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ISSN 0103-7013

Psicol. Argum., Curitiba, v. 28, n. 62, p. 199-208 jul./set. 2010


Licenciado sob uma Licença Creative Commons

[T]
Psicodrama Moreniano no Rio Grande do Sul:
Memórias não encenadas
[I]
Moreno’s Psychodrama in Rio Grande do Sul State: Unenacted memories

[A]
Helena Beatriz Kochenborger Scarparo[a], Maria Lúcia Andreolli de Moraes[b],
Carla Charlene Rocha de Almeida[c], Giuliano Ballardim[d]

[a]
Doutora em Psicologia, professora pesquisadora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS - Brasil, e-mail- scarparo@pucrs.br
[b]
Doutora em Psicologia, professora da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),
Porto Alegre, RS - Brasil.
[c]
Acadêmica de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), bolsista de Iniciação Científica
(CNPq), Porto Alegre, RS - Brasil.
[d]
Especialista em Psicodrama pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS - Brasil.

[R]
Resumo
O artigo que segue busca registrar memórias de inserção do Psicodrama Moreniano no Rio Grande do
Sul, RS, no decorrer das décadas de 70 e 80. A apresentação deste texto parte da necessidade de
preservar, registrar e divulgar diferentes lembranças da história da psicologia brasileira. Com esse obje-
tivo, busca compreender aspectos epistemológicos e práticos que se referem ao uso dessa abordagem
como instrumento de estudo e intervenção nos diversos contextos em que se inserem os fazeres dos
profissionais do campo da psicologia. Para tanto, os autores descrevem os resultados de um trabalho
de pesquisa sobre as especificidades da construção do Psicodrama Moreniano no Rio Grande do Sul
guardadas nas memórias de seus protagonistas. Trata-se de um estudo qualitativo, apoiado na análise
bibliográfica, de documentos e narrativas sobre o tema. Num primeiro momento, apresenta-se uma
explanação detalhada do histórico e dos principais pressupostos do Psicodrama Moreniano. Logo após,
busca-se associar aspectos da instituição da referida abordagem às circunstâncias do contexto histórico e
político do Brasil e da América Latina naquele período. Além disso, procura-se conhecer os movimentos
de oficialização, seus conturbados processos de dissolução e as diversas estratégias de continuidade que
foram formuladas pelos protagonistas dessa história do Psicodrama Moreniano.
[P]
Palavras-chave: Psicodrama. História da psicologia. Rio Grande do Sul.

Psicol. Argum. 2010 jul./set., 28(62), 199-208


200 Scarparo, H. B. K., Moraes, M. L. A., Almeida, C. C. R., Ballardim, G.
[B]
Abstract

This paper describes the memories of the inclusion of Moreno’s Psychodrama in Rio Grande do Sul State, RS,
during the 1970s and 1980s. The paper begins with the necessity to maintain and disclosure these events connected
to the history of psychology. With this objective, it tries to comprehend epistemological and practical elements related
to this particular approach as an instrument of study and intervention in the contexts in which are inserted the
practices of the Psychology field. To do so, the authors describe the results of the research about the specificities of
the construction of Moreno’s Psychodrama in Rio Grande do Sul State kept in the memories of its protagonists. A
qualitative approach was used throughout this paper, supported by document and narrative story analysis. At first,
the history of psychodrama and its basic mechanisms are explained and then the aspects of the institution of such
approach are associated to the circumstances of that historical and political context in Brazil and in Latin America.
Furthermore, we described the means of institutionalization, its processes of dissolution and the different strategies
of continuity that were formulated by the main role players of this Moreno’s Psychodrama history.
[K]
Keywords: Psychodrama. History of psychology. Rio Grande do Sul State.

Introdução Pos­sivelmente como decorrência dessa ruptura, os


profissionais que participavam da ASP dispersa­ram-se
O estudo aqui apresentado é o resultado e alguns optaram por outras linhas teóricas. Assim,
de uma atividade de pesquisa integrada dos grupos interrompeu-se um processo oficial de formação e
de pesquisa Processos e Organizações dos Pequenos serviços, sem, contudo, suspender-se a continuidade
Grupos e Políticas sociais e Práticas em Psicologia, do uso das técnicas e teorias no cotidiano de trabalho.
do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Esta pesquisa buscou, então, reunir dados históricos
Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do do Psicodrama nesse contexto, com o objetivo de
Rio Grande do Sul (PUCRS). O objetivo geral pro- contribuir para o registro, ampliação e valorização
posto para a pesquisa referiu-se à necessidade de dessa trajetória. Desse modo, oportunizam-se aqui
conhecer dados da história do Psicodrama no Rio processos dialógicos nos quais os interlocutores são
Grande do Sul. Para tanto, investigou-se aspectos da protagonistas das experiências relatadas e profissio-
trajetória do Psicodrama no Estado para reconhecer nais que mantêm o Psicodrama Moreniano como
a circulação de ideias do Psicodrama do Rio Grande fonte inspiradora de suas práticas.
do Sul, na perspectiva da historicidade, e favorecer a A consciência histórica é mediadora entre
preservação da memória e a formulação de espaços aquilo que se idealiza do mundo e a forma como
dialógicos sobre a construção de saberes e práticas ele se mostra. Por isso, a história constitui-se nesse
psicológicas no Brasil. mundo e a ele retorna, humanizando as experiências
Nos anos de 1970 e 1980, havia em Porto e transformando a realidade (White, 1995). A efetiva-
Alegre a Associação Sulriograndense de Psicodrama ção da presente pesquisa espera contribuir com esse
(ASP), uma entidade que congregava profissionais, processo no sentido de disponibilizar memórias sobre
especialistas em Psicodrama, que disponibilizava à os contextos de articulação dessas práticas e, com
“comunidade psi” um curso de formação nessa abor- isso, fomentar reflexões críticas sobre as experiências
dagem. Além da formação, a ASP oferecia atendimento e os efeitos dos modos de construção da Psicologia
à população em geral e ocupava-se, especialmente, em diferentes contextos. Nessa perspectiva, como
em oferecer atendimento às pessoas com limitações demonstram os resultados a seguir, o trabalho não
financeiras, das classes menos favorecidas (ASP, 1975). se restringe ao Psicodrama. Aos dados coletados
De acordo com depoimentos de profis- associaram-se articulações com outras abordagens,
sionais que viveram esses episódios, em 1988, por que também compõem a história da sociedade gaúcha
“questões administrativas e divergências teórico- nas décadas em que se deu o término do período
metodológicas”, essa Associação foi desarticulada. ditatorial brasileiro.
Os cursos de formação que dela faziam parte Os resultados da realização do trabalho
foram interrompidos e os atendimentos encerra­dos. demonstraram tratar-se de um tema amplo, composto

