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O projeto do Vasari (1511-1574), Ludovico Dolce (1508-

1568), Giovanni Pietro Bellori (1613-1696)


Renascimento e inúmeros outros, aproximando-nos dos
vívidos embates artísticos da época. Assim,
a autora apresenta o projeto do Humanismo
Elisa Byington. Rio de Janeiro: Jorge desenvolvido de meados do século 14 ao
Zahar, 2009. final do século 16 e seu influxo na literatura
e nas artes plásticas. Com trechos selecio-
Ana Cavalcanti nados de escritos dos próprios humanistas,
nos familiariza às concepções de arte valori-
Os teóricos e artistas do Renascimento pos- zadas na época. É com leveza e profundida-
tulavam que “era preciso transformar todo de que somos guiados na sequência de te-
o esforço da realização artística em facilida- mas, pois, embora tratando de questões
de aparente” (Byington, 2009:27). complexas, em nenhum momento a leitura
Elisa Byington parece seguir o conselho à ris- se torna pesada ou enfadonha.
ca, pois seu livro O projeto do Renascimento Os princípios que nortearam a atuação dos
apresenta texto preciso e de escrita agradá- humanistas e artistas do Renascimento ga-
vel. Apreciamos sobretudo o modo como nham relevo no texto de Elisa Byington. Ao
se entremeiam referências à concepção atual discorrer sobre a imitação da natureza e da
sobre o Renascimento e informações sobre Antiguidade clássica, conceito crucial para as
as ideias dos protagonistas da época, distin- artes do período, a autora ressalta que a
guindo-as. Se hoje se enfatiza a permanên- imitação não excluía a ideia de originalidade,
cia da tradição clássica durante a Idade Mé- pois se aconselhava aos artistas “imitar com
dia e compreendemos a história a partir dos invenção nova”. Observadora atenta e críti-
elos entre os períodos, para os homens do ca, Elisa segue sublinhando os pontos funda-
Renascimento, um abismo os separava da mentais que caracterizaram a reflexão de
“Idade das Trevas”, e seu projeto cultural vi-
teóricos e artistas. O uso das categorias da
nha recuperar o tempo perdido, renovando
retórica para a descrição das artes visuais é
as conquistas da Antiguidade clássica há
lembrado por seu aspecto revolucionário
muito esquecidas. Tão importante quanto
para a crítica de arte. A ênfase na represen-
conhecer as interpretações recentes sobre
o passado histórico é conhecer as ideias que tação das ações humanas e dos afetos, nova
circulavam entre os contemporâneos dos atribuição dos artistas, marcaria profunda-
acontecimentos em estudo. mente a produção renascentista, criando
direcionamentos que perdurariam até o sé-
É o que faz Elisa ao expor os argumentos de culo 19. A valorização da ideia de indivíduo
escritores e artistas, tais como Francesco é outro aspecto posto em evidência. Fama
Petrarca (1304-1374), Boccacio (1313- e sede de glória deixaram de ser mal vistas,
1375), Cennino Cennini (c.1370-c.1440), passando a ser aceitas e até estimuladas. A
Alberti (1404-1472), Leonardo da Vinci fundação da primeira Academia das Artes
(1452-1519), Michelangelo (1475-1564), do Desenho, para pintores, escultores e ar-
Baldassare Castiglione (1478-1529), Giorgio quitetos, é mencionada como mais um fator

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Resenhas
que propiciou a elevação do status dos ar- Portanto, esse número da coleção Arte+,
tistas, igualando-os aos literatos, realizando dirigida por Glória Ferreira e editada por
assim a orientação de Alberti que afirmara: Jorge Zahar Editor, interessará tanto aos ini-
“o pintor deve ser culto”. ciados quanto aos iniciantes em arte.

