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A FORMAÇÃO/PROFISSÃO
DOCENTE NO CONTEXTO
NACIONAL/INTERNACIONAL:
entre cenários, análises e
possibilidades
Edições Hipótese
W
Ana Isabel Andrade
Luís Távora Furtado Ribeiro
Maria Auxiliadora Soares Fortes
Osmar Hélio Alves Araújo
Organizadores
A FORMAÇÃO/PROFISSÃO
DOCENTE NO CONTEXTO
NACIONAL/INTERNACIONAL: entre
cenários, análises e possibilidades
2018
2
Ana Isabel Andrade
Luís Távora Furtado Ribeiro
Maria Auxiliadora Soares Fortes
Osmar Hélio Alves Araújo
Organizadores
Autores
Ana Carine dos Santos de Sousa Paiva
Ana Isabel Andrade
Andeilma Fernandes de Lima
Clemilson Cavalcanti da Silva
Edson do Carmo Inforsato
Eliana Alves Arxer
Emerson Augusto de Medeiros
Ercules Laurentino Diniz
Flávia Vieira
Genilson José da Silva
José Anderson Santos Cruz
José Antonio Novaes da Silva
José Luís Bizelli
Luís Távora Furtado Ribeiro
Maria Aparecida Rosa de Andrade
Maria Auxiliadora Soares Fortes
Maria das Graças de Almeida Baptista
Maria de Lourdes Tavares Magalhães
Maria Nerice dos Santos Pinheiro
Osmar Hélio Alves Araújo
Sarah Bezerra Luna Varela
Shirlei de Souza Corrêa
Talita Almeida Rodrigues
Thaís Conte Vargas
3
A553a
EDIÇÕES HIPÓTESE
http://nutecca.webnode.com/
4
______Conselho Editorial e Científico_______
5
______________Ficha Técnica_______________
Direção Editorial
Ivan Fortunato
Revisão final
Maria Auxiliadora Soares Fortes
Osmar Hélio Alves Araújo
Revisor
Welton Pereira e Silva
6
_________________Sumário_________________
Editorial ....................................................................................................10
Alexandre Shigunov Neto & Ivan Fortunato
7
05. O EMPREENDEDORISMO EDUCACIONAL, A EDUCAÇÃO
A DISTÂNCIA E A FORMAÇÃO DOCENTE: desafios à educação
pública no Brasil.....................................................................................75
8
09. O POTENCIAL TRANSFORMADOR DA INVESTIGAÇÃO
DOS PROFESSORES............................................................................158
Flávia Vieira
Sobre os Organizadores.......................................................................208
9
________________Editorial_________________
10
01. ATUAÇÃO DO PROFESSOR NA
EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
INTRODUÇÃO
11
acesso à informação, tendo como principal fator a internet, na qual
os estudantes estão conectados assiduamente?
Utilizou-se o levantamento bibliográfico, através do qual
houve um mergulho nas discussões sobre esse tema e, em seguida,
diante dos resultados teóricos adquiridos, houve a discussão com
possíveis argumentos mediante experiências e relatos de autores
analisados. A escolha dos textos partiu da ideia central pela busca
da palavra-chave “formação do professor e tecnologias”.
Entende-se que a educação é complexa em todos os sentidos,
pois, para que se possa articular e discutir o ato de educar, vários
fatores estão intrinsecamente interligados. Fatores esses que fazem
conexão com políticas públicas, formação do sujeito, legislação
federal, estadual e municipal, formação do professor, gestão escolar,
uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC), sala de
aula, modelos e processos de ensino e aprendizagem e
financiamento da educação pelos órgãos competentes. Mas, neste
texto, articula-se a educação à formação do professor no cenário
tecnológico e à internet, cada vez mais sendo acessada pelos
estudantes de vários locais, a qualquer tempo.
Assim, não há mais espaço e tempo, mas a virtualidade e a
rede, as quais são bombardeadas com infinitas informações, desde
notícias às mais variadas vídeo-aulas, com suas formas interativas
de informar o internauta. A internet mudou a forma de estudar, de
ler. E, nesse cenário, o professor deixou de ser o único porta-voz do
conhecimento.
EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
12
desenvolve-se a necessidade de que a questão tecnológica e
informacional (um dos carros-chefes do contexto atual) seja
integrada à educação, desenvolvendo direta ou indiretamente novas
dinâmicas de aprendizagem, como aponta Santos Cruz e Bermejo:
13
de redes e virtualização da comunicação e da informação
em nível mundial e (3) articulação entre diversos e
complexos movimentos socioculturais pós 1960 que têm
redesenhado as relações estabelecidas entre os indivíduos,
as instituições, as organizações e os vários grupos que dão
consistência ao chamado “tecido social” (Oliveira,
Martins; Duarte, 2017, p. 1443).
14
Rosa, Grosch e Lorenini (2017, p. 1053) reforçam essa ideia e
apontam ainda que há uma “distinção singular dos sujeitos”,
manifestada no grupo através das ações e dos discursos e, por isso, a
importância da ação em conjunto (comportamento próprio das
comunidades políticas, que se acertam acerca de uma direção
comum para toda e qualquer ação).
15
Fica evidente a importância do entrosamento na relação entre
professores e tecnologias, sobretudo, entendendo-se que a formação
integral atual inclui também a formação para o trabalho (ROCHA;
MOREIRA, 2017, p. 354). Nesse sentido, é necessário que a formação
docente desenvolva o entendimento dessas tecnologias e a aplicação
delas dentro e fora da sala de aula, associando esses conhecimentos
ao conteúdo proposto pela instituição:
16
professores. Os autores destacam ainda que, até então, as políticas
públicas nesse sentido mostram-se subservientes a uma
“racionalidade instrumental” que acaba deixando de lado aspectos
históricos e sociais no meio (“a totalidade do processo”). Essa
questão, para os autores, deve servir como objeto de análise a partir
de “perspectivas de racionalidade possível”, no sentido de superar
as limitações atuais. Ao se desprender das amarras da racionalidade
instrumental, o professor é capaz de reinventar suas praticas e
adaptá-las da melhor maneira para que corresponda às mudanças
pelas quais a sociedade passa:
17
[...] Deste modo, a escola precisa instigar os professores a
penetrarem no contexto das tecnológicas móveis, visto que
a população discente está, cada vez mais, sendo intimada
à cultura midiática. (Araújo; Ribeiro; Pinheiro, 2016, p. 96).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
18
aliadas para os professores não só dentro da sala de aula, como fora
dela, visto que a pedagogia transcende o ambiente escolar.
Os recursos são extremamente poderosos e é importante que
haja, dentro do campo do ensino, uma maneira de educar e prevenir
sobre o uso dos mesmos. Para tanto, fica a cargo tanto do poder
público (no sentido de incentivar e promover uma melhor condição
de trabalho e formação continuada para a categoria docente), quanto
para o professor, que deve, através da sua prática e entrosamento
tecnológico, tirar o maior proveito do uso – e do consumo consciente
– desses novos recursos, próprios da era tecnológica.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, O. H. A.; RODRIGUES, J. M. C.; ARAGÃO, W. H. (2017). O
(des)lugar da pedagogia e da didática na formação dos professores. Revista on
line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v.21, n.01, p. 215-226. ISSN:
1519-9029.
19
ROCHA, R. F. Z.; MOREIRA, H. (2017). Escolas públicas do município de
Curitiba: as novas tecnologias nas escolas de tempo integral. Revista Ibero-
Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v.12, n.1, p. 350-370.E-ISSN:
1982-5587.
20
02. CUIDAR E EDUCAR NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: perspectiva desafiadora na formação
inicial de professores para a primeira infância
PRIMEIRAS REFLEXÕES
21
Nesse sentido, a fim de atender não só os objetivos
educacionais, mas os direitos das crianças, é importante que os
professores que trabalham com indivíduos na faixa etária de zero a
cinco anos possam desenvolver práticas subsidiadas no paradigma
do cuidado e educação. Logo, para as crianças que frequentam as
turmas de Educação Infantil, é fundamental que o professor possa se
apresentar como um profissional parceiro e capaz de apoiá-las na
realização de diferentes tipos de atividades que são desenvolvidas
nesse contexto, através das diferentes vivências diárias que podem
ser propostas na Creche e na Pré-Escola.
No entanto, é preciso sinalizar que é comum que o processo
educativo seja associado a modelos instrucionais e/ou
escolarizantes de educação (Andrade, 2009; Corsaro, 2011; Gomes;
Vieira, 2014), em que há, necessariamente, uso de material didático,
livros, cadernos, lápis e a presença do professor como principal
transmissor de conhecimentos. Todavia, é preciso rememorar que
todas as atividades realizadas na Educação Infantil são situações
educacionais, mesmo aquelas associadas, no senso comum, a
"experiências de cuidado", como se fosse possível cindir cuidado e
educação (Didonet, 2003).
Essa realidade torna latente a importância de se fazer uma
revisão acerca do significado de cuidado e educação na formação
inicial de professores para a primeira infância. Se para as crianças
pequenas, por lei, está prevista a oferta de uma educação integral,
faz-se necessário que o professor seja um profissional possuidor de
conhecimentos que extrapolem os limites de uma perspectiva
escolarizante de educação.
A partir disso, alguns desafios se apresentam para os cursos
de formação inicial. É urgente que os cursos de licenciatura em
Pedagogia possam oportunizar a construção de saberes e práticas
que possibilitem aos docentes vir a ser realizadores e parceiros no
atendimento das necessidades e direitos das crianças na faixa etária
de zero a cinco anos, o que inclui a realização de atividades que,
22
muitas vezes, são associadas a atribuições da figura materna ou a
ocupações que se dão no cenário doméstico (Cerisara, 1996).
Para um debate nessa perspectiva, este artigo, inicialmente,
versa sobre as especificidades da docência a ser desenvolvida na
primeira etapa da Educação Básica, tomando o binômio do cuidado
e educação como o principal eixo organizador desta atividade
profissional. Em seguida, o debate recai sobre a relevância de se
propor uma revisão dos cursos de formação inicial de professores
que trabalham com bebês, crianças bem pequenas e crianças
pequenas, a fim de se buscar formar profissionais conscientes de seu
papel e capazes de fomentar práticas de boa qualidade no âmbito de
Creches e Pré-Escolas. Por fim, as Considerações "finais" reafirmam
o desafio a ser enfrentado pelas instituições formadoras,
profissionais e políticas públicas, tendo como meta primordial a
constituição de uma docência habilitada para o exercício de uma
prática consonante com o discurso contido nos documentos legais e
capaz de contribuir, de forma efetiva, para mediar a construção dos
conhecimentos das crianças e, por conseguinte, promover o
desenvolvimento infantil.
23
etária das crianças que frequentavam esses espaços, mas pela
condição social do público que era atendido.
A Pré-Escola se firmou como estabelecimento desenvolvedor
de um trabalho de caráter "pedagógico", portanto, de educação.
Nessa perspectiva, a Creche, local onde as crianças eram
alimentadas e higienizadas na ausência de familiares e/ou
responsáveis trabalhadores, se estabelecia como lugar de "cuidado"
(Oliveira, 2011). Essa realidade demonstra o quanto a concepção de
cuidado se relacionava ao desempenho de ações ligadas ao corpo e
ao bem estar físico das crianças. Nesse mesmo sentido, a ideia de
educação também acabava por se limitar, pois estava associada aos
processos de ensino (Campos, 2008; Azevedo, 2013). O conteúdo
expresso pelo Parecer 20/2009 (Brasil, 2009) clarifica essa reflexão ao
afirmar que:
24
[...] o papel dos professores de crianças pequenas, em
muitos aspectos, similar ao papel dos outros professores,
mas é diferente em muitos outros. Estes aspectos
diferenciadores configuram uma profissionalidade
específica do trabalho das educadoras de infância. Os
próprios actores envolvidos na educação de infância têm
sentimentos mistos no que se refere à questão de serem
iguais ou diferentes dos outros professores,
nomeadamente professores do ensino primário.
25
Esta delicadeza faz referência à complexidade na qual se
configura essa prática docente, haja vista que essa atividade deriva
da globalidade, da vulnerabilidade e da dependência, características
específicas ao estágio de desenvolvimento em que se encontram as
crianças em Creches e Pré-Escolas. Tais especificidades acabam
gerando uma abrangência de tarefas (Oliveira-Formosinho, 2011)
que compete ao docente neste cenário. Por isso, em suma, o
professor da primeira infância tem o papel de articular cuidado e
educação, afetos e competência técnica para lidar com a demanda
integral das crianças. Essa articulação diz respeito a saberes e
habilidades que estão para além da transmissão de conteúdos.
Assim, o modelo de professor acima descrito, necessário ao contexto
da Educação Infantil, ainda parece uma experiência distante dos
discentes que cursam a licenciatura em Pedagogia.
Considerando tudo o que foi expresso até aqui, torna-se
imprescindível ampliar as discussões acerca da formação inicial de
professores para a primeira infância sob a perspectiva da
indissociabilidade de cuidado e educação. Afinal, parece urgente a
necessidade de superar concepções e discursos que dicotomizam
esses elementos, haja vista que, como asseveram Craidy (2003) e
Didonet (2001), não se educa sem cuidado e não se cuida sem
educação.
26
Kishimoto (2011, p. 107), ao fazer menção aos cursos de
formação inicial dos profissionais que atuarão na educação de
crianças de zero a cinco anos, seja ao nível de licenciatura ou no
Ensino Médio na modalidade Normal, assevera que essas formações
“não respeitam a especificidade da educação infantil”. A ausência
ou o parco investimento no debate e nas reflexões sobre a realidade
que envolve o trabalho com bebês, crianças bem pequenas e crianças
pequenas vem acarretando, ano após ano, a formação de
profissionais que realizam práticas escolarizantes que, no entanto,
ainda enfatizam um modelo de docência que não é conveniente aos
objetivos traçados para a primeira etapa da Educação Básica
(Andrade, 2007; Cruz, 2011; Kshimoto, 2011; Machado, 1999).
Talvez, uma das questões mais problemáticas com relação ao
perfil do docente para a Educação Infantil seja o fato de ainda ser
grande a quantidade de "professores [que] costumam rejeitar as
responsabilidades ligadas à proteção e ao cuidado, pois a imagem
que formaram sobre sua profissão é baseada exclusivamente na
atividade de ensino" (Campos, 2008, p.127). Este ponto mencionado
por Campos (2008) parece ser reforçado, inclusive, pela presença de
auxiliares de sala2 em turmas de Creches e Pré-Escola, seja no
âmbito público ou privado, afinal, essas profissionais são
contratadas para desempenhar atividades de banho, de alimentação,
higienização, dentre outras que envolvem o corpo das crianças.
Deste modo, a contratação de auxiliares parece não só revelar as
lacunas deixadas pela formação inicial de professores, mas
contribuir para a reprodução de uma concepção que dicotomiza
educação de cuidado (Pinheiro, 2017).
Ainda é relevante salientar que, assim como existem
professores que "rejeitam" as tarefas "manuais" e ligadas ao corpo
das crianças, há, também, professores que, nas suas práticas
2Para se aprofundar neste tema, é possível consultar a dissertação intitulada: “Não! A auxiliar
não é a professora: o papel das auxiliares da educação infantil no contexto de creche no
município de Fortaleza (PINHEIRO, 2017).
27
cotidianas, dão ênfase à realização dessas atividades, de maneira
que as crianças são pouco oportunizadas a experimentar situações
que envolvam a contação de histórias, o trabalho com arte, desenho,
dentre outras. Uma docência nesses moldes parece estar associada a
um projeto de cuidado e educação "para a subalternidade"
(Rosemberg, 2002). Ou seja, desvinculado de uma concepção de
criança como sujeito e de Educação Infantil como experiência
libertadora e promotora do desenvolvimento integral das crianças.
Feitas essas reflexões, a ideia de Saviani (2013, p.227) mostra-
se pertinente para este momento da discussão que vem sendo tecida
até aqui, afinal, o referido autor afirma sobre a dificuldade de se
alcançar um posicionamento no meio educacional que denote
equilíbrio decorre do fato de que:
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certezas, a fim de que a formação inicial de professores possa ocupar
o espaço de principal transformadora deste cenário que muito
discorre sobre cuidado e educação, mas parece ainda não perceber
esses elementos como verdadeiramente imbricados.
Contudo, para propor uma formação inicial que contemple e
forme os futuros professores para as especificidades do trabalho a
ser realizado em Creches e Pré-Escolas, é primordial que os
estudantes nas licenciaturas3 acessem as rotinas e a vida que
acontece cotidianamente nos espaços e tempos da Educação Infantil.
A possibilidade de estar inserido nesse contexto institucional, ao
longo de todo o curso, significa o contato com a realidade inerente
ao trabalho com crianças pequenas. Nesse sentido, o pensamento de
Campos (2007, p.127) se revela como importante quando assevera
que:
3Ainda que a LDB (BRASIL, 1996) admita a formação no Ensino Médio na modalidade Normal,
o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) coloca como meta a formação docente em nível
superior. Contudo, vale destacar que, no ano de 2017, o presidente Michel Temer aprovou a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que “congela” os investimentos dirigidos à área
educacional do país durante 20 anos. Essa decisão acaba dificultando a conquista dos objetivos
previstos no plano mencionado.
4 É possível consultar a grade curricular dos cursos supracitados nos sites das referidas
universidades.
29
se leva em conta que o pedagogo é, especificamente, o profissional
que atua no cuidado e educação de crianças na primeira etapa da
Educação Básica. Nos referidos currículos, estão ausentes disciplinas
que abordem temáticas como alimentação, troca de fraldas,
higienização, saúde e bem estar de bebês, crianças bem pequenas e
crianças pequenas. Junto a isso, o debate sobre a identidade e a
profissionalidade específica do professor de Educação Infantil
parece, também, ter pouco espaço nas licenciaturas em Pedagogia. É
importante salientar que todos esses conteúdos estão diretamente
relacionados ao paradigma do cuidado e educação, pois a
construção desse conhecimento não se dá de forma isolada, mas de
maneira articulada com todas as temáticas aqui mencionadas.
A ausência ou a pouca ênfase em estudos voltados para esses
temas na formação inicial de professores apresenta-se como
problemática a ser refletida pelos profissionais do setor educacional,
bem como pelas políticas públicas e agências formadoras. Afinal,
muitas das atividades exercidas por docentes na Educação Infantil
ainda permanecem sendo associadas a atribuições que não exigem
um conhecimento específico para a sua realização. Atividades como
trocar fraldas, alimentar e higienizar as crianças foram e ainda
continuam sendo associadas a incumbências destinadas às figuras
do sexo feminino, realidade que decorre, mas que também é
reforçada pelo "mito da educadora nata"5 (Arce, 2001).
Porém, é na formação inicial que se torna possível tratar esses
saberes como um conhecimento específico, necessário e que exige
5 Ao fazer referência ao mito citado neste artigo, Arce (2001, p.170) esclarece que a sua
percepção com relação a este tema, ao afirmar que esse conceito decorre da "constituição
histórica da imagem do profissional de educação infantil tem estado fortemente impregnada do
mito da maternidade, da mulher como rainha do lar, educadora nata, cujo papel educativo
associa-se necessariamente ao ambiente doméstico, sendo, assim, particularmente importante
nos primeiros anos da infância. O início da educação de todo indivíduo deveria, assim, ser uma
extensão natural da maternidade. Cumpre, entretanto, destacar que esse mito da mulher mãe e
educadora nata exerce seu maior poder orientador no período relativo aos anos iniciais da vida
dos indivíduos, não sendo atribuída à mulher a responsabilidade sobre a educação em geral.
Durante o século XVIII o útero e a função de reprodução referendaram este mito".
30
formação para ser realizado com e para crianças em instituições
formais de cuidado e educação. Desse modo, inserir a
aprendizagem, teórica e prática, dessas atividades no contexto
acadêmico significa conferir a tais atribuições o status de
conhecimento científico. Esta parece uma atitude urgente, pois,
conforme assinala Kramer (2011, p. 125), “o magistério infantil”
ainda é compreendido como profissão que “necessita de pouca
qualificação e tem menor valor”. Essa visão leva os professores a
não “perceber o poder da profissão” que escolheram, bem como a
responsabilidade que é trabalhar com os primeiros anos de vida do
ser humano.
Por isso, pensar numa formação que toma o cuidado e
educação como pressuposto para o desenvolvimento de boa
qualidade do trabalho com crianças pequenas em Creches e Pré-
Escolas significa ampliar a visão que limita o ato de cuidar ao
aspecto físico e corporal da criança e o educar às práticas com
moldes "escolares".
Sendo assim, não cabe aos cursos de formação inicial apenas
proferir o discurso do cuidado e educação, mas conscientizar, por
meio da práxis, os futuros pedagogos sobre as competências a serem
assumidas pelos professores que trabalham com a primeira infância.
Essa conscientização se constrói, também, através da imersão no
contexto das instituições de educação. Os cursos de licenciatura em
Pedagogia, muitas vezes, oportunizam a imersão nas instituições de
Educação Infantil apenas nos semestres finais da graduação, através
dos estágios supervisionados. Entretanto, pensar na realização
dessas experiências desde o início do curso, articulando as
disciplinas pedagógicas com saúde, psicologia, sociologia, higiene,
dentre outros conhecimentos (Mantovani; Pernai, 1999; Maranhão,
2010), pode ajudar a complexificar as bases epistemológicas da
Pedagogia.
É possível que um modelo como esse possa vir a proporcionar
aos discentes a possibilidade de estar na universidade, no Ensino
31
Superior, problematizando temáticas que envolvam a Educação
Infantil a partir de elementos concretos e observados no "chão da
escola". Isso se faz necessário para buscar conscientizar e fortalecer a
concepção de que, na Creche, assim como na Pré-Escola, “o
pedagógico seja educacional e que o educacional seja pedagógico”
(Altino Filho, 2013, p.288) e que a identidade do professor da
primeira infância se desenvolve no exercício do papel de cuidador-
educador (Cruz, 2011).
Cuidar e educar, porque o professor de Educação Infantil
acolhe as crianças e familiares no momento de chegada à Creche ou
à Pré-Escola, compartilha com as famílias sobre episódios de
conflitos ou febre relacionados às crianças, cantarola canções com a
turma, planeja, desenvolve atividades em sala, conta histórias. Além
disso, (re)organiza os espaços utilizados pelas crianças a partir das
necessidades apresentadas pelo grupo, dá colo, troca fraldas, auxilia
e media as aprendizagens do grupo na hora do banho e das
refeições, preenche diário de classe, avalia, elabora relatórios,
acompanha o horário de repouso do agrupamento pelo qual é
responsável, dentre outras tantas atribuições que precisam ser
analisadas, discutidas e percebidas como práticas indissociáveis de
cuidado e educação a serem desenvolvidas por professores, assim
contratados e reconhecidos.
32
dicotomizadas e ainda tão presentes nas Creches e Pré-Escolas
acerca deste binômio. Pensar e propor esta ruptura significa assumir
a complexidade epistemológica necessária à formação de docentes
para a primeira infância a fim de que esses profissionais possam
contribuir com o desenvolvimento de práticas pedagógicas de boa
qualidade, ou seja, ações que denotem que se cuida educando e se
educa cuidando.
Esse grande desafio, portanto, está posto para os cursos de
formação inicial de professores para a primeira infância. Revisar os
currículos das licenciaturas em Pedagogia parece algo não só
necessário, mas urgente, pois a construção de uma concepção
atrelada de cuidado e educação pressupõe a articulação constante
deste binômio na formação teórica e prática dos futuros professores.
Ao mencionar os currículos, parece interessante explicitar
sobre a relevância de revisões, não apenas imediatas, mas
constantes, haja vista que o perfil docente não se trata de algo
engessado e pronto. De modo que, parece-nos pertinente que o
percurso formativo da docência para a primeira etapa da Educação
Básica possa ampliar seus horizontes, contudo, sem fragmentar e
sem tornar-se superficial. O que isso quer dizer? Esta reflexão
aponta para a importância de uma formação inicial em que os
estudantes, junto com os professores, vivenciem a articulação dos
saberes relativos à Pedagogia com outras áreas do conhecimento,
como: enfermagem, psicologia, sociologia, por exemplo.
O cuidado e educação das crianças pequenas revela como se
faz imprescindível não só cursar, mas refletir sobre o fazer
pedagógico na Educação Infantil a partir de disciplinas que
abordem não só didática, o planejamento de atividades, as
metodologias, a história da educação, dentre outras. Afinal, a troca
de fraldas, o banho, a alimentação da criança, a organização dos
espaços nas Creches e Pré-Escolas, o atendimento através dos
primeiros socorros, a importância do horário de repouso para o
desenvolvimento das crianças, assim como outros tantos temas que
33
poderiam ser aqui citados, na Educação Infantil, também se
configuram como práticas de cuidado e educação, portanto,
pedagógicas, devendo ser desenvolvidas por professores assim
formados e reconhecidos (Altino Filho, 2013, Pinheiro, 2017).
Abordar esses saberes como conhecimentos científicos,
legitimados pelo cenário acadêmico, pode vir a contribuir com a
superação de fazeres docentes que, muitas vezes, estão subsidiados
apenas em "saberes experienciais" (TARDIF, 2014). Esses
conhecimentos são importantes, sem dúvida, mas é na licenciatura,
no espaço do ensino superior, que se torna possível (re)significar
esses saberes através do exercício da práxis (Sánchez Vàzquez, 1977;
Frigotto, 2000; Freire, 2015; Medeiros e Cabral, 2006). Talvez, deste
modo, os futuros professores possam vir a aprender, de forma
efetiva, sobre a diversidade de conhecimentos necessários à
formação de docentes para o magistério com a primeira infância.
Daí, a relevância de se pensar constantemente sobre uma
formação inicial de professores que esteja comprometida com uma
ampla visão do que significa cuidado e educação numa perspectiva
indissociável.
