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Mar 6 · 56 min read

Comunização e Teoria da Forma de Valor


Endnotes

Bob May

Introdução[1]

A forma de valor do produto do trabalho é a forma mais abstrata mas


também mais geral do modo burguês de produção, que assim se
caracteriza como um tipo particular de produção social e, ao mesmo
tempo, um tipo histórico.[2]

Na Endnotes 1, descrevemos o surgimento da teoria da comunização na


França nos anos seguintes ao maio de 68. O texto que segue e outros
nesta edição operam nesta perspectiva da comunização, mas também
se valem bastante dos desenvolvimentos teóricos na área da teoria
marxiana da forma de valor e, em particular, da tendência da “dialética
sistemática” que surgiu em anos recentes[3].

Marx foi claro ao dizer que o que distinguia sua abordagem e o que a
tornava uma crítica ao invés de uma continuação da economia política
era sua análise da forma de valor. Em sua célebre exposição d’“O
caráter fetichista da mercadoria e seu segredo”, ele escreve:

É verdade que a economia política analisou, mesmo que incompletamente,


o valor e a grandeza de valor e revelou o conteúdo que se esconde nessas
formas. Mas ela jamais sequer colocou a seguinte questão: por que esse
conteúdo assume aquela forma, e por que, portanto, o trabalho se
representa no valor e a medida do trabalho, por meio de sua duração
temporal, na grandeza de valor do produto do trabalho? Tais formas, em
cuja testa está escrito que elas pertencem a uma formação social em que o
processo de produção domina os homens, e não os homens o processo de
produção, são consideradas por sua consciência burguesa como uma
necessidade natural tão evidente quanto o próprio trabalho produtivo.[4]

Apesar destas a rmações de Marx, a conexão entre a forma de valor e o


fetichismo — a inversão na qual os homens são dominados pelos
resultados de sua própria atividade — não teve um papel proeminente
na interpretação d’O Capital até os anos 1960. Ao invés disso, relatos da
“teoria econômica de Marx” enfatizaram o argumento aparentemente
simples nas duas primeiras seções do capítulo 1 d’O Capital, no qual o
trabalho é identi cado como estando por trás do valor das mercadorias.
As duas últimas seções do capítulo — sobre a forma de valor e o
fetichismo — foram tomadas como uma maneira mais ou menos
complicada de descrever o mercado, e foram rapidamente ignoradas.
Assim, não foi explorada a maneira cuidadosa com a qual Marx
distinguiu sua compreensão da economia política clássica de
Ricardo[5].

Quando marxistas insistiam na “teoria do valor-trabalho”, o faziam em


termos da questão quantitativa da substância e magnitude do valor ao
invés da questão qualitativa da forma de valor. Contra a revolução
neoclássica na economia burguesa, que rejeitou a teoria do valor-
trabalho, os marxistas tendiam a reiterar a posição clássica de que o
trabalho é a substância do valor e que o valor é trabalho incorporado no
produto. Como os economistas políticos clássicos, os marxistas foram
incapazes de abordar a peculiaridade do processo social de redução que
é necessário para que tais magnitudes sejam comparadas. Isto quer
dizer que não perguntaram por que o trabalho aparece na forma de
valor de seu produto e que tipo de trabalho pode fazê-lo. Porém, como
indica Marx, é só ao se compreender a complexidade da forma de valor
que se pode compreender as formas subsequentes do dinheiro e do
capital, ou como a atividade humana assume a forma da acumulação
de capital.

Para Marx, a forma de valor é uma expressão do duplo caráter do


trabalho no capitalismo — seu caráter como trabalho concreto que
aparece no valor de uso da mercadoria, e seu caráter como trabalho
abstrato que aparece na forma de valor. Embora o trabalho abstrato
seja especí co ao capitalismo, a incapacidade de distinguir
propriamente estes dois aspectos do trabalho quer dizer que a forma de
valor é tomada como uma expressão do trabalho humano natural
simples como tal. O trabalho como conteúdo ou substância do valor era
visto como trabalho siológico — algo independente de sua forma
social. Aqui, a substância é tomada como algo que reside naturalmente
no objeto, mas, para Marx, o trabalho abstrato e o valor são mais
peculiares que isto. O valor é uma relação ou processo que se desdobra
e se mantém através de diferentes formas — em um momento dinheiro,
no próximo mercadorias que compõem o processo de trabalho
(incluindo a mercadoria força de trabalho), no próximo a mercadoria
nalizada, e então novamente o dinheiro — mantendo sempre uma
relação em sua forma-dinheiro a sua forma-mercadoria e vice-versa.
Para Marx, então, o valor não é a incorporação de trabalho na
mercadoria, nem uma substância não semovente. É, ao contrário, uma
relação ou processo que domina aqueles que lhe dão suporte: uma
substância que é simultaneamente sujeito. Contudo, na tradição
marxista ortodoxa não havia reconhecimento de que o “trabalho
abstrato” era uma formatação social e historicamente especí ca de uma
parte da atividade humana, implicando a conversão de seres humanos
em um recurso para o crescimento in nito desta atividade e seu
resultado como um m em si mesmo. Entender o valor como apenas
uma forma imposta — pela propriedade privada dos meios de produção
— em um conteúdo básico não problemático, caminhava de mãos dadas
com uma visão do socialismo como uma versão dirigida pelo Estado
essencialmente da mesma divisão industrial do trabalho que é
organizada pelo mercado no capitalismo. Nesta perspectiva, o trabalho,
que era restringido pelas formas do mercado no capitalismo, se
transformaria, no socialismo, no princípio organizador consciente da
sociedade.

Uma importante exceção à negligência marxista tradicional da forma


de valor e do fetichismo foi o economista russo Isaak Illich Rubin. Em
sua obra inovadora dos anos 1920, ele reconheceu que “[a] teoria do
fetichismo é, per se, a base de todo o sistema econômico de Marx,
particularmente de sua teoria do valor”[6], e que o trabalho abstrato
como conteúdo do valor não é “algo a que a forma adere desde o
exterior. Ao contrário, através de seu desenvolvimento, o próprio
conteúdo dá origem à forma que estava já latente no conteúdo”[7]. Mas
a obra de Rubin, suprimida na Rússia, permaneceu mais ou menos
desconhecida. Para a ortodoxia — a “economia política Marxista” –, era
desnecessário contestar o fato de que os críticos burgueses viam Marx
essencialmente como um seguidor de Ricardo. Ao contrário, Marx foi
defendido exatamente nestes termos como tendo arrumado
corretamente o reconhecimento de Ricardo do trabalho como o
conteúdo do valor, e do tempo de trabalho como sua magnitude —
adicionando apenas uma teoria da exploração mais ou menos
ricardiana de esquerda. Nesta perspectiva, o trabalho é algo que existe
de forma quase natural no produto, e a exploração é vista como uma
questão da distribuição desse produto — deste modo, a “solução” para o
capitalismo é que os trabalhadores, através do Estado ou de outros
meios, alterem essa distribuição a seu favor. Se a exploração é uma
questão da dedução de uma porção do produto social por uma classe
dominante parasita, então o socialismo não tem que alterar
substancialmente a forma de produção de mercadorias; mas pode
simplesmente tomá-la, eliminar a classe parasita, e distribuir o produto
equitativamente.

Uma origem comum

A oclusão da forma e do fetichismo na leitura d’O Capital só começou a


ser seriamente desa ada a partir dos anos 60 — em parte através de
uma redescoberta de Rubin — em uma série de abordagens que foram,
em um momento ou outro, rotuladas de “teoria da forma de valor”. Os
debates sobre as sutilezas da forma de valor, as questões de método, a
relação de Marx com Hegel e assim por diante, surgiram então, no
mesmo momento em que a teoria da comunização. Tanto a teoria da
forma de valor como a comunização expressam insatisfação com as
interpretações recebidas de Marx e, assim, uma rejeição do marxismo
“ortodoxo” ou “tradicional”[8]. Para nós, há uma convergência
implícita entre a teoria da forma de valor e a teoria da comunização de
tal modo que uma pode informar produtivamente a outra. Aqui
examinaremos os paralelos históricos e pontos de convergência destas
duas tendências.

A partir do meio dos anos 60 até o nal dos anos 70, o capitalismo em
nível mundial esteve caracterizado por lutas de classe intensas e
movimentos sociais radicais: das revoltas urbanas nos EUA às greves
insurrecionárias na Polônia, dos movimentos estudantis e da “rebeldia
jovem” à derrubada de governos eleitos e não eleitos pela agitação dos
trabalhadores. Relações aceitas no trabalho foram questionadas, como
foram a família, o gênero e a sexualidade, a saúde mental, e a relação
dos homens com a natureza, em uma contestação geral pela sociedade.
Interligado com estas lutas, o boom econômico do pós-guerra terminou
em uma crise de acumulação capitalista com in ação elevada e
desemprego crescente. A superação revolucionária do capitalismo e sua
pseudo-alternativa nos países do leste parecia a muitos ser a ordem do
momento.

Tanto o surgimento do marxismo crítico da teoria da forma de valor


como a teoria da comunização baseavam-se nestas lutas e nas
esperanças revolucionárias que geravam. Da mesma maneira que estas
duas tendências foram produzidas no mesmo momento, elas
esmoreceram simultaneamente com a onda de lutas que as havia
produzido. A crise de acumulação dos anos 70, ao invés de levar a uma
intensi cação das lutas e seu desenvolvimento em uma direção
revolucionária, na verdade deu origem a uma reestruturação capitalista
radical na qual os movimentos e as expectativas revolucionárias ligadas
a eles foram totalmente derrotadas. Esta reestruturação levou ao
eclipse relativo destas discussões. Do mesmo modo que a discussão da
comunização na França surgiu no início dos anos 70, para desaparecer
nos anos 80 e início dos anos 90 antes de ressurgir recentemente, o
interesse contemporâneo na “dialética sistemática” é, em muitos
aspectos, um retorno aos debates da forma de valor dos anos 70, após
um período em que a discussão tinha relativamente silenciado.

Comunização

Não é a unidade do ser humano vivo e ativo com as condições naturais,


inorgânicas, do seu metabolismo com a natureza e, em consequência, a
sua apropriação da natureza que precisa de explicação ou é resultado de
um processo histórico, mas a separação entre essas condições inorgânicas
da existência humana e essa existência ativa, uma separação que só está
posta por completo na relação entre trabalho assalariado e capital.[9]

A teoria da comunização surgiu como uma crítica de várias concepções


da revolução herdadas do marxismo do movimento operário tanto da
2ª como da 3ª Internacionais, bem como de suas oposições e tendências
dissidentes. As experiências de fracasso revolucionário na primeira
metade do século XX pareciam apresentar como sendo a questão
essencial saber se os trabalhadores podiam ou deveriam exercer seu
poder através do partido e do Estado (leninismo, a esquerda comunista
italiana), ou através da organização no ponto de produção
(anarcossindicalismo, a esquerda comunista alemã e holandesa). Por
um lado, alguns a rmariam que foi a ausência do partido — ou do tipo
certo de partido — que levara à perda de oportunidades revolucionárias
na Alemanha, Itália, ou Espanha, enquanto que, por outro lado, outros
poderiam dizer que foi precisamente o partido, e a concepção
“estatista” e “política” da revolução que fracassaram na Rússia e
tiveram um papel negativo em outros lugares.

