Faz parte de uma antiquíssima tradição na Igreja dividir a
vida espiritual em três idades (também chamadas de graus ou vias), correspondentes ao estágio em que se encontra uma alma no desenvolvimento da virtude da caridade (cf. S. Th., II-II, q. 24, a. 9). Há, assim: (i) a via purgativa, dos principiantes; (ii) a via iluminativa, dos progredidos; e (iii) a via unitiva, dos perfeitos.
Para tanto, além de considerar as três idades da vida
interior, cabe recorrer à linguagem do sacerdote dominicano Réginald Garrigou-Lagrange, que fala também de três conversões a abrir cada uma das fases do caminho de perfeição. Em que consiste a primeira conversão? A primeira conversão é um despertar da alma para a eternidade, cair em si de que, de verdade, existe céu, inferno, o pecado é real, o pecado é a fonte de todo mal, desgraça da vida humana. Reconhecer-se pecador.
O símbolo da escada é muito usado na espiritualidade
cristã. Pela "escada" subimos até Deus e descemos até aos irmãos. Deus desce até nós e nós subimos até Ele. Vamos meditar sobre os três degraus da vida espiritual, conhecido também como três etapas, três vias da espiritualidade cristã.
1. A via purgativa. É a etapa da purificação do coração,
do combate ao pecado, da constante conversão. A etapa purgativa, significa limpeza, penitência, noites escuras, provações e chama-se também de ascese. Quer dizer, a subida até Deus, requer o desapego criaturas, e a descoberta de quem somos nós e de quem é Deus. A via purgativa se caracteriza pela dor, vergonha, arrependimento pelos pecados. Há uma compreensão da gravidade, do perigo, da crueldade do pecado, com o desejo de crescer, melhorar, santificar-se.
A ascese, a via purgativa equivale ao tomar a cruz de cada
dia, entrar pela porta estreita, renunciar-se a si mesmo, adquirir sensibilidade espiritual com o desejo de ser livre do mal. Esta purificação atinge o entendimento, a vontade, a memória. Trata-se de ordenar os afetos desordenados, trabalhar o defeito principal, suportar tentações, aceitar provações, adquirir forças para agir contra o que afasta de Deus.
Via purgativa é arrumar a casa, trabalhar o ego profundo,
curar feridas. Passa-se por experiências de desânimo, desolação, aridez. É necessário muita oração, leitura e direção espiritual, confissão para que seja extirpada a raiz do mal. Os frutos desta etapa são: o conhecimento de si, aproximação de Deus, amor ao próximo, humildade, crescimento nas virtudes.
É a etapa da purificação do coração, do combate ao
pecado, da constante conversão. A etapa purgativa, significa limpeza, penitência, noites escuras, provações e chama-se também de ascese. Quer dizer, a subida até Deus, requer o desapego às criaturas, e a descoberta de quem somos nós e de quem é Deus. A via purgativa se caracteriza pela dor, vergonha, arrependimento pelos pecados. Há uma compreensão da gravidade, do perigo, da crueldade do pecado, com o desejo de crescer, melhorar, santificar-se. O início do caminho da purificação é cheio de entusiasmo e alegria. A alma descobriu o companheiro de sua alma. Cristo está constantemente em seus pensamentos e afazeres. As alegrias se tornam mais efusivas e as coisas dolorosas menos dolorosas. A princípio a alma acha um gosto extraordinário em todas as coisas exteriores que considera santificadas pela presença de Cristo: a organização humana da Igreja, as funções litúrgicas, a música, a união da comunidade,... Entra-se, então, por caminhos de generosidade para com as coisas de Deus e para com os outros, com um correspondente esquecimento próprio. É normal que muitos parem neste primeiro estágio da via da purificação, ou porque não têm orientação na Confissão ou porque se dão por "satisfeitos"...