Assim, por meio deste estudo, foi possível identificar a
necessidade de os professores em formação se apropriarem das
especificidades da docência quando esta diz respeito à primeira
etapa da Educação Básica, compreendendo a singularidade dos
saberes e práticas imprescindíveis para que se possa buscar garantir
a qualidade das interações das crianças com as diferentes situações
cotidianas que se dão em Creches e Pré-Escolas. Afinal, é através
delas e junto aos professores que esses sujeitos ampliam suas
aprendizagens e se desenvolvem.
Mudanças dessa ordem não se dão “de cima para baixo”. Para
que tenham efetividade, precisam ser construídas e compreendidas,
por isso, é necessário refletir, ressignificar e mobilizar saberes,
dialogando com crenças que há tempos estão enraizadas nas
práticas docentes (Arce, 2001). Nesse sentido, há, ainda, um longo
34
caminho para percorrer. Todavia, vale salientar que nada se muda
por decreto, mas pela constante análise e reformulação das situações
que permeiam o cenário educacional brasileiro e que ainda carecem
da construção de novo olhares, práticas e mudanças.
Deste modo, a práxis a ser almejada para a Educação Infantil se
faz com o atendimento às necessidades e aos direitos das crianças,
realidade que implica no investimento em políticas educacionais
que vislumbrem uma formação inicial em que o docente possa, de
fato, não apenas estar habilitado para a docência, mas que possa
estar ciente, em seus discursos e práticas, de que cuidar não se limita
ao corpo e ao bem-estar físico da criança. Junto a isso, este docente
também deve entender que o educar não pode ser tomado sob uma
perspectiva puramente escolarizante e associada a situações que
envolvem um professor que fala, crianças que ouvem, cadernos,
lápis, dentre outros elementos que, também, figuram os espaços
institucionalizados de educação.
São os saberes resignificados a partir da práxis que precisam
mobilizar e fundamentar as práticas docentes. Não apenas saberes
experienciais ou “facilidade” para lidar com crianças. É preciso
muito mais do que “boa vontade” para a promoção de processos de
desenvolvimento e aprendizagem de crianças pequenas. Essa parece
ser, portanto, ainda uma das principais lutas que deve mobilizar a
Pedagogia no que concerne à formação inicial de docentes para a
Educação Infantil.
REFERÊNCIAS
35
AZEVEDO, H. H. O. (2013). Educação Infantil e formação de professores: para além
da separação cuida-educar. São Paulo: Editora Unesp.
BRASIL (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº. 9.394/1996.
Brasília.
36
DIDONET, V. (2003). Não há educação sem cuidado. Pátio Educação Infantil,
Porto Alegre, n. 1, p. 6-9, abr./jul.
FREIRE, P. (2015). Professora, sim; tia, não: cartas a quem ousa ensinar. 25. ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra.
37
OLIVEIRA, Z. R. (2011) Educação Infantil: fundamentos e métodos. 7 ed. São
Paulo: Cortez. (Docência em Formação).
TARDIF, M. (2014). Saberes docentes e formação profissional. 17. Ed. Petrópolis, RJ:
Vozes.
38
03. DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E
FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS: notas a
partir das diretrizes curriculares nacionais para a
formação dos profissionais da educação básica6
INTRODUÇÃO
39
área de Educação, visto que seu papel é absolutamente central para
o desenvolvimento educacional e, em consequência, social de um
povo. Os/as professores/as são uma peça-chave para que os
processos educativos formais aconteçam. Mesmo com o avanço de
algumas ferramentas tecnológicas para o auxílio nos processos de
ensino e aprendizagem, não há como dispensar a medição do/a
professor/a.
Nessa perspectiva, apresentaremos este texto discutindo,
primeiramente, a formação do/a docente para atuação na Educação
Básica e o seu desenvolvimento profissional. Em seguida,
abordaremos as Diretrizes Curriculares Nacionais – 2002 e 2015 –,
com ênfase no Parecer CNE/CP nº 9/2001, que orienta a formação
de professores/as da Educação Básica, em nível superior, curso de
licenciatura e graduação plena, e o Parecer CNE/CP nº 2/2015,
homologado em 01 de julho do ano de 2015, que atualiza as
diretrizes para a formação de professores/as da Educação Básica
existentes no parecer anterior. Por último, estabeleceremos relações
entre o estudo dos/as autores/as sobre formação docente e
desenvolvimento profissional e as Diretrizes Curriculares Nacionais
elencadas nos documentos supracitados.
No que toca aos aspectos metodológicos, informamos que o
estudo recorreu a uma pesquisa documental e bibliográfica como
sustentadora do universo que pretendemos explorar. Ao longo do
texto, nos debruçaremos sobre os documentos e, ao passo desse
procedimento, atestaremos nossa compreensão como docentes da
Educação Superior que leciona e acompanha professores/as em
formação, quer nas atividades da formação inicial, quer em ações de
educação continuada.
Por fim, desejamos que os breves escritos presentes neste
capítulo alimentem o debate sobre o tema central em discussão:
Desenvolvimento Profissional e Formação de Professores/as para
atuação na Educação Básica. Acreditamos que, apesar do volumoso
número de publicações acerca do tema existentes na literatura
40
nacional e internacional, há a necessidade de ampliar sua discussão,
principalmente, no que diz respeito a sua inserção em documentos
que abordam e orientam a formação docente no País.
41
competências, habilidades ligadas à docência e a sua utilização em
sala de aula. Todos esses elementos perpassam os processos
formativos e precisam ser analisados, em particular, nas disciplinas
consideradas pedagógicas. É esse exercício analítico que o referido
autor estabelece quando caracteriza os saberes profissionais do/a
docente, destacando o contexto social onde os processos formativos
se inserem, em um meio cujas profissões estão em crise.
No contexto da formação docente realizada em instituições
de ensino superior, Tardif (2014) identifica problemas relacionados
ao modelo universitário vigente. No formato atual de ensino, a
formação para o magistério básico se baseia na premissa de que o
conhecimento estudado pelo/a aluno/a será aplicado futuramente
na sua prática profissional. Para o autor, esse modelo se
institucionalizou nas práticas universitárias e não condiz com a
realidade encontrada pelos/as estudantes quando inseridos/as no
contexto profissional. Ao contrário disso, o/a professor/a em sala
de aula mobiliza diferentes saberes, habilidades e atitudes para
alcançar os objetivos propostos numa dada situação de ensino e de
aprendizagem.
De acordo com Tardif (2014), os saberes docentes são de
diferentes tipos e complementam-se no exercício da docência. Eles
são formados pelos saberes da formação profissional, vinculados a
uma instituição de ensino que visa formar professores/as de acordo
com as ciências da educação e suas referidas ideias pedagógicas.
Também são compostos pelos saberes disciplinares e curriculares,
relacionados aos campos de conhecimento e programas
educacionais definidos pela própria instituição de ensino, com
objetivos, conteúdos e métodos a serem trabalhados nos processos
formativos. Por fim, os saberes docentes também contemplam os
saberes experienciais, aqueles advindos das vivências práticas das
pessoas. Esses saberes são desenvolvidos no dia a dia e maturados
com o tempo (Tardif, 2014). Gauthier (1998) ainda complementa
com os “saberes da ação pedagógica”, que se referem aos saberes
42
experienciais dos/as professores/as tornados públicos por meio de
pesquisas acadêmicas.
Além disso, Tardif (2014) caracteriza os saberes docentes
como sendo temporais, já que são adquiridos e aprimorados com o
passar do tempo. A história de vida e a escolarização dos sujeitos
fazem com que eles tragam um conjunto de conhecimentos e
representações anteriores à formação profissional. Para o autor, o/a
professor/a é o sujeito que se insere no seu local de trabalho muitos
anos antes de exercer o magistério. Com isso, na sua história de
vida, elabora representações sobre a docência que serão levadas na
sua trajetória profissional.
Os saberes docentes ainda são caracterizados como plurais e
heterogêneos, pois provêm de diversas fontes. O/a professor/a não
possui um repertório de conhecimentos unificado. Como
apresentamos anteriormente, seus saberes possuem diferentes
características e possibilidades de desenvolvimento, a depender dos
objetivos almejados. Como o/a professor/a tem, como objeto do seu
trabalho, seres humanos, ele/a pode lidar com metas relacionadas à
cognição, a propostas coletivas, à emoção, à motivação e aos
aspectos sociais. Isso demonstra que os saberes docentes são
personalizados e situados. Por esse motivo, a profissão docente
também se relaciona à identidade do profissional que exerce o
magistério (Tardif, 2014). Tudo isso é perpassado pela formação –
inicial, continuada, e/ou em serviço –, que caracteriza a preparação
para o exercício profissional.
Charlot (2013), complementando a discussão acerca da
formação docente, acrescenta que é fundamental formar o/a
professor/a com ênfase em seu preparo técnico e o desenvolvimento
de competências profissionais para exercer sua função social com
qualidade e eficiência.
Esse preparo técnico e o desenvolvimento de competências
profissionais não podem se relacionar apenas à formação inicial
realizada em instituições universitárias e/ou de formação docente. É
43
nesse sentido que o conceito de desenvolvimento profissional
docente é mais abrangente e engloba elementos relacionados à
profissionalização e à profissionalidade do/a professor/a. É
consenso entre diferentes autores a relevância da discussão sobre o
desenvolvimento profissional do/a professor/a. Em particular, no
que se refere à formação pedagógica e à relação existente entre a
prática de ensino do/a professor/a e a eficácia da aprendizagem
dos/as estudantes.
Diante desse contexto, os estudos sobre desenvolvimento
profissional docente definem essa categoria de análise
fundamentada no tripé “profissional-pessoal-organizacional”. A
formação pedagógica dos/as professores/as precisa ser
institucionalizada, pois não se pode conceber o desenvolvimento
profissional somente como uma atitude individual do/a docente em
busca de melhorias para sua prática. Afinal, "o desenvolvimento do
professor não ocorre no vazio, mas inserido num contexto mais
vasto de desenvolvimento organizacional e curricular" (Garcia, 1999,
p. 139). A necessidade de constituir uma cultura institucional que
possibilite o desenvolvimento profissional docente é marcante, pois
esse desenvolvimento é um processo permanente que depende de
políticas da instituição viabilizadoras de propostas formativas e de
valorização da profissão docente.
Como forma de ampliar o debate, esclarecemos que há uma
tênue relação entre a formação do/a docente da Educação Básica –
inicial, continuada, e/ou em serviço – com o desenvolvimento
profissional do/a professor/a. Gatti (2016), ao trazer os problemas
da formação de professores/as no Brasil, alerta para alguns pontos
que, a nosso ver, se imbricam no desenvolvimento profissional. São
eles:
a. A Educação se faz permeada por elementos da cultura, da
política e do meio social local. Não há como falar em formação
docente ou em desenvolvimento profissional sem validar que a
Educação é uma prática cultural, política e social permeada por
44
questões de ideologia e de poder. O desenvolvimento profissional
do/a docente, por vezes, se limita a essa perspectiva. Do mesmo
modo, o que é propositado como formação de professores/as em
diferentes espaços está condicionado a essa questão. Fora isso,
temos que destacar que a Educação está inserida na história da
humanidade. O que construímos como sujeitos se torna referência
para as relações e gerações futuras.
b. As práticas institucionalizadas nos espaços
educativos/formativos determinam, em grande parte, a formação
docente e o desenvolvimento profissional do/a professor/a. Cabe
aqui enfatizar o seguinte: o que está instituído na legislação, em
muitos cenários, é o que orienta e pesa como guia para as ações
desenvolvidas nas instituições educativas e formativas. Apesar de
haver aspectos positivos nesse ponto, pois é o aparato legal que
formaliza as ações na Educação, muitas vezes há questões explícitas
e implícitas de interesse nos documentos normativos. Isso serve
como mecanismo para moldar relações e estabelecer práticas
formativas para os sujeitos que estão em cursos de formação
docente, além de estabelecer, também práticas profissionais
excludentes.
c. Os fatores pessoais – a trajetória de vida, a qual envolve a
família, a comunidade e o próprio sujeito em sua pluralidade
existencial – preponderam na constituição humana e na
Educação/Formação. Nesse ponto, ressalvamos o/a professor/a
como pessoa. Os estudos sobre o desenvolvimento profissional
docente e acerca dos processos formativos reconhecem essa
dimensão. É inimaginável conceber a profissão professor/a
apartada dessa discussão.
d. A Educação, no seu sentido amplo, está interconectada com o
sistema social a nível mundial. Como bem lembra Brzezinski (2008),
engana-se quem pensa que a Educação não se constitui pelo jogo de
forças que a economia, a nível mundial, determina para cada nação
e país. Somos, a todo tempo, sujeitos inseridos nas relações que há
45
entre as agências internacionais e os organismos de avaliação da
Educação e controle nacional. A formação docente e o
desenvolvimento profissional estão imersos nesse cenário. Não é
sem motivos que os movimentos sociais e entidades da área de
Educação – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais
em Educação – ANFOPE, Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação – ANPED, entre outros – , vêm, na história,
levantando a bandeira do ensino público com qualidade, a defesa
por melhores salários e carreira digna aos/às professores/as, entre
outros.
Como síntese de nossas reflexões, entendemos que o
desenvolvimento profissional e a formação de professores/as
devem continuamente ser problematizados, bem ainda,
compreendemos que é preciso o estabelecimento de políticas
públicas na perspectiva de assegurar, em preceitos legais, melhores
condições para pensarmos ações que contribuam nessa questão.
Nisso, é fundamental a participação efetiva dos/as profissionais da
Educação. Na próxima seção capitular, abordaremos tal discussão
com amparo nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
dos Profissionais da Educação Básica (2002 e 2015), tendo como
norte os dois pareceres (2001 e 2015) que argumentam a existência
dessas normativas.
46
objetivo das Diretrizes é orientar as instituições de ensino brasileiras
na articulação e organização de suas propostas pedagógicas,
curriculares e formativas, visando à qualidade da Educação. Seus
princípios norteadores são autonomia, flexibilidade,
profissionalidade e adaptabilidade, entre outros (Schneider, 2007;
Dourado, 2015).
Neste estudo, focaremo-nos nos pareceres CNE/CP nº
9/2001, que propõe Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação de professores/as da Educação Básica, em nível superior,
curso de licenciatura, de graduação plena, e CNE/CP nº 2/2015, que
revoga o Parecer anterior e define proposta para Diretrizes
Curriculares Nacionais para formação inicial e continuada dos
profissionais do Magistério da Educação Básica.
As Diretrizes Curriculares Nacionais, Resolução nº 1/2002,
propostas pelo Parecer CNE/CP nº 9/2001, são antecedidas por
apresentação de uma análise do contexto educacional brasileiro que
lhes dá suporte. Nos anos de 1980 e 1990, houve a intenção de
universalizar o acesso ao ensino fundamental e expandir o Ensino
Médio e a Educação Infantil. Diante desse cenário, as diretrizes
curriculares se preocuparam com a melhoria da qualificação
profissional do/a docente e destacaram a importância de políticas
educacionais nessa área. Com a resolução proposta, se estabelece
que os cursos de licenciatura deviam ter currículos próprios e, por
esse motivo, se extinguiria o modelo 3+1 (três anos de bacharelado e
um ano de formação pedagógica) de formação docente existente
historicamente no lastro da formação de professores/as no País.
A preocupação com a expansão do acesso ao ensino se
relaciona com os documentos formulados em âmbito internacional.
Os países não podem se eximir da responsabilidade dessa oferta de
nível de ensino. As diretrizes curriculares, portanto, são um marco
de referência para a organização pedagógica dos diversos níveis e
modalidades de ensino.
47
No referido parecer, as características da Educação Básica são
apresentadas, além da proposta de revisão dos modelos de
formação do/a professor/a nas instituições de ensino superior. A
formação é considerada um componente da preparação profissional
e o desafio a ser enfrentado é o fato de, nos cursos de licenciatura, se
enfatizar o bacharelado. Esse dado é uma deficiência na estrutura
curricular dos cursos e precisa de modificação.
A noção de competência é abordada com frequência nas
diretrizes e tem semelhança com o conceito de práxis, de movimento
reflexivo relacionando teoria e prática, apesar de não sê-lo. A
sugestão é definir um conjunto de competências necessárias para a
atividade docente na Educação Básica. As competências traçadas,
entretanto, se relacionam com o conceito de profissionalidade, pois
remete a um movimento que parte do/a professor/a de manter-se
em constante formação. Diferente do que a literatura atual propõe
(Tardif, 2014; Dourado, 2015), o termo “desenvolvimento
profissional”, nas diretrizes curriculares, é vinculado somente à
formação.
Pelo que se percebe, não se valida, no documento, que o
desenvolvimento profissional docente e a formação de
professores/as são pontos que se complementam no âmbito da
profissão professor/a. A perspectiva de competência, vinculada ao
ideal de instrumentalização da formação do sujeito, oriunda, nas
palavras de Bazzo (2004), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, acompanhou a
produção e a proposta para a formação docente prescrita nessas
Diretrizes.
O Parecer CNE/CP nº 9/2001 se foca na formação, em
particular, na pesquisa como componente preponderante, deixando
em segundo plano os aspectos relacionados ao desenvolvimento
profissional docente, como a valorização do magistério, as condições
de trabalho e as políticas institucionais de formação permanente
do/a professor/a e de plano de carreira. Além disso, o destaque ao
48
perfil adaptável em que deve se formar o/a docente também nos dá
margem para refletir sobre que tipo de profissional desejamos
formar.
Outro aspecto que identificamos no mencionado parecer é
que as orientações para a formação docente são genéricas, dando
abertura para inúmeras interpretações nos processos de elaboração
e/ou revisão das propostas de formação nos cursos de licenciatura.
O que subentendemos é que as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação de Professores da Educação Básica, Resolução nº
1/2002, vieram atender às necessidades angariadas pelos
movimentos sociais e entendidas educacionais quanto à
normatização de documento que legitimasse parâmetros para as
propostas de formação docente nas licenciaturas. No entanto, pouco
do que se pensou foi colocado em saliência, uma vez que se
simplificou o que se concebe como formação docente e sobre as
dimensões que se articulam à mesma, a saber: profissão; ensino e
aprendizagem; relação teoria e prática; educação como prática
cultural, social e política; entre outros.
Para Schneider (2007), as Diretrizes Curriculares Nacionais,
Resolução CNE/CP nº 1/2002, tiveram, em parte, um efeito
contrário ao que foi objetivado em seu processo de elaboração.
Mesmo com a participação ativa dos profissionais de diferentes
etapas da Educação brasileira – Educação Básica e Superior –, tanto
do setor público, quanto do setor privado, a proposta de formação
docente inerente ao documento tem um forte pendor tecnicista.
Palavras como interdisciplinaridade, flexibilização,
contextualização, integração, entre outras, aparecem no documento,
o que é meritório, porém, isso não garantiu que essas diretrizes se
desalinhassem de uma perspectiva técnico-instrumental de
formação docente, a qual tem como firmamento o desenvolvimento
da economia capitalista pensada pelas agências e órgãos
internacionais. Como efeito, a questão do desenvolvimento
profissional docente é praticamente inexistente no documento.
49
Já o Parecer CNE/CP nº 2/2015, próximo documento em que
nos debruçaremos para emissão de notas, propõe diretrizes para a
formação inicial em nível superior e formação continuada. Ele
apresenta pesquisas realizadas por intermédio da demanda da
comissão bicameral de formação de professores/as, relacionando-se
ao projeto CNE/UNESCO “Subsídio à formulação e avaliação de
políticas educacionais brasileiras”. De maneira similar ao anterior,
destaca a necessidade de uma política de formação de
professores/as e a considera “inadiável”.
Todavia, de forma diferente, este documento relaciona
formação, desenvolvimento e valorização dos profissionais da
Educação e, a nosso ver, está mais bem fundamentado em dados de
pesquisas sobre formação no Ensino Superior dos/as
professores/as. Além disso, possui um item intitulado
“profissionais do magistério e sua valorização”. Nele, é possível
aproximar-se do conceito de desenvolvimento profissional, pois não
se foca somente na formação.
Quanto ao conceito de “profissionais do magistério”,
compreendemos esse termo, a partir da normativa, como aqueles
profissionais que exercem atividades de docência e demais funções
pedagógicas no âmbito da Educação Básica. Além disso,
entendemos que a valorização do magistério e de seus profissionais
deve ser concebida pela sociedade como uma dimensão a ser
perseguida no plano da efetivação, tanto na formação inicial, como
na educação continuada do/a professor/a, por meio de políticas
públicas e ações que visem a concretizá-la de maneira permanente.
Somado a esses aspectos que encontramos no Parecer em
discussão está o fato de ampliação do raio de sua abrangência,
conforme discutido. Não é somente a formação inicial o eixo central
das Diretrizes. A formação continuada também aparece no
documento e ganha espaço para discussão e reflexão. Igualmente, o
conceito de docência é especificado para ser valorado nos cursos de
licenciatura e nos sistemas de ensino, aspecto defendido há muito
50
tempo pelos profissionais da Educação brasileira. Sobre isso, na
Resolução nº 2/2015, no artigo 2º, parágrafo primeiro, há a
compreensão de que a docência pode ser entendida:
51
profissão docente no País, consideramos essas normativas como um
grande avanço no sentido do que se apresenta como instituído na
legislação educacional.
Em resumo, pensamos que o Parecer nº 9/2001 não elucida,
com clareza, a relação entre o desenvolvimento profissional docente
e a formação de professores/as, já que a ênfase da normativa se faz
nesse segundo segmento – formação inicial docente em uma
perspectiva técnico-instrumental. Já o Parecer nº 2/2015, ao
contrário do anterior, estabelece com mais lucidez a relação que há
entre ambos, haja vista que, na nossa compreensão, não existe uma
dissociação entre a formação inicial e a formação continuada.
Ditas essas palavras, o desenvolvimento profissional docente
é assumido no documento porque ele abrange não exclusivamente a
formação inicial, mas vai além e reconhece outras dimensões –
formação continuada, valorização do magistério básico, entre outros
– como necessárias para o crescimento e desenvolvimento do/a
professor/a. No entanto, pontuamos que, apesar do esforço que
realizamos neste texto, vemos que o debate sobre o tema ainda
necessita de ser refletido com mais profundidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
52
elementos contextuais vinculados ao trabalho docente como
reconhecimento profissional, salário etc.? De fato, estes são
questionamentos a serem respondidos, mas nos levam a refletir
criticamente sobre a formação de professores/as no Brasil e, de
maneira mais ampla, sobre o desenvolvimento profissional docente.
Consideramos as políticas educacionais brasileiras, no
decorrer da história, dispersas e fragmentadas, pois se formulam
políticas, mas poucos programas são estruturados para viabilizar a
concretização do que fora planejado politicamente. Temos um
contexto educacional permeado por problemas relacionados ao
magistério, à formação inadequada do/a professor/a, ao piso
salarial dos/as docentes, à estruturação de um sistema nacional de
educação, como também às características de filantropia, protelação,
fragmentação e improvisação, como afirma Saviani (2008). Além
disso, na atualidade, não podemos conceber políticas educacionais
desconectadas da dimensão internacional. Segundo Mello (1991), a
educação ocupa um lugar central em nível mundial, pois é
considerada uma estratégia para enfrentar os novos padrões de
competitividade e produtividade demandados pelo trabalho.
Em meio às discussões, concluímos o texto assinalando que o
desenvolvimento profissional docente precisa estar vinculado a uma
política institucional que dê suporte a ele. As considerações de
Garcia (1999) destacam o tripé profissional-pessoal-organizacional
como inerente ao desenvolvimento profissional docente. Ou seja, o
desenvolvimento do/a professor/a não pode ser somente pessoal,
mas precisa ser institucionalizado.
O foco das Diretrizes Curriculares Nacionais, de forma geral,
está na formação e, em nosso entendimento, seria mais enriquecedor
que as diretrizes dos cursos de graduação se preocupassem com a
profissionalização do/a professor/a. Ou seja, não só com as
exigências de que o/a professor/a se mantenha em formação
(profissionalidade) e de que assuma seus compromissos
(profissionalismo), mas estabelecendo essa relação institucional.
53
Certamente, ainda há muito o que se analisar e estudar. E nós,
pesquisadores/as da Educação, temos um campo de estudo e
trabalho à nossa disposição.
REFERÊNCIAS
BRASIL. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.º 9.394, 20 de
dezembro de 1996.
CHARLOT, B. (2013). Da relação com o saber às práticas educativas. 1 ed. São Paulo:
Cortez, (Coleção docência em formação: saberes pedagógicos).
54
Disponível em:
<https://itp.ifsp.edu.br/ojs/index.php/RIFP/article/view/347/360>. Acesso
em: 20 mar. 2018.
55
04. DESAFIOS DA FORMAÇÃO/PROFISSÃO
DOCENTE NO BRASIL E EM PORTUGAL: a tensa
relação entre as medidas legais e a prática
56
impactam a profissão dos professores, em decorrência,
notadamente, de um emaranhado de propostas e reformas ocorridas
desde o início dos anos de 1990 (efetivadas na promulgação da Lei
9.394/96) e seus desdobramentos.
Nesse sentido, Saviani (2009a) argumenta que, seguindo
orientações dos organismos internacionais, em controvérsias às
reivindicações dos movimentos pela educação, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1996 (Lei 9,394/96) elegeu como
alternativa para a formação dos professores da educação básica os
Institutos Superiores de Educação (ISEs) e as Escolas Normais
Superiores, cuja decisão aponta para um nivelamento por baixo
entre os professores que até então não haviam concluído um curso
superior com os demais.
Sobre essa medida legal, Freitas (2002) destaca também que:
57
Cabe realçar que, no estado do Ceará, grande parte dos
convênios realizados com as Prefeituras para a referida formação de
professores foi firmada com a Universidade Vale do Acaraú – UVA
(hoje encampada pela Universidade estadual do Ceará – UECE),
cujos resultados, como no restante do Brasil, podem ser assim
compreendidos:
58
alienação, além da negação do direito de progredir na carreira por
meio de uma melhor qualificação.
