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Resenha

Shirley Carvalho Dantas


Arquiteta e urbanista, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente,
é diretora de Planejamento do Município de Itu/SP

O
Direito à Cidade foi escrito em 1968, des- e prático, além de propor que os pensamentos e
tacando o tema da cidade e do direito dos as atividades que dizem respeito ao urbanismo se-
cidadãos, bem como o fato desta cidade jam criteriosamente analisados.
ser uma obra dos cidadãos. Para o intuito do presente trabalho, uma
Lefebvre era um sociólogo e filósofo que breve resenha de alguns textos desta obra de Lefe-
entendeu, escreveu a respeito e avançou com pro- bvre traz uma pequena contribuição para a análi-
fundidade na idéia de que o espaço é o elemento se do espaço urbano e sua relação com a violência
central de estruturação da sociedade, e particular- urbana, foco de uma pesquisa desenvolvida por
mente da sociedade contemporânea. esta autora. Apesar de ter sido escrito há mais de
Como Marx, enfatizou o homem como 40 anos, esta obra pode ser utilizada como fio
sujeito da sua história, questionando a vida coti- condutor para a apreensão das contradições nas
diana da sociedade a partir deste elemento “espa- espacialidades e temporalidades inerentes à dinâ-
ço”, que traduz as relações conflitantes de poder mica interna do espaço urbano, dando-se ênfase
projetadas no território através das práticas sócio- à violência.
espaciais. A sociedade, por definição, é espacial, e
todos os processos sociais são espaciais, gerando Textos e reflexões
formas espaciais. A obra inicia trazendo o capítulo sobre In-
Em seu livro, o urbanismo torna-se ideolo- dustrialização e Urbanização, ressaltando o pro-
gia e prática e tem por objetivo fazer com que os cesso que gera a problemática urbana e também
problemas decorrentes de uma sociedade urbana caracteriza a sociedade urbana. Quando diz que o
/ industrial sejam lidos do ponto de vista teórico tecido urbano não se limita à sua morfologia, mas

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é o suporte de um “modo de viver” mais ou me- perfeitas para a dominação das pessoas, transfor-
nos intenso ou degradado para a sociedade, refor- madas em consumidoras de espaços ideais. Esta é
ça a idéia de que o espaço induz, sim, a compor- a cidade atual, que resolve os problemas urbanos
tamentos e hábitos e gera também preocupações da sociedade, incluindo a falta de segurança, sa-
com a segurança, por exemplo. Lembra que, neste nada com o isolamento dos condomínios fecha-
tecido, as tensões tornam-se conflitos que se exas- dos e outras tipologias urbanas excludentes.
peram. E neste cenário, classes dominantes e ope- No texto sobre Ciências Parcelares e a Re-
rárias se confrontam, surgindo uma “desordem” alidade Urbana, Lefebvre trata sobre as ciências
nas cidades, com a tendência de que esta última que surgem para analisar a cidade, de forma frag-
classe seja expulsa dos centros urbanos, destruin- mentada, ao contrário da filosofia que buscava
do sua “urbanidade”. “Toda a realidade urbana entendê-la em sua totalidade. O autor ressalta que
perceptível (legível) desapareceu: ruas, praças, cada uma das especialidades das ciências, histó-
monumentos, espaços para encontros”. (p. 27) Os ria, economia, demografia, sociologia, trazem
novos conjuntos operários, nos subúrbios, prolife- suas contribuições para a ciência da cidade. Mas
ram desurbanizando-se, reduzindo-se o conceito questiona: “É possível tirar das ciências parcelares
de habitar. uma ciência da cidade?”. (p. 44) Conceitos, práti-
Traçando-se um paralelo com as cidades ca e teoria se diferenciam, podendo tornar a com-
