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Ana Isabel Andrade

Luís Távora Furtado Ribeiro


Maria Auxiliadora Soares Fortes
Osmar Hélio Alves Araújo
Organizadores

A FORMAÇÃO/PROFISSÃO
DOCENTE NO CONTEXTO
NACIONAL/INTERNACIONAL:
entre cenários, análises e
possibilidades

Edições Hipótese

W
Ana Isabel Andrade
Luís Távora Furtado Ribeiro
Maria Auxiliadora Soares Fortes
Osmar Hélio Alves Araújo
Organizadores

A FORMAÇÃO/PROFISSÃO
DOCENTE NO CONTEXTO
NACIONAL/INTERNACIONAL: entre
cenários, análises e possibilidades

2018

2
Ana Isabel Andrade
Luís Távora Furtado Ribeiro
Maria Auxiliadora Soares Fortes
Osmar Hélio Alves Araújo
Organizadores

Autores
Ana Carine dos Santos de Sousa Paiva
Ana Isabel Andrade
Andeilma Fernandes de Lima
Clemilson Cavalcanti da Silva
Edson do Carmo Inforsato
Eliana Alves Arxer
Emerson Augusto de Medeiros
Ercules Laurentino Diniz
Flávia Vieira
Genilson José da Silva
José Anderson Santos Cruz
José Antonio Novaes da Silva
José Luís Bizelli
Luís Távora Furtado Ribeiro
Maria Aparecida Rosa de Andrade
Maria Auxiliadora Soares Fortes
Maria das Graças de Almeida Baptista
Maria de Lourdes Tavares Magalhães
Maria Nerice dos Santos Pinheiro
Osmar Hélio Alves Araújo
Sarah Bezerra Luna Varela
Shirlei de Souza Corrêa
Talita Almeida Rodrigues
Thaís Conte Vargas

3
A553a

Andrade, Ana Isabel.


A formação/profissão docente no contexto nacional/internacional: entre
cenários, análises e possibilidades / Ana Isabel Andrade; Luís Távora
Furtado Ribeiro; Maria Auxiliadora Soares Fortes; Osmar Hélio Alves
Araújo (Org.).

– São Paulo: Edições Hipótese, 2018.


211p.
Bibliografia
ISBN: 987-85-924379-8-5
1. Título. I. Educação II. Formação de professores
CDU – 370

Todos os direitos reservados aos organizadores e autores.


Cabe aos autores a responsabilidade por seus respectivos textos, bem como
responder por plágio, publicação indevida, discriminação, difamação,
isentando as organizadoras de crime de Direito Autoral.

EDIÇÕES HIPÓTESE é nome fictício da coleção de livros editados pelo Núcleo


de Estudos Transdisciplinares: Ensino, Ciência, Cultura e Ambiente, o Nutecca.

EDIÇÕES HIPÓTESE

O Nutecca - Núcleo de Estudos Transdisciplinares: Ensino, Ciência, Cultura e


Ambiente

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E-BOOK DE DISTRIBUIÇÃO LIVRE E GRATUITA

4
______Conselho Editorial e Científico_______

Prof. Dr. Ivan Fortunato (Nutecca)


Profa. Dra. Marta Catunda (UNISO)
Prof. Dr. Claudio Penteado (UFABC)
Prof. Dr. Cosimo Laneve (Società Italiana di Pedagogia)
Prof. Dr. Luiz Afonso V. Figueiredo (CUFSA)
Prof. Dr. Helen Lees (Newman University)
Prof. Dr. Tiago Vieira Cavalcanti (Nutecca)
Prof. Ms. Alexandre Shigunov Neto (Nutecca)
Prof. Dr. Juan José Mena Marcos (Univ. de Salamanca)
Prof. Dr. Fernando Santiago dos Santos (IFSP)
Prof. Dr. Viktor Shigunov (UFSC)
Prof. Dr. José Armando Valente (UNICAMP)
Prof. Dr. Paulo Sérgio Calefi (IFSP)
Prof. Dr. Pedro Demo (UnB)
Prof. Ms. Marilei A. S. Bulow (Fac. CNEC/Campo Largo)
Prof. Dr. Juarez do Nascimento (UFSC)
Prof. Dr. Reinaldo Dias (Mackenzie)
Prof. Dr. Marcos Neira (USP)
Profa. Dra. Ana Iorio (UFC)
Profa. Dra. Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC)
Profa. Dra. Patricia Shigunov (Fiocruz)
Profa. Dra. Maria Teresa Ribeiro Pessoa (Univ. de Coimbra)
Prof. Dr. Francesc Imbernon (Univ. de Barcelona)
Prof. Dr. José Ignacio Rivas Flores (Univ. de Málaga)
Prof. Dr. Luiz Seabra Junior (Cotuca/Unicamp)
Profa. Ms. Hildegard Jung (Unilassale)
Prof. Dr. Fernando Gil Villa (Univ. de Salamanca)
Profa. Dra. Rosa Maria Esteban (Univ. Autónoma de Madrid)
Prof. Dr. Agustín de la Herrán Gascón (Univ. Autónoma de Madrid)
Profa. Dra. Maria Cristina Monteiro Pereira de Carvalho (PUC/Rio)
Prof. Dr. José Tavares (Univ. Aveiro)
Profa. Dra. Idália Sá-Chaves (Univ. Aveiro)
Prof. Dr. António Cachapuz (Univ. Aveiro)
Prof. Dr. Luis Miguel Villar Angulo (Univ. Sevilha)
Prof. Dr. André Constantino da Silva (IFSP)
Prof. Ms. João Lúcio de Barros (IFSP).

5
______________Ficha Técnica_______________

Direção Editorial
Ivan Fortunato

Revisão final
Maria Auxiliadora Soares Fortes
Osmar Hélio Alves Araújo

Revisor
Welton Pereira e Silva

Projeto Gráfico, Diagramação e Capa


José Ismael Alves

6
_________________Sumário_________________
Editorial ....................................................................................................10
Alexandre Shigunov Neto & Ivan Fortunato

01. ATUAÇÃO DO PROFESSOR NA EDUCAÇÃO


CONTEMPORÂNEA .............................................................................11

José Anderson Santos Cruz


Thaís Conte Vargas
José Luís Bizelli

02. CUIDAR E EDUCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


perspectiva desafiadora na formação inicial de professores para a
primeira
infância......................................................................................................21

Maria Nerice dos Santos Pinheiro


Talita Almeida Rodrigues
Ana Carine dos Santos de Sousa Paiva

03. DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E FORMAÇÃO DE


PROFESSORES/AS: notas a partir das diretrizes curriculares
nacionais para a formação dos profissionais da educação
básica..........................................................................................................39

Emerson Augusto de Medeiros


Sarah Bezerra Luna Varela

04. DESAFIOS DA FORMAÇÃO/PROFISSÃO DOCENTE NO


BRASIL E EM PORTUGAL: a tensa relação entre as medidas
legais e a prática.......................................................................................56

Ana Isabel Andrade


Maria Auxiliadora Soares Fortes
Osmar Hélio Alves Araújo
Luís Távora Furtado Ribeiro

7
05. O EMPREENDEDORISMO EDUCACIONAL, A EDUCAÇÃO
A DISTÂNCIA E A FORMAÇÃO DOCENTE: desafios à educação
pública no Brasil.....................................................................................75

Genilson José da Silva


Ercules Laurentino Diniz
Maria Aparecida Rosa de Andrade
Maria das Graças de Almeida Baptista

06. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O AMBIENTE VIRTUAL


DE APRENDIZAGEM - ANÁLISE DE PESQUISAS NO CAMPO
ETNOGRÁFICO......................................................................................95

Eliana Alves Arxer


José Anderson Santos Cruz
Edson do Carmo Inforsato

07. LETRAMENTO DIGITAL E A PRÁTICA DOCENTE: a


concepção de professores/as do ensino fundamental – anos
iniciais......................................................................................................107

Clemilson Cavalcanti da Silva


José Antonio Novaes da Silva
Andeilma Fernandes de Lima

08. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO E A


RACIONALIDADEPEDAGÓGICA: interseções
possíveis..................................................................................................134

Talita Almeida Rodrigues


Maria Nerice dos Santos Pinheiro
Maria de Lourdes Tavares Magalhães

8
09. O POTENCIAL TRANSFORMADOR DA INVESTIGAÇÃO
DOS PROFESSORES............................................................................158

Flávia Vieira

10. QUANDO A FORMAÇÃO CONTINUADA FAZ FALTA! O


caso da coordenação pedagógica na rede estadual de Santa
Catarina...................................................................................................182

Shirlei de Souza Corrêa

Dados dos Autores................................................................................203

Sobre os Organizadores.......................................................................208

9
________________Editorial_________________

Existe um provérbio que diz “não ande atrás de mim, talvez


não saiba liderar; não ande na minha frente, pois talvez não queria
segui-lo; ande ao meu lado, para caminhamos juntos”. Eis que essa
obra em tela é uma importante representação desse provérbio: um
livro sobre formação de professores, produzido por um grupo de
pesquisadores que tem as mesmas pretensões que o nosso: pensar
em melhorar o professorado e, dessa forma, a educação.
Quando lançamos as Edições Hipótese, não imaginávamos
(embora fosse um anseio) que logo teríamos grupos parceiros,
pensando de forma diferente as mesmas dificuldades e os mesmos
objetivos. Mas, eis que somos surpreendidos por diversas obras do
país e do estrangeiro, vindo caminhar conosco, lado a lado. A
coletânea que agora publicamos, discute temas como a atuação
docente, o ensino infantil, as tecnologias, o desenvolvimento
profissional, a educação à distância, dentre outros. Temas
fundamentais para compreender – se é que é possível – a
complexidade da docência e os desafios da formação inicial,
continuada e em exercício.

Desejando, desde já, uma ótima leitura e aprendizado(s).

Itapetininga, setembro de 2018.


Alexandre Shigunov Neto & Ivan Fortunato

10
01. ATUAÇÃO DO PROFESSOR NA
EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

José Anderson Santos Cruz


Thaís Conte Vargas
José Luís Bizelli

INTRODUÇÃO

Com o advento da globalização, da rede mundial de


computadores, da internet e, principalmente, com as novas gerações
a partir do início do século XXI, a educação tem sido alvo de várias
discussões, como a formação do professor. Com isso, os processos
de ensino de conteúdos diante do atual cenário – sociedade da
informação e do conhecimento – têm levado os profissionais da
educação a pensar e repensar novos formatos e métodos de ensino.
De fato, a maneira de trazer conteúdos para a sala de aula já não
satisfaz mais os estudantes com o modelo arcaico de ensino.
Entende-se por modelo arcaico o padrão de aula com carteiras
enfileiradas e o professor despejando conteúdos sem relacioná-los
ao meio em que os estudantes estão inseridos, seja no contexto
cultural, político, econômico, ou para atuarem no mercado de
trabalho.
Este texto debruça-se sobre a reflexão de como deve ser a
atuação do professor, nas possibilidades e perspectivas e práticas
que podem ser desenvolvidas junto com os educandos em sala de
aula, correlacionando o conteúdo à realidade de cada um e à
sociedade em que vivemos nessa contemporaneidade. A questão
que norteia este trabalho parte da indagação: qual o papel do
professor no cenário atual, em que os tempos mudaram na forma de

11
acesso à informação, tendo como principal fator a internet, na qual
os estudantes estão conectados assiduamente?
Utilizou-se o levantamento bibliográfico, através do qual
houve um mergulho nas discussões sobre esse tema e, em seguida,
diante dos resultados teóricos adquiridos, houve a discussão com
possíveis argumentos mediante experiências e relatos de autores
analisados. A escolha dos textos partiu da ideia central pela busca
da palavra-chave “formação do professor e tecnologias”.
Entende-se que a educação é complexa em todos os sentidos,
pois, para que se possa articular e discutir o ato de educar, vários
fatores estão intrinsecamente interligados. Fatores esses que fazem
conexão com políticas públicas, formação do sujeito, legislação
federal, estadual e municipal, formação do professor, gestão escolar,
uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC), sala de
aula, modelos e processos de ensino e aprendizagem e
financiamento da educação pelos órgãos competentes. Mas, neste
texto, articula-se a educação à formação do professor no cenário
tecnológico e à internet, cada vez mais sendo acessada pelos
estudantes de vários locais, a qualquer tempo.
Assim, não há mais espaço e tempo, mas a virtualidade e a
rede, as quais são bombardeadas com infinitas informações, desde
notícias às mais variadas vídeo-aulas, com suas formas interativas
de informar o internauta. A internet mudou a forma de estudar, de
ler. E, nesse cenário, o professor deixou de ser o único porta-voz do
conhecimento.

EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

A transformação política-econômica-social atinge


diretamente a educação. Nesse sentido, fica evidente que a educação
contemporânea apresenta foco mercadológico cujo paradigma se
instaura numa “educação em rede” (Castells, 2000). Para tanto,

12
desenvolve-se a necessidade de que a questão tecnológica e
informacional (um dos carros-chefes do contexto atual) seja
integrada à educação, desenvolvendo direta ou indiretamente novas
dinâmicas de aprendizagem, como aponta Santos Cruz e Bermejo:

[...] Essas transformações, de certo modo, acarretam novos


olhares e percepções no contexto educacional quanto à
formação do sujeito para atuar como cidadão e no âmbito
mercadológico – modelos de negócios educacionais, a
educação e os processos de ensino e aprendizagem, as
questões do projeto político pedagógico para o ensino
superior, a educação como produto, a educação como
direito ao cidadão e as políticas públicas, as questões que
permeiam a educação ou ensino a distância; podem ou
não influenciar diretamente na formação do sujeito,
principalmente com as tecnologias e a convergência
tecnológica que estão cada vez mais no cotidiano do
sujeito (Santos Cruz; Bermejo, 2017, p. 578).

Essa nova dinâmica social – e, portanto, educacional – é fruto


de uma série de eventos que culminaram numa espécie de
“reciclagem” das velhas estruturas (econômicas e governamentais),
tal como a revolução informacional por conta do advento da internet
e os sistemas provenientes dos mecanismos online. Esse quadro
pôde então ser a base para a articulação moderna de muitos
movimentos sociais:

Castells (2000) é contundente quando afirmou que um


novo mundo estava tomando forma no inicio do século
XXI. [...] a “sociedade em rede”, é resultado de três
grandes processos independentes que convergem entre si,
coincidentemente: (1) a reestruturação dos sistemas
produtivos e dos modelos econômicos, no escopo da
globalização dos mercados e da dinâmica estatal; (2)
avanços consideráveis no campo da tecnologia da
informação, proporcionando ferramentas para a formação

13
de redes e virtualização da comunicação e da informação
em nível mundial e (3) articulação entre diversos e
complexos movimentos socioculturais pós 1960 que têm
redesenhado as relações estabelecidas entre os indivíduos,
as instituições, as organizações e os vários grupos que dão
consistência ao chamado “tecido social” (Oliveira,
Martins; Duarte, 2017, p. 1443).

Assim, fica evidente a importância da formação de


professores na contemporaneidade, pois, até então, o currículo de
formação docente era em grande parte fragmentado de maneira
dicotômica entre teoria e prática (Rosa; Grosch; LLorenzini, 2017,
p.1045). No contexto atual, é de extrema importância que haja,
durante a formação docente, o domínio e o aprimoramento nas
linguagens digitais e suas tecnologias na escola (que é elementar na
nossa sociedade), sobretudo para atuação nas escolas de tempo
integral (Rocha; Moreira, 2017, p. 352), onde esses recursos são
utilizados de maneira mais intensificada. No entanto, é importante
salientar que esses novos processos educacionais devem levar em
consideração o coletivo de professores, assim como entender sua
história e os padrões de comportamento dos mesmos, no sentido de
estabelecer as possibilidades e os limites das implementações que
vão ser propostas no processo formativo da categoria.

O profissional que vai atuar nesse contexto se gradua no


Ensino Superior; sendo assim, são necessários
determinados aprendizados que o prepare para atuar. O
Ensino Superior influencia diretamente na formação para
o trabalho, principalmente através das tecnologias atuais e
da convergência tecnológica, cada vez mais presentes no
cotidiano do indivíduo. (Cunha; Santos Cruz; Bizelli, 2017,
p. 683).

14
Rosa, Grosch e Lorenini (2017, p. 1053) reforçam essa ideia e
apontam ainda que há uma “distinção singular dos sujeitos”,
manifestada no grupo através das ações e dos discursos e, por isso, a
importância da ação em conjunto (comportamento próprio das
comunidades políticas, que se acertam acerca de uma direção
comum para toda e qualquer ação).

DA AULA ANALÓGICA À DIGITAL

No contexto da contemporaneidade, é visto que as demandas


exigem da prática docente um novo posicionamento quanto ao
ensino e à preparação dos alunos para o pensamento crítico e
reflexivo. Ainda nesse sentido, fica também clara a importância do
domínio e do bom uso das novas tecnologias (visto que, atualmente,
nossa economia é pautada no conhecimento e na informação). As
instituições de nível superior também possuem papel fundamental
nesse sentido, como colocam Cunha, Santos Cruz e Bizelli (2017), já
que a extensão universitária “estimula o contato com a comunidade
através de trabalho social na sua área de estudo, sendo mais um
caminho rumo a processos inovadores”. Portanto, a inovação tem
uma grande importância no contexto mercadológico. Apontam
ainda os autores:

A inovação é um aspecto valorizado pelo mercado de


trabalho, além do pensamento reflexivo, conhecimento
específico e integração desse conhecimento, assim como os
fundamentos ensinados no Ensino Superior; por tudo isso
essa formação é fundamental: é essencial que o aluno
conclua os estudos, e o estímulo para tanto também deve
partir do professor (Cunha; Santos Cruz; Bizelli, 2017, p.
688).

15
Fica evidente a importância do entrosamento na relação entre
professores e tecnologias, sobretudo, entendendo-se que a formação
integral atual inclui também a formação para o trabalho (ROCHA;
MOREIRA, 2017, p. 354). Nesse sentido, é necessário que a formação
docente desenvolva o entendimento dessas tecnologias e a aplicação
delas dentro e fora da sala de aula, associando esses conhecimentos
ao conteúdo proposto pela instituição:

[...] Considerando que vivemos na sociedade da


informação e comunicação, os professores necessitam de
formação não somente para o manuseio das tecnologias,
mas também para associar essas tecnologias e as
diferentes linguagens aos conteúdos programáticos, assim
como esclarecer sobre sua (in)utilidade no dia a dia e a
relação com o consumismo imposto pelo capitalismo.
Essas competências e habilidades desafiam a formação
docente em relação às novas linguagens, dentre elas a
televisiva, a informática e as linguagens de natureza de
hipertextos (Rocha; Moreira, 2017, p. 354).

Como apontam Oliveira, Martins e Duarte (2017, p.1460), a


formação do desenho institucional é composta pela assimilação das
condições do trabalho polidocente. Segundo os autores, a
articulação desses conhecimentos fomentam e criam novos
conhecimentos de forma orgânica e isso é determinante na hora de
traçar novas estratégias educacionais.

A ATUAÇÃO DO PROFESSOR FRENTE À REALIDADE DAS


TECNOLOGIAS E INTERNET

Rosa, Grosch e Lorenzini (p.1047) apontam a importância dos


processos que fundamentam a formação inicial e continuada dos

16
professores. Os autores destacam ainda que, até então, as políticas
públicas nesse sentido mostram-se subservientes a uma
“racionalidade instrumental” que acaba deixando de lado aspectos
históricos e sociais no meio (“a totalidade do processo”). Essa
questão, para os autores, deve servir como objeto de análise a partir
de “perspectivas de racionalidade possível”, no sentido de superar
as limitações atuais. Ao se desprender das amarras da racionalidade
instrumental, o professor é capaz de reinventar suas praticas e
adaptá-las da melhor maneira para que corresponda às mudanças
pelas quais a sociedade passa:

Nesta perspectiva, uma formação docente fincada na


pedagogia e na didática permitirá ao professor construir e
reconstruir sua prática, assim como descortinar caminhos
rumo a uma experiência docente de êxodo abalizada,
sobretudo, na militância pedagógica, e assim o professor
poderá fazer da sua própria prática pedagógica
laboratório de formação (Araújo; Rodrigues; Aragão, 2017,
p. 221).

A escola não pode mais ser considerada o único espaço de


aprendizagem. Nesse sentido, fica evidente que a prática
pedagógica exerce função em diversos espaços sociais, sendo a
educação um processo e uma prática social constante na história.
Como apontam Oliveira, Santos Cruz, Barros Júnior, Mattos e
Volpato (2017, p. 237), essa prática dá-se através “da relação entre o
homem, a sociedade, as histórias e as circunstâncias”. Os autores
também apontam o caráter transdisciplinar que a pedagogia tem,
visto seus estudos nas áreas de filosofia, história e política
econômica, “áreas imbricadas e que contribuem para o
redimensionamento das habilitações e capacidades deste
profissional.” (2017, p. 237).

17
[...] Deste modo, a escola precisa instigar os professores a
penetrarem no contexto das tecnológicas móveis, visto que
a população discente está, cada vez mais, sendo intimada
à cultura midiática. (Araújo; Ribeiro; Pinheiro, 2016, p. 96).

Para tanto, dentro desse contexto tecnológico, as escolas


precisam estabelecer uma relação bi-direcional entre professores-
tecnologia-alunos, focando não só no diálogo como os recursos
tecnológicos, mas também pensando a formação do professor
enquanto um agente capaz de lidar com esses recursos. Há de se
levar em consideração que esses novos mecanismos dão margem
para novas discussões e dinâmicas acerca da informação e como ela
é reproduzida na sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante ressaltar a importância que as instituições


públicas têm sobre a dimensão que a formação docente possui
perante a construção da educação escolar. Existe uma relação
dialética entre prática e teoria que também deve ser levada em
consideração – quando se trata de tecnologias de informação –, pois
o professor também é ator nesse cenário de bombardeamento e
consumo constante de informação e, portanto, conhece, faz parte e
também é aluno enquanto relacionado às boas práticas na era da
informação.
Os autores deixam evidente, e é bem clara, a importância de
estabelecer um progresso contínuo na formação docente, sobretudo
no sentido de estimular a atualização dessa categoria acerca das
novas tecnologias (como as TICs), mas também sobre como aplicá-
las às salas de aula, sem perder o foco ou subverter o interesse das
instituições de ensino (que é a formação cidadã e a formação para o
trabalho). Nesse sentido, as novas tecnologias podem servir de

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aliadas para os professores não só dentro da sala de aula, como fora
dela, visto que a pedagogia transcende o ambiente escolar.
Os recursos são extremamente poderosos e é importante que
haja, dentro do campo do ensino, uma maneira de educar e prevenir
sobre o uso dos mesmos. Para tanto, fica a cargo tanto do poder
público (no sentido de incentivar e promover uma melhor condição
de trabalho e formação continuada para a categoria docente), quanto
para o professor, que deve, através da sua prática e entrosamento
tecnológico, tirar o maior proveito do uso – e do consumo consciente
– desses novos recursos, próprios da era tecnológica.

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, O. H. A.; RODRIGUES, J. M. C.; ARAGÃO, W. H. (2017). O
(des)lugar da pedagogia e da didática na formação dos professores. Revista on
line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v.21, n.01, p. 215-226. ISSN:
1519-9029.

ARAÚJO, O. H. A.; RIBEIRO, L. T. F.; PINHEIRO. M. N. dos S. (2016).


Tecnologias móveis nos processos de ensino e de aprendizagem: mobilidade
docente? Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 11, n.1,
p. 95-110.E-ISSN: 1982-5587.

CUNHA, A. K.; SANTOS CRUZ, J. A.; BIZELLI, J. L. (2017). A gestão do


conhecimento e as expertizes desenvolvidas no ensino superior. Revista on line
de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v.21, n. esp. 1, p. 677-690. ISSN:
1519-9029.

OLIVEIRA, B. R.; MARTINS, L. G.; DUARTE, A. O. S. (2017). Interação no


ciberespaço e formação de professores: análise da sala de interação virtual do
programa escola de gestores na Universidade Federal de Ouro Preto. Revista
IberoAmericana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 12, n. esp. 2, p. 1441-1461.
E-ISSN: 1982-5587.

OLIVEIRA, K. A. N.; SANTOS CRUZ, J. A..; BARROS JUNIOR, A. W. R.;


MATTOS, M. B. G.; VOLPATO, S. M. (2017). O trabalho do pedagogo nas
entidades sociais: análise das ações pedagógicas integradas às políticas públicas
de assistência social. Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara,
v.21, n.01, p. 227-247. ISSN: 1519-9029.

19
ROCHA, R. F. Z.; MOREIRA, H. (2017). Escolas públicas do município de
Curitiba: as novas tecnologias nas escolas de tempo integral. Revista Ibero-
Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v.12, n.1, p. 350-370.E-ISSN:
1982-5587.

ROSA, G. A.; GROSH, M. S.; LORENZINI, V. P. (2017). Reflexões sobre


educação na contemporaneidade: certezas, (in)certezas e desafios. Revista Ibero-
Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 12, n. 2, p.1037- 1055, 2017. E-
ISSN: 1982-5587.

SANTOS CRUZ, J. A.; BERMEJO, L. J. (2017). Dossiê tecnologias e educação:


novos olhares e percepções. Revista on line de Política e Gestão Educacional,
Araraquara, v.21, n. esp.1, p. 578-581. ISSN: 1519-90.

20
02. CUIDAR E EDUCAR NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: perspectiva desafiadora na formação
inicial de professores para a primeira infância

Maria Nerice dos Santos Pinheiro


Talita Almeida Rodrigues
Ana Carine dos Santos de Sousa Paiva

PRIMEIRAS REFLEXÕES

A Educação Infantil passou a compor o setor educacional


nacional a partir da década de 1990, com o advento da LDB (Brasil,
1996), lei que rege o cenário educacional brasileiro. O referido
documento definiu, finalmente, o professor como o profissional
habilitado para o trabalho docente com bebês, crianças bem
pequenas e crianças pequenas1 no contexto de Creches e Pré-Escolas
no país.
A primeira etapa da Educação Básica se configura como locus
em que a docência é marcada por especificidades. Tais
particularidades despontam das características inerentes à faixa
etária das crianças atendidas na Educação Infantil, pois esses
sujeitos se apresentam numa fase do desenvolvimento humano em
que ainda se mostram dependentes, vulneráveis e globais (Oliveira-
Formosinho, 2011).

1 Conforme Barbosa (2009, p.05), no documento intitulado Práticas Cotidianas na Educação


Infantil, é possível definir "bebês como crianças de 0 a 18 meses; crianças bem pequenas como
crianças entre 19 meses e 3 anos e 11 meses; crianças pequenas como crianças entre 4 anos e 6
anos e 11 meses. Considerando a explicação da referida autora, vale salientar que a lei nº
13.306/2016 (BRASIL, 2016) modificou a faixa etária atendida pela Educação Infantil, sendo esta
etapa destinada às crianças de 0 a 5 anos de idade. Nesse sentido, crianças de 4 a 5 anos e 11
meses podem ser classificadas como "crianças pequenas".

21
Nesse sentido, a fim de atender não só os objetivos
educacionais, mas os direitos das crianças, é importante que os
professores que trabalham com indivíduos na faixa etária de zero a
cinco anos possam desenvolver práticas subsidiadas no paradigma
do cuidado e educação. Logo, para as crianças que frequentam as
turmas de Educação Infantil, é fundamental que o professor possa se
apresentar como um profissional parceiro e capaz de apoiá-las na
realização de diferentes tipos de atividades que são desenvolvidas
nesse contexto, através das diferentes vivências diárias que podem
ser propostas na Creche e na Pré-Escola.
No entanto, é preciso sinalizar que é comum que o processo
educativo seja associado a modelos instrucionais e/ou
escolarizantes de educação (Andrade, 2009; Corsaro, 2011; Gomes;
Vieira, 2014), em que há, necessariamente, uso de material didático,
livros, cadernos, lápis e a presença do professor como principal
transmissor de conhecimentos. Todavia, é preciso rememorar que
todas as atividades realizadas na Educação Infantil são situações
educacionais, mesmo aquelas associadas, no senso comum, a
"experiências de cuidado", como se fosse possível cindir cuidado e
educação (Didonet, 2003).
Essa realidade torna latente a importância de se fazer uma
revisão acerca do significado de cuidado e educação na formação
inicial de professores para a primeira infância. Se para as crianças
pequenas, por lei, está prevista a oferta de uma educação integral,
faz-se necessário que o professor seja um profissional possuidor de
conhecimentos que extrapolem os limites de uma perspectiva
escolarizante de educação.
A partir disso, alguns desafios se apresentam para os cursos
de formação inicial. É urgente que os cursos de licenciatura em
Pedagogia possam oportunizar a construção de saberes e práticas
que possibilitem aos docentes vir a ser realizadores e parceiros no
atendimento das necessidades e direitos das crianças na faixa etária
de zero a cinco anos, o que inclui a realização de atividades que,

22
muitas vezes, são associadas a atribuições da figura materna ou a
ocupações que se dão no cenário doméstico (Cerisara, 1996).
Para um debate nessa perspectiva, este artigo, inicialmente,
versa sobre as especificidades da docência a ser desenvolvida na
primeira etapa da Educação Básica, tomando o binômio do cuidado
e educação como o principal eixo organizador desta atividade
profissional. Em seguida, o debate recai sobre a relevância de se
propor uma revisão dos cursos de formação inicial de professores
que trabalham com bebês, crianças bem pequenas e crianças
pequenas, a fim de se buscar formar profissionais conscientes de seu
papel e capazes de fomentar práticas de boa qualidade no âmbito de
Creches e Pré-Escolas. Por fim, as Considerações "finais" reafirmam
o desafio a ser enfrentado pelas instituições formadoras,
profissionais e políticas públicas, tendo como meta primordial a
constituição de uma docência habilitada para o exercício de uma
prática consonante com o discurso contido nos documentos legais e
capaz de contribuir, de forma efetiva, para mediar a construção dos
conhecimentos das crianças e, por conseguinte, promover o
desenvolvimento infantil.

CUIDADO E EDUCAÇÃO COMO ESPECIFICIDADE DA


DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Durante muito tempo no Brasil, não houve investimento, por


parte do governo, nas políticas públicas dirigidas à educação para a
primeira infância. As primeiras iniciativas relacionadas a esse tipo
de atendimento nasceram de práticas improvisadas e através do
trabalho de mulheres leigas. Junto a isso, também havia iniciativas
particulares. As crianças de famílias mais abastadas ou de situação
financeira confortável frequentavam Pré-Escolas, de maneira que as
crianças advindas das camadas populares da sociedade, filhas de
trabalhadores, seguiam para as Creches (Oliveira, 2011; Kuhlmann,
2015). Essas instituições, portanto, não se diferenciavam pela faixa

23
etária das crianças que frequentavam esses espaços, mas pela
condição social do público que era atendido.
A Pré-Escola se firmou como estabelecimento desenvolvedor
de um trabalho de caráter "pedagógico", portanto, de educação.
Nessa perspectiva, a Creche, local onde as crianças eram
alimentadas e higienizadas na ausência de familiares e/ou
responsáveis trabalhadores, se estabelecia como lugar de "cuidado"
(Oliveira, 2011). Essa realidade demonstra o quanto a concepção de
cuidado se relacionava ao desempenho de ações ligadas ao corpo e
ao bem estar físico das crianças. Nesse mesmo sentido, a ideia de
educação também acabava por se limitar, pois estava associada aos
processos de ensino (Campos, 2008; Azevedo, 2013). O conteúdo
expresso pelo Parecer 20/2009 (Brasil, 2009) clarifica essa reflexão ao
afirmar que:

Essa vinculação institucional diferenciada refletia uma


fragmentação nas concepções sobre educação das crianças
em espaços coletivos, compreendendo o cuidar como
atividade meramente ligada ao corpo e destinada às
crianças mais pobres e o educar como experiência de
promoção intelectual reservada aos filhos dos grupos
socialmente privilegiados (p. 01, grifo nosso).

O fato é que, na década de 1990, com a promulgação da Lei de


Diretrizes e Bases (LDB) (Brasil, 1996), ficou determinado que a
Educação Infantil tinha como finalidade promover o
desenvolvimento integral da criança. O uso do termo integral
sugeriu legalmente, pela primeira vez, a relação indissociável de
cuidado e educação, binômio inerente à experiência educacional
com crianças de zero a cinco anos de idade. Foi com a LDB que este
binômio ganhou o status de paradigma, definindo a docência em
Creches e Pré-Escolas como atividade marcada por especificidades.
O pensamento de Oliveira-Formosinho (2011, p.135) torna esse
aspecto ainda mais claro, pois a autora explica que:

24
[...] o papel dos professores de crianças pequenas, em
muitos aspectos, similar ao papel dos outros professores,
mas é diferente em muitos outros. Estes aspectos
diferenciadores configuram uma profissionalidade
específica do trabalho das educadoras de infância. Os
próprios actores envolvidos na educação de infância têm
sentimentos mistos no que se refere à questão de serem
iguais ou diferentes dos outros professores,
nomeadamente professores do ensino primário.

Nesse sentido, é importante que o papel docente na Educação


Infantil não seja associado, de forma simplória, à ideia tradicional de
professor (Campos, 2007). Ser professor da primeira infância
consiste na realização de uma atividade "voltada a todos os aspectos
ligados às ações da vida cotidiana e não somente ao que é
considerado tradicionalmente de pedagógico" (Martins Filho, 2013,
p.30).
O Parecer nº 20/2009 do Ministério da Educação, que revisa
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil –
DCNEI (Brasil, 2009), reforça esta ideia quando orienta sobre a
importância de os profissionais que atuam nesta etapa da educação
realizarem práticas de cuidado e educação, o que implica na atenção
aos aspectos éticos e na promoção de ações docentes comprometidas
com o desenvolvimento e com o respeito aos direitos das crianças.
Isso significa que os docentes necessitam de uma formação
capaz de desenvolver um olhar simultaneamente atento às
necessidades intelectuais e à condição física, emocional, motora e
social das crianças, sobretudo porque todos esses aspectos estão
interligados e contribuem, de forma conjunta, para o
desenvolvimento e aprendizagem desses sujeitos. Assim, é relevante
que o professor atuante no trabalho direto e diário com a faixa etária
de zero a cinco anos possa apoiar suas práticas cotidianas em uma
docência que educa cuidando e que cuida educando. Tal prática se
configura, conforme Bondioli e Mantovani (1998, p. 36), em uma
“delicadíssima tarefa”.

25
Esta delicadeza faz referência à complexidade na qual se
configura essa prática docente, haja vista que essa atividade deriva
da globalidade, da vulnerabilidade e da dependência, características
específicas ao estágio de desenvolvimento em que se encontram as
crianças em Creches e Pré-Escolas. Tais especificidades acabam
gerando uma abrangência de tarefas (Oliveira-Formosinho, 2011)
que compete ao docente neste cenário. Por isso, em suma, o
professor da primeira infância tem o papel de articular cuidado e
educação, afetos e competência técnica para lidar com a demanda
integral das crianças. Essa articulação diz respeito a saberes e
habilidades que estão para além da transmissão de conteúdos.
Assim, o modelo de professor acima descrito, necessário ao contexto
da Educação Infantil, ainda parece uma experiência distante dos
discentes que cursam a licenciatura em Pedagogia.
Considerando tudo o que foi expresso até aqui, torna-se
imprescindível ampliar as discussões acerca da formação inicial de
professores para a primeira infância sob a perspectiva da
indissociabilidade de cuidado e educação. Afinal, parece urgente a
necessidade de superar concepções e discursos que dicotomizam
esses elementos, haja vista que, como asseveram Craidy (2003) e
Didonet (2001), não se educa sem cuidado e não se cuida sem
educação.

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA CRECHES E


PRÉ-ESCOLAS: A INDISSOCIABILIDADE DE CUIDADO E
EDUCAÇÃO E A PRÁTICA DOCENTE

Ainda que sejam inúmeros e atuais os debates acerca do


papel do docente que atua na Educação Infantil, é possível afirmar
que este profissional ainda possui uma identidade que permanece
em processo de construção. Não é em vão que Mantovani e Perani
(1999, p.75), ao fazerem referência ao docente da primeira infância,
afirmam que esta trata-se de "profissão a ser inventada".

26
Kishimoto (2011, p. 107), ao fazer menção aos cursos de
formação inicial dos profissionais que atuarão na educação de
crianças de zero a cinco anos, seja ao nível de licenciatura ou no
Ensino Médio na modalidade Normal, assevera que essas formações
“não respeitam a especificidade da educação infantil”. A ausência
ou o parco investimento no debate e nas reflexões sobre a realidade
que envolve o trabalho com bebês, crianças bem pequenas e crianças
pequenas vem acarretando, ano após ano, a formação de
profissionais que realizam práticas escolarizantes que, no entanto,
ainda enfatizam um modelo de docência que não é conveniente aos
objetivos traçados para a primeira etapa da Educação Básica
(Andrade, 2007; Cruz, 2011; Kshimoto, 2011; Machado, 1999).
Talvez, uma das questões mais problemáticas com relação ao
perfil do docente para a Educação Infantil seja o fato de ainda ser
grande a quantidade de "professores [que] costumam rejeitar as
responsabilidades ligadas à proteção e ao cuidado, pois a imagem
que formaram sobre sua profissão é baseada exclusivamente na
atividade de ensino" (Campos, 2008, p.127). Este ponto mencionado
por Campos (2008) parece ser reforçado, inclusive, pela presença de
auxiliares de sala2 em turmas de Creches e Pré-Escola, seja no
âmbito público ou privado, afinal, essas profissionais são
contratadas para desempenhar atividades de banho, de alimentação,
higienização, dentre outras que envolvem o corpo das crianças.
Deste modo, a contratação de auxiliares parece não só revelar as
lacunas deixadas pela formação inicial de professores, mas
contribuir para a reprodução de uma concepção que dicotomiza
educação de cuidado (Pinheiro, 2017).
Ainda é relevante salientar que, assim como existem
professores que "rejeitam" as tarefas "manuais" e ligadas ao corpo
das crianças, há, também, professores que, nas suas práticas

2Para se aprofundar neste tema, é possível consultar a dissertação intitulada: “Não! A auxiliar
não é a professora: o papel das auxiliares da educação infantil no contexto de creche no
município de Fortaleza (PINHEIRO, 2017).

27
cotidianas, dão ênfase à realização dessas atividades, de maneira
que as crianças são pouco oportunizadas a experimentar situações
que envolvam a contação de histórias, o trabalho com arte, desenho,
dentre outras. Uma docência nesses moldes parece estar associada a
um projeto de cuidado e educação "para a subalternidade"
(Rosemberg, 2002). Ou seja, desvinculado de uma concepção de
criança como sujeito e de Educação Infantil como experiência
libertadora e promotora do desenvolvimento integral das crianças.
Feitas essas reflexões, a ideia de Saviani (2013, p.227) mostra-
se pertinente para este momento da discussão que vem sendo tecida
até aqui, afinal, o referido autor afirma sobre a dificuldade de se
alcançar um posicionamento no meio educacional que denote
equilíbrio decorre do fato de que:

[...] para se endireitar uma vara que se encontra torta não


basta colocá-la na posição correta mas, é necessário curvá-
la do lado oposto, assim também, no embate ideológico
não basta enunciar a concepção correta para que os
desvios sejam corrigidos; é necessário abalar as certezas,
desautorizar o senso comum.

Isso significa que não basta definir, mesmo que legalmente,


cuidado e educação como elemento orientador das práticas docentes
na Educação Infantil. É preciso mais do que isso, pois há tempos este
binômio vem sendo debatido e apresentado como paradigma para a
primeira etapa da Educação Básica. Apesar disso, parece que poucos
são os avanços conquistados no que tange às práticas e aos discursos
dos docentes que trabalham com bebês, crianças bem pequenas e
crianças pequenas. São inúmeros os estudos que reproduzem e/ou
denunciam discursos que dissociam cuidado de educação, de forma
que a docência acaba pendendo para uma prática que educa ou para
uma ação que cuida quando, na verdade, deveria estar assentada no
equilíbrio que pode ser representado pela indissociabilidade. É
nesse sentido que Saviani (2013) convida-nos a romper com as

28
certezas, a fim de que a formação inicial de professores possa ocupar
o espaço de principal transformadora deste cenário que muito
discorre sobre cuidado e educação, mas parece ainda não perceber
esses elementos como verdadeiramente imbricados.
Contudo, para propor uma formação inicial que contemple e
forme os futuros professores para as especificidades do trabalho a
ser realizado em Creches e Pré-Escolas, é primordial que os
estudantes nas licenciaturas3 acessem as rotinas e a vida que
acontece cotidianamente nos espaços e tempos da Educação Infantil.
A possibilidade de estar inserido nesse contexto institucional, ao
longo de todo o curso, significa o contato com a realidade inerente
ao trabalho com crianças pequenas. Nesse sentido, o pensamento de
Campos (2007, p.127) se revela como importante quando assevera
que:

[...] os currículos de formação de professores raramente


abordam questões específicas do atendimento em creches,
como o desenvolvimento infantil nessa faixa etária, as
particularidades do período integral, a saúde infantil, a
alimentação, o trabalho com as famílias, os direitos da
mulher, o significado do brincar, das interações e da
socialização em ambientes coletivos.