Em 2007, esse cenário aponta (em partes) para outras
possibilidades e como parte do Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE), o governo federal implementa o Decreto
6.094/2007 visando à mobilização social pela melhoria da qualidade
da educação. Nesse contexto, Saviani (2009b) destaca que o referido
plano “se constitui sem dúvida, a mais ousada, promissora e
também polêmica política educacional formulada pelo MEC a qual
se encontra em pleno processo de execução na atualidade” (p. 8).
Em 16 de julho de 2008, o governo federal sancionou a
“polêmica” Lei 11.738, que instituiu o piso salarial profissional
nacional para os profissionais do magistério público da educação
básica e reorganizou a jornada de trabalho dos professores.
Contudo, a referida lei só passou a ter validade a partir de 27 de
abril de 2011, quando o Tribunal Superior Federal reconheceu sua
constitucionalidade (em decorrência da ação movida por alguns
governadores, incluindo-se o do Ceará, à época), obrigando todos os
entes federativos ao cumprimento da mesma.
A referida lei, mesmo de forma tímida, é um importante
avanço. Além da questão salarial que ainda não é a ideal e muito
menos cumprida por todos os gestores, também contribuiu para
minimizar jornadas extenuantes na sala de aula que
dificultavam/impossibilitavam a oportunidade de pensar a prática
pedagógica, elaborar planejamentos e recursos didáticos, dentre
outras atividades inerentes à profissão docente e que carecem de ser
executadas além da regência.
Cabe realçar que até o momento ainda há muita resistência
em se fazer cumprir a lei. Os professores e seus sindicatos, por todo
o Brasil, têm recorrido a greves para fazer valer o pagamento real do
valor do Piso Nacional estipulado para os professores e, por
conseguinte, garantir o que determina a legislação. A rede
Municipal de Fortaleza iniciou, em março de 2018, uma paralisação
59
que durou mais de um mês e, em junho do mesmo ano, foi
necessária uma mobilização na Câmara Municipal para barrar a
votação de um projeto enviado pelo executivo, cujo teor tratava-se
da retirada das horas de planejamento da carga horária docente. O
Projeto foi alterado, votado e garantido aos professores da rede as 20
horas para planejamento pedagógico e atividades fora da sala de
aula.
Em 2016, a ação docente em sala de aula no Brasil teve a sua
maior ameaça de retrocesso desde a Ditadura Militar, com a
proposta do Projeto de Lei do Senado nº 193/2016, cuja ementa
“inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata
a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o Programa Escola sem
Partido" (Brasil, 2016), apresentado pelo Senador Magno Malta (PR-
ES).
A ideia de apresentação do referido Projeto de Lei decorre do
entendimento de um grupo de que a escola promove práticas ilegais
quando realiza a doutrinação política e ideológica em sala de aula,
bem como a usurpação do direito dos pais dos alunos sobre a
educação moral e religiosa dos seus filhos.
Desse modo, o movimento pela “Escola sem Partido”
chegou a propor que fossem afixados cartazes nas salas de aulas,
determinando os direitos dos professores (1 – O professor não se
aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus
próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências
ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias. 2 – O
professor não favorecerá, não prejudicará e não constrangerá os
alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou
religiosas, ou da falta delas. 3 – O professor não fará propaganda
político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a
participar de manifestações, atos públicos e passeatas. 4 – Ao tratar
de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor
apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma
profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e
60
perspectivas concorrentes a respeito. 5 – O professor respeitará o
direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que
esteja de acordo com suas próprias convicções. 6 – O professor não
permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam
violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de
aula).
Convém destacar que durante muito tempo a escola
brasileira promoveu um ensino pautado apenas na transmissão
dos conteúdos, o qual Freire (1987) denominou de “Pedagogia
Bancária” e opressora, propondo, na mesma obra, uma concepção
de educação problematizadora e libertadora.
Portanto, a atual conjuntura educacional não comportava tal
retrocesso e, por conseguinte, houve uma reação por parte de
diversos segmentos da sociedade (artistas, professores, sindicatos,
dentre outros), que se organizaram contra a proposta da “Escola
sem Partido”, alcunhada de “Lei da Mordaça”.
Em meio às polêmicas geradas pelo Projeto de Lei proposto,
o Senado Federal, sob pressão, abriu em seu site uma consulta
pública, uma vez que havia a interpretação, por educadores e
diversos formadores de opinião, de ser uma ofensiva conservadora
voltada ao sufocamento de ideologias divergentes no cenário da
formação educacional. Felizmente, em novembro de 2017, o autor da
proposta da “Escola sem Partido” pediu o seu arquivamento.
Contudo, Alagoas é o primeiro ente federado a exigir a neutralidade
do professor (por meio da Lei 7.800/2016).
Por fim, cabe destacar mais uma ação governamental que
emperra avanços na formação dos professores. A Resolução
CNE/CP nº 2, de 01 de julho de 2015 (que define as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior:
cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para
graduados e cursos de segunda licenciatura e para a formação
continuada), determinou que até 2017 a duração dos cursos de
licenciatura deveria ser ampliada de três para quatro anos. O prazo
61
foi estendido para junho de 2018. No entanto, o Ministério de
Educação acaba de solicitar uma segunda prorrogação, justificando
que o documento deve basear a formação dos docentes de acordo
com a legislação da Lei de Diretrizes e Base da Educação e pela Lei
do Novo Ensino Médio.
Com base na trajetória apresentada, evidencia-se a
necessidade de reais investimentos do poder público para o
cumprimento dos dispositivos legais e a garantia de uma política de
Estado para a formação de professores que garanta de fato o
conhecimento, as condições de trabalho, carreira e salários
compatíveis com a complexidade da atividade e, notadamente, da
formação docente.
62
Para compreendermos o investimento realizado, é
importante saber que o sistema educativo português possuía, em
1974 (ano da Revolução), 70.123 docentes, tendo, em 2016, mais do
dobro, isto é, 142.913, sabendo nós que, hoje, os educadores de
infância e os professores dos ensinos básico e secundário (do 1.º ao
12.º de escolaridade, antes da entrada no Ensino Superior) são, na
sua esmagadora maioria, profissionalizados, detentores de
licenciatura, mestrado ou doutorado (10% dos docentes dos ensinos
básico e secundário possuem mestrado ou doutorado) (ver
estatísticas in Pordata,
https://www.pordata.pt/Subtema/Portugal/Docentes-43; e
Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, 2017; Estrela,
2001; Nóvoa, 2017).
De alguma forma, podemos dizer que o Sistema Educativo
Português acreditou e investiu na profissão docente, tendo, por
exemplo, legislado, no quadro da Reforma de Bolonha, que o acesso
à profissão deve exigir o grau de mestre (Decreto-Lei n.º 79 de 14 de
maio, alterando o Decreto-Lei 43 de 22 de fevereiro sobre a formação
inicial de professores) e tendo promovido a criação de centros de
formação contínua para o pessoal docente e não docente, de modo a
potenciar os recursos formativos existentes no país, centrando-os
nos estabelecimentos de ensinos básico e secundário e alargando as
possibilidades de oferta formativa (Decreto-Lei n.º 249 de 1992 de 9
de novembro que aprova o Regime Jurídico da Formação Contínua
de Professores).
Note-se que o Relatório Anual do Conselho Científico-pedagógico
da Formação Contínua, relativo a 2017, dá conta de 255 entidades
formadoras com acreditação válida em Portugal, sendo mais da
metade Associações de Escolas (84) e Associações de Professores
(47). Além disso, os professores têm de realizar formação de 25h a
50h para poderem progredir na carreira. Essa intenção de reforço, ao
nível da formação contínua, concretiza-se, como mostra a legislação,
numa vontade de maior preocupação com os formandos e sua
63
relação com os contextos educativos através do Decreto-Lei n.º 22 de
2014 de 11 de fevereiro, em que podemos ler:
64
Como escreve Maria Teresa Estrela, e apesar da quantidade e
qualidade de estudos que se têm realizado em contexto português,
relativamente à investigação sobre a formação, podemos dizer que
ela continua a ser “dispersa e fragmentada, oriunda de vários
campos disciplinares, de diversos paradigmas e metodologias, feita
com pequenas amostras, com resultados dificilmente comparáveis e
por vezes pouco consistentes” (Estrela, 2001, p. 30).
Lembremos que se espera que a formação de professores tenha
“consequências ao nível da construção de novos profissionalismos e
de novas profissionalidades que permitam que os professores
desenvolvam competências para lidar com as situações que as
mudanças sociais têm gerado” (Leite, 2005, p. 372 ver ainda CNE,
2015; Flores, 2010, 2011; Flores, Moreira, Oliveira, 2017; Formosinho,
Machado & Mesquita, 2014), e que importaria dispormos de estudos
que analisassem a relação entre a formação e a qualidade da
educação das nossas escolas.
No entanto, apesar da falta de estudos sobre os efeitos da
formação de professores nas práticas e nas melhorias dos resultados
dos alunos, parecem existir pressupostos partilhados que remetem
para a formação de profissionais reflexivos, capazes de questionar as
suas teorias e práticas para que saibam fazer melhor nos contextos
em que participam, bem como para que saibam aprender a tornar-se
melhores profissionais, responsabilizando-se pela aprendizagem e
desenvolvimento dos seus alunos, bem como pela sua própria
formação e a dos seus pares.
Como escreve António Nóvoa (2009), parece existir um
consenso discursivo sobre a ideia de professor reflexivo que tem levado
a que a formaçãodocente se tenha direcionado para permitir aos
profissionais da educação compreender a complexidade do
conhecimento profissional que devem possuir e desenvolver ao
longo da sua carreira, nomeadamente pela “ampliación de la
capacidad de razonamiento y juicio pedagógico en situaciones o
contextos prácticos de enseñanza” (Avalos, 2009, p. 73; Andrade e
65
Martins, 2017; Sá-Chaves, 2002; Silva, 2000; Vieira e Madruga, 2017;
Vieira e Moreira, 2011;).
Aliada a essa vontade de construir um perfil profissional
reflexivo que entendemos como crítico e autônomo no que diz
respeito à capacidade de intervenção do professor nas escolas,
podemos igualmente dizer que existe consenso sobre as áreas que
compõem os planos curriculares de formação de professores, bem
como sobre aquelas que devem ser objeto de formação contínua.
Assim, ao nível da formação inicial, mesmo se o peso das áreas
contempladas puder ser discutido, é consensual a exigência de um
mestrado profissionalizante (entre 60 e 120 créditos), para todos os
níveis de ensino, assente nas seguintes áreas: área do conteúdo ou
da(s) matérias específicas que o professor tem de dominar; área das
Ciências da Educação; área da ou das Didática(s) específica(s); e área
da Prática de Ensino Supervisionada ou estágio (Decreto-Lei n.º 79
de 14 de maio, sobre os perfis profisisonais e distribuição de créditos
por área).
Devemos realçar que a área da Prática de Ensino
Supervisionada, ocupando cerca de 30% dos créditos, entende-se
como o grande espaço curricular de construção e desenvolvimento
de conhecimento profissional, potencializado pela obrigatoriedade
de elaboração e defesa pública de um relatório individual que
obriga a análise e reconstrução de teorias e práticas educativas e que
inclui uma dimensão investigativa sobre o ensino (sobre relatórios
de estágio, ver, por exemplo, Andrade & Martins, 2017).
Relativamente à formação contínua, destacamos, com o
Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos
Ensinos Básico e Secundário, que a avaliação do desempenho docente
incide sobre “três grandes dimensões: i) a científico-pedagógica, que
se destaca pela sua centralidade no exercício profissional; ii) a
participação na vida da escola e na relação com a comunidade
educativa; e iii) a formação contínua e o desenvolvimento
profissional.” (Decreto-Lei n.º 41/2012 de 21 de fevereiro).
66
O discurso sobre a formação de professores em Portugal é,
com podemos ver pelo exposto, marcado pela ideia de que é
possível formar profissionais reflexivos e autônomos, desde que
esses profissionais sejam qualificados para tal e se assumam como
responsáveis pela sua formação ao longo da sua carreira
profissional, formação que não pode descurar como objeto de
estudo, de análise e de aprendizagem as práticas educativas de que
são coautores nos contextos em que circulam.
Avançando, podemos dizer que surge como fundamental no
discurso sobre a formação de professores a necessidade de termos
profissionais que sejam capazes de se formarem sobre o
conhecimento já construído, sobre teorias e práticas educativas, bem
como sobre as áreas da docência, no sentido de saberem resolver
problemas levantados pela prática educativa, sabendo analisar e
interpretar as ações e os acontecimentos pedagógico-didáticos com
os quais se confrontam. Isto é, “gerar processos positivos de
mudança […] num trabalho dos professores realizado sobre si
próprios e sobre as suas próprias experiências profissionais” (Leite,
2005, p. 373).
No entanto, apesar desse discurso sobre os profissionais de
educação e sua formação, podemos dizer que estamos longe de
concretizar alguns dos desafios que se têm vindo a colocar à
educação na transição do século XX para o século XXI e que se
traduzem em expressões como as de “professor investigador”,
“professor mediador de redes de aprendizagem”, “professor
intercultural”,“professor transformador”, “professor organizador de
aprendizagens e construtor de currículo” (Leite, 2005; Estrela, 2001),
ideias estas que nos conduzem à necessidade de uma formação mais
centrada no sujeito e no seu posicionamento relativamente às
questões sociais, culturais e políticas (Nóvoa, 2017).
Por outras palavras, parece faltar uma formação que abra
possibilidades de contribuir, a partir das escolas, para a equidade e a
justiça social (Cochran-Smith et al, 2016), para o bem comum ou
67
para o desenvolvimento sustentável ou ainda para a capacidade de
renovar a escola por dentro, o que só parece possível num trabalho
conjunto dos profissionais da educação que nela trabalham. Afinal,
“A profissão docente não acaba dentro do espaço profissional,
continua pelo espaço público, pela vida social, pela construção do
comum” (Nóvoa, 2017, p. 1130).
Falta, a nosso ver, cumprir-se uma formação que assente numa
“lógica interativa”, onde ação e investigação estejam presentes
(Silva, 2000, p. 105), de modo a permitir a construção de
conhecimento profissional partilhado, onde os formandos se
conheçam e se transformem a si próprios e aos contextos em que
atuam, gerando sinergias entre diferentes atores, espaços e tempos,
em processos que tomem os professores como “inquirers [and] as
active participants in their own professional growth, knowledge
constructors, and agents of change (Cochran-Smith, 1991a; Cochran-
Smith & Lytle, 1999; Darling-Hammond, 1994).” (Mule, 2006, p. 205;
ou Estrela, 2001; Nóvoa, 2017, sobre a importância do
autoconhecimento na formação).
Falta cumprir-se uma educação com resultados mais efetivos
nas práticas de ensino dos professores que têm procurado formação
e investido na sua aprendizagem profissional. Isso se faz necessário
porque, a título de exemplo, observando as taxas de aproveitamento
dos alunos do Ensino Básico entre 2008 e 2017, verificamos que elas
nem sempre se têm alterado para melhor (ver Pordata,
www.pordata.pt, sobre a avaliação dos alunos do ensino não
superior).
Em jeito de conclusão, podemos dizer que Portugal tem um
corpo docente qualificado e estável, corpo docente que investiu na
sua formação e que tem procurado melhorar as suas teorias e
práticas educativas, revelando-se, no entanto, com dificuldade para
transformar os contextos em que atua e acompanhar as incertezas de
uma sociedade cada vez mais globalizada e instável de modo a criar
68
oportunidades adequadas para aqueles que mais necessitam da
escola.
Neste sentido, temos de continuar a procurar respostas, como
afirma Nóvoa, em um artigo recente sobre a “posição do professor”
(2017), respostas que são difíceis, mas que importa não desistir de
construir, isso se queremos ter programas de formação de
professores mais capazes de melhorar as práticas, mais capazes de
melhorar as escolas e os resultados dos alunos que as frequentam,
sabendo que tal ação terá de abarcar a melhoria das relações entre os
profissionais da educação e as comunidades em que as escolas estão
inseridas.
Além disso, concordamos com a ideia de que os programas de
formação de professores, em Portugal, necessitam, tal como em
outros locais do planeta, de ser repensados “if they are to succeed at
preparing 21st century teachers who can work effectively with all
students, particularly those traditionally marginalized by the
education system.” (Cochran-Smith et al, 2016, p. 67).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
69
mercantilização capitalista da educação pública. Nessa perspectiva,
empresariado e poder público se articulam em torno da educação,
sobretudo com foco nas áreas de currículo, formação, avaliação e
financiamento.
Desse modo, as políticas públicas com foco notadamente na
formação/profissão docente, na maioria das vezes, não tocam em
questões/problemas que envolvem diretamente a história social e os
desafios da formação/profissão docente, tais como: os mecanismos
de controle/gestão da identidade profissional/autonomia docente;
as condições, muitas vezes, péssimas de trabalho às quais são
submetidos milhares de professores/as; os problemas cotidianos
que perpassam o contexto das salas de aula, entre outros.
Não diferentemente de outrora, não são os
problemas/desafios postos à docência que norteiam, muitas vezes,
as políticas de/para a profissão/formação docente no contexto
nacional e internacional, mas, sim, a sonegação e o descaso dos
governos, por vezes, com os direitos docentes, entre eles, salário e
jornada de trabalhodigna; políticas de formação e valorização
profissional, incluindo, inclusive, concursos públicos. Assim,
posterga-se a concretização de uma formação docente autêntica que
exige necessariamente transformações no processo educativo e não
meras respostas, adaptações ou simplistas readequações visando a
corresponder, acima de tudo, aos interesses do sistema capitalista
atual, às imposições dos sistemas estaduais ou municipais de
avaliação externa, aos pilares das ditaduras e dos reiterados golpes
institucionais da classe dominante brasileira.
A discussão empreendida nos permite, ainda, reiterar que os
professores estão, sobretudo no contexto educacional brasileiro,
cada vez mais sob a tutela de um processo de formação contínua
destituído de um caráter pedagógico crítico-reflexivo que fomente a
criatividade desses profissionais e a construção de práticas como
atividade intelectual, engajada e comprometida com a
transformação da sociedade. O que se observa é uma espécie de
70
esvaziamento pedagógico das práticas e da formação contínua dos
professores e, como desdobramento, do processo educativo.
Em contrapartida, argumentamos que a formação docente, de
modo articulado à Pedagogia e à Didática, deve ser uma prática
social, política/pedagógica que se destina a formar e a inserir os
professores na práxis social, conscientizando-os do seu papel na
transformação da realidade e levando-os a desbravar novos
horizontes no contexto educacional brasileiro/português. Trata-se,
portanto, da necessidade de políticas públicas com foco na
formação/profissão docente capazes de fortalecer a autonomia
profissional docente, a organização pedagógica da escola e, por
consequência, que isso se reverbere na aprendizagem dos alunos e,
sobretudo, na (re)construção da escola.
REFERÊNCIAS
ASIASOCIETY. Excellence, equity, and inclusiveness high quality teaching for all the.
(2014) international summit on the teaching profession,
asiasociety.org/teachingsummit.
71
________. Resolução CNE/CP nº 2, de 01 de julho de 2015 – Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação inicial em nível superior e para a formação
continuada. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-
pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file>. Acessado em: 01 jun. 2018.
________, Projeto de Lei do Senado n° 193, de 2016. Brasília: Senado Federal, 2016.
<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/125666 >
. Acesso em: em: 03 jan. 2018
Cochran-Smith, M., Ell, F., Grudnoff, L., Haigh, M., Hill, M., & Ludlow, L. Initial
teacher education: What does it take to put equity at the center? Teaching and
Teacher Education, 57, 67-78, 2016.
Formosinho, J., Machado, J., & Mesquita, E. (2011). Luzes e sombras da formação
contínua: entre a conformação e a transformação. Mangualde: Edições Pedago.
72
FREITAS, H. C. L. de. (1999). A reforma do Ensino Superior no campo da formação
dos profissionais da educação básica: as políticas educacionais e o movimento dos
educadores. Educ. Soc.,Campinas, v.20, n.68, dez.
Nóvoa, A. Profesores: ¿el futuro aún tardará mucho tiempo? In: Vélaz de
Medrano, C. y Vaillant, D. (Org.).(2009). Aprendizaje y desarrollo profesional
docente. Madrid: OEI. Fundación Santillana, 2009. p. 49-56.
73
Pordata. Base de dados de Portugal contemporâneo, www.pordata.pt (acedido
a 4 de junho de 2018).
Schleicher, A. (Ed.). (2012). Preparing teachers and developing school leaders for the
21st century: lessons from around the world. OECD Publishing.
74
05. O EMPREENDEDORISMO EDUCACIONAL,
A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E A FORMAÇÃO
DOCENTE: desafios à educação pública no Brasil
INTRODUÇÃO
75
neoliberalismo. No tocante à formação docente, presencial e a
distância, o avanço do capital na educação tem influência direta na
construção teórica dos professores e, consequentemente, na sua
prática, ao enquadrar o trabalho educativo numa lógica de
racionalização técnica reprodutivista.
O EMPREENDEDORISMO EDUCACIONAL
76
processo de modernização industrial, política e científica”. (Weber,
1983, p. 27)
Por sua vez, em Schumpeter (1961, p.166), o conceito de
empreendedorismo está vinculado à inovação. Assim, a função do
empreendedor seria a de “revolucionar o sistema de produção
através do uso de uma invenção ou, de maneira mais geral, de uma
nova possibilidade tecnológica para a produção de uma nova
mercadoria ou fabricação de uma antiga em forma moderna”.
Portanto, o empreendedorismo estaria conectado ao
desenvolvimento sócio-econômico e o empreendedor seria sua força
motriz, uma vez que representa toda a sua versatilidade e
habilidades técnicas para produzir, reunir recursos financeiros,
organizar a gestão e movimentar a produtividade da empresa.
No Brasil, os princípios didáticos e metodológicos do
empreendedorismo têm sido difundidos pelo Centro Brasileiro de
Apoio à Pequena e Média Empresa – CEBRAE, instituído em 1972 e
vinculado ao Governo Federal. Em 1990, passou a ser denominado
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas –
SEBRAE, sendo desvinculado da administração pública, tornando-
se o principal agente de expansão dessa temática em vários setores.
Assim como passou a assumir a função de interpretar e criar as
estratégias e os mecanismos técnicos e racionais para articular o
empreendedorismo ao setor econômico comercial e, em seguida, ao
contexto da educação.
Dessa forma, nas ciências sociais e humanas, o conceito de
empreendedorismo delineia-se em dois eixos teóricos: o primeiro,
de cunho econômico empresarial, tem sua origem na economia
clássica e define os indivíduos (empreendedores) pela sua
autonomia, criatividade, visão de futuro. Aposta na
empregabilidade e possibilidade de o indivíduo ser gestor de seu
próprio negócio, frente à conjuntura econômica capitalista.
O segundo, com destaque nas últimas décadas do século XX,
ramifica-se e direciona-se, a partir dos pressupostos teóricos e
77
práticos da sociologia clássica, tanto para a gestão empresarial de
negócios, em qualquer domínio comercial, quanto para o processo
de formação e escolarização de sujeitos para o mercado de trabalho.
Ou seja, a educação torna-se, neste sentido, o elemento chave para
desenvolver novos saberes e competências demandadas pelo modo
de produção capitalista. Essa perspectiva defende o
empreendedorismo como um caminho alternativo para os
indivíduos desempregados serem realocados no mercado produtivo
frente à crise econômica e apoia-se no argumento de que o processo
de formação e escolarização de sujeitos, nessa perspectiva, é a
“salvaguarda” do sistema econômico.
Na esfera acadêmica, o empreendedorismo surge, em 1981,
como disciplina pedagógica a ser ministrada no curso de
Especialização em Administração na Escola de Administração de
Empresas da Fundação Getúlio Vargas, direcionada para a criação
de “novos negócios”. Em 1984, nesta mesma instituição, a disciplina
passa a ser ministrada na graduação em Administração, conduzindo
à “formação de empreendedores para os novos negócios” (Wolf,
2014, p. 81-82).
A partir dos anos 2000, o empreendedorismo expande-se da
educação superior para a educação básica pública em seus mais
variados níveis e modalidades de ensino, resgatando os princípios
da pedagogia tecnicista. Primeiro, ao articular o processo de ensino
ao campo produtivo, seja pela criação de empreendimentos, seja
pela formação direcionada para o mercado de trabalho. Segundo, ao
enfatizar que as atividades pedagógicas ocorram por meio da
investigação na prática, ou seja, os educandos iriam a campo,
refletindo sobre seus próprios comportamentos.
A esse respeito, as primeiras iniciativas de incentivo à gestão
de negócios, à vinculação da escolarização ao mercado de trabalho e
ao estímulo para a empregabilidade, mediante aprendizado e
desenvolvimento de novas habilidades e competências profissionais
articuladas às tecnologias da informação e comunicação, ocorreram
78
com o lançamento do livro Sociedade da Informação no Brasil, mais
conhecido como Livro Verde, coordenado por Tadao Takahashi e
publicado através da parceria entre o Ministério da Ciência e
Tecnologia-MCT e o Ministério da Educação – MEC.
Nessa obra, o empreendedorismo é concebido como a “pedra
de toque” para a inovação e desenvolvimento do capital intelectual,
visto que as pessoas vivem a sociedade da informação em que o
cenário econômico converte o conhecimento em vantagens
competitivas e diferenciadas. Por esse motivo, o livro aponta que os
setores público e privado deveriam difundir o empreendedorismo
nos currículos em forma de conteúdos disciplinares, desde a
educação técnica ao Ensino Médio e Ensino Fundamental, de forma
a “adotar medidas visando à difusão da cultura do
empreendedorismo no País, incluindo disciplinas em currículos dos
Cursos Técnicos e do Ensino Médio e Fundamental que permitam
aos alunos aprender fundamentos sobre a criação e gestão de
negócios” (Takahashi, 2000, p.28).