contemporâneas, pode-se observar essa mesma preensão global ou não. Ressalta que o urbanis-
“desurbanização” e descaracterização no modo de mo, não como ciência, mas como prática social,
habitar dos conjuntos habitacionais atuais e dos utiliza das técnicas e aplicações parciais para a re-
condomínios fechados. O isolamento das funções gulamentação e a administração do espaço cons-
urbanas: de morar, trabalhar, circular e ter lazer, truído. Este aspecto, voltando-se para a realidade
decompõe a ordem urbana, desconfigurando-a. atual, deve ser bem avaliado. Disciplinamentos
Neste cenário, Lefebvre fala da boa inten- do espaço, mediante projetos e leis urbanísticas,
ção de planejadores arquitetos que buscam com muitas vezes, se voltam para visões parciais dos
suas propostas, “reorganizar” o espaço urbano, problemas – busca-se resolver os deslocamentos
dar nova ordem e criar novas relações sociais. de veículos, facilitando o escoamento do tráfego
Esta busca vai recair em formalismo puro ou em e “esquece-se” da circulação confortável e segura
estetismo, como é o caso atual dos condomínios, dos pedestres; permite-se a construção de inúme-
repletos de boas formas, tipologias, que tentam ros condomínios fechados em nome da segurança
atender as necessidades do mundo moderno, onde pública, e relegam os espaços públicos ao abando-
supostamente o homem não muda de escala, e é o no. Resolve-se um problema, criam-se outros. É
mesmo em qualquer parte do mundo. de se questionar. Ressalta Lefebvre, que se faz ne-
Chama ainda atenção para o urbanismo cessário “(...) um exame crítico da atividade deno-
de administradores públicos, que trabalham com minada ‘urbanismo’ e não de acreditar na palavra
uma realidade fragmentada, baseando-se em uma dos urbanistas, nem de admitir, sem contestação,
sociedade pré concebida, porém, voltado para os efeitos de suas proposições e decisões”. (p.45)
uma estratégia política. No capítulo Filosofia da Cidade e Ideologia
E por fim, vai tratar sobre o urbanismo dos Urbanística, Lefebvre chama a atenção para que
promotores de vendas, que concebem a cidade se pretendermos formular a problemática da cida-
para o mercado, visando o lucro, o valor de troca. de, é preciso que distingamos: a) os filósofos e as
Assim, não vende a moradia, mas o estilo novo filosofias da cidade; b) os conhecimentos parciais
de morar, uma nova forma de viver, uma cidade referentes à cidade; c) as aplicações técnicas desses
feliz, segura e livre das diferenças e da desordem. conhecimentos; e d) o urbanismo como doutri-
A cidade contemporânea, segundo os tipos na, ou seja, como ideologia, que interpreta os co-
de urbanismos destacados por Lefebvre, está nas nhecimentos parciais, que justifica as aplicações,
mãos de arquitetos formais, administradores es- elevando-as a uma totalidade mal fundamentada
tratégicos e promotores de vendas. É a cidade re- ou mal legitimada.
novada, tornada “legível”, com todas as condições Lefebvre ressalta que os filósofos pensaram

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cidades ideais. Com sociedades livres, sem classes dustrialização, a filosofia respondia às questões
sociais. A esta ideologia, acrescentam conheci- colocadas pela sociedade. E que hoje, com a cri-
mentos parciais. se em escala mundial, surgem novos aspectos da
Quanto ao urbanismo como ideologia, Le- realidade urbana. Destaca que a cidade sempre
febvre afirma que o conceito de cidade enquanto teve relações com a sociedade no seu conjunto,
espaço de consumo e rede de circulação, como com sua composição e seu funcionamento, com
centro de informações e de decisões é uma ide- sua história. Portanto, ela muda quando muda a
ologia absoluta. E que esse conceito é tido como sociedade no seu conjunto.