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por diversos desdobramentos e possibilidades de sobressaem a filosofia dialógica de Buber e os estudos


interlocuções interinstitucionais. fenomenológicos de Scheler e Jaspers. Além disso,
Moreno aproximou-se das ideias de Lewin no que tange
à teoria de campo e à dinâmica de grupo (Bezerra,
Método 2002; Fonseca Filho, 1980). A obra de Moreno revela
também influências do judaísmo – sua formação edu-
Passamos a registrar agora as peculiaridades cacional nessa perspectiva foi decisiva. Acrescente-se
do Psicodrama no Rio Grande do Sul evidenciadas a inclusão de expressões lúdicas, como a dança e a
pela pesquisa realizada. Para a coleta e análise dos música, nos ritos da doutrina hassídica, um ramo do
dados foi escolhido um método qualitativo, privile- judaísmo (Gonçalves, Wolf & Almeida, 1988).
giando narrativas e documentos. Com essa escolha A crença no potencial criativo do ser
pretendia-se favorecer interlocuções que contri­ humano apoiou buscas de transformação das condi-
buíssem com a geração de dinâmicas interacionais e ções sociais e práticas comunitárias que eram muito
reflexões acerca da psicologia, dos lugares que ocupa valorizadas por Moreno. Eram frequentes as inter-
e dos efeitos de suas práticas (Ferreira & Amado, venções nas praças e ruas de Viena, no sentido de
1996; Scarparo, 2008). estimular a população a buscar modos alternativos
A coleta efetivou-se centrada em relatos de estar no mundo (FEBRAP, 2007).
verbais e documentos. Por meio da pesquisa docu- Gonçalves, Wolf e Almeida (1988) des-
mental foram identificadas e convidadas a parti­ crevem atividades filantrópicas e comunitárias atri-
cipar, como informantes, pessoas responsáveis pelo buídas a J. Moreno desde sua juventude. É o caso
início do movimento psicodramático no Estado. da Religião do Encontro e da Casa do Encontro.
Fizeram parte desse grupo fundadores da ASP, Nessas experiências, Moreno participava de grupos
integrantes da primeira turma de formação e outros de jovens que desenvolviam trabalhos destinados a
atores mencionados no material consultado.1 Além desabrigados, migrantes e refugiados residentes em
disso, pesquisamos produções teóricas dos psico­ Viena. Nesse grupo predominavam perspectivas
dramatistas atuantes no Rio Grande do Sul no fenomenológico-existenciais.
período de atividade da ASP. A análise dos dados Outro fator relevante para a compreensão
foi efetivada com apoio na entrevista narrativa e da construção dessa abordagem foi a participação
na análise de conteúdo (Jovchelovitch & Bauer, de Moreno na Revolução dos Jardins de Viena, de
2002; Moraes, 1999; Scarparo, 2008) e gerou temá­ticas 1908 a 1911. Com o objetivo de estimular a espon-
referentes ao contexto histórico-social, aos movi- taneidade e as fantasias infantis, estabeleceu-se um
mentos precursores à oficialização das ativi­­dades de movimento destinado às crianças, tendo como
formação e intervenção, à instituição e dissolução da instrumentos os contos de fadas e as representações
ASP, e às estratégias de continuidade do processo. livres e improvisadas. Mais tarde, em 1913, Moreno
associou-se ao médico Wilhelm Green e ao Jornalista
Carl Colbert para estabelecer intervenções destinadas
Resultados às prostitutas de Viena. Nestas, em pequenos gru-
pos, examinava estratégias de resgate da dignidade e
Psicodrama Moreniano: Primeiros favorecia reflexões acerca do papel desempenhado
movimentos por aquelas mulheres na sociedade. Também exis-
tem relatos de participação em atividades destinadas
O Psicodrama é uma prática psicoterapêutica aos refugiados da Primeira Guerra Mundial. Essa
concebida pelo médico judeu Jacob Levy Moreno, expe­riência desenvolveu-se entre 1914 e 1918 e
nascido 1889, em Bucareste, na Romênia. A proposta, evidenciou a relevância de atentar para as tensões
na sua origem, é marcada por diferentes concepções psicológicas e as influências terapêuticas dos grupos
filosóficas, existenciais e religiosas. Dentre essas se (Bezerra, 2002; Fonseca Filho, 1980).