Outro aspecto marcante, no Brasil, é a influência que as
agências vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU),
especialmente a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), exercem nas políticas públicas. Vale
destacar que os princípios que nortearam o empreendedorismo
partiram dessas instituições e são desenvolvidos através da
metodologia da educação empreendedora, cujas orientações
podemos observar no livro Educação: um tesouro a descobrir, sob a
coordenação de Jacques Delors.
No quarto capítulo, o livro destaca os quatro pilhares para a
educação do futuro, “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”,
“aprender a viver juntos” e “aprender a ser”, com ênfase no
“aprender a fazer” como uma prática inovadora que deve ser
trabalhada no processo de ensino e aprendizagem. Nesse processo,
o indivíduo armazenaria as informações que são as bases de
competências para o futuro e, nesse sentido, caberia à educação
79
transmitir os saberes e o saber-fazer adaptados à civilização
cognitiva, bem como estabelecer novas relações entre política
educativa e política de desenvolvimento, além de estimular
iniciativas para o trabalho e o espírito empreendedor.
Aprender a conhecer e aprender a fazer, segundo Delors
(2006, p. 93), “são, em larga medida, indissociáveis”. Entretanto, “a
segunda aprendizagem está mais estreitamente ligada à questão da
formação profissional: como ensinar o aluno a pôr em prática os
seus conhecimentos e, também, como adaptar a educação ao
trabalho futuro quando não se pode prever qual será a sua
evolução”. (Delors, 2006, p. 93)
A partir dessas indicações, pode-se afirmar que o
empreendedorismo vem se firmando como um modelo de
desenvolvimento empresarial e a educação empreendedora, como
uma modalidade de ensino que sucede as tendências liberais
anteriores como a Tradicional, a Renovada, a Renovada não-diretiva
e a Tecnicista. Essas configurações na educação resgatam os
princípios do neoliberalismo e da reestruturação produtiva em um
contexto coroado com os avanços tecnológicos e digitais no âmbito
das relações entre trabalho e educação.
A esses questionamentos, cabe uma reflexão acerca do rumo
da educação para as próximas décadas do século XXI em relação
tanto aos profissionais da educação, quanto ao processo de
formação de sujeitos suscitada com as mudanças nas relações
econômicas, trabalho e educação. Isso se faz importante tendo em
vista que os avanços das tecnologias físicas, digitais e biológicas que
permeiam o atual contexto educacional exigem um perfil de sujeito
que atenda aos requisitos de desenvolvimento do capital.
Embora essa não seja uma razão para admitirmos uma
ruptura de paradigmas no modelo de educação atual, observamos
mudanças bruscas na forma como está sendo concebida a formação
escolar dos sujeitos, posto que o cenário econômico capitalista tem
se caracterizado por atividades pedagógicas aligeiradas, com
80
abrangências a uma fração maior de indivíduos. Além disso, essa
tendência vem ganhando dimensões não mensuráveis desde os anos
iniciais da educação básica e se fortalecendo no Ensino Médio, nos
Cursos Técnico e Profissionalizantes e no Ensino Superior.
Nesse contexto, as escolas públicas estão aderindo a essa
lógica neoliberal com a inserção do empreendedorismo na educação
sem compreenderem as circunstâncias políticas e pedagógicas em
que tais propostas estão embasadas. A citar, o Brasil é signatário das
orientações estabelecidas pela ONU, desde 1947, mediante parceria
de colaboração. Dessa forma, a agenda global é trazida para o
âmbito nacional e, em contrapartida, as práticas brasileiras são
divulgadas ao contexto mundial. Inclusive, por intermédio desta
vinculação em 1950, o UNICEF, a OIT e a UNESCO começaram a
desenvolver seus trabalhos de acordo com as demandas
apresentadas no território brasileiro. A partir desse acordo, o Brasil
abarcou o desafio de compartilhar suas experiências políticas,
econômicas e culturais com outros países, além do desafio de
produzir conhecimentos e promover o desenvolvimento econômico
e sustentável mediante os objetivos e metas estabelecidas.
Nesse caso, observa-se que a “Agenda de 2030”, cujo
documento em seu objetivo é a meta número 4.4, ao tratar da
educação inclusiva, equitativa de qualidade e da aprendizagem ao
longo da vida para todas as modalidades de ensino, destaca entre
seus requisitos que o empreendedorismo, até 2030, deve “aumentar
substancialmente o número de jovens e adultos que tenham
habilidades relevantes, inclusive competências técnicas e
profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo”
(UNESCO, 2016, p. 17).
A esse respeito, cabe mencionar as análises de Peruzzo (2016,
p.73) acerca das relações entre o setor público e o setor privado, que
“manifestam a ideologia burguesa ao se proporem promover a
compreensão mútua entre desiguais como se os interesses em jogo
fossem idênticos”. Essa análise indica que os interesses constituídos
81
por meio dessa parceria não são os mesmos, ou seja, existe uma
ideologia dominante que almeja estabelecer um padrão de formação
escolar com tendência a reproduzir a lógica do capital.
O empreendedorismo, de acordo com Wolf (2014, p. 51),
fornece subsídios ao capitalismo através de duas perspectivas, a
primeira é a “pedagogia empresarial” que aplica a doutrina e
princípios de funcionamento do modo de produção capitalista para
a educação. Nessa afirmação, o processo de formação fundamenta-
se na ideologia do neoliberalismo e a escola é concebida como
instituição que deve buscar resultados e moldar os educandos,
conforme o perfil exigido pelas empresas. A segunda perspectiva é a
“pedagogia empreendedora” na qual, através da formação escolar,
os indivíduos são responsabilizados pelo seu destino no mundo e no
âmbito do trabalho. No seu entendimento, essa afirmação possui um
“amplo alcance ideológico no contexto da escolarização”, posto que
estimula a formação de sujeitos para serem empreendedores,
mediante a aprendizagem de conteúdos com foco na aquisição de
competências de gestão empresarial.
Nesse sentido, há a necessidade de aprofundarmos essa
discussão acerca do empreendedorismo educacional, tendo em vista
que, a partir dos anos 2000, sua expansão tem perpassando os
currículos escolares da educação básica mediante parceria público-
privado. Além disso, devemos sinalizar que o sistema educacional
está reproduzindo um modelo de gestão empresarial de base
econômica, que não pode ser confundido com uma concepção
pedagógica de formação escolar. Da mesma forma, a educação
empreendedora, cujos fundamentos ancoram-se no paradigma
neoliberal e nos princípios da educação tecnicista, não pode ser
confundida com uma metodologia de ensino.
A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA
82
Na contemporaneidade, além da expansão do
empreendedorismo, outro desafio que a educação brasileira precisa
enfrentar refere-se à formação de professores, tanto a inicial, quanto
a continuada. O investimento no preparo desses docentes, embora
por si só não garanta educação de qualidade, constitui parte
importante na oferta desta.
Entretanto, quando nos referimos à formação inicial, é
possível perceber que, apesar do aumento na oferta de vagas nas
licenciaturas, tais cursos atraem cada vez menos jovens, cientes de
que a atuação docente em nosso país passa por considerável
desvalorização profissional. Quanto à educação continuada, os
problemas também são notáveis e conhecidos dos educadores que já
atuaram no chão da escola. A falta de tempo, o desânimo com a
profissão e a inaplicabilidade do conhecimento acumulado no
cotidiano da sala de aula leva os professores a não demostrarem
interesse por tais formações.
Para pensarmos a respeito dos desafios da formação inicial,
torna-se mister apontar algumas das exigências imprescindíveis ao
exercício da docência e destacadas por Mello (2000), tais como,
conhecimentos sobre normas legais da educação básica;
contextualização do que está sendo aprendido na realidade da
educação básica e a construção da figura do professor como
investigador em ação”. A partir de tal concepção, um dos grandes
desafios da formação inicial seria o de promover a aproximação
entre os cursos de licenciatura e a educação básica.
Em relação à formação continuada, Fávero e Tonieto (2010)
apresentam três abordagens: a primeira caracteriza-se por um
sentimento de rejeição ao curso, de forma que é comum aos
docentes considerarem a sua experiência de sala de aula suficiente
para o exercício da docência. A segunda preocupa-se
demasiadamente com a técnica e tais formações passam a ser vistas
como receitas que propiciarão uma aula melhor. A terceira parte de
83
uma busca pela compreensão do fazer pedagógico e é característica
do professor prático-reflexivo.
A abordagem do professor reflexivo, em alguns aspectos, se
alinha ao pensamento de Freire (2011, p. 24) quando aponta que “a
reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação
entre teoria e prática, sem a qual a teoria pode ir virando blá-blá-blá
e a prática, ativismo”. Contudo, afirmamos que tal conduta exige
tempo e desejo de aprender de forma permanente, de forma que tal
reflexão possa tornar-se uma nova prática!
Diante dessas abordagens, a contemporaneidade tem
apresentado novos desafios aos professores, entre os mais
perceptíveis, a familiarização destes com as Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação (TDIC) e com os Ambientes Virtuais de
Aprendizagem (AVA). É certamente nesse campo que a Educação a
Distância (EaD) tem muito a contribuir no que se refere à formação
docente. A EaD constitui uma alternativa, seja pela utilização das
TDIC, o que pode tornar os cursos mais atraentes para os jovens,
seja pela possibilidade de realização de tarefas sem a necessidade de
locomover-se de casa para um espaço físico, o que melhor se
enquadra na rotina (exaustiva) dos que já exercem a função docente.
Entre as exigências impostas pela chamada sociedade da
informação, Belloni (2015, p.117) destaca que “as mudanças nas
características e estruturas do ensino acarretam necessariamente
transformações profundas nas funções dos professores”. Já Ferreira
e Souza (2010, p. 167) ressaltam que “o professor deve buscar
perceber como as inovações tecnológicas influenciam o processo de
produção de conhecimento”.
A EaD, enquanto modalidade de ensino, propicia ao
estudante envolver-se com tais tecnologias, de modo que os
ambientes virtuais, por exemplo, passam a fazer parte do cotidiano
destes. O acesso a vídeos, aos sites e a todos os recursos propiciados
pela internet promove nesses estudantes uma aproximação com o
84
universo virtual, não mais compreendido como “inexistente”, mas
como algo útil à construção do seu aprendizado.
Em uma perspectiva de democratização do acesso a cursos de
formação de professores, a EaD mostra-se como uma alternativa
eficaz e apresenta-se como a única oportunidade de acesso ao ensino
superior para muitos dos cidadãos brasileiros. Vale salientar, o perfil
variado dos estudantes que compõem as turmas de EAD evidencia a
dimensão que essa modalidade atingiu em nosso país. A EaD atende
a diversos públicos e tem, para cada um desses, um significado
diferente.
Por exemplo, para um jovem recém saído do Ensino Médio –
provavelmente um “nativo digital”7 – a EaD representa a
oportunidade de ingressar em um curso superior que explora as
tecnologias digitais; para um sujeito que reside em uma cidade
situada longe dos grandes centros urbanos, a EaD pode representar
a única oportunidade de chegar ao ensino superior. Ainda é possível
pensar na realidade de uma dona de casa que, no acúmulo de suas
atribuições, pode encontrar tempo e espaço para aprender; bem
como no sujeito que já está inserido no mercado de trabalho e que
percebe, nessa modalidade, a possibilidade de continuar exercendo
as suas funções, algo quase sempre inconcebível com uma
graduação presencial.
Contudo, as ideias neoliberais têm se constituído em um
sério risco à execução dessa modalidade, de modo que o que é
colocado como modelo ideal de EaD, previsto na literatura, tem sido
deturpado em detrimento da mercantilização dessa modalidade.
Inclusive, uma das críticas a essa modalidade recai sobre essa
mercantilização.
Sob a perspectiva do materialismo histórico, Malanchen
(2015, p. 203) aponta que a formação de professores a distância,
enquanto processo de democratização de acesso ao ensino superior,
7 Para maiores informações sobre nativos digitais e migrantes digitais, ver Palfrey e Gasser
(2011).
85
tem duas intenções: “imprimir a ideologia de que pelo acesso
democratizado à educação, pela EAD, todos podem alcançar
condições sociais de vida melhores, e [...] formar um grande
contingente de mão de obra especializada requerida pelo sistema
produtivo”.
A esse respeito, percebe-se que: a precarização da atividade
dos atores envolvidos na elaboração e execução dos cursos; a
política de corte de gastos posta em prática pelo Governo Federal; a
ideia da ampliação de vagas de forma desordenadamente; a falta de
suporte aos polos de apoio presencial; entre outros aspectos,
acarretam uma série de problemas na condução dos Cursos de
Licenciatura a Distância.
Saviani (2009, p. 153) sinaliza que tal comportamento é
incoerente, a tempo que exalta a educação como sendo setor de
suma importância na sociedade do conhecimento: “as políticas
predominantes se pautam pela busca da redução de custos,
cortando investimentos” e afirma que, apesar de contraditório, esse
tem sido o comportamento que rege as políticas de educação no
Brasil.
Não por acaso, observamos que os índices de evasão nos
cursos de Química, Física e Biologia são elevados, e as
oportunidades de formar um número cada vez maior de professores
para suprir essa carência é existente nessas áreas. Nesse sentido, o
grande desafio para a EAD, consiste na redução da evasão nos
cursos e na formação docente e na oferta de infraestrutura para
atender às necessidades de trabalhadores e trabalhadoras, cada um
com suas especificidades.
A FORMAÇÃO DOCENTE
86
impossibilita ao futuro professor vivenciar a heterogeneidade da
prática docente e a definir sua postura frente às contradições que
atravessam a instituição escolar. Ou seja, é no espaço escolar,
enquanto discente, que se pode vivenciar e identificar contradições
no que se refere à relação entre a teoria e a prática, possibilitando
uma prática com objetivos claros a serem alcançados.
Entretanto, a formação de professores inicial e continuada,
que busca constituir o fazer pedagógico e a construção teórica,
apresenta contradições e desafios. A educação, conforme sinaliza
Cury (1986, p.70), “enquanto momento partícipe da prática social
global, é contraditória em seus vários elementos”.
As mudanças que vêm ocorrendo no âmbito educacional
resultam em desafios e novas configurações para a educação. Para
compreender os atuais desafios, faz-se mister destacar que a
educação brasileira tem, em suas origens, uma herança colonial
pautada nos interesses econômicos e políticos dos latifundiários.
Diante de tais interesses, foram se expandindo modelos, concepções
e teorias de diferentes pesquisadores, muitos das quais implantados
e “adaptados” à realidade brasileira. Depois da Primeira Guerra
Mundial e com a expansão do capitalismo, surgiram rupturas,
mudanças e avanços no meio educacional com o objetivo de formar
mão de obra qualificada para o trabalho.
Tais mudanças ganharam força no final do século XIX e
durante todo o século XX com a chegada ao Brasil de ideias, ainda
que de forma fragmentada, de uma nova educação, oriunda de
outros países e continentes, que influenciou e influencia até hoje a
prática e/ou a concepção dos professores.
Nessa vertente, em pleno século XXI, é comum encontrar
escolas e professores que se afirmam, por exemplo, construtivistas,
sócio-interacionistas, tradicionais ou ecléticos, o que suscita algumas
questões: quais os pressupostos que orientam a prática desses
docentes? Como é a prática desse professor? Qual a relação da
escola com a prática docente? Pimenta (2008, p. 19) afirma que “uma
87
identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação
social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da
profissão”.
Vale salientar que a concepção desses professores está
enraizada e relacionada, entre outros aspectos, à formação
acadêmica nas universidades. Assim, Cury (1986, p.87) destaca que
“as idéias pedagógicas se manifestam na tentativa de a concepção
de mundo da classe dominante se tornar totalizante”. Com isso,
“essas idéias se apresentam como tais enquanto se utilizam de
instituições pedagógicas que lhes sirvam de suporte”. O autor
também sinaliza que “as instituições são organizações culturais (no
seu sentido amplo) a serviço das ideologias que as veiculam através
de instrumentos de difusão, entre os quais os agentes pedagógicos,
o material pedagógico e o ritual pedagógico”.
Nas sociedades capitalistas, portanto, a educação se impõe
como manifestação-produção mediante as relações de classe.
Segundo Cury (1986, p.53), “as contradições existentes nas relações
de classe se fazem presentes na educação, dada sua presença
imanente nessa totalidade histórica e social”. Logo, “a educação
articula-se com a totalidade mediante as relações de classes, como
também as relações de classe se articulam com a totalidade
mediante a educação”.
Por sua vez, Pimenta (2008, p. 18) salienta que, “dada a
natureza do trabalho docente, que é ensinar como contribuição ao
processo de humanização dos alunos historicamente situados”,
assim, “espera-se da licenciatura que devolva nos alunos
conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes
possibilitem permanentemente irem construindo seus saberes-
fazeres docentes”, pautados nas “necessidades e desafios que o
ensino como prática social lhes coloca no cotidiano”
Nesse sentido, os estágios, na formação do futuro professor,
deveriam possibilitar contato com a escola e despertar reflexões, de
forma que fosse possibilitado ao aluno relacionar teoria e prática.
88
Entretanto, essa relação teórico-prática é uma das grandes
dificuldades na formação docente, uma vez que os cursos de
formação de professores permanecem, muitas vezes, distantes da
realidade escolar. A esse respeito, Pimenta (2008, p. 16) aponta que
os cursos de formação têm desenvolvido “um currículo formal com
conteúdos e atividades de estágios distanciados da realidade das
escolas”, o que implica “numa perspectiva burocrática e cartorial
que não dá conta de captar as contradições presentes na prática
social de educar, pouco tem contribuído para gestar uma nova
identidade do profissional docente”.
Os cursos de formação de professores têm preparado para a
docência. Entretanto, a autora destaca que, “para além da finalidade
de conferir uma habilidade legal ao exercício profissional da
docência, do curso de formação inicial se espera que forme o
professor. Ou que colabore para sua formação.” Ou seja, “melhor
seria dizer que colabore para o exercício de sua atividade docente,
uma vez que professorar não é uma atividade burocrática para a
qual se adquire conhecimentos e habilidades técnicas-mecânicas”
(Pimenta, 2008, p. 17-18).
Pimenta (2008, p. 18) conclui que “a profissão de professor,
como as demais, emerge em dado contexto e momento históricos,
como resposta a necessidades que estão postas pelas sociedades,
adquirindo estatuto de legalidade.” Logo, “se transforma
adquirindo novas características para responder a novas demandas
da sociedade”.
Entretanto, Cury (1986, p.79) salienta que a educação tem-se
posto “a serviço do sistema capitalista de modo mais eficaz quando
os efeitos contraditórios desse exercício são neutralizados pelo
próprio sistema”, uma vez que “essa neutralização se dá pela
limitação ao acesso do saber (barreiras à democratização do ensino),
pela alteração do saber que transmite, de modo que se possa limitar,
pela exclusão e/ou seleção, o poder de desvelamento sobre a
estrutura social”. Com isso, o sistema busca “manter a divisão entre
89
teoria e prática, validar como saber apenas o que é apanágio das
classes dominantes (linguagem culta, ecletismo, etc.), apresentando-
o como fruto de dons pessoais”. E, nesse serviço, a Universidade
tem a sua responsabilidade.
Na formação continuada de professores, conforme sinaliza
Pimenta (2008, p. 16), “a prática mais frequente tem sido a de
realizar cursos de suplência e/ou atualização dos conteúdos de
ensino”. Entretanto, “esses programas têm se mostrado pouco
eficientes para alterar a prática docente e, consequentemente, as
situações de fracasso escolar, por não tomarem a prática docente e
pedagógica escolar nos seus contextos.”.
Contudo, a prática docente, segundo a autora, apresenta
pressupostos de diferentes concepções teóricas, de forma que nela
“estão contidos elementos extremamente importantes, como a
problematização, a intencionalidade para encontrar soluções, e
experimentação metodológica, o enfrentamento de situações de
ensino complexas”. Ou seja, elementos “de uma didática inovadora,
que ainda não está configurada teoricamente” (Pimenta, 2008, p. 27).
Em relação ao aluno, Lima (1976, p. 94) destaca que “o
educador prepara o campo de ação circunstancial, na convicção de
que o aluno não assimilará senão o que estiver presente na vida
escolar”. Entretanto, “as acomodações pessoais que cada aluno fizer
diante do campo apresentado representarão o contingente pessoal
de formação à conta da liberdade que deve presidir ao crescimento
do homem”.
Diante de tais elementos, Goulart (1987, p.140) sinaliza: “o
ideal seria que os professores adaptassem o material escolar em
função do caminho intelectual do aluno”, visto que “seria necessário
compreender a criança, sua atividade, seu desenvolvimento, em
outras palavras, seria preciso observar o aluno”.
Para que o professor chegue a uma prática coerente, torna-se
necessário ir à teoria e seu criador, de forma que as práticas
desenvolvidas em qualquer nível de ensino estejam teoricamente
90
bem fundamentadas, tanto no conhecimento do conteúdo, como nos
métodos de ensino. Tal atitude é imprescindível, visto que um dos
fatores que explicam a dicotomia entre teoria e prática está na falta
de aprofundamento teórico-metodológico ainda na universidade,
posto que várias concepções são estudadas, mas não há um
aprofundamento nem teórico, nem prático.
A educação, na perspectiva de Cury (1986, p.81), “pode
tomar-se um saber-instrumento que possibilite o caminho do visível
ao invisível, do fenômeno ao estrutural e, com isso, superar o caráter
ambíguo dessa contradição. Depende da função política que ela
assumir”. Devemos, contudo, não nos esquecermos de que, dentre
os problemas centrais do ensino, o conhecimento do
desenvolvimento infantil é um dos mais importantes, mas também o
mais ignorado no que diz respeito tanto à formação do educador,
quanto à concepção dos professores sobre o fazer pedagógico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
91
indivíduos para a gestão de negócios. Essa lógica é reproduzida
através da metodologia da educação empreendedora que direciona
a aprendizagem de sujeitos para a aquisição de competências e
habilidades, reforçando, dessa forma, o paradigma neoliberal da
organização social capitalista nos aspectos da flexibilidade e
responsabilização dos indivíduos.
Em relação à EaD, percebemos o papel significativo de tal
modalidade no que tange à democratização do acesso ao ensino
superior e, principalmente, à formação de professores, seja inicial ou
continuada. Porém, em uma sociedade capitalista, onde a educação
é vista como mercadoria, a modalidade passa a ser contemplada sob
duas óticas: para os grandes grupos educacionais, um negócio
lucrativo; e para os gestores do serviço público, uma maneira de
formar profissionais de forma aligeirada e menos dispendiosa
quando comparada aos cursos presenciais.
Quanto à formação docente, o ser professor, é possível
identificar contradições no que se refere à relação entre a teoria e a
prática de professores, uma vez que não há o domínio teórico
necessário a uma prática planejada e com objetivos claros a serem
alcançados. Entretanto, tal contradição não é percebida por esses
professores, posto que, como sinaliza Cury (1986, p. 32), “a
consciência da contradição é o momento em que a contradição se
torna princípio explicativo do real. A reflexão sobre o real torna-se o
momento em que o homem descobre as contradições existentes”.
Nesse sentido, afirmamos que se torna necessária uma
mudança estrutural na educação que parta do desvelamento das
contradições, tanto na formação do educador, quanto no fazer
docente. Essa mudança somente se torna viável no contato do futuro
educador com as contradições do e no espaço escolar, propiciando o
questionamento sobre a legislação que rege os cursos de formação
de professores, a instituição escolar e o próprio fazer docente.
Assim, o questionamento sobre Como estão sendo formados os futuros
professores torna-se mister.
92
Por fim, vale salientar que as mudanças em relação à
educação dependem não somente da preparação do futuro
professor para enfrentar esse ou aquele desafio, mas também do
interesse econômico e político dos governantes com professores bem
renumerados, escolas equipadas, matérias didáticos e estrutura
física adequada. Afinal, uma educação de qualidade resulta em
cidadãos que atuam de forma consciente na sociedade e são capazes
de se opor às ideologias da classe dominante.
REFERÊNCIAS
GOULART, Iris B. Piaget experiências básicas para utilização pelo professor. 4 ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1987.
93
MALANCHEN, Júlia. Política de formação de professores a distância no Brasil: uma
análise crítica. Campinas: Autores Associados, 2015.
MELLO, Guiomar N. de. Formação inicial de professores para a educação básica: uma
(re) visão radical. São Paulo em Perspectiva, v. 14, n. 1, p. 98-110, 2000. Disponível
em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
88392000000100012&script=sci_arttext> Acesso em 22 mar. 2018.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. 4. ed. São Paulo: Universidade
de Brasília, 1983. Tradução de Leonidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota.
94
06. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O
AMBIENTE VIRTUAL DE
APRENDIZAGEM - ANÁLISE DE
PESQUISAS NO CAMPO ETNOGRÁFICO
95
acordo com o critério de utilização da metodologia etnográfica
aplicada ao contexto educacional para a formação docente.
De acordo com Mattos (2011), o fazer etnográfico implica em:
a) preocupar-se com uma análise holística ou dialética da
cultura;
b) introduzir os atores sociais com uma participação ativa e
dinâmica;
c) preocupar-se em revelar as relações e interações
significativas, de modo a desenvolver a reflexividade sobre a ação
de pesquisar, tanto pelo pesquisador quanto pelo pesquisado.
Além disso, Mattos (2011, p. 49) ainda aponta que, para uma
investigação nessa modalidade, é necessário que o pesquisador
planeje e atente-se ao “tempo despendido no campo de
investigação, a descrição densa e minuciosa dos dados coletados, o
processo indutivo de análise, a questão da ética na pesquisa, dentre
outros”.
Geertz (1989) aponta que, para praticar etnografia, não é
necessário somente estabelecer relações, selecionar informantes,
transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um
diário, sendo que o determinante é o tipo de esforço intelectual que
o pesquisador etnográfico representa, “um risco elaborado para
uma descrição densa” (GEERTZ, 1989, p.15).