verdade total, que é absurdo, pois resume todos os Neste aspecto, na atualidade, importante
problemas da sociedade a questões espaciais. Essa frisar o grande desafio que se impõe às cidades
visão leva a crer que: “Uma vez que a sociedade com o crescimento vertiginoso da população, o
não funciona de maneira satisfatória, será que não seu adensamento e concentração no espaço urba-
haveria uma patologia do espaço?” Essa relação no. Se é no ambiente urbano que se concentra boa
simples e crua é perigosa, segundo Lefebvre. parte das populações, é no urbano que a proble-
De certo que problemas espaciais pura e mática se acentua, destacando-se o problema da
simplesmente não explicam as disfunções de uma violência, uma nova realidade proveniente destas
sociedade. As causas da violência urbana, por novas relações da sociedade, seu funcionamento e
exemplo, uma doença contemporânea das cida- sua história, levantadas por Lefebvre. Sem dúvi-
des atuais, são analisadas por diversos campos da, o crescimento da violência e da criminalidade
do conhecimento: sociologia, geografia, antro- urbana nos últimos anos foi impulsionado por fa-
pologia, filosofia e psicologia. De maneira geral, tores que encontram suas raízes na problemática
as referidas áreas correlacionam a criminalidade sócio-econômica e no contexto histórico/ cultural
a indicadores sócio-econômicos como índices de das cidades, destacando-se aí o processo desigual
escolaridade e renda, dotação de moradia e infra- de urbanização.
estrutura, situação familiar, demonstrando-se que Ainda neste capítulo, ele fala sobre a possi-
são questões estruturais e históricas que vão in- bilidade de separar os conceitos de cidade e urba-
fluenciar o quadro violento das cidades. no, embora haja riscos – cidade, seria a realidade
Entretanto, não se pode deixar de consi- presente, imediata, dado prático-sensível, arquite-
derar que, segundo estudos recentes, os espaços tônico – e por outro lado o urbano, a realidade
podem influenciar e provocar comportamentos, social composta de relações a serem concebidas,
inclusive os prejudiciais à sociedade, como os atos construídas ou reconstruídas pelo pensamento.
de crimes. Pesquisas demonstram que, por exem- De toda forma, ressalta que não há um “urbano”
plo, os espaços públicos seguros e não excludentes sem uma base física, uma morfologia. A partir
são essenciais à coesão e à integração social e os desta compreensão, cabe mais uma vez a refle-
espaços abandonados, isolados e degradados, ge- xão quanto a esta morfologia que, neste caso, é
ram sensação de insegurança e beneficiam even- uma morfologia material, que pode ser alterada
tos de violência urbana. conforme ações e decisões políticas, urbanísticas
Assim, a relação simples entre espaço e so- e sociais. E esta morfologia compõe uma paisa-
ciedade para explicar os fatos urbanos não é su- gem mais ou menos humana, um espaço mais
ficiente, como de fato, levanta Lefebvre. Porém, ou menos seguro. A análise dos elementos que
essa mesma relação não pode mais ser ignorada compõem a morfologia urbana, tais como ruas,
no meio científico. Um urbanismo que garanta calçadas, edifícios e muros, espaços públicos,
espaços de qualidade e seguros é fundamental torna-se essencial ao entendimento de como as
para a melhoria da qualidade de vida da popu- formas também estimulam ou inibem, concen-
lação. tram ou dispersam, fazem com que a “realidade
No texto Especificidade da Cidade – A social composta de relações a serem concebidas,
Cidade e a Obra, Lefebvre destaca que somente construídas ou reconstruídas pelo pensamento”,
na atualidade, começamos a apreender a especi- (p. 54) como ressalta Lefebvre, se altere também
ficidade da cidade. Ele lembra que antes da in- de acordo com esta base física, “prático-sensível”.

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Em Continuidades e Descontinuidades, o os níveis que a cidade pode se encontrar. Diz que
tema retrata as descontinuidades temporais e espa- a cidade possui funções sociais, políticas, admi-
ciais introduzidas na teoria da cidade (e do urbano), nistrativas, etc. Que existe a estrutura da cidade,
em contraponto à continuidade (organicismo) ante- depois a estrutura urbana da cidade e finalmente
riormente concebida. a estrutura social das relações cidade-campo.