Le vite de’ più celebri pittori, scultori e


architetti é objeto de análise detalhada, e seu
autor, Giorgio Vasari, apresentado como “o A filosofia de Andy
maior responsável pela sistematização do
conceito de Rinascita” e primeiro historia-
Warhol: (de A a B e
dor das artes durante o Humanismo. de volta a A)
Encerrando sua narrativa com as descrições
dos funerais de Michelangelo, falecido em Warhol, Andy. Tradução de José Rubens
1564, a autora expõe o significado efetivo Siqueira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2008,
da expressão “artista divinizado”. As conquis- 272 p.
tas artísticas recebiam o reconhecimento
reivindicado, na figura de Michelangelo. Louise D.D.

De grande utilidade, as sugestões de leitura Publicado pela primeira vez em 1975, esse
ao final do livro incentivam o estudante e o livro-talk show de Warhol (1928-1987) só
leitor interessado a aprofundar os conheci- recebeu tradução e edição brasileiras no ano
mentos sobre o Renascimento. Além de passado, inaugurando a coleção O artista
sugerir textos recentes sobre as fontes anti- escreve, da novata editora Cobogó. A filo-
gas, a autora aconselha a leitura dos teóri- sofia de Andy Warhol é basicamente uma
cos da época e indica, para tal, as melhores coletânea de frases de efeito, algumas delas
edições e traduções. já bem conhecidas. A e B, no subtítulo,
correspondem ao próprio Warhol e a al-
Chega em boa hora esse livro de Elisa gum de seus coadjuvantes, a quem chamava
Byington, quando vemos ampliar-se o nú- de superstars. O prefácio, B e eu, resume
mero de cursos de graduação em história bem o conteúdo do livro, registrado pelo
da arte nas universidades brasileiras. Além artista no gravador, com que se dizia “casa-
da Uerj, que já oferecia o curso há tempo, do há anos”, e transcrito pela secretária e
novos bacharelados foram abertos recente- ghostwriter Pat Hackett: um pouco de his-
mente (UFRJ e Unifesp) ou estão previstos tória, divagações concluídas com frases de
para 2010 (UFRGS). Chamo a atenção para efeito e um pouco de nonsense.
o fato porque essa publicação tem a grande
qualidade de apresentar em linguagem aces- Não se trata de uma biografia com início,
sível e concisa o panorama da história e teo- meio e fim nem de um manual. Dividido em
rias da arte produzidas no Renascimento. É temas (e não cronologicamente), A filosofia
evidente o domínio e a familiaridade da au- é uma espécie de álbum de recortes oral,
tora com o tema, cujo estudo aprofundado com detalhes da vida de Warhol como ce-
realizou na Itália, onde se formou historia- lebridade, em que o tema arte é sempre
dora da arte. abordado com certo desdém. No entanto,

RESENHAS 213
sabidamente essa indiferença faz parte de um artistas brasileiros de diferentes gerações e
personagem cuidadosamente construído. Tão forte atuação até os dias de hoje: Anna Bella
cuidadosamente, que chega a ser impossível Geiger, Cao Guimarães, Antonio Dias,
separar o “verdadeiro” Warhol desse perso- Ricardo Basbaum, Waltercio Caldas, Cildo
nagem, parte integrante de seus trabalhos. Meireles, Chelpa Ferro (Luiz Zerbini, Barrão,
Sergio Mekler), Ernesto Neto, Tunga, Adriana
Encarnando o personagem com extrema
Varejão, Carlos Vergara, Artur Barrio e Raul
seriedade, Warhol mostra-se um entusiasta
do american way of life propagado por ele Mourão. Sem utilizar rótulos simplificadores,
mesmo e outros através da Pop Art; viciado como a ideia de “geração”, o autor aproxi-
em compras e televisão e, é claro, um tanto ma dois diferentes grupos de artistas, um
egocêntrico, sempre cercado de “Bs”. Entre compreendendo aqueles que iniciaram sua
os filosóficos ensinamentos do “artista em- produção nos anos 60 e 70 e outro, nos
presarial” (segundo ele mesmo), estão “pense anos 80 e 90 (apesar de explicitar ter prefe-
rico, pareça pobre” e “ganhar dinheiro é uma rido considerar como critério, nesse segun-
arte, trabalhar é uma arte, e bons negócios do grupo, o período de amadurecimento do
são a melhor arte”. trabalho nas décadas de 1990 e 2000), in-
vestigando continuidades e descontinuidades
Como tudo que vem de Andy Warhol, A na produção contemporânea brasileira, pós-
filosofia não se propõe a ser um livro sério – movimento neoconcreto.