Considerando esses pressupostos, as pesquisas acadêmicas
foram realizadas considerando o rigor da ciência na metodologia
etnográfica aplicada à educação e a ambientes virtuais.
96
cujo nome significa “coleta de dados”, o pesquisador insere-se no
campo para analisar, estudar e descrever o grupo objeto de
pesquisa.
Este trabalho, como dito anteriormente, tem como objetivo
analisar resumos de teses e dissertações que tratam desse assunto e
discutir a relevância metodológica na coleta de dados, além de
informações relacionadas à formação de professores na
contemporaneidade.
Em nosso século, as demandas educacionais estão
relacionadas, entre muitas outras, às necessidades de professores em
suprir as necessidades dos alunos, considerando que o docente está
a serviço da população. Entretanto, para que possam executar bem
esse serviço, os professores necessitam de embasamento teórico,
preparação e capacitação que, muitas vezes, não são supridos na
formação inicial docente.
O sucesso educacional tem como uma das bases a relação
professor-aluno, ou a metodologia de ensino e aprendizagem que,
na visão mais moderna e construtivista, seja realizada de uma forma
mais estreita, o que requer uma melhor articulação com as
necessidades da nova geração de alunos e professores.
Essa nova geração possui uma gama de dispositivos com
acesso à informação. Tanto os docentes recém-formados
pertencentes à geração X, Y e Z, como os estudantes de gerações
posteriores até a W, precisam aprender a gerir as informações e usá-
las a favor do conhecimento, pois a informação por si própria não é
conhecimento, mas sua apropriação e gestão podem, sim, produzir o
conhecimento.
Nessa rede de informações e produções de conhecimento, a
contemporaneidade avança de acordo com os avanços tecnológicos,
científicos e sociais, enquanto que, para o campo educacional, existe
a demanda por alinhar-se a esses avanços e, com eles, a formação de
professores, considerando-se os reflexos possíveis na educação
básica e superior.
97
Como pode ser visto nos próximos tópicos, as pesquisas
trazem tendências que podem inovar o modo como vemos as
formações continuadas e as metodologias de ensino e
aprendizagem. Assim, são apresentados recortes de resumos de
dissertações e teses com objetivos e resultados de pesquisas
defendidas nos respectivos anos.
Na dissertação a seguir, há uma pesquisa relacionada à
formação de professores no ensino de matemática para o Ensino
Médio. A autora também utilizou como metodologia a etnografia. A
dissertação tem como título “A prática de educação a distância
desenvolvida pelo laboratório de pesquisa multimeios: diálogos
com a sequência Fedathi” e foi defendida em 2017.
98
De acordo com a autora, a análise desses contextos
formativos evidenciou que a prática de EaD do Laboratório MM
apresenta:
a) uma abordagem pedagógica estruturada entre o
cognitivismo e o interacionismo, a depender das intenções
formativas atribuídas às interfaces;
b) uma proposta didática amparada teoricamente nos
pressupostos da Sequência Fedathi, além de apresentar um desenho
didático dialogado com a dinâmica da cibercultura;
c) a sistematização do ensino na qual estão evidenciadas a
compreensão sobre o processo de ensinar, a organização dos
conteúdos com vistas a favorecer o sentimento de pertença entre o
aprendiz e o AVE, além da organização do trabalho por meio de
Sequências Didáticas;
d) a mediação interativa que favorece a colaboração entre os
interagentes, bem como a autoria no AVE.
A autora relata que os dados oportunizaram a sistematização
de uma modelagem para AVE amparada nos pressupostos e etapas
da Sequência Fedathi, a partir da arquitetura pedagógica, bem como
das estratégias de aplicação (BEHAR, 2009).
A pesquisadora conclui, portanto, a possibilidade de
evidenciar que a prática de EaD desenvolvida no MM e amparada
teoricamente pela Sequência Fedathi potencializa a ação do
professor por meio de uma mediação interativa, com objetivos
educacionais explícitos e o olhar sobre a postura docente reflexiva,
assim como a aprendizagem do aluno a partir da colaboração, da
autoria, da pesquisa a partir de redes de aprendizagem.
Nessa pesquisa, observa-se que, ao ampliar o leque de
metodologias na formação docente, potencializa-se o ensino e a
aprendizagem de forma mais efetiva e colaborativa entre os atores
do processo educacional. Além disso, a pesquisa evidencia que a
inovação pode ocorrer em prol da ação educacional.
99
ATUAÇÃO DOCENTE EM REDES SOCIAIS, COLABORAÇÃO
EM REDE, DE LIMA (2014)
100
BLOGS NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM,
CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA DE PESSOA, (2009)
101
primeiramente, o entendimento das suas possibilidades
educativas e secundariamente, e não menos importante,
seria preciso que os professores estivessem dispostos a
disponibilizar um tempo para dedicar-se à criação,
utilização e manutenção de seus blogs (PESSOA, 2009,
p.9).
102
Nessa tese de doutorado, defendida em 2006, apresenta-se
um estudo sobre o gênero discursivo “mediacional”, desde a sua
elaboração até a sua recepção.
A autora considera esse gênero como aulas materializadas na
escrita, registradas no suporte módulo, que constitui um tipo de
material impresso destinado à formação continuada de docentes da
educação básica, na modalidade de educação a distância (EaD).
A metodologia utilizada pela autora está norteada na
etnografia, na qual ela busca subsídios para a geração dos dados,
enquanto que a base teórica é formada pela sociolinguística
interacional, letramento como prática social e gêneros discursivos.
Na tese, a autora identifica e analisa aspectos linguísticos,
discursivos, sociais e interativos do gênero “mediacional”,
investigados no contexto de produção conforme a perspectiva dos
elaboradores e, por último, a autora investiga “face a face” um
contexto de letramento situado, no qual esse gênero circula.
Para isso, Souza (2006) conta com a participação de quem
elabora o gênero “mediacional”, o professor virtual, e de quem dele
se serve, o aluno virtual, para sua formação continuada. Nesse
estudo, a autora tinha como expectativa promover a reflexão acerca
da produção de texto para a educação a distância, demonstrando
como é possível recorrer à etnografia para subsidiar pesquisas no
contexto de letramento situado, revelando, assim, a forma como a
interação “face a face” faz-se importante para garimparem-se
conhecimentos e experiências de ações de linguagem do outro,
principalmente para quem produz textos para EaD, sobretudo,
mostrando como um determinado gênero discursivo organiza as
ações.
103
aprendizagem. Embora a metodologia seja comum, a temática e os
moldes de abordagens foram realizados de formas diferentes.
Apesar dessa constatação, nota-se que a finalidade dos
trabalhos também era comum a todos: relacionar a inovação
tecnológica de ambientes virtuais de aprendizagens à melhoria de
aspectos educacionais.
Nas pesquisas de Soares (2017), Souza (2016) e Pessoa (2009),
observou-se que as técnicas de ensino e aprendizagem mediante a
EAD foram positivas, enquanto que, na pesquisa de Lima (2014), foi
observada a ineficiência docente na atuação de redes sociais.
As pesquisas representam a intersecção de áreas ou campos
de estudo, onde elementos da antropologia, nesse caso, a etnografia,
são aplicados a pesquisas no campo educacional, com aplicações na
EaD. Essa intersecção representa um avanço, considerando que a
metodologia aplicada era utilizada em outros campos teóricos, como
ciências sociais, psicologia, saúde, marketing, além da antropologia.
Embora essa metodologia receba críticas sobre o rigor
científico determinado pela “ciência dura”, a mesma apresenta o
reconhecimento no meio acadêmico como uma metodologia válida e
de difícil execução, já que o pesquisador deve se distanciar do objeto
a ser pesquisado para que não seja levado pelo senso comum ou
fazer juízos de valor pela própria subjetividade de análise. É
necessário ter-se cautela com as impressões pessoais e realizar uma
descrição densa, criteriosa, sistemática e interpretativa mediante as
correntes filosóficas pertinentes a essa metodologia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
104
observação seja sistemática, com densa descrição e objetividade
cientifica.
REFERÊNCIAS
LIMA, T. O (2014). Eu sei o que vocês fizeram no verão passado: a atuação docente a
distância em sites de redes sociais na perspectiva da colaboração em rede.
Dissertação (Mestrado em Educação Matemática e Tecnológicas). Universidade
Federal de Pernambuco, Recife. Disponível em:
<https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/13084>. Acesso em: 20 abr.
2018.
105
(Mestrado em Educação Brasileira) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.
Disponível em: <http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/26643>. Acesso
em: 27 abr. 2018.
106
07. LETRAMENTO DIGITAL E A PRÁTICA
DOCENTE: a concepção de professores/as do
ensino fundamental – anos iniciais
Clemilson Cavalcanti da Silva
José Antonio Novaes da Silva
Andeilma Fernandes de Lima
107
representa uma das características principais dessa geração
(Prensky, 2001).
A internet, desde sua criação, passou por muitas
transformações. Inicialmente, era conhecida como “internet das
empresas” ou também “internet 1.0”. Nessa época, os/as
consumidores/as não poderiam interagir via máquinas
(computadores) com outras pessoas. O usuário era um ser passivo
com pouco ou nenhuma interatividade. Esse período ocorreu entre a
última década do século XX, e os primeiros anos do século XXI. Vale
salientar que, nesse período histórico, o número de usuários no
Brasil era muito baixo, principalmente, pelo alto valor cobrado pelas
empresas que ofereciam tais serviços.
Após esse primeiro momento histórico do mundo digital, que
ficou caracterizado pela criação de inúmeros sites que são
conhecidos até hoje como, por exemplo, yahoo, uol, google, etc.; a
internet deu um salto de qualidade, sobretudo no campo da
interatividade. Assim sendo, com o advento da interação via
máquinas (computadores, smartphones, celulares, etc.), tornou-se
possível a comunicação rápida entre pessoas em lugares diferentes.
A internet foi classificada com o codinome “internet 2.09” e, segundo
O‟Reilly (2005), não há como abalizar exatamente as fronteiras da
“Web 2.0”, todavia, é importante compreender que ela atua como
um núcleo complexo de diferentes tecnologias interconectadas entre
si com vistas a resultados interativos para quem faz uso dela. Nesse
sentido, se comparada com a “internet 1.0”, o seu diferenciador é a
possibilidade de interação entre os/as usuários/as.
Além dessas divisões historicamente conhecidas da internet,
atualmente, está em construção um movimento tecnológico
conhecido como “internet 3.0”, ou seja, a terceira geração de um
mundo tecnológico que está sempre se reinventado a fim de
9O termo, que faz um trocadilho com o tipo de notação em informática que indica a versão de
um software, foi popularizado pela O‟Reilly Media e pela Media Live International como
denominação de uma série de conferências que tiveram início em outubro de 2004 (O‟Reilly,
2005).
108
possibilitar maior interação entre os usuários/as. A “internet 3.0” é
caracterizada pela organização de informações do
usuário/consumidor com o objetivo de possibilitar às máquinas,
uma melhor compreensão das tendências e otimizar as experiências
do usuário na rede, facilitando a pesquisa por parte do usuário.
Após esse breve relato histórico sobre o desenvolvimento da
internet nas três últimas décadas, é perceptivo que o mundo se
transformou em uma rede que está interconectada o tempo todo
através dessa tessitura que vem crescendo ao longo dos anos. Esse
campo de transformação perpassou por todos os campos da
sociedade, especialmente pelo universo escolar.
Refletindo sobre a realidade encontrada em escolas públicas,
sobretudo, as do Município de Lucena, é possível afirmar que os/as
professores/as da Educação Básica, especialmente, os do Ensino
Fundamental – Anos Iniciais, estão trabalhando com as Tecnologias
da Informação e Comunicação? As TIC‟s, na compreensão dos/as
professores/as, são aliadas ou corroboram para o enfraquecimento
do processo de ensino-aprendizagem? Na concepção dos/as
docentes, as aulas utilizando as TIC‟s ficam mais atrativas ou não
faz diferença para os/as alunos/as? Enfim, essas e outras questões
serão investigadas com o intuito de conhecer e compreender a
prática pedagógica dos/as professores/as.
Pensando em encontrar algumas respostas para estas
indagações, o presente trabalho tem como objetivo conhecer a
concepção de docentes do Ensino Fundamental – Anos Iniciais,
acerca do letramento digital em seu fazer pedagógico.
109
datado segundo anais do “Oxford English Dictionary” desde 1660, no
século XVII (Soares, 2004). No que tange à sua construção
etimológica, o letramento é derivado do latim “littera” (que significa
letra), acrescido do sufixo cy (condição, estado, etc.). Inicialmente, a
literatura inglesa tratava-o como sinônimo de alfabetização, todavia,
logo em seguida, foi erigido para outro patamar que suplantava a
ideia de alfabetização. Desse modo, uma pessoa letrada deve ser
capaz de ler, escrever e compreender a estrutura social e histórica de
sua existência enquanto indivíduo inserido em uma sociedade
(Soares, 2003).
O letramento, no contexto brasileiro, surge na década de 1980,
em áreas como Linguística e Educação, a partir de trabalhos de Kato
(1986), Kleiman (1995) e Marcuschi (2001), desde então, ele vem
sendo debatido em várias nuances no campo da aprendizagem. A
partir de estudos densos realizados por diferentes
pesquisadores/as, o letramento começou a ganhar contornos e
compreensões no campo acadêmico que se distanciavam do viés do
senso comum que o tornava sinônimo de alfabetização.
Para Street (2003), o letramento pode ser construído a partir de
dois pontos de vista enquanto prática pedagógica: o autônomo e o
ideológico. O primeiro sinaliza para uma condição de igualdade
para todos, aplica-se a um caminho singular de desenvolvimento
das habilidades e aprendizagem do sistema linguístico, ou seja, se
o/a aluno/a fracassar nesse processo, a culpa é dele/dela. Por sua
vez, o segundo “reconhece que essas habilidades técnicas estão
sempre sendo empregadas em um contexto social e ideológico, que
dá significado às próprias palavras, sentenças e textos com os quais
o aprendiz se vê envolvido” (Street, 2003, p. 9) e, assim, o fazer
pedagógico tem de estar inserido na realidade dos/as discentes.
Nesse contexto, o letramento digital é um tipo específico de
letramento e, assim sendo, para Coscarelli & Ribeiro (2005, p.9), “é o
nome que damos, então, à ampliação do leque de possibilidades de
contato com a leitura e a escrita também em ambiente digital”.
110
Corroborando essa definição, Soares (2002, p.151) assevera que é um
“certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da
nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na
tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que
exercem práticas de leitura e de escrita no papel”. As autoras
enfatizam que o letramento digital é a habilidade e a competência de
manusear os recursos digitais com vistas à produção de
conhecimentos historicamente situados.
Para Aquino (2003, p.1), o letramento digital é o “domínio de
técnicas e habilidades para acessar, interagir, processar e
desenvolver multiplicidade de competências na leitura das mais
variadas mídias”. Todavia, alguns conceitos sobre letramento digital
vão além da promoção da leitura e da escrita no meio digital. Para
Duran (2011, p.28), o termo letramento digital “não se reduz a
instrumentalização, já que nos remete às práticas sociais de leitura e
de escrita e/ou à condição de quem as exerce”. Nesse contexto, a
autora reforça que essa prática seria “o processo de configuração de
indivíduos ou grupos que se apropriam da linguagem nas práticas
sociais relacionadas direta ou indiretamente à leitura e à escrita
mediada pelas TIC” (Duran, 2011, p. 28). Em seguida, refletiremos
acerca de como o letramento digital está entrelaçado ao universo
escolar.
111
práticas pedagógicas, suas certezas e verdades absolutas, suas
concepções lineares acerca do ensino e da aprendizagem, seus
planos de aulas e de ação que contemplam conteúdos pautados em
concepção vertical de aprendizagem, etc.; ou seja, na Era da
Informação, “o espaço de saber do docente foi dando lugar ao de
mediador e problematizador do aprender: ele passou a ser visto
como aquele que desafia os alunos, mostrando-lhes, entre as várias
possibilidades de aprendizagem, caminhos que poderão ser
percorridos” (Cruz, 2008, p. 1026). Enfim, é preciso que o/a
profissional da era digital compreenda o seu espaço ou, em outras
palavras, o seu letramento digital.
Desse modo, defendemos uma escola conectada, isto é, um
espaço que ofereça as TIC‟s e suas potencialidades para o processo
de ensino-aprendizagem. Rojo (2013, p.7) assevera que é “preciso
que a instituição escolar prepare a população para o funcionamento
da sociedade cada vez mais digital e também para buscar
ciberespaço um lugar para se encontrar, de maneira crítica, com
diferenças e identidades múltiplas”. Partindo desse viés, a autora
está expressando a ideia de que o espaço escolar não pode estar
distante da sociedade, consequentemente, dos/as alunos/as, pois
estes são nativos digitais e estão conectados a esse universo online.
Nesse contexto de tecnologias digitais, existem diferentes
paradigmas educacionais que devem ser utilizados pelos/as
professores/as como concepções pedagógicas que auxiliem na
compreensão de como o/a aluno/a aprende na Era da Informação.
Destes, traremos para a discussão/reflexão três correntes de
pensamentos distintas (Instrucionismo, Construcionismo e
Conectivismo). Inicialmente, discutiremos sobre o conceito de
Instrucionismo, o qual prioriza a ideia de ensinar a partir das
máquinas, ou seja, o computar seria uma ferramenta que tem a
capacidade de ensinar. Essa abordagem foi criticada por Almeida e
Valente (2011), pois, segundo os autores, o/a aluno/a nesse
processo atua como um ser passivo, não constrói um raciocínio
112
crítico acerca do conhecimento, na realidade, o que ocorre é um
processo de memorização dos conteúdos. Assim sendo, o ensino
nesse paradigma é “focado em uma perspectiva de currículo
limitada ao conteúdo dos softwares que entregam informações
aos/às alunos/as, a quem cabe estudar o conteúdo apresentado,
fornecer respostas aos exercícios apresentados” (Almeida; Valente,
2011, p.8).
Contrapondo-se à abordagem Instrucionista, Papert (1986)
propõe a concepção Construcionista, a qual estabelece que o
computador auxilia o/a aluno/a na produção de conhecimento e,
consequentemente, no processo de ensino-aprendizagem. Na
compreensão de Papert (1986), o Construcionismo atuaria como
uma concepção pedagógica que possibilita a aprendizagem
utilizando o computador como uma ferramenta pedagógica. Nessa
abordagem, o computador é empregado “como uma ferramenta
educacional, com a qual o/a aluno/a resolve problemas
significativos que favoreça a aprendizagem ativa, isto é, que
propicie ao/a discente a construção do conhecimento a partir de
suas próprias ações” (Almeida, 1996, p. 18). Além das teorias
supracitadas, o Conectivismo apresenta-se como uma teoria da
aprendizagem pensada para a contemporaneidade educacional
imersa na realidade digital, a qual concentra suas ideias na
concepção de que a humanidade produz o conhecimento e este pode
ser compartilhado através dos diferentes meios digitais apoiados
por artefatos tecnológicos simbólicos.
Esta abordagem se distancia das outras duas supracitadas,
pois ela propõe que devemos romper com a ideia de produção de
conhecimento unitário para uma produção de conhecimento em
rede, sobretudo, nos ciberespaços. Para Siemens (2004, p.1), “a
aprendizagem ocorre de várias maneiras – através de comunidades
de prática, redes pessoais e através da conclusão de tarefas
relacionadas ao trabalho”, ou seja, a aprendizagem vai muito além
da ideia de educação formal. Na realidade, com as tecnologias
113
digitais, o aprender ocorre em todos os espaços, uma vez que as
redes digitais possibilitam o acesso à informação e esta pode ser
transformada em conhecimento.
No que tange às limitações dessa abordagem, alguns
autores/as concebem essa teoria como uma repaginação do
Construcionismo e, assim sendo, ela carece de elementos novos que
sejam substanciais para se diferenciar das teorias que já existem
(Kerr, 2007). Outra crítica a essa abordagem está relacionada à
ausência de teorias que a sustentem, nesse sentido, Verhagen (2006)
levantou um questionamento: é uma teoria de aprendizagem ou
uma pedagogia?
Enfim, apresentamos três correntes teóricas de abordagem
distintas que estão relacionadas à aprendizagem utilizando os
recursos digitais. Com efeito, queremos ressaltar que essas teorias
são complexas e seriam necessárias outras reflexões para serem mais
bem compreendidas. Contudo, nosso objetivo aqui é mostrar a
existência de correntes teóricas que podem servir de suportes
teórico-metodológicos para o “novo” fazer pedagógico.
114
sendo, a presente pesquisa terá uma abordagem de natureza
qualitativa que, segundo Lüdke e André (2012), mostra o ambiente
natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu
principal instrumento.
A coleta do material ocorreu através de entrevista
semiestruturada que foi realizada com cinco professores/as do
Ensino Fundamental – Anos Iniciais. No que concerne a esse modelo
semiestruturado, a atenção tem sido dada à formulação de
perguntas que seriam básicas para o tema a ser investigado
(Trivinos, 1992). A metodologia de apreciação foi a análise de
conteúdo que, para Bardin (2004), refere-se a um conjunto de
técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.
Nesse sentido, após realizarmos a leitura minuciosa dos achados das
entrevistas e dos materiais teóricos propostos para esta pesquisa,
construímos categorias embasadas na análise de conteúdo (Bardin,
2004), que serviu de alicerce para a análise crítica do material, sendo
elas: concepção pedagógica; recursos tecnológicos; letramento;
letramento digital e escola conectada.
115
predominância é de mulheres negras (pretas + pardas) e a maioria
se reconhece como católica, tendo apenas uma profissional que se
declara como evangélica. Desse modo, percebe-se a hegemonia das
religiões cristãs no corpus de análise. Com efeito, queremos destacar
que os credos de matrizes africanas, bem como as de outras
matrizes, não foram declarados pelas professoras:
116
a identidade racial como sendo de grande importância, o que nos
faz levar em consideração a análise também da cor/etnia das
entrevistadas. Isso nos permitiu constatar que as professoras negras
(pretas + pardas) se constituem como a maioria.
Essa constatação suscitou outras questões como, por
exemplo, ser professora negra do Ensino Fundamental – Anos
Iniciais é um avanço para o empoderamento da mulher negra? Ou a
predominância nessa atividade profissional, tanto pela mulher
branca, quanto pela mulher negra, é pelo fato de essa profissão não
ter os melhores salários, ocupar apenas um turno, ser vista como
uma atividade simples, sendo assim, podendo ser ocupada por uma
mulher, sobretudo, negra?
Em dados obtidos pelo o INEP, percebemos a predominância
feminina na docência na Educação Básica: na Educação Infantil, com
97,9% de mulheres (sendo 97,9% para creches e 96,1% para pré-
escolas); no Ensino Fundamental, 82,2% de mulheres, (Anos Iniciais
90,8% e Anos Finais 73,5%); no Ensino Médio 64,1% de mulheres
(Brasil, 2009). Observando esses dados, fica nítida a grande
expressão feminina na docência, contudo, em análise crítica sobre
essa questão, Izquierdo (1994) assevera que essa “hegemonia” só
ocorre porque, historicamente, a educação, principalmente a
formação inicial, é vista como uma atividade feminina, isto é,
arraigada de amor, carinho cuidado, etc. Assim sendo, apenas as
mulheres podem desenvolver tais funções. A autora ressalta o
preconceito e o poder exercido pelo homem em ditar quais são as
atividades que as mulheres podem desenvolver ou não.
Historicamente, a presença marcadamente feminina e branca no
trabalho das séries inicias já pode ser notado no Brasil oitocentista.
A respeito da religião, observamos que o corpus analisado se
restringe a professar o cristianismo, contudo, é importante lembrar
que existem outros credos que seguem diferentes orientações. Assim
sendo, a profissional não deve atuar de modo discriminatório e/ou
117
proselitista, isto é, enaltecendo sua crença em detrimento a de
outras.
Após refletirmos acerca do sexo, cor/etnia e religião das
educadoras, o quadro II traz o perfil das docentes acerca de sua
formação, da experiência profissional, do tempo de experiência, o
ano que está lecionando na escola, a quantidade de alunos por
turma e os turnos que trabalham. É possível observar que 3 das
docentes apresentam formação superior, uma informação que
confirma os dados do Censo da Educação 2016, o qual levantou que,
da totalidade de docentes que atuam nas turmas de anos iniciais,
74,8% têm nível superior completo (69,6% têm nível superior
completo com licenciatura) e 14% têm normal/magistério (Brasil,
2017).
118
Públicas Fundamental
Fundamental 4º ano do
Profa. Pedagogia 23 por Manhã e
Yunet Em escolas 3 anos Ensino
incompleto turma tarde
Públicas Fundamental
119
As inferências e considerações das informações encontradas na
pesquisa foram estruturadas em quadros que evidenciam
didaticamente os núcleos dos sentidos (Bardin, 2004) obtidos nas
respostas das entrevistadas. Isto é, para cada pergunta realizada,
construímos um quadro que demonstra e, ao mesmo tempo,
compara o sentido/compreensão que as entrevistadas têm sobre as
nuances das perguntas.
Pensando em construir um alicerce para o objetivo central do
trabalho, começamos indagando as professoras: qual seria o
entendimento/compreensão que elas têm sobre o processo de
ensino-aprendizagem? As respostas das 5 protagonistas estiveram
muito próximas, independentemente do tempo de trabalho ou de
apresentar o curso pedagógico completo ou não, e três delas estão
reproduzidas no quadro III. Os discursos elaborados por Núbia,
formada em Letras e Pedagogia, por Kefera, graduada em
Pedagogia, e por Nefertari, que não concluiu sua graduação em
Pedagogia, estão bem próximos e nenhuma delas traz em seu
conteúdo qualquer elemento que leve em consideração a
diversidade e/ou fatores de natureza cultural:
Profa. Yunet “Ensinar é você repassar seus ensinamentos. E aprender é você adquirir algum tipo
de conhecimento”.