Ele ressalta: “formas, estruturas, funções Em relação às significações, diz: “Em seu
urbanas (na cidade, nas relações da cidade com o plano específico, a cidade pode se apoderar das sig-
território influenciado ou gerido por ela, nas re- nificações existentes, políticas, religiosas, filosófi-
lações com a sociedade e o Estado) agiram umas cas. (...) Ao lado da escrita, existe a fala do urbano,
sobre as outras e se modificaram, movimento este ainda mais importante; essas palavras expressam a
que o pensamento pode hoje reconstruir e domi- vida e a morte, a alegria ou a desgraça”. (p. 68)
nar”. (p.60) No entanto, Lefebvre alerta para a teoria
O autor propõe uma primeira definição da da cidade como sistema de significações, dizendo
cidade “como sendo projeção da sociedade sobre que ela separa “o urbano” da sua base morfoló-
um local, isto é, não apenas sobre o lugar sensível gica, da prática social e que isso é uma grande
como também sobre o plano específico, percebi- ingenuidade.
do e concebido pelo pensamento, que determina Sem dúvida, não é possível desconectar as
a cidade e o urbano”. Mas reconhece que esta de- significações da cidade de sua base física e vice-
finição precisa de complementos. versa. Um exemplo atual é o agravamento da vio-
Ele admite que a cidade vista do ponto de lência urbana, que faz com que a população inter-
vista da psicologia, como “lugar do desejo”, em nalize fortemente o medo em seu comportamento
seu papel histórico, enquanto lócus da troca e do urbano e essa situação se reflete, de forma mar-
mercado, e local das revoluções, são definições cante, na ressignificação das práticas cotidianas, e
que não se excluem. na redefinição de lugares, paisagens e territórios.
Considerando-se esta visão subjetiva da ci- A fala do urbano, como lembra Lefeb-
dade, na atualidade, ela também pode ser vista vre, pode ser hoje também vista como a “fala do
como o “lugar do medo”. A violência urbana tem medo”, que (re) produz um espaço a partir da
ampliado o que os estudiosos chamam de medo alteração dos hábitos, das práticas e das elações
social, que é construído socialmente e que afeta sociais na cidade face aos novos aspectos sócio-
a coletividade. Trata-se do medo utilizado como territoriais – a violência –, em particular a crimi-
instrumento de coerção por determinados grupos nalidade violenta.
e que vem alterando profundamente o território Em Ao Redor do Ponto Crítico, Lefebvre
e o tecido urbano e, consequentemente, a vida esboça uma linha do tempo, desde um suposto
cotidiana da população. Ou seja, “o percebido e marco zero da urbanização até a urbanização em
concebido pelo pensamento” ajudam a moldar as 100%, e coloca ao longo deste eixo, algumas des-
cidades contemporâneas com um novo padrão de continuidades, que seriam os pontos críticos. Ao
organização das diferenças sociais no espaço ur- longo deste eixo, estaria, no início, a cidade polí-
bano. tica, depois a cidade comercial, e posteriormente,
Em Níveis de Realidade e de Análise, Le- a cidade industrial. “Vem então o período em que
febvre levanta a necessidade do emprego de ins- a cidade em expansão prolifera, produto das pe-
trumentos metodológicos para se estudar os fe- riferias distantes (subúrbios), invade os campos”.
nômenos urbanos. Ele cita alguns possíveis destes (p. 77)
instrumentos: forma, função, estrutura, dimen- Segundo o autor, nesse período em que a
sões, campo e conjunto, escrita e leitura, sistema, cidade se estende desmensuradamente, a forma da
significante e significado, linguagem e metalin- cidade tradicional explode em pedaços. “É, por-
guagem, instituições, etc. tanto ao redor desse ponto crítico que se situa a
O autor discorre sobre algumas formas da problemática atual da cidade e da realidade urba-
cidade, algumas de suas funções e dimensões, a na (do urbano)”. (p. 78)
sua linguagem, faz comparações dialéticas, entre Na atualidade, a expansão urbana para os

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subúrbios, sobretudo nas áreas metropolitanas, que se organizam e reorganizam, variam cultural
associa a desqualificação urbanística caracteri- e historicamente, revelam valores que estruturam
zada freqüentemente pela insuficiência de equi- a vida pública e demonstram como os grupos so-
pamentos públicos, acessibilidade e transportes a ciais se inter-relacionam no espaço da cidade. A
vários problemas sociais, além da falta de espaços forma urbana mental e social de grande parte das
verdes e de espaços públicos. grandes cidades brasileiras vai ser resultado do
Nascem nestas áreas a insegurança e a cri- crescimento da violência ou do medo social, que
minalidade. É ao redor deste atual “ponto críti- gera novos padrões de segregação espacial, trans-
co”, de cidades esfaceladas, em que as interven- formando profundamente a qualidade do espaço
ções urbanísticas e as políticas públicas devem ser público.