pelo menos não aparentemente. A filosofia
do título pode ser, ao mesmo tempo, um Alguns pontos podem ser problematizados
simples modo de pensar e uma paródia das inicialmente, tais como a ausência de no-
reflexões críticas e racionais, já que, através mes importantes nessa seleção e a presen-
de suas observações frívolas, declarações de ça predominante de artistas que vivem e
amor ao consumo exacerbado e voyeurismo, trabalham no Rio de Janeiro (um aspecto
Warhol mostra um retrato de sua época e acarretando o outro). Porém, ambas as con-
do que estava por vir. siderações são amenizadas ao compreender-
mos que Scovino não pretende abarcar a
produção contemporânea brasileira como
Arquivo um todo (quem conseguiria se ocupar de
tal tarefa?), e sim trabalhar com um recorte
contemporâneo multifacetado, que lhe permite investigar
certos pressupostos, com base em afinida-
des eletivas. Questionando a noção de lega-
Scovino, Felipe (org.). Rio de Janeiro: 7Le-
do intermitente (ou “herança contagiosa”,
tras, 2009, 312 p. [Notas biográficas de
como prefere assinalar), defende que é atra-
Fernanda Lopes]
vés das diferenças evidenciadas no diálogo/
Ivair Reinaldim confronto entre artistas e entre obras que
encontraremos de fato similitudes na arte
Fruto de projeto contemplado no Progra- produzida no Brasil desde os anos 60 (esse,
ma de Bolsas de Produção Crítica na área claramente, argumento passível de abarcar
de Artes Visuais da Funarte, Arquivo con- recorte mais amplo). Desse modo, o autor
temporâneo compreende 13 entrevistas iné- explicita a importância de reconhecer lega-
ditas, organizadas por Felipe Scovino, com dos, sem rechaçar conflitos.

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Cinco são os campos de investigação que estabelece no diálogo/embate entre
nortearam a estruturação das entrevistas: 1. entrevistador e entrevistado, assim como no
“a visão dos artistas que iniciaram suas traje- atravessamento das entrevistas (que podem
tórias nos anos 1960/1970 sobre a experi- ser lidas sequencial ou randomicamente).
mentação que as suas obras trouxeram ao
circuito de artes visuais brasileiro”; 2. “as apro- Como compreende de modo exemplar
ximações (e ao mesmo tempo diferenças) Frederico Coelho no posfácio do livro, para
que existem entre ‘campos temporais’ dis- o entrevistador, “toda entrevista é um ris-
tintos de artistas que trabalham com o mes- co”, do mesmo modo que para o entrevis-
mo suporte (...), assim como as dificuldades tado, uma vez que “toda entrevista aciona
(técnicas, mercadológicas) que esses supor- uma instância (auto)crítica em que ele se vê
tes sofreram e ainda sofrem”; 3. “o olhar da ora como sujeito, ora como objeto das per-
produção mais recente sobre as práticas ar- guntas e respostas”. E os riscos surgem aos
tísticas produzidas nas décadas de 1960 e olhos do leitor no contato entre esses
1970 no Brasil e o diálogo dessa experimen- interlocutores, mas, sobretudo no cruzamen-
tação com os seus trabalhos assim como os to desses depoimentos, nas respostas con-
novos direcionamentos/apontamentos que vergentes e divergentes para as mesmas
as suas obras trazem dentro de uma trajetó- perguntas, nas diferenças de opinião e nos
ria de inovação”; 4. “a visão de todos os ar- conflitos de interpretação, nas nuanças de
tistas sobre a passagem do moderno ao con- personalidade, na reflexão perspicaz e con-
temporâneo no circuito das artes visuais bra- tundente, na memória atualizada através do
sileiras a partir das produções e experimen- discurso; enfim, é nos interstícios dessas de-
tações realizadas no período de tempo em marcações precisas que o território
que o livro se inscreve”; 5. “o lugar de uma multifacetado mencionado pelo autor se faz
arte transnacional no fluxo do globalismo”. mais evidente. É preciso um alerta: esse não
é um livro de entrevistas, mas um livro en-
Ao optar por publicar entrevistas em vez tre as vistas.