1
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade e a participação dos entrevistados foi efetivada mediante a assi-
natura prévia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

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De 1917 a 1920, a identificação com orientar processos psicoterapêuticos individuais ou


a perspectiva fenomenológico-existencial levou grupais. Essa abordagem tem sido intensamente
Moreno a participar, como redator, de uma revista utilizada como recurso clínico. Além disso, é ins-
voltada a essa perspectiva, a Daimonn Magazine, o trumento de práticas no campo da educação, nas
que intensificou a presença do existencialismo no empresas, nos hospitais, na clínica e nas comuni­
seu pensamento. Também contribuíam com esse dades (FEBRAP, 2007). Por meio dessa intervenção
periódico os pensadores Kafka, Buber, Scheller e ocorrem mobilizações que levam ao reconhecimento
Werfel. Mais tarde, em 1922, foi fundado o Teatro das diferenças e dos conflitos, o que favorece a
Vienense da Espontaneidade, quando ocorreu a criação de estratégias transformadoras da situação
primeira sessão psicodramática. Nela houve uma produtora de sofrimento e a expansão dos recursos
manifestação pública e política por meio da qual se disponíveis. Para desenvolver sua proposta, Moreno
propôs a um grupo de expectadores que se posicio- preocupava-se em criar espaços de reflexão tendo
nasse como “rei” da Viena pós-guerra (Bezerra, 2002). em vista o ser humano e suas circunstâncias. Desse
Em 1923, a abordagem se consolida a modo, propôs considerar as relações sociais na inter-
partir do atendimento do emblemático caso Bárbara- secção dos mundos subjetivo e social, a Socionomia.
Jorge, que deu início ao Teatro Terapêutico e foi Para tanto, o autor articulou três níveis de análise:
fundamental para a publicação da obra O teatro da a Sociometria, a Sociodinâmica e a Sociatria. Todas
espontaneidade. Em 1925, Moreno emigrou para os elas supõem a ação dramática como instrumento
Estados Unidos da América, dando às suas práti- facilitador da expressão das condições implícitas
cas um contorno sociológico. A partir de então, o das relações humanas. A Sociometria possibilita
psicodrama expandiu-se, com ampla utilização nas a visibilidade, por meio de gráficos ilustrativos da
psicoterapias de grupo. mensuração das escolhas das pessoas acerca das
Em 1932, apoiado em experiência com relações interpessoais. Isso favorece a compreensão
jovens que haviam cometido delito em Hudson, das estruturas grupais. A Sociodinâmica investiga as
Moreno propôs a “sociometria”, e por meio dela criou dinâmicas redes de vínculos entre os componentes
instrumentos de avaliação das relações interpessoais. dos grupos. Finalmente, a Sociatria preocupa-se com
Logo após, concomitante à fundação da Sociedade a transformação social (FEBRAP, 2007; Moreno,
Americana de Psicoterapia de Grupo e do Instituto 1972; Rojas-Bermudez, 1970).
Moreno, foi criada a revista Sociometry e fortaleceu-se Os processos terapêuticos implicam a
a integração do pensamento de Moreno na academia realização de uma cena teatral, analisada por um
(FEBRAP, 2007). Finalmente, a consolidação da terapeuta principal e terapeutas auxiliares requisi­
teoria foi marcada pela publicação dos livros-base tados eventualmente como protagonistas da ação. O
que se tornaram clássicos para compreensão da público pode fazer parte do processo ao representar
abordagem: Psicodrama, em 1946, Psicoterapia de grupo a reação social referente à cena produzida. Após uma
e Psicodrama e Fundamentos do Psicodrama, em 1959. discussão preparatória sobre o tema, evidenciam-se
Destaca-se também a realização, nessa época, do conflitos representativos das circunstâncias vividas
primeiro Congresso Internacional de Psicodrama pelos sujeitos envolvidos. Procede-se à dramatiza-
e Sociodrama, na França. Esse evento, assim como ção e ao desempenho de papéis concernentes aos
os realizados em Buenos Aires, na Argentina, alguns conflitos vivenciados. As cenas são dispostas de
anos depois, potencializou o uso da abordagem tal modo que facilmente vinculam-se à realidade,
como instrumento de produção teórico-científica da o que faz com que ideias com forte carga afetiva
Psicologia e áreas afins (Bezerra, 2002; Gonçalves, se expressem e sejam motivo de manejos terapêu-
Wolf & Almeida, 1988). ticos dirigidos ao sujeito ou ao grupo (Moreno,
1993). Assim, a expressão do sofrimento psíquico
pode ser reconhecida e acolhida (Bezerra, 2002;
A prática do Psicodrama Moreniano Fonseca Filho, 1980; Gonçalves, Wolf & Almeida,
como instrumento terapêutico 1988). Apoiado na valorização do momento e no
princípio da espontaneidade, o Psicodrama favo-
O Psicodrama é uma abordagem que utiliza rece a participação e estimula a criatividade na
a improvisação de cenas dramáticas para analisar e produção dramática. No término da encenação