Aqueles que desenvolveram a teoria da comunização rejeitaram a


apresentação da revolução em termos de formas de organização e
buscaram compreender a revolução em termos de seu conteúdo. A
comunização implicou uma rejeição da visão da revolução como um
evento em que os trabalhadores tomam o poder seguido de um período
de transição: ao invés disso, essa deveria ser vista como um movimento
caracterizado por medidas comunistas imediatas (como a livre
distribuição de bens), para seu próprio bem e como uma maneira de
destruir a base material da contrarrevolução. Se, após uma revolução, a
burguesia for expropriada, mas os trabalhadores continuarem
trabalhadores, produzindo em empresas separadas, dependendo de sua
relação com aquele local de trabalho para sua subsistência, e realizando
trocas com outras empresas, quer dizer muito pouco se a troca é auto-
organizada pelos trabalhadores ou por meio da direção central de um
“Estado proletário”: o conteúdo capitalista permanece e, mais cedo ou
mais tarde, a função ou o papel distinto do capitalista se rea rmará. Em
contraste, a revolução como um movimento de comunização destruiria
— ao deixar de constituir e reproduzi-las — todas as categorias
capitalistas: troca, dinheiro, mercadorias, a existência de empresas
separadas, o Estado e — mais importante — o trabalho assalariado e a
própria classe trabalhadora.

Assim, a teoria da comunização surgiu em parte do reconhecimento de


que opor o modelo de partido-Estado leninista com um conjunto
diferente de formas organizacionais — democrática, antiautoritária,
conselhista — não chegara à raiz da questão. Em parte, esse novo tipo
de pensamento sobre a revolução surgiu das características e formas da
luta de classes que passaram para o primeiro plano neste período —
como sabotagem, absenteísmo, e outras formas de recusa do trabalho
— e de movimentos sociais fora do local de trabalho, todos os quais
poderiam ser vistos como rejeitando a a rmação do trabalho e da
identidade dos trabalhadores como a base da revolução. Um grande
estímulo ao desenvolvimento da noção de comunização foi o trabalho
da Internacional Situacionista (IS) que, com sua perspectiva de uma
revolução total enraizada na transformação da vida cotidiana, havia
sentido e teorizado as novas identidades que estavam expressas em
lutas, e seria mais tarde reconhecida como o grupo que melhor
antecipou e expressou o espírito dos eventos de 1968 na França.

Mas se o conceito de comunização era em certo sentido um produto das


lutas e desenvolvimentos da época, a capacidade do meio francês de lhe
dar expressão era indissociável de um retorno a Marx, e em particular a
descoberta e difusão do “Marx desconhecido” de textos como os
Grundrisse e o Resultados do Processo Imediato de Produção (doravante
Resultados). Antes de estes textos se tornarem disponíveis no nal dos
anos 60, a IS e outros críticos do marxismo ortodoxo tendiam a se
basear no jovem Marx dos Manuscritos Econômico-Filosó cos de 1844.
Mesmo no caso da IS e da Escola de Frankfurt, onde também havia o
uso de uma teoria do fetichismo e de rei cação retirada d’O Capital,
isso era mediado através de Lukács, e não um produto de uma
apropriação detalhada dos três livros d’O Capital. Deste modo, se
tendeu a deixar a crítica madura da economia política como um todo
nas mãos do marxismo tradicional. Como já indicamos, a relevância da
descrição de Marx de sua obra como uma crítica da economia política e
a importância da forma de valor e do fetichismo foram
esmagadoramente perdidas nesta interpretação positivista. Os textos
recém-disponíveis como os Grundrisse enfraqueceram as leituras
tradicionais e permitiram que a radicalidade da crítica madura fosse
reconhecida.

Por meio de sua relação marginal com o marxismo ortodoxo, aqueles


que se identi cavam com críticas da esquerda comunista ao
bolchevismo e do que ocorrera na Rússia estavam em uma posição boa
para ler os textos de Marx recém-disponíveis. Muito importante no
contexto francês foi Jacques Camatte e a revista Invariance, que
apareceu pela primeira vez em 1968. Além de expressar uma abertura
da herança da tradição da esquerda “bordigista” italiana tanto à
experiência das esquerdas alemã e holandesa, e ao desdobramento das
lutas da época, a Invariance foi um lugar para uma nova leitura de
Marx. O ex-colaborador de Camatte — Roger Dangeville — traduziu os
Grundrisse e o Resultados para o francês, frustrando a interpretação
althusseriana antihegeliana de Marx dominante na França. Camatte
publicou, na Invariance, um comentário importante sobre estes
textos[10].

O texto de Camatte teve um papel similar para as discussões francesas


após 68 ao que teria, na mesma época, o Gênese e Estrutura de O Capital
de Karl Marx, de Roman Rosdolsky, para as discussões subsequentes na
Alemanha[11]. Ambos se baseiam fortemente em citações para
introduzir e explorar a importância de textos de Marx que eram
bastante desconhecidos na época. Rosdolsky oferece um estudo
abrangente dos Grundrisse, enquanto que o relato menos sistemático de
Camatte recorre a outros esboços de Marx, em particular o Resultados.
Enquanto Camatte reconhece os méritos do livro de Rosdolsky[12],
uma diferença é que enquanto Rosdolsky reduz, em última instância, os
Grundrisse a uma mera preparação para O Capital, Camatte está mais
atento à maneira com que ele, e os outros esboços d’O Capital, apontam
além da compreensão que os marxistas haviam derivado desta última
obra. Camatte reconheceu que os diferentes modos com os quais Marx
introduziu e desenvolveu a categoria do valor nas diversas versões da
crítica da economia política tem uma importância além da melhoria
progressiva da apresentação. Alguns dos tratamentos iniciais realçam
aspectos como a autonomização histórica do valor, a de nição do
capital como valor em processo, e a importância da categoria de
subsunção, de modos que não estão tão claros nas versões publicadas.
Encontra-se na leitura de Camatte dos textos recém-disponíveis um
reconhecimento de que as implicações da crítica marxiana da economia
política eram bem mais radicais que a interpretação marxista positivista
d’O Capital as havia considerado[13].

Há um rompimento fascinante das pressuposições marxistas


tradicionais na obra de Camatte que é realçado acentuadamente no
contraste entre seu comentário original do meio dos anos 60 e as notas
que adicionou a este no início dos anos 70. Assim, enquanto o primeiro
comentário luta com a teoria marxista clássica da transição, nas notas
posteriores vemos as pressuposições desta teoria serem
derrubadas[14]. Assim, Camatte conclui suas observações de 1972
com apelo pela comunização:

A quase totalidade dos homens se levantando contra a totalidade da


sociedade capitalista, a luta simultânea contra o capital e o trabalho, dois
aspectos da mesma realidade; isto é, o proletariado deve lutar contra sua
própria dominação para poder destruir a si mesmo como classe e destruir
o capital e as classes. Assim que a vitória for assegurada em escala
mundial, a classe universal que é realmente constituída (formação do
partido segundo Marx) durante o vasto processo que precede a revolução,
na luta contra o capital, e que é transformada psicologicamente e
transformou a sociedade, desaparece, porque se torna humanidade. Não
há nenhum grupo fora dela. O comunismo se desenvolve, então,
livremente. O socialismo inferior não existe mais e a fase da ditadura do
proletariado se reduz à luta para destruir a sociedade capitalista, o poder
do capital.[15]
Para a maioria dos teóricos da comunização subsequentes, os escritos
anteriormente indisponíveis de Marx se tornaram textos base. A
tradução dos Grundrisse e de seu agora famoso “fragmento sobre as
máquinas” informaram diretamente o argumento prototípico em favor
da comunização de Gilles Dauvé[16]. Neste fragmento, Marx descreve
como o capital, em sua tendência a aumentar o tempo do mais-
trabalho, reduz o tempo de trabalho necessário a um mínimo através da
aplicação massiva da ciência e tecnologia à produção. Isso cria a
possibilidade da apropriação por todos desse sistema alienado de
conhecimento, permitindo a reapropriação deste tempo de mais-
trabalho como tempo disponível. O comunismo é assim entendido não
em termos de uma nova distribuição do mesmo tipo de riqueza baseada
no tempo de trabalho, mas como fundada em uma nova forma de
riqueza medida em tempo disponível[17]. O comunismo é nada menos
que uma nova relação com o tempo, ou até mesmo um tipo diferente de
tempo. Para Dauvé, com este foco no tempo, Marx implica em um
rompimento radical entre o capitalismo e o comunismo que “exclui a
hipótese de qualquer via gradual para o comunismo por meio da
destruição progressiva da lei do valor” e assim demonstra as
alternativas conselhista e democrática ao leninismo como
inadequadas[18].

Os primeiros esboços também apontavam para uma concepção de


revolução mais radical em um nível ontológico mais fundamental. Eles
revelam que para Marx a crítica da economia política põe em causa a
divisão de subjetividade e objetividade, a questão do que é ser um
indivíduo, e o que é e o que não é nosso próprio ser. Para Marx estas
questões ontológicas são essencialmente sociais. Ele considerava que os
economistas políticos tinham sido mais ou menos bem sucedidos em
esclarecer as categorias que abrangiam as formas sociais de vida no
capitalismo. Enquanto a burguesia, no entanto, tendia a apresentar
estas como necessidades a-históricas, Marx as reconhecia como formas
historicamente especí cas da relação entre homens, e entre os homens
e a natureza. O fato de a atividade humana ser mediada por relações
sociais entre coisas gera uma subjetividade humana caracterizada pela
atomização e pela ausência do objeto. A experiência individual no
capitalismo é uma de subjetividade pura, com toda a objetividade
existindo contra ela na forma do capital:

A separação da propriedade do trabalho aparece como lei necessária


dessa troca entre capital e trabalho. O trabalho, posto como o não capital
enquanto tal, é: 1) trabalho não objetivado, concebido negativamente
(…) separado de todos os meios e objetos de trabalho, separado de toda
sua objetividade. O trabalho vivo existindo como abstração desses
momentos de sua real efetividade (igualmente não valor): esse completo
desnudamento do trabalho, existência puramente subjetiva, desprovida de
toda objetividade. O trabalho como a pobreza absoluta: a pobreza não
como falta, mas como completa exclusão da riqueza objetiva. (…) 2)
Trabalho não objetivado, não valor, concebido positivamente, ou
negatividade referida a si mesma (…) O trabalho não como objeto, mas
como atividade; não como valor ele mesmo, mas como a fonte viva do
valor. (…) [D]e nenhuma maneira se contradiz a proposição de que o
trabalho é, por um lado, a pobreza absoluta como objeto e, por outro, a
possibilidade universal da riqueza como sujeito e como atividade, ou,
melhor dizendo, essas proposições inteiramente contraditórias
condicionam-se mutuamente e resultam da essência do trabalho, pois é
pressuposto pelo capital como antítese, como existência antitética do
capital e, de outro lado, por sua vez, pressupõe o capital.[19]

Tais considerações ontológicas têm um papel importante no trabalho


da Théorie Communiste (TC), um grupo que surgiu no meio dos anos 70
das discussões do meio da comunização pós-68. Para a TC a revolução
comunista entendida como comunização não funda uma “república do
trabalho” ou qualquer forma nova de administração dos meios de
produção. Ao contrário, é a superação da relação social de produção
alienada que constitui a separação de subjetividade e objetividade
vivida no capitalismo. Na superação da separação dos indivíduos um do
outro e dos meios de produção, a comunização supera a separação da
subjetividade humana do “trabalho objetivado”[20], isto é, a divisão
sujeito/objeto que forma a base da realidade social no capitalismo. A
TC concebe esta como uma superação de cada dimensão que Marx
descreve nos Grundrisse: o trabalho deixa de existir como uma
atividade separada; a produção não se distingue mais da e domina a
reprodução; as necessidades não são mais separadas das capacidades; e
os indivíduos não mais confrontam sua socialidade pela mediação da
troca de seus produtos ou na forma do Estado — eles se tornam
diretamente sociais. A revolução como comunização dissolve tanto a
forma social das coisas, isto é, sua existência como suportes de
“trabalho objetivado”, de valor (tornam-se novamente coisas), e a
forma-sujeito do indivíduo, atomizado, vazio e separado. Assim, para a
TC, como para Marx nos Grundrisse[21], o momento outrora “objetivo”
da produção não domina mais o subjetivo, mas se torna “o corpo social
orgânico, em que os indivíduos se reproduzem como singulares, mas
como singulares sociais[22]”.