de realizar estudo monográfico/ensaístico,
Scovino reforça a importância cada vez Por fim, assim como Felipe Scovino salienta
maior da fala do artista, em consonância com transformações na ordem da função “artis-
ta”, que cada vez mais passa a refletir sobre
publicações que têm privilegiado essa práti-
sua obra e os processos de sua circulação,
ca. Particularmente, Arquivo contemporâneo
aproximando-se do crítico de arte, do mes-
insere-se no projeto editorial pioneiro que mo modo é preciso pensar o papel do teó-
a Funarte estabeleceu desde o final dos anos rico no enfrentamento desse arquivo. Como
70, voltado para a pesquisa e consolidação pensar uma história da arte que dê conta
da arte contemporânea no país, abrindo es- desse pensamento plural e fragmentado, sem
paço tanto para críticos e pesquisadores a predisposição de uniformizar esses discur-
quanto para artistas (vide as coleções Arte sos (reconhecer as diferenças), mas ao mes-
contemporânea brasileira, Temas e deba- mo tempo aceitando o risco de enfrentar
tes, Pensamento crítico e Fala de artista). recortes mais amplos? A proximidade e o
Ao mesmo tempo em que o autor alimen- trabalho colaborativo entre historiadores/
ta o “arquivo” da arte contemporânea brasi- críticos e artistas é meio profícuo e capaz de
leira com novas fontes, salienta a apontar novos caminhos para a historiografia
“contemporaneidade” desse debate, tor- da arte (como sempre o fez) e, nesse senti-
nando público esse pensamento que se do, as entrevistas assumem papel fundamen-

RESENHAS 215
tal, reforçando o quanto a história se alimenta O projeto, desenvolvido pela colaboração
da crítica: a história crítica da arte (o que já de Gerchman e Lina Bo Bardi, conjuga uma
parece soar como pleonasmo). Interpretar vertente experimental e uma pauta de ques-
essas fontes é um desafio que mais cedo ou tões emblemáticas para se compreender o
mais tarde teremos que assumir. quadro sociocultural brasileiro, abarcando,
além da arte, temas como sexualidade, cul-
tura negra, entre outros. Por um lado, po-
Jardim da Oposição demos perceber (talvez intuitivamente)
como dilemas vindos dos anos 60 – o cho-
que entre a arte e a cultura de massas, sua
Escola de Artes Visuais do Parque Lage, capacidade de descoberta e invenção subje-
Rio de Janeiro, julho-agosto 2009 tiva, comunicabilidade da arte no mundo
contemporâneo – repercutem no desenho
Guilherme Bueno didático da escola. Olhando seu plano, ele
parece ainda retomar o sentido de totalida-
... and there are no sins inside the de que marcou o ensino de arte no século
gates of Eden 20 e teve como primeiro grande modelo a
Bob Dylan Bauhaus. No caso do Parque Lage, ao me-
nos naquele momento, parece haver ali uma
A mostra Jardim da Oposição, realizada na
herança daquele paradigma, porém confron-
Escola de Artes Visuais do Parque Lage re-
tado a outra realidade não só política ou
gistra os primeiros anos de atividade da ins-
social, mas existencial.