sentidas nos aspectos morfológicos e sociais com Na Análise Espectral, Lefebvre trata de
um desenho de espaços que deve permitir senti- buscar a análise dos elementos da sociedade. Ini-
mentos de apropriação e pertencimento dos mo- cia pela segregação. Segundo o autor, “A segrega-
radores da cidade, tornando-os menos excluídos. ção deve ser focalizada, com seus três aspectos,
Na passagem sobre a Forma Urbana, Lefeb- ora simultâneos, ora sucessivos: espontâneo (pro-
vre vai tratar sobre as formas da cidade, assinalan- veniente das rendas e das ideologias) – voluntário
do que há uma ambigüidade no termo “forma”. (estabelecendo espaços separados) – programado
Para elucidar o termo, o autor se remete à teoria (sob o pretexto de arrumação e de plano)”. (p. 97)
das formas, próxima a uma teoria filosófica do Reforça que “As segregações que destroem
conhecimento. morfologicamente a cidade e que ameaçam a vida
Em seguida, ele esboça um quadro das for- urbana não podem ser tomadas por efeito nem de
mas. “Esse quadro vai do mais abstrato ao mais acasos, nem de conjunturas locais”. (p. 99)
concreto e, por conseguinte do menos imediato Diz que a separação que se faz ao se analisar
ao mais imediato. Cada forma se apresenta em a cidade e a sociedade, fragmenta seus elementos,
sua dupla existência, mental e social”. (p. 92) perdendo-se o sentido. E enfatiza que a síntese se
São Formas: Lógica, Matemática, da Lin- faz urgente. Não como uma simples combinação
guagem, da Troca, Contratual, do Objeto (práti- dos elementos separados, mas a análise do todo.
co-sensível), Escritutária e a Forma Urbana. For- E diz que o filósofo teria este poder, da síntese,
ma Urbana se classifia: se a filosofia, no decorrer dos séculos, não tivesse
–– Mentalmente: a simultaneidade dos mostrado sua incapacidade de atingir totalidades
acontecimentos, das percepções, dos elementos de concretas.
um conjunto no “real”. “Portanto, aqui estamos diante de nossos
–– Socialmente: o encontro e a reunião da- olhos, projetados separadamente, os grupos, as
quilo que existe nos arredores, na vizinhança e, por etnias, as idades e os sexos, as atividades, os traba-
conseguinte a sociedade urbana como lugar social- lhos, as funções, os conhecimentos”. (p. 102)
mente privilegiado, como sentido das atividades, Essa passagem na obra de Lefebvre é imen-
como encontro da obra e do produto. (p. 94) samente contemporânea. Diferentes grupos so-
Por fim, o autor lembra que é evidente que ciais, especialmente das classes altas, têm usado o
na sociedade moderna, o encontro e a reunião medo da violência e do crime para justificar novas
se intensificam. Mas que também as dispersões formas de exclusão social e sua saída dos bairros
aumentam: a divisão do trabalho, segregação de tradicionais das cidades.