Os debates alemães
A revigorada apropriação de Marx da qual a perspectiva da
comunização surgiu era parte de um processo muito mais amplo da
reapropriação e desenvolvimento das leituras radicais de Marx. Após a
Revolução Húngara de 1956, o comunismo o cial não tinha mais uma
hegemonia sobre a divergência e a interpretação de Marx nos países
ocidentais. Enquanto Marx dissera para “duvidar de tudo”, o marxismo
ortodoxo ou tradicional tendia a se apresentar como uma visão de
mundo uni cada com uma resposta para toda pergunta. Tinha uma
loso a geral (“Materialismo Dialético”), uma visão mecanicista da
história (“Materialismo Histórico”), e sua própria teoria econômica
(“Economia Política Marxista”)[23]. Estes pilares da versão o cial do
marxismo foram postos em questão por um retorno ao espírito crítico
de Marx, quase de mesma maneira que uma primeira geração do
marxismo crítico havia a orado na sequência da Revolução Russa[24].

A revitalização da teoria marxiana nesse período — como nos anos 20


— envolveu uma ruptura da visão do marxismo como um sistema
positivo de conhecimento, e um re-reconhecimento de sua dimensão
crítica — uma mudança na qual a relação de Marx com Hegel foi
novamente posta em debate. Até meados dos anos 60, a rejeição de
interpretações recebidas de Marx começou a se estender a O Capital —
sua obra central. Novas leituras recorreram a esboços anteriores da
crítica da economia política, e estavam interessadas não apenas nos
resultados a que Marx chegara, mas também no método utilizado. Na
França, O Capital foi relido à moda estruturalista, na Itália, Tronti e o
Operaismo o abordaram “do ponto de vista da classe trabalhadora”, e na
Alemanha surgiu a Neue-Marx Lektüre (Nova Leitura de Marx).

A língua alemã forneceu à Neue-Marx Lektüre uma clara vantagem em


comparação às investigações de Marx em outros países. Os novos textos
do “Marx desconhecido” geralmente se tornaram disponíveis e
conhecidos em alemão antes de qualquer outra língua, e obviamente
não havia problemas de tradução[25]. Ademais, o grande recurso
cultural que Marx usara na crítica da economia política — o idealismo
alemão clássico — não estava sujeito aos mesmos problemas da
recepção do pensamento hegeliano que em outros países. Assim,
enquanto na Itália e na França as novas leituras de Marx tendiam a ter
um forte preconceito anti-Hegel como uma reação contra modas do
hegelianismo e do “marxismo hegeliano”, as discussões alemãs foram
capazes de desenvolver uma imagem mais matizada e informada da
conexão entre Hegel e Marx. Fundamentalmente, viram que ao
descrever a estrutura lógica da totalidade real das relações sociais
capitalistas, Marx n’O Capital devia não tanto à concepção hegeliana de
uma dialética histórica, mas à dialética sistemática da Lógica. O novo
marxismo crítico, às vezes depreciativamente denominado Kapitallogik,
tinha, assim, menos em comum com o marxismo anterior de Lukács e
Korsch que com aquele de Rubin e Pachukanis. A Neue-Marx Lektüre
não era uma escola homogênea, mas uma abordagem crítica que
envolvia discussões e discordâncias sérias que, não obstante,
compartilhavam de uma orientação comum.

O contexto político no qual surgiram os debates alemães foi a ascensão


de um movimento estudantil radical. O movimento tinha dois polos:
um tradicionalista, às vezes com ligações com o Estado da Alemanha
Oriental e com orientação “marxista ortodoxa” ao movimento da classe
trabalhadora, e um polo “antiautoritário” mais forte, in uenciado pela
teoria crítica da Escola de Frankfurt, em particular sua dimensão
psicanalítica, que oferecia uma explicação para o desinteresse dos
trabalhadores na revolução[26]. Devido em grande parte à in uência
da Escola de Frankfurt, o movimento estudantil alemão ganhou
rapidamente uma reputação pela so sticação teórica de seus debates. O
discernimento, mas também a instabilidade e a ambivalência do polo
“antiautoritário” foram expressas na trajetória de seu carismático líder
Rudi Dutschke. Em 1966, in uenciado fortemente por Korsch, ele
historicizou a “teoria de dois estágios” da revolução comunista de Marx
como anacrônica e “muito questionável para nós”, pois “adia a
emancipação real da classe trabalhadora para o futuro e considera a
tomada do Estado burguês pelo proletariado como sendo de primordial
importância para a revolução social”[27]. Ainda assim, ele cunhou o
termo “longa marcha pelas instituições”, que virou a razão de ser do
Partido Verde alemão (ao qual ele, como aquele outro carismático
antiautoritário, Daniel Cohn-Bendit, acabou se liando). Hoje é o
totalmente estatista e reformista Die Linke (o partido esquerdista da
Alemanha) que se identi ca mais fortemente com seu legado. Uma
gura mais importante teoricamente foi Hans Jürgen Krahl, que
também teve um papel importante no SDS (Sozialistische Detusche
Studentenbund — Movimento Estudantil Alemão), especialmente
depois de Dutschke ter sido baleado. Krahl era um estudante de Adorno
e introduziu muitos dos conceitos chave da Teoria Crítica no
movimento, mas também era um ativista — Adorno infamemente
chamou a polícia após ele e seus colegas ocuparem um dos prédios do
Instituto — e manteve uma orientação voltada ao proletariado e à luta
de classes[28]. Embora a Escola de Frankfurt, em sua virada em
direção a questões da psicanálise, cultura e loso a tivesse em grande
parte abandonado o estudo da crítica marxiana da economia política
aos marxistas ortodoxos, foram Krahl e outros estudantes de Adorno —
Hans-Georg Backhaus e Helmut Reichelt — que iniciaram a Neue-Marx
Lektüre.
Assim, enquanto que no caso do meio da comunização foi seu histórico
no comunismo de conselhos e nas críticas da esquerda comunista ao
bolchevismo que os deixou abertos à radicalidade dos novos textos de
Marx, na Alemanha — onde tais tendências haviam sido liquidadas no
período nazista[29] — um papel de certo modo similar foi
desempenhado por Adorno e a Escola de Frankfurt. Tanto o comunismo
de conselhos como a Escola de Frankfurt haviam se desenvolvido como
uma re exão sobre o fracasso da Revolução Alemã de 1918–19.
Enquanto a relação do comunismo de conselhos com a Revolução
Alemã é a mais direta, Sohn-Rethel, ao falar da Escola de Frankfurt e
pensadores relacionados, como Lukács e Bloch, captura sua relação
mais complexamente mediada com aquele período com uma
formulação paradoxal:

[O] novo desenvolvimento de pensamento que essas pessoas representam


evoluiu conforme a superestrutura teórica e ideológica da revolução que
nunca ocorreu.[30]

Embora separada de qualquer meio da classe trabalhadora, a Escola de


Frankfurt tentara manter vivo um marxismo crítico e emancipatório
contra seu desenvolvimento como uma ideologia apologética para a
acumulação centrada no Estado na Rússia. A a nidade com o
comunismo de conselhos está mais claramente à mostra em textos
iniciais, como o Estado Autoritário, de Horkheimer, que os estudantes
antiautoritários publicaram, provocando da desaprovação do
Horkheimer maduro — e até certo ponto, conservador. Não obstante,
uma crítica radical da sociedade capitalista permanece no centro dos
textos menos obviamente políticos dos anos 60 e 70 de Adorno — de
fato, talvez precisamente por evitarem a lógica da efetividade política
imediata. Enquanto a “ultraesquerda” havia tentado manter viva a
promessa emancipatória da teoria marxista contra os desenvolvimentos
reais dos movimentos operários ao enfatizar a autonomia da classe
trabalhadora contra a representação e as instituições da classe
trabalhadora, a Escola de Frankfurt paradoxalmente tentou fazer o
mesmo ao se afastar da luta de classes imediata e das “questões
econômicas”.

Isso signi cou que a reapropriação radical de Marx na Alemanha dos


anos 60 assumiu a forma tanto de uma continuação e uma ruptura do
legado da Escola de Frankfurt. A intersecção entre uma sensibilidade
atualizada pela Escola de Frankfurt e um retorno a um estudo
detalhado da crítica da economia política evitado por esta, é expressa
em uma anedota contada a respeito de Backhaus. Segundo Reichelt, as
origens do programa da Neue-Marx Lektüre podem ser traçados a um
momento em 1963 em que Backhaus, em um alojamento estudantil em
Frankfurt, deparou-se acidentalmente com o que era, naquele
momento, uma raríssima primeira edição d’O Capital[31]. Ele observou
que as diferenças com relação à segunda edição saltavam aos olhos,
mas que isso só era possível porque ouvira as palestras de Adorno sobre
a teoria dialética da sociedade, pois:

[C]aso Adorno não tivesse sugerido repetidamente a ideia de um


“conceitual na própria realidade”, de um universal real que pode ser
atribuído à abstração da troca, sem seus questionamentos sobre a
constituição das categorias e sua relação interna na economia política, e
sem sua concepção de uma estrutura objetiva tornada autônoma, este
texto teria permanecido em silêncio — da mesma maneira que ocorrera nos
(então!) já cem anos de discussão sobre a teoria marxiana do valor[32].

Debates sobre a nova leitura d’O Capital se recuperaram efetivamente


após 1968. As questões que foram trazidas à atenção, que não foram
em geral abordadas até mais tarde e frequentemente de maneira menos
aprofundada em outros idiomas, diziam respeito a: o caráter do método
de Marx e a validade da compreensão de Engels deste método; a
relação entre o desenvolvimento dialético das categorias n’O Capital e a
dialética hegeliana; a importância dos aspectos inacabados dos planos
de Marx para sua crítica; a importância do termo “crítica” e a diferença
entre a teoria marxiana do valor e aquela da economia política clássica;
e a natureza da abstração no conceito de Marx do trabalho abstrato e
na crítica da economia política em geral.

Apesar de seu caráter frequentemente lológico e abstrato, os debates


acerca da nova leitura d’O Capital foram vistos como tendo uma
importância política na tensão entre o polo antiautoritário e o
tradicionalista do movimento estudantil, com o segundo mantendo que
o quadro do marxismo ortodoxo só precisava ser modernizado e
ajustado[33]. A Neue Marx-Lektüre contestou este projeto de uma
ortodoxia renovada ao argumentar em favor de nada menos que uma
reconstrução da crítica da economia política[34].