tituição após a reforma empreendida por
Rubens Gerchman. A importância assumida Do conjunto em exibição destacam-se a se-
pela escola nestes mais de 30 anos é hoje ção dedicada a filmes (especialmente as
mais do que reconhecida – coube à exposi- Cinesias, de Sergio Santeiro – obras que eram
ção, organizada por Heloísa Buarque de a um só tempo cinema e poesia), e os regis-
Hollanda e Helio Eichbauer, apresentar ao tros da Oficina Pluridimensional, de
público os aspectos objetivos dessa história, Eichbauer, sobretudo o seu Uirapuru, no qual
até então enovelada na memória e em mi- a força de transgressão comportamental do
tos dela decorrentes. corpo assume dimensões radicais. A eles
somam-se os eventos de poesia marginal, a
O período-alvo, 1975-1979, é revisitado por oficina de Celeida Tostes, os cursos de fo-
meio de documentos (cartazes, fotos, regis- tografia, cenografia e cinema, que ainda re-
tros de aula, filmes, cadernos, etc.) e teste- presentavam novidade no ambiente das ar-
munhos. Diria que até mais significativo do tes plásticas.
que perceber quem frequentou o Parque
Vista a exposição dentro de um contexto
Lage ou por lá circulou (para citar alguns
temporal mais amplo, há um ponto que
nomes, vai de Caetano Veloso a Mário Pe-
merecerá ser analisado futuramente por his-
drosa, passando por diversos poetas, artis- toriadores de arte brasileiros: interpretar
tas e agentes culturais que marcariam a cul- como um todo o significado da simultanei-
tura brasileira a partir de então) é reconhe- dade de diversas investidas no ensino e pen-
cer ali um processo pioneiro e transforma- samento sobre a arte ao longo dos anos 70.
dor da arte, principalmente num momento Em outras palavras, colocar lado a lado a
frágil do país. Escola Brasil, os cursos do Museu de Arte

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Moderna, a ECA-USP e a Faap daquele pe- artística quase invisível. Da obra resulta a ideia
ríodo para discutir, entre outras coisas, de retomada, de uma apropriação passada
como e por quais caminhos haveria circuns- ou futura da fachada.
tancial transmissão de um legado do
experimentalismo dos anos 70 para aqueles Quando entramos nas Cavalariças somos
artistas que, ainda estudantes nesse perío- surpreendidos: encontramos novamente a
do, emergiriam na década seguinte. É claro fachada, mas, dessa vez, deitada em inclina-
que não se deve buscar aqui relações diretas ção suficiente para funcionar como uma ram-
ou genealogias – sob o risco de simplificação pa, um convite a ‘subir pelas paredes’. Nes-
e falseamento da história da arte brasileira –, se trabalho de Simone Michelin e Ricardo
mas ampliar o mapeamento do campo de Ventura, ‘escalamos’ a fachada até descobrir
trocas e do imaginário que perpassaram es- o céu escondido em algum buraco: nuvens
ses capítulos decisivos de nossa produção. claríssimas, em slowmotion, nos levam a ver
balões também alvíssimos. No visor, a luz.
Sutileza. Mehr licht. Desejo de voar. Seria
2 em 1 possível olhar lá de cima da fachada, dos
balões, das nuvens, e ver os corpos aqui
embaixo? Sim, em outra pequena janela cir-
cular, a outra visão: como se estivéssemos lá
Cavalariças do Parque Lage, Rio de Ja-
de cima, vendo os artistas aqui embaixo.
neiro, 30 de julho a 6 de setembro de Espelhamento em plongée e contre-plongée.
2009 Vamos espelhar a fachada? Vamos espelhar
o céu? Vamos espelhar a luz? Nesse traba-
Kenny Neoob
lho, o primeiro reflexo é a fachada-rampa,
Na contemporaneidade, deseja-se sempre virtualidade concretizada em madeira com-
que uma exposição provoque alguma mu- pensada. O segundo reflexo está na imagem
tação na percepção coletiva, quer seja em que a câmera, acoplada aos balões, captura
relação ao espaço, ao tempo etc. 2 em 1, lá de cima. O terceiro reflexo está no vídeo
nas Cavalariças do Parque Lage, realiza esse que registrou os balões e as nuvens. Cada
desejo? Pensada para expor o trabalho de imagem é um espelho que reflete um tem-
duplas de artistas e, ao mesmo tempo, ques- po. O atual e o virtual se cruzam e se
tionar a autoria, essa mostra se coloca inter- entrecruzam. Cria-se um movimento circu-
ligada por algo mais do que se mistura nas lar variado de espelhamentos e rebatimentos.