grupos sociais, etc. Embora a segregação tenha sido sempre
E finaliza questionando: “A forma na qual uma característica das cidades, como ressaltou
esta problemática se inscreve levanta certas ques- Lefebvre, os instrumentos e as regras que a pro-
tões que fazem parte dela. Diante de quem e para duzem mudaram consideravelmente ao longo do
quem é que se estabelece a simultaneidade, a reu- tempo. Um novo padrão de segregação urbana
nião dos conteúdos da vida urbana?”. (p. 95) baseado na criação de enclaves fortificados re-
Traçando-se novamente um paralelo com presenta uma transformação nas concepções do
a história urbana recente, formas sócio-espaciais, espaço. Os condomínios fechados são ocupados

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por aqueles que temem a heterogeneidade social fundamental da classe operária na transforma-
dos bairros mais antigos. Privatização, cercamen- ção revolucionária da sociedade, pois é a classe
tos, policiamento e outros dispositivos de distan- operária que “sofre as consequências da explosão
ciamento criam um novo tipo de espaço público: das antigas morfologias. Ela é vítima de uma se-
fragmentado, no qual a desigualdade é um valor gregação, estratégia de classe permitida por esta
fundamental. Esses processos estão mudando as explosão”. (p. 138)
noções de público e de espaço público. Voltando Assim, defende a revolução sob a hegemo-
a Lefebvre, a segregação é, neste caso, voluntária nia dessa classe, mediante a conquista de direitos,
e programada. que devem entrar para a prática social: “direito
Em o Direito à Cidade, Lefebvre trata so- ao trabalho, à instrução, à educação, à saúde, à
bre a utopia experimental. Pergunta: “Quais são, habitação, aos lazeres, à vida”. A vida, incluindo
quais serão os locais que socialmente terão su- a segurança, o encontro e as trocas. Esses direitos
cesso? Como detectá-los? Segundo que critérios? figuram o Direito à Cidade, onde o “reino do uso”
Quais tempos, quais ritmos de vida cotidiana se se superpõe à troca, ao mercado e à mercadoria.
inscrevem, se escrevem, se prescrevem nesses es-
paços ‘bem sucedidos’, isto é, nesses espaços favo- Considerações finais
ráveis à felicidade?”. (p.110) Este trabalho vem demonstrar o quanto a
Algo é fato. O resgate do espaço público, obra de Lefebvre é contemporânea em sua for-
em sua essência e função primordial, de encon- ma dialética de ler o espaço urbano e a socieda-
tro, trocas coletivas, sociais e culturais, repre- de urbana em sua complexidade e contradições.
sentante físico da diversidade e da democracia, No que se refere à temática da violên-
provavelmente terá o sucesso pretendido pelo cia, é fundamental uma análise aprofundada e
autor. Experiências de redesenho e valorização multidisciplinar da forma pela qual o crime, o
de espaços públicos em cidades do mundo e suas medo da violência e o desrespeito aos direitos
respectivas adequações às necessidades de seus da cidadania têm se combinado a transforma-
usuários têm tido êxito na promoção da socia- ções urbanas para produzir um novo padrão de
bilidade e no controle da criminalidade, proble- segregação social nas últimas décadas.
mática urbana tratada aqui neste trabalho. A violência urbana tornou-se, na atuali-
A participação ativa das comunidades, dade, um problema essencialmente espacial e
sem dúvida, também valorizada por Lefebvre, isso significa considerar não apenas os aspectos
é essencial quando se deseja promover a vitali- de localização e extensão do problema, mas os
dade e a apropriação efetiva do espaço público, seus reflexos na própria interação da sociedade
de forma que estes espaços tornem-se, de fato, com o ambiente urbano. A violência urbana,
“favoráveis à felicidade”, tendo como prioridade para ser pensada, deve ser situada em contextos
o valor de uso em sua base morfológica. Segun- históricos, políticos, econômicos, sociais, cul-
do Lefebvre “só a classe operária pode se tornar turais e territoriais, por onde é produzida.
o agente, o portador ou o suporte social dessa Nesse sentido, pretendeu-se aqui uma
realização”. (p. 118) breve reflexão incentivada pelo próprio autor,
Ao final da obra, no traçado de algumas que une teo­ria e prática para uma compreensão
Teses sobre a Cidade, o Urbano e o Urbanis- da realidade atual da violência no espaço urba-
mo, Lefebvre vem reforçar essa idéia, do papel no contemporâneo.

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