O que progride entra por caminhos de contrição pelas
ofensas a Deus (próprias e alheias), a vontade de lutar contra os próprios defeitos e ganhar virtudes, e a preocupação por cumprir a vontade de Deus a cada instante do dia, numa busca por agradá-Lo mais e mais. Quando se avança na via da purificação a alma ganha delicadeza e sensibilidade, e aí costuma vir a desilusão com realidades desconcertantes: uma desunião na comunidade, a descoberta de defeitos humanos em um Sacerdote, um escândalo qualquer, uma arbitrariedade por parte de um Bispo num assunto de governo da Diocese ... Esta alma descobre que há uma vertente humana associada às coisas divinas. Se trata-se de uma alma superficial, perderá a amizade que já tinha por Cristo ou procurará outra religião; mas há aquela que aprende a lição de que a divindade não está nas coisas terrenas, a verdadeira alegria não está em coisas exteriores. Esta continua no caminho, crescendo em delicadeza de alma e em vida interior.Seguem-se as desilusões interiores: a constatação da falta de força de vontade na luta contra os próprios defeitos, do medo ao sacrifício, do apego às coisas materiais, da falta de sensações e "recompensas" na oração e na Comunhão... Se trata-se de uma alma orgulhosa, teremos então um desiludido, um amargo pessimista das coisas espirituais; há, entretanto, outra que, humilhando-se, aprende a lição de que deve desiludir-se de si mesma, entendendo que nada pode sozinha e que é um zero à esquerda. Enfrenta o fato de que deve ser Cristo quem deve ser tudo. Começa então a conhecer sua ignorância e sua fragilidade, a descobrir o seu espantoso egocentrismo e a sua auto- complacência. Aprende a não esperar nada em reciprocidade e a esvaziar-se de si mesma. Vê que não há nela bem algum fora de Cristo, Ele deve ser tudo e ela nada. Ainda aqui, há o risco de desistir de prosseguir por causa de uma falsa humildade que a leva ao convencimento de que não merece avançar. A ascese, a via purgativa equivale a tomar a cruz de cada dia, entrar pela porta estreita, renunciar-se a si mesmo, adquirir sensibilidade espiritual com o desejo de ser livre do mal. Esta purificação atinge o entendimento, a vontade, a memória. Trata-se de ordenar os afetos desordenados, trabalhar o defeito principal, suportar tentações, aceitar provações, adquirir forças para agir contra o que afasta de Deus.
Via purgativa é arrumar a casa, trabalhar o ego profundo,
curar feridas. Passa-se por experiências de desânimo, desolação, aridez. É necessário muita oração, leitura e direção espiritual, Confissão, para que seja extirpada a raiz do mal. Os frutos desta etapa são: o conhecimento de si, aproximação de Deus, amor ao próximo, humildade, crescimento nas virtudes.
A alma verdadeiramente humilde confirma-se na via da
purificação e se lança à uma nova via, a da Iluminação.
O CASTELO INTERIOR graus de santidade, Santa Teresa
(A) Ausência total de vida cristã São as almas dos pecadores endurecidos, que vivem habitualmente em estado de pecado, sem preocupar-se em sair dele. A maior parte deles peca por ignorância ou fragilidade, mas não faltam os que se entregam ao pecado por uma fria indiferença ou até por obstinada e satânica malícia. Em alguns casos, verifica-se ausência total de remorso e voluntária supressão de toda oração ou recurso a Deus. (B) Verniz cristão Pecado mortal: Considerado como de pouca de importância ou facilmente perdoável. Essas almas se colocam imprudentemente em todo tipo de ocasião de pecado e sucumbem com a maior facilidade a qualquer tentação. Práticas de piedade: Missa dominical, freqüentemente omitida por pretextos fúteis; confissão anual – omitida às vezes – feita rotineiramente, sem espírito interior, sem ânimo de sair definitivamente do pecado. Às vezes, algumas orações vocais sem atenção e sem verdadeira piedade, pedindo sempre bens temporais, saúde, riquezas, bem-estar. Via purgativa: caridade incipiente Quando a alma começa a desejar com toda sinceridade viver de forma cristã, entra na via purgativa, também chamada de primeiro grau da caridade. Suas disposições fundamentais são descritas por Santo Tomás do seguinte modo: “No primeiro grau, a preocupação fundamental do homem é a de apartar-se do pecado e de resistir às inclinações da concupiscência, que