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ANAIS XI SEMANA DE HISTÓRIA POLÍTICA
RELAÇÕES DE PODER: CRISE, DEMOCRACIA E POSSIBILIDADES
VII SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA: POLÍTICA, CULTURA E SOCIEDADE
ISSN: 2175-831X - PPGH/UERJ 2016
INTRODUÇÃO
Os desfiles das Escolas de Samba a partir dos anos 1960 foram se tornando
espetáculos grandiosos, que despertaram e continuam a despertar o interesse de
grande parte da população brasileira. Fatos pitorescos, grandes personagens e o
contexto histórico embasando cada enredo, permite as agremiações passar em
“revista” os acontecimentos importantes, as ideias, tendências artísticas,
comportamentais, que influenciaram e ainda influenciam nosso panorama cultural.
Mediados pela ação de um Estado de caráter autoritário, instalado com o
Golpe civil-militar em 1964, a sociedade buscou formas de resistência para combater
a falta de liberdade democrática e o esvaziamento dos direitos de cidadania das
organizações sociais, culturais e políticas. Os anos 1970/80 revelam, de maneira
quase holística seu sentido mais profundo de novas estratégias do fazer político,
tendo a cultura como campo fecundo.
Durante o período ocorreu grande produção de elementos e bens culturais,
que com o embricamento das questões políticas gerou vários desdobramentos nas
nossas práticas culturais, ora de contestação, ora de enaltecimento de ideologias que
se contrapunham no cotidiano. Era preciso criar espaços, brechas de intervenção e
opinião política e as artes, de maneira geral deveriam reabrir os caminhos para o
retorno da normalidade democrática, a partir de campanhas e movimentos com
efetiva participação popular.
Assim sendo, as Escolas de Samba conectadas ao período em destaque se
mostraram também engajadas. Com a adoção de temas críticos à realidade social e
política brasileira, com os embates dos agentes culturais das Escolas de Samba com
os agentes da Censura e a participação direta das comunidades das agremiações nas
campanhas e movimentos políticos posso analisar o processo histórico a partir de um
grupo de atores políticos, geralmente vistos como despolitizados, vitimados pela
“ignorância” e passíveis às ações de políticos ambiciosos e “populistas”.
A história das Escolas de Samba pode ser trabalhada como chave de
compreensão do todo histórico. Os aportes em seus enredos, o trabalho das
comunidades, a repercussão dos desfiles, sua existência cultural e a relação que se
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As tensões presentes nas propostas de enredos das Escolas de Samba podem ser
percebidas, antes mesmo de iniciado o processo de abertura política.
A agremiação do bairro de Cavalcante, zona norte da cidade, apresentou em
seu desfile de 1976 o enredo Os Sertões, uma homenagem ao jornalista e escritor
Euclides da Cunha e sua obra de maior destaque, onde descreveu a última investida
do exército brasileiro sobre os sertanejos, liderados por Antônio Conselheiro no
Arraial de Canudos. O tema, extremamente polêmico que descreve uma ação
violenta do exército em um dos maiores massacres populares de nossa história
poderia ser taxado de “subversivo”. Não consta, na literatura do carnaval uma
narrativa sobre ação da censura na letra do samba ou na proposta estética da
agremiação. O rebaixamento para o segundo grupo foi, segundo os analistas do
desfile, em decorrência da “chuva torrencial” que desaguou na hora da apresentação
da Escola (15).