120
estas professoras possuem experiências e formação em condições
diferentes, mas suas respostas seguem uma compreensão bancária
de aprendizagem (FREIRE, 1996). Certamente, essa visão arcaica do
conceito de ensinar e aprender está atrelada a sua formação, uma
vez que a concepção cartesiana de ensino está imbricada no fazer
pedagógico de muitos/as professores/as da academia, assim sendo,
os/as respectivos/as alunos/as quando saem do seu ciclo de
formação reproduzem o que foi aprendido, ou seja, não conseguem
entender que o processo de ensino-aprendizagem é uma atividade
complexa (Morin, 2002), na qual o/a aluno/a e o/a professor/a são,
ao mesmo tempo nesse processo, indivíduos passivos e ativos,
protagonistas e coadjuvantes, em última instância o/a professor/a
deve agir como mediador e problematizador do decurso (Cruz,
2008).
Na sequência, conversamos a respeito da concepção teórica a
qual embasa a atuação em sala de aula. Assim perguntamos: oseu
fazer pedagógico, é orientado por alguma concepção pedagógica?
(ver respostas no quadro IV)
Profa. Nefertari “Sim, são várias, mas vou citar Paulo Freire”.
121
pedagógico deve ser pautado no saber prático (senso comum). Com
efeito, a essa professora ainda falta concluir o curso de pedagogia,
então, podemos inferir que ela não cursou os componentes
curriculares que discorrem sobre as diferentes concepções de ensino.
Entretanto, as respostas de professoras que são formadas e, em tese,
deveriam conhecer com segurança as diferentes concepções de
ensino, foram soltas e desconexas. Assim, apenas uma suscitou o
nome do professor Paulo Freire. Queremos ressaltar que ela ainda
não terminou o curso superior em Pedagogia, assim sendo,
podemos inferir que ser ou não graduada não fez muita diferença
no corpus analisado, mas é preocupante o desconhecimento por
parte das professoras acerca das concepções que devem nortear o
fazer docente.
Depois de conhecer a abrangência que as entrevistadas têm
sobre as concepções pedagógicas, começamos a imergir no foco
principal da pesquisa, no caso, o letramento digital das docentes.
Dessa forma, com o intuito de conhecer a relação existente entre as
entrevistadas e as TIC‟s em sua prática, fizemos a seguinte
indagação: você utiliza recursos tecnológicos em sua prática
pedagógica? Todas responderam que sim (ver quadro V),
entretanto, não percebemos em suas respostas uma efetivação
desses recursos em sua prática. Na realidade, o que foi entendido é
que eles servem apenas como um apoio de pesquisa e não são
preponderantes para o processo de ensino-aprendizagem.
Profa. Nefertari “Sim, é essencial para nós hoje fazer nossas pesquisas, aprender mais experiência
através da internet”.
122
Profa. Yunet “Sim, porque o conhecimento tecnológico renova a cada dia mais”.
Profa. Nefertari “É muito importante, é uma ferramenta excelente para eles, mas nem todas escolas
dispõem dessas ferramentas”.
Profa. Yunet “São importantes, porém, devemos saber usar, pois se é usado com frequência pode
atrapalhar”.
123
Ao analisar as respostas das professoras, percebemos a
importância das tecnologias digitais no processo de ensino-
aprendizagem em suas falas, porém, ficou evidente que essa não é a
realidade vivenciada por elas, tanto na escola, quanto na vida
cotidiana. Para Morin (1997), o/a professor/a é essencial na
construção educacional, haja vista que é ele/ela que seleciona o que
é mais ou menos importante para aprendermos, sendo assim, se
os/as docentes desconhecem ou têm conhecimento incipiente acerca
de determinada temática, provavelmente, terão dificuldades de
trabalhar com ela. Neste contexto, podemos inferir que a dificuldade
das professoras em responder aos questionamentos supraditos está
relacionada ao incipiente conhecimento acerca do que estamos
debatendo neste trabalho.
Após refletirmos criticamente a respeito da concepção das
docentes acerca dos recursos tecnológicos, os próximos
questionamentos discorrem sobre a diferença entre letramento e
alfabetização, o conceito de letramento e, por último, a definição do
letramento digital.
Inicialmente, perguntamos às docentes qual a diferença entre
letramento e alfabetização? Os núcleos dos sentidos encontrados nas
respostas (ver quadro VII) nos permitem inferir que o
conceito/definição de letramento não foi alcançado. Além disso,
percebemos que há confusão de entendimento dos referidos
julgamentos, pois, para algumas professoras, letramento e
alfabetização são a mesma coisa, são indissociáveis. Em última
instância, elas compreendem que tanto o letramento, quanto a
alfabetização, são processos educativos que permitem a assimilação
da leitura e da escrita. Essa compreensão está relacionada à
definição de alfabetização, pois, como afirma Soares (2003), uma
pessoa alfabetizada é capaz de codificar e decodificar palavras. Ao
mesmo tempo, evidenciamos que as entrevistadas não conhecem em
profundidade o que vem a ser letramento, visto que nenhuma das
respostas obtidas contém elementos que apontam para a sua
124
definição. Essa afirmação pode ser corroborada por Soares (2003),
uma vez que a autora assevera que uma pessoa letrada tem de
compreender o mundo criticamente, isto é, ser capaz de codificar e
decodificar palavras e aplicá-las ao seu cotidiano com objetivos
sociais e históricos.
Profa. Yunet “Os dois são formas de praticar e estimular a escrita de nossos alunos”.
125
onde devem ser utilizadas as TIC‟s no processo de ensino-
aprendizagem:
Profa. Núbia “Não, temos que providenciar: atividades lúdicas, banco de palavras, leituras, etc.”
“Não”.
126
respostas reafirmam total e/ou parcial desconhecimento a respeito
da temática. Para Aquino (2003), o letramento digital proporciona
habilidades e competências que possibilitam a invenção de
atividades criativas com os recursos das mídias digitais e, desse
modo, caso o/a professor/a tenha dificuldades em utilizá-las,
provavelmente, terá problemas em planejar atividades que estejam
atreladas ao uso dessas ferramentas. Assim sendo, podemos inferir
que ser letrado digitalmente tornou-se uma necessidade, sobretudo,
para os que fazem a educação:
Profa. Núbia “É um dos vários tipos de letramento que uma pessoa possa apresentar”.
127
acesso à informação por parte dos/as alunos/as, mas também
ajudaria o/a professor/a em sua prática.
Para Rojo (2013), uma escola conectada prepara o/a aluno/a
para atuar profissionalmente na Sociedade da Informação e, além
disso, propicia a construção de múltiplas identidades que se
entrelaçam ao universo digital. Seguindo nessa mesma linha, Cruz
(2008) ressalta a necessidade de construirmos escolas que
respondam aos anseios dessa nova sociedade, isto é, instituições que
ofereçam o que Lévy (1999) chama de cibercultura, na qual se
desenvolvem diferentes ciberespaços com vistas a melhorar o
processo de ensino-aprendizagem. Em suma, uma escola conectada
proporciona um novo universo no campo da aprendizagem,
entretanto, é fundamental lembrarmos, assim como disse a
professora Isis, que a realidade das escolas públicas brasileiras está
extremamente distante desse conceito de escola conectada
apregoado por Lévy (1999) e Rojo (2013). É perceptivo que houve
melhorias acerca do universo digital nas escolas públicas brasileiras,
mas falta muito para chegarmos ao patamar de instituições privadas
em nosso país, sobretudo, dos grandes sistemas privados de ensino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
128
Nesse contexto, a presente pesquisa evidenciou essa
realidade no Ensino Fundamental – Anos Iniciais, uma vez que
percebemos que, apesar de existirem recursos tecnológicos
extremamente avançados que poderiam ser utilizados pelos/as
professores/as no processo de ensino-aprendizagem, o que
encontramos, no corpus analisado, são profissionais que
desconhecem as competências e habilidades no que diz respeito ao
emprego das TIC‟s em sua prática pedagógica. Sendo assim, ficou
evidente a necessidade de investimento na estrutura física da
instituição onde ocorreu a pesquisa, todavia, o mais importante é o
investimento na formação continuada dos/as professores/as, haja
vista que tais docentes não tiveram, em sua graduação, formação
nesse sentido, ou seja, carecem desse conhecimento.
Outra situação que evidenciamos, e para nós é de muita
importância, foi a concepção que as professoras têm acerca de
ensinar e aprender, pois, sem uma orientação teórico-metodológica,
elas agem a partir do senso comum. Exercem sua profissão sem as
exigências necessárias com vistas a romper a hegemonia cartesiana
vigente. Nesse sentido, apreendemos que as professoras do corpus
de análise desconhecem total e/ou parcialmente as concepções de
ensino. Do mesmo modo, quando nos referimos a concepções
relacionadas ao universo das TIC‟s ficou perceptivo que a situação é
ainda mais grave, pois expuseram sensíveis fragilidades acerca
dessa temática.
Além do exposto, podemos fazer algumas ponderações que
demonstram a nossa preocupação com o processo de ensino-
aprendizagem, especialmente no Ensino Fundamental – Anos
Iniciais. Primeiro, certamente a realidade encontrada no corpus
analisado deve ser a mesma e/ou, talvez, mais grave em outras
escolas do referido município, pois a instituição estudada é
considerada a de referência. Com efeito, queremos ressaltar a
necessidade de novas pesquisas que reforçam um ensino para o
letramento e para práticas progressistas, uma vez que acreditamos
129
que a situação encontrada no referido estudo, seguramente, é a
mesma de várias outras instituições escolares de diversos
municípios paraibanos, quiçá, brasileiros.
Outro ponto necessário de ser discutido é a compreensão de
que a escola da contemporaneidade mudou e, consequentemente, o
processo de ensino-aprendizagem também está em transformação.
Entretanto, para que haja essas modificações no ensino, o/a
professor/a deve estar acompanhando in loco tais mudanças. Para
isso ocorrer, é fundamental que estes/estas profissionais participem
de eventos (congressos, seminários, simpósios, etc.) e formações que
modifiquem os discursos “antigos” arreigados da concepção
bancária, quer dizer, transformar as práticas lineares e cartesianas
em atividades complexas e libertadoras.
Enfim, sabemos que são muitos os desafios que estão
presentes na educação brasileira, especialmente em escolas públicas.
Entretanto, acreditamos que uma formação sólida que considere
uma concepção libertadora de ensino com vistas aos diferentes tipos
de letramentos, sobretudo o digital, pode minimizar os danos
causados pela hegemonia cartesiana que poda o pensamento
criativo do/a aluno/a.
REFERÊNCIAS
130
Brasil. MEC/INEP (2009). Censo da Educação Superior (CD ROM Microdados).
131
<http://ltc.umanitoba.ca/wiki/index.php?title=Kerr_Presentation>. Acesso
em 23 de out. de 2017.
MORIN, E. (1997). Os sete saberes necessários à educação do futuro. 4. ed. São Paulo:
Cortez; Brasília, DF: UNESCO.
O‟REILLY, T. (2005). What is Web 2.0? Design patterns and Business models for
the next generation of Software. Disponível em:
<http://oreilly.com/web2/archive/what-is-web-20.html>. Acesso em 25 de
set. 2017.
132
RAMAL, A. C. (2002). Educação na cibercultura: hipertextualidade, leitura,
escrita e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed.
133
08. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO
BRASILEIRO E A RACIONALIDADE
PEDAGÓGICA: interseções possíveis
INTRODUÇÃO
134
caminho” para compreendermos as interseções entre o pensamento
pedagógico brasileiro e o desenvolvimento da racionalidade
pedagógica.
Posteriormente, são dispostas as considerações finais. Estas
apontam para a necessidadede uma constante revisão nos cursos de
formação de professores. Tal revisão inclui não apenas o estudo
sobre o desenvolvimento histórico da educação em nosso país, mas,
sobretudo, o estudo acerca das bases teóricas que caracterizam as
práticas pedagógicas, isto é, das racionalidades subjacentes a essas
práticas. Compreendemos que essa revisão se faz importante porque
alimenta a relação teoria e prática, além de trazer um enfoque
extremamente crítico para essa formação. Nessa perspectiva crítica,
então, os docentes deverão compreender que a racionalidade que
“alimenta” a sua prática em sala de aula expressa a construção de
um determinado modelo de homem e de sociedade.
Defendemos, portanto, que o estudo sobre a racionalidade
pedagógica é um dos elementos que atribui sentido ao processo
formativo, possibilitando aos professores a tomada de consciência e
a ressignificação de suas práticas.
135
categorizou as tendências em dois grupos: Liberais e Progressistas.
As liberais são a tradicional, a renovada progressista, a renovada
não-diretiva e a tecnicista. Já as tendências libertadora, libertária e
crítico-social dos conteúdos compõem o grupo progressista,
segundo sua formulação.
Neste estudo, explanaremos sobre uma tendência pedagógica
de cada grupo. Falaremos da tradicional (grupo liberal) e da
histórico-crítica (grupo progressista). Isso porque, no tópico
posterior, faremos uma relação entre estas e o conceito de
racionalidade pedagógica (instrumental e intersubjetiva).
Comecemos, então, pela tendência que integra o grupo das liberais.
Para a Pedagogia Tradicional Liberal, o ensino escolar
compromete-se com a transmissão dos conteúdos sem, no entanto,
se importar com os problemas sociais e com as experiências dos
alunos. Cabe a esses sujeitos se esforçarem para alcançar o que
quiserem. Tem por método de ensino a exposição dos conteúdos. O
professor se relaciona com o aluno de modo autoritário e, nesse
contexto, o aprendiz é apenas um receptor do conhecimento. A
avaliação ocorre, principalmente, com o uso de provas e testes. Foi a
concepção predominante do período jesuítico à Primeira República.
Este modo de conceber a Educação, o ensino, se mostra
perfeitamente calcado na transmissão e na homogeneidade.
Também o percebemos nitidamente nos métodos instituídos para o
repasse dos conteúdos. Tomemos como exemplo a fase de atuação
dos jesuítas, marcada pela consolidação do RatioStudiorum11,
cronologicamente tendo se dado no período de 1599 a 1759,
destacando como objetivo central “uniformizar a organização e o
funcionamento dos colégios” (Saviani, 2013, p. 50). A maneira de se
conceber o ensino e os processos que deveriam acontecer tinha por
“alicerce” o Modus Parisiensis, que substituiu o Modus Italicus. Este
último caracteriza-se por “(...), não seguir um programa estruturado
11Foi a base da formulação da pedagogia tradicional, constituindo o que pode ser chamado de
ideário pedagógico dessa tendência.
136
e nem vincular a assistência dos discípulos à determinada disciplina.
Esses podiam passar de uma a outra disciplina sem necessidade de
preencher qualquer tipo de pré-requisito” (Saviani, 2013, p. 50). Já o
Modus Parisiensis, considerado a gênese da escola moderna,
caracteriza-se por postular como aspectos básicos “(...) a distribuição
dos alunos em classes, realização, pelos alunos, de exercícios
escolares e mecanismos de incentivo ao trabalho escolar” (Saviani,
2013, p. 52).
Outro modo também bastante expressivo na história da
Pedagogia Tradicional diz respeito ao Método Mútuo ou
lancasteriano, bastante característico das “Escolas de Primeiras
Letras”. Esse método fazia uso de severas punições morais e físicas
com os alunos, caso não cumprissem as regras estabelecidas.
Destacamos, ainda, o fato de que não era a qualidade que o
“exaltava”, mas sim o aspecto quantitativo. Tal método possibilitava
que muitos alunos fossem alcançados ao mesmo tempo,
necessitando de baixo custo para sua aplicação. Acrescemos,
também, a noção de que esse método
137
tentativas, sem sucesso, de homogeneização da turma, o que
também apareceu nas demais “ramificações” da tendência liberal.
Não foi apenas no período jesuítico, entretanto, que essa
tendência se fez predominante. Na fase correspondente ao Brasil-
Império e à Primeira República, ocorreram várias reformas
educacionais e, mesmo que de modo mais suave, lá estava a raiz
tradicional: mostrava-se na instrução, no repasse de informações, no
ensino sem vínculo algum com questões e problemas sociais.
Em tal circunstância, qual seria, pois, a função do professor
para o tradicionalismo? Segundo Gauthier (2013), o professor, para
essa concepção pedagógica, era aquele que cumpria sua missão de
transmissor, impondo-se como “verdadeira imagem de autoridade”
(p. 388). Este autor também utiliza o vocábulo “obrigar”. Ele fala
que, outrora, ante o caráter hegemônico do tradicionalismo, o
professor podia “obrigar a criança” a aprender.
Cortesão (2011) diz que o bom professor, numa perspectiva
tradicional, monocultural, é aquele que é competente, “sabe”,
domina os conteúdos curricularmente postos para ele ensinar,
explica os conteúdos com clareza e utiliza uma linguagem erudita,
“jargões próprios da disciplina que leciona”. Ou seja, ele é um bom
“tradutor”. Cortesão (2011) acrescenta que o docente, nesta
perspectiva:
138
Podemos, então, atestar que uma concepção tradicional de
educação, com suporte no que expusemos, não faz referência aos
problemas sociais, às desigualdades, injustiças. Tampouco, se fala
em problemas de aprendizagem, nas particularidades e contextos
sociais, econômicos e políticos dos alunos, entre outros elementos
que aparecerão numa perspectiva crítica e transformadora.
Migremos, agora, temporal e historicamente, para um lado
oposto ao da realidade acima descrita. Falaremos sobre a concepção
que compõe o grupo das tendências progressitas. Com a pedagogia
Histórico-Crítica12, temos um retorno à ênfase nos conteúdos
(alguns estudiosos ousam dizer que isso a aproxima bastante da
tendência tradicional, mas veremos que muitos outros aspectos, na
verdade, a distanciam), pois os teóricos que a conceberam acreditam
que, mediante a apropriação dos conhecimentos historicamente
produzidos em suas configurações mais elaboradas, os sujeitos
poderão colocar-se contra o modo de produção vigente, situando-se
no mundo, conscientemente. Entendem, também, que a Educação
escolar deve se preocupar com a socialização dos conhecimentos
científicos e o professor é o responsável pela transmissão dos
conteúdos.
Dermeval Saviani se dedica a discorrer sobre a Pedagogia
Histórico-Crítica, situando-a como uma teoria não reprodutivista,
contra-hegemônica (Gadotti, 1992). Ele parte da compreensão de
que professor e aluno estão inseridos na prática social, contudo,
12Dermeval Saviani, no livro História das Ideias Pedagógicas no Brasil, expõe de modo distinto a
Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos, da Pedagogia Histórico-Crítica. É bem certo que, para
muitos estudiosos, elas se assemelham e, por vezes, se fundem, pelo fato de compreenderem o
homem como ser histórico e crítico e pela importância que concedem aos conteúdos. No texto
em questão, damos preferência à compreensão de Saviani.
Consideramos importante, assim, destacar aqui o que o autor pontua ser a Pedagogia Crítico
Social dos Conteúdos, denominada por José Carlos Libâneo. Saviani (2013) diz que Libâneo,
apesar de recorrer a autores marxistas para desenvolver a Pedagogia Crítico Social dos
Conteúdos, não se aprofunda nessas questões que lhe servem de fundamentação teórica. E,
ainda, diferencia tal pedagogia ao colocar o seguinte: “Eis, pois, os pressupostos da
aprendizagem sobre os quais se assenta essa proposta pedagógica: a aprendizagem do
conhecimento supõe uma estrutura cognitiva já existente na qual se possa apoiar; caso esse
requisito não esteja dado, cabe ao professor provê-lo” (Saviani, 2013, p. 420).
139
ocupam posições distintas. E, segundo ele, essas posições distintas é
que possibilitam a compreensão e a proposição de soluções para os
problemas da prática social. O autor salienta ainda que “[...] a
concepção pressuposta nesta visão de pedagogia histórico-critica é o
materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir
do desenvolvimento material, da determinação das condições
materiais da existência humana” (Saviani, 2008, p. 88).
Tanto esse autor, como aqueles que dão seguimento aos seus
estudos, pensam que, por meio da Pedagogia Histórico-Crítica,
muito se pode contribuir para um modo de se pensar e executar a
educação que ponha fim às disparidades de classes. Saviani (2008)
faz questão de dizer a importância de se ter acesso aos conteúdos
clássicos, ou seja, a tudo o que é imprescindível para o
entendimento dos processos históricos nos quais estamos inseridos.
Ainda tratando sobre esta pedagogia, o autor considera que:
E ainda:
140
Falar sobre a função do professor com arrimo nessas
formulações é, primeiramente, pensá-lo partícipe de uma formação
docente que fomenta a criticidade e a busca da emancipação, por
exemplo. Ainda notamos, contudo, que há certa necessidade de que
essa criticidade e busca por transformação e superação do modo
hegemônico vigente, em demasiado grau tradicional em muitos
aspectos, tenha aplicabilidade.
Então, pensar a figura docente para a Pedagogia Histórico-
Crítica é partir na intensiva defesa de que este profissional é um
intelectual (ideia fortemente gramsciana), crítico questionador, ser
pensante e realizador de um trabalho não alienado (Duarte, 2014).
Gadotti (1992), por sua vez, dá ênfase à noção de que:
141
mudamos a concepção, o trabalho do professor passa a ser balizado
por outras demandas e necessidades. Novas práticas pedagógicas
lhe são solicitadas e caracterizam seu trabalho. Por isso, falaremos
sobre o conceito e racionalidade pedagógica e como esse campo
pode estar relacionado a essas duas tendências que expusemos
acima.
142
Para Martinazzo (2005), a racionalidade integra as formas de
pensamento dos homens, ou seja, os conceitos, as razões e os
princípios que sustentam os discursos, tornando estes coerentes e
válidos.Além disso, todas as manifestações criativas da cultura, bem
como as inovações e os avanços conquistados pela ciência e pela
tecnologia, são realizações que comprovam e eficácia da
racionalidade humana. A esse respeito, esse mesmo autor assim se
expressa: “Por racionalidade, portanto, podemos entender como o
homem percebe, interpreta, compreende e pronuncia o mundo da
vida nos mais diferentes momentos e aspectos. [...] por isso ela
configura um paradigma de leitura da realidade e de intervenção na
mesma” (Martinazzo, 2005, p. 113).
Therrien (2010a), ao definir racionalidade, acrescenta que ela
se refere ao modo como cada sujeito ou grupo de pessoas articula
seus saberes e conhecimentos em busca da compreensão dos
fenômenos do mundo e das leis que regem a vida social. É também
fazendo uso da racionalidade que o homem projeta uma nova ação,
justificando seu modo de ser e de agir, seus objetivos e os meios
necessários para alcançá-los.
Martinazzo (2005) chama a nossa atenção para o fato de que a
racionalidade que orienta a pedagogia na modernidade é uma
racionalidade cognitivo-instrumental que se expressa numa
subjetividade racional metafísica, estando a serviço do capitalismo e
do desenvolvimento cada vez mais acelerado das forças produtivas.
Para o autor, a racionalidade cognitivo-instrumental dá origem a
uma pedagogia sistêmica, cujo principal objetivo é promover o
desenvolvimento científico-tecnológico e garantir a mera
sobrevivência dos indivíduos em um mundo que deve ser regido
pela concorrência e pelas leis gerais do mercado. Nessa perspectiva,
as principais características desta pedagogia são:
143
teleológicos estabelecidos como guia para o processo
pedagógico e práticas educativas reforçam e valorizam as
posições de uma Pedagogia sistêmica, instrumental,
funcionalista, técnica, estratégica, em detrimento de outras
dimensões, como a hermenêutica-dialética e a dialógica-
comunicativa que se abastecem nas categorias da
compreensão e do entendimento, respectivamente.
(Martinazzo, 2005, p. 51-52).
144
Assim como na racionalidade instrumental a pedagogia
tradicional está calcada na figura egocêntrica de um único sujeito, o
professor, o processo de ensino está centrado apenas no repasse de
conteúdos previamente estabelecidos, não havendo, portanto,
espaço para o diálogo, análise crítica, construção de significados por
parte dos alunos e para o confronto entre os conteúdos estudados e
o contexto social mais amplo. O aluno é concebido como um ser
passivo frente à verdade absoluta advinda do professor, por isso, a
relação entre professor e aluno é hierárquica e carente de diálogo. O
modelo de razão aqui adotado é mecânico, enciclopédico e a-
histórico. A razão na pedagogia tradicional serve apenas como uma
forma de acúmulo de informações descontextualizadas.
Em contarpartida, conforme anuncia Therrien (2012), na
perspectiva de uma pedagogia crítica, a racionalidade que
fundamenta a pedagogia é guiada por uma razão comunicativa. Ou
seja, ela requer a intersubjetividade de um movimento coletivo entre
os sujeitos, movimento este que tem como principais características
a dialogicidade13, a argumentação e a busca pelo entendimento
coletivo e pela construção de sentidos e significados para o que se
aprende. Esta pode ser denominada de racionalidade pedagógica.
Ela integra, portanto, os conceitos, os discursos, as teorias e as
práticas subjacentes à ação de ensinar, bem como as razões que
justificam as decisões tomadas pelo docente, os motivos que o levam
a agir de determinada maneira. Therrien (2012) nos diz que a
competência para ensinar é instituída por esta racionalidade e que
ela é responsável por estruturar e organizar os modos de
intervenção docente em sala de aula. A racionalidade pedagógica
pode também ser definida como um conjunto de saberes que o
professor constrói no cotidiano do seu trabalho. Neste contexto,
compreende-se que:
13Com este aspecto, relacionamos este outro tipo de racionalidade perfeitamente relacionado
aos pressupostos teórico-metodológicos do que formulou Paulo Freire. Para aprofundar leituras
nesse sentido, sugerimos as contribuições de Freire nas seguintes obras: Pedagogia da
Autonomia (2016); Pedagogia do Oprimido (2016).