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é disponibilizado um espaço para comentários. informante infiltrado no grupo de psicodramatistas,


Primeiramente manifestam-se os participantes da e Severino foi denunciado por ele como “agitador
cena, depois os demais integrantes do processo, internacional”. Numa das datas previstas para sua
para promover interlocuções, reflexões e articular vinda, ele não compareceu e não mandou mais notí-
estratégias de encaminhamento cias. Houve informações dele somente cerca de dez
O Psicodrama tem ampla utilização como anos depois, quando um dos integrantes do grupo
teoria e como prática. Profissionais da área clínica o encontrou em Buenos Aires e ficou sabendo que
adaptaram-no para dar suporte ao seu trabalho, o Severino havia ido para o México, pois os militares,
que tem contribuído para a compreensão do sofri- tanto no Brasil quanto na Argentina e Uruguai,
mento psíquico e para a articulação de estratégias de estavam preocupados em controlar as pessoas que
intervenção. No campo social, educacional e organi- trabalhavam com grupos e estas ficavam visadas. Em
zacional, experiências efetivadas parecem resgatar as virtude disso, fugiu de seu país de origem e buscou
origens do Psicodrama, auxiliando no refinamento exílio. De acordo com seu depoimento,
das metodologias psicodramáticas (FEBRAP, 2007)
e nas reflexões teóricas sobre essas práticas em estamos hablando del año 72 em los umbrales
cada contexto. del quiebre istitucuinal em el Uruguay y uma ya
estabelecida represión em Brasil. Fuimos avisados
de que dentro el grupo se desarrollabam tareas de
Contexto histórico da institucionalização “observación” política y filtración informativa. A
da abordagem no RGS fines de 72 dimos por finalizada nuestra tarea y
dejamos de concurrir. De haber quedado, nos entera-
As condições sociopolíticas vividas na mos años después, nos hubieran detenido denunciado
América Latina, a partir dos anos 60, são a marca por al informante como “agitador internacional”
inaugural de uma Psicologia que, concomitante (entrevista concedida aos autores).
à práxis individualista, incorporou categorias de
análise de cunho mais social, como a conscien- As narrativas dos participantes acerca da
tização, o cotidiano e a ideologia (Lane, 1996). força da repressão nessa época são divergentes.
Na época em que se estabeleceram os processos Alguns contaram que o contexto repressivo se fazia
de instituição de práticas psicodramáticas no Rio sentir intensamente, enquanto para outros a con­
Grande do Sul, vivia-se no Brasil o regime militar dição de censura radical não era perceptível. Ao
do Golpe de 1964. Assim, a conformação das prá- mesmo tempo, as análises revelam que se vivia o
ticas psicológicas estava impregnada da repressão trabalho de grupo como um espaço de liberdade
política imposta pela ditadura militar (Scarparo, de expressão e pensamento. Provavelmente, as
2005). A relevância de tal cenário permeia alguns necessidades de convivência associada às expe­
depoimentos coletados. riências psicodramáticas favoreceram a consti­
“Tinha muita contestação ao instituído”, tuição de nichos direcionados aos relacionamentos
afirmou uma das participantes, sublinhando que o coletivos.
Psicodrama, dentre outras terapias não convencio- No fim dos anos 70 já está em curso o pro-
nais, era foco de interesse e de intensa procura na cesso de redemocratização no Brasil. Concomitante à
época. A influência do período ditatorial evidenciou- vitória da oposição ao Governo Ditatorial nas urnas,
se fortemente na interrupção da vinda a Porto Alegre começa o movimento pela formação do Comitê
de um professor comprometido com a formação do Brasileiro de Anistia (CBA). O então presidente
grupo que, mais tarde, veio a instituir a Associação ge­neral João Baptista Figueiredo decreta a Lei da
Sulriograndense de Psicodrama (ASP). No início da Anistia, permitindo o retorno dos presos políticos
década de 70, Juan Pedro Severino, uruguaio que tra- exilados ao Brasil. Além disso, parlamentares cassa-
balhava com Psicodrama Existencial, vinha à capital dos retomam seus direitos políticos. Em 1979,
gaúcha sistematicamente para auxiliar na formação é aprovada uma lei que restabelece o pluriparti-
dos profissionais fundadores da ASP. Em determi- darismo, momento em que são criados o Partido
nado momento, deixou de comparecer aos encontros dos Traba­lhadores (PT) e o Partido Democrático
programados. Conforme seu depoimento, havia um Trabalhista (PDT) (Gaspari, 2003; Scarparo, 2005).