Ainda refletindo sobre essa questão, é possível tomar os


currículos dos cursos4 de Pedagogia da Universidade Federal do
Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE) como
exemplos que ilustram a ideia de Campos (2007). O número de
disciplinas relacionadas à Educação Infantil ainda é mínimo quando

3Ainda que a LDB (BRASIL, 1996) admita a formação no Ensino Médio na modalidade Normal,
o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) coloca como meta a formação docente em nível
superior. Contudo, vale destacar que, no ano de 2017, o presidente Michel Temer aprovou a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que “congela” os investimentos dirigidos à área
educacional do país durante 20 anos. Essa decisão acaba dificultando a conquista dos objetivos
previstos no plano mencionado.
4 É possível consultar a grade curricular dos cursos supracitados nos sites das referidas

universidades.

29
se leva em conta que o pedagogo é, especificamente, o profissional
que atua no cuidado e educação de crianças na primeira etapa da
Educação Básica. Nos referidos currículos, estão ausentes disciplinas
que abordem temáticas como alimentação, troca de fraldas,
higienização, saúde e bem estar de bebês, crianças bem pequenas e
crianças pequenas. Junto a isso, o debate sobre a identidade e a
profissionalidade específica do professor de Educação Infantil
parece, também, ter pouco espaço nas licenciaturas em Pedagogia. É
importante salientar que todos esses conteúdos estão diretamente
relacionados ao paradigma do cuidado e educação, pois a
construção desse conhecimento não se dá de forma isolada, mas de
maneira articulada com todas as temáticas aqui mencionadas.
A ausência ou a pouca ênfase em estudos voltados para esses
temas na formação inicial de professores apresenta-se como
problemática a ser refletida pelos profissionais do setor educacional,
bem como pelas políticas públicas e agências formadoras. Afinal,
muitas das atividades exercidas por docentes na Educação Infantil
ainda permanecem sendo associadas a atribuições que não exigem
um conhecimento específico para a sua realização. Atividades como
trocar fraldas, alimentar e higienizar as crianças foram e ainda
continuam sendo associadas a incumbências destinadas às figuras
do sexo feminino, realidade que decorre, mas que também é
reforçada pelo "mito da educadora nata"5 (Arce, 2001).
Porém, é na formação inicial que se torna possível tratar esses
saberes como um conhecimento específico, necessário e que exige
5 Ao fazer referência ao mito citado neste artigo, Arce (2001, p.170) esclarece que a sua
percepção com relação a este tema, ao afirmar que esse conceito decorre da "constituição
histórica da imagem do profissional de educação infantil tem estado fortemente impregnada do
mito da maternidade, da mulher como rainha do lar, educadora nata, cujo papel educativo
associa-se necessariamente ao ambiente doméstico, sendo, assim, particularmente importante
nos primeiros anos da infância. O início da educação de todo indivíduo deveria, assim, ser uma
extensão natural da maternidade. Cumpre, entretanto, destacar que esse mito da mulher mãe e
educadora nata exerce seu maior poder orientador no período relativo aos anos iniciais da vida
dos indivíduos, não sendo atribuída à mulher a responsabilidade sobre a educação em geral.
Durante o século XVIII o útero e a função de reprodução referendaram este mito".

30
formação para ser realizado com e para crianças em instituições
formais de cuidado e educação. Desse modo, inserir a
aprendizagem, teórica e prática, dessas atividades no contexto
acadêmico significa conferir a tais atribuições o status de
conhecimento científico. Esta parece uma atitude urgente, pois,
conforme assinala Kramer (2011, p. 125), “o magistério infantil”
ainda é compreendido como profissão que “necessita de pouca
qualificação e tem menor valor”. Essa visão leva os professores a
não “perceber o poder da profissão” que escolheram, bem como a
responsabilidade que é trabalhar com os primeiros anos de vida do
ser humano.
Por isso, pensar numa formação que toma o cuidado e
educação como pressuposto para o desenvolvimento de boa
qualidade do trabalho com crianças pequenas em Creches e Pré-
Escolas significa ampliar a visão que limita o ato de cuidar ao
aspecto físico e corporal da criança e o educar às práticas com
moldes "escolares".
Sendo assim, não cabe aos cursos de formação inicial apenas
proferir o discurso do cuidado e educação, mas conscientizar, por
meio da práxis, os futuros pedagogos sobre as competências a serem
assumidas pelos professores que trabalham com a primeira infância.
Essa conscientização se constrói, também, através da imersão no
contexto das instituições de educação. Os cursos de licenciatura em
Pedagogia, muitas vezes, oportunizam a imersão nas instituições de
Educação Infantil apenas nos semestres finais da graduação, através
dos estágios supervisionados. Entretanto, pensar na realização
dessas experiências desde o início do curso, articulando as
disciplinas pedagógicas com saúde, psicologia, sociologia, higiene,
dentre outros conhecimentos (Mantovani; Pernai, 1999; Maranhão,
2010), pode ajudar a complexificar as bases epistemológicas da
Pedagogia.
É possível que um modelo como esse possa vir a proporcionar
aos discentes a possibilidade de estar na universidade, no Ensino

31
Superior, problematizando temáticas que envolvam a Educação
Infantil a partir de elementos concretos e observados no "chão da
escola". Isso se faz necessário para buscar conscientizar e fortalecer a
concepção de que, na Creche, assim como na Pré-Escola, “o
pedagógico seja educacional e que o educacional seja pedagógico”
(Altino Filho, 2013, p.288) e que a identidade do professor da
primeira infância se desenvolve no exercício do papel de cuidador-
educador (Cruz, 2011).
Cuidar e educar, porque o professor de Educação Infantil
acolhe as crianças e familiares no momento de chegada à Creche ou
à Pré-Escola, compartilha com as famílias sobre episódios de
conflitos ou febre relacionados às crianças, cantarola canções com a
turma, planeja, desenvolve atividades em sala, conta histórias. Além
disso, (re)organiza os espaços utilizados pelas crianças a partir das
necessidades apresentadas pelo grupo, dá colo, troca fraldas, auxilia
e media as aprendizagens do grupo na hora do banho e das
refeições, preenche diário de classe, avalia, elabora relatórios,
acompanha o horário de repouso do agrupamento pelo qual é
responsável, dentre outras tantas atribuições que precisam ser
analisadas, discutidas e percebidas como práticas indissociáveis de
cuidado e educação a serem desenvolvidas por professores, assim
contratados e reconhecidos.

CONSIDERAÇÕES "FINAIS": UM LONGO CAMINHO A


PERCORRER

Como pôde ser percebido ao longo deste artigo, o binômio do


cuidado e educação ainda se apresenta como desafio para os cursos
de formação inicial de professores para bebês, crianças bem
pequenas e crianças pequenas.
Assumir, de forma efetiva, o cuidado e educação como
principal pressuposto para subsidiar a prática docente na Educação
Infantil implica em romper com as percepções limitadas,

32
dicotomizadas e ainda tão presentes nas Creches e Pré-Escolas
acerca deste binômio. Pensar e propor esta ruptura significa assumir
a complexidade epistemológica necessária à formação de docentes
para a primeira infância a fim de que esses profissionais possam
contribuir com o desenvolvimento de práticas pedagógicas de boa
qualidade, ou seja, ações que denotem que se cuida educando e se
educa cuidando.
Esse grande desafio, portanto, está posto para os cursos de
formação inicial de professores para a primeira infância. Revisar os
currículos das licenciaturas em Pedagogia parece algo não só
necessário, mas urgente, pois a construção de uma concepção
atrelada de cuidado e educação pressupõe a articulação constante
deste binômio na formação teórica e prática dos futuros professores.
Ao mencionar os currículos, parece interessante explicitar
sobre a relevância de revisões, não apenas imediatas, mas
constantes, haja vista que o perfil docente não se trata de algo
engessado e pronto. De modo que, parece-nos pertinente que o
percurso formativo da docência para a primeira etapa da Educação
Básica possa ampliar seus horizontes, contudo, sem fragmentar e
sem tornar-se superficial. O que isso quer dizer? Esta reflexão
aponta para a importância de uma formação inicial em que os
estudantes, junto com os professores, vivenciem a articulação dos
saberes relativos à Pedagogia com outras áreas do conhecimento,
como: enfermagem, psicologia, sociologia, por exemplo.
O cuidado e educação das crianças pequenas revela como se
faz imprescindível não só cursar, mas refletir sobre o fazer
pedagógico na Educação Infantil a partir de disciplinas que
abordem não só didática, o planejamento de atividades, as
metodologias, a história da educação, dentre outras. Afinal, a troca
de fraldas, o banho, a alimentação da criança, a organização dos
espaços nas Creches e Pré-Escolas, o atendimento através dos
primeiros socorros, a importância do horário de repouso para o
desenvolvimento das crianças, assim como outros tantos temas que

33
poderiam ser aqui citados, na Educação Infantil, também se
configuram como práticas de cuidado e educação, portanto,
pedagógicas, devendo ser desenvolvidas por professores assim
formados e reconhecidos (Altino Filho, 2013, Pinheiro, 2017).
Abordar esses saberes como conhecimentos científicos,
legitimados pelo cenário acadêmico, pode vir a contribuir com a
superação de fazeres docentes que, muitas vezes, estão subsidiados
apenas em "saberes experienciais" (TARDIF, 2014). Esses
conhecimentos são importantes, sem dúvida, mas é na licenciatura,
no espaço do ensino superior, que se torna possível (re)significar
esses saberes através do exercício da práxis (Sánchez Vàzquez, 1977;
Frigotto, 2000; Freire, 2015; Medeiros e Cabral, 2006). Talvez, deste
modo, os futuros professores possam vir a aprender, de forma
efetiva, sobre a diversidade de conhecimentos necessários à
formação de docentes para o magistério com a primeira infância.
Daí, a relevância de se pensar constantemente sobre uma
formação inicial de professores que esteja comprometida com uma
ampla visão do que significa cuidado e educação numa perspectiva
indissociável.
Assim, por meio deste estudo, foi possível identificar a
necessidade de os professores em formação se apropriarem das
especificidades da docência quando esta diz respeito à primeira
etapa da Educação Básica, compreendendo a singularidade dos
saberes e práticas imprescindíveis para que se possa buscar garantir
a qualidade das interações das crianças com as diferentes situações
cotidianas que se dão em Creches e Pré-Escolas. Afinal, é através
delas e junto aos professores que esses sujeitos ampliam suas
aprendizagens e se desenvolvem.
Mudanças dessa ordem não se dão “de cima para baixo”. Para
que tenham efetividade, precisam ser construídas e compreendidas,
por isso, é necessário refletir, ressignificar e mobilizar saberes,
dialogando com crenças que há tempos estão enraizadas nas
práticas docentes (Arce, 2001). Nesse sentido, há, ainda, um longo

34
caminho para percorrer. Todavia, vale salientar que nada se muda
por decreto, mas pela constante análise e reformulação das situações
que permeiam o cenário educacional brasileiro e que ainda carecem
da construção de novo olhares, práticas e mudanças.
Deste modo, a práxis a ser almejada para a Educação Infantil se
faz com o atendimento às necessidades e aos direitos das crianças,
realidade que implica no investimento em políticas educacionais
que vislumbrem uma formação inicial em que o docente possa, de
fato, não apenas estar habilitado para a docência, mas que possa
estar ciente, em seus discursos e práticas, de que cuidar não se limita
ao corpo e ao bem-estar físico da criança. Junto a isso, este docente
também deve entender que o educar não pode ser tomado sob uma
perspectiva puramente escolarizante e associada a situações que
envolvem um professor que fala, crianças que ouvem, cadernos,
lápis, dentre outros elementos que, também, figuram os espaços
institucionalizados de educação.
São os saberes resignificados a partir da práxis que precisam
mobilizar e fundamentar as práticas docentes. Não apenas saberes
experienciais ou “facilidade” para lidar com crianças. É preciso
muito mais do que “boa vontade” para a promoção de processos de
desenvolvimento e aprendizagem de crianças pequenas. Essa parece
ser, portanto, ainda uma das principais lutas que deve mobilizar a
Pedagogia no que concerne à formação inicial de docentes para a
Educação Infantil.

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TARDIF, M. (2014). Saberes docentes e formação profissional. 17. Ed. Petrópolis, RJ:
Vozes.

38
03. DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E
FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS: notas a
partir das diretrizes curriculares nacionais para a
formação dos profissionais da educação básica6

Emerson Augusto de Medeiros


Sarah Bezerra Luna Varela

INTRODUÇÃO

Este estudo parte do seguinte questionamento: que relações


podemos estabelecer entre o conceito de Desenvolvimento
Profissional Docente e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação de professores/as da Educação Básica? Esta pergunta se
relaciona à premissa de que os debates concernentes à profissão
docente têm crescido nos últimos anos, em particular, no que se
refere à formação do/a professor/a. Tanto no plano acadêmico,
como a nível social, têm-se alargado as discussões acerca da
profissão docente, em especial, as questões relativas aos processos
formativos e ao desenvolvimento profissional do/a professor/a. Tal
desenvolvimento engloba valorização social, carreira, salário,
condições de trabalho, relações interpessoais entre os pares,
construção de saberes sobre a profissão, participação em
movimentos e entidades sociais e a formação permanente do/a
docente, entre outros.
Segundo Gatti (2016), o/a professor/a se constituiu, ao longo
da história, como um dos protagonistas nos debates científicos na
6A temática aqui debatida foi inicialmente apresentada no IV Congresso Nacional de Educação,
em 2017, na Cidade de João Pessoa - PB. Na versão deste capítulo, houve uma ampliação da
discussão, sem a intenção de esgotar o tema, mas de favorecer a construção de novos debates
mais esclarecedores e fundamentados.

39
área de Educação, visto que seu papel é absolutamente central para
o desenvolvimento educacional e, em consequência, social de um
povo. Os/as professores/as são uma peça-chave para que os
processos educativos formais aconteçam. Mesmo com o avanço de
algumas ferramentas tecnológicas para o auxílio nos processos de
ensino e aprendizagem, não há como dispensar a medição do/a
professor/a.
Nessa perspectiva, apresentaremos este texto discutindo,
primeiramente, a formação do/a docente para atuação na Educação
Básica e o seu desenvolvimento profissional. Em seguida,
abordaremos as Diretrizes Curriculares Nacionais – 2002 e 2015 –,
com ênfase no Parecer CNE/CP nº 9/2001, que orienta a formação
de professores/as da Educação Básica, em nível superior, curso de
licenciatura e graduação plena, e o Parecer CNE/CP nº 2/2015,
homologado em 01 de julho do ano de 2015, que atualiza as
diretrizes para a formação de professores/as da Educação Básica
existentes no parecer anterior. Por último, estabeleceremos relações
entre o estudo dos/as autores/as sobre formação docente e
desenvolvimento profissional e as Diretrizes Curriculares Nacionais
elencadas nos documentos supracitados.
No que toca aos aspectos metodológicos, informamos que o
estudo recorreu a uma pesquisa documental e bibliográfica como
sustentadora do universo que pretendemos explorar. Ao longo do
texto, nos debruçaremos sobre os documentos e, ao passo desse
procedimento, atestaremos nossa compreensão como docentes da
Educação Superior que leciona e acompanha professores/as em
formação, quer nas atividades da formação inicial, quer em ações de
educação continuada.
Por fim, desejamos que os breves escritos presentes neste
capítulo alimentem o debate sobre o tema central em discussão:
Desenvolvimento Profissional e Formação de Professores/as para
atuação na Educação Básica. Acreditamos que, apesar do volumoso
número de publicações acerca do tema existentes na literatura

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nacional e internacional, há a necessidade de ampliar sua discussão,
principalmente, no que diz respeito a sua inserção em documentos
que abordam e orientam a formação docente no País.

FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL


DOCENTE: DEBATE CONCEITUAL E NECESSÁRIO SOBRE O
TEMA

As discussões sobre a formação de professores/as estão


relacionadas à chamada “crise da escola”. Para Gauthier (1998, p.
13), “a escola vem sendo interpelada com insistência e vigor, e
muitos a acusam de não cumprir convenientemente o seu papel”.
Charlot (2013) também critica o fato de que, na instituição escolar,
os/as estudantes são estimulados a “passarem de ano” e não a
estabelecerem relações de sentido com o saber e a aprendizagem.
Por esse motivo, eles/as criam estratégias de “sobrevivência” no
ambiente escolar, não encontrando significado no que vivem e
supõem aprender na escola.
De fato, essa problemática exige transformações e, conforme
Gauthier (1998, p. 20-24), uma maneira possível de efetivá-las é por
meio da revisão dos processos de formação de professores/as. Para
o referido autor, não se pode ter como fundamento ideias
consideradas erradas sobre a docência como: “basta conhecer o
conteúdo, [...] basta ter talento, [...] basta ter bom senso, [...] basta
seguir a sua intuição, [...] basta ter experiência, [e] basta ter cultura”.
Ele propõe a determinação de um repertório de conhecimentos
necessários para o ensino, constituindo saberes profissionais do/a
professor/a retirados da prática docente e de sua trajetória na
Educação.
Sobre esse aspecto, Tardif (2014) questiona a respeito de
quais saberes compõem a prática profissional do/a professor/a e,
quando se refere a saberes, relaciona-os a conhecimentos,

41
competências, habilidades ligadas à docência e a sua utilização em
sala de aula. Todos esses elementos perpassam os processos
formativos e precisam ser analisados, em particular, nas disciplinas
consideradas pedagógicas. É esse exercício analítico que o referido
autor estabelece quando caracteriza os saberes profissionais do/a
docente, destacando o contexto social onde os processos formativos
se inserem, em um meio cujas profissões estão em crise.
No contexto da formação docente realizada em instituições
de ensino superior, Tardif (2014) identifica problemas relacionados
ao modelo universitário vigente. No formato atual de ensino, a
formação para o magistério básico se baseia na premissa de que o
conhecimento estudado pelo/a aluno/a será aplicado futuramente
na sua prática profissional. Para o autor, esse modelo se
institucionalizou nas práticas universitárias e não condiz com a
realidade encontrada pelos/as estudantes quando inseridos/as no
contexto profissional. Ao contrário disso, o/a professor/a em sala
de aula mobiliza diferentes saberes, habilidades e atitudes para
alcançar os objetivos propostos numa dada situação de ensino e de
aprendizagem.
De acordo com Tardif (2014), os saberes docentes são de
diferentes tipos e complementam-se no exercício da docência. Eles
são formados pelos saberes da formação profissional, vinculados a
uma instituição de ensino que visa formar professores/as de acordo
com as ciências da educação e suas referidas ideias pedagógicas.
Também são compostos pelos saberes disciplinares e curriculares,
relacionados aos campos de conhecimento e programas
educacionais definidos pela própria instituição de ensino, com
objetivos, conteúdos e métodos a serem trabalhados nos processos
formativos. Por fim, os saberes docentes também contemplam os
saberes experienciais, aqueles advindos das vivências práticas das
pessoas. Esses saberes são desenvolvidos no dia a dia e maturados
com o tempo (Tardif, 2014). Gauthier (1998) ainda complementa
com os “saberes da ação pedagógica”, que se referem aos saberes

42
experienciais dos/as professores/as tornados públicos por meio de
pesquisas acadêmicas.
Além disso, Tardif (2014) caracteriza os saberes docentes
como sendo temporais, já que são adquiridos e aprimorados com o
passar do tempo. A história de vida e a escolarização dos sujeitos
fazem com que eles tragam um conjunto de conhecimentos e
representações anteriores à formação profissional. Para o autor, o/a
professor/a é o sujeito que se insere no seu local de trabalho muitos
anos antes de exercer o magistério. Com isso, na sua história de
vida, elabora representações sobre a docência que serão levadas na
sua trajetória profissional.
Os saberes docentes ainda são caracterizados como plurais e
heterogêneos, pois provêm de diversas fontes. O/a professor/a não
possui um repertório de conhecimentos unificado. Como
apresentamos anteriormente, seus saberes possuem diferentes
características e possibilidades de desenvolvimento, a depender dos
objetivos almejados. Como o/a professor/a tem, como objeto do seu
trabalho, seres humanos, ele/a pode lidar com metas relacionadas à
cognição, a propostas coletivas, à emoção, à motivação e aos
aspectos sociais. Isso demonstra que os saberes docentes são
personalizados e situados. Por esse motivo, a profissão docente
também se relaciona à identidade do profissional que exerce o
magistério (Tardif, 2014). Tudo isso é perpassado pela formação –
inicial, continuada, e/ou em serviço –, que caracteriza a preparação
para o exercício profissional.
Charlot (2013), complementando a discussão acerca da
formação docente, acrescenta que é fundamental formar o/a
professor/a com ênfase em seu preparo técnico e o desenvolvimento
de competências profissionais para exercer sua função social com
qualidade e eficiência.
Esse preparo técnico e o desenvolvimento de competências
profissionais não podem se relacionar apenas à formação inicial
realizada em instituições universitárias e/ou de formação docente. É

43
nesse sentido que o conceito de desenvolvimento profissional
docente é mais abrangente e engloba elementos relacionados à
profissionalização e à profissionalidade do/a professor/a. É
consenso entre diferentes autores a relevância da discussão sobre o
desenvolvimento profissional do/a professor/a. Em particular, no
que se refere à formação pedagógica e à relação existente entre a
prática de ensino do/a professor/a e a eficácia da aprendizagem
dos/as estudantes.
Diante desse contexto, os estudos sobre desenvolvimento
profissional docente definem essa categoria de análise
fundamentada no tripé “profissional-pessoal-organizacional”. A
formação pedagógica dos/as professores/as precisa ser
institucionalizada, pois não se pode conceber o desenvolvimento
profissional somente como uma atitude individual do/a docente em
busca de melhorias para sua prática. Afinal, "o desenvolvimento do
professor não ocorre no vazio, mas inserido num contexto mais
vasto de desenvolvimento organizacional e curricular" (Garcia, 1999,
p. 139). A necessidade de constituir uma cultura institucional que
possibilite o desenvolvimento profissional docente é marcante, pois
esse desenvolvimento é um processo permanente que depende de
políticas da instituição viabilizadoras de propostas formativas e de
valorização da profissão docente.
Como forma de ampliar o debate, esclarecemos que há uma
tênue relação entre a formação do/a docente da Educação Básica –
inicial, continuada, e/ou em serviço – com o desenvolvimento
profissional do/a professor/a. Gatti (2016), ao trazer os problemas
da formação de professores/as no Brasil, alerta para alguns pontos
que, a nosso ver, se imbricam no desenvolvimento profissional. São
eles:
a. A Educação se faz permeada por elementos da cultura, da
política e do meio social local. Não há como falar em formação
docente ou em desenvolvimento profissional sem validar que a
Educação é uma prática cultural, política e social permeada por

44
questões de ideologia e de poder. O desenvolvimento profissional
do/a docente, por vezes, se limita a essa perspectiva. Do mesmo
modo, o que é propositado como formação de professores/as em
diferentes espaços está condicionado a essa questão. Fora isso,
temos que destacar que a Educação está inserida na história da
humanidade. O que construímos como sujeitos se torna referência
para as relações e gerações futuras.
b. As práticas institucionalizadas nos espaços
educativos/formativos determinam, em grande parte, a formação
docente e o desenvolvimento profissional do/a professor/a. Cabe
aqui enfatizar o seguinte: o que está instituído na legislação, em
muitos cenários, é o que orienta e pesa como guia para as ações
desenvolvidas nas instituições educativas e formativas. Apesar de
haver aspectos positivos nesse ponto, pois é o aparato legal que
formaliza as ações na Educação, muitas vezes há questões explícitas
e implícitas de interesse nos documentos normativos. Isso serve
como mecanismo para moldar relações e estabelecer práticas
formativas para os sujeitos que estão em cursos de formação
docente, além de estabelecer, também práticas profissionais
excludentes.
c. Os fatores pessoais – a trajetória de vida, a qual envolve a
família, a comunidade e o próprio sujeito em sua pluralidade
existencial – preponderam na constituição humana e na
Educação/Formação. Nesse ponto, ressalvamos o/a professor/a
como pessoa. Os estudos sobre o desenvolvimento profissional
docente e acerca dos processos formativos reconhecem essa
dimensão. É inimaginável conceber a profissão professor/a
apartada dessa discussão.
d. A Educação, no seu sentido amplo, está interconectada com o
sistema social a nível mundial. Como bem lembra Brzezinski (2008),
engana-se quem pensa que a Educação não se constitui pelo jogo de
forças que a economia, a nível mundial, determina para cada nação
e país. Somos, a todo tempo, sujeitos inseridos nas relações que há

45
entre as agências internacionais e os organismos de avaliação da
Educação e controle nacional. A formação docente e o
desenvolvimento profissional estão imersos nesse cenário. Não é
sem motivos que os movimentos sociais e entidades da área de
Educação – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais
em Educação – ANFOPE, Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação – ANPED, entre outros – , vêm, na história,
levantando a bandeira do ensino público com qualidade, a defesa
por melhores salários e carreira digna aos/às professores/as, entre
outros.
Como síntese de nossas reflexões, entendemos que o
desenvolvimento profissional e a formação de professores/as
devem continuamente ser problematizados, bem ainda,
compreendemos que é preciso o estabelecimento de políticas
públicas na perspectiva de assegurar, em preceitos legais, melhores
condições para pensarmos ações que contribuam nessa questão.
Nisso, é fundamental a participação efetiva dos/as profissionais da
Educação. Na próxima seção capitular, abordaremos tal discussão
com amparo nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
dos Profissionais da Educação Básica (2002 e 2015), tendo como
norte os dois pareceres (2001 e 2015) que argumentam a existência
dessas normativas.

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A


FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA:
APONTAMENTOS REFLEXIVOS

As Diretrizes Curriculares Nacionais são documentos


compostos de deliberações doutrinárias e normativas e formulados
por comissões designadas pelo Conselho Nacional de Educação –
CNE. Esses documentos estabelecem resoluções relacionadas à
Educação, em seus níveis, etapas e modalidades no Brasil. O

46
objetivo das Diretrizes é orientar as instituições de ensino brasileiras
na articulação e organização de suas propostas pedagógicas,
curriculares e formativas, visando à qualidade da Educação. Seus
princípios norteadores são autonomia, flexibilidade,
profissionalidade e adaptabilidade, entre outros (Schneider, 2007;
Dourado, 2015).
Neste estudo, focaremo-nos nos pareceres CNE/CP nº
9/2001, que propõe Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação de professores/as da Educação Básica, em nível superior,
curso de licenciatura, de graduação plena, e CNE/CP nº 2/2015, que
revoga o Parecer anterior e define proposta para Diretrizes
Curriculares Nacionais para formação inicial e continuada dos
profissionais do Magistério da Educação Básica.
As Diretrizes Curriculares Nacionais, Resolução nº 1/2002,
propostas pelo Parecer CNE/CP nº 9/2001, são antecedidas por
apresentação de uma análise do contexto educacional brasileiro que
lhes dá suporte. Nos anos de 1980 e 1990, houve a intenção de
universalizar o acesso ao ensino fundamental e expandir o Ensino
Médio e a Educação Infantil. Diante desse cenário, as diretrizes
curriculares se preocuparam com a melhoria da qualificação
profissional do/a docente e destacaram a importância de políticas
educacionais nessa área. Com a resolução proposta, se estabelece
que os cursos de licenciatura deviam ter currículos próprios e, por
esse motivo, se extinguiria o modelo 3+1 (três anos de bacharelado e
um ano de formação pedagógica) de formação docente existente
historicamente no lastro da formação de professores/as no País.
A preocupação com a expansão do acesso ao ensino se
relaciona com os documentos formulados em âmbito internacional.
Os países não podem se eximir da responsabilidade dessa oferta de
nível de ensino. As diretrizes curriculares, portanto, são um marco
de referência para a organização pedagógica dos diversos níveis e
modalidades de ensino.

47
No referido parecer, as características da Educação Básica são
apresentadas, além da proposta de revisão dos modelos de
formação do/a professor/a nas instituições de ensino superior. A
formação é considerada um componente da preparação profissional
e o desafio a ser enfrentado é o fato de, nos cursos de licenciatura, se
enfatizar o bacharelado. Esse dado é uma deficiência na estrutura
curricular dos cursos e precisa de modificação.
A noção de competência é abordada com frequência nas
diretrizes e tem semelhança com o conceito de práxis, de movimento
reflexivo relacionando teoria e prática, apesar de não sê-lo. A
sugestão é definir um conjunto de competências necessárias para a
atividade docente na Educação Básica. As competências traçadas,
entretanto, se relacionam com o conceito de profissionalidade, pois
remete a um movimento que parte do/a professor/a de manter-se
em constante formação. Diferente do que a literatura atual propõe
(Tardif, 2014; Dourado, 2015), o termo “desenvolvimento
profissional”, nas diretrizes curriculares, é vinculado somente à
formação.
Pelo que se percebe, não se valida, no documento, que o
desenvolvimento profissional docente e a formação de
professores/as são pontos que se complementam no âmbito da
profissão professor/a. A perspectiva de competência, vinculada ao
ideal de instrumentalização da formação do sujeito, oriunda, nas
palavras de Bazzo (2004), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, acompanhou a
produção e a proposta para a formação docente prescrita nessas
Diretrizes.
O Parecer CNE/CP nº 9/2001 se foca na formação, em
particular, na pesquisa como componente preponderante, deixando
em segundo plano os aspectos relacionados ao desenvolvimento
profissional docente, como a valorização do magistério, as condições
de trabalho e as políticas institucionais de formação permanente
do/a professor/a e de plano de carreira. Além disso, o destaque ao

48
perfil adaptável em que deve se formar o/a docente também nos dá
margem para refletir sobre que tipo de profissional desejamos
formar.
Outro aspecto que identificamos no mencionado parecer é
que as orientações para a formação docente são genéricas, dando
abertura para inúmeras interpretações nos processos de elaboração
e/ou revisão das propostas de formação nos cursos de licenciatura.
O que subentendemos é que as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação de Professores da Educação Básica, Resolução nº
1/2002, vieram atender às necessidades angariadas pelos
movimentos sociais e entendidas educacionais quanto à
normatização de documento que legitimasse parâmetros para as
propostas de formação docente nas licenciaturas. No entanto, pouco
do que se pensou foi colocado em saliência, uma vez que se
simplificou o que se concebe como formação docente e sobre as
dimensões que se articulam à mesma, a saber: profissão; ensino e
aprendizagem; relação teoria e prática; educação como prática
cultural, social e política; entre outros.
Para Schneider (2007), as Diretrizes Curriculares Nacionais,
Resolução CNE/CP nº 1/2002, tiveram, em parte, um efeito
contrário ao que foi objetivado em seu processo de elaboração.
Mesmo com a participação ativa dos profissionais de diferentes
etapas da Educação brasileira – Educação Básica e Superior –, tanto
do setor público, quanto do setor privado, a proposta de formação
docente inerente ao documento tem um forte pendor tecnicista.
Palavras como interdisciplinaridade, flexibilização,
contextualização, integração, entre outras, aparecem no documento,
o que é meritório, porém, isso não garantiu que essas diretrizes se
desalinhassem de uma perspectiva técnico-instrumental de
formação docente, a qual tem como firmamento o desenvolvimento
da economia capitalista pensada pelas agências e órgãos
internacionais. Como efeito, a questão do desenvolvimento
profissional docente é praticamente inexistente no documento.

49
Já o Parecer CNE/CP nº 2/2015, próximo documento em que
nos debruçaremos para emissão de notas, propõe diretrizes para a
formação inicial em nível superior e formação continuada. Ele
apresenta pesquisas realizadas por intermédio da demanda da
comissão bicameral de formação de professores/as, relacionando-se
ao projeto CNE/UNESCO “Subsídio à formulação e avaliação de
políticas educacionais brasileiras”. De maneira similar ao anterior,
destaca a necessidade de uma política de formação de
professores/as e a considera “inadiável”.
Todavia, de forma diferente, este documento relaciona
formação, desenvolvimento e valorização dos profissionais da
Educação e, a nosso ver, está mais bem fundamentado em dados de
pesquisas sobre formação no Ensino Superior dos/as
professores/as. Além disso, possui um item intitulado
“profissionais do magistério e sua valorização”. Nele, é possível
aproximar-se do conceito de desenvolvimento profissional, pois não
se foca somente na formação.
Quanto ao conceito de “profissionais do magistério”,
compreendemos esse termo, a partir da normativa, como aqueles
profissionais que exercem atividades de docência e demais funções
pedagógicas no âmbito da Educação Básica. Além disso,
entendemos que a valorização do magistério e de seus profissionais
deve ser concebida pela sociedade como uma dimensão a ser
perseguida no plano da efetivação, tanto na formação inicial, como
na educação continuada do/a professor/a, por meio de políticas
públicas e ações que visem a concretizá-la de maneira permanente.
Somado a esses aspectos que encontramos no Parecer em
discussão está o fato de ampliação do raio de sua abrangência,
conforme discutido. Não é somente a formação inicial o eixo central
das Diretrizes. A formação continuada também aparece no
documento e ganha espaço para discussão e reflexão. Igualmente, o
conceito de docência é especificado para ser valorado nos cursos de
licenciatura e nos sistemas de ensino, aspecto defendido há muito

50
tempo pelos profissionais da Educação brasileira. Sobre isso, na
Resolução nº 2/2015, no artigo 2º, parágrafo primeiro, há a
compreensão de que a docência pode ser entendida:

[...] Como ação educativa e como processo pedagógico


intencional e metódico, envolvendo conhecimentos
específicos, interdisciplinares e pedagógicos, conceitos,
princípios e objetivos da formação que se desenvolvem
entre conhecimentos científicos e culturais, nos valores
éticos, políticos e estéticos inerentes ao ensinar e aprender,
na socialização e construção de conhecimentos, no diálogo
constante entre diferentes visões de mundo.

Nesse sentido, constatamos a preocupação com a prática


docente, a qual, vinculada à docência, exprime o quão complexo é a
atuação dos profissionais da Educação Básica. Voltando à discussão
para a formação de professore/as, ressalvamos que, no documento,
destina-se um valor específico da carga horária para a prática como
componente curricular nos cursos de licenciatura, bem como se
estabelece a importância da teoria fundamentada na mesma. Esse
fato sinaliza um consenso entre os/as pesquisadores/as e
profissionais da área educacional e a proposta das diretrizes
curriculares, como também traz o entendimento da formação
docente como algo que se dá ao longo da vida. Isto é, como um
caminho a ser percorrido pelos profissionais do magistério básico
que se principia na formação inicial e percorre por toda a trajetória
profissional do/a docente.
Por fazer parte da luta histórica dos profissionais da
Educação, é visível que o Parecer nº 2/2015 e as Diretrizes
Curriculares para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais
da Educação Básica, Resolução nº 2/2015, contemplam de forma
mais orgânica a relação da formação docente com o
desenvolvimento profissional. Isso não é uma garantia de que
teremos boas perspectivas para os profissionais desse nível da
educação brasileira, contudo, se olharmos para a história da

51
profissão docente no País, consideramos essas normativas como um
grande avanço no sentido do que se apresenta como instituído na
legislação educacional.
Em resumo, pensamos que o Parecer nº 9/2001 não elucida,
com clareza, a relação entre o desenvolvimento profissional docente
e a formação de professores/as, já que a ênfase da normativa se faz
nesse segundo segmento – formação inicial docente em uma
perspectiva técnico-instrumental. Já o Parecer nº 2/2015, ao
contrário do anterior, estabelece com mais lucidez a relação que há
entre ambos, haja vista que, na nossa compreensão, não existe uma
dissociação entre a formação inicial e a formação continuada.
Ditas essas palavras, o desenvolvimento profissional docente
é assumido no documento porque ele abrange não exclusivamente a
formação inicial, mas vai além e reconhece outras dimensões –
formação continuada, valorização do magistério básico, entre outros
– como necessárias para o crescimento e desenvolvimento do/a
professor/a. No entanto, pontuamos que, apesar do esforço que
realizamos neste texto, vemos que o debate sobre o tema ainda
necessita de ser refletido com mais profundidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após explicitar sucintamente algumas concepções de


formação de professores/as e de desenvolvimento profissional
docente, como também as propostas formuladas nas Diretrizes
Curriculares Nacionais, perguntamo-nos: como essas normativas
podem contribuir para a solução ou a melhoria da crise vivenciada
nos ambientes escolares? Será que somente as políticas educacionais
são suficientes? E os programas formulados pelo Governo são
adequados às propostas expostas nas Diretrizes? É coerente o fato
de as Diretrizes Curriculares Nacionais destacarem a formação, já
que seu foco é esse? Outro questionamento também segue: não seria
ilusório discutir formação sem vinculá-la à profissionalização, aos

52
elementos contextuais vinculados ao trabalho docente como
reconhecimento profissional, salário etc.? De fato, estes são
questionamentos a serem respondidos, mas nos levam a refletir
criticamente sobre a formação de professores/as no Brasil e, de
maneira mais ampla, sobre o desenvolvimento profissional docente.
Consideramos as políticas educacionais brasileiras, no
decorrer da história, dispersas e fragmentadas, pois se formulam
políticas, mas poucos programas são estruturados para viabilizar a
concretização do que fora planejado politicamente. Temos um
contexto educacional permeado por problemas relacionados ao
magistério, à formação inadequada do/a professor/a, ao piso
salarial dos/as docentes, à estruturação de um sistema nacional de
educação, como também às características de filantropia, protelação,
fragmentação e improvisação, como afirma Saviani (2008). Além
disso, na atualidade, não podemos conceber políticas educacionais
desconectadas da dimensão internacional. Segundo Mello (1991), a
educação ocupa um lugar central em nível mundial, pois é
considerada uma estratégia para enfrentar os novos padrões de
competitividade e produtividade demandados pelo trabalho.
Em meio às discussões, concluímos o texto assinalando que o
desenvolvimento profissional docente precisa estar vinculado a uma
política institucional que dê suporte a ele. As considerações de
Garcia (1999) destacam o tripé profissional-pessoal-organizacional
como inerente ao desenvolvimento profissional docente. Ou seja, o
desenvolvimento do/a professor/a não pode ser somente pessoal,
mas precisa ser institucionalizado.
O foco das Diretrizes Curriculares Nacionais, de forma geral,
está na formação e, em nosso entendimento, seria mais enriquecedor
que as diretrizes dos cursos de graduação se preocupassem com a
profissionalização do/a professor/a. Ou seja, não só com as
exigências de que o/a professor/a se mantenha em formação
(profissionalidade) e de que assuma seus compromissos
(profissionalismo), mas estabelecendo essa relação institucional.

53
Certamente, ainda há muito o que se analisar e estudar. E nós,
pesquisadores/as da Educação, temos um campo de estudo e
trabalho à nossa disposição.

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Vozes

55
04. DESAFIOS DA FORMAÇÃO/PROFISSÃO
DOCENTE NO BRASIL E EM PORTUGAL: a tensa
relação entre as medidas legais e a prática

Ana Isabel Andrade


Maria Auxiliadora Soares Fortes
Osmar Hélio Alves Araújo
Luís Távora Furtado Ribeiro

ENTRE VELHOS DESAFIOS E NOVOS COMPROMISSOS NA


FORMAÇÃO DOCENTE – O CONTEXTO EDUCACIONAL
BRASILEIRO

Os caminhos e descaminhos da formação docente no Brasil, à


luz de algumas políticas que subsidiam o discurso oficial, bem como
das análises de pesquisa e teóricos, constituem nossas reflexões. A
busca por explicitação de estudos sobre a referida temática,
incluindo textos do contexto português, com destaque para a
formação, profissionalização, construção da identidade, seus
contornos e definições partiu da ideia de reunirmos, neste capítulo,
apesar de não ser um estudo comparado, um apanhado de ideias,
cujo tema não se esgota: a formação de professores. Neste tópico,
trataremos, especificamente, do contexto brasileiro a partir das
reformas educacionais que marcaram o final do Século XX.
Convém realçar que, desde a década de 1980, o tema da
formação e valorização dos profissionais da educação vem
permeando os debates sobre as políticas educacionais e, na
contramão desse movimento, as propostas oficiais para a formação
de profissionais da educação, no Brasil, introduziram um novo
arcabouço para estes atores sociais e sua carreira.
Nessa perspectiva, uma breve reflexão sobre esses fatores faz
emergir inúmeros desafios a serem considerados e que até hoje

56
impactam a profissão dos professores, em decorrência,
notadamente, de um emaranhado de propostas e reformas ocorridas
desde o início dos anos de 1990 (efetivadas na promulgação da Lei
9.394/96) e seus desdobramentos.
Nesse sentido, Saviani (2009a) argumenta que, seguindo
orientações dos organismos internacionais, em controvérsias às
reivindicações dos movimentos pela educação, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1996 (Lei 9,394/96) elegeu como
alternativa para a formação dos professores da educação básica os
Institutos Superiores de Educação (ISEs) e as Escolas Normais
Superiores, cuja decisão aponta para um nivelamento por baixo
entre os professores que até então não haviam concluído um curso
superior com os demais.
Sobre essa medida legal, Freitas (2002) destaca também que:

Pressionados pelo art. 87, § 4º da LDB nº 9.394/96 que


estabelece que “Até o fim da Década da Educação
somente serão admitidos professores habilitados em nível
superior ou formados por treinamento em serviço”, os
professores têm sido levados a frequentar cursos de
qualidade duvidosa em grande parte pagos por eles
(p.13).