145
Abordar a prática docente pelo ângulo da racionalidade
pedagógica conduz a perceber que toda aprendizagem
resultante de encontros efetivos entre sujeitos abertos à
descoberta de novos horizontes de sentidos e significados
pela ação comunicativa se situa nos processos de
emancipação humana e profissional. Reconhecendo a
necessária postura do encontro dialógico entre sujeitos
aprendizes, conceitua-se a racionalidade pedagógica como
igualmente dialógica e fundante do campo pedagógico. As
relações intersubjetivas dispõem os sujeitos aprendizes ao
processo de emancipação humana e profissional. A
racionalidade fundante do campo pedagógico reconhece a
intersubjetividade como motriz da aprendizagem presente
no movimento de encontro coletivo de sujeitos em torno
de conteúdos de ensino (Therrien, 2012, p. 11-12).
146
mesmo, a racionalidade comunicativa propõe a intersubjetividade,
isto é, o diálogo permanente entre os indivíduos, de modo que eles
possam compartilhar e construir significados entre si. Nesse sentido,
a intersubjetividade “[...] inclui o conceito de ação comunicativa, um
sentido mais amplo de razão, que não se restrinja tão-somente a
uma relação estratégica entre sujeito-objeto, mas uma relação de
entendimento entre sujeito” (Martinazzo, 2005, p. 179).
Nessa acepção, a razão “[...] assume uma função de práxis
comunicativa e de mediação-promoção da intersubjetividade”
(Martinazzo, 2005, p. 85). Traduzindo-se na própria competência
comunicativa, a razão está fortemente presente no diálogo entre os
indivíduos e na capacidade de argumentação e de troca de saberes.
Por isso, ela é aberta, inacabada, inconclusa e, por ser também
histórica, não pode ser compreendida somente como um atributo
inato dos indivíduos.
Na razão comunicativa, os significados emergem por meio do
diálogo entre os indivíduos, sendo que esses significados são
partilhados e reelaborados, isto é, ao mesmo tempo em que os
indivíduos trocam saberes e experiências, eles também atribuem e
constroem coletivamente novos sentidos para as coisas. Isso
significa que a razão não serve apenas para que o homem contemple
individualmente os fenômenos do mundo e da vida, buscando
prevê-los e descrevê-los cientificamente, mas também para que ele
possa construir, juntamente com os outros homens, novas formas de
compreensão e de intervenção na realidade. Nessa perspectiva,
Habermas (1988, p. 499 apud Martinazzo, 2005, p. 212) nos diz que:
147
o fazem pela mediação da linguagem natural, servem-se
de interpretações transmitidas culturalmente e referem-se
simultaneamente a algo no mundo objetivo, no mundo
social que compartilham e, cada um, a algo em seu
próprio mundo subjetivo.
148
aprende. Assim, “Essa dimensão de ação do sujeito
mediador revela ao mesmo tempo sua responsabilidade
social e a importância humana do seu trabalho” (Therrien,
2010a, p. 09).
149
no diálogo do indivíduo com ele mesmo, nega a crítica
transformadora, o confronto entre as diversas concepções de mundo
e os diversos saberes e nulifica a principal função do ensino, que é
contribuir para a socialização do saber elaborado, bem como para a
formação de seres críticos e conscientes de suas tarefas históricas.
Por ser uma racionalidade que orienta o processo de ensino,
ela só pode se desenvolver na perspectiva do diálogo e da interação
entre professores e alunos, já que esta interação é, por excelência,
um espaço de construção dos saberes pedagógicos. É a partir da
experiência vivenciada pelo professor em cada situação de ensino
que os saberes pedagógicos se desenvolvem. Cada situação de
ensino, portanto, contribui para que estes saberes sejam
ressignificados e reelaborados pelos docentes, por isso se diz que a
racionalidade que fundamenta estes saberes é também aberta,
plural, intersubjetiva e dialógica.
Portanto, a racionalidade que dá suporte às situações de
ensino e de aprendizagem não se esgota no domínio e na
transmissão dos conhecimentos que são elaborados pela ciência,
mas vai muito além disso, pois, viabiliza formas para que esses
conhecimentos possam ser internalizados, compreendidos e
reconstruídos pelos estudantes, como aponta Therrien (2010b, p. 10):
“Reconhecemos esta como racionalidade pedagógica, considerando
que permite transformar os conteúdos de ensino, tornando-os
acessíveis aos aprendizes produzindo sentidos e significados”.
Therrien ainda nos diz que a transformação pedagógica dos
conteúdos das matérias de ensino só poderá ocorrer mediante uma
racionalidade aberta que estabelece o diálogo intersubjetivo como
um princípio fundante da aprendizagem.
Aqui, por sua vez, podemos fazer interseções diretas com as
tendências que compõem o pensamento pedagógico brasileiro no
grupo progressista e, mais diretamente, as proposições
desenvolvidas pela Pedagogia Histórico-crítica. Na perspectiva
dessa pedagogia, a escola é uma instituição resultante da
150
complexidade das relações históricas dos homens, tendo como
principal função transmitir às novas gerações os bens culturais
produzidos pelos homens no decorrer do processo histórico. A ela
compete a elaboração de processos pedagógicos que viabilizem a
apropriação, pelo aluno, das objetivações “para-si” (Heller, 1987apud
Azzi, 2009), isto é, as objetivações referentes ao conhecimento
científico, metódico, elaborado pela humanidade no percurso do
desenvolvimento histórico.
Assim, a função da escola é possibilitar que as classes
populares tenham acesso ao saber elaborado, ao saber científico, aos
bens culturais produzidos historicamente pela humanidade no
decorrer do processo histórico. Assim, “É a exigência de apropriação
do conhecimento sistematizado por parte das novas gerações que
torna necessária a existência da escola” (Saviani, 2008, p. 14). A
escola é, por excelência, o espaço de difusão desse saber, já que ela
desempenha um papel importantíssimo no processo de
democratização do saber científico, pois, na sociedade capitalista,
este saber é manipulado segundo os interesses da classe dominante.
Portanto, o professor desempenha um papel de extrema
importância no sentido de possibilitar, via atividade escolar, que os
alunos se apropriem do saber elaborado. A partir dessa premissa
básica, entende-se que “O trabalho educativo é o ato de produzir,
direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens” (Saviani, 2012, p. 13). A formação do
professor deve possibilitar que este domine tanto os conteúdos da
sua área de atuação como as formas de transmissão dos mesmos,
pois o professor é um mediador que, por meio de um processo de
problematização, contribuirá para que o aluno supere a visão
imediata e superficial da realidade e atinja uma visão consciente e
científica do mundo que o cerca, isto é, (...) “pela mediação da
análise levada a cabo no processo de ensino, a passagem da síntese à
síntese” (Saviani, 2009, p. 65).
151
Aqui, a racionalidade é aberta, flexível, intersubjetiva e
histórica. O acesso ao saber elaborado se dá a partir do confronto
entre o que o aluno já sabe e o que ele precisa saber. A etapa da
problematização, que é uma das etapas do método da pedagogia
histórico-crítica, se dá justamente por meio da explicitação dos
principais problemas da prática social. Aqui, vários
questionamentos devem ser levantados por professores e alunos. É o
momento de compreender a origem do conteúdo estudado e a
importância do mesmo para o desenvolvimento da humanidade,
isto é, de compreendê-lo dentro do contexto social mais amplo. Os
alunos devem ser estimulados a refletir sobre esses problemas, a
laçar dúvidas, a interagir com os outros e a buscar respostas.
O papel do professor, nesse momento, não é apenas o de um
facilitador ou transmissor fiel dos conteúdos de ensino, mas o de um
mediador sempre presente, aquele que indaga, que lança situações
problemáticas, que estimula a dúvida, a discussão e que oferece
elementos para que os alunos questionem suas próprias concepções.
Gasparin (2005, p. 26) diz que a problematização representa o
momento do processo em que a prática social é posta em questão, o
momento onde ela é “[...] analisada, interrogada, levando em
consideração o conteúdo a ser trabalhado e as exigências sociais de
aplicação desse conhecimento (Gasparin, 2005, p. 36).
É, portanto, no contexto dessa racionalidade aberta, dialógica
e intersubjetiva que a pedagogia crítica busca trilhar novos
caminhos. Caminhos estes que redimensionarão o processo de
ensinar e aprender, bem como a própria formação dos professores.
Assim, temos por certo que os diálogos entre racionalidade
pedagógica intersubjetiva, que é dialógica, e a tendência Histórico-
Crítica são imprescindíveis para a reformulação de práticas
pedagógicas e a ressignificação constante de saberes. Entendendo os
sujeitos que participam dos processos educativos institucionalizados
como seres históricos e que transitam por diversos espaços, não
sendo apenas receptores, mas sujeitos capazes de construir e
152
desconstruir, de realizar percursos de ida e volta nos processos
formativos e de aprendizagem.
TESSITURAS FINAIS
153
caracterizam as práticas pedagógicas, isto é, das racionalidades
subjacentes a estas práticas. É, portanto, importante enfatizarmos
que esses estudos não devem caracterizar apenas as disciplinas
teóricas (iniciais) que compõem a matriz curricular dos cursos de
licenciatura. Para a efetivação de um processo que promova
transformações, a teoria deve ser elemento constituinte da prática,
com diálogos visíveis e diversos.
Assim, compreendemos que esta revisão se faz importante
porque alimenta a relação teoria e prática, conferindo criticidade à
formação docente e vislumbrando a práxis. Caminho este que nos
parece favorecer o percurso que promove a elevação do pensamento
e compreensão docente, ao partir do senso comum para a
consciência filosófica (Saviani, 1980).
Ademais, como nos explica Freire, a reflexão sobre a prática é
um dos momentos mais importantes da formação do educador, pois
“É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem, que se
pode melhorar a próxima prática” (1996, p. 39).
Pensar a formação docente sob o prisma da pedagogia crítica
é pensar também sobre a formulação de uma nova racionalidade
que dê suporte a esta formação, como sinaliza Therrien (2012, p.
12),“Trata-se de uma racionalidade que reconhece que o espaço da
vida do mundo ultrapassa a subjetividade de uma consciência
fechada sobre si mesma, bem como a objetividade de uma razão
externa ao sujeito”.
E quais são os princípios fundamentais que orientam a
formação docente tomando como referencial a racionalidade crítica?
Therrien (2006) também responde a nossa indagação, indicando que
estes princípios seriam: o conhecimento e compreensão do seu
universo social; o domínio de saberes múltiplos e heterogêneos; a
dialética teoria/prática; o exercício da reflexão; a prática da
pesquisa; a intersubjetividade; o trabalho cooperativo; a
competência regulada pela autonomia profissional; a ética de uma
154
profissão que se caracteriza pelo domínio de saberes próprios e que
tem na sua identidade as marcas desses saberes.
Voltamos a enfatizar que a docência, como uma atividade
complexa e como uma prática social, não pode ser orientada por
uma razão meramente instrumental e normativa que desconhece o
conteúdo epistemológico, político e ético da ação de ensinar. A
docência é incompatível com uma razão centrada em si mesma, pois
ela só se realiza no diálogo, na escuta ativa dos saberes que os
alunos trazem para a sala de aula, no confronto entre as diversas
visões de mundo, na reconstrução do conhecimento pelos
estudantes que, ao terem acesso aos conteúdos de ensino, os
reelaboram, os reinventam e os transformam de uma maneira
singular.
Ensinar os conteúdos de ensino é mais que transmiti-los
mecanicamente, pois pressupõe reconstruir a ciência, reelaborando-
a com as características das gerações atuais. Portanto, somente um
professor bem preparado, cientificamente e pedagogicamente, pode,
junto aos seus alunos, dar conta dessa tarefa. Certamente, esse
professor terá como principal desafio buscar uma teoria pedagógica
que supere o tradicionalismo já tão arraigado na educação do nosso
país e somente um processo formativo crítico pode oferecer ao
futuro docente os intrumentos conceituais e práticos necessários à
construção de uma nova teoria pedagógica.
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. Sobre Jequitibás e Eucaliptos. In: Conversas com Quem Gosta de
Ensinar. 1980.
155
CORTESÃO, Luiza. Ser professor: um ofício em risco de extinção? reflexões sobre
práticas educativas face à diversidade, no limiar do século XXI. 3. ed. São Paulo:
Cortez, 2011.
GADOTTI, Moacir. Escola vivida, escola projetada. Campinas, SP: Papirus, 1992.
GAUTHIER, Clermont; [et al]. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas sobre o
saber docente. Tradução: Francisco Pereira. 3. Ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2013.
156
THERRIEN, Jacques. Da epistemologia da Prática à Gestão dos Saberes no
Trabalho Docente: convergências e tensões nas pesquisas. In: DALBEN, A.;
DINIZ, J.; SANTOS, L. (Org). Convergências e tensões no campo da formação e do
trabalho docente. XV ENDIPE. Belo Horizonte: Autêntica, 2010a
157
09. O POTENCIAL TRANSFORMADOR DA
INVESTIGAÇÃO DOS PROFESSORES14
Flávia Vieira
158
antes de tudo, uma questão ética, assente em valores que sustentam
as decisões curriculares e as práticas formativas.
Uma investigação potencialmente transformadora situa-se na
tensão epistemológica formulada por Develay (2001) do seguinte
modo: “Como escapar simultaneamente a uma investigação que se
fecha sobre o que é verdade (uma investigação não é somente válida
porque é verdadeira) e uma investigação que se fecha sobre o bem
(uma investigação não é apenas válida por ser emancipadora)?” (p.
67). Na perspectiva do autor, é necessário conciliar a preocupação de
“construir modelos inteligíveis do real” com a preocupação de
“sugerir modelos proposicionais emancipadores” (p. 67). Isto
implica a descoberta de caminhos para os quais não existe um
roteiro pré-definido, o que lança os professores investigadores na
exploração de práticas re(ide)alistas, situadas no espaço da
possibilidade: o espaço entre o que a realidade é e o que deveria ser
(Vieira, 2006, 2007; Jiménez Raya & Vieira, 2018). Enraizada no
presente e buscando um projeto de futuro, a investigação pode,
assim, constituir um legado inestimável acerca de como construir
uma educação mais democrática.
Na primeira secção do texto discuto o papel e a natureza da
investigação na formação pós-graduada de professores, avançando
alguns pressupostos em que assenta uma proposta de critérios de
análise do potencial transformador da investigação, apresentados na
segunda secção. Esses critérios reportam-se ao propósito e à
natureza dos processos pedagógicos e investigativos, à voz do
professor investigador e dos participantes nesses processos, e ao seu
significado e impacto. Ilustro-os com quatro estudos de mestrado
que orientei no contexto português, publicados numa coletânea cuja
finalidade principal foi disseminar trabalhos nos quais os
professores investigam a construção de uma educação mais
democrática nas escolas (Vieira, 2014a).
Embora a proposta apresentada seja exploratória, espera-se
que alimente o diálogo em torno do papel e da natureza da
159
investigação dos professores, e do modo como ela é integrada nos
cursos de pós-graduação.
160
tendo em consideração os seus contextos, modos de trabalho e
preocupações profissionais. A investigação é frequentemente
percebida por eles como uma prática que lhes é alheia e que exige a
sujeição a cânones académicos que não conhecem e dos quais se
sentem excluídos. Para contrariar esta situação, será necessário
construir abordagens investigativas percebidas como significativas,
exequíveis e emancipatórias, assim como atender ao modo como são
vivenciados os processos de transição de professor a investigador.
Problemas como os que foram apontados obrigam-nos a
equacionar uma pergunta essencial à construção de programas e
práticas de investigação nos cursos de pós-graduação: que
conceções de educação, de investigação e de professor como
investigador os orientam? A resposta decorrrerá, em grande
medida, do nosso posicionamento acerca da relação entre
investigação e educação. Deverá a investigação dos professores estar
ao serviço da educação, representando um meio de compreensão e
transformação da realidade, e uma experiência de emancipação
profissional? Ou, pelo contrário, deverá a educação estar ao serviço
da investigação, constituindo esta um mecanismo de sujeição dos
professores aos interesses da academia e servindo, prioritariamente,
para reproduzir e fortalecer os seus cânones?
A este propósito, Schostak e Schostak (2008) questionam a
relevância social da investigação e propõem uma “investigação
radical” em alternativa a uma “ciência normal”, que assente na
interrogação do que “vai mal na educação” e na qual se des/re-
constroi a realidade mediante processos de participação e
negociação entre os participantes: “The overall motivation of radical
research is to drive democracy further down to individuals
engaging with each other, drawing upon their power to create
community as a facilitator of each other‟s talents and thus to enrich
each other as individuals” (p. 13). Trata-se de uma investigação
onde a procura dos sentidos da educação integra a denúncia dos
seus sem-sentidos, ou seja, daquilo que a torna irracional, absurda ou
161
insatisfatória (Contreras & Pérez de Lara, 2010, p. 38), uma
investigação “que se pregunta y repregunta, que se plantea como
una búsqueda, como un re-buscar („re-search‟), no como un
problema por solucionar, sino como un misterio por profundizar”
(p. 17).
Esta perspetiva transporta-nos para lá da investigação a que
nos habituámos na academia e da qual nos tornámos prisioneiros –
uma investigação muito atarefada com teorias e métodos, muito
arrumada e estruturada, arquitetada para uma elite –, obrigando-
nos a submergir nas águas turvas do que significa educar e
investigar a educação, e a desenvolver uma outra investigação, que
nos ajude a construir também uma outra educação (Vieira, 2011, p.
433). Teremos, então, de abandonar a busca de certezas e a
pretensão de construir uma espécie de “esperanto da investigação”
que seja entendido por todos e não deixe margem para dúvidas
sobre o que tem valor ou não na investigação (Kincheloe, 2003, p.
145). Importará desenvolver, tanto nos processos pedagógicos
quanto nos processos de investigação, uma “epistemologia para a
incerteza” que potencie capacidades de reconceptualização
revolucionária, interrogação crítica da autoridade do conhecimento,
tolerância da incerteza e ação crítica (Barnett, 2000, p. 420).
A investigação realizada pelos professores pode, assim, ser
concebida como uma experiência de aprendizagem emancipatória,
libertando-os de uma tradição racionalista técnica assente na
separação entre os que pensam o ensino e os que o praticam, e
promovendo a sua agência no questionamento de práticas
dominantes e na construção de currículos mais transformadores:
“curricula for challenge, for change, for the development of people
and not the engineering of employees” (Schostak, 2000, p. 50). Só
assim a investigação será verdadeiramente pedagógica, ou seja, uma
investigação que nos ensine alguma coisa de valioso sobre a
possibilidade de construir uma educação mais democrática nas
escolas (Vieira, 2014b, p. 225).
162
OS PROCESSOS DE INVESTIGAÇÃO DOS PROFESSORES:
CAMINHOS DE TRANSFORMAÇÃO
15
Ver também Silva e Vieira (2011), Vieira, Moreira e Peralta (2014), Vieira e Silva (2011),
Vieira, Silva e Almeida (2012).
163
compreensões e práticas, se desocultam condições Transformação do “eu” dos participantes
que favorecem ou dificultam uma educação (conceções, atitudes, valores, práticas...)
democrática e se relata a investigação através de Transformação dos contextos
linguagens próximas da experiência educativa? (para além do contexto de investigação)
Visibilização de fatores de facilitação e
constrangimento de uma educação
democrática
Construção de linguagens da experiência no
relato de investigação
164
Quadro 2: os estudos.
17Optou-se por indicar as obras referidas nos excertos em nota de rodapé, à exceção das que são
também usadas no meu texto e se encontram listadas no final do capítulo.
165
portanto teremos de perguntar: “Em favor de que estudo? Em favor
de quem? Contra que estudo? Contra quem estudo?” (p. 86). Nos
quatro textos em análise, as professoras questionam culturas
pedagógicas pouco democráticas, rejeitando-as e assumindo uma
orientação transformadora, quer através de estudos interventivos
que transgridem práticas escolares dominantes e exploram
alternativas assentes em valores democráticos (E1 e E3), quer através
de estudos descritivos que se debruçam sobre práticas educativas
(E2) e investigativas (E4) baseadas nesses mesmos valores. Procura-
se, assim, superar o que a educação é e produzir conhecimento
acerca do que ela pode e deve ser, como ilustram os exemplos
seguintes, onde as professoras explicitam claramente o seu
posicionamento ideológico face à educação:
166
ensino tradicional, passei a dar centralidade à escuta e
perspetivei um caminho onde há espaço para o diálogo.
Dando um enfoque particular à autonomia como a
capacidade de gerir a própria aprendizagem (Holec, 1981,
p. 318), articulei a reflexividade sobre as aprendizagens,
essencial para a consciencialização linguística e processual
dos alunos na aula de Inglês, com a negociação
pedagógica. Optei por criar um espaço dedicado
exclusivamente à aprendizagem autodirigida baseada em
princípios democráticos, pois acredito que o professor
deve contrariar um modelo uniforme de aprendizagem,
que continua a prevalecer nas nossas salas de aula (E3;
Teixeira, 2014, p. 148).
18 Holec, H. (1981). Autonomy and foreign language learning. Oxford: Pergamon Press.
19Kincheloe, J. L., & Berry, K. S. (2007). Pesquisa em educação: Conceituando a bricolagem. Porto
Alegre: Artmed Editora.
167
Como a minha viagem decorreu em paralelo com a dos
professores, senti necessidade de ir registando alguns
processos por mim vivenciados na transição para o papel
de investigadora, nos bastidores da minha própria
investigação. À medida que analisava os seus trajetos ia
refletindo sobre o meu, entrecruzando experiências de
uma realidade comum. Nessas reflexões de bastidores
procurei evidenciar os meus dilemas e constrangimentos e
o modo como experienciei o processo investigativo (E4;
Neves, 2014, p. 197-198).
168
significativo. Chego a ficar confusa com as interpretações
que vou fazendo. Mas o que pretendo realmente
encontrar? O pote de ouro no fim do arco-íris? A razão
acorda-me e diz-me que não se desvendam segredos da
forma como esperamos. O percurso é o próprio segredo!
(E4; Neves, 2014, p. 201-202).
169
uma abordagem pedagógica híbrida, pois acredito que os
professores têm de estar prontos para providenciar aos
seus alunos aquilo de que eles necessitam e/ou exigem em
cada etapa, mas, ao mesmo tempo, apresentar-lhes
gradualmente novas ideias e formas de trabalho, não
impondo “a pedagogia libertadora contra a vontade de
quem não quer recebê-la” (Freire & Shor, 1987, p. 2221).
(...)
Não podemos esquecer que um currículo democrático
implica um consentimento esclarecido dos sujeitos que
realce quer o acesso a um leque abrangente de
informações, quer o direito dos que possuem opiniões
divergentes a serem ouvidos (Apple & Beane, 2000, p.
3722). Nesta linha de pensamento, ao conciliar as
exigências do sistema com a promoção da negociação e da
autodireção, não corri um risco elevado de resistência por
parte dos alunos e contornei parte dos fatores que
poderiam ter condicionado a realização da investigação.
Por outro lado, a abordagem híbrida seguida também me
dava maior segurança na experimentação de estratégias
que eram novas para mim (E3; Teixeira, 2014, p. 146 e p.
147-148).
Antes de começar…
21 Freire, P., & Shor, I. (1987). Medo e ousadia – O cotidiano do professor. S. Paulo: Editora Paz e
Terra.
22 Apple, M. W., & Beane, J. A. (2000). Escolas democráticas. Porto: Porto Editora.
170
Paradoxalmente, foi a minha indecisão inicial na escolha
do tema que determinou o meu percurso. O desafio
começou a ganhar forma no segundo semestre do curso,
no dia em que, depois de ter entregue a minha reflexão
sobre o tema que gostaria de explorar e a sua
pertinência23, onde dava conta das minhas dúvidas e
indecisões, recebi o seguinte e-mail da formadora:
171
autorregulação, ou em testemunhos orais e escritos. Como se afirma
num dos estudos,
172
Neste projeto, pretendia-se a aprendizagem do poder de
decisão informada: decidir, dentre várias hipóteses, qual a
melhor para si, num determinado momento, por uma
determinada razão, para um determinado objetivo,
também escolhido por si, de forma a conseguir o resultado
antecipado e poder sentir satisfação e orgulho nos
resultados conseguidos (Schunk, 199424). A maior parte
destes alunos nunca antes tinha tomado uma decisão que
fosse determinante para a sua aprendizagem, o que fez da
aprendizagem do poder de decidir uma tarefa difícil, mas
gratificante. Embora alguns tenham resistido, notou-se
algum progresso no sentido de assumirem a
responsabilidade pelo seu processo de aprendizagem.
Notou-se, ainda, um crescente orgulho, da parte de alguns
dos alunos com mais dificuldades, em conseguir
ultrapassar barreiras comunicativas que já haviam
desistido de tentar vencer. Este orgulho e satisfação
levam, inevitavelmente, ao aumento da motivação e, caso
o sucesso (mesmo que pequeno) se mantenha, ao aumento
da volição, o que vai assegurar o progresso continuado na
aprendizagem (E1; Menezes, 2014, p. 91-91).
173
alternativa re(ide)alista face a abordagens mais
convencionais, mais próxima do ideal defendido – uma
pedagogia para a autonomia na educação escolar que visa
a transformação conjunta dos sujeitos. Creio que ela
poderá ser transferida para outras salas de aula, com
outros sujeitos, mas não devemos esquecer que “instead of
claiming that whatever has been discovered must be true
of people in general, a naturalistic enquirer will claim that
whatever understanding has been gained by an in-depth
study of a real-life classroom may illuminate issues for
other people” (Allwright & Bailey, 1991, p. 5125). Espero
que esta narrativa tenha lançado alguma luz sobre
dimensões relevantes da educação, e constitua mais um
contributo para uma reflexão alargada sobre a
possibilidade de construir práticas transformadoras na
escola (E2; Teixeira, 2014, p. 179-180).
25 Allwright, D., & Bailey, K. M. (1991). Focus on the language classroom: An introduction to classroom
research for language teachers. Cambridge: CUP.