se movem em sentido contrário à caridade. E isto é próprio dos principiantes, que a caridade deve ser alimentada e fomentada para que não se corrompa”. Vejamos agora os graus em que se podem subdividir essa via purgativa, primeiro grau da caridade: 1. As almas crentes (primeiras moradas de Santa Teresa) Pecado mortal: Pouco combatido, mas sincero arrependimento e verdadeiras confissões. Com freqüência se colocam em ocasiões de pecado voluntariamente. Pecado venial: Nenhum esforço para evitá-lo. Se lhe dá pouquíssima importância. Práticas de piedade: As preceituadas pela Igreja, com algumas omissões. Às vezes, algumas práticas supra- rogatórias. Oração: Puramente vocal, poucas vezes e com muitas distrações. Pedidos humanos, voltados aos interesses temporais, raramente de ordem espiritual. 2. As almas boas (segundas moradas) Pecado mortal: Sinceramente combatido. Às vezes se colocam em ocasiões de pecado, ao que se segue alguma queda. Sincero arrependimento e pronta confissão. Pecado venial: Às vezes, plenamente deliberado. Luta débil, arrependimento superficial, recaídas constantes na murmuração, etc. Práticas de piedade: Freqüência aos sacramentos (primeiras sextas, festas principais, etc.). Às vezes, missa diária, mas com pouca preparação. Rosário em família, omitido com facilidade. Oração: Em geral, orações vocais. Às vezes, algum momento de meditação, mas com pouca fidelidade e muitas distrações voluntárias. 3. As almas piedosas (terceiras moradas) Pecado mortal: Raríssima vez. Vivo arrependimento, confissão imediata, são tomadas precauções para evitar as recaídas Pecado venial: Sinceramente combatido. Exame particular, mas com pouca constância e escasso fruto. Práticas de piedade: Missa e comunhão diárias, mas com certo espírito de rotina. Confissão semanal, com escassa emenda dos defeitos. Rosário em família. Visita ao santíssimo. Via crucis semanal, etc. Oração: Meditação diária, mas sem grande empenho em fazê-la bem. Muitas distrações. Omissão fácil, sobretudo quando surgem aridez ou ocupações, que se poderiam evitar sem faltar aos deveres do próprio estado. Com freqüência, oração afetiva, que tende a simplificar-se cada vez mais. Começa a noite dos sentidos, como caminho para a via iluminativa. Via iluminativa: caridade proficiente Quando a alma se decide a empreender uma vida solidamente piedosa e a adiantar-se no caminho da virtude, significa que entrou na via iluminativa. Sua principal preocupação, segundo Santo Tomás, é crescer e adiantar- se na vida cristã, aumentando e inflamando a caridade. Subdivide-se em três graus: 4. As almas incandescentes (quartas moradas) Pecado mortal: Nunca. No máximo, algumas surpresas violentas e imprevistas. Nestes casos, pecado mortal duvidoso, seguido de um vivíssimo arrependimento, confissão imediata e penitências reparatórias. Pecado venial: Séria vigilância para evitá-lo. Raramente deliberado. Exame particular orientado seriamente para combatê-lo. Imperfeições: A alma evita examinar-se detalhadamente acerca das imperfeições, para não se ver obrigada a combatê-las. Ama a abnegação e a renúncia de si mesmo, mas até certo ponto e sem empreender grandes esforços Práticas de piedade: Missa e comunhão diárias com fervorosa preparação e ação de graças. Confissão semanal diligentemente praticada. Direção espiritual encaminhada ao adiantamento no caminho da virtude. Terna devoção à Virgem Maria. Oração: Fidelidade na oração, apesar da aridez e da secura da noite do sentido. Oração de simples olhar, como transição para as orações contemplativas. Em momentos de particular intensidade, oração de recolhimento infuso e quietude. 