Desse modo, o grande número de professores considerados


leigos (aqueles com formação profissionalizante básica para o
magistério) fez com que as Secretarias Municipais e Estaduais de
Educação estabelecessem convênios com universidades públicas e,
também, privadas para formá-los. Cabe realçar que tais medidas
(urgentes e aligeiradas) não possibilitaram uma expansão
qualificada do ensino superior, considerando que esses programas
de formação, via de regra, priorizaram as tutorias em ações
fragmentadas e desvinculadas dos projetos pedagógicos das escolas
como destaca Freitas (1999).

57
Cabe realçar que, no estado do Ceará, grande parte dos
convênios realizados com as Prefeituras para a referida formação de
professores foi firmada com a Universidade Vale do Acaraú – UVA
(hoje encampada pela Universidade estadual do Ceará – UECE),
cujos resultados, como no restante do Brasil, podem ser assim
compreendidos:

Ao avaliarmos a política de formação de professores,


podemos reafirmar que o aprimoramento da escola e a
educação de nossas crianças, jovens e adultos se
encontram comprometidos pelo desenvolvimento de
diretrizes legais que privilegiam o aligeiramento e o
rebaixamento da formação com cursos de menor carga
horária em relação àquelas profissões mais valorizadas
socialmente; privilegiam a formação descomprometida
com a pesquisa, a investigação e a formação
multidisciplinar sólida ao deslocar a formação da
universidade e, em seu interior, das faculdades/centros de
educação e cursos de pedagogia para os institutos
superiores de educação e cursos normais superiores em
instituições isoladas; privilegiam processos de avaliação
de desempenho e de competências vinculadas ao saber
fazer e ao como fazer em vez de processos que tomam o
campo da educação em sua totalidade, com seu status
epistemológico próprio, retirando a formação de
professores do campo da educação para o campo
exclusivo da prática (Freitas, 2002, p. 161).

No discurso oficial, a adoção dessas medidas teve o intuito de


promover melhorias na educação, nas quais o professor é visto
como peça-chave para a efetivação da tão alardeada qualidade do
ensino e, assim, as condições de trabalho e o desenvolvimento
profissional do professor ganham contornos de destaque. Contudo,
sob o discurso da valorização do magistério e sua profissionalização,
essas políticas iniciadas na década 1990 aprofundaram a
desqualificação e a desvalorização desses profissionais, tornando-os
meros operadores do ensino, relegando-os a um processo de

58
alienação, além da negação do direito de progredir na carreira por
meio de uma melhor qualificação.
Em 2007, esse cenário aponta (em partes) para outras
possibilidades e como parte do Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE), o governo federal implementa o Decreto
6.094/2007 visando à mobilização social pela melhoria da qualidade
da educação. Nesse contexto, Saviani (2009b) destaca que o referido
plano “se constitui sem dúvida, a mais ousada, promissora e
também polêmica política educacional formulada pelo MEC a qual
se encontra em pleno processo de execução na atualidade” (p. 8).
Em 16 de julho de 2008, o governo federal sancionou a
“polêmica” Lei 11.738, que instituiu o piso salarial profissional
nacional para os profissionais do magistério público da educação
básica e reorganizou a jornada de trabalho dos professores.
Contudo, a referida lei só passou a ter validade a partir de 27 de
abril de 2011, quando o Tribunal Superior Federal reconheceu sua
constitucionalidade (em decorrência da ação movida por alguns
governadores, incluindo-se o do Ceará, à época), obrigando todos os
entes federativos ao cumprimento da mesma.
A referida lei, mesmo de forma tímida, é um importante
avanço. Além da questão salarial que ainda não é a ideal e muito
menos cumprida por todos os gestores, também contribuiu para
minimizar jornadas extenuantes na sala de aula que
dificultavam/impossibilitavam a oportunidade de pensar a prática
pedagógica, elaborar planejamentos e recursos didáticos, dentre
outras atividades inerentes à profissão docente e que carecem de ser
executadas além da regência.
Cabe realçar que até o momento ainda há muita resistência
em se fazer cumprir a lei. Os professores e seus sindicatos, por todo
o Brasil, têm recorrido a greves para fazer valer o pagamento real do
valor do Piso Nacional estipulado para os professores e, por
conseguinte, garantir o que determina a legislação. A rede
Municipal de Fortaleza iniciou, em março de 2018, uma paralisação

59
que durou mais de um mês e, em junho do mesmo ano, foi
necessária uma mobilização na Câmara Municipal para barrar a
votação de um projeto enviado pelo executivo, cujo teor tratava-se
da retirada das horas de planejamento da carga horária docente. O
Projeto foi alterado, votado e garantido aos professores da rede as 20
horas para planejamento pedagógico e atividades fora da sala de
aula.
Em 2016, a ação docente em sala de aula no Brasil teve a sua
maior ameaça de retrocesso desde a Ditadura Militar, com a
proposta do Projeto de Lei do Senado nº 193/2016, cuja ementa
“inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata
a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o Programa Escola sem
Partido" (Brasil, 2016), apresentado pelo Senador Magno Malta (PR-
ES).
A ideia de apresentação do referido Projeto de Lei decorre do
entendimento de um grupo de que a escola promove práticas ilegais
quando realiza a doutrinação política e ideológica em sala de aula,
bem como a usurpação do direito dos pais dos alunos sobre a
educação moral e religiosa dos seus filhos.
Desse modo, o movimento pela “Escola sem Partido”
chegou a propor que fossem afixados cartazes nas salas de aulas,
determinando os direitos dos professores (1 – O professor não se
aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus
próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências
ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias. 2 – O
professor não favorecerá, não prejudicará e não constrangerá os
alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou
religiosas, ou da falta delas. 3 – O professor não fará propaganda
político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a
participar de manifestações, atos públicos e passeatas. 4 – Ao tratar
de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor
apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma
profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e

60
perspectivas concorrentes a respeito. 5 – O professor respeitará o
direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que
esteja de acordo com suas próprias convicções. 6 – O professor não
permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam
violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de
aula).
Convém destacar que durante muito tempo a escola
brasileira promoveu um ensino pautado apenas na transmissão
dos conteúdos, o qual Freire (1987) denominou de “Pedagogia
Bancária” e opressora, propondo, na mesma obra, uma concepção
de educação problematizadora e libertadora.
Portanto, a atual conjuntura educacional não comportava tal
retrocesso e, por conseguinte, houve uma reação por parte de
diversos segmentos da sociedade (artistas, professores, sindicatos,
dentre outros), que se organizaram contra a proposta da “Escola
sem Partido”, alcunhada de “Lei da Mordaça”.
Em meio às polêmicas geradas pelo Projeto de Lei proposto,
o Senado Federal, sob pressão, abriu em seu site uma consulta
pública, uma vez que havia a interpretação, por educadores e
diversos formadores de opinião, de ser uma ofensiva conservadora
voltada ao sufocamento de ideologias divergentes no cenário da
formação educacional. Felizmente, em novembro de 2017, o autor da
proposta da “Escola sem Partido” pediu o seu arquivamento.
Contudo, Alagoas é o primeiro ente federado a exigir a neutralidade
do professor (por meio da Lei 7.800/2016).
Por fim, cabe destacar mais uma ação governamental que
emperra avanços na formação dos professores. A Resolução
CNE/CP nº 2, de 01 de julho de 2015 (que define as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior:
cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para
graduados e cursos de segunda licenciatura e para a formação
continuada), determinou que até 2017 a duração dos cursos de
licenciatura deveria ser ampliada de três para quatro anos. O prazo

61
foi estendido para junho de 2018. No entanto, o Ministério de
Educação acaba de solicitar uma segunda prorrogação, justificando
que o documento deve basear a formação dos docentes de acordo
com a legislação da Lei de Diretrizes e Base da Educação e pela Lei
do Novo Ensino Médio.
Com base na trajetória apresentada, evidencia-se a
necessidade de reais investimentos do poder público para o
cumprimento dos dispositivos legais e a garantia de uma política de
Estado para a formação de professores que garanta de fato o
conhecimento, as condições de trabalho, carreira e salários
compatíveis com a complexidade da atividade e, notadamente, da
formação docente.

A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES NO ÂMBITO


EDUCACIONAL PORTUGUÊS

A formação de professores tem sido, em Portugal, como em


outros locais do mundo, um campo complexo, não consensual e
que levanta um conjunto de questões, tais como a questão do
recrutamento, da formação inicial e continuada, do período de
indução e da aprendizagem e desenvolvimento profissional, da
organização do trabalho docente nas escolas e do estatuto dos
profissionais da educação. Na impossibilidade de abordarmos
todas essas questões em um texto que pretende traçar um retrato
global, mas compreensível, da situação vivida pela formação de
professores em Portugal, podemos dizer que, tal como muitos
outros países, no final do século XX e início do século XXI,
Portugal investiu na formação inicial e continuada de professores,
mobilizando diferentes instituições por todo o país, instituições de
ensino superior, centros de formação de associações de escolas e
associações profissionais, científicas e/ou pedagógicas, entre
muitas outras.

62
Para compreendermos o investimento realizado, é
importante saber que o sistema educativo português possuía, em
1974 (ano da Revolução), 70.123 docentes, tendo, em 2016, mais do
dobro, isto é, 142.913, sabendo nós que, hoje, os educadores de
infância e os professores dos ensinos básico e secundário (do 1.º ao
12.º de escolaridade, antes da entrada no Ensino Superior) são, na
sua esmagadora maioria, profissionalizados, detentores de
licenciatura, mestrado ou doutorado (10% dos docentes dos ensinos
básico e secundário possuem mestrado ou doutorado) (ver
estatísticas in Pordata,
https://www.pordata.pt/Subtema/Portugal/Docentes-43; e
Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, 2017; Estrela,
2001; Nóvoa, 2017).
De alguma forma, podemos dizer que o Sistema Educativo
Português acreditou e investiu na profissão docente, tendo, por
exemplo, legislado, no quadro da Reforma de Bolonha, que o acesso
à profissão deve exigir o grau de mestre (Decreto-Lei n.º 79 de 14 de
maio, alterando o Decreto-Lei 43 de 22 de fevereiro sobre a formação
inicial de professores) e tendo promovido a criação de centros de
formação contínua para o pessoal docente e não docente, de modo a
potenciar os recursos formativos existentes no país, centrando-os
nos estabelecimentos de ensinos básico e secundário e alargando as
possibilidades de oferta formativa (Decreto-Lei n.º 249 de 1992 de 9
de novembro que aprova o Regime Jurídico da Formação Contínua
de Professores).
Note-se que o Relatório Anual do Conselho Científico-pedagógico
da Formação Contínua, relativo a 2017, dá conta de 255 entidades
formadoras com acreditação válida em Portugal, sendo mais da
metade Associações de Escolas (84) e Associações de Professores
(47). Além disso, os professores têm de realizar formação de 25h a
50h para poderem progredir na carreira. Essa intenção de reforço, ao
nível da formação contínua, concretiza-se, como mostra a legislação,
numa vontade de maior preocupação com os formandos e sua

63
relação com os contextos educativos através do Decreto-Lei n.º 22 de
2014 de 11 de fevereiro, em que podemos ler:

Estabelece-se um novo paradigma para o sistema de


formação contínua, orientado para a melhoria da
qualidade de desempenho dos professores, com vista a
centrar o sistema de formação nas prioridades
identificadas nas escolas e no desenvolvimento
profissional dos docentes, de modo a que a formação
contínua possibilite a melhoria da qualidade do ensino e
se articule com os objetivos de política educativa local e
nacional.

Tal como outras nações, Portugal consagrou o direito à


formação (Silva, 200), tendo perseguido “a strong
professional ideal for teaching deliberately celebrat[ing]
teachers and treat teaching as an important profession
with a knowledge base that must be mastered if students
are to have equitable opportunities to learn” (Darling-
Hammond, 2017, p. 291). Consagrado o direito e o dever
de formação ao longo da carreira, importa agora analisar a
qualidade das oportunidades de aprendizagem
profissional docente e as possibilidades de melhorar o
sistema educativo, sabendo desde já que, em Portugal, foi
possível “fazer aceder à formação contínua um número
elevado de professores e, principalmente, cri[ar] em
muitos docentes o hábito da procura da formação” (Leite,
2005, p. 379).

Podemos dizer, sobre a qualidade das oportunidades de


formação de professores, que foram legisladas e definidas medidas
que abrem caminhos a programas centrados sobre a construção de
conhecimento profissional diversificado, mais ou menos centrados
sobre os sujeitos em formação e os desafios levantados pelas escolas
e comunidades educativas nestes tempos de mudança e de
globalização, apesar de não possuirmos estudos que façam um
balanço rigoroso dos efeitos das medidas tomadas de forma
sistematizada e abrangente.

64
Como escreve Maria Teresa Estrela, e apesar da quantidade e
qualidade de estudos que se têm realizado em contexto português,
relativamente à investigação sobre a formação, podemos dizer que
ela continua a ser “dispersa e fragmentada, oriunda de vários
campos disciplinares, de diversos paradigmas e metodologias, feita
com pequenas amostras, com resultados dificilmente comparáveis e
por vezes pouco consistentes” (Estrela, 2001, p. 30).
Lembremos que se espera que a formação de professores tenha
“consequências ao nível da construção de novos profissionalismos e
de novas profissionalidades que permitam que os professores
desenvolvam competências para lidar com as situações que as
mudanças sociais têm gerado” (Leite, 2005, p. 372 ver ainda CNE,
2015; Flores, 2010, 2011; Flores, Moreira, Oliveira, 2017; Formosinho,
Machado & Mesquita, 2014), e que importaria dispormos de estudos
que analisassem a relação entre a formação e a qualidade da
educação das nossas escolas.
No entanto, apesar da falta de estudos sobre os efeitos da
formação de professores nas práticas e nas melhorias dos resultados
dos alunos, parecem existir pressupostos partilhados que remetem
para a formação de profissionais reflexivos, capazes de questionar as
suas teorias e práticas para que saibam fazer melhor nos contextos
em que participam, bem como para que saibam aprender a tornar-se
melhores profissionais, responsabilizando-se pela aprendizagem e
desenvolvimento dos seus alunos, bem como pela sua própria
formação e a dos seus pares.
Como escreve António Nóvoa (2009), parece existir um
consenso discursivo sobre a ideia de professor reflexivo que tem levado
a que a formaçãodocente se tenha direcionado para permitir aos
profissionais da educação compreender a complexidade do
conhecimento profissional que devem possuir e desenvolver ao
longo da sua carreira, nomeadamente pela “ampliación de la
capacidad de razonamiento y juicio pedagógico en situaciones o
contextos prácticos de enseñanza” (Avalos, 2009, p. 73; Andrade e

65
Martins, 2017; Sá-Chaves, 2002; Silva, 2000; Vieira e Madruga, 2017;
Vieira e Moreira, 2011;).
Aliada a essa vontade de construir um perfil profissional
reflexivo que entendemos como crítico e autônomo no que diz
respeito à capacidade de intervenção do professor nas escolas,
podemos igualmente dizer que existe consenso sobre as áreas que
compõem os planos curriculares de formação de professores, bem
como sobre aquelas que devem ser objeto de formação contínua.
Assim, ao nível da formação inicial, mesmo se o peso das áreas
contempladas puder ser discutido, é consensual a exigência de um
mestrado profissionalizante (entre 60 e 120 créditos), para todos os
níveis de ensino, assente nas seguintes áreas: área do conteúdo ou
da(s) matérias específicas que o professor tem de dominar; área das
Ciências da Educação; área da ou das Didática(s) específica(s); e área
da Prática de Ensino Supervisionada ou estágio (Decreto-Lei n.º 79
de 14 de maio, sobre os perfis profisisonais e distribuição de créditos
por área).
Devemos realçar que a área da Prática de Ensino
Supervisionada, ocupando cerca de 30% dos créditos, entende-se
como o grande espaço curricular de construção e desenvolvimento
de conhecimento profissional, potencializado pela obrigatoriedade
de elaboração e defesa pública de um relatório individual que
obriga a análise e reconstrução de teorias e práticas educativas e que
inclui uma dimensão investigativa sobre o ensino (sobre relatórios
de estágio, ver, por exemplo, Andrade & Martins, 2017).
Relativamente à formação contínua, destacamos, com o
Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos
Ensinos Básico e Secundário, que a avaliação do desempenho docente
incide sobre “três grandes dimensões: i) a científico-pedagógica, que
se destaca pela sua centralidade no exercício profissional; ii) a
participação na vida da escola e na relação com a comunidade
educativa; e iii) a formação contínua e o desenvolvimento
profissional.” (Decreto-Lei n.º 41/2012 de 21 de fevereiro).

66
O discurso sobre a formação de professores em Portugal é,
com podemos ver pelo exposto, marcado pela ideia de que é
possível formar profissionais reflexivos e autônomos, desde que
esses profissionais sejam qualificados para tal e se assumam como
responsáveis pela sua formação ao longo da sua carreira
profissional, formação que não pode descurar como objeto de
estudo, de análise e de aprendizagem as práticas educativas de que
são coautores nos contextos em que circulam.
Avançando, podemos dizer que surge como fundamental no
discurso sobre a formação de professores a necessidade de termos
profissionais que sejam capazes de se formarem sobre o
conhecimento já construído, sobre teorias e práticas educativas, bem
como sobre as áreas da docência, no sentido de saberem resolver
problemas levantados pela prática educativa, sabendo analisar e
interpretar as ações e os acontecimentos pedagógico-didáticos com
os quais se confrontam. Isto é, “gerar processos positivos de
mudança […] num trabalho dos professores realizado sobre si
próprios e sobre as suas próprias experiências profissionais” (Leite,
2005, p. 373).
No entanto, apesar desse discurso sobre os profissionais de
educação e sua formação, podemos dizer que estamos longe de
concretizar alguns dos desafios que se têm vindo a colocar à
educação na transição do século XX para o século XXI e que se
traduzem em expressões como as de “professor investigador”,
“professor mediador de redes de aprendizagem”, “professor
intercultural”,“professor transformador”, “professor organizador de
aprendizagens e construtor de currículo” (Leite, 2005; Estrela, 2001),
ideias estas que nos conduzem à necessidade de uma formação mais
centrada no sujeito e no seu posicionamento relativamente às
questões sociais, culturais e políticas (Nóvoa, 2017).
Por outras palavras, parece faltar uma formação que abra
possibilidades de contribuir, a partir das escolas, para a equidade e a
justiça social (Cochran-Smith et al, 2016), para o bem comum ou

67
para o desenvolvimento sustentável ou ainda para a capacidade de
renovar a escola por dentro, o que só parece possível num trabalho
conjunto dos profissionais da educação que nela trabalham. Afinal,
“A profissão docente não acaba dentro do espaço profissional,
continua pelo espaço público, pela vida social, pela construção do
comum” (Nóvoa, 2017, p. 1130).
Falta, a nosso ver, cumprir-se uma formação que assente numa
“lógica interativa”, onde ação e investigação estejam presentes
(Silva, 2000, p. 105), de modo a permitir a construção de
conhecimento profissional partilhado, onde os formandos se
conheçam e se transformem a si próprios e aos contextos em que
atuam, gerando sinergias entre diferentes atores, espaços e tempos,
em processos que tomem os professores como “inquirers [and] as
active participants in their own professional growth, knowledge
constructors, and agents of change (Cochran-Smith, 1991a; Cochran-
Smith & Lytle, 1999; Darling-Hammond, 1994).” (Mule, 2006, p. 205;
ou Estrela, 2001; Nóvoa, 2017, sobre a importância do
autoconhecimento na formação).
Falta cumprir-se uma educação com resultados mais efetivos
nas práticas de ensino dos professores que têm procurado formação
e investido na sua aprendizagem profissional. Isso se faz necessário
porque, a título de exemplo, observando as taxas de aproveitamento
dos alunos do Ensino Básico entre 2008 e 2017, verificamos que elas
nem sempre se têm alterado para melhor (ver Pordata,
www.pordata.pt, sobre a avaliação dos alunos do ensino não
superior).
Em jeito de conclusão, podemos dizer que Portugal tem um
corpo docente qualificado e estável, corpo docente que investiu na
sua formação e que tem procurado melhorar as suas teorias e
práticas educativas, revelando-se, no entanto, com dificuldade para
transformar os contextos em que atua e acompanhar as incertezas de
uma sociedade cada vez mais globalizada e instável de modo a criar

68
oportunidades adequadas para aqueles que mais necessitam da
escola.
Neste sentido, temos de continuar a procurar respostas, como
afirma Nóvoa, em um artigo recente sobre a “posição do professor”
(2017), respostas que são difíceis, mas que importa não desistir de
construir, isso se queremos ter programas de formação de
professores mais capazes de melhorar as práticas, mais capazes de
melhorar as escolas e os resultados dos alunos que as frequentam,
sabendo que tal ação terá de abarcar a melhoria das relações entre os
profissionais da educação e as comunidades em que as escolas estão
inseridas.
Além disso, concordamos com a ideia de que os programas de
formação de professores, em Portugal, necessitam, tal como em
outros locais do planeta, de ser repensados “if they are to succeed at
preparing 21st century teachers who can work effectively with all
students, particularly those traditionally marginalized by the
education system.” (Cochran-Smith et al, 2016, p. 67).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura revisada e a discussão empreendida convergem


para o entendimento de que, tanto no Brasil, como em Portugal, as
políticas públicas com foco na formação/profissão docente estão,
muitas vezes, alinhadas aos interesses econômicos do mercado
nacional e internacional, assim como as chamadas “parcerias”
público-privado, entre outros. Além do mais, são, na maioria das
vezes, políticas públicas de formação minimamente adequadas aos
desafios postos aos professores, entre eles, assegurar as condições
necessárias para a concretização dos processos de ensino e
aprendizagem.
A formação/profissão docente no cenário social-político
contemporâneo é um dos alvos das atuais políticas educacionais dos
governos federal, estadual e municipal em uma perspectiva de

69
mercantilização capitalista da educação pública. Nessa perspectiva,
empresariado e poder público se articulam em torno da educação,
sobretudo com foco nas áreas de currículo, formação, avaliação e
financiamento.
Desse modo, as políticas públicas com foco notadamente na
formação/profissão docente, na maioria das vezes, não tocam em
questões/problemas que envolvem diretamente a história social e os
desafios da formação/profissão docente, tais como: os mecanismos
de controle/gestão da identidade profissional/autonomia docente;
as condições, muitas vezes, péssimas de trabalho às quais são
submetidos milhares de professores/as; os problemas cotidianos
que perpassam o contexto das salas de aula, entre outros.
Não diferentemente de outrora, não são os
problemas/desafios postos à docência que norteiam, muitas vezes,
as políticas de/para a profissão/formação docente no contexto
nacional e internacional, mas, sim, a sonegação e o descaso dos
governos, por vezes, com os direitos docentes, entre eles, salário e
jornada de trabalhodigna; políticas de formação e valorização
profissional, incluindo, inclusive, concursos públicos. Assim,
posterga-se a concretização de uma formação docente autêntica que
exige necessariamente transformações no processo educativo e não
meras respostas, adaptações ou simplistas readequações visando a
corresponder, acima de tudo, aos interesses do sistema capitalista
atual, às imposições dos sistemas estaduais ou municipais de
avaliação externa, aos pilares das ditaduras e dos reiterados golpes
institucionais da classe dominante brasileira.
A discussão empreendida nos permite, ainda, reiterar que os
professores estão, sobretudo no contexto educacional brasileiro,
cada vez mais sob a tutela de um processo de formação contínua
destituído de um caráter pedagógico crítico-reflexivo que fomente a
criatividade desses profissionais e a construção de práticas como
atividade intelectual, engajada e comprometida com a
transformação da sociedade. O que se observa é uma espécie de

70
esvaziamento pedagógico das práticas e da formação contínua dos
professores e, como desdobramento, do processo educativo.
Em contrapartida, argumentamos que a formação docente, de
modo articulado à Pedagogia e à Didática, deve ser uma prática
social, política/pedagógica que se destina a formar e a inserir os
professores na práxis social, conscientizando-os do seu papel na
transformação da realidade e levando-os a desbravar novos
horizontes no contexto educacional brasileiro/português. Trata-se,
portanto, da necessidade de políticas públicas com foco na
formação/profissão docente capazes de fortalecer a autonomia
profissional docente, a organização pedagógica da escola e, por
consequência, que isso se reverbere na aprendizagem dos alunos e,
sobretudo, na (re)construção da escola.

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05. O EMPREENDEDORISMO EDUCACIONAL,
A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E A FORMAÇÃO
DOCENTE: desafios à educação pública no Brasil

Genilson José da Silva


Ercules Laurentino Diniz
Maria Aparecida Rosa de Andrade
Maria das Graças de Almeida Baptista

INTRODUÇÃO

A educação pública brasileira, em seus níveis e modalidade


de ensino, tem se configurado mediante desafios que perpassam
desde a formação docente até o processo de escolarização presencial
e a distância. A partir das décadas de 1990, esse cenário tem
apresentado mudanças acentuadas engendradas pelas novas
relações de trabalho e pelos avanços das tecnologias da informação e
comunicação. Essas relações, no entanto, reproduziram a hegemonia
de uma classe que historicamente detém os meios materiais e a
ideologia dominante.
Partindo desses pressupostos, analisaremos a inserção do
empreendedorismo na educação pública que, a princípio, ganhou
relevância nas relações econômicas e políticas e, a partir dos anos
2000, expande-se na educação com foco empresarial e econômico,
levando em sua estrutura funcional os mesmos parâmetros de
organização de uma empresa privada para serem trabalhados no
processo de ensino. Em relação à educação a distância (EaD), essa
modalidade de ensino apresenta possibilidade de acesso à formação
escolar em massa, no entanto, pela sua amplitude e ideologia a
serviço do capital, torna-se um campo para a consolidação do

75
neoliberalismo. No tocante à formação docente, presencial e a
distância, o avanço do capital na educação tem influência direta na
construção teórica dos professores e, consequentemente, na sua
prática, ao enquadrar o trabalho educativo numa lógica de
racionalização técnica reprodutivista.

O EMPREENDEDORISMO EDUCACIONAL

O termo empreendedorismo, hoje, apresenta-se na literatura


como uma temática enigmática que perpassa diversas áreas das
ciências sociais e humanas. No entanto, vale ressaltar que suas bases
políticas e ideológicas surgiram a partir da economia e da sociologia
clássica dos séculos XVII e XVIII, mais precisamente nos
pressupostos de Richard Cantilon (1680-1734), Max Weber (1864-
1920) e Joseph Schumpeter (1883-1950).
Cantilon (2002) diferencia o capitalista, que age pelos
princípios do lucro e ajuste sobre as mercadorias, do empreendedor
(indivíduo que assume riscos) e, por essa razão, faz uma divisão da
sociedade em duas classes: os recebedores de salários fixos e os
recebedores de renda não fixa. Na sua concepção, os
empreendedores não se adaptariam a nenhuma dessas classes, visto
que “ganhavam rendas incertas a partir da compra de produtos
(agrícolas) por um preço determinado e revendiam por valores
desconhecidos”.
O conceito de empreendedorismo, para Weber (1983), está
associado à relação entre trabalho, ciência e paixão. Segundo o
autor, a vocação dos indivíduos para a ciência decorreria da
racionalização da sociedade moderna, constituída pelo pluralismo
de valores, e o trabalho e a paixão seriam aspectos fundamentais
para o surgimento das melhores ideias. Assim, o empreendedor
seria o sujeito que tem “criatividade, imaginação, inspiração e
dedicação apaixonada no exercício que desempenha frente ao

76
processo de modernização industrial, política e científica”. (Weber,
1983, p. 27)
Por sua vez, em Schumpeter (1961, p.166), o conceito de
empreendedorismo está vinculado à inovação. Assim, a função do
empreendedor seria a de “revolucionar o sistema de produção
através do uso de uma invenção ou, de maneira mais geral, de uma
nova possibilidade tecnológica para a produção de uma nova
mercadoria ou fabricação de uma antiga em forma moderna”.
Portanto, o empreendedorismo estaria conectado ao
desenvolvimento sócio-econômico e o empreendedor seria sua força
motriz, uma vez que representa toda a sua versatilidade e
habilidades técnicas para produzir, reunir recursos financeiros,
organizar a gestão e movimentar a produtividade da empresa.
No Brasil, os princípios didáticos e metodológicos do
empreendedorismo têm sido difundidos pelo Centro Brasileiro de
Apoio à Pequena e Média Empresa – CEBRAE, instituído em 1972 e
vinculado ao Governo Federal. Em 1990, passou a ser denominado
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas –
SEBRAE, sendo desvinculado da administração pública, tornando-
se o principal agente de expansão dessa temática em vários setores.
Assim como passou a assumir a função de interpretar e criar as
estratégias e os mecanismos técnicos e racionais para articular o
empreendedorismo ao setor econômico comercial e, em seguida, ao
contexto da educação.
Dessa forma, nas ciências sociais e humanas, o conceito de
empreendedorismo delineia-se em dois eixos teóricos: o primeiro,
de cunho econômico empresarial, tem sua origem na economia
clássica e define os indivíduos (empreendedores) pela sua
autonomia, criatividade, visão de futuro. Aposta na
empregabilidade e possibilidade de o indivíduo ser gestor de seu
próprio negócio, frente à conjuntura econômica capitalista.
O segundo, com destaque nas últimas décadas do século XX,
ramifica-se e direciona-se, a partir dos pressupostos teóricos e

77
práticos da sociologia clássica, tanto para a gestão empresarial de
negócios, em qualquer domínio comercial, quanto para o processo
de formação e escolarização de sujeitos para o mercado de trabalho.
Ou seja, a educação torna-se, neste sentido, o elemento chave para
desenvolver novos saberes e competências demandadas pelo modo
de produção capitalista. Essa perspectiva defende o
empreendedorismo como um caminho alternativo para os
indivíduos desempregados serem realocados no mercado produtivo
frente à crise econômica e apoia-se no argumento de que o processo
de formação e escolarização de sujeitos, nessa perspectiva, é a
“salvaguarda” do sistema econômico.
Na esfera acadêmica, o empreendedorismo surge, em 1981,
como disciplina pedagógica a ser ministrada no curso de
Especialização em Administração na Escola de Administração de
Empresas da Fundação Getúlio Vargas, direcionada para a criação
de “novos negócios”. Em 1984, nesta mesma instituição, a disciplina
passa a ser ministrada na graduação em Administração, conduzindo
à “formação de empreendedores para os novos negócios” (Wolf,
2014, p. 81-82).
A partir dos anos 2000, o empreendedorismo expande-se da
educação superior para a educação básica pública em seus mais
variados níveis e modalidades de ensino, resgatando os princípios
da pedagogia tecnicista. Primeiro, ao articular o processo de ensino
ao campo produtivo, seja pela criação de empreendimentos, seja
pela formação direcionada para o mercado de trabalho. Segundo, ao
enfatizar que as atividades pedagógicas ocorram por meio da
investigação na prática, ou seja, os educandos iriam a campo,
refletindo sobre seus próprios comportamentos.
A esse respeito, as primeiras iniciativas de incentivo à gestão
de negócios, à vinculação da escolarização ao mercado de trabalho e
ao estímulo para a empregabilidade, mediante aprendizado e
desenvolvimento de novas habilidades e competências profissionais
articuladas às tecnologias da informação e comunicação, ocorreram

78
com o lançamento do livro Sociedade da Informação no Brasil, mais
conhecido como Livro Verde, coordenado por Tadao Takahashi e
publicado através da parceria entre o Ministério da Ciência e
Tecnologia-MCT e o Ministério da Educação – MEC.
Nessa obra, o empreendedorismo é concebido como a “pedra
de toque” para a inovação e desenvolvimento do capital intelectual,
visto que as pessoas vivem a sociedade da informação em que o
cenário econômico converte o conhecimento em vantagens
competitivas e diferenciadas. Por esse motivo, o livro aponta que os
setores público e privado deveriam difundir o empreendedorismo
nos currículos em forma de conteúdos disciplinares, desde a
educação técnica ao Ensino Médio e Ensino Fundamental, de forma
a “adotar medidas visando à difusão da cultura do
empreendedorismo no País, incluindo disciplinas em currículos dos
Cursos Técnicos e do Ensino Médio e Fundamental que permitam
aos alunos aprender fundamentos sobre a criação e gestão de
negócios” (Takahashi, 2000, p.28).
Outro aspecto marcante, no Brasil, é a influência que as
agências vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU),
especialmente a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), exercem nas políticas públicas. Vale
destacar que os princípios que nortearam o empreendedorismo
partiram dessas instituições e são desenvolvidos através da
metodologia da educação empreendedora, cujas orientações
podemos observar no livro Educação: um tesouro a descobrir, sob a
coordenação de Jacques Delors.
No quarto capítulo, o livro destaca os quatro pilhares para a
educação do futuro, “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”,
“aprender a viver juntos” e “aprender a ser”, com ênfase no
“aprender a fazer” como uma prática inovadora que deve ser
trabalhada no processo de ensino e aprendizagem. Nesse processo,
o indivíduo armazenaria as informações que são as bases de
competências para o futuro e, nesse sentido, caberia à educação

79
transmitir os saberes e o saber-fazer adaptados à civilização
cognitiva, bem como estabelecer novas relações entre política
educativa e política de desenvolvimento, além de estimular
iniciativas para o trabalho e o espírito empreendedor.
Aprender a conhecer e aprender a fazer, segundo Delors
(2006, p. 93), “são, em larga medida, indissociáveis”. Entretanto, “a
segunda aprendizagem está mais estreitamente ligada à questão da
formação profissional: como ensinar o aluno a pôr em prática os
seus conhecimentos e, também, como adaptar a educação ao
trabalho futuro quando não se pode prever qual será a sua
evolução”. (Delors, 2006, p. 93)
A partir dessas indicações, pode-se afirmar que o
empreendedorismo vem se firmando como um modelo de
desenvolvimento empresarial e a educação empreendedora, como
uma modalidade de ensino que sucede as tendências liberais
anteriores como a Tradicional, a Renovada, a Renovada não-diretiva
e a Tecnicista. Essas configurações na educação resgatam os
princípios do neoliberalismo e da reestruturação produtiva em um
contexto coroado com os avanços tecnológicos e digitais no âmbito
das relações entre trabalho e educação.
A esses questionamentos, cabe uma reflexão acerca do rumo
da educação para as próximas décadas do século XXI em relação
tanto aos profissionais da educação, quanto ao processo de
formação de sujeitos suscitada com as mudanças nas relações
econômicas, trabalho e educação. Isso se faz importante tendo em
vista que os avanços das tecnologias físicas, digitais e biológicas que
permeiam o atual contexto educacional exigem um perfil de sujeito
que atenda aos requisitos de desenvolvimento do capital.
Embora essa não seja uma razão para admitirmos uma
ruptura de paradigmas no modelo de educação atual, observamos
mudanças bruscas na forma como está sendo concebida a formação
escolar dos sujeitos, posto que o cenário econômico capitalista tem
se caracterizado por atividades pedagógicas aligeiradas, com

80
abrangências a uma fração maior de indivíduos. Além disso, essa
tendência vem ganhando dimensões não mensuráveis desde os anos
iniciais da educação básica e se fortalecendo no Ensino Médio, nos
Cursos Técnico e Profissionalizantes e no Ensino Superior.
Nesse contexto, as escolas públicas estão aderindo a essa
lógica neoliberal com a inserção do empreendedorismo na educação
sem compreenderem as circunstâncias políticas e pedagógicas em
que tais propostas estão embasadas. A citar, o Brasil é signatário das
orientações estabelecidas pela ONU, desde 1947, mediante parceria
de colaboração. Dessa forma, a agenda global é trazida para o
âmbito nacional e, em contrapartida, as práticas brasileiras são
divulgadas ao contexto mundial. Inclusive, por intermédio desta
vinculação em 1950, o UNICEF, a OIT e a UNESCO começaram a
desenvolver seus trabalhos de acordo com as demandas
apresentadas no território brasileiro. A partir desse acordo, o Brasil
abarcou o desafio de compartilhar suas experiências políticas,
econômicas e culturais com outros países, além do desafio de
produzir conhecimentos e promover o desenvolvimento econômico
e sustentável mediante os objetivos e metas estabelecidas.
Nesse caso, observa-se que a “Agenda de 2030”, cujo
documento em seu objetivo é a meta número 4.4, ao tratar da
educação inclusiva, equitativa de qualidade e da aprendizagem ao
longo da vida para todas as modalidades de ensino, destaca entre
seus requisitos que o empreendedorismo, até 2030, deve “aumentar
substancialmente o número de jovens e adultos que tenham
habilidades relevantes, inclusive competências técnicas e
profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo”
(UNESCO, 2016, p. 17).
A esse respeito, cabe mencionar as análises de Peruzzo (2016,
p.73) acerca das relações entre o setor público e o setor privado, que
“manifestam a ideologia burguesa ao se proporem promover a
compreensão mútua entre desiguais como se os interesses em jogo
fossem idênticos”. Essa análise indica que os interesses constituídos

81
por meio dessa parceria não são os mesmos, ou seja, existe uma
ideologia dominante que almeja estabelecer um padrão de formação
escolar com tendência a reproduzir a lógica do capital.
O empreendedorismo, de acordo com Wolf (2014, p. 51),
fornece subsídios ao capitalismo através de duas perspectivas, a
primeira é a “pedagogia empresarial” que aplica a doutrina e
princípios de funcionamento do modo de produção capitalista para
a educação. Nessa afirmação, o processo de formação fundamenta-
se na ideologia do neoliberalismo e a escola é concebida como
instituição que deve buscar resultados e moldar os educandos,
conforme o perfil exigido pelas empresas. A segunda perspectiva é a
“pedagogia empreendedora” na qual, através da formação escolar,
os indivíduos são responsabilizados pelo seu destino no mundo e no
âmbito do trabalho. No seu entendimento, essa afirmação possui um
“amplo alcance ideológico no contexto da escolarização”, posto que
estimula a formação de sujeitos para serem empreendedores,
mediante a aprendizagem de conteúdos com foco na aquisição de
competências de gestão empresarial.
Nesse sentido, há a necessidade de aprofundarmos essa
discussão acerca do empreendedorismo educacional, tendo em vista
que, a partir dos anos 2000, sua expansão tem perpassando os
currículos escolares da educação básica mediante parceria público-
privado. Além disso, devemos sinalizar que o sistema educacional
está reproduzindo um modelo de gestão empresarial de base
econômica, que não pode ser confundido com uma concepção
pedagógica de formação escolar. Da mesma forma, a educação
empreendedora, cujos fundamentos ancoram-se no paradigma
neoliberal e nos princípios da educação tecnicista, não pode ser
confundida com uma metodologia de ensino.