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Nesse período, observava-se na ASP um clima de psiquiatra Armando de Abreu Pinto reunia-se para
grande descontração, que poderia ter relação com estudar psicologia existencial em Porto Alegre. Esse
o contexto político, no qual a Ditadura já mostrava grupo era formado por psiquiatras e psicólogos, e
sinais de desgaste e os esquemas de repressão esta- parte dele participou de um congresso na cidade
vam sendo desarticulados. Tal situação também era Argentina de Tandil, onde entrou em contato com o
vivida no contexto terapêutico. psiquiatra César Castilho. Este os orientou a aprofun-
As narrativas rememoraram também movi- dar os estudos de psicologia e psiquiatria existencial
mentos da sociedade civil no sentido de criar canais por meio do Psicodrama Moreniano. O professor,
de acesso à participação política (Gamson & Meyer, então, orientou-os a procurar o psicodramatista
1999), tendo como mediadoras as articulações dos Juan Pedro Severino para subsidiá-los nesse estudo.
profissionais voltados para a abordagem psicodra- Meses depois, integrantes do referido grupo foram a
mática. É o caso da utilização do Psicodrama no Montevidéu e entraram em contato com J. Severino
movimento pró-constituinte. Um dos informantes e participaram de demonstrações de suas atividades,
relatou ter participado, na década de 80, do Conselho com o psicodrama, na instituição na qual trabalhava.
Regional de Psicologia (CRPRS). Discutia-se então a Logo depois, foi convidado a vir a Porto Alegre para
necessidade de estimular a participação popular, por contribuir com a formação do grupo interessado em
meio de entidades organizadas. Assim, a Psicologia conhecer e aplicar essa abordagem. No início de 1973,
articulada ao Movimento Gaúcho Pró-Constituinte J. Severino passou a vir a Porto Alegre para proceder
passou a contribuir com esse intento. Nas discussões ao processo de formação solicitado. Os encontros
efetivadas o psicodrama foi mencionado com recursos tinham como sede a Clínica de Armando de Abreu
a ser utilizado. Assim, realizaram diversos encontros Pinto. A partir da avaliação dessa experiência foi ela-
nos quais se dramatizava um como se de um Congresso borado um programa de ensino e J. Severino passou a
Constituinte para posterior debate com os partici- viajar sistematicamente a Porto Alegre, pelo período
pantes. Houve pelo menos dois eventos como esse de um ano. Além do grupo original, mais algumas
na capital gaúcha: um no Sindicato dos Professores e pessoas foram convidadas a participar.
outro com o público que estava visitando a Feira do Como vimos anteriormente essas vindas
Livro de Porto Alegre. A primeira experiência teve foram interrompidas por questões relativas ao
a participação de quase uma centena de pessoas e o contexto de ditadura. Somente 10 ou 12 anos mais
trabalho desenvolvido na Feira do Livro contou com tarde, soube-se que o motivo da ausência do pro-
a colaboração de Leônidas Xausa, um advogado que fessor eram perseguições políticas que o levaram
era, também, suplente de senador, na época. Esse fazia a refugiar-se no México por um longo período.
um discurso a respeito do processo constituinte e, Além de J. Severino, o professor Castilho também
no fim, convidava as pessoas para uma experiência vinha a Porto Alegre para ministrar cursos sobre a
psicodramática na sala de teatro localizada na sede abordagem existencial.
dos Correios e Telégrafos. O informante acrescentou Nesse mesmo período, em São Paulo, havia
que essa iniciativa politicamente relevante foi replicada um grupo que estudava a abordagem com o portenho
em Brasília, Recife e Salvador. Rojas-Bermudez, contatado por José Fonseca Filho,
Os depoimentos evidenciam que o con- um estudioso interessado em divulgar o psicodrama.
texto político de repressão impulsionou e limitou Esse se preocupava em estudar a obra de Moreno
as práticas coletivas, articulando um complexo pro- e publicou nessa época a primeira edição do livro
cesso de interação social que conjugou estratégias Psicodrama da loucura: Correlações entre Buber e Moreno
de emancipação política e um contexto maculado (Fonseca Filho, 1980). Nesse momento, o grupo
pela repressão. gaúcho convidou Fonseca Filho para contribuir na
reativação do curso de formação em Psicodrama,
em Porto Alegre. Assim, Fonseca Filho e seu colega,
A oficialização das atividades de o psiquiatra Ronaldo Pamplona da Costa, vinham
formação e intervenção psicodramática mensalmente ministrar aulas e acompanhar práticas
do grupo em formação. Além disso, o grupo se reu-
De acordo com o material analisado, no nia semanalmente para seminários sobre a obra de
começo da década de 70 um grupo coordenado pelo Moreno e oferecia atendimento a pessoas das classes

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Psicodrama Moreniano no Rio Grande do Sul 205