Outro exemplo a ser analisado é o desfile da Unidos de Vila Isabel (1980)
com o enredo O sonho de um sonho. A partir da poesia de Carlos Drummond de
Andrade, Martinho da Vila compôs um inspirado samba e conseguiu, no ano
seguinte à promulgação da Lei da Anistia, levar para a avenida uma composição que
tocava em questões complicadas para o período, como a liberdade, a tortura, a
clausura e as relações de poder estabelecidas pelo princípio do autoritarismo. E a
avenida cantou: Um sorriso sem fúria entre o réu e o juiz/A clemência e a ternura
por amor da clausura/A prisão sem tortura, inocência feliz/Ai meu Deus/Falso sonho
que eu sonhava (16). Segundo Chico Otávio e Aloy Jupiara, Foi a vez mais direta
que, naqueles tempos, uma escola de samba clamou pela liberdade, sobretudo na
ousadia contida no verso “a prisão sem tortura”. (17)
Outro desfile que merece ser analisado é o do Salgueiro (1983) Traços e
Troças. A partir de um enredo sobre as caricaturas foi apresentado em tom de ironia
a ação da censura e a proibição de “certos assuntos”, citados na letra do samba:
Eu sou o Rio e rio à toa/Só rio de quem me impede de sorrir/A minha pena
não tem pena nem perdoa/Mexe com qualquer pessoa/Ela quer se
divertir/Será que a política não vai me censurar?/Já sei, certos momentos
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não se pode criticar!/Gozar, traçar, ferir/Fazendo de novo meu povo
feliz/Riscando aquilo que ele não diz... (18)
Um caso interessante que também merece análise se trata de uma ação de
“autocensura” que ocorreu no Império Serrano (1984). O enredo, Foi, malandro é,
em sua parte final tinha como proposta “cutucar” os militares, mas a própria direção
da Escola, “escaldada” com os acontecimentos da década de 1960, preferiu não
arriscar e decidiu cortar a parte proposta por Fernando Pamplona ao carnavalesco
Renato Lage que desenvolveu o enredo (19).
Os enredos sociais da São Clemente (1984-1994) e em especial da
Caprichosos de Pilares (1983-1985) trouxeram para o ampliado leque de
possibilidades temáticas a verve crítica e satírica dos problemas políticos e
econômicos do país. O enredo sobre a Feira Livre (1983), Sobre Chico Anísio e seus
personagens (1984) e o aclamado E por falar em saudade (1985), uma viagem
nostálgica e crítica sobre as décadas anteriores a Ditadura Militar, foram momentos
marcantes onde o desejo de debater os acontecimentos políticos se tornava
necessidade dos artistas e sambistas. A mensagem, na letra do samba da agremiação
do bairro de Pilares, Diretamente o povo escolhia o presidente era objetiva e
utilizava o espaço temporal do carnaval para demonstrar a insatisfação com a
negativa da emenda Dante de Oliveira, na campanha das Diretas Já.
O terceiro plano proposto analisa as estratégias de atuação direta das Escolas
de Samba do Rio de Janeiro nos movimentos que ocorreram no período em questão e
que representaram as lutas pela redemocratização política brasileira. As campanhas
pela Anistia, a expectativa pela Abertura, a eleição de governador e as manifestações
nas Diretas Já! envolveu as agremiações, ora em seus espaços físicos, ora com os
sambistas agindo como agentes políticos.
O que posso perceber nesta investigação preliminar é que os integrantes das
Escolas de Samba e as próprias agremiações, enquanto instituições culturais atuaram
como atores políticos (coletivos e individuais) nas diversas campanhas que
movimentaram a sociedade brasileira na busca de nova redefinição de cidadania e no
retorno as liberdades democráticas.
Uma das evidências desta atuação se verifica na participação de sambistas na
campanha política do gaúcho Leonel de Moura Brizola para governador do Estado
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em 1982. Com grande apelo popular, o político contou com o apoio de várias
agremiações, realizando comícios em suas quadras e espaços culturais (20). O jingle
da campanha, composto por Noca da Portela (21), um dos mais respeitados
compositores da agremiação de Madureira foi interpretado pela sambista Beth
Carvalho, muito identificada com o “brizolismo” e com sua Escola “de coração”, a
Estação Primeira de Mangueira. O samba extrapolou o ambiente político e se tornou
um grande sucesso popular:
O que adianta eu trabalhar demais, se o que eu ganho é pouco/se cada dia
eu vou mais pra trás, nessa vida levando soco/e quem tem muito tá
querendo mais, e quem não tem tá no sufoco/vamos lá rapaziada, tá na hora
da virada vamos dar o troco/ Vamos botar lenha nesse fogo, vamos virar
esse jogo que é jogo de carta marcada/o nosso time não está no degredo
vamos à luta sem medo que é hora do tudo ou nada.(22)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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NOTAS
1 - Expressão cunhada para representar o surto de crescimento econômico que se instalou no Brasil na
virada dos anos 1960-70, momento de fortalecimento do regime militar e ampliação dos instrumentos de
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legitimação do regime (tanto de forma repressiva, quanto na propaganda nos meios de comunicação)
junto à população.