A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA

82
Na contemporaneidade, além da expansão do
empreendedorismo, outro desafio que a educação brasileira precisa
enfrentar refere-se à formação de professores, tanto a inicial, quanto
a continuada. O investimento no preparo desses docentes, embora
por si só não garanta educação de qualidade, constitui parte
importante na oferta desta.
Entretanto, quando nos referimos à formação inicial, é
possível perceber que, apesar do aumento na oferta de vagas nas
licenciaturas, tais cursos atraem cada vez menos jovens, cientes de
que a atuação docente em nosso país passa por considerável
desvalorização profissional. Quanto à educação continuada, os
problemas também são notáveis e conhecidos dos educadores que já
atuaram no chão da escola. A falta de tempo, o desânimo com a
profissão e a inaplicabilidade do conhecimento acumulado no
cotidiano da sala de aula leva os professores a não demostrarem
interesse por tais formações.
Para pensarmos a respeito dos desafios da formação inicial,
torna-se mister apontar algumas das exigências imprescindíveis ao
exercício da docência e destacadas por Mello (2000), tais como,
conhecimentos sobre normas legais da educação básica;
contextualização do que está sendo aprendido na realidade da
educação básica e a construção da figura do professor como
investigador em ação”. A partir de tal concepção, um dos grandes
desafios da formação inicial seria o de promover a aproximação
entre os cursos de licenciatura e a educação básica.
Em relação à formação continuada, Fávero e Tonieto (2010)
apresentam três abordagens: a primeira caracteriza-se por um
sentimento de rejeição ao curso, de forma que é comum aos
docentes considerarem a sua experiência de sala de aula suficiente
para o exercício da docência. A segunda preocupa-se
demasiadamente com a técnica e tais formações passam a ser vistas
como receitas que propiciarão uma aula melhor. A terceira parte de

83
uma busca pela compreensão do fazer pedagógico e é característica
do professor prático-reflexivo.
A abordagem do professor reflexivo, em alguns aspectos, se
alinha ao pensamento de Freire (2011, p. 24) quando aponta que “a
reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação
entre teoria e prática, sem a qual a teoria pode ir virando blá-blá-blá
e a prática, ativismo”. Contudo, afirmamos que tal conduta exige
tempo e desejo de aprender de forma permanente, de forma que tal
reflexão possa tornar-se uma nova prática!
Diante dessas abordagens, a contemporaneidade tem
apresentado novos desafios aos professores, entre os mais
perceptíveis, a familiarização destes com as Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação (TDIC) e com os Ambientes Virtuais de
Aprendizagem (AVA). É certamente nesse campo que a Educação a
Distância (EaD) tem muito a contribuir no que se refere à formação
docente. A EaD constitui uma alternativa, seja pela utilização das
TDIC, o que pode tornar os cursos mais atraentes para os jovens,
seja pela possibilidade de realização de tarefas sem a necessidade de
locomover-se de casa para um espaço físico, o que melhor se
enquadra na rotina (exaustiva) dos que já exercem a função docente.
Entre as exigências impostas pela chamada sociedade da
informação, Belloni (2015, p.117) destaca que “as mudanças nas
características e estruturas do ensino acarretam necessariamente
transformações profundas nas funções dos professores”. Já Ferreira
e Souza (2010, p. 167) ressaltam que “o professor deve buscar
perceber como as inovações tecnológicas influenciam o processo de
produção de conhecimento”.
A EaD, enquanto modalidade de ensino, propicia ao
estudante envolver-se com tais tecnologias, de modo que os
ambientes virtuais, por exemplo, passam a fazer parte do cotidiano
destes. O acesso a vídeos, aos sites e a todos os recursos propiciados
pela internet promove nesses estudantes uma aproximação com o

84
universo virtual, não mais compreendido como “inexistente”, mas
como algo útil à construção do seu aprendizado.
Em uma perspectiva de democratização do acesso a cursos de
formação de professores, a EaD mostra-se como uma alternativa
eficaz e apresenta-se como a única oportunidade de acesso ao ensino
superior para muitos dos cidadãos brasileiros. Vale salientar, o perfil
variado dos estudantes que compõem as turmas de EAD evidencia a
dimensão que essa modalidade atingiu em nosso país. A EaD atende
a diversos públicos e tem, para cada um desses, um significado
diferente.
Por exemplo, para um jovem recém saído do Ensino Médio –
provavelmente um “nativo digital”7 – a EaD representa a
oportunidade de ingressar em um curso superior que explora as
tecnologias digitais; para um sujeito que reside em uma cidade
situada longe dos grandes centros urbanos, a EaD pode representar
a única oportunidade de chegar ao ensino superior. Ainda é possível
pensar na realidade de uma dona de casa que, no acúmulo de suas
atribuições, pode encontrar tempo e espaço para aprender; bem
como no sujeito que já está inserido no mercado de trabalho e que
percebe, nessa modalidade, a possibilidade de continuar exercendo
as suas funções, algo quase sempre inconcebível com uma
graduação presencial.
Contudo, as ideias neoliberais têm se constituído em um
sério risco à execução dessa modalidade, de modo que o que é
colocado como modelo ideal de EaD, previsto na literatura, tem sido
deturpado em detrimento da mercantilização dessa modalidade.
Inclusive, uma das críticas a essa modalidade recai sobre essa
mercantilização.
Sob a perspectiva do materialismo histórico, Malanchen
(2015, p. 203) aponta que a formação de professores a distância,
enquanto processo de democratização de acesso ao ensino superior,
7 Para maiores informações sobre nativos digitais e migrantes digitais, ver Palfrey e Gasser
(2011).

85
tem duas intenções: “imprimir a ideologia de que pelo acesso
democratizado à educação, pela EAD, todos podem alcançar
condições sociais de vida melhores, e [...] formar um grande
contingente de mão de obra especializada requerida pelo sistema
produtivo”.
A esse respeito, percebe-se que: a precarização da atividade
dos atores envolvidos na elaboração e execução dos cursos; a
política de corte de gastos posta em prática pelo Governo Federal; a
ideia da ampliação de vagas de forma desordenadamente; a falta de
suporte aos polos de apoio presencial; entre outros aspectos,
acarretam uma série de problemas na condução dos Cursos de
Licenciatura a Distância.
Saviani (2009, p. 153) sinaliza que tal comportamento é
incoerente, a tempo que exalta a educação como sendo setor de
suma importância na sociedade do conhecimento: “as políticas
predominantes se pautam pela busca da redução de custos,
cortando investimentos” e afirma que, apesar de contraditório, esse
tem sido o comportamento que rege as políticas de educação no
Brasil.
Não por acaso, observamos que os índices de evasão nos
cursos de Química, Física e Biologia são elevados, e as
oportunidades de formar um número cada vez maior de professores
para suprir essa carência é existente nessas áreas. Nesse sentido, o
grande desafio para a EAD, consiste na redução da evasão nos
cursos e na formação docente e na oferta de infraestrutura para
atender às necessidades de trabalhadores e trabalhadoras, cada um
com suas especificidades.

A FORMAÇÃO DOCENTE

Perpassando os dois desafios anteriores, encontra-se a


formação do professor. Com o avanço do neoliberalismo, a formação
docente tem sido relegada a um esvaziamento teórico e prático que

86
impossibilita ao futuro professor vivenciar a heterogeneidade da
prática docente e a definir sua postura frente às contradições que
atravessam a instituição escolar. Ou seja, é no espaço escolar,
enquanto discente, que se pode vivenciar e identificar contradições
no que se refere à relação entre a teoria e a prática, possibilitando
uma prática com objetivos claros a serem alcançados.
Entretanto, a formação de professores inicial e continuada,
que busca constituir o fazer pedagógico e a construção teórica,
apresenta contradições e desafios. A educação, conforme sinaliza
Cury (1986, p.70), “enquanto momento partícipe da prática social
global, é contraditória em seus vários elementos”.
As mudanças que vêm ocorrendo no âmbito educacional
resultam em desafios e novas configurações para a educação. Para
compreender os atuais desafios, faz-se mister destacar que a
educação brasileira tem, em suas origens, uma herança colonial
pautada nos interesses econômicos e políticos dos latifundiários.
Diante de tais interesses, foram se expandindo modelos, concepções
e teorias de diferentes pesquisadores, muitos das quais implantados
e “adaptados” à realidade brasileira. Depois da Primeira Guerra
Mundial e com a expansão do capitalismo, surgiram rupturas,
mudanças e avanços no meio educacional com o objetivo de formar
mão de obra qualificada para o trabalho.
Tais mudanças ganharam força no final do século XIX e
durante todo o século XX com a chegada ao Brasil de ideias, ainda
que de forma fragmentada, de uma nova educação, oriunda de
outros países e continentes, que influenciou e influencia até hoje a
prática e/ou a concepção dos professores.
Nessa vertente, em pleno século XXI, é comum encontrar
escolas e professores que se afirmam, por exemplo, construtivistas,
sócio-interacionistas, tradicionais ou ecléticos, o que suscita algumas
questões: quais os pressupostos que orientam a prática desses
docentes? Como é a prática desse professor? Qual a relação da
escola com a prática docente? Pimenta (2008, p. 19) afirma que “uma

87
identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação
social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da
profissão”.
Vale salientar que a concepção desses professores está
enraizada e relacionada, entre outros aspectos, à formação
acadêmica nas universidades. Assim, Cury (1986, p.87) destaca que
“as idéias pedagógicas se manifestam na tentativa de a concepção
de mundo da classe dominante se tornar totalizante”. Com isso,
“essas idéias se apresentam como tais enquanto se utilizam de
instituições pedagógicas que lhes sirvam de suporte”. O autor
também sinaliza que “as instituições são organizações culturais (no
seu sentido amplo) a serviço das ideologias que as veiculam através
de instrumentos de difusão, entre os quais os agentes pedagógicos,
o material pedagógico e o ritual pedagógico”.
Nas sociedades capitalistas, portanto, a educação se impõe
como manifestação-produção mediante as relações de classe.
Segundo Cury (1986, p.53), “as contradições existentes nas relações
de classe se fazem presentes na educação, dada sua presença
imanente nessa totalidade histórica e social”. Logo, “a educação
articula-se com a totalidade mediante as relações de classes, como
também as relações de classe se articulam com a totalidade
mediante a educação”.
Por sua vez, Pimenta (2008, p. 18) salienta que, “dada a
natureza do trabalho docente, que é ensinar como contribuição ao
processo de humanização dos alunos historicamente situados”,
assim, “espera-se da licenciatura que devolva nos alunos
conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes
possibilitem permanentemente irem construindo seus saberes-
fazeres docentes”, pautados nas “necessidades e desafios que o
ensino como prática social lhes coloca no cotidiano”
Nesse sentido, os estágios, na formação do futuro professor,
deveriam possibilitar contato com a escola e despertar reflexões, de
forma que fosse possibilitado ao aluno relacionar teoria e prática.

88
Entretanto, essa relação teórico-prática é uma das grandes
dificuldades na formação docente, uma vez que os cursos de
formação de professores permanecem, muitas vezes, distantes da
realidade escolar. A esse respeito, Pimenta (2008, p. 16) aponta que
os cursos de formação têm desenvolvido “um currículo formal com
conteúdos e atividades de estágios distanciados da realidade das
escolas”, o que implica “numa perspectiva burocrática e cartorial
que não dá conta de captar as contradições presentes na prática
social de educar, pouco tem contribuído para gestar uma nova
identidade do profissional docente”.
Os cursos de formação de professores têm preparado para a
docência. Entretanto, a autora destaca que, “para além da finalidade
de conferir uma habilidade legal ao exercício profissional da
docência, do curso de formação inicial se espera que forme o
professor. Ou que colabore para sua formação.” Ou seja, “melhor
seria dizer que colabore para o exercício de sua atividade docente,
uma vez que professorar não é uma atividade burocrática para a
qual se adquire conhecimentos e habilidades técnicas-mecânicas”
(Pimenta, 2008, p. 17-18).
Pimenta (2008, p. 18) conclui que “a profissão de professor,
como as demais, emerge em dado contexto e momento históricos,
como resposta a necessidades que estão postas pelas sociedades,
adquirindo estatuto de legalidade.” Logo, “se transforma
adquirindo novas características para responder a novas demandas
da sociedade”.
Entretanto, Cury (1986, p.79) salienta que a educação tem-se
posto “a serviço do sistema capitalista de modo mais eficaz quando
os efeitos contraditórios desse exercício são neutralizados pelo
próprio sistema”, uma vez que “essa neutralização se dá pela
limitação ao acesso do saber (barreiras à democratização do ensino),
pela alteração do saber que transmite, de modo que se possa limitar,
pela exclusão e/ou seleção, o poder de desvelamento sobre a
estrutura social”. Com isso, o sistema busca “manter a divisão entre

89
teoria e prática, validar como saber apenas o que é apanágio das
classes dominantes (linguagem culta, ecletismo, etc.), apresentando-
o como fruto de dons pessoais”. E, nesse serviço, a Universidade
tem a sua responsabilidade.
Na formação continuada de professores, conforme sinaliza
Pimenta (2008, p. 16), “a prática mais frequente tem sido a de
realizar cursos de suplência e/ou atualização dos conteúdos de
ensino”. Entretanto, “esses programas têm se mostrado pouco
eficientes para alterar a prática docente e, consequentemente, as
situações de fracasso escolar, por não tomarem a prática docente e
pedagógica escolar nos seus contextos.”.
Contudo, a prática docente, segundo a autora, apresenta
pressupostos de diferentes concepções teóricas, de forma que nela
“estão contidos elementos extremamente importantes, como a
problematização, a intencionalidade para encontrar soluções, e
experimentação metodológica, o enfrentamento de situações de
ensino complexas”. Ou seja, elementos “de uma didática inovadora,
que ainda não está configurada teoricamente” (Pimenta, 2008, p. 27).
Em relação ao aluno, Lima (1976, p. 94) destaca que “o
educador prepara o campo de ação circunstancial, na convicção de
que o aluno não assimilará senão o que estiver presente na vida
escolar”. Entretanto, “as acomodações pessoais que cada aluno fizer
diante do campo apresentado representarão o contingente pessoal
de formação à conta da liberdade que deve presidir ao crescimento
do homem”.
Diante de tais elementos, Goulart (1987, p.140) sinaliza: “o
ideal seria que os professores adaptassem o material escolar em
função do caminho intelectual do aluno”, visto que “seria necessário
compreender a criança, sua atividade, seu desenvolvimento, em
outras palavras, seria preciso observar o aluno”.
Para que o professor chegue a uma prática coerente, torna-se
necessário ir à teoria e seu criador, de forma que as práticas
desenvolvidas em qualquer nível de ensino estejam teoricamente

90
bem fundamentadas, tanto no conhecimento do conteúdo, como nos
métodos de ensino. Tal atitude é imprescindível, visto que um dos
fatores que explicam a dicotomia entre teoria e prática está na falta
de aprofundamento teórico-metodológico ainda na universidade,
posto que várias concepções são estudadas, mas não há um
aprofundamento nem teórico, nem prático.
A educação, na perspectiva de Cury (1986, p.81), “pode
tomar-se um saber-instrumento que possibilite o caminho do visível
ao invisível, do fenômeno ao estrutural e, com isso, superar o caráter
ambíguo dessa contradição. Depende da função política que ela
assumir”. Devemos, contudo, não nos esquecermos de que, dentre
os problemas centrais do ensino, o conhecimento do
desenvolvimento infantil é um dos mais importantes, mas também o
mais ignorado no que diz respeito tanto à formação do educador,
quanto à concepção dos professores sobre o fazer pedagógico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O levantamento dos desafios aqui apresentados favorece uma


reflexão acerca do rumo da educação brasileira, considerando a
formação docente, o processo de escolarização de sujeitos nos
aspectos presenciais e semipresenciais, assim como a EaD. Nesse
sentido, urge questionarmos que tipo de formação docente e de
sujeitos está sendo fomentada, considerando as mudanças nas
relações econômicas de trabalho e produção, a partir dos avanços
das tecnologias físicas e digitais que estão permeando o contexto
educacional.
No que se refere ao empreendedorismo, a análise possibilita
afirmar que tal iniciativa vem se desdobrando na educação pública
mediante parceria “público-privada” como um modelo de gestão
empresarial que assegura a dinâmica reprodutivista do capital, de
um lado, defendendo a escolarização e empregabilidade de sujeitos
para o mercado de trabalho e, de outro lado, a formação de

91
indivíduos para a gestão de negócios. Essa lógica é reproduzida
através da metodologia da educação empreendedora que direciona
a aprendizagem de sujeitos para a aquisição de competências e
habilidades, reforçando, dessa forma, o paradigma neoliberal da
organização social capitalista nos aspectos da flexibilidade e
responsabilização dos indivíduos.
Em relação à EaD, percebemos o papel significativo de tal
modalidade no que tange à democratização do acesso ao ensino
superior e, principalmente, à formação de professores, seja inicial ou
continuada. Porém, em uma sociedade capitalista, onde a educação
é vista como mercadoria, a modalidade passa a ser contemplada sob
duas óticas: para os grandes grupos educacionais, um negócio
lucrativo; e para os gestores do serviço público, uma maneira de
formar profissionais de forma aligeirada e menos dispendiosa
quando comparada aos cursos presenciais.
Quanto à formação docente, o ser professor, é possível
identificar contradições no que se refere à relação entre a teoria e a
prática de professores, uma vez que não há o domínio teórico
necessário a uma prática planejada e com objetivos claros a serem
alcançados. Entretanto, tal contradição não é percebida por esses
professores, posto que, como sinaliza Cury (1986, p. 32), “a
consciência da contradição é o momento em que a contradição se
torna princípio explicativo do real. A reflexão sobre o real torna-se o
momento em que o homem descobre as contradições existentes”.
Nesse sentido, afirmamos que se torna necessária uma
mudança estrutural na educação que parta do desvelamento das
contradições, tanto na formação do educador, quanto no fazer
docente. Essa mudança somente se torna viável no contato do futuro
educador com as contradições do e no espaço escolar, propiciando o
questionamento sobre a legislação que rege os cursos de formação
de professores, a instituição escolar e o próprio fazer docente.
Assim, o questionamento sobre Como estão sendo formados os futuros
professores torna-se mister.

92
Por fim, vale salientar que as mudanças em relação à
educação dependem não somente da preparação do futuro
professor para enfrentar esse ou aquele desafio, mas também do
interesse econômico e político dos governantes com professores bem
renumerados, escolas equipadas, matérias didáticos e estrutura
física adequada. Afinal, uma educação de qualidade resulta em
cidadãos que atuam de forma consciente na sociedade e são capazes
de se opor às ideologias da classe dominante.

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Associados, 2015.

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93
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(Mestrado) - Curso de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do
Paraná, Curitiba-PR, 2014.

94
06. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O
AMBIENTE VIRTUAL DE
APRENDIZAGEM - ANÁLISE DE
PESQUISAS NO CAMPO ETNOGRÁFICO

Eliana Alves Arxer


José Anderson Santos Cruz
Edson do Carmo Inforsato

Este capítulo tem como objetivo descrever e analisar quatro


trabalhos acadêmicos, sendo três dissertações e uma tese, que
apresentam como característica comum a metodologia da pesquisa
etnográfica aplicada ao contexto educacional e articulada a práticas
em ambientes virtuais de aprendizagem.
A etnografia é uma metodologia de pesquisa utilizada no
campo da antropologia, visando ao estudo da humanidade. Essa
disciplina foi originada no século XIX pelo seu fundador Bronislaw
Kasper Malinowski (1884 - 1942), com a publicação do livro, em
1922, “Os argonautas do pacífico ocidental”, no qual o autor
investiga uma tribo de forma participativa. Embora Malinowski não
tenha utilizado esse termo em sua obra, a observação participante
ficou conhecida após a sua publicação.
Malinowski introduziu uma nova forma de realizar a
pesquisa ao adentrar em um grupo de interesse com o objetivo de
estudar a cultura em um conceito bastante amplo, considerando o
conjunto de crenças, a simbologia, os hábitos, costumes, tudo o que
é compartilhado entre as pessoas por muitas gerações (LARAIA,
1986).
A etnografia aplicada à educação é relativamente recente e
apresenta horizontes ainda pouco explorados. Este capítulo reúne a
descrição de quatro resumos de trabalhos acadêmicos, escolhidos de

95
acordo com o critério de utilização da metodologia etnográfica
aplicada ao contexto educacional para a formação docente.
De acordo com Mattos (2011), o fazer etnográfico implica em:
a) preocupar-se com uma análise holística ou dialética da
cultura;
b) introduzir os atores sociais com uma participação ativa e
dinâmica;
c) preocupar-se em revelar as relações e interações
significativas, de modo a desenvolver a reflexividade sobre a ação
de pesquisar, tanto pelo pesquisador quanto pelo pesquisado.
Além disso, Mattos (2011, p. 49) ainda aponta que, para uma
investigação nessa modalidade, é necessário que o pesquisador
planeje e atente-se ao “tempo despendido no campo de
investigação, a descrição densa e minuciosa dos dados coletados, o
processo indutivo de análise, a questão da ética na pesquisa, dentre
outros”.
Geertz (1989) aponta que, para praticar etnografia, não é
necessário somente estabelecer relações, selecionar informantes,
transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um
diário, sendo que o determinante é o tipo de esforço intelectual que
o pesquisador etnográfico representa, “um risco elaborado para
uma descrição densa” (GEERTZ, 1989, p.15).
Considerando esses pressupostos, as pesquisas acadêmicas
foram realizadas considerando o rigor da ciência na metodologia
etnográfica aplicada à educação e a ambientes virtuais.

A ETNOGRAFIA E A PESQUISA EDUCACIONAL INSERIDA


NA FORMAÇÃO DOCENTE

Entre as novas metodologias para inovar nas práticas de


pesquisa, surge, da antropologia, uma ferramenta que pode auxiliar
no entendimento de como se dão as relações entre professores e
alunos nas práticas cotidianas atuais: a etnografia. Nesta disciplina,

96
cujo nome significa “coleta de dados”, o pesquisador insere-se no
campo para analisar, estudar e descrever o grupo objeto de
pesquisa.
Este trabalho, como dito anteriormente, tem como objetivo
analisar resumos de teses e dissertações que tratam desse assunto e
discutir a relevância metodológica na coleta de dados, além de
informações relacionadas à formação de professores na
contemporaneidade.
Em nosso século, as demandas educacionais estão
relacionadas, entre muitas outras, às necessidades de professores em
suprir as necessidades dos alunos, considerando que o docente está
a serviço da população. Entretanto, para que possam executar bem
esse serviço, os professores necessitam de embasamento teórico,
preparação e capacitação que, muitas vezes, não são supridos na
formação inicial docente.
O sucesso educacional tem como uma das bases a relação
professor-aluno, ou a metodologia de ensino e aprendizagem que,
na visão mais moderna e construtivista, seja realizada de uma forma
mais estreita, o que requer uma melhor articulação com as
necessidades da nova geração de alunos e professores.
Essa nova geração possui uma gama de dispositivos com
acesso à informação. Tanto os docentes recém-formados
pertencentes à geração X, Y e Z, como os estudantes de gerações
posteriores até a W, precisam aprender a gerir as informações e usá-
las a favor do conhecimento, pois a informação por si própria não é
conhecimento, mas sua apropriação e gestão podem, sim, produzir o
conhecimento.
Nessa rede de informações e produções de conhecimento, a
contemporaneidade avança de acordo com os avanços tecnológicos,
científicos e sociais, enquanto que, para o campo educacional, existe
a demanda por alinhar-se a esses avanços e, com eles, a formação de
professores, considerando-se os reflexos possíveis na educação
básica e superior.

97
Como pode ser visto nos próximos tópicos, as pesquisas
trazem tendências que podem inovar o modo como vemos as
formações continuadas e as metodologias de ensino e
aprendizagem. Assim, são apresentados recortes de resumos de
dissertações e teses com objetivos e resultados de pesquisas
defendidas nos respectivos anos.
Na dissertação a seguir, há uma pesquisa relacionada à
formação de professores no ensino de matemática para o Ensino
Médio. A autora também utilizou como metodologia a etnografia. A
dissertação tem como título “A prática de educação a distância
desenvolvida pelo laboratório de pesquisa multimeios: diálogos
com a sequência Fedathi” e foi defendida em 2017.

CONTRIBUIÇÕES DE SOARES (2017), PARA A FORMAÇÃO


DOCENTE NO MEIO VIRTUAL

Nessa dissertação de mestrado, Soares (2017) realizou uma


pesquisa etnográfica com o objetivo de abordar a prática de
Educação a Distância (EaD) desenvolvida pelo Laboratório de
Pesquisa Multimeios (MM), situado na Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Ceará (FACED/UFC), tendo como
metodologia de ensino a Sequência Fedathi (BORGES NETO, 2013;
SOUSA, 2015). Ou seja, o objetivo principal foi sistematizar a
proposta de Educação a Distância para o Ambiente Virtual de
Ensino (AVE), proposta usada pelo Laboratório de Pesquisa
Multimeios, dialogando com a Sequência Fedathi.
Os contextos de observação englobaram três experiências
formativas revisitadas e constituídas na prática de EaD do MM:
disciplina de graduação/FACED/UFC; e dois cursos de extensão
universitária, a saber, a “Formação de formadores em João dos
Santos” (parceria UFC/IFCE) e o “Projeto Fedathi: formação de
docentes de Matemática do Ensino Médio”.

98
De acordo com a autora, a análise desses contextos
formativos evidenciou que a prática de EaD do Laboratório MM
apresenta:
a) uma abordagem pedagógica estruturada entre o
cognitivismo e o interacionismo, a depender das intenções
formativas atribuídas às interfaces;
b) uma proposta didática amparada teoricamente nos
pressupostos da Sequência Fedathi, além de apresentar um desenho
didático dialogado com a dinâmica da cibercultura;
c) a sistematização do ensino na qual estão evidenciadas a
compreensão sobre o processo de ensinar, a organização dos
conteúdos com vistas a favorecer o sentimento de pertença entre o
aprendiz e o AVE, além da organização do trabalho por meio de
Sequências Didáticas;
d) a mediação interativa que favorece a colaboração entre os
interagentes, bem como a autoria no AVE.
A autora relata que os dados oportunizaram a sistematização
de uma modelagem para AVE amparada nos pressupostos e etapas
da Sequência Fedathi, a partir da arquitetura pedagógica, bem como
das estratégias de aplicação (BEHAR, 2009).
A pesquisadora conclui, portanto, a possibilidade de
evidenciar que a prática de EaD desenvolvida no MM e amparada
teoricamente pela Sequência Fedathi potencializa a ação do
professor por meio de uma mediação interativa, com objetivos
educacionais explícitos e o olhar sobre a postura docente reflexiva,
assim como a aprendizagem do aluno a partir da colaboração, da
autoria, da pesquisa a partir de redes de aprendizagem.
Nessa pesquisa, observa-se que, ao ampliar o leque de
metodologias na formação docente, potencializa-se o ensino e a
aprendizagem de forma mais efetiva e colaborativa entre os atores
do processo educacional. Além disso, a pesquisa evidencia que a
inovação pode ocorrer em prol da ação educacional.

99
ATUAÇÃO DOCENTE EM REDES SOCIAIS, COLABORAÇÃO
EM REDE, DE LIMA (2014)

Na direção oposta à da autora anterior, encontra-se, na


dissertação “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado: a atuação
docente à distância em sites de redes sociais na perspectiva da
colaboração em rede”, a pesquisadora constata que o uso da
tecnologia em prol de uma educação mais revolucionária e
inovadora é possível, mas observa que esse uso não foi constatado
na pesquisa.
Lima (2014) teve como objetivo investigar as atuações de
docentes nos sites de redes sociais e verificar se elas oportunizam
ações de colaboração em rede, além da ingerência da visibilidade,
popularidade, reputação e autoridade nas atividades desenvolvidas
nos sites de redes sociais para o estudo desses elementos.
No decorrer da pesquisa, a autora relata a análise de cinco
docentes de diferentes estados e instituições de ensino, por meio de
recurso à etnografia virtual na observação direta das ações que se
desenvolviam nos espaços de estudo.
A autora constatou, embasada na análise de conteúdo, que
ocorre uma ineficiência das ações de colaboração em rede dos
sujeitos pesquisados, bem como para as dificuldades em manter as
redes sociais na internet, “acarretando nas limitações da efetividade
da visibilidade, popularidade, reputação e autoridade dos nossos
sujeitos” (Lima, 2014, p.8). A pesquisadora teve como embasamento
teórico as correntes de Pierre Lévy (1999) e de Recuero (2009) em
relação às tecnologias e à aprendizagem em rede.
A pesquisa a seguir apresenta recortes do resumo de um
trabalho realizado com blogs de internet, realizado por meio da
etnografia como metodologia de pesquisa, metodologia nomeada
como etnografia virtual.

100
BLOGS NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM,
CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA DE PESSOA, (2009)

Pessoa (2009), na dissertação de mestrado intitulada “Blogs


educacionais: uma caracterização a partir da etnografia virtual”,
introduz uma metodologia de ensino e aprendizagem, assim como o
próprio método de pesquisa de forma inovadora. A autora relata a
investigação do uso de blogs no Brasil, buscando compreender o
funcionamento desses espaços virtuais no contexto educacional. De
acordo com a autora, “os blogs podem ser utilizados como
ambientes virtuais de ensino e aprendizagem” (Pessoa, 2009, p.9) e,
além disso:

podem proporcionar um aumento do tempo pedagógico,


sendo espaço abrigador de atividades, podem ser um
canal de comunicação entre professores e alunos, podem
criar redes de pesquisa de diversos conteúdos, dentre
tantas outras possibilidades efetivas de ações inovadoras
para a educação (ibidem).

Pessoa (2009) utilizou-se do recurso da etnografia virtual


para a realização da pesquisa e constatou que “a etnografia permitiu
o mergulho do pesquisador no universo dos blogueiros
educacionais a fim de compreendê-lo” (Pessoa, 2009, p. 60). Com
isso, é possível notar que a autora aponta que os blogs ainda não
provocam uma interatividade espontânea por parte dos alunos, que
somente se manifestam quando solicitados ou se veem obrigados a
fazê-lo. Por outro lado, os professores mostraram-se, acima de tudo,
como elementos formadores de grandes anéis de interação na web,
culminando na criação de comunidades virtuais de troca de
informações e ideias.
A pesquisadora demonstrou-se bastante satisfeita com os
resultados preliminares, embora tenha reconhecido que muitos
professores utilizam esse recurso de forma tímida e, para que essa
vertente seja alterada, é necessário:

101
primeiramente, o entendimento das suas possibilidades
educativas e secundariamente, e não menos importante,
seria preciso que os professores estivessem dispostos a
disponibilizar um tempo para dedicar-se à criação,
utilização e manutenção de seus blogs (PESSOA, 2009,
p.9).

A autora sugere medidas a serem realizadas junto aos alunos


como, por exemplo, seria de fundamental importância conscientizar
os alunos e toda a comunidade escolar acerca da noção de que os
blogs são espaços que podem trazer grandes quantidades de
informação (de qualidade), amplas possibilidades de diversão e
interatividade e ainda podem auxiliar no processo de formação.
Pessoa (2009) encerra seu discurso articulando as ações para
professores e alunos como uma ação conjunta, concluindo que essa
reflexão conjunta, realizada pelos sujeitos envolvidos nas
comunidades educativo-educacionais proporcionaria, a nosso ver,
uma ampla compreensão dessa nova tecnologia, o que poderia
culminar no desenvolvimento de metodologias específicas de uso
dos blogs para uma educação baseada nos pilares da educação do
século 21.
A pesquisa aponta que essa nova metodologia utilizando
recursos como blogs pode auxiliar os docentes na tarefa de ensinar a
uma geração que possui recursos de mídia à disposição 24 horas por
dia, e que ainda enfrentam a escola com uma metodologia arcaica e
desmotivadora da escola tradicional.
O texto, a seguir, é de uma tese e tem relação com a formação
de professores em EaD na área de linguística, situando-se de forma
positiva quanto às tecnologias articuladas no contexto da educação.

CONTRIBUIÇÕES DA METODOLOGIA ETNOGRÁFICA NO


CAMPO DA LINGUÍSTICA, DE SOUZA (2006)

102
Nessa tese de doutorado, defendida em 2006, apresenta-se
um estudo sobre o gênero discursivo “mediacional”, desde a sua
elaboração até a sua recepção.
A autora considera esse gênero como aulas materializadas na
escrita, registradas no suporte módulo, que constitui um tipo de
material impresso destinado à formação continuada de docentes da
educação básica, na modalidade de educação a distância (EaD).
A metodologia utilizada pela autora está norteada na
etnografia, na qual ela busca subsídios para a geração dos dados,
enquanto que a base teórica é formada pela sociolinguística
interacional, letramento como prática social e gêneros discursivos.
Na tese, a autora identifica e analisa aspectos linguísticos,
discursivos, sociais e interativos do gênero “mediacional”,
investigados no contexto de produção conforme a perspectiva dos
elaboradores e, por último, a autora investiga “face a face” um
contexto de letramento situado, no qual esse gênero circula.
Para isso, Souza (2006) conta com a participação de quem
elabora o gênero “mediacional”, o professor virtual, e de quem dele
se serve, o aluno virtual, para sua formação continuada. Nesse
estudo, a autora tinha como expectativa promover a reflexão acerca
da produção de texto para a educação a distância, demonstrando
como é possível recorrer à etnografia para subsidiar pesquisas no
contexto de letramento situado, revelando, assim, a forma como a
interação “face a face” faz-se importante para garimparem-se
conhecimentos e experiências de ações de linguagem do outro,
principalmente para quem produz textos para EaD, sobretudo,
mostrando como um determinado gênero discursivo organiza as
ações.

ANÁLISE DAS PUBLICAÇÕES

As publicações citadas tiveram como metodologia a


etnografia no campo educacional em ambientes virtuais de

103
aprendizagem. Embora a metodologia seja comum, a temática e os
moldes de abordagens foram realizados de formas diferentes.
Apesar dessa constatação, nota-se que a finalidade dos
trabalhos também era comum a todos: relacionar a inovação
tecnológica de ambientes virtuais de aprendizagens à melhoria de
aspectos educacionais.
Nas pesquisas de Soares (2017), Souza (2016) e Pessoa (2009),
observou-se que as técnicas de ensino e aprendizagem mediante a
EAD foram positivas, enquanto que, na pesquisa de Lima (2014), foi
observada a ineficiência docente na atuação de redes sociais.
As pesquisas representam a intersecção de áreas ou campos
de estudo, onde elementos da antropologia, nesse caso, a etnografia,
são aplicados a pesquisas no campo educacional, com aplicações na
EaD. Essa intersecção representa um avanço, considerando que a
metodologia aplicada era utilizada em outros campos teóricos, como
ciências sociais, psicologia, saúde, marketing, além da antropologia.
Embora essa metodologia receba críticas sobre o rigor
científico determinado pela “ciência dura”, a mesma apresenta o
reconhecimento no meio acadêmico como uma metodologia válida e
de difícil execução, já que o pesquisador deve se distanciar do objeto
a ser pesquisado para que não seja levado pelo senso comum ou
fazer juízos de valor pela própria subjetividade de análise. É
necessário ter-se cautela com as impressões pessoais e realizar uma
descrição densa, criteriosa, sistemática e interpretativa mediante as
correntes filosóficas pertinentes a essa metodologia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da discussão apresentada, concorda-se que a pesquisa


etnográfica pode ser inserida no campo da educação, com o rigor da
ciência e do estudo acadêmico, sendo a observação considerada
participante presencialmente ou virtualmente, desde que essa

104
observação seja sistemática, com densa descrição e objetividade
cientifica.

REFERÊNCIAS

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pedagógica para o ensino de matemática e ciências. Fortaleza: Edições UFC.

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ed.Tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola.

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cientifica. In: MATTOS, C. L. G.; CASTRO, P. A. (Orgs.). Etnografia e educação:
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partir da etnografia virtual. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação).,
Universidade Federal de Pernambuco, Recife. Disponível em:
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<https://www.youtube.com/watch?v=H-pAVymWhYo >. Acesso em: 24 abr.
2018.

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SOARES, R. L. (2017). A prática de educação a distância desenvolvida pelo laboratório


de pesquisa multimeios: diálogos com a sequência Fedathi. 145f. Dissertação

105
(Mestrado em Educação Brasileira) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.
Disponível em: <http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/26643>. Acesso
em: 27 abr. 2018.

SOUSA, F. E. E. de. (2015). A pergunta como estratégia de mediação didática no


ensino de matemática por meio da Sequência Fedathi. 283f. Tese (Doutorado em
Educação Brasileira) – Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-
graduação em Educação Brasileira, Fortaleza (CE), 2015.

SOUSA, R. M. de. (2006). Gênero discursivo mediacional da elaboração à recepção:


uma pesquisa na perspectiva etnográfica. 257 f. Tese (Doutorado em
Linguística), Universidade de Brasília, Brasília, 2006. Disponível em:
<http://repositorio.unb.br/handle/10482/3540>. Acesso em: 29 abr. 2018.

106
07. LETRAMENTO DIGITAL E A PRÁTICA
DOCENTE: a concepção de professores/as do
ensino fundamental – anos iniciais
Clemilson Cavalcanti da Silva
José Antonio Novaes da Silva
Andeilma Fernandes de Lima

INTRODUÇÃO: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES COM A


TEMÁTICA

O processo de ensino-aprendizagem na Sociedade da


Informação8 se dá por uma rede complexa de fatores que vem
transformando o fazer pedagógico na Educação Básica. Segundo
Lévy (1999), a partir do mundo das telecomunicações e da
informática, estão se organizando novas maneiras de pensar, agir,
conviver, aprender e ensinar. Moran (2000, p. 1), assevera que “na
Sociedade da Informação todos estamos reaprendendo a conhecer, a
comunicar-nos, a ensinar e a aprender; a integrar o humano e o
tecnológico; a integrar o individual, o grupal e o social”. Neste
universo de intensas transformações, especialmente no mundo das
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), faz-se necessário
que os/as profissionais, sobretudo os que trabalham diretamente
com educação formal, se capacitem através de formação continuada
e/ou de cursos complementares com o intuito de oferecer aos/as
alunos/as práticas pedagógicas conectadas com a realidade atual.
Afinal, os/as discentes, nativos digitais, estão imersos no mundo
digital e possuem a capacidade de realizar múltiplas tarefas, o que

8 A Sociedade da informação está baseada nas tecnologias de informação e comunicação que


envolvem a aquisição, o armazenamento, o processamento e a distribuição da informação por
meios electrónicos, como a rádio, a televisão, telefone e computadores, entre outros. Estas
tecnologias não transformam a sociedade por si só, mas são utilizadas pelas pessoas em seus
contextos sociais, económicos e políticos, criando uma nova comunidade local e global: a
Sociedade da Informação (Gouveia, 2004)

107
representa uma das características principais dessa geração
(Prensky, 2001).
A internet, desde sua criação, passou por muitas
transformações. Inicialmente, era conhecida como “internet das
empresas” ou também “internet 1.0”. Nessa época, os/as
consumidores/as não poderiam interagir via máquinas
(computadores) com outras pessoas. O usuário era um ser passivo
com pouco ou nenhuma interatividade. Esse período ocorreu entre a
última década do século XX, e os primeiros anos do século XXI. Vale
salientar que, nesse período histórico, o número de usuários no
Brasil era muito baixo, principalmente, pelo alto valor cobrado pelas
empresas que ofereciam tais serviços.
Após esse primeiro momento histórico do mundo digital, que
ficou caracterizado pela criação de inúmeros sites que são
conhecidos até hoje como, por exemplo, yahoo, uol, google, etc.; a
internet deu um salto de qualidade, sobretudo no campo da
interatividade. Assim sendo, com o advento da interação via
máquinas (computadores, smartphones, celulares, etc.), tornou-se
possível a comunicação rápida entre pessoas em lugares diferentes.
A internet foi classificada com o codinome “internet 2.09” e, segundo
O‟Reilly (2005), não há como abalizar exatamente as fronteiras da
“Web 2.0”, todavia, é importante compreender que ela atua como
um núcleo complexo de diferentes tecnologias interconectadas entre
si com vistas a resultados interativos para quem faz uso dela. Nesse
sentido, se comparada com a “internet 1.0”, o seu diferenciador é a
possibilidade de interação entre os/as usuários/as.
Além dessas divisões historicamente conhecidas da internet,
atualmente, está em construção um movimento tecnológico
conhecido como “internet 3.0”, ou seja, a terceira geração de um
mundo tecnológico que está sempre se reinventado a fim de
9O termo, que faz um trocadilho com o tipo de notação em informática que indica a versão de
um software, foi popularizado pela O‟Reilly Media e pela Media Live International como
denominação de uma série de conferências que tiveram início em outubro de 2004 (O‟Reilly,
2005).

108
possibilitar maior interação entre os usuários/as. A “internet 3.0” é
caracterizada pela organização de informações do
usuário/consumidor com o objetivo de possibilitar às máquinas,
uma melhor compreensão das tendências e otimizar as experiências
do usuário na rede, facilitando a pesquisa por parte do usuário.
Após esse breve relato histórico sobre o desenvolvimento da
internet nas três últimas décadas, é perceptivo que o mundo se
transformou em uma rede que está interconectada o tempo todo
através dessa tessitura que vem crescendo ao longo dos anos. Esse
campo de transformação perpassou por todos os campos da
sociedade, especialmente pelo universo escolar.
Refletindo sobre a realidade encontrada em escolas públicas,
sobretudo, as do Município de Lucena, é possível afirmar que os/as
professores/as da Educação Básica, especialmente, os do Ensino
Fundamental – Anos Iniciais, estão trabalhando com as Tecnologias
da Informação e Comunicação? As TIC‟s, na compreensão dos/as
professores/as, são aliadas ou corroboram para o enfraquecimento
do processo de ensino-aprendizagem? Na concepção dos/as
docentes, as aulas utilizando as TIC‟s ficam mais atrativas ou não
faz diferença para os/as alunos/as? Enfim, essas e outras questões
serão investigadas com o intuito de conhecer e compreender a
prática pedagógica dos/as professores/as.
Pensando em encontrar algumas respostas para estas
indagações, o presente trabalho tem como objetivo conhecer a
concepção de docentes do Ensino Fundamental – Anos Iniciais,
acerca do letramento digital em seu fazer pedagógico.