populares, supervisionado pela equipe que vinha de de temas relativos ao psicodrama, como notícias
São Paulo. Em dezembro de 1977, 11 profissionais de eventos, colunas de opinião e outras produções
concluíram a formação e foi fundada a Associação dos participantes da ASP. Como se pode observar, a
Sulriograndense de Psicodrama (ASP). Em 1976, a associação organizou-se rapidamente, evidenciando
ASP passou a participar da Federação Brasileira de o desejo coletivo de articular as práticas psicológicas
Psicodrama (FEBRAP), instituição que reunia as 16 da época à abordagem psicodramática. A intensidade
entidades de psicodrama existentes no Brasil. dessa experiência também se produziu na rápida
Os fundadores da ASP passaram então a dissolução da ASP, como se mostrará a seguir.
oferecer cursos, parte ministrada por eles e parte pelos
professores oriundos de São Paulo. Além disso, havia
atividades com a colaboração de grupos de teatro de A dissolução da associação de
Porto Alegre e com outras pessoas identificadas com psicodrama no Rio Grande do Sul
o trabalho grupal. Também nesse período, um dos
integrantes da ASP começou a trabalhar na PUCRS e Apesar da intensa atividade e do rápido pro-
ofereceu um curso de extensão em Psicodrama, que cesso de consolidação, havia conflitos no cotidiano dos
mais tarde se transformou numa disciplina optativa do integrantes da associação. De acordo com as narrativas
curso de graduação em Psicologia. Mais tarde esse con- da unanimidade dos participantes desse estudo, eram
teúdo foi incluído na disciplina de Dinâmica de Grupo. frequentes as disputas entre as pessoas. Um dos fatores
Em junho de 1977, a expansão do psico- preponderantes para isso era que a partir da segunda
drama no Rio Grande do Sul era evidente. Haviam turma matriculada não foram emitidos certificados
alugado uma casa com seis salas de atendimento e, de de conclusão do curso. Isso se dava mesmo tendo
acordo com os depoimentos coletados, era lócus de em conta que a associação era filiada à FEBRAP e
intensas interlocuções teórico-práticas do Psicodrama. que maioria dos formandos cumpriu os requisitos
Em 1978, ao término da primeira gestão da FEBRAP, exigidos para a conclusão. Para alguns dos depoentes
foi feito o convite para que a ASP fosse a sede da eram evidentes os constrangimentos e crescente a
FEBRAP nos dois anos seguintes. Apesar de assus- indignação pela falta do reconhecimento oficial por
tados e um tanto perplexos pela responsabilidade, parte da instituição. São claras as implicações sociais
aceitaram o desafio, mesmo sendo um grupo jovem. desse processo, uma vez que se estabe­lecem represen-
Flávio Pinto assumiu a presidência e outros tações de não pertencimento ao grupo formalmente
colegas da ASP compuseram a diretoria da FEBRAP. instituído como de psicodramatistas. Assim, além das
Nesse período, realizaram o II Congresso Brasileiro de implicações normativas, emergem questões afetivas
Psicodrama, em Canela. O evento contou com 482 ins- da construção da identidade social (Jodelet, 2001).
crições, um número expressivo para participantes de As divergências do grupo foram se acen-
congresso naquela época. Posteriormente, passaram a tuando progressivamente. De acordo com um dos
intensificar sua dedicação ao ensino do Psicodrama: participantes a ASP, houve problemas de ordem
organizaram grupos de formação em Pelotas, em política e gerencial. Segundo ele, os novos integrantes
Florianópolis e Porto Alegre. Também ajudaram começaram a querer tomar conta da associação, o que fez
a formar instituições voltadas para o Psicodrama com que os membros fundadores começassem a se
nesses locais e passaram a trazer psicodramatistas afastar, provocando a derrocada do empreendimento.
para supervisionar os trabalhos. Entre esses se desta- Também havia divergências quanto à aplicação do
caram Dalmiro Bustos e Eduardo Pavlovski. Depois Psicodrama, pois, embora desde sua criação, a ASP
de algum tempo, os membros fundadores da ASP cumprisse um papel social no atendimento a pessoas
obtiveram o título de “supervisores em psicodrama”. com menor poder aquisitivo, a maioria dos psicodra-
A instituição organizava jornadas internas matistas da associação tinha como principal atividade
regularmente e era muito procurada para atendimento o atendimento em consultório privado. Além disso, os
psicoterápico. A formação era composta por um jogos de poder citados inviabilizavam interlocuções
módulo teórico e pelo atendimento a grupos, em entre os associados.
duplas terapêuticas, numa proposta de formação Para alguns participantes o fato de haver
em serviço. Cabe ressaltar que nesse período foi temas considerados tabus – como os jogos de
idealizado e criado o jornal O Protagonista, que tratava poder dentro da associação – produziu lacunas na

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comunicação, dificultando os processos de diálogo e Continuidade do Psicodrama após a