5. As almas relativamente perfeitas (quintas moradas) Pecado venial: Deliberadamente nunca. Alguma vez por surpresa ou com pouca advertência. Vivamente chorado e seriamente reparado. Imperfeições: Reprovadas seriamente, combatidas de coração para agradar a Deus. Alguma vez deliberadas, mas rapidamente deploradas. Atos freqüentes de abnegação e de renúncia. Exame particular encaminhado ao aperfeiçoamento de uma determinada virtude. Práticas de piedade: Cada vez mais simples e menos numerosas, mas praticadas com ardente amor. A caridade vai tendo uma influência cada vez mais intensa e atual em tudo o que faz. Amor à solidão, espírito de desapego, ânsia de amor a Deus, desejo do Céu, amor à cruz, zelo desinteressado, fome e sede da comunhão. Oração: Vida habitual de oração, que vem a constituir como que a respiração da alma. Oração contemplativa de união. Com freqüência, purificações passivas e epifenômenos místicos. Via unitiva: caridade perfeita Quando a vida de oração constitui como que o fundo e a respiração habitual de uma alma, inclusive no meio de suas ocupações e deveres do próprio estado, que cumpre fielmente; quando a íntima união com Deus e o encaminhamento ao cume da perfeição cristã constitui o objetivo supremo da sua vida, a alma entra na vida unitiva. Sua preocupação fundamental, segundo Santo Tomás de Aquino, é unir-se a Deus e gozar d’Ele. Esta via se subdivide nos seguintes graus principais: 6. As almas heróicas (sextas moradas) Imperfeições: Deliberadas nunca. Às vezes, impulsos semi-advertidos, mas rapidamente rechaçados; Práticas de piedade: Cumprem com fidelidade cuidadosa todas as existentes em seu estado e condição de vida, mas se preocupam somente em unir-se cada vez mais intimamente com Deus. Desprezo de si mesmo até o esquecimento; sede de sofrimentos e tribulações (“ou padecer ou morrer”); penitências duríssimas e ânsia de total imolação pela conversão dos pecadores. Oferecimento como vítimas. Oração: Dons sobrenaturais de contemplação quase habitual. Oração de união muito perfeita, com freqüência extática. Purificações passivas, noite do espírito. Desposório espiritual. Fenômenos concomitantes e graças gratis dadas. 7. Os grandes santos (sétimas moradas) Imperfeições: Apenas aparentes Práticas de piedade: Em realidade se reduzem ao exercício do amor. “Que já só o amar é o meu exercício” (São João da Cruz) Seu amor é de uma intensidade incrível, mas tranqüilo e sossegado; não bruxeleia a chama, porque já se converteu em brasa. Paz e serenidade inalteráveis, humildade profundíssima, unidade de olhares e simplicidade de intenção. “Só mora neste monte a honra e a glória de Deus” (São João da Cruz). Oração: Visão intelectual. – “Por certa maneira de representação da verdade” (Santa Teresa) – da Santíssima Trindade na alma. União transformante. Matrimônio espiritual. Às vezes, confirmação em graça. Tal é, em suas linhas fundamentais, o caminho que soem recorrer as almas em sua ascensão à santidade. Dentro dele cabem uma infinidade de matizes – não existem duas almas que se assemelhem inteiramente -, mas o diretor experimentado que se fixe cuidadosamente nas características gerais que acabamos que descrever poderá averiguar com muita aproximação o grau de vida espiritual alcançado por uma determinada alma. Fonte: P. Antonio Royo Marin O.P.
Teologia ascendente e descendente
"A pessoa do Cristo histórico não nos interessa; apenas a mensagem que Deus faz chegar até nós por meio dele diz respeito ao nosso destino." Essa concepção de Bultmann, trata-se, portanto, antes de "teologia" do que de cristologia. Já para K. Barth, toda teologia se baseia sobra a Palavra de Deus e esta não se baseia sobre a fé, mas que esta (a fé) é resposta a Palavra. Embora reconheça em Jesus o Filho de Deus, isto é, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, uma só pessoa em duas naturezas, entretanto, insiste de tal maneira no sujeito divino da encarnação que a humanidade de Jesus parece ficar desvalorizada. Qualifica a esta de tempo de habitação, de veste ou de órgão, e lhe recusa uma verdadeira função reveladora. Rejeita formalmente o monofisismo (o ponto de vista cristológico que defende que, depois da união do divino e do humano na encarnação histórica, Jesus Cristo, como encarnação do Filho ou Verbo (Logos) de Deus, teria apenas uma única "natureza", a divina, e não uma síntese de ambas. O monofisismo é contraposto pelo diofisismo (ou "diafisismo"), que defende que Jesus preservou em si as duas naturezas.), mas considera por exemplo a essência do homem Jesus como sendo constituída pela realidade divina, na qual a realidade humana está compreendida. Nesse teólogo há uma tendência "divinizante". "a aparente absorção da realidade humana de Cristo na sua realidade divina, a aparente exterioridade da primeira, considerada como simples órgão, figura ou habitação da segunda, são, a nosso ver, em contextos