LETRAMENTO E LETRAMENTO DIGITAL E O SEU DECURSO


NO CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO

A palavra letramento surge da tradução para o português de


um vocábulo inglês conhecido por “literacy”. Esta palavra existe na
língua inglesa desde o século XIX, e seu antônimo “illiteracy” é

109
datado segundo anais do “Oxford English Dictionary” desde 1660, no
século XVII (Soares, 2004). No que tange à sua construção
etimológica, o letramento é derivado do latim “littera” (que significa
letra), acrescido do sufixo cy (condição, estado, etc.). Inicialmente, a
literatura inglesa tratava-o como sinônimo de alfabetização, todavia,
logo em seguida, foi erigido para outro patamar que suplantava a
ideia de alfabetização. Desse modo, uma pessoa letrada deve ser
capaz de ler, escrever e compreender a estrutura social e histórica de
sua existência enquanto indivíduo inserido em uma sociedade
(Soares, 2003).
O letramento, no contexto brasileiro, surge na década de 1980,
em áreas como Linguística e Educação, a partir de trabalhos de Kato
(1986), Kleiman (1995) e Marcuschi (2001), desde então, ele vem
sendo debatido em várias nuances no campo da aprendizagem. A
partir de estudos densos realizados por diferentes
pesquisadores/as, o letramento começou a ganhar contornos e
compreensões no campo acadêmico que se distanciavam do viés do
senso comum que o tornava sinônimo de alfabetização.
Para Street (2003), o letramento pode ser construído a partir de
dois pontos de vista enquanto prática pedagógica: o autônomo e o
ideológico. O primeiro sinaliza para uma condição de igualdade
para todos, aplica-se a um caminho singular de desenvolvimento
das habilidades e aprendizagem do sistema linguístico, ou seja, se
o/a aluno/a fracassar nesse processo, a culpa é dele/dela. Por sua
vez, o segundo “reconhece que essas habilidades técnicas estão
sempre sendo empregadas em um contexto social e ideológico, que
dá significado às próprias palavras, sentenças e textos com os quais
o aprendiz se vê envolvido” (Street, 2003, p. 9) e, assim, o fazer
pedagógico tem de estar inserido na realidade dos/as discentes.
Nesse contexto, o letramento digital é um tipo específico de
letramento e, assim sendo, para Coscarelli & Ribeiro (2005, p.9), “é o
nome que damos, então, à ampliação do leque de possibilidades de
contato com a leitura e a escrita também em ambiente digital”.

110
Corroborando essa definição, Soares (2002, p.151) assevera que é um
“certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da
nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na
tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que
exercem práticas de leitura e de escrita no papel”. As autoras
enfatizam que o letramento digital é a habilidade e a competência de
manusear os recursos digitais com vistas à produção de
conhecimentos historicamente situados.
Para Aquino (2003, p.1), o letramento digital é o “domínio de
técnicas e habilidades para acessar, interagir, processar e
desenvolver multiplicidade de competências na leitura das mais
variadas mídias”. Todavia, alguns conceitos sobre letramento digital
vão além da promoção da leitura e da escrita no meio digital. Para
Duran (2011, p.28), o termo letramento digital “não se reduz a
instrumentalização, já que nos remete às práticas sociais de leitura e
de escrita e/ou à condição de quem as exerce”. Nesse contexto, a
autora reforça que essa prática seria “o processo de configuração de
indivíduos ou grupos que se apropriam da linguagem nas práticas
sociais relacionadas direta ou indiretamente à leitura e à escrita
mediada pelas TIC” (Duran, 2011, p. 28). Em seguida, refletiremos
acerca de como o letramento digital está entrelaçado ao universo
escolar.

ESCOLA CONECTADA: A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS


TECNOLÓGICOS PARA O PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM

Após elencarmos diferentes definições para o que vem a ser


letramento e letramento digital, nesta seção, mostraremos como as
TIC‟s são fundamentais para o processo de ensino-aprendizagem na
Sociedade da Informação. Afinal, entendemos que está havendo, no
âmbito educacional brasileiro, uma mudança que obriga os que
fazem a escola, especialmente, os/as professores/as, a mudar suas

111
práticas pedagógicas, suas certezas e verdades absolutas, suas
concepções lineares acerca do ensino e da aprendizagem, seus
planos de aulas e de ação que contemplam conteúdos pautados em
concepção vertical de aprendizagem, etc.; ou seja, na Era da
Informação, “o espaço de saber do docente foi dando lugar ao de
mediador e problematizador do aprender: ele passou a ser visto
como aquele que desafia os alunos, mostrando-lhes, entre as várias
possibilidades de aprendizagem, caminhos que poderão ser
percorridos” (Cruz, 2008, p. 1026). Enfim, é preciso que o/a
profissional da era digital compreenda o seu espaço ou, em outras
palavras, o seu letramento digital.
Desse modo, defendemos uma escola conectada, isto é, um
espaço que ofereça as TIC‟s e suas potencialidades para o processo
de ensino-aprendizagem. Rojo (2013, p.7) assevera que é “preciso
que a instituição escolar prepare a população para o funcionamento
da sociedade cada vez mais digital e também para buscar
ciberespaço um lugar para se encontrar, de maneira crítica, com
diferenças e identidades múltiplas”. Partindo desse viés, a autora
está expressando a ideia de que o espaço escolar não pode estar
distante da sociedade, consequentemente, dos/as alunos/as, pois
estes são nativos digitais e estão conectados a esse universo online.
Nesse contexto de tecnologias digitais, existem diferentes
paradigmas educacionais que devem ser utilizados pelos/as
professores/as como concepções pedagógicas que auxiliem na
compreensão de como o/a aluno/a aprende na Era da Informação.
Destes, traremos para a discussão/reflexão três correntes de
pensamentos distintas (Instrucionismo, Construcionismo e
Conectivismo). Inicialmente, discutiremos sobre o conceito de
Instrucionismo, o qual prioriza a ideia de ensinar a partir das
máquinas, ou seja, o computar seria uma ferramenta que tem a
capacidade de ensinar. Essa abordagem foi criticada por Almeida e
Valente (2011), pois, segundo os autores, o/a aluno/a nesse
processo atua como um ser passivo, não constrói um raciocínio

112
crítico acerca do conhecimento, na realidade, o que ocorre é um
processo de memorização dos conteúdos. Assim sendo, o ensino
nesse paradigma é “focado em uma perspectiva de currículo
limitada ao conteúdo dos softwares que entregam informações
aos/às alunos/as, a quem cabe estudar o conteúdo apresentado,
fornecer respostas aos exercícios apresentados” (Almeida; Valente,
2011, p.8).
Contrapondo-se à abordagem Instrucionista, Papert (1986)
propõe a concepção Construcionista, a qual estabelece que o
computador auxilia o/a aluno/a na produção de conhecimento e,
consequentemente, no processo de ensino-aprendizagem. Na
compreensão de Papert (1986), o Construcionismo atuaria como
uma concepção pedagógica que possibilita a aprendizagem
utilizando o computador como uma ferramenta pedagógica. Nessa
abordagem, o computador é empregado “como uma ferramenta
educacional, com a qual o/a aluno/a resolve problemas
significativos que favoreça a aprendizagem ativa, isto é, que
propicie ao/a discente a construção do conhecimento a partir de
suas próprias ações” (Almeida, 1996, p. 18). Além das teorias
supracitadas, o Conectivismo apresenta-se como uma teoria da
aprendizagem pensada para a contemporaneidade educacional
imersa na realidade digital, a qual concentra suas ideias na
concepção de que a humanidade produz o conhecimento e este pode
ser compartilhado através dos diferentes meios digitais apoiados
por artefatos tecnológicos simbólicos.
Esta abordagem se distancia das outras duas supracitadas,
pois ela propõe que devemos romper com a ideia de produção de
conhecimento unitário para uma produção de conhecimento em
rede, sobretudo, nos ciberespaços. Para Siemens (2004, p.1), “a
aprendizagem ocorre de várias maneiras – através de comunidades
de prática, redes pessoais e através da conclusão de tarefas
relacionadas ao trabalho”, ou seja, a aprendizagem vai muito além
da ideia de educação formal. Na realidade, com as tecnologias

113
digitais, o aprender ocorre em todos os espaços, uma vez que as
redes digitais possibilitam o acesso à informação e esta pode ser
transformada em conhecimento.
No que tange às limitações dessa abordagem, alguns
autores/as concebem essa teoria como uma repaginação do
Construcionismo e, assim sendo, ela carece de elementos novos que
sejam substanciais para se diferenciar das teorias que já existem
(Kerr, 2007). Outra crítica a essa abordagem está relacionada à
ausência de teorias que a sustentem, nesse sentido, Verhagen (2006)
levantou um questionamento: é uma teoria de aprendizagem ou
uma pedagogia?
Enfim, apresentamos três correntes teóricas de abordagem
distintas que estão relacionadas à aprendizagem utilizando os
recursos digitais. Com efeito, queremos ressaltar que essas teorias
são complexas e seriam necessárias outras reflexões para serem mais
bem compreendidas. Contudo, nosso objetivo aqui é mostrar a
existência de correntes teóricas que podem servir de suportes
teórico-metodológicos para o “novo” fazer pedagógico.

O AMBIENTE PESQUISADO E O PERCURSO


METODOLÓGICO

Para conhecer a evolução dos recursos tecnológicos em Escolas


Públicas, precisa-se de estudos voltados para essa temática e,
segundo Mendonça (2004), esses levantamentos são de extrema
importância. Contudo, diferentes trabalhos mostram-nos que
pesquisadores/as brasileiros/as ainda não atentaram para o
letramento digital do/a professor/a, ou seja, são escassos os
esforços investigativos que tratam dessa linha de conhecimento
(Ramal, 2002).
É pensando nesse contexto que nosso trabalho se apresenta
como uma alternativa para elencar as nuances que norteiam o fazer
pedagógico em um mundo rodeado de tecnologias digitais. Assim

114
sendo, a presente pesquisa terá uma abordagem de natureza
qualitativa que, segundo Lüdke e André (2012), mostra o ambiente
natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu
principal instrumento.
A coleta do material ocorreu através de entrevista
semiestruturada que foi realizada com cinco professores/as do
Ensino Fundamental – Anos Iniciais. No que concerne a esse modelo
semiestruturado, a atenção tem sido dada à formulação de
perguntas que seriam básicas para o tema a ser investigado
(Trivinos, 1992). A metodologia de apreciação foi a análise de
conteúdo que, para Bardin (2004), refere-se a um conjunto de
técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.
Nesse sentido, após realizarmos a leitura minuciosa dos achados das
entrevistas e dos materiais teóricos propostos para esta pesquisa,
construímos categorias embasadas na análise de conteúdo (Bardin,
2004), que serviu de alicerce para a análise crítica do material, sendo
elas: concepção pedagógica; recursos tecnológicos; letramento;
letramento digital e escola conectada.

ANÁLISE DO CORPUS PESQUISADO: A REALIDADE


ENCONTRADA

Nesta seção, nos deteremos em mostrar e discutir/refletir


criticamente, dialogando com o referencial teórico, as informações
obtidas na pesquisa a partir das categorias de análises. Nesse
sentido, a entrevista foi estruturada em duas partes, sendo que a
primeira versa sobre a caracterização do corpo docente e a segunda
discorre sobre o fazer pedagógico.
O quadro I traz informações gerais das entrevistadas
referentes ao sexo, à cor/etnia e à religião. Não é o foco de nossa
pesquisa discutir de modo minucioso estas questões, contudo,
queríamos ressaltar que todas são do sexo feminino, a

115
predominância é de mulheres negras (pretas + pardas) e a maioria
se reconhece como católica, tendo apenas uma profissional que se
declara como evangélica. Desse modo, percebe-se a hegemonia das
religiões cristãs no corpus de análise. Com efeito, queremos destacar
que os credos de matrizes africanas, bem como as de outras
matrizes, não foram declarados pelas professoras:

Quadro I. Perfil das professoras quanto ao sexo, à cor/etnia e à


religião.
Docentes10 sexo Cor/etnia Religião

Profa. Isis Feminino Branca Católica

Profa. Núbia Feminino Parda Católica

Profa. Kefera Feminino Preta Católica

Profa. Nefertari Feminino Parda Evangélica

Profa. Yunet Feminino Parda Católica

Nesse contexto, levantamos um questionamento: o sexo, a


cor/etnia e a religião influenciam o fazer pedagógico da docente?
Para responder a essa indagação, certamente, necessitaríamos de
outra pesquisa, uma vez que essas categorias são trabalhadas em
diferentes campos teóricos. Por exemplo, para Louro (2008), o que
realmente importa é o gênero pelo qual a pessoa se reconhece, ou
seja, essa autora concebe a ideia de sexo biológico para as funções
inatas dos/as indivíduos/as, isto é, atividades biológicas, ao passo
que as questões sociais, no caso específico, o fazer pedagógico, é
orientado pelo gênero pelo qual a pessoa se reconhece e não pelo
sexo biológico. Por outra vertente, Cláudia Pons Cardoso (2014),
tendo como referência Lélia Gonzales e a Amefricanidade, considera

10 Os nomes são fictícios.

116
a identidade racial como sendo de grande importância, o que nos
faz levar em consideração a análise também da cor/etnia das
entrevistadas. Isso nos permitiu constatar que as professoras negras
(pretas + pardas) se constituem como a maioria.
Essa constatação suscitou outras questões como, por
exemplo, ser professora negra do Ensino Fundamental – Anos
Iniciais é um avanço para o empoderamento da mulher negra? Ou a
predominância nessa atividade profissional, tanto pela mulher
branca, quanto pela mulher negra, é pelo fato de essa profissão não
ter os melhores salários, ocupar apenas um turno, ser vista como
uma atividade simples, sendo assim, podendo ser ocupada por uma
mulher, sobretudo, negra?
Em dados obtidos pelo o INEP, percebemos a predominância
feminina na docência na Educação Básica: na Educação Infantil, com
97,9% de mulheres (sendo 97,9% para creches e 96,1% para pré-
escolas); no Ensino Fundamental, 82,2% de mulheres, (Anos Iniciais
90,8% e Anos Finais 73,5%); no Ensino Médio 64,1% de mulheres
(Brasil, 2009). Observando esses dados, fica nítida a grande
expressão feminina na docência, contudo, em análise crítica sobre
essa questão, Izquierdo (1994) assevera que essa “hegemonia” só
ocorre porque, historicamente, a educação, principalmente a
formação inicial, é vista como uma atividade feminina, isto é,
arraigada de amor, carinho cuidado, etc. Assim sendo, apenas as
mulheres podem desenvolver tais funções. A autora ressalta o
preconceito e o poder exercido pelo homem em ditar quais são as
atividades que as mulheres podem desenvolver ou não.
Historicamente, a presença marcadamente feminina e branca no
trabalho das séries inicias já pode ser notado no Brasil oitocentista.
A respeito da religião, observamos que o corpus analisado se
restringe a professar o cristianismo, contudo, é importante lembrar
que existem outros credos que seguem diferentes orientações. Assim
sendo, a profissional não deve atuar de modo discriminatório e/ou

117
proselitista, isto é, enaltecendo sua crença em detrimento a de
outras.
Após refletirmos acerca do sexo, cor/etnia e religião das
educadoras, o quadro II traz o perfil das docentes acerca de sua
formação, da experiência profissional, do tempo de experiência, o
ano que está lecionando na escola, a quantidade de alunos por
turma e os turnos que trabalham. É possível observar que 3 das
docentes apresentam formação superior, uma informação que
confirma os dados do Censo da Educação 2016, o qual levantou que,
da totalidade de docentes que atuam nas turmas de anos iniciais,
74,8% têm nível superior completo (69,6% têm nível superior
completo com licenciatura) e 14% têm normal/magistério (Brasil,
2017).

Quadro II. Informações gerais das professoras no que tange ao perfil


profissional.
Docentes Formação Experiência Tempo de Ano/s que Quantidade Turno/s
profissional Experiência está de alunos que
lecionando por turma trabalha
Educação
infantil e
Profa. Ensino 1º ano do
Pedagogia 20 por Manhã e
Isis Fundamental 15 anos Ensino
completo turma tarde
Em escolas Fundamental
Públicas e
privadas
Ensino
Fundamental
Pedagogia – anos 5º ano do
Profa. 35 por Manhã e
Núbia e Letras iniciais 23 anos Ensino
turma tarde
completos Em escolas Fundamental
Públicas e
privadas
Fundamental 2º ano do
Profa. Pedagogia 20 por
Kefera Em escolas 3 anos Ensino Tarde
completo turma
Públicas Fundamental

Profa. Pedagogia Fundamental 3º ano do 20 por


Nefertari 20 anos Tarde
incompleto Em escolas Ensino turma

118
Públicas Fundamental
Fundamental 4º ano do
Profa. Pedagogia 23 por Manhã e
Yunet Em escolas 3 anos Ensino
incompleto turma tarde
Públicas Fundamental

As informações obtidas, leva-nos a pontuar alguns motes


como, por exemplo, é possível desenvolver as atividades complexas
exigidas pela docência com maestria, no Ensino Fundamental –
Anos Finais, sem ter concluído o curso superior, no caso especifico,
a Pedagogia? Há diferença significativa entre profissionais que têm
muito tempo de experiência, mas não são formadas, e aquelas que
são formadas, porém, têm pouca experiência prática? Trabalhar no
Ensino Fundamental – Anos Finais em dois turnos (manhã e tarde,
por exemplo) compromete o fazer pedagógico? O número elevado
de alunos/as no Ensino Fundamental – Anos Finais dificulta e
compromete o processo de ensino-aprendizagem?
Não pretendemos responder a estes questionamentos, apenas
ressaltar que são indagações que estão presentes na educação
brasileira e precisam ser pautadas em novas pesquisas. Enfim, é
preciso modificar algumas realidades que encontramos na educação
brasileira, pois só assim poderemos pensar em alcançar patamares
que são exigidos por padrões internacionais.

O FAZER DOCENTE E SUA RELAÇÃO COM O LETRAMENTO


E O LETRAMENTO DIGITAL

O fazer docente pode ser visto como um dos balizadores que


possibilitam a compreensão do sucesso ou não no processo de
ensino-aprendizagem. A prática e o discurso dos/as professores/as
nos ajudam a identificar núcleos de sentidos que nos permitem
inferir criticamente no material analisado. Desse modo, a segunda
parte da entrevista discorre sobre a prática docente imbricada ao
universo tecnológico, especialmente, o letramento digital.

119
As inferências e considerações das informações encontradas na
pesquisa foram estruturadas em quadros que evidenciam
didaticamente os núcleos dos sentidos (Bardin, 2004) obtidos nas
respostas das entrevistadas. Isto é, para cada pergunta realizada,
construímos um quadro que demonstra e, ao mesmo tempo,
compara o sentido/compreensão que as entrevistadas têm sobre as
nuances das perguntas.
Pensando em construir um alicerce para o objetivo central do
trabalho, começamos indagando as professoras: qual seria o
entendimento/compreensão que elas têm sobre o processo de
ensino-aprendizagem? As respostas das 5 protagonistas estiveram
muito próximas, independentemente do tempo de trabalho ou de
apresentar o curso pedagógico completo ou não, e três delas estão
reproduzidas no quadro III. Os discursos elaborados por Núbia,
formada em Letras e Pedagogia, por Kefera, graduada em
Pedagogia, e por Nefertari, que não concluiu sua graduação em
Pedagogia, estão bem próximos e nenhuma delas traz em seu
conteúdo qualquer elemento que leve em consideração a
diversidade e/ou fatores de natureza cultural:

Quadro III. Conceito/compreensão de ensinar e aprender para as


professoras.
Docentes Para você, o que é ensinar? E o que é aprender?
Profa. Isis “Passar conhecimento. Receber conhecimento”.

Profa. Núbia “Ensinar e aprender são duas atividades distintas”.

Profa. Kefera “Aprender é adquirir conhecimento. Ensinar é doutrinar, lecionar”.

Profa. Nefertari “Ensinar é transmitir o conhecimento. Aprender é adquirir conhecimento”.

Profa. Yunet “Ensinar é você repassar seus ensinamentos. E aprender é você adquirir algum tipo
de conhecimento”.

Elas ressaltam que são condições distintas e que o aluno é um


ser passivo que incorporam o conhecimento do que é ministrado
pela professora de modo vertical. É importante lembrarmos que

120
estas professoras possuem experiências e formação em condições
diferentes, mas suas respostas seguem uma compreensão bancária
de aprendizagem (FREIRE, 1996). Certamente, essa visão arcaica do
conceito de ensinar e aprender está atrelada a sua formação, uma
vez que a concepção cartesiana de ensino está imbricada no fazer
pedagógico de muitos/as professores/as da academia, assim sendo,
os/as respectivos/as alunos/as quando saem do seu ciclo de
formação reproduzem o que foi aprendido, ou seja, não conseguem
entender que o processo de ensino-aprendizagem é uma atividade
complexa (Morin, 2002), na qual o/a aluno/a e o/a professor/a são,
ao mesmo tempo nesse processo, indivíduos passivos e ativos,
protagonistas e coadjuvantes, em última instância o/a professor/a
deve agir como mediador e problematizador do decurso (Cruz,
2008).
Na sequência, conversamos a respeito da concepção teórica a
qual embasa a atuação em sala de aula. Assim perguntamos: oseu
fazer pedagógico, é orientado por alguma concepção pedagógica?
(ver respostas no quadro IV)

Quadro IV. Concepção pedagógica para a prática docente.


Docentes Você tem como referência alguma/s concepção/concepções
pedagógica/s para sua prática cotidiana? Sim ( ) não ( ). Caso
responda sim, qual/quais?
Profa. Isis “Sim, mas agora não lembro o nome”.

Profa. Núbia “Sim, Concepção tradicional / pedagogia e didática”.

Profa. Kefera “Sim, realização de roda de leitura. A realização é fonte enriquecedora”.

Profa. Nefertari “Sim, são várias, mas vou citar Paulo Freire”.

Profa. Yunet “Não”.

Houve, nas respostas, sensíveis diferenças. Inicialmente,


queremos ressaltar a resposta da profa. 5, que disse que desconhecia
a existência de concepções de ensino, nesse sentido, o seu fazer

121
pedagógico deve ser pautado no saber prático (senso comum). Com
efeito, a essa professora ainda falta concluir o curso de pedagogia,
então, podemos inferir que ela não cursou os componentes
curriculares que discorrem sobre as diferentes concepções de ensino.
Entretanto, as respostas de professoras que são formadas e, em tese,
deveriam conhecer com segurança as diferentes concepções de
ensino, foram soltas e desconexas. Assim, apenas uma suscitou o
nome do professor Paulo Freire. Queremos ressaltar que ela ainda
não terminou o curso superior em Pedagogia, assim sendo,
podemos inferir que ser ou não graduada não fez muita diferença
no corpus analisado, mas é preocupante o desconhecimento por
parte das professoras acerca das concepções que devem nortear o
fazer docente.
Depois de conhecer a abrangência que as entrevistadas têm
sobre as concepções pedagógicas, começamos a imergir no foco
principal da pesquisa, no caso, o letramento digital das docentes.
Dessa forma, com o intuito de conhecer a relação existente entre as
entrevistadas e as TIC‟s em sua prática, fizemos a seguinte
indagação: você utiliza recursos tecnológicos em sua prática
pedagógica? Todas responderam que sim (ver quadro V),
entretanto, não percebemos em suas respostas uma efetivação
desses recursos em sua prática. Na realidade, o que foi entendido é
que eles servem apenas como um apoio de pesquisa e não são
preponderantes para o processo de ensino-aprendizagem.

Quadro V. Recursos tecnológicos e o fazer pedagógico.


Docentes Você utiliza recursos tecnológicos como: computador, projetor de slides,
internet, tablets, celulares, smartphone, etc.; em seu fazer pedagógico?
Explicar sua resposta.
Profa. Isis “Sim, porque é muito importante para a aprendizagem”.

Profa. Núbia “Sim, em tarefas pedagógicas e pesquisas”.

Profa. Kefera “Sim, Internet às vezes”.

Profa. Nefertari “Sim, é essencial para nós hoje fazer nossas pesquisas, aprender mais experiência
através da internet”.

122
Profa. Yunet “Sim, porque o conhecimento tecnológico renova a cada dia mais”.

Gilster (1997) ressalta que muitos/as professores/as não


utilizam adequadamente os recursos tecnológicos por não saber usá-
los. A ausência dessa habilidade dificulta a efetivação desses
materiais na prática docente. Para Xavier (2004), quando o/a
professor/a conhece os diferentes meios digitais, eles/elas são
capazes de tornar as aulas mais interativas e, principalmente,
alinhadas à linguagem das crianças da contemporaneidade, haja
vista que elas transitam com muita facilidade por estes meios
eletrônicos. Neste contexto, um dos recursos tecnológicos que são
utilizados com frequência pelos/as docentes para facilitar o
processo de leitura e escrita dos/as alunos/as é o hipertexto (Xavier,
2004). Todavia, para fazer uso desse recurso tecnológico, é preciso
que o/a professor/a tenha a formação adequada, pois
improvisando, certamente, os resultados não serão satisfatórios.
O quadro VI traz a concepção das entrevistadas acerca das
tecnologias digitais como ferramentas que auxiliam no processo de
ensino-aprendizagem. Neste contexto, percebemos que em alguns
momentos as professoras não seguiram uma linha coerente acerca
do que foi perguntado. Para nós, um dos motivos dessa situação é a
carência de formação continuada atrelada às TIC‟s.

Quadro VI. Tecnologias digitais como ferramentas que auxiliam no


processo de ensino-aprendizagem.
Docentes Qual sua concepção acerca das tecnologias digitais como ferramentas que
auxiliam no processo de ensino-aprendizagem dos/as alunos/as?
Profa. Isis “Não trabalho com essa realidade a sala de informática está fechada”.

Profa. Núbia “É mais um conhecimento técnico na vida deles”.

Profa. Kefera “É importante para o auxílio da aprendizagem”.

Profa. Nefertari “É muito importante, é uma ferramenta excelente para eles, mas nem todas escolas
dispõem dessas ferramentas”.
Profa. Yunet “São importantes, porém, devemos saber usar, pois se é usado com frequência pode
atrapalhar”.

123
Ao analisar as respostas das professoras, percebemos a
importância das tecnologias digitais no processo de ensino-
aprendizagem em suas falas, porém, ficou evidente que essa não é a
realidade vivenciada por elas, tanto na escola, quanto na vida
cotidiana. Para Morin (1997), o/a professor/a é essencial na
construção educacional, haja vista que é ele/ela que seleciona o que
é mais ou menos importante para aprendermos, sendo assim, se
os/as docentes desconhecem ou têm conhecimento incipiente acerca
de determinada temática, provavelmente, terão dificuldades de
trabalhar com ela. Neste contexto, podemos inferir que a dificuldade
das professoras em responder aos questionamentos supraditos está
relacionada ao incipiente conhecimento acerca do que estamos
debatendo neste trabalho.
Após refletirmos criticamente a respeito da concepção das
docentes acerca dos recursos tecnológicos, os próximos
questionamentos discorrem sobre a diferença entre letramento e
alfabetização, o conceito de letramento e, por último, a definição do
letramento digital.
Inicialmente, perguntamos às docentes qual a diferença entre
letramento e alfabetização? Os núcleos dos sentidos encontrados nas
respostas (ver quadro VII) nos permitem inferir que o
conceito/definição de letramento não foi alcançado. Além disso,
percebemos que há confusão de entendimento dos referidos
julgamentos, pois, para algumas professoras, letramento e
alfabetização são a mesma coisa, são indissociáveis. Em última
instância, elas compreendem que tanto o letramento, quanto a
alfabetização, são processos educativos que permitem a assimilação
da leitura e da escrita. Essa compreensão está relacionada à
definição de alfabetização, pois, como afirma Soares (2003), uma
pessoa alfabetizada é capaz de codificar e decodificar palavras. Ao
mesmo tempo, evidenciamos que as entrevistadas não conhecem em
profundidade o que vem a ser letramento, visto que nenhuma das
respostas obtidas contém elementos que apontam para a sua

124
definição. Essa afirmação pode ser corroborada por Soares (2003),
uma vez que a autora assevera que uma pessoa letrada tem de
compreender o mundo criticamente, isto é, ser capaz de codificar e
decodificar palavras e aplicá-las ao seu cotidiano com objetivos
sociais e históricos.

Quadro VII. Letramento e alfabetização e suas diferenças.


Docentes O que você entende por letramento? Em que ele se diferencia da
alfabetização?
Profa. Isis “O letramento é ter se apropriado da escrita e alfabetização é ensinar a ler e a
escrever”.
Profa. Núbia “Letramento é quando o aluno já sabe refletir, interpretar leitura e compreensão dos
textos. E na alfabetização ele vai aprender a leitura, codificar e decodificar as
palavras”.
Profa. Kefera “são práticas educativas”.

Profa. Nefertari “Alfabetização e letramento são termos indissociáveis”.

Profa. Yunet “Os dois são formas de praticar e estimular a escrita de nossos alunos”.

Após refletirmos sobre a compreensão que as professoras têm


a respeito de letramento e alfabetização, a próxima indagação refere-
se a tipos específicos de letramentos (ver quadro VIII). Nesse
sentido, apenas a profa. Kefera disse que conhecia, contudo, a sua
resposta evidencia que ela desconhece a temática. As docentes Isis,
Nefertari e Yunet tiveram como resposta um lacônico “não”.
Nesse momento da entrevista, percebemos algumas
necessidades que essas profissionais necessitam. A primeira é uma
formação continuada que proponha um ensino para o letramento,
isto é, uma concepção de ensino libertadora e progressista (Freire,
1996) que os emancipem das amarras impostas por um processo
educacional cartesiano que trouxe e continua trazendo muitas
limitações para os/as alunos/as; além dessa, outra necessidade que
percebemos são formações que trabalhem o universo tecnológico
com os/as professores/as, haja vista que, no andamento da
entrevista, fica evidente que há um desconhecimento de como e

125
onde devem ser utilizadas as TIC‟s no processo de ensino-
aprendizagem:

Quadro VIII. Tipos distintos de Letramentos.


Docentes Você conhece algum tipo específico de letramento? Se sim, qual/quais?
Profa. Isis “Não”.

Profa. Núbia “Não, temos que providenciar: atividades lúdicas, banco de palavras, leituras, etc.”

Profa. Kefera “Sim, familiar, religioso, digital, escolar”.

Profa. Nefertari “Não”.

Profa. Yunet “Não”.

“Não”.

Neste trabalho, apontamos três concepções de ensino que


fazem uso das TIC‟s para o processo de ensino aprendizagem, são
elas: Instrucionismo, Construcionismo e Conectivismo. Certamente,
as docentes entrevistadas não as conhecem. Essa limitação em
acompanhar a contemporaneidade educacional traz consigo
concepções de ensino que, por vezes, estão muito distantes dos/as
alunos/as e, assim sendo, os/as educadores/as não conseguem
desenvolver suas atividades com êxito por fazer uso de linguagens
que não são mais compreendidas pelos/as discentes.
Enfim, é importante ressaltar que estamos em um universo
conectado digitalmente, ou seja, os/as profissionais que trabalham
com educação devem conhecer os diferentes meios para aumentar o
leque de possibilidades de atividades com os/as alunos/as
(Coscarelli & Ribeiro, 2005).
Para finalizar esse ciclo de perguntas acerca de letramento,
indagamos às entrevistadas sobre o que seria letramento digital?
Como tiveram dificuldades de discorrer sobre o conceito/definição
de letramento, a mesma situação ocorreu com o letramento digital.
Entretanto, faz-se necessário ressaltar que, no segundo caso, por
haver o nome digital, as professoras relacionaram o termo às
tecnologias digitais (ver respostas no quadro IX). Contudo, as

126
respostas reafirmam total e/ou parcial desconhecimento a respeito
da temática. Para Aquino (2003), o letramento digital proporciona
habilidades e competências que possibilitam a invenção de
atividades criativas com os recursos das mídias digitais e, desse
modo, caso o/a professor/a tenha dificuldades em utilizá-las,
provavelmente, terá problemas em planejar atividades que estejam
atreladas ao uso dessas ferramentas. Assim sendo, podemos inferir
que ser letrado digitalmente tornou-se uma necessidade, sobretudo,
para os que fazem a educação:

Quadro IX. Conceito/definição de Letramento digital.


Docentes O que você entende por letramento digital?
Profa. Isis “É quem faz o uso da tecnologia digital”.

Profa. Núbia “É um dos vários tipos de letramento que uma pessoa possa apresentar”.

Profa. Kefera “O termo letramento digital é aplicado ao domínio da tecnologia”.

Profa. Nefertari “Acredito que seja algo ligado as tecnologias digitais”.

Profa. Yunet “São das tecnologias digitais”.

A última questão levantada na entrevista reflete sobre escolas


conectadas. Nesse contexto, indagamos se seria possível pensar em
uma escola conectada? E um fazer pedagógico conectado? As
respostas foram todas positivas, já que as professoras acreditam que
é oportuna e necessária a referida ideia, especialmente no momento
histórico que estamos vivendo, uma vez que os/as alunos/as são
nativos digitais e essa linguagem faz parte do seu cotidiano. Nesse
construto, das cinco professoras entrevistadas, duas (Nefertari e
Yunet) ressaltaram que a utilização das TIC‟s em sua prática
pedagógica proporcionaria aulas mais atrativas e mais criativas e,
consequentemente, melhoraria os resultados do processo de ensino-
aprendizagem. A professora Kefera assegura que uma escola
conectada potencializaria os diversos meios de acessar o
conhecimento e, provavelmente, democratizaria cada vez mais o

127
acesso à informação por parte dos/as alunos/as, mas também
ajudaria o/a professor/a em sua prática.
Para Rojo (2013), uma escola conectada prepara o/a aluno/a
para atuar profissionalmente na Sociedade da Informação e, além
disso, propicia a construção de múltiplas identidades que se
entrelaçam ao universo digital. Seguindo nessa mesma linha, Cruz
(2008) ressalta a necessidade de construirmos escolas que
respondam aos anseios dessa nova sociedade, isto é, instituições que
ofereçam o que Lévy (1999) chama de cibercultura, na qual se
desenvolvem diferentes ciberespaços com vistas a melhorar o
processo de ensino-aprendizagem. Em suma, uma escola conectada
proporciona um novo universo no campo da aprendizagem,
entretanto, é fundamental lembrarmos, assim como disse a
professora Isis, que a realidade das escolas públicas brasileiras está
extremamente distante desse conceito de escola conectada
apregoado por Lévy (1999) e Rojo (2013). É perceptivo que houve
melhorias acerca do universo digital nas escolas públicas brasileiras,
mas falta muito para chegarmos ao patamar de instituições privadas
em nosso país, sobretudo, dos grandes sistemas privados de ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo educacional na contemporaneidade está passando


por profundas transformações, sobretudo, quando estamos nos
referindo às TIC‟s como recurso pedagógico, pois foi a partir da
inserção delas que estamos vivenciando mudanças que muitos/as
profissionais não estão acompanhando, ou seja, continuam com
práticas que não traduzem o sentimento dos/as discentes. Assim
sendo, as escolas são reconhecidas como espaços que não acarretam
significados e, por muitas vezes, é visto como perda de tempo ficar
em suas dependências assistindo a aulas que não dialogam com os
objetivos dos/as aprendentes.

128
Nesse contexto, a presente pesquisa evidenciou essa
realidade no Ensino Fundamental – Anos Iniciais, uma vez que
percebemos que, apesar de existirem recursos tecnológicos
extremamente avançados que poderiam ser utilizados pelos/as
professores/as no processo de ensino-aprendizagem, o que
encontramos, no corpus analisado, são profissionais que
desconhecem as competências e habilidades no que diz respeito ao
emprego das TIC‟s em sua prática pedagógica. Sendo assim, ficou
evidente a necessidade de investimento na estrutura física da
instituição onde ocorreu a pesquisa, todavia, o mais importante é o
investimento na formação continuada dos/as professores/as, haja
vista que tais docentes não tiveram, em sua graduação, formação
nesse sentido, ou seja, carecem desse conhecimento.
Outra situação que evidenciamos, e para nós é de muita
importância, foi a concepção que as professoras têm acerca de
ensinar e aprender, pois, sem uma orientação teórico-metodológica,
elas agem a partir do senso comum. Exercem sua profissão sem as
exigências necessárias com vistas a romper a hegemonia cartesiana
vigente. Nesse sentido, apreendemos que as professoras do corpus
de análise desconhecem total e/ou parcialmente as concepções de
ensino. Do mesmo modo, quando nos referimos a concepções
relacionadas ao universo das TIC‟s ficou perceptivo que a situação é
ainda mais grave, pois expuseram sensíveis fragilidades acerca
dessa temática.
Além do exposto, podemos fazer algumas ponderações que
demonstram a nossa preocupação com o processo de ensino-
aprendizagem, especialmente no Ensino Fundamental – Anos
Iniciais. Primeiro, certamente a realidade encontrada no corpus
analisado deve ser a mesma e/ou, talvez, mais grave em outras
escolas do referido município, pois a instituição estudada é
considerada a de referência. Com efeito, queremos ressaltar a
necessidade de novas pesquisas que reforçam um ensino para o
letramento e para práticas progressistas, uma vez que acreditamos

129
que a situação encontrada no referido estudo, seguramente, é a
mesma de várias outras instituições escolares de diversos
municípios paraibanos, quiçá, brasileiros.
Outro ponto necessário de ser discutido é a compreensão de
que a escola da contemporaneidade mudou e, consequentemente, o
processo de ensino-aprendizagem também está em transformação.
Entretanto, para que haja essas modificações no ensino, o/a
professor/a deve estar acompanhando in loco tais mudanças. Para
isso ocorrer, é fundamental que estes/estas profissionais participem
de eventos (congressos, seminários, simpósios, etc.) e formações que
modifiquem os discursos “antigos” arreigados da concepção
bancária, quer dizer, transformar as práticas lineares e cartesianas
em atividades complexas e libertadoras.
Enfim, sabemos que são muitos os desafios que estão
presentes na educação brasileira, especialmente em escolas públicas.
Entretanto, acreditamos que uma formação sólida que considere
uma concepção libertadora de ensino com vistas aos diferentes tipos
de letramentos, sobretudo o digital, pode minimizar os danos
causados pela hegemonia cartesiana que poda o pensamento
criativo do/a aluno/a.

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133
08. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO
BRASILEIRO E A RACIONALIDADE
PEDAGÓGICA: interseções possíveis

Talita Almeida Rodrigues


Maria Nerice dos Santos Pinheiro
Maria de Lourdes Tavares Magalhães

INTRODUÇÃO

É possível falar em uma racionalidade pedagógica? Ou esses


conceitos são múltiplos? Que racionalidades orientam o campo das
práticas pedagógicas no decorrer do processo histórico? Perguntas
dessa ordem orientam nossos estudos. Esse campo de investigação
relaciona-se diretamente a um recorte da história da educação
brasileira, quando nos referimos às tendências que compõem o
pensamento pedagógico brasileiro.
Neste estudo, objetivamos evidenciar o que é racionalidade
pedagógica, com suporte no pensamento pedagógico brasileiro,
aprensentando as interseções entre esses dois campos de
investigação. Para tanto, em um primeiro momento, estão dispostos
conceitos acerca de duas tendências pedagógicas que compõem a
história da educação brasileira, apresentando, também, o papel que
assume o docente em cada uma delas. Em seguida, expomos o que
caracteriza a racionalidade pedagógica e quais as interseções entre
esta e o pensamento pedagógico brasileiro. Quando falamos da
pedagogia tradicional referente ao trabalho realizado pelos jesuítas,
nos primórdios da história da educação no Brasil, ou quando
explicitamos os pressupostos teóricos da Pedagogia Histórico-
Crítica, desenvolvida por Saviani (2008) no final da década de 70,
são esses apontamentos iniciais, essa retomada histórica que “abre o

134
caminho” para compreendermos as interseções entre o pensamento
pedagógico brasileiro e o desenvolvimento da racionalidade
pedagógica.
Posteriormente, são dispostas as considerações finais. Estas
apontam para a necessidadede uma constante revisão nos cursos de
formação de professores. Tal revisão inclui não apenas o estudo
sobre o desenvolvimento histórico da educação em nosso país, mas,
sobretudo, o estudo acerca das bases teóricas que caracterizam as
práticas pedagógicas, isto é, das racionalidades subjacentes a essas
práticas. Compreendemos que essa revisão se faz importante porque
alimenta a relação teoria e prática, além de trazer um enfoque
extremamente crítico para essa formação. Nessa perspectiva crítica,
então, os docentes deverão compreender que a racionalidade que
“alimenta” a sua prática em sala de aula expressa a construção de
um determinado modelo de homem e de sociedade.
Defendemos, portanto, que o estudo sobre a racionalidade
pedagógica é um dos elementos que atribui sentido ao processo
formativo, possibilitando aos professores a tomada de consciência e
a ressignificação de suas práticas.

O PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO: UM RECORTE


ACERCA DA PERSPECTIVA TRADICIONAL E HISTÓRICO-
CRÍTICA

As teorias da Educação, evidenciadas por intermédio da


história da Educação brasileira, podem ser compreendidas tendo
como base os modos pedagógicos de se conceber e pensar a escola,
os sujeitos, o ensino, a aprendizagem, entre outros elementos que
compõem o panorama educacional. Saviani (2009) se dedica a falar
sobre este tema e, em sua classificação, faz um agrupamento,
definindo-as em teorias não-críticas, crítico-reprodutivistas e, por
fim, fala de uma teoria crítica para a Educação, defendendo-a como
necessária para o nosso tempo. Libâneo (1996), por sua vez,

135
categorizou as tendências em dois grupos: Liberais e Progressistas.
As liberais são a tradicional, a renovada progressista, a renovada
não-diretiva e a tecnicista. Já as tendências libertadora, libertária e
crítico-social dos conteúdos compõem o grupo progressista,
segundo sua formulação.
Neste estudo, explanaremos sobre uma tendência pedagógica
de cada grupo. Falaremos da tradicional (grupo liberal) e da
histórico-crítica (grupo progressista). Isso porque, no tópico
posterior, faremos uma relação entre estas e o conceito de
racionalidade pedagógica (instrumental e intersubjetiva).
Comecemos, então, pela tendência que integra o grupo das liberais.
Para a Pedagogia Tradicional Liberal, o ensino escolar
compromete-se com a transmissão dos conteúdos sem, no entanto,
se importar com os problemas sociais e com as experiências dos
alunos. Cabe a esses sujeitos se esforçarem para alcançar o que
quiserem. Tem por método de ensino a exposição dos conteúdos. O
professor se relaciona com o aluno de modo autoritário e, nesse
contexto, o aprendiz é apenas um receptor do conhecimento. A
avaliação ocorre, principalmente, com o uso de provas e testes. Foi a
concepção predominante do período jesuítico à Primeira República.
Este modo de conceber a Educação, o ensino, se mostra
perfeitamente calcado na transmissão e na homogeneidade.
Também o percebemos nitidamente nos métodos instituídos para o
repasse dos conteúdos. Tomemos como exemplo a fase de atuação
dos jesuítas, marcada pela consolidação do RatioStudiorum11,
cronologicamente tendo se dado no período de 1599 a 1759,
destacando como objetivo central “uniformizar a organização e o
funcionamento dos colégios” (Saviani, 2013, p. 50). A maneira de se
conceber o ensino e os processos que deveriam acontecer tinha por
“alicerce” o Modus Parisiensis, que substituiu o Modus Italicus. Este
último caracteriza-se por “(...), não seguir um programa estruturado

11Foi a base da formulação da pedagogia tradicional, constituindo o que pode ser chamado de
ideário pedagógico dessa tendência.

136
e nem vincular a assistência dos discípulos à determinada disciplina.
Esses podiam passar de uma a outra disciplina sem necessidade de
preencher qualquer tipo de pré-requisito” (Saviani, 2013, p. 50). Já o
Modus Parisiensis, considerado a gênese da escola moderna,
caracteriza-se por postular como aspectos básicos “(...) a distribuição
dos alunos em classes, realização, pelos alunos, de exercícios
escolares e mecanismos de incentivo ao trabalho escolar” (Saviani,
2013, p. 52).
Outro modo também bastante expressivo na história da
Pedagogia Tradicional diz respeito ao Método Mútuo ou
lancasteriano, bastante característico das “Escolas de Primeiras
Letras”. Esse método fazia uso de severas punições morais e físicas
com os alunos, caso não cumprissem as regras estabelecidas.
Destacamos, ainda, o fato de que não era a qualidade que o
“exaltava”, mas sim o aspecto quantitativo. Tal método possibilitava
que muitos alunos fossem alcançados ao mesmo tempo,
necessitando de baixo custo para sua aplicação. Acrescemos,
também, a noção de que esse método

[...] supunha regras predeterminadas, rigorosa disciplina e


a distribuição hierarquizada dos alunos sentados em
bancos dispostos no salão único e bem amplo. De uma das
extremidades do salão, o mestre, sentando numa cadeira
alta, supervisionava toda a escola, em especial os
monitores. Avaliando continuamente o aproveitamento e
o comportamento dos alunos, esse método erigia a
competição em princípio ativo do funcionamento da
escola (Saviani, 2013, p. 128).

Assim, os métodos apontados foram descritos para


demonstrar o que constitui a base do tradicionalismo na história da
educação brasileira, além de clarificar o fato de que, no período em
que vigorou fortemente a concepção tradicional, a educação foi
marcada pelo tratamento “igual para desiguais” (Saviani, 2013).
Hoje, esse tratamento “igual para desiguais” está relacionado às

137
tentativas, sem sucesso, de homogeneização da turma, o que
também apareceu nas demais “ramificações” da tendência liberal.
Não foi apenas no período jesuítico, entretanto, que essa
tendência se fez predominante. Na fase correspondente ao Brasil-
Império e à Primeira República, ocorreram várias reformas
educacionais e, mesmo que de modo mais suave, lá estava a raiz
tradicional: mostrava-se na instrução, no repasse de informações, no
ensino sem vínculo algum com questões e problemas sociais.
Em tal circunstância, qual seria, pois, a função do professor
para o tradicionalismo? Segundo Gauthier (2013), o professor, para
essa concepção pedagógica, era aquele que cumpria sua missão de
transmissor, impondo-se como “verdadeira imagem de autoridade”
(p. 388). Este autor também utiliza o vocábulo “obrigar”. Ele fala
que, outrora, ante o caráter hegemônico do tradicionalismo, o
professor podia “obrigar a criança” a aprender.
Cortesão (2011) diz que o bom professor, numa perspectiva
tradicional, monocultural, é aquele que é competente, “sabe”,
domina os conteúdos curricularmente postos para ele ensinar,
explica os conteúdos com clareza e utiliza uma linguagem erudita,
“jargões próprios da disciplina que leciona”. Ou seja, ele é um bom
“tradutor”. Cortesão (2011) acrescenta que o docente, nesta
perspectiva:

[...] acredita ser importante contribuir para o


funcionamento harmonioso do sistema, esperando que o
trabalho aí realizado se articule de forma positiva com
uma sociedade (de que não se questionam regras), terá
sido formado de acordo com processos cujas finalidades
se orientam no âmbito de um quadro teórico bem
definido. Ele caracteriza-se pela preocupação de uma
busca de neutralidade no ato educativo, pela ideia de que
se conseguirá proporcionar igualdade de oportunidades
aos alunos (que são vistos como iguais em diferentes
aspectos) proporcionando-lhes o acesso ao sistema
educativo e oferecendo um ensino idêntico a todos (p. 46).

138
Podemos, então, atestar que uma concepção tradicional de
educação, com suporte no que expusemos, não faz referência aos
problemas sociais, às desigualdades, injustiças. Tampouco, se fala
em problemas de aprendizagem, nas particularidades e contextos
sociais, econômicos e políticos dos alunos, entre outros elementos
que aparecerão numa perspectiva crítica e transformadora.
Migremos, agora, temporal e historicamente, para um lado
oposto ao da realidade acima descrita. Falaremos sobre a concepção
que compõe o grupo das tendências progressitas. Com a pedagogia
Histórico-Crítica12, temos um retorno à ênfase nos conteúdos
(alguns estudiosos ousam dizer que isso a aproxima bastante da
tendência tradicional, mas veremos que muitos outros aspectos, na
verdade, a distanciam), pois os teóricos que a conceberam acreditam
que, mediante a apropriação dos conhecimentos historicamente
produzidos em suas configurações mais elaboradas, os sujeitos
poderão colocar-se contra o modo de produção vigente, situando-se
no mundo, conscientemente. Entendem, também, que a Educação
escolar deve se preocupar com a socialização dos conhecimentos
científicos e o professor é o responsável pela transmissão dos
conteúdos.
Dermeval Saviani se dedica a discorrer sobre a Pedagogia
Histórico-Crítica, situando-a como uma teoria não reprodutivista,
contra-hegemônica (Gadotti, 1992). Ele parte da compreensão de
que professor e aluno estão inseridos na prática social, contudo,

12Dermeval Saviani, no livro História das Ideias Pedagógicas no Brasil, expõe de modo distinto a
Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos, da Pedagogia Histórico-Crítica. É bem certo que, para
muitos estudiosos, elas se assemelham e, por vezes, se fundem, pelo fato de compreenderem o
homem como ser histórico e crítico e pela importância que concedem aos conteúdos. No texto
em questão, damos preferência à compreensão de Saviani.
Consideramos importante, assim, destacar aqui o que o autor pontua ser a Pedagogia Crítico
Social dos Conteúdos, denominada por José Carlos Libâneo. Saviani (2013) diz que Libâneo,
apesar de recorrer a autores marxistas para desenvolver a Pedagogia Crítico Social dos
Conteúdos, não se aprofunda nessas questões que lhe servem de fundamentação teórica. E,
ainda, diferencia tal pedagogia ao colocar o seguinte: “Eis, pois, os pressupostos da
aprendizagem sobre os quais se assenta essa proposta pedagógica: a aprendizagem do
conhecimento supõe uma estrutura cognitiva já existente na qual se possa apoiar; caso esse
requisito não esteja dado, cabe ao professor provê-lo” (Saviani, 2013, p. 420).

139
ocupam posições distintas. E, segundo ele, essas posições distintas é
que possibilitam a compreensão e a proposição de soluções para os
problemas da prática social. O autor salienta ainda que “[...] a
concepção pressuposta nesta visão de pedagogia histórico-critica é o
materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir
do desenvolvimento material, da determinação das condições
materiais da existência humana” (Saviani, 2008, p. 88).
Tanto esse autor, como aqueles que dão seguimento aos seus
estudos, pensam que, por meio da Pedagogia Histórico-Crítica,
muito se pode contribuir para um modo de se pensar e executar a
educação que ponha fim às disparidades de classes. Saviani (2008)
faz questão de dizer a importância de se ter acesso aos conteúdos
clássicos, ou seja, a tudo o que é imprescindível para o
entendimento dos processos históricos nos quais estamos inseridos.
Ainda tratando sobre esta pedagogia, o autor considera que:

Essa formulação envolve a necessidade de se compreender


a educação no seu desenvolvimento histórico-objetivo e,
por consequência, a possibilidade de se articular uma
proposta pedagógica cujo ponto de referência, cujo
compromisso, seja a transformação da sociedade e não sua
manutenção, a sua perpetuação. Esse é o sentido básico da
pedagogia histórico-crítica. (p. 93).

E ainda:

Com efeito, a pedagogia crítica implica a clareza dos


determinantes sociais da educação, a compreensão do
grau em que as contradições da sociedade marcam a
educação e, consequentemente, como o educador deve
posicionar-se diante dessas contradições e desenredar a
educação das visões ambíguas, para perceber claramente
qual é a direção que cabe imprimir à questão educacional.
Aí está o sentido fundamental do que chamamos de
pedagogia histórico-crítica (p. 100).

140
Falar sobre a função do professor com arrimo nessas
formulações é, primeiramente, pensá-lo partícipe de uma formação
docente que fomenta a criticidade e a busca da emancipação, por
exemplo. Ainda notamos, contudo, que há certa necessidade de que
essa criticidade e busca por transformação e superação do modo
hegemônico vigente, em demasiado grau tradicional em muitos
aspectos, tenha aplicabilidade.
Então, pensar a figura docente para a Pedagogia Histórico-
Crítica é partir na intensiva defesa de que este profissional é um
intelectual (ideia fortemente gramsciana), crítico questionador, ser
pensante e realizador de um trabalho não alienado (Duarte, 2014).
Gadotti (1992), por sua vez, dá ênfase à noção de que:

[...] a tarefa do educador, nessa sociedade, é a de criar


condições objetivas que favoreçam o aparecimento de um
novo tipo de pessoa: solidária, organizada, capaz de
superar o individualismo, valor máximo da educação
capitalista. No contexto da dominação política e da
exploração econômica, o papel do educador
revolucionário é um papel contra-hegemônico (p. 44).

Desse modo, fica explícita a ideia de que o professor, numa


perspectiva crítica, como é o caso da PHC, compreende que a sua
função perpassa a “simples” transmissão de matérias, mesmo que
Saviani (2008) conceda lugar privilegiado a isso. Ele se percebe e se
expressa, também, como agente político, comprometido com as
transformações sociais necessárias para a superação das injustiças
sociais e para a instauração de outros “mundos” (Alves, 1980).
Assim, neste segmento, compreendemos dois lados bastante
opostos, que concebem a educação, os processos de ensino e de
aprendizagem de modos distintos e que pensam a sociedade de
maneira também diversa. Além disso, evidenciamos o papel docente
para cada uma dessas tendências, explicitando que, quando

141
mudamos a concepção, o trabalho do professor passa a ser balizado
por outras demandas e necessidades. Novas práticas pedagógicas
lhe são solicitadas e caracterizam seu trabalho. Por isso, falaremos
sobre o conceito e racionalidade pedagógica e como esse campo
pode estar relacionado a essas duas tendências que expusemos
acima.

RACIONALIDADE PEDAGÓGICA: CONCEITO E


INTERSEÇÕES COM O PENSAMENTO PEDAGÓGICO
BRASILEIRO

Como dito no tópico anterior, ao longo do processo histórico,


a educação assume diferentes abordagens, isto é, organiza o
processo de ensinar e aprender através de variadas formas de
sistematização dos conteúdos, de avaliação e de planejamento, com
vistas à efetivação do processo de transmissão-assimilação do saber
produzido pela humanidade. Portanto, cada forma de ensinar
caracteriza uma teoria e uma prática pedagógica, bem como uma
forma de conceber a sociedade, a educação e o indivíduo.
Martinazzo (2005, p. 31) também enfatiza essa questão
quando salienta que “as práticas educativas e os processos
pedagógicos, de maneira explícita ou não, sustentam e revelam
racionalidades – ou miniracionalidades – no campo filosófico e
pedagógico”. O conceito de racionalidade nem sempre é unívoco,
podendo ser aplicado em vários contextos. Porém, se partirmos de
um conceito mais geral, podemos definir a racionalidade como a
capacidade do homem de exercer sua razão, isto é, de compreender
o mundo, de decifrá-lo e também de transformá-lo. O homem, como
um ser racional, diferentemente dos outros animais que buscam
apenas adaptar-se à natureza, tem a necessidade de transformar a
natureza mediante suas necessidades, de criar, compreender,
interpretar os fenômenos, e interagir com os seus pares.

142
Para Martinazzo (2005), a racionalidade integra as formas de
pensamento dos homens, ou seja, os conceitos, as razões e os
princípios que sustentam os discursos, tornando estes coerentes e
válidos.Além disso, todas as manifestações criativas da cultura, bem
como as inovações e os avanços conquistados pela ciência e pela
tecnologia, são realizações que comprovam e eficácia da
racionalidade humana. A esse respeito, esse mesmo autor assim se
expressa: “Por racionalidade, portanto, podemos entender como o
homem percebe, interpreta, compreende e pronuncia o mundo da
vida nos mais diferentes momentos e aspectos. [...] por isso ela
configura um paradigma de leitura da realidade e de intervenção na
mesma” (Martinazzo, 2005, p. 113).
Therrien (2010a), ao definir racionalidade, acrescenta que ela
se refere ao modo como cada sujeito ou grupo de pessoas articula
seus saberes e conhecimentos em busca da compreensão dos
fenômenos do mundo e das leis que regem a vida social. É também
fazendo uso da racionalidade que o homem projeta uma nova ação,
justificando seu modo de ser e de agir, seus objetivos e os meios
necessários para alcançá-los.
Martinazzo (2005) chama a nossa atenção para o fato de que a
racionalidade que orienta a pedagogia na modernidade é uma
racionalidade cognitivo-instrumental que se expressa numa
subjetividade racional metafísica, estando a serviço do capitalismo e
do desenvolvimento cada vez mais acelerado das forças produtivas.
Para o autor, a racionalidade cognitivo-instrumental dá origem a
uma pedagogia sistêmica, cujo principal objetivo é promover o
desenvolvimento científico-tecnológico e garantir a mera
sobrevivência dos indivíduos em um mundo que deve ser regido
pela concorrência e pelas leis gerais do mercado. Nessa perspectiva,
as principais características desta pedagogia são:

A ênfase no eixo e no produto final como metas a serem


alcançadas, a preocupação em atender às competências
demandadas pelo mercado, enfim, a consecução de fins

143
teleológicos estabelecidos como guia para o processo
pedagógico e práticas educativas reforçam e valorizam as
posições de uma Pedagogia sistêmica, instrumental,
funcionalista, técnica, estratégica, em detrimento de outras
dimensões, como a hermenêutica-dialética e a dialógica-
comunicativa que se abastecem nas categorias da
compreensão e do entendimento, respectivamente.
(Martinazzo, 2005, p. 51-52).

Ainda conforme o autor, a pedagogia cognitivo-instrumental


está alicerçada na filosofia da subjetividade ou da consciência, ou
seja, numa razão egológica-monológica, centrada no sujeito. O
caráter técnico-cientificista desta pedagogia atribui à razão o papel
de iluminar a mente do homem, dotando-lhe do pensamento
consciente, estável, linear e previsível, “[...] que pelas vias dos
métodos hipotético-dedutivo e indutivo-experimentalista o homem
pode ter acesso à realidade e representar mentalmente suas leis e
funções” (Martinazzo, 2005, p.141).
Este modelo de racionalidade traz consigo uma concepção
meramente instrumental e utilitarista da razão, onde o homem é
concebido apenas como um ser cognitivo. Além disso, ela reproduz
o individualismo, pois não concebe o diálogo como uma forma de
produção de conhecimento. Nessa perspectiva, é somente a partir da
sua própria consciência que o homem assimila o objeto a ser
conhecido, pois “Conhecer é representar o real, donde a consciência
de si, como sujeito epistêmico, é condição sinequa non para a
apreensão e consciência do objeto (Martinazzo, 2005, p.141).
A racionalidade, portanto, é aqui entendida como uma
categoria inata, abstrata e transcendental, inerente a cada indivíduo
isolado. Nessa perspectiva, esta racionalidade mostra-se
intimamente relacionada ao pensamento pedagógico caracterizado
pelo tradicionalismo. Desse modo, entendemos que tal
racionalidade possui bases que dão sustentação epistemológica para
esta concepção.

144
Assim como na racionalidade instrumental a pedagogia
tradicional está calcada na figura egocêntrica de um único sujeito, o
professor, o processo de ensino está centrado apenas no repasse de
conteúdos previamente estabelecidos, não havendo, portanto,
espaço para o diálogo, análise crítica, construção de significados por
parte dos alunos e para o confronto entre os conteúdos estudados e
o contexto social mais amplo. O aluno é concebido como um ser
passivo frente à verdade absoluta advinda do professor, por isso, a
relação entre professor e aluno é hierárquica e carente de diálogo. O
modelo de razão aqui adotado é mecânico, enciclopédico e a-
histórico. A razão na pedagogia tradicional serve apenas como uma
forma de acúmulo de informações descontextualizadas.
Em contarpartida, conforme anuncia Therrien (2012), na
perspectiva de uma pedagogia crítica, a racionalidade que
fundamenta a pedagogia é guiada por uma razão comunicativa. Ou
seja, ela requer a intersubjetividade de um movimento coletivo entre
os sujeitos, movimento este que tem como principais características
a dialogicidade13, a argumentação e a busca pelo entendimento
coletivo e pela construção de sentidos e significados para o que se
aprende. Esta pode ser denominada de racionalidade pedagógica.
Ela integra, portanto, os conceitos, os discursos, as teorias e as
práticas subjacentes à ação de ensinar, bem como as razões que
justificam as decisões tomadas pelo docente, os motivos que o levam
a agir de determinada maneira. Therrien (2012) nos diz que a
competência para ensinar é instituída por esta racionalidade e que
ela é responsável por estruturar e organizar os modos de
intervenção docente em sala de aula. A racionalidade pedagógica
pode também ser definida como um conjunto de saberes que o
professor constrói no cotidiano do seu trabalho. Neste contexto,
compreende-se que:

13Com este aspecto, relacionamos este outro tipo de racionalidade perfeitamente relacionado
aos pressupostos teórico-metodológicos do que formulou Paulo Freire. Para aprofundar leituras
nesse sentido, sugerimos as contribuições de Freire nas seguintes obras: Pedagogia da
Autonomia (2016); Pedagogia do Oprimido (2016).

145
Abordar a prática docente pelo ângulo da racionalidade
pedagógica conduz a perceber que toda aprendizagem
resultante de encontros efetivos entre sujeitos abertos à
descoberta de novos horizontes de sentidos e significados
pela ação comunicativa se situa nos processos de
emancipação humana e profissional. Reconhecendo a
necessária postura do encontro dialógico entre sujeitos
aprendizes, conceitua-se a racionalidade pedagógica como
igualmente dialógica e fundante do campo pedagógico. As
relações intersubjetivas dispõem os sujeitos aprendizes ao
processo de emancipação humana e profissional. A
racionalidade fundante do campo pedagógico reconhece a
intersubjetividade como motriz da aprendizagem presente
no movimento de encontro coletivo de sujeitos em torno
de conteúdos de ensino (Therrien, 2012, p. 11-12).

De forma contrária ao que ocorre com a racionalidade


cognitivo-intrumental, que serve de fundamentopara a Pedagogia
sistêmica, a racionalidade pedagógica está fundamentada em uma
nova matriz paradigmática denominada de “Pedagogia do
Entendimento Intersubjetivo” (Martinazzo, 2005). Esta propõe a
construção de uma nova racionalidade para a pedagogia, uma
racionalidade que ultrapassa a razão instrumental e monológica
postulada pela modernidade e alcança a razão comunicativa,
dialógica, crítica, argumentativa e emancipadora do sujeito.
A Pedagogia do Entendimento Intersubjetivo encontra na
Teoria da Razão Comunicativa formulada por Habermas (1988, apud
Martinazzo, 2005) sua fonte de inspiração. Ao formular esta teoria,
Habermas constrói uma concepção crítica da razão que se sobrepõe
ao modelo de razão postulado pela modernidade. A Teoria da
Razão Comunicativa apóia-se, principalmente, no referencial teórico
do materialismo histórico dialético e propõe uma racionalidade
comunicativa, plural e intersubjetiva.
Enquanto a racionalidade cognitivo-instrumental propõe um
modelo de subjetividade pautado no diálogo do sujeito com ele

146
mesmo, a racionalidade comunicativa propõe a intersubjetividade,
isto é, o diálogo permanente entre os indivíduos, de modo que eles
possam compartilhar e construir significados entre si. Nesse sentido,
a intersubjetividade “[...] inclui o conceito de ação comunicativa, um
sentido mais amplo de razão, que não se restrinja tão-somente a
uma relação estratégica entre sujeito-objeto, mas uma relação de
entendimento entre sujeito” (Martinazzo, 2005, p. 179).
Nessa acepção, a razão “[...] assume uma função de práxis
comunicativa e de mediação-promoção da intersubjetividade”
(Martinazzo, 2005, p. 85). Traduzindo-se na própria competência
comunicativa, a razão está fortemente presente no diálogo entre os
indivíduos e na capacidade de argumentação e de troca de saberes.
Por isso, ela é aberta, inacabada, inconclusa e, por ser também
histórica, não pode ser compreendida somente como um atributo
inato dos indivíduos.
Na razão comunicativa, os significados emergem por meio do
diálogo entre os indivíduos, sendo que esses significados são
partilhados e reelaborados, isto é, ao mesmo tempo em que os
indivíduos trocam saberes e experiências, eles também atribuem e
constroem coletivamente novos sentidos para as coisas. Isso
significa que a razão não serve apenas para que o homem contemple
individualmente os fenômenos do mundo e da vida, buscando
prevê-los e descrevê-los cientificamente, mas também para que ele
possa construir, juntamente com os outros homens, novas formas de
compreensão e de intervenção na realidade. Nessa perspectiva,
Habermas (1988, p. 499 apud Martinazzo, 2005, p. 212) nos diz que:

O foco da investigação se afasta da racionalidade cognitivo-


intrumental para a racionalidade comunicativa. Para esta o
paradigmático não é a relação de um sujeito solitário com
algo do mundo objetivo, que pode ser representado e
manipulado, mas a relação intersubjetiva que estabelecem
os sujeitos capazes de linguagem e de ação quando se
entendem entre si sobre algo. Nesse processo de
entendimento os sujeitos, ao atuarem comunicativamente,

147
o fazem pela mediação da linguagem natural, servem-se
de interpretações transmitidas culturalmente e referem-se
simultaneamente a algo no mundo objetivo, no mundo
social que compartilham e, cada um, a algo em seu
próprio mundo subjetivo.

Compreende-se, portanto, a ação pedagógica intersubjetiva


como uma prática de mediação de saberes e de construção coletiva
de significados. Nesse contexto, entendemos que a razão do
professor não é uma razão subjetiva, pautada no diálogo consigo
mesmo, mas é, para além disso, uma razão dialógica, pautada no
diálogo com ou outros e para os outros.
Desse modo, entende-se que o papel do professor é o de
difusor do conhecimento historicamente acumulado, o que ele sabe
não é para ser guardado e silenciado, mas para ser difundido,
propagado.Portanto, a competência de difundir esse conhecimento,
se situa além do domínio dos conteúdos de uma determinada área,
uma vez que a mediação pedagógica exige que o docente
transponha estes conteúdos para uma situação de ensino e de
aprendizagem, tornando-os acessíveis aos aprendizes. Como bem
pontua Therrien (2010a, p. 05):

A relação intersubjetiva entre docente e aluno se manifesta


através da linguagem como ação comunicativa e dialógica
tendo por objeto aprendizagens significativas produtoras
de sentidos e significados, ou seja, de novos contornos de
saberes para o aprendiz; revela-se o docente como sujeito
hermenêutico e epistêmico, dimensões inerentes à
reflexividade do sujeito em ação.

O papel de difusor de conhecimento traz também consigo


a dimensão ético-política da ação do professor. É por isso
que Therrien (2010a) chama a nossa atenção quando diz
que a intersubjetividade do diálogo gerador da
aprendizagem impacta e transforma não somente a
identidade de quem ensina, mas também de quem

148
aprende. Assim, “Essa dimensão de ação do sujeito
mediador revela ao mesmo tempo sua responsabilidade
social e a importância humana do seu trabalho” (Therrien,
2010a, p. 09).

Para a racionalidade pedagógica, a aprendizagem é


resultante de uma ação comunicativa engajada. O encontro
intersubjetivo entre professores e alunos é profícuo porque, ao se
reconhecer as diferentes formas de saberes, isto é, as racionalidades
que permeiam o âmbito da família, da escola e da sociedade
contemporânea, o professor contribui para a emancipação crítica dos
sujeitos. Nessa mesma direção, consideramos ainda esclarecedoras
as palavras de Therrien (2010b, p. 08-09) quando este afirma que:

A ação comunicativa, indiscutivelmente presente nos


processos educacionais, constitui fator de referência na
gestão dos espaços de aprendizagem como ambientes para
diálogo e encontro de sujeitos reunidos pela busca de
entendimentos em torno de conteúdos de estudo. O
diálogo enseja o movimento de construção de consensos
geradores de sentidos e significados, ou seja, de novas
configurações de saberes e conhecimentos. A
intersubjetividade dialógica é o espaço de acesso aos
saberes no ensino, de descoberta das concepções/saberes
do “outro” e, portanto, da aprendizagem, tanto de
“conteúdos/matérias” de ensino como de saberes do
convívio cotidiano. É nesse contexto de escolarização que
procedem tanto à aprendizagem contínua para o professor
como a cognição situada para o aluno.

Nesse contexto, compreende-se que a intersubjetividade


dialógica é um dos principais aspectos a ser considerado pela ação
pedagógica. É no diálogo construtor de conhecimentos e de
reconhecimento dos saberes dos educandos que o ensino torna-se
um caminho para a formação crítica e emancipatória dos indivíduos.
Logo, o princípio da criticidade só pode ser vivenciado na
intersubjetividade, isto é, no confronto entre os diferentes
repertórios de saberes dos indivíduos. A razão monológica, centrada

149
no diálogo do indivíduo com ele mesmo, nega a crítica
transformadora, o confronto entre as diversas concepções de mundo
e os diversos saberes e nulifica a principal função do ensino, que é
contribuir para a socialização do saber elaborado, bem como para a
formação de seres críticos e conscientes de suas tarefas históricas.
Por ser uma racionalidade que orienta o processo de ensino,
ela só pode se desenvolver na perspectiva do diálogo e da interação
entre professores e alunos, já que esta interação é, por excelência,
um espaço de construção dos saberes pedagógicos. É a partir da
experiência vivenciada pelo professor em cada situação de ensino
que os saberes pedagógicos se desenvolvem. Cada situação de
ensino, portanto, contribui para que estes saberes sejam
ressignificados e reelaborados pelos docentes, por isso se diz que a
racionalidade que fundamenta estes saberes é também aberta,
plural, intersubjetiva e dialógica.
Portanto, a racionalidade que dá suporte às situações de
ensino e de aprendizagem não se esgota no domínio e na
transmissão dos conhecimentos que são elaborados pela ciência,
mas vai muito além disso, pois, viabiliza formas para que esses
conhecimentos possam ser internalizados, compreendidos e
reconstruídos pelos estudantes, como aponta Therrien (2010b, p. 10):
“Reconhecemos esta como racionalidade pedagógica, considerando
que permite transformar os conteúdos de ensino, tornando-os
acessíveis aos aprendizes produzindo sentidos e significados”.
Therrien ainda nos diz que a transformação pedagógica dos
conteúdos das matérias de ensino só poderá ocorrer mediante uma
racionalidade aberta que estabelece o diálogo intersubjetivo como
um princípio fundante da aprendizagem.
Aqui, por sua vez, podemos fazer interseções diretas com as
tendências que compõem o pensamento pedagógico brasileiro no
grupo progressista e, mais diretamente, as proposições
desenvolvidas pela Pedagogia Histórico-crítica. Na perspectiva
dessa pedagogia, a escola é uma instituição resultante da

150
complexidade das relações históricas dos homens, tendo como
principal função transmitir às novas gerações os bens culturais
produzidos pelos homens no decorrer do processo histórico. A ela
compete a elaboração de processos pedagógicos que viabilizem a
apropriação, pelo aluno, das objetivações “para-si” (Heller, 1987apud
Azzi, 2009), isto é, as objetivações referentes ao conhecimento
científico, metódico, elaborado pela humanidade no percurso do
desenvolvimento histórico.
Assim, a função da escola é possibilitar que as classes
populares tenham acesso ao saber elaborado, ao saber científico, aos
bens culturais produzidos historicamente pela humanidade no
decorrer do processo histórico. Assim, “É a exigência de apropriação
do conhecimento sistematizado por parte das novas gerações que
torna necessária a existência da escola” (Saviani, 2008, p. 14). A
escola é, por excelência, o espaço de difusão desse saber, já que ela
desempenha um papel importantíssimo no processo de
democratização do saber científico, pois, na sociedade capitalista,
este saber é manipulado segundo os interesses da classe dominante.
Portanto, o professor desempenha um papel de extrema
importância no sentido de possibilitar, via atividade escolar, que os
alunos se apropriem do saber elaborado. A partir dessa premissa
básica, entende-se que “O trabalho educativo é o ato de produzir,
direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens” (Saviani, 2012, p. 13). A formação do
professor deve possibilitar que este domine tanto os conteúdos da
sua área de atuação como as formas de transmissão dos mesmos,
pois o professor é um mediador que, por meio de um processo de
problematização, contribuirá para que o aluno supere a visão
imediata e superficial da realidade e atinja uma visão consciente e
científica do mundo que o cerca, isto é, (...) “pela mediação da
análise levada a cabo no processo de ensino, a passagem da síntese à
síntese” (Saviani, 2009, p. 65).

151
Aqui, a racionalidade é aberta, flexível, intersubjetiva e
histórica. O acesso ao saber elaborado se dá a partir do confronto
entre o que o aluno já sabe e o que ele precisa saber. A etapa da
problematização, que é uma das etapas do método da pedagogia
histórico-crítica, se dá justamente por meio da explicitação dos
principais problemas da prática social. Aqui, vários
questionamentos devem ser levantados por professores e alunos. É o
momento de compreender a origem do conteúdo estudado e a
importância do mesmo para o desenvolvimento da humanidade,
isto é, de compreendê-lo dentro do contexto social mais amplo. Os
alunos devem ser estimulados a refletir sobre esses problemas, a
laçar dúvidas, a interagir com os outros e a buscar respostas.
O papel do professor, nesse momento, não é apenas o de um
facilitador ou transmissor fiel dos conteúdos de ensino, mas o de um
mediador sempre presente, aquele que indaga, que lança situações
problemáticas, que estimula a dúvida, a discussão e que oferece
elementos para que os alunos questionem suas próprias concepções.
Gasparin (2005, p. 26) diz que a problematização representa o
momento do processo em que a prática social é posta em questão, o
momento onde ela é “[...] analisada, interrogada, levando em
consideração o conteúdo a ser trabalhado e as exigências sociais de
aplicação desse conhecimento (Gasparin, 2005, p. 36).
É, portanto, no contexto dessa racionalidade aberta, dialógica
e intersubjetiva que a pedagogia crítica busca trilhar novos
caminhos. Caminhos estes que redimensionarão o processo de
ensinar e aprender, bem como a própria formação dos professores.
Assim, temos por certo que os diálogos entre racionalidade
pedagógica intersubjetiva, que é dialógica, e a tendência Histórico-
Crítica são imprescindíveis para a reformulação de práticas
pedagógicas e a ressignificação constante de saberes. Entendendo os
sujeitos que participam dos processos educativos institucionalizados
como seres históricos e que transitam por diversos espaços, não
sendo apenas receptores, mas sujeitos capazes de construir e

152
desconstruir, de realizar percursos de ida e volta nos processos
formativos e de aprendizagem.

TESSITURAS FINAIS

Os estudos e relações que podem ser estabelecidos entre


pensamento pedagógico brasileiro e racionalidade pedagógica são
amplos. Aqui, apresentamos uma de suas possibilidades e um
recorte ao mencionarmos duas tendências pedagógicas que
compõem a história da educação brasileira. Temos, por certo, que
muitas são as concepções que fundamentam as práticas pedagógicas
dos docentes que, cotidianamente, constroem a docência.
A partir dos estudos que realizamos, compreendemos que as
interseções entre o pensamento pedagógico brasileiro e a
racionalidade pedagógica nos possibilitam vislumbrar uma
docência que ressignifica suas práticas, ao refletir sobre os
pressupostos que dão base às suas ações, bem como ao entender que
tais pressupostos dizem respeito a uma concepção de mundo,
sociedade, educação, escola, ensino, aprendizagem.
Pensamos, para tanto, ser essencial que os cursos de
formação de professores tenham, como elemento constituinte da
formação docente, teorias e práticas visíveis através dos
pressupostos que compõem o pensamento pedagógico brasileiro,
promovendo momentos de compreensão e reflexão sobre a escola e
a docência, desmistificando as imagens, crenças e saberes que os
docentes em formação trazem dos longos anos de escolarização.
Reconstruir essa visão de docência e escola, aluno, ensino e
aprendizagem, constestando ou reafirmando é imprescindível para
reformularmos ou fortalecermos nossas práticas pedagógicas.
Nesse sentido, concebemos a necessidade de uma constante
revisão nos cursos de formação de professores, revisão esta que
concede significado para os estudos acerca das bases teóricas que

153
caracterizam as práticas pedagógicas, isto é, das racionalidades
subjacentes a estas práticas. É, portanto, importante enfatizarmos
que esses estudos não devem caracterizar apenas as disciplinas
teóricas (iniciais) que compõem a matriz curricular dos cursos de
licenciatura. Para a efetivação de um processo que promova
transformações, a teoria deve ser elemento constituinte da prática,
com diálogos visíveis e diversos.
Assim, compreendemos que esta revisão se faz importante
porque alimenta a relação teoria e prática, conferindo criticidade à
formação docente e vislumbrando a práxis. Caminho este que nos
parece favorecer o percurso que promove a elevação do pensamento
e compreensão docente, ao partir do senso comum para a
consciência filosófica (Saviani, 1980).
Ademais, como nos explica Freire, a reflexão sobre a prática é
um dos momentos mais importantes da formação do educador, pois
“É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem, que se
pode melhorar a próxima prática” (1996, p. 39).
Pensar a formação docente sob o prisma da pedagogia crítica
é pensar também sobre a formulação de uma nova racionalidade
que dê suporte a esta formação, como sinaliza Therrien (2012, p.
12),“Trata-se de uma racionalidade que reconhece que o espaço da
vida do mundo ultrapassa a subjetividade de uma consciência
fechada sobre si mesma, bem como a objetividade de uma razão
externa ao sujeito”.
E quais são os princípios fundamentais que orientam a
formação docente tomando como referencial a racionalidade crítica?
Therrien (2006) também responde a nossa indagação, indicando que
estes princípios seriam: o conhecimento e compreensão do seu
universo social; o domínio de saberes múltiplos e heterogêneos; a
dialética teoria/prática; o exercício da reflexão; a prática da
pesquisa; a intersubjetividade; o trabalho cooperativo; a
competência regulada pela autonomia profissional; a ética de uma

154
profissão que se caracteriza pelo domínio de saberes próprios e que
tem na sua identidade as marcas desses saberes.
Voltamos a enfatizar que a docência, como uma atividade
complexa e como uma prática social, não pode ser orientada por
uma razão meramente instrumental e normativa que desconhece o
conteúdo epistemológico, político e ético da ação de ensinar. A
docência é incompatível com uma razão centrada em si mesma, pois
ela só se realiza no diálogo, na escuta ativa dos saberes que os
alunos trazem para a sala de aula, no confronto entre as diversas
visões de mundo, na reconstrução do conhecimento pelos
estudantes que, ao terem acesso aos conteúdos de ensino, os
reelaboram, os reinventam e os transformam de uma maneira
singular.
Ensinar os conteúdos de ensino é mais que transmiti-los
mecanicamente, pois pressupõe reconstruir a ciência, reelaborando-
a com as características das gerações atuais. Portanto, somente um
professor bem preparado, cientificamente e pedagogicamente, pode,
junto aos seus alunos, dar conta dessa tarefa. Certamente, esse
professor terá como principal desafio buscar uma teoria pedagógica
que supere o tradicionalismo já tão arraigado na educação do nosso
país e somente um processo formativo crítico pode oferecer ao
futuro docente os intrumentos conceituais e práticos necessários à
construção de uma nova teoria pedagógica.

REFERÊNCIAS

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Ensinar. 1980.

AZZI, Sandra. Trabalho Docente: autonomia didática e construção do saber


pedagógico. In: PIMENTA, Selma Garrido. (Org.). Saberes Pedagógicos e Atividade
Docente. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2009.

155
CORTESÃO, Luiza. Ser professor: um ofício em risco de extinção? reflexões sobre
práticas educativas face à diversidade, no limiar do século XXI. 3. ed. São Paulo:
Cortez, 2011.

DUARTE, Newton. A pedagogia histórico-crítica no âmbito da história da


educação brasileira. In: PINHEIRO, Antônio Carlos Ferreira; CURY, Cláudia
Engler; ANANIAS, Mauricéia (Org.). História da educação brasileira: experiências
e peculiaridades. João Pessoa: UFPB, 2014, p. 29-50.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.


São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).

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GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 3 ed.


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LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia critico-


social dos conteúdos. 14.ed. São Paulo: Loyola, 1996.

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Unijuí, 2005. (Coleção fronteiras da educação).

SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4. ed. Campinas,


SP: Autores Associados, 2013.

______. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 10. ed. Campinas,


SP: Autores Associados, 2008.

______. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses


sobre educação e política. 41 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.
(Coleção polêmicas do nosso tempo).

______. A Pedagogia no Brasil: história e teoria. 2 ed. Campinas, SP: Autores


Associados, 2012. (Coleção memória da educação).

______. Educação: do senso comum à consciência filosófica. X ed. São Paulo:


Cortez, 1980.

156
THERRIEN, Jacques. Da epistemologia da Prática à Gestão dos Saberes no
Trabalho Docente: convergências e tensões nas pesquisas. In: DALBEN, A.;
DINIZ, J.; SANTOS, L. (Org). Convergências e tensões no campo da formação e do
trabalho docente. XV ENDIPE. Belo Horizonte: Autêntica, 2010a

______. Intersubjetividade e Aprendizagem: a apreensão de saberes, sentidos e


significados subjacente à racionalidade pedagógica. Estudo parcialmente
apresentado no painel: Labirintos da mediação didática: saberes e
profissionalidade docente. XV ENDIPE, Belo Horizonte, 2010b.

______. Docência Profissional: a prática de uma racionalidade pedagógica em


tempos de emancipação de sujeitos. In: Cristina d'Ávila; Ilma Passos Alencastro
Veiga. (Org.). Didática e docência na educação superior - implicações para a
formação de professores. 1 ed. Campinas: Papirus, 2012.

______. Os Saberes da Racionalidade Pedagógica na Sociedade Contemporânea.


Revista Educativa. V.9. no.1, 2006. Goiânia: UCG.