negociação. Assim, a extinção implicou na interrup- dissolução da ASP
ção das trajetórias de cada associado e dos projetos da
ASP. Todos os entrevistados revelaram ter realizado Quanto à continuidade das práticas psico­
grande investimento emocional na formação e na dramáticas, algumas narrativas dão conta de traje­
prática psicodramáticas, sentindo-se muito frustrados tórias predominantemente individuais, outras referem
com os rumos que a associação tomou. tentativas de rearticulação dos processos grupais.
Na versão de um deles, a decisão de extinção Além da ASP – e provavelmente como desdobra-
aconteceu por deliberação de uma assembleia geral, mento dessa experiência –, foram fundadas outras
em 1988. Explicou que começaram a existir dissen- instituições de formação em Psicodrama. É o caso
sões dentro do grupo, especialmente entre os mais dos grupos estabelecidos em Florianópolis e Pelotas.
antigos e os mais jovens na instituição. Além disso, Esses se vincularam diretamente à FEBRAP.
não existiam mais condições de manter as despesas Em Porto Alegre, alguns integrantes dos
com a sede. Ele relatou ter lutado até o final, pois temia antigos grupos de formação compraram outra casa,
que com o fim da associação, o movimento fosse se na qual promoveram cursos de formação para duas
diluir, o que acabou acontecendo. Outro participante turmas. Em função de um deles trabalhar em uma
afirmou que os fundadores da associação começaram instituição de ensino superior de Porto Alegre, a
a senti-la como um peso, em função das questões admi- expressiva demanda de profissionais interessados em
nistrativas e burocráticas. Ponderou também que os ser psicodramatistas oportunizou a instituição de um
protagonistas dessa história não foram tão dogmáticos curso de pós-graduação que aconteceu no ano 2000.
quanto deveriam. Justificou tal afirmação dizendo Era um curso de aperfeiçoamento com 160 horas. No
que um grupo formalmente instituído precisa de ano seguinte instituiu-se o curso de especialização, com
certos dogmas, e o espírito do Psicodrama não tinha 360 horas-aula, que hoje está em sua terceira edição.
essa característica, já que Moreno estava distante de Para ministrar aulas nesse curso, alguns integrantes
propostas consideradas indiscutíveis. Por exemplo, da extinta ASP têm sido convidados. Essa iniciativa
eram inúmeros os debates quanto à necessidade de engendrou processos de integração e tem articulado a
obrigar ou não as pessoas em formação a se tratarem. construção de outra etapa na história do psicodrama.
Houve um desinvestimento na medida em que cuidar da Ao mesmo tempo, tal empreendimento foi apontado
ASP se tornou um problema. como fator fundamental para uma afirmação acadê-
Outros participantes descreveram esse des- mica da teoria e do método psicodramático no Rio
fecho como traumático. Lembraram que no início da Grande do Sul. Os profissionais formados pelo curso
década de 90, após um Congresso de Psicodrama, da Faculdade de Ciências Médicas não estão vincula-
um grupo de profissionais que participou da ASP dos à FEBRAP, porém seus títulos são reconhecidos
passou a se encontrar para falar sobre o que ocorreu. pelo MEC, o que lhes confere uma legitimação oficial.
Esse grupo era, principalmente, formado por pes- A disponibilidade de todos os entrevistados
soas da segunda e da terceira turma de formação em participar da presente pesquisa também eviden-
e, mais tarde, por pessoas da quarta turma. Tinha cia a necessidade que sentem em rememorar suas
como objetivo lidar com as situações vividas no experiências com o psicodrama. Um deles aponta
decorrer do processo de instituição e dissolução da a importância da pesquisa para os rumos do psico-
ASP. Com isso, alguns se motivaram e buscaram drama em nosso meio:
concluir suas formações como psicodramatistas
em outras instituições. [...] então esta parte que vocês estão fazendo agora com
pesquisa eu acho que é fantástico... Assim, eu acho que
[...] algumas pessoas talvez não tivessem mais vontade de realmente é algo, é algo que vem mais uma vez como
participar de uma clínica social, esses antigos professores, um movimento saudável, pra entender o processo, pra
porque era o nosso interesse que estávamos começando entender a história, pra aprender com a história, né?
[...] foi bem frustrante, né? [...], e isso então que me (entrevista concedida aos autores).
fez, né, especialmente assim como trajetória pessoal,
continuar os estudos com [...] pessoas muito engajadas A reflexão que hoje os ex-associados, com
politicamente (entrevista concedida aos autores). esta nova geração de psicodramatistas, conseguem

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Psicodrama Moreniano no Rio Grande do Sul 207

fazer ao pensar a história do psicodrama no Rio Ressalta-se a importância de conhecer e


Grande do Sul permite que se possa realmente associar as especificidades da constituição de abor-
aprender com os eventos passados, levando em dagens psicológicas com questões do contexto social,
conta, especialmente, a necessidade de se preservar histórico e político.
o aspecto instituinte desse movimento. Foi apontado Um relevante aspecto a ser apontado
por alguns entrevistados o aspecto de que, por meio se refere ao contexto histórico-político no qual
de contatos informais, mesmo ocasionais, a história se estabeleceram os primórdios do psicodrama
do psicodrama no Rio Grande do Sul não terminou no Rio Grande do Sul. É curioso observar que,
com a dissolução da ASP, permanecendo como um num período pautado pela ditadura, e por isso por
germe que se movimentava subterraneamente e fortes restrições à cidadania e à vida civil, grupos
que hoje eclode tanto na formação de profissionais, voltados para a compreensão e para o tratamento
como especialmente na criação de outros espaços do sofrimento psíquico buscassem nas abordagens
de interlocução. Mais uma vez um participante do existenciais e nas técnicas psicodramáticas respaldo
estudo sintetiza o conteúdo presente nesta história: para suas atividades e projetos profissionais. Essa
a revelação do drama é o que vai nos confirmando. escolha poderia ser atribuída às possibilidades de
Além do curso anteriormente referido, compreensão e problematização das circunstâncias
existem outras propostas de qualificação profissional humanas oferecidas por tal aporte. Além disso, o
de terapeutas por meio de técnicas psicodramáticas. movimento existencialista pode ser considerado
Além disso, atualmente o Psicodrama tem sido ferra- como uma poderosa força do pensamento moderno
menta amplamente utilizada para tratar de questões e seus expoentes privilegiaram a compreensão do
humanas em diferentes contextos. São citadas ativi- todo da existência, tendo em vista as limitações do
dades com essa abordagem em tarefas acadêmicas, campo existencial, os diferentes modos de estar
tanto no âmbito administrativo como curricular. no mundo, bem como as diversas possibilidades
Também são utilizadas técnicas psicodramáticas em de ser e de interpretar a si mesmo. Provavelmente,
atividades voltadas para as práticas desenvolvidas no tais possibilidades poderiam estabelecer espaços
âmbito das políticas sociais, entre outras. Dois dos alternativos e de resistência à repressão, uma vez
entrevistados lembraram-se de uma atividade que que a abordagem existencialista sugere a integração
desenvolveram em 2005, com a equipe da Escola indivíduo no mundo e a apreensão das experiências
de Saúde Pública do Estado. Outro recordou a no aqui-agora, tendo em vista espaços de humani-
dramatização que coordenou com a participação zação. Nesses espaços podem se estabelecer críticas
de meninos de rua, no Parque da Redenção, em sociais no que tange aos processos de alienação,
Porto Alegre. Essa atividade tinha como temática a fragmentação, burocracia e mecanização, levando
indagação: “que mundo queremos?” o sujeito a assumir a responsabilidade por sua exis-
Cabe destacar ainda as promoções sistemá- tência (Hall & Lindzey, 1984). Provavelmente, em
ticas de eventos com essa abordagem nos Fóruns tempos de ditadura e consequente anulação da vida
Sociais Mundiais, em Porto Alegre. No primeiro, por civil, encontrar abordagens que atribuem ao ser a
exemplo, foi organizado um psicodrama simultâneo responsabilidade pela própria existência poderia sig-
com profissionais psicodramatistas de vários locais do nificar o estabelecimento de processos criativos que
mundo. Alguns desses trabalhos foram apresentados resultassem na busca de estratégias emancipatórias.
em congressos, como esclarece um dos entrevistados, Devemos considerar também que o psico­
mas ainda carecem de maior divulgação. drama moreniano tem como marca as críticas sociais
e o rompimento com abordagens tradicionais e
lineares de produção de pensamentos e de cons-
Discussão trução de intervenções no campo da psicologia.
Dentre suas especificidades figuram a necessidade
Os resultados do presente estudo revelaram de expressar sentimentos e emoções, a valorização
processos históricos de constituição dessa aborda- dos movimentos, o estímulo à criatividade com
gem no contexto gaúcho e brasileiro, que podem a inclusão de expressões lúdicas. Sendo assim, a
nos auxiliar na compreensão das práticas que se inserção dessa abordagem e sua permanência nas
efetivaram no âmbito da Psicologia a partir de então. práticas profissionais contemporâneas denotam a