sensações, algo entre percepção e afeto. A Sob a influência desses movimentos imagi-
integração das obras apresentadas não é uma nários chega-se a uma zona de turbulência.
integração de estilos ou formas, muito pelo Podemos entrar em um ‘túnel do tempo’,
contrário. Os artistas parecem afinados em como naquele seriado de televisão da déca-
expor uma intensidade que se reflete em da de 1960? Por túnel de rotações variadas,
cada obra e que flui entre uma obra e outra. como em reflexão filosófica sobre o tempo,
podemos chegar a duas outras obras: à tur-
Para entrar nas Cavalariças precisamos des- bulência de Barrão e Marta Jourdan ou às
viar de alguns andaimes. Parece que o imó- memórias de Suely Farhi e Carol Valansi.
vel está em restauração, mas não, é aí que
está a obra de Cabot e Daniel Toledo: um Na obra de Farhi e Valansi reencontramos a
espelhamento vazado da fachada realizado ausência do lápis de cor de nossa infância:
com uma estrutura de andaimes. Proposta um grande círculo de lascas vermelhas pare-

RESENHAS 217
ce ainda conter a força utilizada, durante duas periência acontece quando os espectadores
semanas, para apontar todo aquele material. acionam suas lanternas de celulares: a expe-
Da transformação residual do lápis é forma- riência é perdida e, então, vemos um grande
do o grande círculo deitado no chão. Em ventilador industrial e um aparelho de som
contraste, encontramos pó vermelho em um instalados no centro do espaço vazio.
pequeno círculo suspenso acima do outro.
Em outra linguagem, menos ambiental, há o
Pó feito de restos de miolo de lápis. O que
trabalho de Luiz Alphonsus e seu filho Do-
era interno no lápis, agora se expõe à luz,
mingos Guimarãens. Numa estória em qua-
acima de seu exterior agora rebaixado. No- drinhos, quase infantil, encontramos outro
vamente se dá o espelhamento entre um espelhamento temporal. Dessa vez, entre
círculo e outro, entre o interior exposto e diferentes registros da história pessoal dos
sua sombra refletida no grande círculo. Essa dois artistas. Um cruzamento faz refletirem
sombra circular nos leva de volta ao túnel as fotografias do pai nas do filho e o inverso.
imaginário através da matéria. A disposição não histórica das imagens cria
outra leitura. Vemos o pai-bebê com o fi-
Intensidade é o que reencontramos na ins-
lho-adulto: a inversão cronológica parece o
talação de Barrão e Marta Jourdan: um gran- resultado de um jogo de dados caótico. Es-
de espaço, sem luz, que o observador pene- tranheza que pressupõe um espaço virtual
tra, apesar de não poder orientar-se pela qualquer em que passado, presente e futu-
visão. Recorre, automaticamente, aos outros ro coexistam. Os registros temporais se
sentidos. No interior da sala, um forte des- espelham e se integram. Há uma repetição
locamento de ar vindo de uma direção nos metafísica. O pai está no filho, o filho está
arrebata. Todo o corpo percebe o fluxo in- no pai, mas não são os mesmos. Nessa re-
tensivo e, aos poucos, a audição distingue petição está compreendida a diferença. E é,
um misto de sons provenientes de algo pos- exatamente, essa diferença que emerge da
sante. Os sons provêm da mesma direção obra em questão.
que o vento. Ao persistir na experiência, na
Enquanto somos tomados por essas sen-
escuridão, conseguimos distinguir o fluxo de
sações, um monitor, da dupla de curadores
sons do fluxo de ar. Mergulhamos nesses flu-
Daniela Labra e Felipe Scovino, expõe flu-
xos de movimentos circulares como quem
xos presentes. Uma observação dos
mergulha numa correnteza em direção à
devires artísticos? Uma obra? Um registro
nascente. Correnteza que promete nos le-
para desenvolvimentos futuros? Parte de
var muito além de lá. Talvez à origem, talvez
um processo?