diferentes, o resultado de uma mesma orientação geral, a saber, aquela que tenta reduzir a parte humana na pessoa, como também na ação, do Verbo encarnado. Tomemos este texto bem característico: 'É o verbo que fala, que age, que conquista a vitória, revela, concilia. Portanto, o verbo encarnado, é verdade... o Verbo na carne e pela carne, - mas o Verbo, e não a carne". O tema centra da Bíblia é a divindade de Deus. Cristologia de baixo A cristologia "de baixo" se desenvolveu principalmente em oposição à tese radical de Bultmann, que desligava do Jesus histórico o querigma e a existência na fé. Ela afirma que é possível alcançar, através do testemunho neotestamentário, a figura histórica de Cristo e que, teologicamente, esta figura deve ser posta como fundamento da fé no Filho de Deus. "A respeito de Jesus nada se pode anunciar, na perspectiva cristológica, que não esteja fundado sobre o próprio Jesus histórico". (G. Ebeling). "O cristianismo existe e cai pela ligação que tem ou não com sua origem histórica de outrora. Isto significa, antes de mais nada, que o cristianismo é uma grandeza histórica." W. Pannemberg considerado o principal teólogo desta corrente expôs a questao da seguinte forma: "O objeto da cristologia é, em primeiro lugar, o Jesus de outrora ou o Jesus presente hoje? Claro, os dois não se excluem necessariamente. O Jesus pregado hoje não é um outro, diferente daquele que viveu um dia na Palestina e foi cruxificado sob Pilatos, e o inverso também é verdade. Há entretanto uma grande diferença entre estes dois métodos possíveis: procurar compreender a pregação atual que nos diz, a partir do que aconteceu outrora, quem é Jesus e o que ele representa para nós, ou, ao contrário, não falar desse passado senão em segundo lugar e somente à luz daquilo que sobre isso fala hoje a pregação. Em outras palavras, isso significa perguntar se a cristologia deve começar por Jesus mesmo ou pelo querigma da comunidade." Para W. Pannemberg, o Jesus histórico é o ponto de partida. "A tarefa da cristologia é fundamentar na história de Jesus o verdadeiro conhecimento de sua significação, a qual se pode resumir nestas palavras: Deus se revelou neste Homem". Todas as afirmações do cristianismo primitivo nasceram desta história, como também as teses cristológicas formuladas mais tarde na Igreja; essas teses devem ser verificadas à luz da história de Jesus. A cristologia de cima parte da divindade de Jesus e tem por centro a idéia da encarnação. A cristologia de baixo sobe do homem histórico, Jesus, até o reconhecimento de sua divindade, e só em último lugar chega à idéia da encarnação. A teologia Católica é no sentido de que o método em cristologia não poderá pressupor uma prioridade da pesquisa em relação a fé. Não se poderá proceder como se a fé devesse resultar da investigação levada segundo as leis da história, nem como se a imagem dogmática de Cristo fosse fornecida em primeiro lugar por sua visão histórica. O que vem em primeiro lugar é um dado de fé. Não há dúvida de que a investigação histórica é necessária, mas não parece que se possa falar, em sentido próprio, nem de verificação nem de demonstração das afirmações de fé pela história. Uma verificação suporia que tudo aquilo que é afirmado pela fé seria acessível, sob todos os aspectos, à pesquisa histórica e deveria encontrar nesta o fundamento de sua verdade. Uma demonstração implicaria numa prova elaborada segundo o método histórico. Isso exigiria que a investigação histórica teria que decidir, em última instância, a respeito do objeto da fé, e que o grau de certeza da fé seria aquele que as conclusões da história podem fornecer. Ora, a fé comporta uma certeza mais forte que a da ciência histórica. A fé possui uma certeza superior porque ela adere à Palavra de Deus, a uma revelação que, mesmo se realizando na história, ultrapassa a história pela verdade que ela propõe. Na afirmação de que o Filho de Deus se encarnou há uma realidade que vai além de todas as constatações históricas, ainda que ela se manifeste na vida histórica de Jesus. Em si mesma, tal afirmação jamais poderá ser objeto de uma verificação ou de uma demonstração, se estas se limitarem estritamente às leis da história. Esvaziando a fé de quase todo seu conteúdo histórico, tira-se-lhe