Na época, a visão dominante do método empregado n’O Capital era


uma variante do método lógico-histórico proposto por Engels em textos
como seu Comentários de 1859 à Contribuição à Crítica da Economia
Política de Marx, e em seu Prefácio e Suplemento a’O Capital, Livro III.
Nesta perspectiva, a progressão das categorias d’O Capital segue de
perto seu desenvolvimento histórico real, de modo que os primeiros
capítulos d’O Capital são tidos como descrevendo um período pré-
capitalista de “produção simples de mercadorias” em que a “lei do
valor” operava de uma maneira pura. Nas discussões alemãs, e
subsequentemente internacionalmente, a autoridade de Engels — bem
como a do marxismo tradicional que dependia dela — foi totalmente
contestada[35]. A Neue Marx-Lektüre argumentou que nem a
interpretação de Engels, nem qualquer uma das modi cações dela
propostas[36], faziam jus ao movimento por trás da ordem e do
desenvolvimento das categorias n’O Capital. Ao invés de partir de um
estágio anterior não capitalista, ou um modelo simpli cado hipotético,
de produção simples de mercadorias a um estágio posterior, ou um
modelo mais complexo, de produção capitalista de mercadorias, o
movimento n’O Capital deveria ser compreendido como uma
apresentação da totalidade capitalista desde o início, movendo-se do
abstrato ao concreto. Em Sobre a estrutura lógica do conceito de capital
em Karl Marx, Helmut Reichelt desenvolveu uma concepção que, de
uma maneira ou de outra, agora é básica para teóricos da dialética
sistemática: que a “lógica do conceito de capital” como um processo
autodeterminante corresponde ao ir-além-de-si do Conceito na Lógica
de Hegel[37]. Segundo esta perspectiva, o mundo do capital pode ser
visto como objetivamente idealista: por exemplo, a mercadoria é uma
“coisa sensível suprassensível”[38]. A dialética da forma de valor
demonstra como, partindo da forma mercadoria mais simples, os
aspectos materiais e concretos do processo de vida social são
dominados pelas formas sociais abstratas e ideais do valor. Para Marx,
como Reichelt põe:

O capital é concebido, assim, como uma mudança de formas constante, em


que o valor de uso é constantemente tanto integrado como expelido. Nesse
processo, o valor de uso também assume a forma de um objeto
eternamente evanescente. Mas este desaparecimento constantemente
renovado do objeto é a condição para a perpetuação do próprio valor — é
através da mudança de formas sempre reproduzida que a unidade
imediata entre valor e valor de uso é retida. O que é assim constituído é um
mundo invertido em que a suprassensibilidade no sentido mais amplo —
como valor de uso, trabalho, intercâmbio com a natureza — é rebaixada a
um meio para a autoperpetuação de um processo abstrato que
fundamenta todo o mundo de constante mudança. (…) Todo o mundo
sensível de seres humanos que se reproduzem por meio da satisfação de
necessidades e trabalho é absorvido passo a passo neste processo, em que
todas as atividades são “em si mesmas invertidas”. Todas elas são, em sua
aparência evanescente, imediatamente seu oposto; a persistência do geral.
[39]

Esta é a inversão ontológica, a vida material possuída pelo espírito do


capital. É o que Camatte compreendeu em seu reconhecimento da
importância da compreensão do capital como valor em processo e
como subsunção. Se não há outro valor de uso que não na forma de
valor na sociedade capitalista, se valor e capital constituem uma forma
de socialização totalizante e poderosa que molda todo aspecto da vida,
sua superação não é uma questão de mera substituição dos mecanismos
de mercado por meio de uma manipulação estatal ou autogestão
proletária desta forma, mas exige uma transformação radical de toda
esfera da vida. Em contraste, a concepção marxista tradicional derivada
de Engels — segundo a qual a lei de valor existe desde antes do
capitalismo — separou a teoria do mercado e do valor daquela do mais-
valor e da exploração e, assim, abriu a possiblidade de ideias de uma lei
do valor socialista, de uma forma de dinheiro socialista, de um
“socialismo de mercado”, e assim por diante.

O Marx incompleto?

Parte da natureza dogmática do marxismo ortodoxo foi tomar as obras


de Marx como um sistema completo ao qual apenas análises históricas
de estágios subsequentes do capitalismo, como o imperialismo, tinham
de ser adicionadas. A descoberta dos esboços e planos para a crítica da
economia política demonstraram que O Capital estava incompleto, não
apenas no sentido de que os livros dois e três, e as Teorias da Mais-Valia,
foram deixados inacabados por Marx e editados por Engels e Kautsky
respectivamente[40], mas que estes constituíam apenas o primeiro de
um plano de seis livros, junto a livros sobre a propriedade fundiária, o
trabalho assalariado, Estado, comércio exterior, e “O Mercado Mundial
e as Crises”[41]. O reconhecimento de que o que existe do projeto de
Marx é apenas um fragmento foi de imensa importância, uma vez que
isto implicou ver a teoria marxiana como um projeto radicalmente
aberto, e desenvolver áreas de pesquisa que mal foram tocadas pelo
próprio Marx. O assim chamado debate sobre a derivação do Estado, e
o debate sobre o mercado mundial, foram tentativas de desenvolver
algumas daquelas áreas que o próprio Marx não havia abordado
sistema n’O Capital[42].

Valendo-se do trabalho pioneiro de Pachukanis, participantes do


debate sobre a derivação do Estado entenderam a separação do
“econômico” e do “político” como algo especí co à dominação
capitalista. A implicação era que — longe de estabelecer uma economia
socialista e um Estado proletário, como no marxismo tradicional –, a
revolução deveria ser compreendida como a destruição tanto da
“economia” e do “Estado”. Apesar da aparência abstrata — e às vezes
escolástica — destes debates, começamos assim a ver como o retorno
crítico a Marx na base destas lutas do nal dos anos 60 na Alemanha
possuíam implicações especí cas — e particularmente radicais — para
como concebemos a superação do modo de produção capitalista.

Isso é igualmente verdadeiro da categoria marxiana central do trabalho


abstrato como é conceituado nos debates alemães acerca do valor. Ao
passo que na ciência social burguesa, e nas formas dominantes do
marxismo, a abstração é um ato mental, Marx argumentou que uma
forma diferente de abstração estava presente no capitalismo: a
“abstração prática” ou “real” que as pessoas realizam na troca sem
saber. Como a anedota de Reichelt sobre Backhaus indica, foi a ideia de
Adorno de uma conceitualidade objetiva da vida social capitalista que
inspirou a abordagem da Neue-Marx Lektüre à crítica marxiana da
economia política. Esta ideia de Adorno e sua noção de “pensar da
identidade” tinham sido elas mesmas inspiradas pelas ideias que Sohn-
Rethel comunicara a ele nos anos 30. A discussão alemã foi assim
avançada pela publicação em 1970 destas ideias no livro de Sohn-
Rethel, Trabalho Intelectual e Manual[43]. Nesta obra, Sohn-Rethel
identi ca a abstração do uso realizada no processo de troca como na
raiz não apenas do estranho tipo de síntese social nas sociedades de
mercadorias, mas da própria existência do raciocínio conceitual
abstrato e a experiência do intelecto independente. A tese de Sohn-
Rethel é que um “sujeito-transcendental”, como teorizado
explicitamente por Kant, não é nada mais que uma expressão teórica e,
ao mesmo tempo, cega da unidade ou semelhança das coisas
constituídas por meio da troca. Tais ideias, junto com aquelas de
Pachukanis sobre como o “sujeito legal” e a mercadoria são
coproduzidos historicamente, sustentaram um período de exame
crítico em que todos os aspectos da vida, incluindo nossa própria noção
de consciência e subjetividade interior, foram compreendidos como
formas determinadas pelo capital e pelo valor.

Para Marx, o exemplo mais marcante de “abstração real” é a forma


dinheiro do valor, e talvez a contribuição de mais longo alcance dos
debates alemães esteja em seu desenvolvimento de uma “teoria
monetária do valor”, conforme as linhas já estabelecidas por Rubin. Em
uma passagem importante da primeira edição d’O Capital, Marx
descreve o dinheiro como uma abstração que assume perversamente
uma existência no mundo real independentemente de seus particulares
— “É como se ao lado e além dos leões, tigres, lebres e todos os animais
efetivamente reais (…) existisse também o animal, encarnação
individual de todo o reino animal”[44]. Os produtos do trabalho
privado devem ser trocados com esta representação concreta do
trabalho abstrato para sua validade social ser realizada efetivamente.
Assim, uma abstração — ao invés de um produto do pensamento —
existe no mundo como um objeto com uma objetividade social a qual
todos devem se curvar.

O marxismo tradicional negligenciou esta discussão, e seguiu em geral


Ricardo e a economia burguesa ao ver o dinheiro simplesmente como
uma ferramenta técnica útil para facilitar a troca de valores mercantis
pré-existentes. Em contraste, os debates alemães abordaram o estranho
tipo de objetividade do valor — que não é inerente a nenhuma
mercadoria particular, mas só existe na relação de equivalência entre
uma mercadoria e a totalidade das outras mercadorias — algo que só
pode ser ocasionado pelo dinheiro. Este papel do dinheiro em uma
sociedade mercantil generalizada in uência na experiência do próprio
trabalho vivo. Na medida em que o trabalho é simplesmente uma
atividade realizada por dinheiro, o tipo de trabalho realizado é uma
questão de indiferença e acaso. A ligação orgânica que existia em
sociedades antigas entre indivíduos particulares e formas especí cas de
trabalho é rompida. Um indivíduo capaz de se mover indiferentemente
entre formas diferentes de trabalho se desenvolve:

Logo, (…) a abstração da categoria “trabalho”, “trabalho em geral”,


trabalho puro e simples, o ponto de partida da Economia moderna, devém
verdadeira na prática. Por conseguinte, a abstração mais simples, que a
Economia moderna coloca no primeiro plano e que exprime uma relação
muito antiga e válida para todas as formas de sociedade, tal abstração só
aparece verdadeira na prática como categoria da sociedade mais moderna.
[45]

O trabalho abstrato então como uma abstração prática é uma forma


fundamentalmente capitalista de trabalho — um produto da redução de
todas as atividades a atividades geradoras de dinheiro. Na visão
tradicional, a superação do modo de produção capitalista não precisa
envolver a abolição do trabalho abstrato: o trabalho abstrato, segundo
essa visão, é uma abstração genérica, uma verdade trans-histórica que
subjaz a aparência das formas de mercado no modo de produção
capitalista. Essa verdade resplandeceria no socialismo, com o papel
parasita do capitalista eliminado, e a organização mercantil anárquica
do trabalho social substituída pelo planejamento (estatal). A partir de
uma perspectiva crítica, o marxismo tradicional transformara formas e
leis capitalistas em leis gerais da história: nas áreas relativamente
atrasadas como a Rússia, onde o marxismo se tornou a ideologia do
desenvolvimento industrial comandado pelo Estado, O Capital se
tornou um “manual de instruções”. Em contrapartida, para os teóricos
da forma de valor, a teoria marxiana do valor, como uma teoria
monetária do valor, “não é uma teoria sobre a distribuição da riqueza
social, mas uma teoria da constituição da totalidade social sob as
condições da produção capitalista de mercadorias”[46]. A questão foi
assim desviada da distribuição para a superação da forma do trabalho,
da riqueza e do próprio modo de produção.

Em países diferentes, às vezes com conhecimento das discussões


alemãs, mas também de maneira independente, foram feitas perguntas
similares, e respostas similares encontradas, motivadas por textos como
os Grundrisse e a Teoria de Rubin. Por exemplo, a importância da forma
de valor foi compreendida pelo então seguidor de Althusser, Jacques
Rancière. Althusser identi cara corretamente Marx como tendo
realizado um rompimento total com o campo teórico de Ricardo e da
economia política clássica, mas foi incapaz de identi car a análise da
forma de valor como chave para esse rompimento, pois a rejeitava
devido a seu “hegelianismo”. Rancière, contudo, observou que “[o] que
distingue radicalmente Marx da economia clássica é a análise da forma
de valor da mercadoria (ou forma-mercadoria do produto do
trabalho)”[47]. Esse reconhecimento também foi retomado por outro
antihegeliano, Coletti[48], e alimentou um debate italiano sobre o
valor iniciado por ele mesmo e Napoleoni[49], que chegou a
conclusões próximas daqueles dos teóricos da forma de valor. Nas
discussões anglófonas, onde quase nada dos debates alemães foi
traduzido até o nal dos anos 70, Rubin assumiu uma importância
primordial[50]. Na Conference of Socialist Economists, um fórum central
destes debates, uma discussão importante foi aquela entre uma teoria
do valor fundada sobre o trabalho social abstrato e uma teoria do valor
como incorporação do trabalho. Aqueles no primeiro campo se
moveram em direção a uma teoria monetária do valor, como nos
debates alemães, mas houve muito menos discussão e apreciação da
relevância da Lógica de Hegel para a compreensão da relação
sistemática das categorias n’O Capital[51]. Na ausência de uma
tradução de Reichelt e Backhaus, os poucos anglófonos que seguiram
os alemães no desejo de reconstruir O Capital[52] — a escola Konstanz-
Sydney, identi cada como uma “escola da forma de valor” — foram
vistos pela maioria dos outros participantes como excessivamente
extremos. É uma característica da dialética sistemática como surgiu
recentemente que tais sugestões de uma necessidade de reconstrução
mais radical estejam agora no centro da discussão.