ao Rio Aqueronte. A promessa é potente,
mas não se sabe do quê. Imagens singulares Este texto é uma expressão das sensações
nos chegam à mente: um navio enfrentando suscitadas pela exposição. Sensações que
um furacão, um helicóptero pousando, um desdobram lembranças. Sensações mistas:
buraco-negro. O intenso fluxo de ar nos entre a objetividade e a subjetividade de
coloca dentro de um túnel, como em uma quem observa. A experiência de cada um é
passagem, uma porta, que nos leva a algo, diferente, singular: uma leitura das sensações
talvez ao caos absoluto. Na reação dos es- imanentes. E que, afinal, assim afloram: dois
pectadores pode-se notar, ao mesmo tem- em um ou todos em um?
po, terror e fascinação. Uma recusa da ex-

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Felipe Cohen – Essa chave nos permite abordar os traba-
lhos, aparentemente tão díspares, agrupados
Colagens pelo artista paulistano e pelo curador Gui-
lherme Bueno na recente exposição que
ocupou o segundo andar da Galeria Anita
Galeria Anita Schwartz, Rio de Janeiro, 9 Schwartz. Nada mais pareceria ligar, por
de julho a 1o de agosto de 2009 exemplo, as colagens da série Paisagens
(2009, todas em papel-cartão e paraná) e a
Sérgio Bruno Martins
videoinstalação Mar Adentro (2009), expos-
Para Felipe Cohen, “a ficção criada por cer- tos em paredes opostas, do que uma ana-
tos objetos não cabe no espaço real, e de crônica recorrência à ordem dos gêneros: a
certa forma o ignora”.1 Cohen busca aqui paisagem. Para a videoinstalação Cohen fil-
defender a prática artística (em particular mou, do alto do Pão de Açúcar, pedaços do
aquela que, como a sua, se dá em três di- céu e do mar; na galeria, ambos são
mensões) contra o imperativo do diálogo projetados sobre as superfícies vertical e
explícito e imediatista com o entorno. O que horizontal, respectivamente, de um peque-
entra em jogo é certa qualidade de autono- no anteparo em forma de ‘L’, como um livro
mia – esse conceito tão recorrentemente aberto em 90o. O trabalho efetua, portanto,
vilipendiado ao longo das últimas décadas. É dupla redução da paisagem: primeiro, ela é
importante ter em mente aqui a maneira resumida a dois polos constitutivos através
segundo a qual essa citação introduz a figura do recorte da filmagem; em seguida, esses
do excesso. Não se trata da pretensão de polos são avizinhados de modo a remontar,
que o trabalho habite domínio essencialmen- em pequena escala, o eixo fenomenológico
te alheio à realidade, mas de reconhecer experimentado pelo artista no alto do mor-
nessas esculturas, instalações e objetos (cuja ro – céu diretamente à frente, mar perpen-
recorrente banalidade – copos, lâmpadas, dicularmente abaixo. Nesse processo, o ho-
envelopes – nem poderia sonhar em isentá- rizonte, que desaparecera com o recorte,
los de relação íntima e primeira com o real) retorna, dessa vez de forma puramente
o esforço de constituição de uma autono- esquemática, como o encontro entre as duas
mia crítica – que põe em crise as coordena- superfícies do anteparo, a dobra interior do
das de nossa experiência cotidiana ao, par- ‘L’. No entanto, mais do que artificial, esse
tindo delas, excedê-las. Assim como a rela- horizonte é agora disfuncional: em vez de
ção entre continente e conteúdo, tão fre- mediar uma passagem amena entre diferen-
quentemente problematizada no trabalho de tes tons de azul, ele marca um ponto de
Cohen, essa autonomia não deve, entretan- corte e fricção entre as diferentes
to, ser vista como estável e alienada, mas materialidades que o filme registra em céu e
como plataforma sobre a qual a arte mar, com a textura repetitiva das marolas a
reinventa sua capacidade de questionar o debruçar-se contra um paredão impalpável
real. Ou ainda: não é um trabalho que conte de céu e nuvem. Contraste acentuado, ade-
com espaço dado de antemão; antes se mais, pela proximidade que o espectador é
empenha em construí-lo, incorporando esse impelido a tomar ao acocorar-se diante do
processo e suas tensões inerentes como um anteparo no chão para adequar-se ao eixo
de seus dados mais potentes. fenomenológico proposto.

