança repete os significantes usados pelos outros para
denominar elementos a sua volta, para nomeá-los. Não há ainda aqui um uso da
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linguagem para pensar (CARVALHO; MATOS, 2009).


A Fala Egocêntrica se revela como intercessão da passagem da Fala
Exterior para a Interior. Esta fala se mostra como instrumento de organização do
pensamento, é usada para planejamento e solução de problemas. Evidencia-se pelo
comportamento da criança de pensar em voz alta, como que comentando aquilo que
está pensando, só que apenas parcialmente compreensível para aqueles que escutam.
A linguagem está a caminho de se tornar interiorizada (CARVALHO; MATOS, 2009).
Quando a Fala Egocêntrica diminui, surge a Fala Interior, diálogo do
indivíduo consigo mesmo que possibilita autonomia para planejar mentalmente, para
abstrair (uso de signos para nomear características percebidas pela análise das coisas)
e generalizar (uso de signos para sintetizar significados que abarquem universalmente
as coisas) .
Os processos de abstração e generalização adequados dependem da
Educação promovida pelo contexto sociocultural, de modo que conceitos cotidianos
se ampliem para conceitos científicos. O domínio de conceitos científicos é objetivo
máximo da educação, significando internalização dialética de produtos culturais
historicamente desenvolvidos por um indivíduo que ao agregar seus sentidos, adquire a
possibilidade de transformar e desenvolver sua cultura.
Estamos aqui tratando também de um processo de desenvolvimento da
formação de conceitos pelo indivíduo. Primeiramente, os conceitos cotidianos são
desenvolvidos pela fase do pensamento sincrético e pela fase do pensamento
por complexo.
Pelo pensamento sincrético as crianças agrupam sob um mesmo signo
diversos elementos que apresentam uma característica comum direta e concretamente
percebida pelos sentidos. Podem chamar qualquer animal com quatro patas de “au-au”.
O pensamento por complexo também se mostra preso às experiências sensoriais
diretas e subjetivas no momento de categorizar os elementos, porém com grau maior
de diferenciação pela consideração de mais características convergentes e pelo uso de
metáforas.
O uso e elaboração de conceitos científicos ocorre na fase do pensamento
conceitual. Os conceitos científicos exigem “voluntariedade, conscientização e
capacidades de discriminar, abstrair e isolar atributos fora do vínculo concreto factual
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da experiência” (CARVALHO; MATOS, 2009, p. 186). Seu desenvolvimento depende


de estímulos educacionais apropriados, fazendo com que mesmo pessoas adultas
corram o risco de não alcançar esta fase em decorrência de falta de estímulos.
O nome da região em que ocorre a internalização de signos (Linguagem) e
de seu modo usar (Processos Psicológicos Superiores) é Zona de Desenvolvimento
Proximal (ZDP), conforme explicado adiante.
5 – Os Processos Psicológicos Superiores e complexos humanos
desenvolvidos no processo histórico (evolução) são o objeto de estudo da
psicologia, a qual deve explicá-los e descrevê-los (OLIVEIRA, 1995).

Ou seja, para Vygotsky, não fosse a mediação cultural, não teríamos


desenvolvido ao longo da história da espécie e da nossa história particular de vida, os
processos psicológicos superiores que nos diferenciam enquanto humanos.

Um conceito fundamental e muito conhecido de Vygotsky é o de Zona


de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Refere-se ao espaço de tempo e
desenvolvimento (intervalo) em que o Mediador (educador) trabalha para
instrumentalizar o Mediado (aprendiz) e em que, portanto, ocorre a internalização
progressiva dos signos e consequente desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores.

Mas o que existe antes desse intervalo? Existe o desenvolvimento já


ocorrido do Mediado, ou seja, o aprendiz já traz consigo uma série de conhecimentos já
internalizados. Chama-se Nível de Desenvolvimento Real (NDR).