A (anti)política da teoria do valor

O signi cado crítico da teoria da forma de valor é que ela põe em


questão qualquer concepção política baseada na a rmação do
proletariado como produtor de valor. Ela reconhece o trabalho de Marx
essencialmente como uma crítica negativa da sociedade capitalista. Ao
reconstruir a dialética marxiana da forma de valor, ela demonstra como
o processo de vida social está subsumido a — ou “determinado pela
forma” pela — forma de valor. O que caracteriza tal “determinação pela
forma” é uma prioridade perversa da forma sobre seu conteúdo. O
trabalho não preexiste simplesmente sua objetivação na mercadoria
capitalista como uma base positiva a ser libertada no socialismo ou
comunismo através da alteração de sua expressão formal. Ao contrário,
em um sentido fundamental o valor — como a mediação social primária
— preexiste e assim tem uma prioridade sobre o trabalho. Como Chris
Arthur argumenta:

No nível mais profundo, a falha da tradição que usa emprega a lógica


linear e utilizada o modelo de “produção simples de mercadorias” é que ela
se concentra no indivíduo humano como o criador das relações de valor, ao
invés de ver as atividades humanas como objetivamente inscritas na forma
de valor (uma falha curiosamente similar àquela dos neoclássicos). Na
verdade, contudo, a lei do valor é imposta às pessoas através da e cácia de
um sistema com o capital em seu âmago, capital que subordina a produção
de mercadoria é o objetivo da valorização e é o sujeito real (identi cado
como tal por Marx) que nos confronta.[53]

Embora pareça verdade e politicamente e ciente[54] dizer que


produzimos o capital por nosso trabalho, é na verdade mais preciso
dizer (em um mundo que está realmente do avesso) que nós, enquanto
sujeitos do trabalho, somos produzidos pelo capital. O tempo de
trabalho socialmente necessário é a medida do valor apenas porque a
forma de valor põe o trabalho como seu conteúdo. Em uma sociedade que
não é mais dominada por formas sociais alienadas — não mais norteada
em torno da autovalorização da riqueza abstrata –, a compulsão ao
trabalho que caracteriza o modo de produção capitalista
desaparecerá[55]. Com o valor, o trabalho abstrato desaparece como
uma categoria. A reprodução dos indivíduos e suas necessidades se
torna um m em si mesmo. Sem as categorias do valor, trabalho
abstrato e salário, o “trabalho” deixaria de ter seu papel sistemático
como determinado pela mediação social primária: o valor.

É por isso que a teoria da forma de valor aponta, em termos da noção


da revolução que a segue, na mesma direção da comunização. A
superação das relações sociais capitalistas não pode envolver uma
simples “libertação do trabalho”; ao contrário, a única “saída” é a
supressão do próprio valor — da forma de valor que põe o trabalho
abstrato como a medida da riqueza. A comunização é a destruição da
forma-mercadoria e o estabelecimento simultâneo de relações sociais
imediatas entre indivíduos. Não é possível se livrar do valor, entendido
como uma forma total de mediação social, aos poucos.

O fato de poucos teóricos da forma de valor terem extraído tais


conclusões políticas radicais de seu trabalho é irrelevante: tais
conclusões políticas (ou antipolíticas) radicais são, para nós, as
implicações lógicas da análise.

Um retorno a Marx?

O reconhecimento da teoria da forma de valor do “cerne oculto” da


crítica marxiana da economia política sugeriria que já em 1867 Marx
compreendera o valor como uma forma totalizante de mediação social
que tinha de ser superada como um todo. Assim, o marxismo com sua
história de a rmação do trabalho e identi cação com a “acumulação
socialista” comandada pelo Estado poderia ser visto como uma história
da má intepretação de Marx. A leitura correta, que aponta para uma
negação radical do valor, não foi realizada nesta perspectiva. Contudo,
se a teoria de Marx da forma de valor implicava a comunização em seu
sentido moderno, então foi uma implicação que o próprio Marx
claramente não viu!

De fato, a própria atitude de Marx em relação à importância de sua


teoria do valor foi ambivalente. Por um lado, Marx insistia em sua
importância “cientí ca”, mas em resposta às di culdades que seus
leitores tinham em compreender suas sutilezas, ele parecia disposto a
comprometê-la em benefício da recepção do resto de sua obra[56].
Além de estar disposto a popularizar sua obra e “ocultar seu método”,
Marx permitiu que Engels (que, como vimos, foi uma das pessoas que
teve di culdades com este aspecto da obra de seu amigo) escrevesse
várias resenhas que minimizaram o tratamento do valor e do dinheiro
para não “desviar do assunto principal”. Parece que Marx tinha a
posição de que:

A teoria do valor é o pré-requisito lógico de sua teoria da produção


capitalista, mas não é indispensável para entender o que esta última teoria
signi ca e, especialmente, qual é a crítica da produção capitalista. A
discussão marxista nos anos recentes adotou esta atitude aparentemente
marxiana (segundo também o conselho de Marx a Sra. Kugelmann[57])
de toda maneira ao estabelecer o problema de se a teoria marxiana do
valor é necessária para a teoria marxiana da exploração de classe.[58]

Marx parecia aceitar que uma leitura mais ou menos ricardiana de


esquerda de sua obra seria adequada às necessidades do movimento
dos trabalhadores. Seus escritos políticos supunham que uma classe
trabalhadora poderosa, se reunindo em torno de uma identidade de
trabalhadores crescentemente homogênea, simplesmente estenderia
através de seus sindicatos e partidos suas lutas cotidianas a uma
derrubada revolucionária da sociedade capitalista. Contra o marxismo
lassaliano socialdemocrata de sua época, Marx escreveu a mordaz
Crítica do Programa de Gotha, na qual atacou fortemente seus
pressupostos político-econômicos incoerentes e de a rmação do
trabalho. Contudo, ele não julgou necessário publicá-la. Ademais, as
ideias que avançou mesmo na Crítica (que foi posteriormente publicada
por Engels) não estão de maneira alguma livre de problemas. Incluem
uma teoria da transição em que o direito burguês na distribuição ainda
permaneceria, através do uso de certi cados de trabalho, e na qual sua
descrição da “primeira fase do socialismo” está bem mais próxima do
capitalismo do que de sua segunda fase mais atraente, sem qualquer
mecanismo tendo sido fornecido para explicar como uma pode se
transformar na outra[59].

Seria incorreto sugerir que a discussão alemã ignorou a disjunção entre


a posição radical que muitos estavam derivando ou desenvolvendo a
partir da crítica de Marx, e a política do próprio Marx. No nal dos anos
70 uma maneira importante na qual esta questão começou a ser
compreendida foi em termos de uma diferença entre um “Marx
esotérico” com uma crítica radical do valor como uma mediação social
totalizante, e um “Marx exotérico” com uma orientação aos, e apoio
pelos, objetivos do movimento dos trabalhadores de sua época[60]. O
Marx exotérico foi tomado como baseado em uma leitura equivocada
do potencial revolucionário do proletariado do século XIX. Rejeitar o
“Marx exotérico” em favor do “Marx esotérico” se tornou uma forte
tendência no contexto alemão. A ideia de Marx do capital como um
sujeito automático inconsciente foi vista como afastando a ideia, que
ele também parece ter tido, do proletariado como sujeito da história. A
luta de classes não é negada nesta perspectiva, mas vista como
“imanente ao sistema” — se movendo no interior das categorias — e a
abolição das categorias é procurada em outro lugar. Marx, nesta
perspectiva, estava simplesmente errado em se identi car com o
movimento dos trabalhadores que, em retrospectiva, nos demonstrou
ser um movimento pela emancipação no interior da sociedade
capitalista, e não o movimento para abolir essa sociedade. Esta
tendência é exempli cada pelos grupos da “crítica do valor” Krisis e
Exit. Embora não use a distinção esotérico/exotérico, Moishe Postone,
que desenvolveu suas ideias em Frankfurt no início dos anos 70,
defende essencialmente a mesma posição. Em Tempo, trabalho e
dominação social, ele vê Marx como oferecendo uma “crítica do
trabalho no capitalismo” (o Marx esotérico), ao contrário de — como no
marxismo tradicional — uma “crítica do ponto de vista do trabalho” (o
Marx exotérico). É interessante que para além desse afastamento da
classe, Postone é mais explícito que a maioria dos acadêmicos marxistas
da forma de valor em tirar conclusões de sua teoria que em termos
políticos o colocam na “ultraesquerda” ou até mesmo reverberam com a
tese da comunização[61].

De modo algum todos aqueles in uenciados pela Nova Leitura de Marx,


e certamente não todos aqueles na área mais ampla de um marxismo
crítico orientado pela forma de valor, se afastam da luta de classes. Nas
discussões anglófonas, a adoção de uma teoria de valor “monetária” ou
do “trabalho abstrato social” não envolveu em geral a mesma rejeição
da análise de classe, mas também não envolveu a mesma crítica das
pressuposições esquerdistas tradicionais que surgiram na Alemanha.
Werner Bonefeld, contudo, que fez mais que a maioria para introduzir
concepções críticas derivadas das discussões alemãs no marxismo
anglófono, assume uma perspectiva resolutamente favorável à luta de
classes[62]. Não obstante, a maioria dos relatos da Neue-Marx Lektüre
entende como uma de suas características principais a rejeição da
atribuição de Marx de uma missão histórica ao proletariado, e uma
sensibilidade cética em relação à luta de classes tem sido predominante
na esquerda alemã. Mas se neste tipo de perspectiva o proletariado é
rejeitado como ator da revolução, a questão então se torna, é claro — de
onde virá a abolição da sociedade de classe? A resposta de certo modo
insatisfatória que é predominante de várias formas nas discussões
alemãs parece ser de que essa é uma questão de se ter a crítica correta
— isto é, de ver a revolução como uma questão de adquirir a
consciência correta. Neste foco na consciência e crítica corretas, parece
que, ironicamente — apesar de todo o questionamento do marxismo
tradicional –, certa problemática leninista que separa educador e
educado é mantida.

Enfatizamos a maneira em que a Neue-Marx Lektüre marcou um


desenvolvimento da e melhoria em relação à Escola de Frankfurt. A
teoria dialética da sociedade de Adorno — em termos de sua
autorreprodução sistêmica pelas costas dos indivíduos, da inversão
sujeito-objeto, e a existência da abstração real — foi derivada da crítica
marxiana da economia política. No entanto, Adorno não conduziu ele
mesmo um estudo detalhado d’O Capital e seus esboços, valendo-se em
grande parte das pesquisas de outrem[63]. A Neue-Marx Lektüre
demonstrou a precisão da compreensão de Adorno da sociedade
capitalista, não na área geral da loso a e da teoria social, mas no
terreno escolhido do marxismo tradicional da interpretação d’O
Capital. Ainda assim, Adorno e Horkheimer pareceram incapazes de
seguir os desenvolvimentos teóricos que estavam sendo realizados por
seus estudantes[64]. Após sua morte, o legado da Escola de Frankfurt
sofreu uma degeneração total para uma teoria burguesa sob Habermas,
enquanto a Neue-Marx Lektüre inaugurou um orescer da teoria
marxiana crítica.