157
09. O POTENCIAL TRANSFORMADOR DA
INVESTIGAÇÃO DOS PROFESSORES14

Flávia Vieira

Muito se tem escrito sobre o professor como investigador e a


necessidade de articular o ensino e a investigação como caminho de
emancipação profissional e mudança da escola. Por outro lado, cada
vez mais professores frequentam cursos de pós-graduação nas
instituições de ensino superior, onde desenvolvem trabalhos de
mestrado e doutoramento com temas e metodologias diversos.
Contudo, o que se pretende com essa investigação e em que medida
poderemos dizer que tem um potencial transformador?
Esta é a questão que dá origem ao texto e sobre a qual pouco
se fala no seio da academia, parecendo existir um entendimento
tácito de que os formadores e orientadores, sendo também
investigadores, certamente saberão apoiar os estudantes-professores
a investigar da melhor forma. Contudo, os cânones da investigação
académica não são necessariamente os mais adequados aos
professores, e nem sempre a investigação realizada se centra nas
práticas escolares, o que reduz o seu potencial transformador. No
presente texto, argumenta-se que esse potencial depende da
aproximação da investigação à experiência educativa, mas também
da sua inscrição em valores democráticos. A primeira condição será
mais consensual do que a segunda, mas a defesa de valores
democráticos é o meu posicionamento ideológico de partida, com
implicações na pedagogia da investigação. Como sublinham
Zeichner e Conklin (2008), a natureza da formação de professores é,

14 Este trabalho é financiado pelo CIEd - Centro de Investigação em Educação, projetos


UID/CED/1661/2013 e UID/CED/1661/2016, Instituto de Educação, Universidade do Minho,
através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT.

158
antes de tudo, uma questão ética, assente em valores que sustentam
as decisões curriculares e as práticas formativas.
Uma investigação potencialmente transformadora situa-se na
tensão epistemológica formulada por Develay (2001) do seguinte
modo: “Como escapar simultaneamente a uma investigação que se
fecha sobre o que é verdade (uma investigação não é somente válida
porque é verdadeira) e uma investigação que se fecha sobre o bem
(uma investigação não é apenas válida por ser emancipadora)?” (p.
67). Na perspectiva do autor, é necessário conciliar a preocupação de
“construir modelos inteligíveis do real” com a preocupação de
“sugerir modelos proposicionais emancipadores” (p. 67). Isto
implica a descoberta de caminhos para os quais não existe um
roteiro pré-definido, o que lança os professores investigadores na
exploração de práticas re(ide)alistas, situadas no espaço da
possibilidade: o espaço entre o que a realidade é e o que deveria ser
(Vieira, 2006, 2007; Jiménez Raya & Vieira, 2018). Enraizada no
presente e buscando um projeto de futuro, a investigação pode,
assim, constituir um legado inestimável acerca de como construir
uma educação mais democrática.
Na primeira secção do texto discuto o papel e a natureza da
investigação na formação pós-graduada de professores, avançando
alguns pressupostos em que assenta uma proposta de critérios de
análise do potencial transformador da investigação, apresentados na
segunda secção. Esses critérios reportam-se ao propósito e à
natureza dos processos pedagógicos e investigativos, à voz do
professor investigador e dos participantes nesses processos, e ao seu
significado e impacto. Ilustro-os com quatro estudos de mestrado
que orientei no contexto português, publicados numa coletânea cuja
finalidade principal foi disseminar trabalhos nos quais os
professores investigam a construção de uma educação mais
democrática nas escolas (Vieira, 2014a).
Embora a proposta apresentada seja exploratória, espera-se
que alimente o diálogo em torno do papel e da natureza da

159
investigação dos professores, e do modo como ela é integrada nos
cursos de pós-graduação.

A INVESTIGAÇÃO NA FORMAÇÃO PÓS-GRADUADA DE


PROFESSORES

Se entendermos a experiência educativa como praxis


problematizadora e transformadora, assente no propósito de
denunciar e superar as condições que a oprimem através da inserção
crítica dos sujeitos (Freire, 2003), ou seja, como uma prática
historicamente constituída e socialmente situada que procura dar
expressão a um compromisso com propósitos educativos válidos
(Carr, 2007), então teremos de contrariar a prevalência de uma
epistemologia positivista na formação de professores e desenvolver
uma epistemologia praxeológica (Schön, 1987), promovendo a
reflexividade e a agência profissional na construção de práticas
assentes em valores humanistas e democráticos. Em que medida
pode a investigação apoiar este propósito?
Num texto onde proponho uma pedagogia da investigação
ao serviço de uma educação transformadora (Vieira, 2010), sinalizo
problemas que parecem afetar a formação em investigação e a
supervisão de trabalhos nos cursos de pós-graduação dirigidos a
professores. Um dos problemas é um entendimento generalizado da
metodologia de investigação em educação como um menu de
princípios e técnicas neutros e objetivos, de aplicação
potencialmente universal. Este entendimento tende a obscurecer a
dimensão ética e política da investigação, ignorando que ela implica
uma visão de educação e um processo de autoquestionamento e
posicionamento do professor face à realidade educativa, podendo
estar ao serviço de propósitos reprodutores ou transformadores. Um
outro problema, que decorre parcialmente do anterior, é que a
pedagogia da investigação nem sempre é pensada para os professores,

160
tendo em consideração os seus contextos, modos de trabalho e
preocupações profissionais. A investigação é frequentemente
percebida por eles como uma prática que lhes é alheia e que exige a
sujeição a cânones académicos que não conhecem e dos quais se
sentem excluídos. Para contrariar esta situação, será necessário
construir abordagens investigativas percebidas como significativas,
exequíveis e emancipatórias, assim como atender ao modo como são
vivenciados os processos de transição de professor a investigador.
Problemas como os que foram apontados obrigam-nos a
equacionar uma pergunta essencial à construção de programas e
práticas de investigação nos cursos de pós-graduação: que
conceções de educação, de investigação e de professor como
investigador os orientam? A resposta decorrrerá, em grande
medida, do nosso posicionamento acerca da relação entre
investigação e educação. Deverá a investigação dos professores estar
ao serviço da educação, representando um meio de compreensão e
transformação da realidade, e uma experiência de emancipação
profissional? Ou, pelo contrário, deverá a educação estar ao serviço
da investigação, constituindo esta um mecanismo de sujeição dos
professores aos interesses da academia e servindo, prioritariamente,
para reproduzir e fortalecer os seus cânones?
A este propósito, Schostak e Schostak (2008) questionam a
relevância social da investigação e propõem uma “investigação
radical” em alternativa a uma “ciência normal”, que assente na
interrogação do que “vai mal na educação” e na qual se des/re-
constroi a realidade mediante processos de participação e
negociação entre os participantes: “The overall motivation of radical
research is to drive democracy further down to individuals
engaging with each other, drawing upon their power to create
community as a facilitator of each other‟s talents and thus to enrich
each other as individuals” (p. 13). Trata-se de uma investigação
onde a procura dos sentidos da educação integra a denúncia dos
seus sem-sentidos, ou seja, daquilo que a torna irracional, absurda ou

161
insatisfatória (Contreras & Pérez de Lara, 2010, p. 38), uma
investigação “que se pregunta y repregunta, que se plantea como
una búsqueda, como un re-buscar („re-search‟), no como un
problema por solucionar, sino como un misterio por profundizar”
(p. 17).
Esta perspetiva transporta-nos para lá da investigação a que
nos habituámos na academia e da qual nos tornámos prisioneiros –
uma investigação muito atarefada com teorias e métodos, muito
arrumada e estruturada, arquitetada para uma elite –, obrigando-
nos a submergir nas águas turvas do que significa educar e
investigar a educação, e a desenvolver uma outra investigação, que
nos ajude a construir também uma outra educação (Vieira, 2011, p.
433). Teremos, então, de abandonar a busca de certezas e a
pretensão de construir uma espécie de “esperanto da investigação”
que seja entendido por todos e não deixe margem para dúvidas
sobre o que tem valor ou não na investigação (Kincheloe, 2003, p.
145). Importará desenvolver, tanto nos processos pedagógicos
quanto nos processos de investigação, uma “epistemologia para a
incerteza” que potencie capacidades de reconceptualização
revolucionária, interrogação crítica da autoridade do conhecimento,
tolerância da incerteza e ação crítica (Barnett, 2000, p. 420).
A investigação realizada pelos professores pode, assim, ser
concebida como uma experiência de aprendizagem emancipatória,
libertando-os de uma tradição racionalista técnica assente na
separação entre os que pensam o ensino e os que o praticam, e
promovendo a sua agência no questionamento de práticas
dominantes e na construção de currículos mais transformadores:
“curricula for challenge, for change, for the development of people
and not the engineering of employees” (Schostak, 2000, p. 50). Só
assim a investigação será verdadeiramente pedagógica, ou seja, uma
investigação que nos ensine alguma coisa de valioso sobre a
possibilidade de construir uma educação mais democrática nas
escolas (Vieira, 2014b, p. 225).

162
OS PROCESSOS DE INVESTIGAÇÃO DOS PROFESSORES:
CAMINHOS DE TRANSFORMAÇÃO

A partir dos pressupostos acima explicitados, proponho no


Quadro 1 alguns critérios de qualidade da investigação que elevam
o seu potencial transformador, relativos ao propósito e à natureza
dos processos pedagógicos e investigativos, à voz do professor
investigador e dos participantes nesses processos, e ao seu
significado e impacto (adapt. de Vieira, 2004b, p. 228)15.
Relativamente ao impacto, consideram-se apenas aspetos intrínsecos
à investigação, embora a disseminação seja essencial à coletivização
do conhecimento produzido.

Quadro 1: potencial transformador da investigação dos professores -


dimensões e critérios.

Dimensões Critérios de Qualidade


Propósito e natureza dos processos Interrogação da pedagogia para a sua
pedagógicos e investigativos democratização
Em que medida e de que forma se problematiza (focalização no que a educação pode/ deve ser)
pedagogia e a investigação no sentido de equacionar Problematização das culturas pedagógicas
e construir uma educação de orientação (fatores favoráveis/ constrangimentos/
democrática? dilemas)
Problematização dos processos investigativos
(fatores favoráveis/ constrangimentos/
dilemas)
Voz do professor investigador nos processos Aproximação da investigação à experiência
pedagógicos e investigativos educativa
Em que medida e de que forma a investigação se Implicação do professor investigador na
aproxima da experiência educativa e implica o tomada de decisões e na construção de
professor investigador e os participantes na conhecimento
construção de conhecimento relevante a uma Implicação dos participantes na tomada de
educação de orientação democrática? decisões e na construção de conhecimento
Visibilização dos participantes na análise e
apresentação da informação
Significado e impacto dos processos Transformação do “eu” do professor
pedagógicos e investigativos investigador
Em que medida e de que forma se produzem novas (conceções, atitudes, valores, práticas...)

15
Ver também Silva e Vieira (2011), Vieira, Moreira e Peralta (2014), Vieira e Silva (2011),
Vieira, Silva e Almeida (2012).

163
compreensões e práticas, se desocultam condições Transformação do “eu” dos participantes
que favorecem ou dificultam uma educação (conceções, atitudes, valores, práticas...)
democrática e se relata a investigação através de Transformação dos contextos
linguagens próximas da experiência educativa? (para além do contexto de investigação)
Visibilização de fatores de facilitação e
constrangimento de uma educação
democrática
Construção de linguagens da experiência no
relato de investigação

Por referência às dimensões propostas, ilustro de seguida o


potencial transformador de quatro estudos de caso que orientei e
que foram divulgados em Vieira (2014a): Menezes (2014), Neves
(2014), Silva (2014) e Teixeira (2014). Os textos em análise resumem
as dissertações de mestrado referidas no Quadro 2, desenvolvidas
no Mestrado em Ciências da Educação – Área de Especialização em
Supervisão Pedagógica na Educação em Línguas Estrangeiras, na
Universidade do Minho (Portugal)16. Os Estudos 1, 2 e 3, dois de
natureza interventiva e um de natureza descritiva, incidiram em
práticas de sala de aula orientadas para a promoção da autonomia
na aprendizagem de uma língua estrangeira (Inglês). O Estudo 4, de
natureza descritiva, incidiu nos processos de construção dos
projetos de dissertação de sete mestrandos numa das edições do
mestrado, colegas de curso da professora investigadora, que
analisou a transição do professor para o papel de investigador, por
ela caracterizada como uma “metamorfose”. Os estudos situam-se
num paradigma naturalista ou interpretatovo, com recurso a
métodos essencialmente qualitativos: inquérito por questionário e
entrevista, análise de conteúdo de registos diversos, observação de
aulas e análise da interação pedagógica.

16 Este mestrado de natureza académica, entretanto reformulado para incluir também


professores de língua materna, dirige-se a professores de línguas em serviço e integra dois anos
de formação: um ano curricular e um ano de desenvolvimento da dissertação. O projeto de
dissertação é desenhado numa disciplina do segundo semestre, havendo uma disciplina de
introdução à investigação educacional no primeiro semestre. Nas edições em que os quatro
estudos foram desenvolvidos, lecionei ambas as disciplinas.

164
Quadro 2: os estudos.

Autoras/Dissertações/Ano de Breve descrição


defesa
E1 Carla Menezes: A autodirecção na Estudo de caso interventivo, na modalidade de
aprendizagem do Inglês – uma história investigação-ação, dirigido à promoção da
num curso profissional (2009) negociação pedagógica e da autodireção na
aprendizagem, numa turma de Inglês do ensino
profissional (ensino secundário).
E2 Daniela Silva: A negociação pedagógica: Estudo de caso descritivo, incidente em
um estudo de caso na educação em representações e processos de negociação
línguas (2009) pedagógica na experiência desenvolvida no
Estudo 1, baseado na análise da interação em sala
de aula e inquérito aos participantes (os Estudos
1 e 2 foram realizados em simultâneo)
E3 Ana Cristina Teixeira: Negociação e Estudo de caso interventivo, na modalidade de
autodireção numa pedagogia re(ide)alista investigação-ação, dirigido à promoção da
– uma experiência na disciplina de Inglês negociação pedagógica e da autodireção na
(2011) aprendizagem, numa turma de Inglês do ensino
regular (3º ciclo do ensino básico).
E4 Ana Isabel Neves: A metamorfose do Estudo de casos descritivo, incidente em
professor em investigador: um estudo de processos de transição de professor a
casos de professores de línguas investigador no contexto da formação pós-
estrangeiras em contexto de mestrado graduada (o mestrado que frequentou), baseado
(2012) na análise de documentos produzidos por sete
mestrandos (seus colegas de curso) em contexto
curricular e inquérito posterior no ano de
desenvolvimento dos projetos.

Na análise que se segue, apresento excertos dos textos das


professoras investigadoras17, dando algum destaque ao
Estudo 4 por se cruzar com o assunto aqui discutido – a
investigação dos professores.

PROPÓSITO E NATUREZA DOS PROCESSOS PEDAGÓGICOS


E INVESTIGATIVOS

Como afirma Freire (1996), quando estudamos a educação


não podemos “estudar descomprometidamente como se
misteriosamente, de repente, nada tivéssemos que ver com o
mundo, um lá fora e distante mundo, alheado de nós e nós dele”, e

17Optou-se por indicar as obras referidas nos excertos em nota de rodapé, à exceção das que são
também usadas no meu texto e se encontram listadas no final do capítulo.

165
portanto teremos de perguntar: “Em favor de que estudo? Em favor
de quem? Contra que estudo? Contra quem estudo?” (p. 86). Nos
quatro textos em análise, as professoras questionam culturas
pedagógicas pouco democráticas, rejeitando-as e assumindo uma
orientação transformadora, quer através de estudos interventivos
que transgridem práticas escolares dominantes e exploram
alternativas assentes em valores democráticos (E1 e E3), quer através
de estudos descritivos que se debruçam sobre práticas educativas
(E2) e investigativas (E4) baseadas nesses mesmos valores. Procura-
se, assim, superar o que a educação é e produzir conhecimento
acerca do que ela pode e deve ser, como ilustram os exemplos
seguintes, onde as professoras explicitam claramente o seu
posicionamento ideológico face à educação:

Uma educação que aspira à emancipação dos seus agentes


e à transformação social não encontra sentido em
movimentos educacionais de natureza instrumental e
racionalista que perpetuam os valores do controlo,
conformidade e autoridade, centrados em
comportamentos reprodutores e estandardizados, e que
aniquilam todas as possibilidades de mudança. Uma
educação assim não serve o ideal de homem moderno,
nem uma teoria educacional com vista à democratização
do ensino.

Uma educação capaz de impulsionar um movimento


democrático com vista à emancipação e à transformação
só pode alicerçar-se em valores como a criticidade, a
reflexão, a interdependência, a participação e o
empowerment. A fusão destes valores contribui para a
criação de uma educação que encerra em si o ideal da
democracia e visa a criação de cidadãos com pensamento
crítico, capazes de reação face às forças dominantes (E2;
Siva, 2014, p. 104).

Em oposição ao racionalismo técnico, que marca um

166
ensino tradicional, passei a dar centralidade à escuta e
perspetivei um caminho onde há espaço para o diálogo.
Dando um enfoque particular à autonomia como a
capacidade de gerir a própria aprendizagem (Holec, 1981,
p. 318), articulei a reflexividade sobre as aprendizagens,
essencial para a consciencialização linguística e processual
dos alunos na aula de Inglês, com a negociação
pedagógica. Optei por criar um espaço dedicado
exclusivamente à aprendizagem autodirigida baseada em
princípios democráticos, pois acredito que o professor
deve contrariar um modelo uniforme de aprendizagem,
que continua a prevalecer nas nossas salas de aula (E3;
Teixeira, 2014, p. 148).

Uma investigação com potencial transformador implica, a par


da problematização a prática educativa, a reflexão sobre os
processos investigativos como experiências subjetivas e incertas de
(auto)descoberta e aprendizagem profissional (Contreras & Pérez de
Lara, 2010, p. 68). Este aspeto é sobretudo evidente no Estudo 4, cuja
autora sentiu a necessidade de ir fazendo “reflexões de bastidores”
acerca do seu próprio processo de investigação à medida que
estudava o dos colegas:

Enquanto investigadora, propus-me navegar com os


professores nas suas vivências de investigação, com o
intuito de conhecer melhor os processos de transição de
professor a investigador. À semelhança de um bricoleur,
tornei-me “um navegador de águas agitadas, traçando um
curso que descreve a jornada entre o científico e o moral, a
relação entre o quantitativo e o qualitativo, e a natureza
das ideias sociais, culturais, psicológicas e educacionais”
(Kincheloe & Berry, 2007, p. 1819).

18 Holec, H. (1981). Autonomy and foreign language learning. Oxford: Pergamon Press.

19Kincheloe, J. L., & Berry, K. S. (2007). Pesquisa em educação: Conceituando a bricolagem. Porto
Alegre: Artmed Editora.

167
Como a minha viagem decorreu em paralelo com a dos
professores, senti necessidade de ir registando alguns
processos por mim vivenciados na transição para o papel
de investigadora, nos bastidores da minha própria
investigação. À medida que analisava os seus trajetos ia
refletindo sobre o meu, entrecruzando experiências de
uma realidade comum. Nessas reflexões de bastidores
procurei evidenciar os meus dilemas e constrangimentos e
o modo como experienciei o processo investigativo (E4;
Neves, 2014, p. 197-198).

A inscrição da investigação pedagógica num paradigma


naturalista, como é o caso destes estudos, implica reconhecer a
subjetividade como uma dimensão política do ato investigativo, que
é necessário explicitar e controlar: “Educative research does not
claim to remove bias and produce objective accounts of reality. To
the contrary, educative research is explicitly political and asks actors
to acknowledge prejudgements and critically to assess them. The
political moment inherent in all method is made explicit” (Gitlin,
Siegel, & Boru, 1993, p. 207). Voltando ao Estudo 4, o excerto
seguinte dá-nos conta de como o “eu” do investigador perpassa o
processo de investigação, e de como a compreensão da realidade
resulta de uma conversa continuada com os dados da investigação:

Só precisava de ver… Seria necessário tipificar,


caracterizar este estudo? Qual seria o procedimento mais
correto e adequado a seguir? Parecia-me mais pertinente
caracterizá-lo de acordo com a filosofia que sempre me
segredava: descobre vivendo. E percorri este caminho com
a convicção de que as reflexões dos professores me iriam
servir de guia a este estudo. A escuta atenta das suas
vozes iria determinar o processo de construção da própria
análise. E, de facto, à medida que avançava nas leituras
[das reflexões dos professores], redesenhava a minha
própria visão de investigação. Cada leitura representava
um questionamento, uma reflexão. A razão e a emoção
lançavam-me desafios… Os momentos de intensa leitura e
reflexão sucedem-se e é difícil dizer o que é mais

168
significativo. Chego a ficar confusa com as interpretações
que vou fazendo. Mas o que pretendo realmente
encontrar? O pote de ouro no fim do arco-íris? A razão
acorda-me e diz-me que não se desvendam segredos da
forma como esperamos. O percurso é o próprio segredo!
(E4; Neves, 2014, p. 201-202).

VOZ DO PROFESSOR INVESTIGADOR E DOS PARTICIPANTES NOS


PROCESSOS PEDAGÓGICOS E INVESTIGATIVOS

Quando os professores desenham projetos que se aproximam


da experiência educativa, a sua voz é determinante na definição de
percursos pedagógicos e investigativos. O orientador assume um
papel importante na tomada de decisões, mas terá de atender ao
modo como os professores interpretam as possibilidades de
investigação e a abordagem supervisiva é necessariamente
dialógica. Por exemplo, quando a professora que realizou o Estudo 2
me propôs uma abordagem pedagógica híbrida onde intercalaria
“aulas normais” com “aulas de aprendizagem autodirigida”, a
minha primeira reação foi de incompreensão e alguma resistência,
na medida em que, da minha perspetiva, estaria a sobrepor duas
abordagens com pressupostos teóricos opostos: uma pedagogia
reprodutora e uma pedagogia para a autonomia. Contudo, perante a
sua argumentação, apresentada no seu texto, compreendi que seria
uma abordagem adequada:

“O Homem gosta de pensar em termos de extremos


opostos. Tem tendência para formular as suas crenças em
termos de ou-ou, sem reconhecer possibilidades
intermédias” (Dewey, cit. por Lalanda & Abrantes, 1996, p
5520). Tentando contrariar esta ideia e procurando inserir o
meu estudo numa visão humanista da educação, recorri a

20Lalanda, M. C., & Abrantes, M. M. (1996). O conceito de reflexão em J. Dewey. In I. Alarcão


(Org.), Formação reflexiva de professores: Estratégias de supervisão (pp. 41-61). Porto: Porto Editora.

169
uma abordagem pedagógica híbrida, pois acredito que os
professores têm de estar prontos para providenciar aos
seus alunos aquilo de que eles necessitam e/ou exigem em
cada etapa, mas, ao mesmo tempo, apresentar-lhes
gradualmente novas ideias e formas de trabalho, não
impondo “a pedagogia libertadora contra a vontade de
quem não quer recebê-la” (Freire & Shor, 1987, p. 2221).

(...)
Não podemos esquecer que um currículo democrático
implica um consentimento esclarecido dos sujeitos que
realce quer o acesso a um leque abrangente de
informações, quer o direito dos que possuem opiniões
divergentes a serem ouvidos (Apple & Beane, 2000, p.
3722). Nesta linha de pensamento, ao conciliar as
exigências do sistema com a promoção da negociação e da
autodireção, não corri um risco elevado de resistência por
parte dos alunos e contornei parte dos fatores que
poderiam ter condicionado a realização da investigação.
Por outro lado, a abordagem híbrida seguida também me
dava maior segurança na experimentação de estratégias
que eram novas para mim (E3; Teixeira, 2014, p. 146 e p.
147-148).

Os professores sentem-se muitas vezes perdidos no desenho


dos seus projetos, mas a expressão da dúvida é importante na
construção da sua voz, cabendo ao orientador entrever e lançar
desafios a partir do que lhe é dito. O exemplo que se segue, relativo
à escolha do tema do Estudo 4, ilustra isto mesmo. O desafio por
mim lançado à professora numa fase em que ela se sentia perdida
acabou por traçar o início de um caminho. Como ela diz, foi a sua
indecisão que determinou o seu percurso:

Antes de começar…

21 Freire, P., & Shor, I. (1987). Medo e ousadia – O cotidiano do professor. S. Paulo: Editora Paz e
Terra.
22 Apple, M. W., & Beane, J. A. (2000). Escolas democráticas. Porto: Porto Editora.

170
Paradoxalmente, foi a minha indecisão inicial na escolha
do tema que determinou o meu percurso. O desafio
começou a ganhar forma no segundo semestre do curso,
no dia em que, depois de ter entregue a minha reflexão
sobre o tema que gostaria de explorar e a sua
pertinência23, onde dava conta das minhas dúvidas e
indecisões, recebi o seguinte e-mail da formadora:

Ainda está tudo bastante difuso no seu texto, mas uma


frase que me ficou foi: “A metamorfose entre o professor e
o professor investigador ou a simples fusão dos dois
papéis parece-me uma „experiência científica de alta
tensão‟”. Aqui fica um desafio: estudar esta metamorfose
numa fase inicial, com base em testemunhos de colegas da
turma, eventualmente incluindo o seu. Pode basear-se em
registos efetuados na disciplina de ISPELE, os projetos e
um questionário ou entrevista em outubro ou novembro,
quando as colegas iniciam os trabalhos. O que acha? Pode
centrar-se em dilemas/receios e decisões tomadas
relativamente aos projetos. Falamos na próxima aula. (F.
Vieira, resposta à minha 1ª reflexão sobre o projeto – 2010)

Esta resposta foi lida e relida mentalmente muitas vezes,


como se visse sempre aquelas palavras pela primeira vez e
não compreendesse o que se pretendia (E4; Neves, 2014, p.
198).

Na exploração de pedagogias de orientação democrática, os


professores também dão voz àqueles que os acompanham na
investigação. Nos estudos interventivos (Estudos 1 e 3), os alunos
assumiram a função de co-construtores da pedagogia através da
negociação pedagógica e da participação na monitorização do
ensino e da aprendizagem. As suas vozes emergem nos relatos das
professoras em dados recolhidos em questionários de opinião e de

23Esta é uma das tarefas solicitada na disciplina de Investigação em Supervisão Pedagógica na


Educação em Línguas Estrangeiras (ISPELE), numa fase inicial do desenho dos projetos, com o
objetivo de estabelecer um ponto de partida para o diálogo com os mestrandos sobre possíveis
temas.

171
autorregulação, ou em testemunhos orais e escritos. Como se afirma
num dos estudos,

(...) exatamente porque as metodologias democráticas se


centram no aluno, também a recolha das evidências
depende dele. Ele é a principal fonte de informação, o que
torna essencial a compreensão das suas perceções e o que
faz com que seja o aluno também a peça central de toda a
investigação sobre a autonomia (E1; Menezes, 2014, p. 90).

Nos estudos descritivos (Estudos 2 e 4), também se produziu


conhecimento a partir das vozes dos participantes. No Estudo 2, a
investigadora gravou e analisou interações em sala de aula,
entrevistou a professora observada e discutiu com ela os
procedimentos e resultados da observação; no Estudo 4, a
investigadora construiu conhecimento a partir do discurso escrito
dos colegas e enviou-lhes as análises efetuadas sobre os seus
percursos individuais para validação intersubjetiva. Também nestes
casos, os relatos de investigação apresentam testemunhos dos
participantes de forma diretas ou indireta, valorizando a sua voz na
análise e apresentação da informação recolhida.

SIGNIFICADO E IMPACTO DOS PROCESSOS PEDAGÓGICOS


E INVESTIGATIVOS

A partir da informação recolhida, os estudos apresentam


resultados que nos mostram possibilidades de desenvolver uma
educação mais democrática nas escolas. Nos estudos interventivos,
observaram-se transformações significativas nas aprendizagens dos
alunos:

172
Neste projeto, pretendia-se a aprendizagem do poder de
decisão informada: decidir, dentre várias hipóteses, qual a
melhor para si, num determinado momento, por uma
determinada razão, para um determinado objetivo,
também escolhido por si, de forma a conseguir o resultado
antecipado e poder sentir satisfação e orgulho nos
resultados conseguidos (Schunk, 199424). A maior parte
destes alunos nunca antes tinha tomado uma decisão que
fosse determinante para a sua aprendizagem, o que fez da
aprendizagem do poder de decidir uma tarefa difícil, mas
gratificante. Embora alguns tenham resistido, notou-se
algum progresso no sentido de assumirem a
responsabilidade pelo seu processo de aprendizagem.
Notou-se, ainda, um crescente orgulho, da parte de alguns
dos alunos com mais dificuldades, em conseguir
ultrapassar barreiras comunicativas que já haviam
desistido de tentar vencer. Este orgulho e satisfação
levam, inevitavelmente, ao aumento da motivação e, caso
o sucesso (mesmo que pequeno) se mantenha, ao aumento
da volição, o que vai assegurar o progresso continuado na
aprendizagem (E1; Menezes, 2014, p. 91-91).

Embora as professoras reconheçam que é difícil desenvolver


pedagogias democráticas, a sua experiência reforça a convicção de
que é possível e desejável, acreditando que estes estudos podem
inspirar e apoiar outros professores:

Na transição de uma educação reprodutora para uma


educação transformadora, a negociação pedagógica
assume um papel fundamental e constitui uma condição
indispensável à construção de uma aprendizagem
autodirigida, assim como à reconfiguração do papel do
professor. Embora reconhecendo que essa transição é
difícil, acredito na possibilidade de imaginar e concretizar
práticas alternativas, como procurei fazer na experiência
aqui narrada. A abordagem seguida, de natureza híbrida,
foi validada pelos participantes, revelando ser uma

24Schunk, D. (1994). Self-regulation of self-efficacy and attributions in academic settings. In D.


Schunk, & B. Zimmerman (Eds.). Self-regulation of learning and performance - Issues and educational
applications (pp. 75-99). New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.

173
alternativa re(ide)alista face a abordagens mais
convencionais, mais próxima do ideal defendido – uma
pedagogia para a autonomia na educação escolar que visa
a transformação conjunta dos sujeitos. Creio que ela
poderá ser transferida para outras salas de aula, com
outros sujeitos, mas não devemos esquecer que “instead of
claiming that whatever has been discovered must be true
of people in general, a naturalistic enquirer will claim that
whatever understanding has been gained by an in-depth
study of a real-life classroom may illuminate issues for
other people” (Allwright & Bailey, 1991, p. 5125). Espero
que esta narrativa tenha lançado alguma luz sobre
dimensões relevantes da educação, e constitua mais um
contributo para uma reflexão alargada sobre a
possibilidade de construir práticas transformadoras na
escola (E2; Teixeira, 2014, p. 179-180).

Ao transformar os seus modos de trabalho, o professor


também se transforma. Trata-se de uma “metaformose” de
libertação e emancipação, como se sinaliza no Estudo 4:

A ideia da metamorfose do professor em investigador, tal


como a metamorfose da borboleta, indicia uma
transformação no sentido positivo, de libertação e
emancipação, ao invés da metamorfose Kafkiana que
sugere aprisionamento, involução, anulação e
desintegração. Partiu-se do princípio de que a
investigação pode constituir um instrumento de
libertação, mas admitiu-se a possibilidade dessa libertação
ser um fenómeno complexo, no qual podemos encontrar
dilemas e constrangimentos que importava desocultar (E4;
Neves, 2014, p. 185).

Como refere esta professora, essa metamorfose não é isenta de


dilemas e constrangimentos. Na construção de pedagogias mais

25 Allwright, D., & Bailey, K. M. (1991). Focus on the language classroom: An introduction to classroom
research for language teachers. Cambridge: CUP.

174
democráticas, um dos principais dilemas reporta-se àquilo que no
Estudo 2, incidente na análise da experiência desenvolvida no
Estudo 1, se define como “o difícil equilíbrio entre liberdade e
controlo”:

(...) o maior dilema da Carla [autora do Estudo 1] ao longo


da experiência relacionou-se com o difícil equilíbrio entre
liberdade e controlo. Teve de descobrir pela sua prática
quando deveria acreditar e confiar nos seus alunos e
quando deveria assumir uma postura mais diretiva,
mesmo num contexto de promoção da autodireção,
colocando a sua autoridade ao serviço da construção de
práticas mais democráticas. De facto, (...) uma educação
democrática não exclui a direção do professor. Breen e
Littlejohn (2000, p. 2226) referem que “negotiation entails
freedom with discipline. It does not mean „anything
goes‟”. A este propósito, relembramos as palavras de Shor
(1996, p. 2027): “My best course of action has so far been to
use my authority to organize a transformation, step by
step. (…) The power that uses power to share and
transform power is the power I am seeking” (E2; Silva,
2014, p. 134).

Com efeito, a autora do Estudo 1 reconhece este dilema,


comum ao Estudo 3 onde também se desenvolveu uma pedagogia
para a autonomia, e que nos remete para o que Freire (1996)
considera ser o grande problema do educador democrático: “como
trabalhar no sentido de fazer possível que a necessidade do limite
seja assumida eticamente pela liberdade. Quanto mais criticamente
a liberdade assuma o limite necessário tanto mais autoridade tem
ela, eticamente falando, para continuar lutando em seu nome” (p.
118).

26 Breen, M. P., & Littlejohn, A. (2000a). The significance of negotiation. In M. P. Breen, & A.
Littlejohn (Eds.), Classroom decision-making: Negotiation and process syllabuses in practice (pp. 5-38).
Cambridge: CUP.
27 Shor, I. (1996). When students have the power - Negotiating authority in a critical pedagogy.

Chicago: Chicago University Press.

175
Também surgem constrangimentos na condução dos
processos de investigação, que o Estudo 4 capta no discurso dos
mestrandos e que podemos sintetizar do seguinte modo: falta de
experiência anterior de investigação; dificuldades na construção e
desenvolvimento de projetos relevantes e coerentes; falta de tempo
para a investigação, pela dificuldade em conciliá-la com a profissão;
isolamento e desvalorização da investigação pelos pares no contexto
de trabalho; dúvidas e incertezas, sentimento de incapacidade,
medo de perder a motivação. Por outro lado, o mesmo estudo
também identifica, no discurso dos mestrandos, condições
facilitadoras de uma investigação transformadora: adoção de uma
pedagogia da investigação de orientação reflexiva e emancipatória;
articulação entre a investigação e a experiência e os interesses dos
professores; reconhecimento do papel da investigação e dos
professores na mudança das práticas educativas; comprometimento
dos professores com uma mudança de orientação democrática.
Para além destas condições, sublinharia também a
necessidade de construir linguagens próximas da experiência
educativa, nomeadamente nos relatos da investigação, o que tem
implicações no seu significado e impacto. Tal significa encarar a
escrita como uma estratégia de (re)significação da experiência
vivida, um método de (auto)descoberta que permita entrever “as
estruturas existenciais da experiência” (Van Manen, 1990, p. 127),
usando uma linguagem que se afasta de códigos de escrita
académicos sem sujeito de enunciação, onde a experiência é
frequentemente espartilhada e asfixiada por um excesso de
operações de classificação, categorização, hierarquização, abstração
(Larrosa Bondía, 2010). Nos textos analisados, as professoras usam
uma linguagem híbrida – pessoal e por vezes metafórica, mas
também rigorosa –, procurando construir narrativas que convidem o
leitor a viajar pelas suas experiências e a refletir sobre elas:

176
Esta narrativa, construída para contar a experiência de
investigação-ação que levei a cabo no âmbito da minha
dissertação de mestrado (...) com uma turma de um curso
profissional na disciplina de Inglês, pretende facilitar a
aproximação do leitor a essa experiência, na esperança de
que ele se envolva nos processos, orientações e perceções
pessoais que a balizaram e guiaram. Porque a vivi, senti a
necessidade de a partilhar com o máximo de pessoas
possível: aquelas já imersas numa pedagogia para a
autonomia e aquelas que iniciam agora esta descoberta,
fazendo deste o meu contributo para a disseminação desta
Visão tão essencial à Educação. Daí a escolha de um
discurso mais pessoal, menos académico: pretendo que
quem quer que pegue neste texto o compreenda e dele se
possa apropriar, talvez adequando-o à sua prática e,
assim, dar continuidade ao processo de transformação do
texto, de si mesmo e da Escola (E1; Menezes, 2014, p. 63-
64).

O legado deixado por este tipo de estudos, cujo impacto


direto se faz sentir apenas no contexto de investigação, pode ser
potenciado na sua disseminação, sobretudo se os relatos permitirem
ao leitor/ ouvinte uma aproximação à experiência vivida e a
imaginação de como essa experiência poderá ressoar no seu
contexto.
Talvez o principal efeito de uma investigação transformadora
seja a libertação de uma visão do ensino e da investigação como
atividades “naturalmente” divorcidadas e pertencentes a territórios
distintos – as escolas e as instituições de ensino superior. O seguinte
testemunho no Estudo 4 mostra como essa visão está muitas vezes
presente no pensamento dos professores quando ingressam nos
cursos de pós-graduação:

Entrei no mundo da investigação com receio de partir


alguns tubos de ensaio, adicionar a porção errada, deixar
arrefecer ou aquecer demasiado os compostos, não usar o
método adequado à experiência e, entusiasmada,
endeusava a ciência: uma área superior... (...) Afinal, eu

177
era só uma professora e… inconscientemente fui
alimentando esta questão da existência de uma barreira
entre a investigação e o ensino. Perpetuava a ideia: o
investigador tem a formação adequada para compreender
os fenómenos e analisá-los, cabe ao professor a tarefa de
os aplicar, ou melhor, implementar corretamente, de
acordo com as orientações do investigador, sem
alterações, como se de uma poção sagrada se tratasse…
(E4; Neves, 2014, p. 198-199).

A superação da “barreira entre a investigação e o ensino”


passa pela experiência da investigação no e sobre o ensino, mas exige
a compreensão de que a investigação está ao serviço do ensino. Não
o contrário.

REFLEXÕES FINAIS

Ao longo do texto, colocou-se a tónica no potencial


transformador da investigação dos professores e propôs-se um
conjunto de dimensões e critérios que podem ajudar a elevar esse
potencial nos contextos de formação pós-graduada. Os estudos
convocados para ilustrar essa proposta são modestos na sua
amplitude, mas corajosos no ideal que perseguem: o ideal de uma
educação mais democrática nas escolas, que as autoras defendem e
sabem ser difícil de alcançar, mas que se aventuram a perseguir e do
qual não querem desistir. São estudos “re(ide)alistas”, situados no
espaço da possibilidade (Vieira, 2006, 2007; Jiménez Raya & Vieira,
2018), sinalizando a busca de um equilíbrio entre “realismo
conservador” e “idealismo ingénuo” através de um “realismo
inovador” que, reconhecendo as condições e a natureza da
profissionalidade docente, é portador de mudança (Perrenoud, 1997,
p. 163). Na busca desse equilíbrio, os professores tornam-se
“capazes de analisar a situação na qual se encontram e as suas
contradições, de identificar a sua margem de manobra, de suportar

178
determinados conflitos e determinadas incertezas, de correr riscos
calculados” (p. 163).
A proposta apresentada é exploratória, mas espero ter
conseguido apresentar e ilustrar um argumento plausível,
evidenciando a necessidade de promover uma investigação próxima
da experiência educativa e inscrita em valores democráticos, uma
investigação que “se mueve siempre en la relación plural, incierta,
variable, tentativa y subjetiva de poner en relación acontecimientos
y sentido educativo”, e cuja finalidade é ir construindo argumentos
e possibilidades de mudança (Contreras & Pérez de Lara, 2010, p.
43).
Independemente das nossas convicções e práticas enquanto
formadores e orientadores em cursos de pós-graduação, dificilmente
poderemos deixar de equacionar a questão com que termino e que,
de algum modo, justifica este texto: Que responsabilidade temos na
(ir)relevância da investigação dos professores com quem trabalhamos?

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181
10. QUANDO A FORMAÇÃO CONTINUADA
FAZ FALTA!
o caso da coordenação pedagógica NA REDE
Estadual de Santa Catarina28

Shirlei de Souza Corrêa

INTRODUÇÃO

Acreditamos, com base em Canário (2006), que a escola tem


mudado substancialmente ao longo do tempo, tanto do ponto de
vista da organização pedagógica, quanto da estruturação física e de
recursos humanos. Influenciadas, sobretudo, por questões de ordem
política, social e cultural, é fato, também, que essas mudanças
impactaram o cotidiano das escolas, contribuindo para novas ações
e práticas abarcadas por novos atores e diferentes acontecimentos
(Corrêa, 2013).
Um desses atores, o coordenador pedagógico, é o foco central
dessa discussão. Com o objetivo de discutir sobre essa função, com
atenção especial para o estado de Santa Catarina, o presente estudo
se propõe a analisar, a partir das questões vivenciadas no cotidiano
desses profissionais, os impactos negativos da ausência de políticas
públicas que possam garantir a formação continuada para
profissionais que atuam nestes cargos.

28As principais discussões a respeito da coordenação pedagógica no estado de Santa Catarina


estão disponíveis na Dissertação de Mestrado intitulada “O Assistente Técnico-pedagógico:
atribuições legais e prática profissional” (CORRÊA, 2013). Contudo, a questão da ausência de
formação continuada, embora citada nessa obra, não foi discutida naquela ocasião. Frente às
mudanças ocorridas no presente ano, decidi retomar a questão, discutindo, finalmente, a
ausência de formação continuada para esses profissionais. Portanto, esta discussão se constitui,
em algumas seções, de uma adaptação da obra supracitada e outras de novas problematizações.
Agência Financiadora: FAPESC.