E o que existe depois desse intervalo? Enquanto o Mediado ainda nem


entrou na ZDP (nem começou a aprender o novo) ou enquanto ele ainda está dentro da
ZDP, o objetivo (conhecimento a ser aprendido) que o Mediador estipulou para ele
ainda não foi alcançado, mas pode vir a ser, caso ele internalize. Assim, o que existe
depois desse intervalo é o Nível de Desenvolvimento Potencial (NDP), pois é o que
pode vir a ser alcançado.

Se o NDP é alcançado (algo que se verifica pela avaliação), significa


que o conhecimento foi adquirido (signo internalizado e ativação de processos
psicológicos superiores, graças a isso), transformando NDP em NDR. Se é Real,
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significa que o Mediado agora sabe usar por conta própria seus instrumentos
psicológicos aumentando seu poder de autonomia, objetivo maior de toda e qualquer
educação, algo que antes só conseguia com ajuda do Mediador.

O processo então deverá começar novamente, pois o Mediador


estipulará novo NDP a ser alcançado e convertido em NDR, ocorrendo mais
desenvolvimento da pessoa, de mais autonomia.

Um ponto fundamental deve ser entendido: para Vygotsky, só podemos


internalizar conceitos de ordem superior em termos abstração e generalização e com
isso adquirirmos capacidade superior de raciocínio (Desenvolvimento) se antes
tivermos aprendido conceitos que lhe dão base (Aprendizagem); logo, posteriormente,
tendo aprendido esses conceitos superiores, poderemos internalizar conceitos ainda
mais superiores e com isso conseguir raciocinar ainda melhor (mais Desenvolvimento)
e assim por diante. Ou seja, Vygotsky explica que há um processo cíclico entre
Desenvolvimento e Aprendizagem, em que um leva ao outro. É importante
sublinhar que de acordo com a teoria, não é possível determinar externamente qual é
hierarquicamente o conceito básico e seu conceito superior para o sujeito, pois tal
elaboração é subjetiva. São diversos e diferentes os caminhos percorridos pelas
pessoas para aprendizagem dos mesmos conceitos...

A figura abaixo torna mais claro tudo o que dissemos acima, veja:

Figura 1 – Zona de Desenvolvimento Proximal


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Fonte: Adaptado de Sasson e Macionk (2006).

Enfim, qual seria o papel da educação? Promover a passagem de


Conceitos Cotidianos conhecidos pelos Mediados para Conceitos Científicos. Por
exemplo, para superar o Conceito Cotidiano comum de que “a causa para o som do
trovão é o choque entre as nuvens”, o aluno poderia ter que aprender Conceitos
Científicos de Física, relativos à descarga elétrica e de Química, relativos ao consumo
de oxigênio em situações de combustão, para compreender a relação entre o
relâmpago e o som do trovão.

Aprender isso lhe trará mais aprendizagem, desenvolvendo-se e


possibilitando aprendizagens mais abstratas e generalizáveis depois. Mas para gerar
essa passagem, cabe ao professor saber planejar, realizando diagnóstico do NDR,
estabelecer objetivos alcançáveis (NDP) a partir do NDR e elaborar estratégias
adequadas para internalização progressiva dentro das ZDP.

Outra dimensão a ser especialmente destacada em Vygotsky é o valor


do Brincar e do Brinquedo, enquanto internalização de importantes processos
psicológicos superiores existentes na cultura, de papéis sociais futuros pela imitação e
representação, do modo de uso de ferramentas culturais e instrumentos simbólicos.
Além de tudo, estará no brincar e no brinquedo o sentido único, criativo, dado pela
criança ao seu universo cultural, uma vez que todo representante da cultura em si é um
ponto de convergência de diversas influências ambientais que em conjunto são únicas
para aquele ser, possibilitando a criação do novo pela ressignificação singular do
ambiente.