Não obstante, há uma maneira em que as realizações da Neue-Marx


Lektüre podem ser vistas como estando abaixo de Adorno. A categoria
de classe tem um pequeno papel nos escritos de Backhaus e Reichelt e
eles tratam a questão da revolução como estando fora de seu campo de
conhecimento acadêmico, e assim é ironicamente Adorno quem,
mesmo com sua ideia da integração do proletariado, tem mais a dizer
sobre essas questões. O antagonismo como conceito aparece
proeminentemente em seus escritos e expressa um sentido de
antagonismo de classe bastante ortodoxo. Em ensaios como Sociedade
(1965), Notas sobre o con ito social hoje (1968), e Capitalismo tardio ou
sociedade industrial? (1968), Adorno revela uma preocupação
“ortodoxa” (em bom sentido) com a realidade do antagonismo de
classe e da exploração. Nas “Notas”, escrito com Ursula Jaerisch,
Adorno ataca a noção de con ito social como um achatamento
“positivista” do conceito de luta de classes de Marx, embora seja
objetivamente tornado possível pelo desenvolvimento da sociedade de
classes (integração). Apesar de não ser levado a cabo conscientemente,
o antagonismo de classe ainda é um elemento central da sociedade
contemporânea, segundo Adorno. Isso é realçado nas notas a uma aula
de Adorno que Backhaus reconhece como inspiradora da Neue-Marx
Lektüre. Adorno a rma repetidamente aqui que a “relação de troca é
pré-formada (präformiert) pela relação de classe”; o único motivo pelo
qual o trabalhador aceita certas relações é que ele não tem “nada além
de sua força de trabalho” para vender. Diferente dos escritos de
Backhaus, o foco de Adorno está muito no fato de que, enquanto a troca
não é mera ilusão, “é no conceito de mais-valor que a aparência
(Schein) do processo de troca deve ser encontrada”[65]. Assim,
enquanto Backhaus e Reichelt perscrutaram muito mais a fundo nos
escritos de Marx, em certo sentido Adorno foi menos “acadêmico”, mais
“político”, e mais próximo da preocupação de Marx com a exploração e
o antagonismo de classe.

Neste aspecto também, Krahl se diferenciou completamente de seus


herdeiros. Como o título completo de seus escritos[66] publicados
postumamente indica, Krahl teve o mérito não só de se interessar pela
mediação das categorias valor e luta de classes, mas também de adotar
uma perspectiva eminentemente histórica, uma que está bastante
ausente das obras essencialmente lológicas de Reichelt e Backhaus.
Depois de Krahl, o interesse pela reconstrução sistemática suplanta
qualquer interesse pela história na Neue-Marx Lektüre. O movimento de
Backhaus, Reichelt e a próxima geração de teóricos do valor como
Heinrich foi de expulsar da obra de Marx tudo que tem um cheiro “não
cientí co” de uma loso a da história ou teoria da revolução. A questão
não é buscar algum tipo de aplicação mecânica da teoria, mas
reconhecer que os problemas aos quais Adorno e Krahl forneceram
respostas diferentes não foram embora. O sistema deve ser entendido
historicamente e a história, sistematicamente.

Ao contrário de um retorno simplista à posição de Adorno (ou aos


escritos não traduzidos de Krahl), o ponto é entender a atitude
pessimista de Adorno em relação às possibilidades da luta de classes de
sua época como uma tentativa de um enfrentamento honesto das
contradições e impasses da época, ao invés de uma mera debilidade de
sua parte. De modo similar, a retirada das perguntas de Krahl, o
ceticismo nas discussões alemãs sobre o “marxismo da luta de classes”,
e a tentativa de fundamentar uma teoria revolucionária de alguma
outra maneira não são meras aberrações ideológicas. Se não parecem
ter chegado a uma alternativa convincente, pelo menos identi caram
um problema real. Não é óbvio a partir do registro histórico que o
movimento dos trabalhadores aponta na direção do comunismo
entendido como o m do valor, da classe, do Estado, etc. — de fato,
muito pelo contrário. O argumento de que a luta de classes é imanente
ao sistema captura o caráter “preso” das lutas no capital. A ideia do
Marx esotérico e exotérico — o desejo de dissociar a crítica marxiana da
luta de classes — parece, não importa quão herética, oferecer uma
solução plausível ao problema da incapacidade da classe trabalhadora
de realizar sua “tarefa histórica”: através da ideia de que o movimento
dos trabalhadores nunca foi realmente revolucionário em si, e que a
perspectiva realmente revolucionária estava simplesmente na visão
“esotérica” de Marx. Não obstante, é claro que tal dissociação nos
deixaria sem cenário alternativo plausível para a realização desta visão.

É claro que a teoria do valor e a análise de classe não podem ser


separadas em última instância. As categorias valor e classe estão
mutuamente implicadas. Ao entender o capital como operando em
termos de uma “dialética sistemática”[67], é possível ver que sua
relação é interna, tanto porque “o pôr do trabalho social na forma de
oposição entre capital e trabalho assalariado (…) é o último
desenvolvimento da relação de valor”[68] e as relações de valor são um
produto da separação do trabalho vivo do trabalho objetivado, isto é, de
classe. Mas embora deva ser, portanto, em última instância, fútil
procurar a abolição do valor em qualquer outro lugar que não na classe
que é forçada a produzi-lo, e que é cada vez mais tornada redundante
por ele, as dúvidas acerca do potencial revolucionário da classe
trabalhadora que são nutridas por muitos dos críticos do valor devem
ser confrontadas. Parece-nos que a Théorie Communiste realiza isto.

No centro da teoria da TC está o reconhecimento da implicação


recíproca ou envolvimento mútuo do proletariado e do capital. A
questão fundamental que isto coloca é aquela de como a luta de uma
classe que é uma classe da sociedade capitalista pode abolir essa
sociedade. Parte da importância da contribuição da TC é ter resistido
responder a isso ao atribuir uma essência humana revolucionária ao
proletariado, sob sua natureza meramente capitalista e de classe, sem
perder ao mesmo tempo a centralidade da oposição de classe. Sua
resposta é, ao contrário, entender a relação de classe como
historicamente em desenvolvimento por meio de ciclos de luta, sempre
envolvendo uma implicação sistemática. Crucialmente, para a TC a
“comunização” não é sobre o que o comunismo e a revolução “sempre
foram realmente ou deveriam ter sido sempre”[69]. Pelo contrário, o
conceito de comunização surge historicamente com o m de um ciclo
de luta em que o comunismo e a revolução apareciam como outra coisa.

Para a TC, o movimento operário clássico de Marx até a 2ª e 3ª


Internacionais foi parte de um ciclo de luta que eles denominam
programatismo[70]. Neste período, a luta dos trabalhadores e a visão
da superação do capitalismo que surgiu se baseou em uma autonomia e
positividade que os trabalhadores foram capazes de manter na relação
capital-trabalho. A revolução deste período poderia ser descrita como a
tentativa impossível de abolir uma relação por meio da a rmação de
um de seus polos. As tragédias da socialdemocracia e do stalinismo e a
experiência do anarquismo na Espanha foram o produto das
contradições do objetivo e dos métodos de nidos pelo movimento em
seu apogeu, que por sua vez eram um produto da con guração da
relação de classe à época — isto é, da maneira com que o capital e a
classe se defrontavam. François Danel resume a situação na seguinte
passagem:

Uma vez que o desenvolvimento da relação capitalista — isto é, da luta de


suas classes — não provocou imediatamente a abolição mas a
generalização do trabalho assalariado, o proletariado abstraiu o objetivo
nal do movimento e fez a revolução — sua tomada do poder — depender
do amadurecimento das condições tanto objetivas (o desenvolvimento das
forças produtivas) como subjetivas (sua vontade e consciência de classe).
Colocou, assim, o comunismo como um programa e sua realização
completa como o termo último de uma transição impossível: a
expropriação proletária e controle do movimento do valor, o trabalho
assalariado supostamente “fenecendo” a partir do momento em que se
substituía o dinheiro por certi cados de trabalho. (…) O que o movimento
operário pôs em causa não foi o capital como modo de produção, mas
apenas a administração da produção pela burguesia. Era uma questão dos
trabalhadores tomarem o aparato produtivo desta classe parasita e de
destruir o Estado para reconstruir outro, liderados pelo partido como o
portador da consciência, ou de enfraquecer o poder do Estado burguês ao
organizar a produção eles mesmos de cima para baixo, por meio do órgão
dos sindicatos e conselhos. Porém, nunca houve um questionamento ou
uma tentativa de abolir a lei do valor — a compulsão à acumulação e assim
à reprodução da exploração que se materializa ao mesmo tempo nas
máquinas, no capital xo como capital em si, e na existência necessária,
defrontando a classe trabalhadora, de uma classe exploradora, burguesa
ou burocrática, como o agente coletivo daquela reprodução.[71]

O fracasso determinado desta revolução programática legou um


capitalismo pós II Guerra em que o movimento dos trabalhadores tinha
certo poder na sociedade capitalista, mas não possuía mais seu antigo
elemento de a rmação revolucionária autônoma. Foi esta situação que
o desenvolvimento de uma teoria revolucionária teve de confrontar. As
lutas que então deram origem à nova produção teórica dos anos 60 e 70
não foram além do programatismo, independentemente das
esperanças de grupos como a IS. Pelo contrário, assumiram um caráter
contraditório: utopia contracultural e “resistência ao trabalho”,
questões da vida cotidiana, coincidindo como — e de muitas maneiras
dependendo da — força de um movimento mais programático. Foi nesta
contradição e nestas lutas que a teoria da comunização e o novo
marxismo crítico puderam emergir. A resolução destas lutas em favor
do capital marcaram o m daquele ciclo em uma reestruturação na qual
as possibilidades da classe de uma a rmação e autonomia positiva no
capitalismo seriam suprimidas. Para a TC, é exatamente esta derrota
que cria uma nova con guração da relação de classe na qual a
existência da classe não é mais vivida como uma positividade a a rmar,
mas como uma restrição externa na forma do capital. E é esta
con guração que necessita tanto de uma nova compreensão do
comunismo e de uma nova leitura de Marx.

É possível interpretar este “retorno a Marx” em termos de um uxo e


re uxo da teoria comunista que se compara àquele das ondas
revolucionárias: 1917, 1968, etc. Mas, do mesmo modo que a
perspectiva da comunização não nasceu até mesmo nas tendências
heréticas marginais do período revolucionário anterior, nem os
marxismos críticos anteriores foram tão longe quanto aqueles surgidos
nos anos 60. Lukács, Rubin e Pachukanis desenvolveram suas
concepções em relação a um movimento dos trabalhadores ascendente
expressando certa con guração da relação capital-trabalho. A obra dos
primeiros marxistas críticos, bem como aquela de Marx — o primeiro
teórico da forma de valor — apresentava contradições e limitações que a
geração posterior, escrevendo quando o programatismo chegava ao
m, foi capaz de ir além[72]. No período anterior, enquanto o projeto
programático proletário a rmativo foi necessariamente um fracasso
não só da nossa perspectiva da comunização, mas inclusive — e isto é
importante — em termos das metas que se pôs, forneceu, não obstante,
“espaço de manobra” para a contradição capital-trabalho. No nal dos
anos 60 esse espaço estava sendo esgotado. Para os teóricos da
“segunda onda revolucionária” do século XX, uma questão que estava
claramente em jogo era uma rejeição da ideia e prática do socialismo
como aquela de trabalhadores recebendo o verdadeiro valor de seu
trabalho em uma economia planejada.