174
democráticas, um dos principais dilemas reporta-se àquilo que no
Estudo 2, incidente na análise da experiência desenvolvida no
Estudo 1, se define como “o difícil equilíbrio entre liberdade e
controlo”:
26 Breen, M. P., & Littlejohn, A. (2000a). The significance of negotiation. In M. P. Breen, & A.
Littlejohn (Eds.), Classroom decision-making: Negotiation and process syllabuses in practice (pp. 5-38).
Cambridge: CUP.
27 Shor, I. (1996). When students have the power - Negotiating authority in a critical pedagogy.
175
Também surgem constrangimentos na condução dos
processos de investigação, que o Estudo 4 capta no discurso dos
mestrandos e que podemos sintetizar do seguinte modo: falta de
experiência anterior de investigação; dificuldades na construção e
desenvolvimento de projetos relevantes e coerentes; falta de tempo
para a investigação, pela dificuldade em conciliá-la com a profissão;
isolamento e desvalorização da investigação pelos pares no contexto
de trabalho; dúvidas e incertezas, sentimento de incapacidade,
medo de perder a motivação. Por outro lado, o mesmo estudo
também identifica, no discurso dos mestrandos, condições
facilitadoras de uma investigação transformadora: adoção de uma
pedagogia da investigação de orientação reflexiva e emancipatória;
articulação entre a investigação e a experiência e os interesses dos
professores; reconhecimento do papel da investigação e dos
professores na mudança das práticas educativas; comprometimento
dos professores com uma mudança de orientação democrática.
Para além destas condições, sublinharia também a
necessidade de construir linguagens próximas da experiência
educativa, nomeadamente nos relatos da investigação, o que tem
implicações no seu significado e impacto. Tal significa encarar a
escrita como uma estratégia de (re)significação da experiência
vivida, um método de (auto)descoberta que permita entrever “as
estruturas existenciais da experiência” (Van Manen, 1990, p. 127),
usando uma linguagem que se afasta de códigos de escrita
académicos sem sujeito de enunciação, onde a experiência é
frequentemente espartilhada e asfixiada por um excesso de
operações de classificação, categorização, hierarquização, abstração
(Larrosa Bondía, 2010). Nos textos analisados, as professoras usam
uma linguagem híbrida – pessoal e por vezes metafórica, mas
também rigorosa –, procurando construir narrativas que convidem o
leitor a viajar pelas suas experiências e a refletir sobre elas:
176
Esta narrativa, construída para contar a experiência de
investigação-ação que levei a cabo no âmbito da minha
dissertação de mestrado (...) com uma turma de um curso
profissional na disciplina de Inglês, pretende facilitar a
aproximação do leitor a essa experiência, na esperança de
que ele se envolva nos processos, orientações e perceções
pessoais que a balizaram e guiaram. Porque a vivi, senti a
necessidade de a partilhar com o máximo de pessoas
possível: aquelas já imersas numa pedagogia para a
autonomia e aquelas que iniciam agora esta descoberta,
fazendo deste o meu contributo para a disseminação desta
Visão tão essencial à Educação. Daí a escolha de um
discurso mais pessoal, menos académico: pretendo que
quem quer que pegue neste texto o compreenda e dele se
possa apropriar, talvez adequando-o à sua prática e,
assim, dar continuidade ao processo de transformação do
texto, de si mesmo e da Escola (E1; Menezes, 2014, p. 63-
64).
177
era só uma professora e… inconscientemente fui
alimentando esta questão da existência de uma barreira
entre a investigação e o ensino. Perpetuava a ideia: o
investigador tem a formação adequada para compreender
os fenómenos e analisá-los, cabe ao professor a tarefa de
os aplicar, ou melhor, implementar corretamente, de
acordo com as orientações do investigador, sem
alterações, como se de uma poção sagrada se tratasse…
(E4; Neves, 2014, p. 198-199).
REFLEXÕES FINAIS
178
determinados conflitos e determinadas incertezas, de correr riscos
calculados” (p. 163).
A proposta apresentada é exploratória, mas espero ter
conseguido apresentar e ilustrar um argumento plausível,
evidenciando a necessidade de promover uma investigação próxima
da experiência educativa e inscrita em valores democráticos, uma
investigação que “se mueve siempre en la relación plural, incierta,
variable, tentativa y subjetiva de poner en relación acontecimientos
y sentido educativo”, e cuja finalidade é ir construindo argumentos
e possibilidades de mudança (Contreras & Pérez de Lara, 2010, p.
43).
Independemente das nossas convicções e práticas enquanto
formadores e orientadores em cursos de pós-graduação, dificilmente
poderemos deixar de equacionar a questão com que termino e que,
de algum modo, justifica este texto: Que responsabilidade temos na
(ir)relevância da investigação dos professores com quem trabalhamos?
REFERÊNCIAS
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C. Hadji, & J. Baillé (Eds.). Investigação e educação – Para uma “nova aliança”. 10
questões acerca da prova (pp. 62-72). Porto: Porto Editora.
Freire, P. (2003). Pedagogia do oprimido (35ª ed.). São Paulo: Paz e Terra.
179
Gitlin, A., Siegel, M., & Boru, K. (1993). The politics of method: From leftist
ethnography to educative research. In M. Hammersley (Ed.), Educational
research – Current issues (pp. 191-211). London: Open University Press.
Jiménez Raya, M., & Vieira, F. (2018). Teacher education for autonomy: Case
pedagogy as an empowering intespace between reality and ideals. In G.
Murray, & T. Lamb (Eds.). Space, place and autonomy in language learning (pp. 97-
112). London and New York: Routledge.
Schostak, J., & Schostak, J. (2008). Radical research – Designing, developing and
writing research to make a difference. London: Routledge.
180
Teixeira, A. C. (2014). Negociação e autodireção numa pedagogia re(ide)alista.
In F. Vieira (Ed.), Quando os professores investigam a pedagogia, em busca de uma
educação mais democrática (pp. 145-183). Mangualde: Pedago.
Van Manen, M. (1990). Researching lived experience – Human science for an action
sensitive pedagogy. New York: The State University of New York.
Vieira, F. (2007). Teacher autonomy: Why should we care? Independence, 40, 20-
28.
Vieira, F., Moreira, M. A., & Peralta, H. (2014). Research in foreign language
education in Portugal (2006–2011): Its transformative potential. Language
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Zeichner, K., & Conklin, H. G. (2008). Teacher education programs as sites for
teacher preparation. In M. Cochran-Smith, S. Feiman-Nemser, D. J. McIntyre, &
K. E. Demers (Eds.), Handbook of research on teacher education (pp. 269–289). New
York: Routledge.
181
10. QUANDO A FORMAÇÃO CONTINUADA
FAZ FALTA!
o caso da coordenação pedagógica NA REDE
Estadual de Santa Catarina28
INTRODUÇÃO
182
Ao tratar de um tema como este, a formação continuada, é
importante atentar para algumas características e para alguns
conceitos que marcaram a trajetória e efetivaram algumas mudanças
para esse cenário. Primeiramente, o entendimento de que a formação
continuada já foi evidenciada como um processo de atualização que
se dava por meio de aquisição de informações científicas, técnicas e
didáticas (Imbernón, 2011). Estas, por sua vez, não tinham,
necessariamente, ligação com a prática. Essa descontextualização
entre as ações desenvolvidas e as ações tratadas durante o processo
de formação continuada pouco contribuíam para efetivas
transformações (Gatti, 2012).
O segundo ponto diz respeito ao surgimento de diferentes
tendências para a formação continuada de professores nas últimas
décadas. Dentre essas diferentes concepções presentes no cenário
brasileiro, a orientação crítico-reflexiva ganha destaque e é apontada
como a mais adequada para a formação continuada de profissionais
da educação (Almeida, 2011). E é sobre essa concepção de formação
continuada, que proporciona a reflexão sobre a prática, que nos
atentamos para alcançar os objetivos propostos neste estudo.
Entretanto, é importante destacar que, nos trabalhos
realizados anteriormente com referência ao coordenador
pedagógico atuante na rede estadual de Santa Catariana,
denominado Assistente Técnico Pedagógico, muitas contribuições
foram registradas no que tange às particularidades dessa função
(Corrêa, 2013; Corrêa, 2015 e Corrêa e Gesser, 2016). Dentre essas
discussões, algumas questões foram evidenciadas, como a origem
da função, as questões históricas e as ações desenvolvidas por esses
profissionais. Contudo, a temática da formação continuada, apesar
de ter sido citada como uma necessidade, foi pouco discutida nesses
estudos anteriores.
Reconhecendo tal limitação e entendendo a necessidade de se
discutir sobre a formação continuada, justificamos a retomada de
algumas questões tratadas nesses momentos distintos com a
183
intenção de tratar especificamente da coordenação pedagógica e da
ausência de formação continuada para esses profissionais.
Portanto, além dos elementos introdutórios, ora
apresentados, o primeiro tópico trata da discussão acerca de alguns
conceitos sobre a formação continuada, com especial destaque para
o entendimento dessa ação como um movimento que propõe a
reflexão sobre a prática. O segundo tópico apresenta as
particularidades desses profissionais, com ênfase nas ações
desenvolvidas no interior das escolas. Nesse mesmo tópico, são
apresentadas as fragilidades socializadas em função da ausência de
formação continuada, seguidas, por fim, das considerações finais.
184
Ao discutir a formação de professores e a relação entre
conhecimento disciplinar e conhecimento pedagógico, o mesmo
autor propõe a organização e a apropriação das atitudes docentes –
que propiciam o conhecimento de novas estratégias de ensino numa
perspectiva crítica de análise dos conteúdos e a adesão às novas
concepções de informações (tecnologias, comunicação, diversidade
cultural, entre outros.).
Contudo, entendemos, com base nessas discussões, que
diante dessa (nova) perspectiva, o professor enfrenta desafios.
Desafios estes que somente a formação inicial – por mais complexa e
contextualizada que seja –, não é capaz de garantir. Surge daí, a
defesa da formação continuada, uma vez que:
185
Nas palavras de Imbernón (2011), estamos vivenciando a
mudança dessa concepção e o surgimento de diferentes tendências
para a formação continuada de professores nas últimas décadas.
Dentre essas diferentes concepções presentes no cenário brasileiro, a
orientação crítico-reflexiva ganha destaque e é apontada como a
mais adequada para a formação continuada de profissionais da
educação. Para o autor, a formação que tem como base uma reflexão
dos sujeitos sobre sua prática docente permite que estes:
186
propõe a necessidade de considerar os problemas do cotidiano da
atividade educativa através da reflexão da própria ação.
Com base nos conceitos discutidos e no entendimento da
formação continuada como necessária para a (re)elaboração da
prática pedagógica, escolhemos o tema da coordenação pedagógica,
por meio de uma visitação aos escritos (Corrêa, 2013; Corrêa, 2015;
Corrêa e Gesser, 2016), por acreditar na similaridade com a função
de professor e, ainda, na necessidade de continuar as discussões
sobre a temática.
187
aquelas tarefas ligadas às questões pedagógicas no âmbito
da gestão (Waltrick, 2008, p. 54).
188
essa ressignificação da função de supervisor escolar, caracterizada
pelo autoritarismo, possibilita o surgimento de uma nova função
que prioriza o papel da articulação, do coletivo, da participação e da
gestão democrática – diretamente ligado ao movimento vivenciado
pelo país.
Alves e Barbosa (2011), em artigo que analisa a identidade
profissional da coordenação pedagógica em Goiânia, no estado de
Goiás, afirma que, para construir a identidade profissional de uma
pessoa ou de um grupo, faz-se necessário investigar todo um
contexto histórico. As autoras realizaram um aprofundamento sobre
o surgimento da função de coordenação pedagógica. Segundo elas, a
construção do cargo de coordenação se constituiu, dentre outros
fatores:
189
suporte técnico ao trabalho pedagógico desempenhado pelo
professor. Ainda, na década de 1970, estes profissionais habitavam
as escolas profissionalizantes de 2º grau (hoje Ensino Médio).
Contudo, conforme já apresentado, foi a partir da década de 1990
que estes profissionais ocuparam massivamente as escolas, com
atribuições que oscilavam entre o caráter técnico-administrativo e de
acompanhamento pedagógico, garantindo o envolvimento de toda a
comunidade escolar no processo ensino-aprendizagem.
Conforme discutido, o surgimento destes profissionais no
contexto nacional apresenta diferentes características. Algumas
particularidades marcaram essas diferenças que iam desde a
nomenclatura (PINTO, 2011) às diferentes legislações e atribuições
(Fernandes, 2011). Para Pires (2005), embora marcada por
diferenças, a principal característica que as redes estaduais e
municipais de ensino apresentavam em comum para a elaboração
da função de coordenação pedagógica era a aglutinação dos cargos
de orientação educacional, administração e supervisão escolar.
Essa aglutinação a que se refere o autor pode muito bem ser
observada também no estado de Santa Catarina. O último concurso
que foi realizado para suprir vagas de Administradores,
Supervisores e Orientadores Educacionais datava da década de
1990. Depois desse período, o estado catarinense adaptou o antigo
cargo de Assistente Técnico-pedagógico – criado com a finalidade
de atender uma demanda especificamente técnica, nos órgãos da
Secretaria de Educação do Estado –, e o transformou, a partir da Lei
Complementar de nº 288/2005, num cargo de coordenação
pedagógica.
Com atuação no interior das escolas e cujas atribuições
identificadas em legislação própria circundavam o trabalho coletivo
de articulação pedagógica, idêntico ao perfil do coordenador
pedagógico (Almeida, 2011; Placco, 2007), estes profissionais
povoaram as escolas vinculadas à rede estadual e vieram em
190
substituição dos antigos cargos. O nome do cargo não foi alterado29,
contudo, a lista de atribuições sofreu muitas alterações e foi
adequada às necessidades e interesses advindos do cotidiano
escolar. Questões como execução de programas e projetos
educacionais, prestação de auxílio no desenvolvimento de
atividades relativas à assistência técnica aos segmentos envolvidos
diretamente com o processo ensino-aprendizagem, entre outras
ações complexas, faziam parte das atribuições dispostas.
Contudo, embora o início da carreira destes profissionais
tenha sido orientado a partir destas atribuições, esse processo foi
marcado por dúvidas e incertezas. Nos estudos realizados por
Corrêa (2013) e Corrêa e Gesser (2016), são apresentadas algumas
questões que corroboram esse fato.
A primeira refere-se ao fato de que havia falta de informações
sobre essa nova função, tanto por parte daqueles profissionais que
iriam atuar, quanto da própria comunidade escolar que receberia o
profissional. Essa ausência de direcionamento para esse profissional
causou certo desconforto, pois estes, apesar de terem formação
inicial na área da Educação e conhecerem a dinâmica das escolas,
nunca tinham experienciado tais atividades – conforme anunciada
pelas atribuições.
Esses profissionais atuantes na função de Assistente Técnico-
pedagógico, ao aliarem seus saberes práticos e experienciais,
construíram a seu modo, alguns com mais facilidade, outros com
menos, diferentes saberes profissionais acerca da realidade escolar
(Corrêa, 2015). Essa construção da prática profissional exigiu uma
parcela de improvisação e de adaptação frente à demanda
apresentada, haja vista não haver ambientes escolares iguais, nem
situações iguais, muito menos pessoas iguais. O que é previsível
191
para Tardif (2002, p. 6), no que tange à constituição da
profissionalização docente, já que:
192
Essa segunda questão, da ausência da formação continuada,
revelou que alguns profissionais, ao enfrentarem o cotidiano da
escola, atuavam no atendimento às causas emergenciais que
surgiam no ambiente escolar:
193
muitos casos, dificultar a realização de atividades previamente
planejadas. Segundo Pinto (2011), muitas vezes, o coordenador
pedagógico se direciona a atender as necessidades advindas das
condições inadequadas de trabalho e deixa de atuar no âmbito das
atividades pedagógicas. Por falta de conhecimento de suas próprias
funções, por falta de orientações e conhecimentos sobre a equipe
pedagógica, o fato é que, no que tange à prática dos Assistentes
Técnico-pedagógicos, suas ações estavam voltadas às questões
emergenciais surgidas no cotidiano escolar.
A fala de um dos participantes durante o grupo focal
denuncia essa questão:
194
atribuições e competências de sua equipe, delegando ao
profissional que atuará de forma consciente de suas
funções e com base nas experiências anteriores, o que
contribuirá para a resolução do problema com maior
eficácia (Soares, 2011, p. 51).
195
alvo de críticas por todos os participantes e o desejo de vivenciar os
movimentos de formação também foi registrado por todos.
Essa ausência não é exclusividade dos profissionais de Santa
Catarina, pois foi, também, relatado em outros estudos (Pinto, 2011;
Almeida, 2010). Essas necessidades diárias inerentes à proposta
articuladora defendida por Placco (2010), em que deveria se
encontrar a figura do coordenador pedagógico, vai de encontro com
as atribuições e suas experiências em lidar com esta demanda.
Organização e execução de horários, reuniões com professores,
orientações a alunos, preenchimento de relatórios, atendimentos a
pais, entre tantos outros itens, enfim, as questões técnicas e
pedagógicas consolidam a jornada destes profissionais.
Competindo, ainda, com todas as atividades atribuídas aos
coordenadores pedagógicos, estão postas as atividades
emergenciais.
Para Pinto (2011), é somente a partir da atuação do
coordenador junto ao professor e ao aluno que haverá viabilidade e
vitalidade do trabalho planejado. O autor afirma que o trabalho do
coordenador deveria ser com os professores e não somente para os
professores, reafirmando a lógica do trabalho coletivo. Nestes
moldes, a função de coordenação pedagógica se organiza a partir de
pressupostos teóricos voltados à articulação do trabalho coletivo,
com foco na atuação dos professores, bem como no processo ensino-
aprendizagem. Para Soares:
196
Se essa é a lógica do trabalho estabelecido para o coordenador
pedagógico, se ele deveria ser o agente articulador da prática
pedagógica, como isso seria possível sem nenhum movimento de
formação continuada?
Para Altendelfer (2005), a presença desses movimentos de
formação continuada, baseados numa concepção crítica, é
fundamental, uma vez que é imprescindível que o profissional da
educação se aproprie constantemente dos avanços das ciências e das
teorias pedagógicas, incorporando-as ao fazer pedagógico,
resultando na construção e no domínio da sua práxis. Pois:
197
Frente a essas questões, existe também a necessidade de
repensar o papel e organizar documentos e legislações que
expressem políticas públicas capazes de interpretar as ações
expostas em documento como abrangentes, que possibilitam muitos
olhares. Este fato justifica a queixa dos Assistentes Técnico-
pedagógicos pela ausência de formação continuada e de encontros
que possibilitem a discussão do cotidiano vivenciado por eles, de
modo a interpretar, repensar e avaliar as atribuições propostas no
documento e aquelas realizadas nas escolas.
Para Garrido (2009, p. 10), é importante investir na formação
do coordenador, já que “ele é o agente estimulador e articulador
desse processo”. Entretanto, é preciso que ele, figura isolada em sua
unidade escolar, tenha garantido um espaço coletivo de discussão,
seja para partilhar experiências, seja para refletir sobre sua prática.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
198
Essa tendência de dar respostas às exigências cotidianas,
característica percebida durante a organização das pesquisas
anteriormente citadas, trouxe prejuízos para esses profissionais que
não conseguiam seguir seus planejamentos, ficando na dependência
dos acontecimentos e ações do cotidiano. Realizando, portanto, um
trabalho baseado nas causas emergenciais, negligenciando ou
secundarizando as necessidades didáticas e pedagógicas que
circundam o processo de ensino e aprendizagem.
Esses achados nos permitiram voltar ao passado, fazer uma
nova análise, reescrever o já escrito. Assim, tais ações podem, de
certo modo e/ou dependendo da análise, significar ou representar
um retrocesso. Contudo, diante do exercício feito aqui e das
possibilidades que este representou, acreditamos que partir do que
já havia sido discutido, tendo a oportunidade de acrescentar novos
olhares e novas proposições, foi, por dois motivos, um privilégio.
O primeiro motivo refere-se ao fato de retomar as discussões
acerca da coordenação pedagógica, em especial no estado de Santa
Catarina, assunto pouco explorado nas pesquisas realizadas. O
outro motivo refere-se, invariavelmente, ao triste fato de constatar
que, algum tempo depois das queixas observadas sobre a ausência
da formação continuada por parte desses profissionais, nada
mudou. Afinal, não encontramos registros de nenhum movimento
de formação continuada para esses profissionais.
Diante desta constatação, nos cabe deixar registrado, ainda em
tempo, que esses coordenadores pedagógicos continuam atuando
nas escolas. Que seus desejos e necessidades não foram, ainda,
superados. E, por fim, deixamos um questionamento: o que poderia
ter sido diferente se eles tivessem acesso à uma política de formação
continuada comprometida com a ação e com a reflexão?
REFERÊNCIAS
199
ALMEIDA, L. R. (2010). Um dia na vida de um coordenador pedagógico de
escola pública. In: PLACCO, V. M. N. S.; ALMEIDA, L. R. O coordenador
pedagógico e o cotidiano da escola. 7. ed. São Paulo: Edições Loyola.
200
escolar. RBPAE – v.27, n.3, p. 361-588, set/dez. Disponível em:
<http://200.145.6.238/bitstream/handle/11449/125051/ISSN1678-166X-2011-
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201
VASCONCELLOS, C. dos S. (2006). Planejamento: projeto de ensino-
aprendizagem e projeto político-pedagógico. 16. ed. São Paulo, SP: Libertad.
202
_______________Sobre os Autores_____________
E-mail: carine_santos_sousa@yahoo.com.br
203
Edson do Carmo Inforsato
Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-
doutorado pela Universidade de Lisboa na área de formação
continuada de professores. Professor Assistente na Universidade
Estadual Paulista (UNESP), na Faculdade de Ciências e Letras.
Araraquara – SP - BRasil.
E-mail: tamoyo@fclar.unesp.br
E-mail: ercules.diniz@hotmail.com
204
Flávia Vieira
Doutoramento em Educação pela Universidade do Minho
(Portugal), Mestrado em Didática do Inglês pela Universidade de
Aveiro (Portugal). Professora Catedrática da Universidade do
Minho. Centro de Investigação em Educação (CIEd).
Email: flaviav@ie.uminho.pt
E-mail: genilsonjos27@gmail.com
205
José Luís Bizelli
Livre Docente e Coordenador do Programa de Pós-graduação na
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e
Letras. Araraquara – SP – Brasil. ORCID: <http://orcid.org/0000-
0002-6634-1444>.
E-mail: bizelli@fclar.unesp.br.
E-mail: andrade_alcantara2011@live.com
E-mail: mgabaptista2@yahoo.com.br
E-mail: lourdesmari05@yahoo.com.br
206
Maria Nerice dos Santos Pinheiro
Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). Especialista em Psicopedagogia pelo Centro Universitário
Unichristus. Pedagoga pela Universidade Estadual do Ceará –
UECE.
E-mail: nematu@gmail.com
Sarah Bezerra Luna Varela
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual do Ceará – UECE. Mestra em
Educação pelo mesmo programa. Professora Assistente da
Universidade Estadual do Ceará – UECE.
E-mail: sarahvarela@hotmail.com
E-mail: talitarodrigues.fp@gmail.com
207
__________Sobre os Organizadores___________
E-mail: aiandrade@ua.pt
208
básica por 10 anos. Tem cursos na área de educação no Instituto
Aharon Ofri em Israel e no CPEIP no Chile. Atua nas áreas formação
de professores; política educacional e financiamento da educação;
movimentos sociais e escola; ensino de história e geografia; história
da educação; sociologia e filosofia da educação; educação e religião;
diretrizes curriculares; metodologias de ensino e ética. . Foi
presidente do Fórum de Diretores de Centros e Faculdades de
Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR). É
membro da Anfope (Associação Nacional para Formação de
Profissionais em Educação) e colabora com o Instituto Anísio
Teixeira (INEP/MEC) na qualidade de Avaliador do Basis para
reavaliação e supervisão especial dos cursos de Pedagogia e
Ciências Sociais em todo o Brasil. Professor-pesquisador do
Convênio de Colaboração entre o Programa de Mestrado em
Antropologia de Iberoamérica da Universidade de Salamanca (MAI)
e Linha de Pesquisa Marxismo, Educação e Luta de Classes (E-Luta)
do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da
Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: luistavora@uol.com.br
E-mail: aucyfortal@gmail.com
209
Osmar Hélio Alves Araújo
Professor, licenciado em Letras (UVA/2011) e Pedagogia
(UNISUL/2017), com especialização em Supervisão e Orientação
Educacional (UNICID/2012); Mestrado em Educação (UFC/2016), e,
atualmente, cursa Doutorado em Educação, pela UFPB, ambos com
foco na relação indissociável entre formação de professores e
coordenadores pedagógicos. Em sua trajetória
acadêmica/profissional, foi professor da Educação básica (Educação
Infantil ao Ensino Médio) na Rede Municipal e Estadual de Ensino
do Ceará (2001-2011); atua no Ensino Superior, notadamente nos
Cursos de Licenciatura, desde 2011. Foi formador do Pacto Nacional
pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC/UFC) (2014); Supervisor
Educacional na Diretoria de Ensino da Secretaria de Educação de
Ipueiras (CE) (2006 -2012); professor dos cursos de Letras e Ciências
Biológicas, da Universidade Regional do Cariri (URCA) (2016-2018),
Campus Missão Velha (CE), onde consolidou pesquisas no campo
da formação docente, sobretudo, com foco na Didática e Pedagogia,
trabalho docente e práticas pedagógicas. Atualmente é membro do
Grupo de Pesquisa cadastrado junto ao CNPq: Formação Docente,
História e Política Educacional (GPFOHPE - UFC). Docente no
Curso de Letras do Plano Nacional de Formação de Professores da
Educação Básica (PARFOR/UVA). É sócio da Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), GT: 08
Formação de professores; e da Associação Nacional de Política e
Administração da Educação (ANPAE).
E-mail: osmarhelio@hotmail.com
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Edições Hipótese
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