RESENHAS 219
Também a experiência das colagens é reor- singeleza tocante – que percorre e aproxi-
ganizada a partir de uma irrupção material. ma imagem e matéria – impõe gravidade a
Se os tons crepusculares que distinguem os todo o entorno. Nossos passos tornam-se
diferentes planos nos convidam a um pas- brutos e desajeitados, como se investidos
seio tranquilo por essas paisagens, esse não do peso industrial do contêiner; passos in-
é sem tropeções: é justamente no ajuste do capazes de empreender a aproximação de-
olhar a passagens sutis e nuançadas que no- licada que a própria integridade do objeto
tamos os mínimos – mas curiosamente parece requisitar, como se a menor trepida-
abruptos – desníveis que marcam, como ção pudesse pô-lo em risco (Cohen costu-
meios-fios, as diversas espessuras dos car- ma expor seus objetos de pequena escala
tões. À nossa despercebida aproximação fí- no chão – embora nem tanto nessa exposi-
sica, o trabalho responde evidenciando sua ção –, o que lhes acentua a fragilidade).
própria materialidade e nos obriga a rever Anunciação seduz pela justeza com que a
os termos daquilo que já pensávamos ter forma e a materialidade do objeto se amar-
reconhecido como objeto de nosso olhar. ram à temporalidade de experimentá-lo.
Numa colagem, por exemplo, um recorte
em forma de ilha que parecia repousar so- Vale aqui retomar o ponto inicial e lem-
bre a linha do horizonte revela, se visto de brar quão banais são tantas das coisas que
perto, ser literalmente isto: um pedaço de servem de ponto de partida para o
cartão assentado sobre a borda espessa de enredamento que venho descrevendo. Isso
outro, que define o mar, ambos mutuamen- vale também para os envelopes de plástico
te enredados em delicada e irrevogável insi- ou papel dos outros trabalhos que, por ra-
nuação de corpo. zões de espaço, não abordei diretamente.
Que, no âmbito desses trabalhos, essas coi-
Mas é talvez em Anunciação que se articula sas não se atenham ao rumo imediato de
de forma mais plena o caráter fictício ao qual seu significado cotidiano – que elas o exce-
Cohen se refere. Exposto no contêiner que dam – não implica menor questionamento
a galeria mantém em seu terraço, o trabalho da realidade, pelo contrário. Pois, como pro-
consiste numa lâmpada acesa que pende do põe Slavoj Zizek ao definir o conceito de
teto até alojar-se (mantendo-se, no entan- ideologia, é a realidade cotidiana em si que
to, suspensa pelo fio) no interior vazio de nos é oferecida como defesa – um escape às
um copo de vinho no chão. Mais que alojar- avessas – contra o que é propriamente real.2
se, seus contornos conformam-se aos do
copo e vice-versa. Soma-se a isso uma
complementaridade de outra ordem, fruto
do modo com que o solitário ponto de luz Notas
evidencia a transparência enquanto dado
1 Cohen, Felipe. Conversa por email com o autor. 17.08.2009.
material do vidro; é como se duas peles
transparentes se superpusessem formando
2 Ver Zizek, Slavoj. The Sublime Object of Ideology. Lon-
dres: Verso, 1989: 45.
apenas uma. O simbolismo do título traduz-
se assim numa forma de economia extrema,
e a consciência imediata que temos dessa

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