A leitura crítica de Marx entende a radicalidade que a negação


revolucionária do valor envolve: estamos falando tanto da superação de
nosso próprio ser como de algo “externo”. A contribuição da TC é
compreender como e por que a con guração da contradição entre
capital e trabalho em um período anterior não pôs tal superação. Na
época de Marx, e durante o movimento histórico dos trabalhadores, a
relação entre capital e proletariado pôs a revolução em termos da
a rmação ao invés da negação do trabalho, valor e classe. A obra da TC
sugere que a “saída” radical implicada pela teoria da forma de valor
pode ser determinada pela evolução histórica da própria relação
capital-trabalho, ao invés de ser o produto de uma consciência, de um
ponto de vista suspenso no ar, ou de uma perspectiva crítica
ahistoricamente corretas. A perspectiva histórica na relação de classe
complementa a teoria da forma de valor. E a análise so sticada das
relações sociais capitalistas na dialética sistemática e na teoria da forma
de valor podem informar a perspectiva da comunização ao oferecer
uma elaboração do que é exatamente essa relação de classe, e como as
relações sociais particulares da sociedade capitalista são determinadas
pela forma como tal. A dialética sistemática e a teoria da forma de valor
podem nos ajudar a entender o caráter da relação de classe capitalista,
isto é, o que é exatamente que pode ter uma história em que a
revolução se apresentou anteriormente na forma do programatismo, e
cujo horizonte adequado de superação agora é a comunização. O
comunismo precisa da abolição de uma relação multifacetada que
evolui com o passar do tempo, mas aboli-la só quer dizer que deixamos
de constituir o valor, e ele deixa de nos constituir. A radicalidade de
nossa própria época é que este é agora o único jeito que podemos
conceber tal abolição.

[1] Somos gratos aos camaradas alemães por seus comentários


oportunos ao esboço deste artigo, particularmente DD e Felix do
Kosmoprolet.

[2] Karl Marx, O capital: crítica da economia política : Livro I : o processo
de produção do capital, São Paulo, Boitempo, 2013, p. 155, nota 32.
[Doravante, O Capital, Livro I]

[3] Uma lista, de modo algum completa, de autores incluiria aqui: Chris
Arthur, Werner Bonefeld, Hans-Georg Backhaus, Riccardo Bello ore,
Michael Eldred, Michael Heinrich, Hans Jürgen Krahl, Patrick Murray,
Moishe Postone, Helmult Reichelt, Geert Reuten, Ali Shamsavari,
Felton Shortall, Tony Smith, Michael Williams.

[4] O Capital, Livro I, p. 154–156.

[5] Ao mesmo tempo, o próprio Marx parecia reconhecer que havia um


problema com sua análise da forma de valor, o que o levou a elaborar
ao menos quatro versões do argumento. Há diferenças notáveis entre o
desenvolvimento do valor nos Grundrisse, Urtext, a Contribuição, a
primeira edição d’O Capital com seu apêndice, e a segunda edição d’O
Capital; e não se pode supor que as últimas versões são melhorias em
todos os aspectos em relação às primeiras. De fato, as últimas
apresentações de certo modo mais popularizadoras — que Marx
desenvolveu em resposta à di culdade que até mesmo aqueles
próximos a ele tinham em compreendê-lo — perdem algumas das
sutilezas dialéticas, e oferecem suporte mais à leitura ricardiana de
esquerda do argumento de Marx que dominaria o movimento dos
trabalhadores. Ver Hans-Georg Backhaus, “On the Dialectics of the
Value-Form”, Thesis Eleven 1, 1980; Helmut Reichelt, “Why Marx Hid
his Dialectical Method”, in Werner Bonefeld et al (eds.), Open Marxism
vol. 3, Pluto Press, 1995.

[6] I. I. Rubin, A Teoria Marxista do Valor, São Paulo, Editora Polis,


1987, p. 19

[7] Ibid., p. 132. Riccardo Bello ore destacou que Rosa Luxemburgo foi
outra exceção entre os marxistas tradicionais que prestou atenção à
forma de valor. Ver sua introdução a Rosa Luxemburg and the Critique of
Political Economy, Routledge, 2009, p. 6.
[8] Ortodoxia passou a signi car marxismo dogmático. Lukács realizou
uma tentativa interessante de redimir o sentido de ortodoxia ao dizer
que se referia exclusivamente ao método. Talvez devido à ambiguidade
do termo “ortodoxia”, os termos marxismo de “visão do mundo” e o
“marxismo tradicional” tenham sido usados por marxistas críticos para
se referir às interpretações recebidas de Marx que desejam derrubar.
Aqui, usaremos marxismo tradicional e ortodoxo como sinônimos.

[9] Karl Marx, Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857–1858:


esboços da crítica da economia política, São Paulo, Boitempo, Rio de
Janeiro, Ed. UFRJ, 2011. [Doravante, Grundrisse]

[10] Jacques Camatte, Capital and Community: the Results of the


Immediate Process of Production and the Economic Works of Marx,
Unpopular Books, 1998. Publicado originalmente na Invariance Series
I, vol. 2, 1968.

[11] Roman Rosdolsky, Gênese e Estrutura de O Capital de Karl Marx,


tradução: César Benjamin, Rio de Janeiro, Contraponto, 2001.

[12] Camatte, contudo, critica Rosdolsky por “não chegar ao ponto de


a rmar o que pensamos ser fundamental: o capital é valor em processo,
que se torna homem”, Jacques Camatte, Capital and Community,
Unpopular Books, 1998, p. 163.

[13] Esta é uma maneira de ler os Grundrisse que é depois identi cada
com Negri. De fato, se argumentou que o trabalho inicial deste deve
algo a Camatte. Supreendentemente, independentemente das
ambivalências da política autonomista, o capítulo “Comunismo e
Transição”, no Marx além de Marx, de Antonio Negri, argumenta
essencialmente pela comunização.

[14] Comentando em sua ideia inicial de uma “dominação formal do


comunismo”, Camatte escreve: “a periodização perde sua validade
hoje; também, a rapidez da realização do comunismo será maior do
que se pensava antes. Finalmente, devemos especi car que o
comunismo não é um modo de produção, nem uma sociedade…”. Ibid.,
p. 149, nota 19.

[15] Ibid., p. 165.

[16] Gilles Dauvé, “Sur L’Ultragauche”, 1969.

[17] “Pois a verdadeira riqueza é a força produtiva desenvolvida de


todos os indivíduos. Nesse caso, o tempo de trabalho não é mais de
forma alguma a medida da riqueza, mas o tempo disponível”,
Grundrisse, p. 591. É interessante observar que Postone, que foi
explícito a respeito das implicações políticas radicais de uma
abordagem baseada na “forma de valor”, considera estas passagens
básicas para sua reinterpretação de Marx; ver Tempo, trabalho e
dominação social, São Paulo, Boitempo, 2014.

[18] Gilles Dauvé, Eclipse and Re-emergence of the Communist


Movement, Black and Red, 1974, p. 61.

[19] Grundrisse, 229–230.

[20] E da natureza, que para o capital é — como os homens —


meramente um recurso para o aumento da riqueza abstrata.

[21] Ainda assim, a a rmação da TC não é de que a comunização era a


concepção de Marx da revolução — ver a discussão sobre
“programatismo” abaixo.

[22] Grundrisse, p. 706.

[23] Para uma interpretação do “marxismo tradicional” como visão de


mundo, ver Michael Heinrich, “Invaders from Marx: On the Uses of
Marxian Theory, and the Di culties of a Contemporary Reading”, Left
Curve 31, 2007, p. 83–88. Esta maneira de caracterizar o “marxismo
tradicional” parece se originar com o marxista humanista Irving
Fetscher, com quem tanto Reichelt e Postone estudaram. Ver seu Marx
and Marxism, Herder and Herder, 1971.

[24] Trabalhos que se destacam desse período são História e


Consciência de Classe, de Lukács, Marxismo e Filoso a, de Korsch, A
Teoria Marxista do Valor, de Rubin, e Teoria Geral do Direito e Marxismo,
de Pachukanis. Uma das características do novo período foi uma
redescoberta de muitos dos textos deste primeiro período, e um
aprofundamento de suas problemáticas.

[25] Um exemplo signi cativo disto é que, como Chris Arthur observa,
quase todas as referências a “incorporado” n’O Capital são traduções do
termo em alemão Darstellung, que seria mais adequadamente
traduzido como “representado”. Ver “Reply to Critics”, Historical
Materialism 13.2, 2005, p. 217.

[26] Isso incluía um interesse em Freud e Reich, em combinação com


os ataques mordazes de Adorno ao revisionismo da psicanálise
contemporânea; Eros e Civilização e Ideologia da Sociedade Industrial,
de Marcuse; e a análise da Escola da “personalidade autoritária”.

[27] Rudi Dutschke, “Zur Literatur des revolutionären Sozialismus von


K. Marx bis in die Gegenwart” SDS-korrespondenz sondernummer,
1966.

[28] Krahl morreu em um acidente automobilístico em 1970. A


coletânea de seus escritos e discursos publicada postumamente —
Konstitution und Klassemkampf — não foi traduzida para o português.

[29] Uma exceção importante foi Willy Huhn, que in uenciou alguns
membros do SDS de Berlin. Membro do “Rote Kämpfer”, um
reagrupamento do m dos anos 20 dos membros do KAPD, Huhn foi
preso por um curto período pelos nazistas em 1933/34; depois deste
evento, se dedicou a trabalhos teóricos, incluindo uma importante
crítica da Socialdemocracia: Der Etatismus der Sozialdemokratie: Zur
Vorgeschichte des Nazifaschismus. Não obstante, foi só depois do auge do
movimento que os comunistas de conselho foram propriamente
redescobertos e publicados.

[30] Ele adiciona: “A condição paradoxal desse movimento ideológico


pode ajudar a explicar sua preocupação quase exclusiva com as
questões superestruturais, e a ausência conspícua de preocupação pela
base material e econômica que deveria lhe dar suporte”, Alfred Sohn-
Rethel, Intellectual and Manual Labour, Humanities Press, 1978, p. xii.
Compare com a primeira frase da Dialética Negativa de Adorno: “A
loso a, que um dia pareceu ultrapassada, mantém-se viva porque se
perdeu o instante de sua realização”, Theodor Adorno, Dialética
Negativa, Zahar, p. 11.

[31] A primeira edição alemã d’O Capital possuía diferenças


fundamentais — especialmente na estrutura e desenvolvimento do
primeiro capítulo sobre a mercadoria e o valor — da segunda edição,
que foi a base das edições seguintes pouco alteradas e das traduções a
outros idiomas.

[32] Helmut Reichelt, Neue Marx-Lektüre: Zur Kritik


sozialwissenschaftlicher Logik, VSA-Verlag, 2008, p.11.

[33] Enquanto o polo marxista tradicional da SDS tinha sido


essencialmente reformista até 1968, defendendo uma transição legal
para o socialismo, aquele que passou para o primeiro plano após 68 foi
o antirrevisionista Maoísmo-Stalinismo. Esse foi o período em que
muitos que antes eram “antiautoritários” perderam sua crítica do
marxismo de partidos e se engajaram na formação dos “Grupos-K” (“K”
signi cando Kommunist).

[34] Ver Michael Heinrich, “Reconstruction or Deconstruction?


Methodological Controversies about Value and Capital, and New
Insights from the Critical Edition”, in Riccardo Bello ore & Roberto
Fineschi (eds.), Re-Reading Marx: New Perspectives after the Critical
Edition, Palgrave Macmillan, 2009.