4.2 PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E EDUCAÇÃO ESPECIAL

Vygotsky entendia que pessoas com deficiência não se diferenciam


qualitativamente de pessoas consideradas normais. Os significados culturais
agregados aos signos a serem internalizados são referência comum para pessoas com
e sem deficiência. Os significantes, no entanto, seriam diferentes.
Sistemas de linguagem como Língua Brasileira de Sinais e Código Braille
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são compostos por signos que, apesar de terem significantes diferentes, carregam
significados comuns aos da Língua Portuguesa escrita ou falada. Pessoas com
deficiência podem internalizar signos e desenvolver conceitos cotidianos para
científicos assim como pessoas sem deficiência.
A defesa pela inclusão foi uma das grandes marcas deixadas por Vygotsky.
Beyer (2003) expõe em artigo um belo trecho que reflete a rejeição de Vygotsky por
escolas especiais de sua época e lugar que mais ajudavam na promoção da exclusão
do que no desenvolvimento das pessoas com deficiência visual. Apesar do trecho ser
longo, vale a pena lê-lo pela indiscutível importância das palavras do próprio Vygotsky:

Sem dúvida, a escola especial cria uma ruptura sistemática do contato com o
ambiente normal, aliena o cego e o situa num microcosmo estreito e fechado,
onde tudo está adaptado ao defeito, onde tudo está calculado por sua medida,
onde tudo lhe recorda. Este ambiente artificial não tem nada em comum com o
mundo normal no qual o cego deve viver. Na escola especial se cria muito
prontamente uma atmosfera insalubre, um regime de hospital. O cego se move
dentro do estreito âmbito dos cegos. Neste ambiente cego. Por sua natureza, a
escola especial é antissocial e educa a antissociabilidade, tudo alimenta o
defeito, tudo fixa o cego em sua cegueira e o “traumatiza” precisamente nesse
ponto. [...] o que é mais importante, é que a escola especial acentua aquela
“psicologia do separatismo” – segundo uma expressão de Scherbina –, que por
si só é forte. Não devemos pensar em como se pode isolar e segregar quanto
aos cegos da vida, senão em como é possível incluí-los o mais cedo e
diretamente na mesma. O cego tem que viver uma vida em comum com os
videntes, para o que deve estudar na escola comum. Por suposto que certos
elementos do ensino e da educação especiais devem conservar-se na escola
especial ou introduzir-se na escola comum. Porém, como princípio, deve ser
criado o sistema combinado da educação especial e comum [...] A outra
medida consiste em derrubar os muros de nossas escolas especiais. [...] O
ensino „especial‟ deve perder seu caráter “especial” e então passará a ser parte
do trabalho educativo comum. Deve seguir o rumo dos interesses infantis. A
escola auxiliar, criada apenas como ajuda à escola normal, não deve romper
nunca nem em nada (cursivo no original) os vínculos com ela. A escola
especial deve tomar com frequência por um período aos atrasados e restituí-los
de novo à escola normal. Orientar-se pela norma, desterrar por completo tudo o
que agrava o defeito e o atraso – este é o objetivo da escola. Não deve ser
vergonhoso estudar ali e sobre suas portas não deve estar escrito: „Perdei toda
esperança os que aqui entrais” (VYGOTSKY,1997, p. 84-85, 93)

Este texto intenso aponta os caminhos a serem seguidos para uma


educação inclusiva: garantir, na educação da pessoa com deficiência, estímulos
específicos dos quais necessita em contextos especiais (sobretudo a alfabetização por
meio de sistemas linguísticos próprios às suas necessidades) e acesso às interações
interpessoais com outros integrantes da cultura em escolas regulares com todas as
adaptações simbólicas necessárias, para que tenha oportunidades de internalização de
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significados, expressão de seus sentidos para a cultura e, logo, desenvolvimento


cognitivo como todos os demais alunos.
Para finalizar, recomendo a você que assista ao documentário “As
Borboletas de Zagorsk” (BBC, 1992), que pode ser facilmente encontrado pelo site
YouTube. Trata do trabalho desenvolvido por uma escola russa para pessoas
surdocegas fundamentado na teoria de Vygotsky.

Muito obrigado e muito sucesso para você!

Profº Carlos Eduardo

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