2 - A lei passou a vigorar em 1 de janeiro de 1979.
3 - Em 1981, na noite de 30 de abril, um desses shows realizava-se nos palcos do Riocentro, no Rio de
Janeiro, quando uma bomba explodiu no estacionamento. Meia hora depois, uma segunda bomba
explodia na casa de força quando a cantora Elba Ramalho fazia a sua apresentação. Além de ícones da
MPB, como Chico Buarque, Gal Costa, Gonzaguinha, Zizi Possi e muitos outros, uma plateia de vinte mil
pessoas assistia ao espetáculo.
4 - Em 27 de agosto de 1980, na sede nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio de Janeiro,
Lyda Monteiro, funcionária da OAB há mais de quarenta anos, ao abrir uma carta endereçada ao
presidente da ordem foi surpreendida pela explosão de uma bomba. Sua sala foi totalmente destruída.
Lyda teve o antebraço e a mão lançados na marquise do andar de baixo. Inconsciente, foi levada ao
hospital, onde faleceu.
5 - Foram realizadas várias manifestações públicas. Dois grandes comícios marcaram e deram a real
dimensão da participação popular na campanha: O do Rio de Janeiro, no dia 10 de abril de 1984, que
reuniu cerca de 1 milhão de pessoas e o de São Paulo, em 16 de abril, com a participação de 1,5 milhão de
manifestantes.
6- Em 25/4/1984, o Congresso Nacional se reuniu para votar a emenda Dante de Oliveira. Não foi
permitida a entrada de populares para acompanhar a votação. Temendo manifestações, os militares
reforçaram a segurança ao redor do Congresso Nacional, com tanques, metralhadoras e muitos soldados,
sinalizando que a proposta de eleição direta para presidente não era bem-vinda. Para que a emenda fosse
aprovada, eram necessários 2/3 dos votos. A expectativa popular foi frustrada e a derrota foi por pequena
margem de votos.
7 - TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Crise da Ditadura Militar e o Processo de Abertura Política.
In FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano – Vol. 4 - o tempo
da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.
8 - http://virtualiaomanifesto.blogspot.com.br/2010/04/atentado-do-riocentro-mpb-sob-bombas.html,
pesquisado em 10/04/2016.
9 - Jornal do Brasil, 28/01/1980, capa e pg.12.
10 - http://oglobo.globo.com/brasil/sambas-enredo-enfrentaram-regime-militar-10304313.
11 - PAMPLONA, Fernando. O Encarnado e o Branco. Rio de Janeiro: Nova Terra, 2013.
12 - CRUZ, Tamara Paola dos Santos. As Escolas de samba sob vigilância e censura na ditadura militar:
memórias e esquecimentos. Dissertação de Mestrado. UFF. Niterói, 2010.
13 - http://www.vagalume.com.br/unidos-de-vila-isabel/samba-enredo-1974.html, pesquisado em
11/04/2016.
14 - 1OTAVIO, Chico e JUPYARA, Aloy. Sambas enredos enfrentaram o regime militar in
http://oglobo.globo.com/brasil/sambas-enredo-enfrentaram-regime-militar, pesquisado em 3/4/2016.
15 - Jornal do Brasil, 3/3/1976. Caderno B, pg.4.
16 - https://www.letras.mus.br/vila-isabel-rj/474029/, pesquisado em 05/04/2016.
17 - OTAVIO, Chico e JUPYARA, Aloy. Sambas enredos enfrentaram o regime militar in
http://oglobo.globo.com/brasil/sambas-enredo-enfrentaram-regime-militar, pesquisado em 3/4/2016.
18 - COSTA, Haroldo. Salgueiro: Academia do Samba. Rio de Janeiro: Record, 1984. P.293.
19 - PAMPLONA, Fernando. O Encarnado e o Branco. Rio de Janeiro: Nova Terra, 2013. P. 153.
20 - A cobertura da campanha de Leonel Brizola se encontra no acervo JB e demais jornais pesquisados.
21 - Segundo Ricardo Cravo Albim, o samba Virada foi composto em 1982, em parceria com seu filho
Noquinha (Gilmar Vilela Pereira, usando o pseudônimo Gilpert) e interpretado por Beth Carvalho. In
http://www.dicionariompb.com.br/noca-da-portela/dados-artisticos, pesquisado em 13/04/2016.
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