[35] Ver nosso artigo “The Moving Contradiction” nesta mesma edição.

[36] Grossman, por exemplo, ofereceu a ideia de aproximações


sucessivas em que O Capital era visto como apresentando uma série de
modelos analíticos que se tornavam mais complexos à medida em que
mais aspectos da realidade eram adicionados.

[37] Helmut Reichelt, Sobre a estrutura lógica do conceito de capital em


Karl Marx, tradução: Nélio Schneider, Campinas, Editora da Unicamp,
2013. Até onde se pode estabelecer essa correspondência é assunto de
muito debate. Ver os debates entre Chris Arthur, Tony Smith e Robert
Finelli in Historical Materialism (edições 11.1, 15.2 e 17.1). Na
Alemanha, Michael Heinrich e Dieter Wol criticariam de maneiras
muito distintas a ideia de uma “homologia” do capital e do espírito
[sobre esta discussão há, em português, o artido de Elena Louisa Lange,
“A Crítica da Economia Política e a Nova Dialética: Marx, Hegel e o
Problema da Tese da Homologia de Christopher J. Arthur”, in Revista
Opinião Filosó ca, v. 7 n.1, “Dead Dogs Never Die: Hegel and Marx”, 25
de fevereiro de 2017
(http://periodico.abavaresco.com.br/index.php/opiniao loso ca/arti
cle/view/647)].

[38] Esta é a tradução mais precisa de Bonefeld para “sinnlich


übersinnlich”, mal traduzido nas edições em inglês d’O Capital. Ver sua
nota do tradutor para: Helmut Reichelt, “Social Reality as Appearance:
Some Notes on Marx’s Conception of Reality”, in Werner Bonefeld &
Kosmas Psychopedis (eds.), Human Dignity. Social Autonomy and the
Critique of Capitalism, Hart Publishing, 2005, p. 31.

[39] Ibid., p. 46–47.

[40] Quando Moscou republicou as Teorias da Mais-Valia, eles foram


capazes de questionar as decisões editoriais de Kautsky, algo que nunca
considerariam para as alterações consideráveis feitas por Engels ao
Livro III. A publicação dos manuscritos originais (em alemão
[publicado em 2015 em inglês: Karl Marx, Marx’s Economic Manuscript
of 1864–65, tradução: Ben Fowkes, Brill, 2015]) revela que o trabalho
de Engels envolveu reformulações importantes e decisões editoriais
questionáveis, mas tal questionamento do corpus central do marxismo
era um anátema para o marxismo tradicional. Ver Michael Heinrich:
“Engels’ edition of the Third Volume of Capital and Marx’s Original
Manuscript”, in Science & Society, vol. 60, no. 4, 1996, p. 452–466.

[41] Rosdolsky argumenta de maneira polêmica que o segundo e


terceiros livros são incorporados em um plano alterado para O Capital,
mas mesmo que se concorde com ele ao invés de com os contra-
argumentos de Lebowitz e Shortall, os três livros remanescentes são
claramente empreendimentos inacabados.

[42] Para o debate sobre a derivação do Estado, ver: John Holloway &
Sol Picciotto (eds.), State and Capital: A Marxist Debate, University of
Texas Press, 1978; e Karl Held & Audrey Hill, The Democratic State:
Critique of Bourgeois Sovereignty, Gegenstandpunkt, 1993. [Em
português está disponível o livro de Joachim Hirsch, Teoria Materialista
do Estado, tradução: Luciano Cavini Martorano, Revan, 2010; é de
interesse a tese de doutorado de Camilo Onoda Luiz Caldas, A teoria da
derivação do Estado e do direito, tese de doutorado, Faculdade de
Direito, USP, 2013 (disponível em
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-02092014-
163137/pt-br.php)] Muito pouco do debate sobre o Mercado mundial
foi traduzido, mas ver: Oliver Nachtwey & Tobias ten Brink, “Lost in
Transition: the German World-Market Debate in the 1970s”, Historical
Materialism, 16.1, 2008, p. 37–70.

[43] Alfred Sohn-Rethel, Geistige und körperliche Arbeit. Zur Theorie


gesellschaftlicher Synthesis, Surhkamp, 1970.

[44] Karl Marx, “Ware und Geld” (Das Kapital, I, Erste Aufgabe, 1867,
1. Buch, Kapitel 1) in Marx-Engels, Studienausgabe, II, “Politische
Ökonomie”, Frankfurt am Main, Fischer, 1966, p. 234, citado em Ruy
Fausto, Marx: Lógica e Política — Investigações para um reconstrução do
sentido da dialética, Tomo I, Editora Brasiliense, São Paulo, 1987, p. 91.

[45] Grundrisse, p. 58.

[46] Michael Heinrich, “Invaders from Marx: On the Uses of Marxian


Theory, and the Di culties of a Contemporary Reading”, Left Curve 31,
2007.

[47] Jacque Rancière, O Conceito de Crítica e a Crítica da Economia


Política dos Manuscritos de 1844 a O Capital, in Louis Althusser, Jacques
Rancière & Pierre Macherey, Ler O Capital, Volume 1, tradução:
Nathanael C. Caixeiro, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1979, p. 113.

[48] Lucio Coletti, Marxism and Hegel, Verso, 1979, p. 281.

[49] Ver Riccardo Bello ore, “The Value of Labour Value: the Italian
Debate on Marx, 1968–1976” na edição especial em inglês da Rivista di
Politica Economica IV-4–5V, Abril/Maio de 1999.

[50] Ainda assim, surpreendentemente, a importância de Rubin foi


subestimada nos debates alemães. A Teoria Marxista do Valor só foi
traduzido ao alemão (a partir do inglês) em 1973, e o primeiro capítulo
sobre o fetichismo foi deixado de fora. Ver Devi Dumbaze, Ingo Elbe &
Sven Ellmers (eds.), “Sachliche Vermittlung und soziale Form. I.I.
Rubins Rekonstruktion der marxschen Theorie des Warenfetischismus”,
Kritik der politischen Philosophie Eigentum, Gesellsschaftsvertrag, Staat
II, 2010.

[51] Uma exceção notável foi o ensaio de Jairus Banaji, “From the
Commodity to Capital: Hegel’s Dialectic in Marx’s Capital”, in Diane
Elson, Value: The Representation of Labour in Capitalism, CSE Books,
1979. [Livro republicado com o mesmo título pela Verso em 2015]

[52] Por exemplo, Michael Eldred, Critique of Competitive Freedom and


the Bourgeois-Democratic State: Outline of a Form-Analytic Extension of
Marx’s Uncompleted System, Kurasje, 1984.

[53] Chris Arthur, “Engels, Logic and History”, in Riccardo Bello ore
(ed.), Marxian Economics: A Reappraisal: Essays on Volume III of Capital,
vol. 1, Macmillan, 1998, p. 14.

[54] Mike Rooke, por exemplo, critica Chris Arthur e a abordagem da


dialética sistemática por “rei car a dialética” e perder seu signi cador
como uma “dialética do trabalho”. “Marxism, Value, and the Dialectic
of Labour”, Critique vol. 37, №2, Maio de 2009, p. 201–216.

[55] Fora da sociedade de classes, o “trabalho” — a necessidade


humana de intercambiar com a natureza (“o corpo inorgânico do
homem (…) com o qual ele tem de car num processo contínuo [de
intercâmbio] para não morrer” [Manuscritos Econômico-Filosó cos])
não é uma compulsão externa, mas uma expressão de sua própria
natureza. Determinação por si no sentido de, por exemplo, ter de fazer
coisas para comer não é compulsão.
[56] Para uma discussão (que se fundamenta em Backhaus), ver
Michael Eldred, Preface to Critique of Competitive Freedom and the
Bourgeois-Democratic State, Kurasje, 1984, xlv-li.

[57] Marx aconselhou que a esposa de seu amigo podia, por causa de
sua di culdade, pular a primeira parte d’O Capital (sobre o valor e o
dinheiro) — Eldred se refere aqui ao fato de que muitos dos leitores,
como aqueles persuadidos por Sra a e Althusser pensam que esta é a
maneira correta de abordar Marx.

[58] Eldred, ibid., p. xlix-l.

[59] Ver R. N. Berki, Insight and Vision: The Problem of Communism in


Marx’s Thought, JM Dent, 1984, capítulo 5.

[60] Embora possa originar de Backhaus, segundo van der Linden a


distinção foi cunhada por Stefan Breuer em “Krise der
Revolutionstheorie”, 1977. Marcel van der Linden, “The Historical
Limit of Workers’ Protest: Moishe Postone, Krisis and the ‘Commodity
Logic’”, Review of Social History, vol. 42., no. 3, Dezembro de 1997, p.
447–458.

[61] Como Dauvé, Postone vê o “Fragmento sobre as Máquinas” como


enfraquecendo as concepções marxistas tradicionais de socialismo; ele
vê o marxismo tradicional como um marxismo ricardiano que buscou a
autorrealização do proletariado ao invés de — como em Marx — sua
auto-abolição, entende a URSS como capitalista e, como a TC, enfatiza
a constituição histórica da objetividade e da subjetividade. Contudo,
quando se trata de posições práticas no presente, ele se orienta a
reformas, a rmando signi cativamente que sua análise “não quer dizer
que sou um ultra”. Moishe Postone & Timothy Brennan, “Labor and the
Logic of Abstraction: an interview”, South Atlantic Quarterly, 108:2,
2009, p. 319.

[62] Ver, por exemplo, Werner Bonefeld, “On Postone’s Courageous but
Unsuccessful Attempt to Banish the Class Antagonism”, Historical
Materialism, 12.3, 2004.

[63] Bem como a obra de Lukács e Sohn-Rethel, Adorno deve a Alfred


Schmidt por todas as citações dos Grundrisse que usa na Dialética
Negativa. Ver Michael Eldred & Mike Roth, Translators Introduction to
‘Dialectics of the Value-Form’ in Thesis Eleven no. 1, 1980, p. 96.

[64] Ver Helmut Reichelt, “From the Frankfurt School to Value-Form


Analysis”, Thesis Eleven no. 4, 1982, p. 166.
[65] As notas de Backhaus de uma aula de Adorno em 1962 estão
inclusas como uma Apêndice a Dialektik der Wertform, ça ira, 1997.

[66] Constitution and Class Struggle: On the historical dialectic of


bourgeois revolution and proletarian emancipation, Verlag Neue Kritik,
2008.

[67] Ver “The Moving Contradiction”, nesta edição.

[68] Marx, 2011, p. 587.

[69] Théorie Communiste, “Much Ado About Nothing”, Endnotes 1,


2008, p. 192.

[70] Este é o conceito principal no debate entre Dauvé e a TC na


Endnotes 1.

[71] François Danel, Introdução a Rupture dans la théorie de la


revolution: Textes 1965–1975, Senonevero, 2003.

[72] Por exemplo, apesar da maneira com que Rubin pre gura ou
inspira diretamente a teoria muito posterior da forma de valor, algumas
de suas categorias como a categorias trans-histórica de “trabalho
siologicamente igual” e aquela de “trabalho igualado socialmente”
como a base do socialismo podem ser vistas como uma expressão da
maneira que a revolução estava posta no período e a situação de
planejador estatal em que se encontrava. Se a maioria dos teóricos da
forma de valor de hoje não repudiam explicitamente uma concepção
programática da revolução, há, não obstante, um afastamento muito
maior da a rmação do trabalho do que no marxismo crítico anterior. As
implicações “revolucionárias” da forma de valor só são prolongadas
quando o desenvolvimento da luta de classes — isto é, do capitalismo —
permite isto.

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