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208 Scarparo, H. B. K., Moraes, M. L. A., Almeida, C. C. R., Ballardim, G.

vitalidade dessa proposta e o potencial simultanea- Gamson, W., & Meyer, D. (1999). Marcos interpretativos de la
mente transformador e integrador que ela encerra. oportunidad política. In D. Mc Adam, J. Mc Carthy, &
Ao mesmo tempo em que rompe com abordagens M. Zald (Org.). Movimientos sociales: Perspectivas
ortodoxas, favorece sua transformação, na medida comparadas. Madrid: Istmo.
da utilização das ferramentas psicodramáticas nas
Gaspari, H. (2002). A ditadura envergonhada. São
práticas de diferentes tendências teóricas. Exemplo
Paulo: Companhia das Letras.
disso foi evidenciado nas narrativas dos participantes
da pesquisa ao se referirem à organização de grupos Gonçalves, C., Wolff, J., & Almeida, W. (1988). Lições
de formação em psicodrama psicanalítico. do psicodrama: Introdução ao pensamento de
Nas narrativas e documentos analisados J. Moreno. São Paulo: Ágora.
sobressai a marca da contínua luta por instituição
Hall, C., & Lindzey, G. (1984). Teorias da personalidade.
e confronto com o pressuposto psicodramático da
São Paulo: EPU.
espontaneidade. Essa questão denota ambigui­
dade do grupo protagonista da instituição do psico­ Jodelet, D. (2001). As representações sociais. Rio de
drama no Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo em Janeiro, Ed. UERJ.
que gostaria de legitimar um espaço formal para
Jovchelovitch, S., & Bauer, M. (2002). Entrevista narrativa.
a abordagem, essa instituição poderia engessar
In M. Bauer, & G. Gaskell. Pesquisa qualitativa
aspec­­tos relativos à espontaneidade e à critica às insti­
contexto, imagem e som: Um manual prático
tuições formais, características do pensamento de
(pp. 113-90). Petrópolis: Vozes.
Moreno (1972).
Como se pode observar, pesquisar os Lane, S. (1996). Para pensar... e depois fazer! Psicologia
diferentes componentes históricos relativos à cons- e Sociedade, 8(1), 3-15.
trução de espaços relacionais humanos consiste
Moraes, R. (1999). Análise de conteúdo. Educação,
em intensos processos de produção de significa-
37(1), 7-32.
dos. Neles se volta ao passado e se ressignifica o
presente. Tal movimento ficou demonstrado pelos Moreno, J. (1972). Psicodrama. Buenos Aires: Hormé.
resultados desse estudo, pois com as memórias do
Moreno, J. (1993). Psicoterapia de grupo e psicodrama.
passado efetivaram-se novos projetos e realizações
Campinas: Editorial Psi.
no “universo psi”.
Rojas-Bermudez, J. (1970). Introdução ao psicodrama.
São Paulo: Mestre Jou.
Referências
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Grande do Sul: Registros da construção de um
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saber-agir. Porto Alegre: EDIPUCRS.
(1975). O protagonista. Porto Alegre: Associação
Sulriograndense de Psicodrama. Scarparo, H. (2008). Pesquisa histórica em psicologia. In
H. Scarparo (Org.). Psicologia e pesquisa (pp. 107-
Bezerra, D. (2002). Psicodrama. In E. Kahale. (Org.).
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A diversidade da psicologia: Uma construção
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