a substância, ela é destruída. Diferentemente de outras religiões, que se baseiam em mitos, o cristianismo repousa sobre um acontecimento de salvação que se realizou na história. A entrada do Filho de Deus na história humana é que opera a verdadeira desmitização. O mito não designa toda representação da divindade e de suas relações com os homens, mas especifica uma representação que é devida ao pensamento e à imaginação humanos. O mito pode fazer aparecer traços autênticos de Deus e de sua obra de salvação, mas ele (o mito) se situa fora da história, e não pode exprimir a manifestação autêntica de Deus neste mundo, sua intervenção em nossa história para nos salvar. Assim, é o Cristo que livra a humanidade de seu aprisionamento mitológico. O engajamento pessoal do Filho de Deus na realidade da história destrói toda pseudo-história. Ele mostra, por contraste, a ficção das representações míticas. É por essa razão que o cristianismo não absorveu as religiões pagãs, mas as eliminou. A história não se pode nutrir de mitos; ela os exclui. Se a teologia quer continuar a obra de desmitização feita por Cristo, então ela deve fazer um esforço incessante para exprimir melhor o que foi o Jesus da história, o que ele disse e fez. Aquele que cre em Cristo aspira a descobrir a figura real, objetiva, de Jesus. A fé implica numa abertura total a verdade. A fé em Cristo implica numa fé em Deus que é adesão à verdade absoluta. Essa adesão consiste num apego a tudo que reflete aquela verdade no mundo, a tudo que é participação finita do verdadeiro infinito. A fé implica numa preocupação primordial de alcançar a verdade em toda parte onde ela puder se encontrar. O que é que pode, então, a fé esperar da pesquisa histórica, se não pode receber dela nem verificação nem demonstração? A fé pede à pesquisa esclarecer com mais precisão o Cristo em quem ela crê. Além disso, essa investigação faz compreender melhor ao crente por que ele crê: a investigação esclarece não somente o objeto da fé, mas também seus motivos. Ela seria incapaz, já o dissemos, de esclarecer o fundamento decisivo da fé, mas pode mostrar que na ordem do conhecimento histórico há sólidas razões para admitir a existência e a obra de jesus assim como a Igreja as professa em sua fé. A revelação não nos é endereçada diretamente por uma iluminação interior que nos faça aderir ao Filho de Deus. Ela se produz no homem Jesus, e tudo que podemos saber do Filho de Deus, nos é dado pelas palavras, pelos gestos e acontecimentos da existência humana de Jesus de Nazaré. Por conseguinte, sempre continua sendo ele a figura humana que nós devemos perscrutar para descobrir a identidade do Salvador. Foi à luz da ressureição e de Pentecostes que a Comunidade primitiva compreendeu e interpretou a vida terrestre de Jesus. É no interior da fé em Cristo ressuscitado que se opera o conhecimento de toda sua existência humana. Foi a fé judaica em Deus que precedeu historicamente a fé cristã em Jesus. No judaísmo, a revelação essencial foi de um único Deus. A manifestação de Deus em sua aliança com o povo judeu preparou a vinda de Cristo. Segundo esse quadro, o caminhar do Antigo Testamento para o Novo desce de Deus para o homem Jesus. Para a obra da salvação, o estrito monoteísmo judeu não fornece senão um único ponto de partida, que é Deus mesmo. Devemos, aliás, acrescentar que mesmo o movimento que vai do homem a Deus aparece como suscitado por Deus mesmo, pois é Deus que dá um nome divino ao messias e lhe atribui a qualidade de filho. Quando a gente se aproxima do Novo Testamento, se vê que essa direção descendente se impõe na reflexão sobre a origem de Jesus. Pelo fato de Jesus se ter revelado como filho de Deus, devemo-nos necessariamente interrogar sobre o trajeto, da existência divina à existência humana, que a vinda do filho do homem supõe. O mistério mais profundo que a cristologia não pode deixar de explorar reside no próprio ato da encarnação. Sob o ponto de vista da pesquisa bíblica, a direção descendente é primordial em razão da revelação que Deus fez de si mesmo ao povo judeu: o homem Jesus não surge em meio humano qualquer, mas no seio do povo que fez aliança com o verdadeiro Deus; ele se apresenta como o fruto e o cumprimento das promessas divinas de salvação.