182
Ao tratar de um tema como este, a formação continuada, é
importante atentar para algumas características e para alguns
conceitos que marcaram a trajetória e efetivaram algumas mudanças
para esse cenário. Primeiramente, o entendimento de que a formação
continuada já foi evidenciada como um processo de atualização que
se dava por meio de aquisição de informações científicas, técnicas e
didáticas (Imbernón, 2011). Estas, por sua vez, não tinham,
necessariamente, ligação com a prática. Essa descontextualização
entre as ações desenvolvidas e as ações tratadas durante o processo
de formação continuada pouco contribuíam para efetivas
transformações (Gatti, 2012).
O segundo ponto diz respeito ao surgimento de diferentes
tendências para a formação continuada de professores nas últimas
décadas. Dentre essas diferentes concepções presentes no cenário
brasileiro, a orientação crítico-reflexiva ganha destaque e é apontada
como a mais adequada para a formação continuada de profissionais
da educação (Almeida, 2011). E é sobre essa concepção de formação
continuada, que proporciona a reflexão sobre a prática, que nos
atentamos para alcançar os objetivos propostos neste estudo.
Entretanto, é importante destacar que, nos trabalhos
realizados anteriormente com referência ao coordenador
pedagógico atuante na rede estadual de Santa Catariana,
denominado Assistente Técnico Pedagógico, muitas contribuições
foram registradas no que tange às particularidades dessa função
(Corrêa, 2013; Corrêa, 2015 e Corrêa e Gesser, 2016). Dentre essas
discussões, algumas questões foram evidenciadas, como a origem
da função, as questões históricas e as ações desenvolvidas por esses
profissionais. Contudo, a temática da formação continuada, apesar
de ter sido citada como uma necessidade, foi pouco discutida nesses
estudos anteriores.
Reconhecendo tal limitação e entendendo a necessidade de se
discutir sobre a formação continuada, justificamos a retomada de
algumas questões tratadas nesses momentos distintos com a

183
intenção de tratar especificamente da coordenação pedagógica e da
ausência de formação continuada para esses profissionais.
Portanto, além dos elementos introdutórios, ora
apresentados, o primeiro tópico trata da discussão acerca de alguns
conceitos sobre a formação continuada, com especial destaque para
o entendimento dessa ação como um movimento que propõe a
reflexão sobre a prática. O segundo tópico apresenta as
particularidades desses profissionais, com ênfase nas ações
desenvolvidas no interior das escolas. Nesse mesmo tópico, são
apresentadas as fragilidades socializadas em função da ausência de
formação continuada, seguidas, por fim, das considerações finais.

A FORMAÇÃO CONTINUADA: DISCUTINDO CONCEITOS

Quando refletimos sobre os desafios enfrentados pelo mundo


moderno (ou pós-moderno, dependendo da concepção defendida),
reconhecemos que estamos vivendo tempos de mudanças
instantâneas, somos autores e/ou atores desses processos de
transformações rápidos e profundos. No contexto educacional, essa
ideia também é defendida por alguns autores, como Gatti (2012) e
Libâneo (2011), que veem a escola como um importante instrumento
de e para esse constante movimento de mudança.
Para o último autor, o professor é um dos elementos chave
nesse processo que, diante dessa contemporaneidade, deve, de
algum modo, responder às novas exigências que surgem
constantemente no contexto escolar. Já que:

A escola tem, pois, o compromisso de reduzir a distância


entre a ciência cada vez mais complexa e a cultura de base
produzida no cotidiano, e a promovida pela escolarização.
Junto a isso tem, também, o compromisso de ajudar os
alunos a tornarem-se sujeitos pensantes, capazes de
construir elementos categoriais de compreensão e
apropriação crítica da realidade. (Libâneo, 2011, p. 16
Grifos nossos).

184
Ao discutir a formação de professores e a relação entre
conhecimento disciplinar e conhecimento pedagógico, o mesmo
autor propõe a organização e a apropriação das atitudes docentes –
que propiciam o conhecimento de novas estratégias de ensino numa
perspectiva crítica de análise dos conteúdos e a adesão às novas
concepções de informações (tecnologias, comunicação, diversidade
cultural, entre outros.).
Contudo, entendemos, com base nessas discussões, que
diante dessa (nova) perspectiva, o professor enfrenta desafios.
Desafios estes que somente a formação inicial – por mais complexa e
contextualizada que seja –, não é capaz de garantir. Surge daí, a
defesa da formação continuada, uma vez que:

A formação de professores faz parte de um processo


permanente de procura de melhores métodos e percursos
de boas práticas pedagógicas. Faz-se necessário que o
professor conheça os conteúdos de ensino e que consiga
dominar os instrumentos pedagógicos. Para tanto, ele
precisa desenvolver competências específicas. Além disto,
necessita ter a consciência de sua identidade como
profissional da educação, dotado de todas as ferramentas
para desenvolver um bom trabalho junto ao seu alunado e
contar com cursos e programas de formação inicial e
continuada para desenvolver um bom trabalho ao longo
da sua carreira docente. (Fernades, 2016, p. 29).

Esse processo permanente a que o autor se refere vai de


encontro ao entendimento da formação continuada como um
processo de atualização que se dava por meio de aquisição de
informações científicas, técnicas e didáticas (Imbernón, 2011). Sem
qualquer ligação com a prática realizada, essa formação era marcada
pela descontextualização entre as ações desenvolvidas pelo
professor e pelas ações desenvolvidas durante o processo de
formação continuada, que pouco contribuíam para efetivas
transformações nas suas ações (Gatti, 2012).

185
Nas palavras de Imbernón (2011), estamos vivenciando a
mudança dessa concepção e o surgimento de diferentes tendências
para a formação continuada de professores nas últimas décadas.
Dentre essas diferentes concepções presentes no cenário brasileiro, a
orientação crítico-reflexiva ganha destaque e é apontada como a
mais adequada para a formação continuada de profissionais da
educação. Para o autor, a formação que tem como base uma reflexão
dos sujeitos sobre sua prática docente permite que estes:

[...] examinem suas teorias implícitas, seus esquemas de


funcionamento, suas atitudes etc., realizando um processo
constante de auto avaliação que oriente seu trabalho. A
orientação para esse processo de reflexão exige uma
proposta crítica da intervenção educativa, uma análise da
prática do ponto de vista dos pressupostos ideológicos e
comportamentais subjacentes (2011 p. 49).

Para Alarcão (1998, p. 95), a formação continuada só será


efetiva quando proporcionar aos professores a reflexão sobre a
dimensão profissional e a interpretação dos componentes que a
constituem. Quando, de fato, capitalizar a experiência profissional e
valorizar a reflexão formativa e a investigação, propondo, portanto,
novas ações.
De acordo com Fernandes (2016), a formação continuada deve
estar articulada ao desempenho profissional dos professores,
tomando as escolas como lugares de referência. Trata-se de um
objetivo que só adquire credibilidade se os programas se estruturam
em torno de problemas e de projetos de ação e não em torno de
conteúdos acadêmicos, sendo fortalecido a partir dos saberes dos
quais os professores são portadores – reorganizando-os. Esse
conceito de formação continuada, por meio de pesquisas e
discussões de alguns autores, (Altenfelder, 2005; Geglio, 2010), traz à
tona a necessidade de considerá-la como um processo que propõe a
associação entre a teoria e a prática e, a partir desse movimento,

186
propõe a necessidade de considerar os problemas do cotidiano da
atividade educativa através da reflexão da própria ação.
Com base nos conceitos discutidos e no entendimento da
formação continuada como necessária para a (re)elaboração da
prática pedagógica, escolhemos o tema da coordenação pedagógica,
por meio de uma visitação aos escritos (Corrêa, 2013; Corrêa, 2015;
Corrêa e Gesser, 2016), por acreditar na similaridade com a função
de professor e, ainda, na necessidade de continuar as discussões
sobre a temática.

RETOMANDO A DISCUSSÃO: A COORDENAÇÃO


PEDAGÓGICA E SUAS PARTICULARIDADES NO ESTADO
DE SANTA CATARINA

Para discutir a temática da coordenação pedagógica é


importante, de início, destacar algumas questões: a primeira é que
não há dados que comprovem o início ou o surgimento dessa
função. Diferentemente da função da Supervisão Escolar, do
Orientador Educacional e do Administrador Escolar – que foram
criadas para legitimar ações no interior das escolas com legislações e
atribuições específicas, a coordenação pedagógica passou a
constituir a equipe pedagógica a partir do processo de
democratização da escola pública, culminando com a substituição
dos especialistas em assuntos educacionais (Waltrick, 2008).
A autora supracitada destaca que, quanto ao seu
surgimento, este se concretizou a partir de movimentos e eventos
que instituíram a descentralização de poderes, consolidados com os
movimentos democráticos instituídos a partir da década de 1990.
Portanto:

[...] uma intensificação nas tarefas até então atribuídas ao


diretor. Esse fator pode ter gerado a necessidade de novos
profissionais, contribuindo nesse caso para a emergência
de um coordenador para compartilhar com o diretor

187
aquelas tarefas ligadas às questões pedagógicas no âmbito
da gestão (Waltrick, 2008, p. 54).

Blandino (1996) também reconhece que o coordenador


pedagógico surgiu num momento de coincidência com a sobrecarga
do trabalho do diretor. Porém, enfatiza suas contribuições não
somente no âmbito da gestão, mas principalmente em níveis do
processo de ensino-aprendizagem.

[...] o momento do aparecimento do Coordenador


pedagógico coincidiu com a sobrecarga de tarefas de
diferente natureza dos diretores e com a necessidade de
um elemento novo que trouxesse contribuições
pedagógicas específicas, traduzidas em ações facilitadoras
das relações do processo ensino-aprendizagem (Blandino,
1996, p.6).

Nesta linha, Vasconcellos (2006) acrescenta que a função de


coordenação pedagógica, apesar de surgir com a intenção de
democratização da educação, está estreitamente ligada à área de
supervisão escolar. No entanto, o autor defende a postulação de
uma nova roupagem para a função. Observa-se isso na leitura de
sua obra intitulada “Coordenação do trabalho pedagógico: do
projeto político pedagógico ao cotidiano da sala de aula”, onde
defende a redefinição da função historicamente assumida pelo
supervisor. Desse modo, a hierarquização, o controle e a vigilância
dariam lugar ao trabalho coletivo e à mediação e efetivação do
trabalho em equipe.
A segunda questão refere-se ao fato de que o surgimento da
coordenação pedagógica surge num determinado contexto histórico
e sofre algumas influências. Alves (2007) defende o pressuposto de
que, por este motivo, a coordenação pedagógica articula-se a partir
das particularidades do momento e movimento democrático que o
país vivenciava – garantindo a efetivação da “função de gestão
educacional” (Alves, 2007, p. 258). Ainda, segundo a mesma autora,

188
essa ressignificação da função de supervisor escolar, caracterizada
pelo autoritarismo, possibilita o surgimento de uma nova função
que prioriza o papel da articulação, do coletivo, da participação e da
gestão democrática – diretamente ligado ao movimento vivenciado
pelo país.
Alves e Barbosa (2011), em artigo que analisa a identidade
profissional da coordenação pedagógica em Goiânia, no estado de
Goiás, afirma que, para construir a identidade profissional de uma
pessoa ou de um grupo, faz-se necessário investigar todo um
contexto histórico. As autoras realizaram um aprofundamento sobre
o surgimento da função de coordenação pedagógica. Segundo elas, a
construção do cargo de coordenação se constituiu, dentre outros
fatores:

[...] no imbricamento entre a história do curso de


Pedagogia e da Supervisão Escolar, originando-se da
extinção dos cargos de especialista – supervisor e
orientador – que se articulou ao processo de reorientação
da formação dos pedagogos (Alves; Barbosa, 2011, p. 07).

Neste sentido, com o surgimento de críticas frente ao


trabalho fragmentado do pedagogo – o especialista em educação –,
concomitantemente à reformulação dos cursos de Pedagogia,
ocorreu o surgimento dos coordenadores pedagógicos. Santos e
Oliveira (s/d) corroboram o entendimento de que o surgimento do
coordenador pedagógico se deu no auge do exercício de aglutinação
e, assim, as funções de especialistas presentes na escola foram
somadas e direcionadas a uma só função.
Finalmente, a última questão que merece destaque referente à
função da coordenação pedagógica trata da presença histórica
destes no espaço escolar. Segundo Lima e Santos (2007), não é
recente essa função, já que, nas escolas experimentais e vocacionais
da década de 1960, a função do coordenador pedagógico era
percebida. Neste contexto, tais profissionais desenvolviam um

189
suporte técnico ao trabalho pedagógico desempenhado pelo
professor. Ainda, na década de 1970, estes profissionais habitavam
as escolas profissionalizantes de 2º grau (hoje Ensino Médio).
Contudo, conforme já apresentado, foi a partir da década de 1990
que estes profissionais ocuparam massivamente as escolas, com
atribuições que oscilavam entre o caráter técnico-administrativo e de
acompanhamento pedagógico, garantindo o envolvimento de toda a
comunidade escolar no processo ensino-aprendizagem.
Conforme discutido, o surgimento destes profissionais no
contexto nacional apresenta diferentes características. Algumas
particularidades marcaram essas diferenças que iam desde a
nomenclatura (PINTO, 2011) às diferentes legislações e atribuições
(Fernandes, 2011). Para Pires (2005), embora marcada por
diferenças, a principal característica que as redes estaduais e
municipais de ensino apresentavam em comum para a elaboração
da função de coordenação pedagógica era a aglutinação dos cargos
de orientação educacional, administração e supervisão escolar.
Essa aglutinação a que se refere o autor pode muito bem ser
observada também no estado de Santa Catarina. O último concurso
que foi realizado para suprir vagas de Administradores,
Supervisores e Orientadores Educacionais datava da década de
1990. Depois desse período, o estado catarinense adaptou o antigo
cargo de Assistente Técnico-pedagógico – criado com a finalidade
de atender uma demanda especificamente técnica, nos órgãos da
Secretaria de Educação do Estado –, e o transformou, a partir da Lei
Complementar de nº 288/2005, num cargo de coordenação
pedagógica.
Com atuação no interior das escolas e cujas atribuições
identificadas em legislação própria circundavam o trabalho coletivo
de articulação pedagógica, idêntico ao perfil do coordenador
pedagógico (Almeida, 2011; Placco, 2007), estes profissionais
povoaram as escolas vinculadas à rede estadual e vieram em

190
substituição dos antigos cargos. O nome do cargo não foi alterado29,
contudo, a lista de atribuições sofreu muitas alterações e foi
adequada às necessidades e interesses advindos do cotidiano
escolar. Questões como execução de programas e projetos
educacionais, prestação de auxílio no desenvolvimento de
atividades relativas à assistência técnica aos segmentos envolvidos
diretamente com o processo ensino-aprendizagem, entre outras
ações complexas, faziam parte das atribuições dispostas.
Contudo, embora o início da carreira destes profissionais
tenha sido orientado a partir destas atribuições, esse processo foi
marcado por dúvidas e incertezas. Nos estudos realizados por
Corrêa (2013) e Corrêa e Gesser (2016), são apresentadas algumas
questões que corroboram esse fato.
A primeira refere-se ao fato de que havia falta de informações
sobre essa nova função, tanto por parte daqueles profissionais que
iriam atuar, quanto da própria comunidade escolar que receberia o
profissional. Essa ausência de direcionamento para esse profissional
causou certo desconforto, pois estes, apesar de terem formação
inicial na área da Educação e conhecerem a dinâmica das escolas,
nunca tinham experienciado tais atividades – conforme anunciada
pelas atribuições.
Esses profissionais atuantes na função de Assistente Técnico-
pedagógico, ao aliarem seus saberes práticos e experienciais,
construíram a seu modo, alguns com mais facilidade, outros com
menos, diferentes saberes profissionais acerca da realidade escolar
(Corrêa, 2015). Essa construção da prática profissional exigiu uma
parcela de improvisação e de adaptação frente à demanda
apresentada, haja vista não haver ambientes escolares iguais, nem
situações iguais, muito menos pessoas iguais. O que é previsível

29Sobre a questão da nomenclatura dos cargos de coordenador pedagógico, damos destaque ao


trabalho de Pinto (2011), que apresenta, nas suas discussões, essa característica brasileira de se
ter uma pluralidade de nomenclatura para essas funções.

191
para Tardif (2002, p. 6), no que tange à constituição da
profissionalização docente, já que:

Os conhecimentos profissionais exigem sempre uma


parcela de improvisação e de adaptação a situações novas
e únicas que exigem do profissional reflexão e
discernimento para que possa não só compreender o
problema como também organizar e esclarecer os
objetivos almejados e os meios a serem usados para atingi-
los (Tardif, 2002, p. 6).

Com base no autor, podemos crer que a ausência de


informações a respeito deste novo cargo pode ter contribuído para
as dificuldades na adaptação deste profissional, embora não a
tornado impossível. Contudo, além destas dificuldades de
adaptação com o inédito, muitas outras questões foram surgindo
com o desenvolver do trabalho destes profissionais no interior das
escolas, como a priorização do atendimento às questões
emergenciais e a ausência de planejamento (Corrêa, 2015).

A AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO CONTINUADA: O QUE


PODERIA TER SIDO DIFERENTE?

Além da ausência de informações a respeito dessa função,


inédita no interior das escolas, temos argumentos suficientes para
reconhecer que a ausência de formação continuada foi um dos
importantes pontos que dificultou o desenvolvimento do trabalho
desses profissionais. Com base em Corrêa e Gesser (2016), esse início
de carreira foi conturbado para alguns profissionais que, apesar de
apresentarem formação inicial adequada e experiência no campo da
educação, não conseguiram se adequar às necessidades do ambiente
escolar, ficando à mercê de modelos e orientações para desenvolver
seu trabalho, mostrando-se mais sensíveis à falta de formação
continuada e à troca de informações a respeito dessa nova função e,
principalmente, de suas atribuições.

192
Essa segunda questão, da ausência da formação continuada,
revelou que alguns profissionais, ao enfrentarem o cotidiano da
escola, atuavam no atendimento às causas emergenciais que
surgiam no ambiente escolar:

A trajetória profissional do Assistente Técnico-pedagógico


nas escolas estaduais, sinaliza-nos que não somente seu
início foi conturbado, como também sua prática ao longo
destes anos. Inseridos numa dinâmica baseada no trabalho
fragmentado, com divisão das tarefas, estes profissionais
se adequaram à realidade vivenciada nas escolas. De
posse de uma lista de atribuições, organizaram, com suas
particularidades, as ações cotidianas referentes a esta
função (Corrêa, 2013, p. 100).

A passagem em destaque nos faz acreditar que o trabalho


fragmentado desenvolvido pelos coordenadores pedagógicos, sem
organização das tarefas ou planejamento, acontecia de forma
mecânica – como uma resposta às exigências do ambiente escolar.
Vê-se, portanto, que a reflexão da prática, o pensar na sua ação, não
era uma prática constante para esses profissionais.
No que compreende a organização da prática diária do
coordenador pedagógico, recorremos a Placco (2010) que, ao fazer
um estudo sobre esses profissionais, categorizou as ações
desenvolvidas no cotidiano escolar. Para a autora, merecem
destaque os seguintes temas: importâncias, rotinas, urgências e
pausas. Na sua visão:

As atividades do par IMPORTÂNCIA-ROTINA são


planejáveis previamente, constituindo-se em arcabouço da
organização escolar. URGÊNCIA-PAUSA são atividades
decorrentes da dinâmica da escola e de necessidades
emergentes do cotidiano (Placco, 2010, p. 49).

A partir desta análise, a autora constatou que, em muitos


casos, os coordenadores pedagógicos “elegem prioridades” diante
das exigências diárias ou das urgências surgidas, o que pode, em

193
muitos casos, dificultar a realização de atividades previamente
planejadas. Segundo Pinto (2011), muitas vezes, o coordenador
pedagógico se direciona a atender as necessidades advindas das
condições inadequadas de trabalho e deixa de atuar no âmbito das
atividades pedagógicas. Por falta de conhecimento de suas próprias
funções, por falta de orientações e conhecimentos sobre a equipe
pedagógica, o fato é que, no que tange à prática dos Assistentes
Técnico-pedagógicos, suas ações estavam voltadas às questões
emergenciais surgidas no cotidiano escolar.
A fala de um dos participantes durante o grupo focal
denuncia essa questão:

As nossas atribuições ficaram muito vagas, sabe... Por


exemplo, você podia trabalhar na parte do PPP e também
na organização da documentação, era uma coisa muito
ilimitada as funções, aqui e lá ao mesmo tempo, sem
continuidade. Daí, eu que eu faço? Só vou fazendo o que
vai aparecendo no dia-a-dia. Atendo todos, faço tudo e
não faço nada (ATP6) (Corrêa, 2013, p. 69).

Corroborando essa ideia, destacamos Soares (2011) que, em


sua pesquisa com coordenadores pedagógicos, observou que muitas
das ações desenvolvidas pelos coordenadores atendiam a questões
burocráticas ou partiam da exigência dos gestores, deixando para
segundo plano as questões pedagógicas. O autor segue apontando a
falta de sincronia entre os profissionais atuantes na escola e atribui
ao gestor grande responsabilidade em organizar esse trabalho. Para
ele:

Não se trata de individualizar ou integrar todas as ações,


mas de o gestor gerenciar as ações de toda sua equipe,
mediando o processo e delegando a função ao responsável
de fato pela execução das atividades, o que não impede
uma participação de todos na realização do que foi
solicitado. Talvez seja necessário que os gestores
compreendam que não se trata de segmentar o trabalho
dos profissionais da escola, mas gerenciar com base nas

194
atribuições e competências de sua equipe, delegando ao
profissional que atuará de forma consciente de suas
funções e com base nas experiências anteriores, o que
contribuirá para a resolução do problema com maior
eficácia (Soares, 2011, p. 51).

No bojo dessa discussão, Almeida (2010), usando de uma


metáfora, afirma que os coordenadores pedagógicos estão
constantemente em um labirinto de escolhas. Estar à disposição das
emergências ou das necessidades (e até dos interesses) da escola,
dos gestores, dos professores e dos alunos, segundo a autora, é uma
das tarefas mais difíceis para o coordenador. Do mesmo modo, seu
contrário apresenta um grau maior ainda de dificuldades. Desafiar
as exigências momentâneas e impor-se diante das situações, por fim,
tomando decisões que visam ao bom andamento da escola, exige,
sobretudo, planejamento. “É preciso ter coragem para fazer
escolhas, definir metas, aproveitar brechas, criar espaços, fazer
parcerias” (Almeida, 2010, p. 45).
Para fazer essas escolhas às quais a autora se refere, seria
necessário refletir sobre a realidade vivenciada. E, para isso, seriam
necessários exercícios de formação continuada. Entretanto,
conforme anunciado, isso nunca ocorreu:

O mais difícil para mim é que eu tenho experiência na


educação, já dei aula por muito tempo, mas fora da sala de
aula é diferente. Eu assumi esse cargo novo e nunca tive
nenhuma formação sobre isso. Sinto muita falta, pois não
sei se estou no caminho certo, queria dividir minhas
frustrações com outros colegas (ATP4) (Corrêa, 2013, p.
54).

Conforme reclamado por este participante, não existe registro


de movimento algum referente à formação para esses profissionais,
já que eles nunca participaram de nenhum evento para discutir as
questões referentes à sua função. Cabe ressaltar que essa questão foi

195
alvo de críticas por todos os participantes e o desejo de vivenciar os
movimentos de formação também foi registrado por todos.
Essa ausência não é exclusividade dos profissionais de Santa
Catarina, pois foi, também, relatado em outros estudos (Pinto, 2011;
Almeida, 2010). Essas necessidades diárias inerentes à proposta
articuladora defendida por Placco (2010), em que deveria se
encontrar a figura do coordenador pedagógico, vai de encontro com
as atribuições e suas experiências em lidar com esta demanda.
Organização e execução de horários, reuniões com professores,
orientações a alunos, preenchimento de relatórios, atendimentos a
pais, entre tantos outros itens, enfim, as questões técnicas e
pedagógicas consolidam a jornada destes profissionais.
Competindo, ainda, com todas as atividades atribuídas aos
coordenadores pedagógicos, estão postas as atividades
emergenciais.
Para Pinto (2011), é somente a partir da atuação do
coordenador junto ao professor e ao aluno que haverá viabilidade e
vitalidade do trabalho planejado. O autor afirma que o trabalho do
coordenador deveria ser com os professores e não somente para os
professores, reafirmando a lógica do trabalho coletivo. Nestes
moldes, a função de coordenação pedagógica se organiza a partir de
pressupostos teóricos voltados à articulação do trabalho coletivo,
com foco na atuação dos professores, bem como no processo ensino-
aprendizagem. Para Soares:

[...] o coordenador pedagógico reconhece que está em


constante mudança, tornando-se parceiro político-
pedagógico do professor. Em parceria com o professor, o
Coordenador Pedagógico contribui para integração de
novos conteúdos, para a constante revisão do currículo, a
organização do trabalho pedagógico da escola e das
metodologias afixadas na transmissão do conhecimento,
dando ao professor a oportunidade de um movimento de
atualização constante, no qual os saberes e os
conhecimentos confrontam-se desencadeando a
construção de novos conceitos (Soares, 2011, p. 116).

196
Se essa é a lógica do trabalho estabelecido para o coordenador
pedagógico, se ele deveria ser o agente articulador da prática
pedagógica, como isso seria possível sem nenhum movimento de
formação continuada?
Para Altendelfer (2005), a presença desses movimentos de
formação continuada, baseados numa concepção crítica, é
fundamental, uma vez que é imprescindível que o profissional da
educação se aproprie constantemente dos avanços das ciências e das
teorias pedagógicas, incorporando-as ao fazer pedagógico,
resultando na construção e no domínio da sua práxis. Pois:

É na e pela interação entre dois sujeitos reais, concretos,


situados em determinado espaço e tempo sócio-histórico
que a aprendizagem ocorre. O trabalho do educador
assume então, nessa perspectiva, importância
fundamental, uma vez que este se constitui como
mediador (Altenfelder, 2005, p. 147).

Podemos, facilmente, trazer as contribuições dessa autora para


a realidade vivenciada pelos coordenadores pedagógicos. Estes
necessitam, além de vivenciar a realidade das escolas, entendê-las,
problematizá-las e discuti-las. Isso só é possível se for feito com seus
pares, em exercícios ou movimentos de formação continuada, pois:

A função de Assistente Técnico-pedagógico, com pouca


tradição, assim como a coordenação pedagógica, está em
vias de construção. Todavia, percebo grande potencial
nestes profissionais, que necessitam edificar sua função
nas escolas catarinenses, criar história e tradição, com
espaços propícios para discussão da função e de suas
ações. Seu trabalho necessita estar pautado na mediação e
na articulação do trabalho coletivo, apropriando-se dos
olhares de constatação e reflexão, atendendo a demanda
da escola, com interesses e necessidades de toda a
comunidade escolar. Mas, para isso, eles precisam de
formações constantes (Corrêa, 2013, p. 124).

197
Frente a essas questões, existe também a necessidade de
repensar o papel e organizar documentos e legislações que
expressem políticas públicas capazes de interpretar as ações
expostas em documento como abrangentes, que possibilitam muitos
olhares. Este fato justifica a queixa dos Assistentes Técnico-
pedagógicos pela ausência de formação continuada e de encontros
que possibilitem a discussão do cotidiano vivenciado por eles, de
modo a interpretar, repensar e avaliar as atribuições propostas no
documento e aquelas realizadas nas escolas.
Para Garrido (2009, p. 10), é importante investir na formação
do coordenador, já que “ele é o agente estimulador e articulador
desse processo”. Entretanto, é preciso que ele, figura isolada em sua
unidade escolar, tenha garantido um espaço coletivo de discussão,
seja para partilhar experiências, seja para refletir sobre sua prática.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Diante das questões abordadas nesta discussão, percebemos


que o papel do coordenador pedagógico surgiu para atuar como
mediador e interlocutor, num trabalho articulado com o grupo, sob
o objetivo de unificar o trabalho desenvolvido no ambiente escolar.
Para Placco (2010), esse coordenador pedagógico efetivamente
comprometido com seu trabalho deve seguir os princípios da
educação democrática.
Considerando essas diferentes possibilidades que constituem
o trabalho e a trajetória desses profissionais, é importante lembrar
que essa é uma função em vias de construção (Waltrick, 2008), já que
sua constituição é historicamente recente. Por conta dessa principal
característica, é possível considerar algumas dificuldades no
desenvolvimento do trabalho dos coordenadores pedagógicos, que,
ao enfrentarem o cotidiano escolar, se viram seduzidos pelas
necessidades emergenciais.

198
Essa tendência de dar respostas às exigências cotidianas,
característica percebida durante a organização das pesquisas
anteriormente citadas, trouxe prejuízos para esses profissionais que
não conseguiam seguir seus planejamentos, ficando na dependência
dos acontecimentos e ações do cotidiano. Realizando, portanto, um
trabalho baseado nas causas emergenciais, negligenciando ou
secundarizando as necessidades didáticas e pedagógicas que
circundam o processo de ensino e aprendizagem.
Esses achados nos permitiram voltar ao passado, fazer uma
nova análise, reescrever o já escrito. Assim, tais ações podem, de
certo modo e/ou dependendo da análise, significar ou representar
um retrocesso. Contudo, diante do exercício feito aqui e das
possibilidades que este representou, acreditamos que partir do que
já havia sido discutido, tendo a oportunidade de acrescentar novos
olhares e novas proposições, foi, por dois motivos, um privilégio.
O primeiro motivo refere-se ao fato de retomar as discussões
acerca da coordenação pedagógica, em especial no estado de Santa
Catarina, assunto pouco explorado nas pesquisas realizadas. O
outro motivo refere-se, invariavelmente, ao triste fato de constatar
que, algum tempo depois das queixas observadas sobre a ausência
da formação continuada por parte desses profissionais, nada
mudou. Afinal, não encontramos registros de nenhum movimento
de formação continuada para esses profissionais.
Diante desta constatação, nos cabe deixar registrado, ainda em
tempo, que esses coordenadores pedagógicos continuam atuando
nas escolas. Que seus desejos e necessidades não foram, ainda,
superados. E, por fim, deixamos um questionamento: o que poderia
ter sido diferente se eles tivessem acesso à uma política de formação
continuada comprometida com a ação e com a reflexão?

REFERÊNCIAS

199
ALMEIDA, L. R. (2010). Um dia na vida de um coordenador pedagógico de
escola pública. In: PLACCO, V. M. N. S.; ALMEIDA, L. R. O coordenador
pedagógico e o cotidiano da escola. 7. ed. São Paulo: Edições Loyola.

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saberes. In: ALMEIDA, L. R. e PLACCO, V. M. N. de S. O coordenador pedagógico
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Santa Catarina, Florianópolis.

202
_______________Sobre os Autores_____________

Ana Carine dos Santos de Sousa Paiva


Doutoranda e Mestre em Educação Brasileira pela Universidade
Federal do Ceará (UFC). Psicomotricista Relacional pelo Centro
Internacional de Análise Relacional (CIAR) e Pedagoga pela UFC.

E-mail: carine_santos_sousa@yahoo.com.br

Andeilma Fernandes de Lima


Mestra no Programa de Pós-Graduação Profissional em Formação
de Professores da Universidade Estadual da Paraíba
(PPGPFB/UEPB). Linha de Pesquisa: Ciências, Tecnologias e
Formação Docente. Especialista em Educação Inclusiva no Centro
Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Bacharel e Licenciada em
Ciências Biológicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Professora da Universidade Aberta Vida (UNAVIDA) e Técnica de
Laboratório em Genética na Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB).
E-mail: andeilma@yahoo.com.br

Clemilson Cavalcanti da Silva


Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal da Paraíba (PPGE/UFPB). Mestre
em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal da Paraíba (PPGE/UFPB). Linha de Pesquisa:
Processos de Ensino-Aprendizagem. Especialista em Educação
Ambiental pelas Faculdades Integradas de Patos (FIP), Bacharel e
Licenciado em Ciências Biológicas e Licenciado em Pedagogia pela
Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pesquisador do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Filosofia e Psicologia da Educação –
ÁGORA/UFPB. Professor da Educação Básica da Rede oficial.
E-mail: ccsbio@gmail.com

203
Edson do Carmo Inforsato
Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-
doutorado pela Universidade de Lisboa na área de formação
continuada de professores. Professor Assistente na Universidade
Estadual Paulista (UNESP), na Faculdade de Ciências e Letras.
Araraquara – SP - BRasil.
E-mail: tamoyo@fclar.unesp.br

Eliana Alves Arxer


Doutoranda em Educação Escolar na Universidade Estadual
Paulista (UNESP). Mestre em Educação pela Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar). Professora Estadual no Estado de São Paulo
e Municipal. Araraquara – SP - Brasil.
E-mail: nana_unesp@yahoo.com.br

Emerson Augusto de Medeiros


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual do Ceará – UECE. Mestre em
Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Professor
Assistente da Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA.
E-mail: emerson.medeiros@ufersa.edu.br

Ercules Laurentino Diniz


Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação - PPGE/UFPB.

E-mail: ercules.diniz@hotmail.com

204
Flávia Vieira
Doutoramento em Educação pela Universidade do Minho
(Portugal), Mestrado em Didática do Inglês pela Universidade de
Aveiro (Portugal). Professora Catedrática da Universidade do
Minho. Centro de Investigação em Educação (CIEd).
Email: flaviav@ie.uminho.pt

Genilson José da Silva


Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação - PPGE/UFPB.

E-mail: genilsonjos27@gmail.com

José Anderson Santos Cruz


Doutorando em Educação Escolar na Universidade Estadual
Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara.
Editor Adjunto Executivo de Periódicos. Mestre em Televisão
Digital pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), na Faculdade
de Arquitetura, Artes e Comunicação. Araraquara – SP – Brasil.
ORCID: <https://orcid.org/0000-0001-5223-8078>.
E-mail: joseandersonsantoscruz@gmail.com

José Antonio Novaes da Silva


Professor Associado III, do Departamento de Biologia Molecular
(DBM) do Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN) e
professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPB.
E-mail: baruty@gmail.com

205
José Luís Bizelli
Livre Docente e Coordenador do Programa de Pós-graduação na
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e
Letras. Araraquara – SP – Brasil. ORCID: <http://orcid.org/0000-
0002-6634-1444>.
E-mail: bizelli@fclar.unesp.br.

Maria Aparecida Rosa de Andrade


Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação - PPGE/UFPB.

E-mail: andrade_alcantara2011@live.com

Maria das Graças de Almeida Baptista


Profª Dra. do Programa de Pós-Graduação em Educação
PPGE/UFPB .

E-mail: mgabaptista2@yahoo.com.br

Maria de Lourdes Tavares Magalhães


Mestranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do
Ceará (UFC), com eixo de pesquisa voltado para a formação de
professores. Pedagoga pela Universidade Regional do Cariri
(URCA) e especialista em psicologia aplicada à educação também
pela URCA.

E-mail: lourdesmari05@yahoo.com.br

206
Maria Nerice dos Santos Pinheiro
Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). Especialista em Psicopedagogia pelo Centro Universitário
Unichristus. Pedagoga pela Universidade Estadual do Ceará –
UECE.

E-mail: nematu@gmail.com
Sarah Bezerra Luna Varela
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual do Ceará – UECE. Mestra em
Educação pelo mesmo programa. Professora Assistente da
Universidade Estadual do Ceará – UECE.
E-mail: sarahvarela@hotmail.com

Shirlei de Souza Corrêa


Doutora em Educação pela UNIVALI. Mestrado na mesma
instituição. Docente do curso de Pedagogia.
E-mail: shirleiscorrea@hotmail.com

Thaís Conte Vargas:


Mestranda em Educação Escolar na Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara – SP – Brasil.
ORCID: <https://orcid.org/0000-0001-8127-5257>.
E-mail: thaisvconte@hotmail.com

Talita Almeida Rodrigues


Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Pedagoga, também pela UFC. Possui interesse por pesquisas que se
relacionam com a temática Formação de Professores, desenvolvendo
estudos nessa área.

E-mail: talitarodrigues.fp@gmail.com

207
__________Sobre os Organizadores___________

Ana Isabel Andrade


Professora Associada no Departamento de Educação e Psicologia da
Universidade de Aveiro. Licenciada em Línguas e Literaturas
Modernas pela Universidade de Coimbra, doutorou-se em 1997, na
Universidade de Aveiro, com uma tese em Didática de Línguas.
Tem sido responsável por unidades curriculares nos cursos de
formação inicial e pós-graduada de professores. Participou em
vários projetos de investigação e de formação, tendo coordenado o
projeto ILTE (Intercomprehension in Language Teaching Education),
financiado pelo Programa Socrates, e o projeto Línguas e Educação:
construir e partilhar a formação, financiado pela FCT. Orientou várias
dissertações de mestrado e teses de doutoramento, contando com
várias publicações em livros, capítulos de livros e artigos em
revistas nacionais e internacionais.

E-mail: aiandrade@ua.pt

Luís Távora Furtado Ribeiro


Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do
Ceará (1983); mestrado em Educação pela Universidade Federal do
Ceará (1990) e doutorado em Sociologia pela Universidade Federal
do Ceará (2002). Concluiu Estágio Pós-doutoral na École de Hautes
Études en Sciences Sociales (EHESS) sob a supervisão de Michel
Löwy com bolsa CNPq. É professor titular da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Ceará, atuando na graduação
e pós-graduação (mestrado e doutorado em Educação) nas linhas:
Educação, Currículo e Ensino e História e Memória da Educação.
Foi diretor eleito da Faculdade de Educação da UFC por 2 mandatos
entre 2003-2011. Professor colaborador do mestrado intercampi
Feclesc/Fafidam em Educação da Universidade Estadual do Ceará.
Coordena o Projeto de Pesquisa Intitulado ASPECTOS
HISTÓRICOS E ATUAIS SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL. Foi professor da educação

208
básica por 10 anos. Tem cursos na área de educação no Instituto
Aharon Ofri em Israel e no CPEIP no Chile. Atua nas áreas formação
de professores; política educacional e financiamento da educação;
movimentos sociais e escola; ensino de história e geografia; história
da educação; sociologia e filosofia da educação; educação e religião;
diretrizes curriculares; metodologias de ensino e ética. . Foi
presidente do Fórum de Diretores de Centros e Faculdades de
Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR). É
membro da Anfope (Associação Nacional para Formação de
Profissionais em Educação) e colabora com o Instituto Anísio
Teixeira (INEP/MEC) na qualidade de Avaliador do Basis para
reavaliação e supervisão especial dos cursos de Pedagogia e
Ciências Sociais em todo o Brasil. Professor-pesquisador do
Convênio de Colaboração entre o Programa de Mestrado em
Antropologia de Iberoamérica da Universidade de Salamanca (MAI)
e Linha de Pesquisa Marxismo, Educação e Luta de Classes (E-Luta)
do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da
Universidade Federal do Ceará (UFC).

E-mail: luistavora@uol.com.br

Maria Auxiliadora Soares Fortes


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do
Ceará (1999), mestrado em Educação pela Universidade Federal do
Ceará (2002). Doutorado em Educação pela Universidade Federal do
Ceará (2006) e Pós-Doutorado no Centro de Investigação Didactica
Tecnologia em Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade
de Aveiro - Portugal (2011) com financiamento CAPES. Pós
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Ceará/Brasil.Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em escola pública, atuando principalmente
nos seguintes temas: coordenação pedagógica, currículo, gestão
escolar, cultura discente, formação docente, telensino, política
educacional e educação a distância.

E-mail: aucyfortal@gmail.com

209
Osmar Hélio Alves Araújo
Professor, licenciado em Letras (UVA/2011) e Pedagogia
(UNISUL/2017), com especialização em Supervisão e Orientação
Educacional (UNICID/2012); Mestrado em Educação (UFC/2016), e,
atualmente, cursa Doutorado em Educação, pela UFPB, ambos com
foco na relação indissociável entre formação de professores e
coordenadores pedagógicos. Em sua trajetória
acadêmica/profissional, foi professor da Educação básica (Educação
Infantil ao Ensino Médio) na Rede Municipal e Estadual de Ensino
do Ceará (2001-2011); atua no Ensino Superior, notadamente nos
Cursos de Licenciatura, desde 2011. Foi formador do Pacto Nacional
pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC/UFC) (2014); Supervisor
Educacional na Diretoria de Ensino da Secretaria de Educação de
Ipueiras (CE) (2006 -2012); professor dos cursos de Letras e Ciências
Biológicas, da Universidade Regional do Cariri (URCA) (2016-2018),
Campus Missão Velha (CE), onde consolidou pesquisas no campo
da formação docente, sobretudo, com foco na Didática e Pedagogia,
trabalho docente e práticas pedagógicas. Atualmente é membro do
Grupo de Pesquisa cadastrado junto ao CNPq: Formação Docente,
História e Política Educacional (GPFOHPE - UFC). Docente no
Curso de Letras do Plano Nacional de Formação de Professores da
Educação Básica (PARFOR/UVA). É sócio da Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), GT: 08
Formação de professores; e da Associação Nacional de Política e
Administração da Educação (ANPAE).

E-mail: osmarhelio@hotmail.com

210
Edições Hipótese

W
211

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