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Wolf Vostell, Nie Wieder, Never, Jamais, 1964. Foto Heinrich H. Riebesehl.
A Educação do Não-Artista, Parte I (1971)
Allan Kaprow é conhecido como o criador do happening. Desde 1958, quando realizou os
primeiros environments, que são instalações-ambientes, sua ação como artista passa a
ser uma proposição de integração de espaço e materiais, em que o visitante é envolvido.
É nesse processo que propõe uma relação em que o espectador assume a co-criação.
Tendo estudado com John Cage, trabalhou com Nan June Paik e com o grupo Fluxus,
e, assim como Vostell, via íntima relação entre a arte e a vida. Seus happenings mais
conhecidos são 18 Happenings in Six Parts, Calling, Gas, Fluids e BTU´s.
Nascido em 1927, em Atlantic City, New Jersey, Kaprow estudou arte na Universidade
de Nova York, fez pós-graduação em filosofia e recebeu o MA em História da Arte pela
Universidade de Columbia. Desenvolveu durante muitas décadas, paralelamente à ação
artística ou, melhor, à ação não artística, como defende no texto aqui traduzido, uma
atividade no campo universitário, sendo professor na State University of New York at Stony
Brook, assim como no California Institute of the Arts. Foi ainda co-diretor do projeto Other
Way, em Berkeley, que consitia em introduzir ateliês de artistas em escolas públicas do
nível elementar ao nível médio.
Kaprow escreveu uma série de artigos que foram publicados na Art News: The Legacy of
Jackson Pollock, em outubro de 1958; Happening’ in the New York Scene, em maio de
1961; Impurity, em janeiro de 1963 e, The Education of Un-Artist, Part I, em fevereiro
de 1971.
A sofisticação da consciência na arte hoje em dia (1969) é tão grande, que não é difícil afirmar
como fatos:
que, com suas distorções de som, bipes, estáticas e quebras de comunicação, tais diálogos
também ultrapassam a música eletrônica das salas de concerto;
que certos videoteipes por controle remoto focalizando a vida de famílias dos guetos e gra-
vados (com sua permissão) por antropólogos são mais fascinantes do que os célebres filmes
underground sobre a “vida crua”;
que não poucos desses feéricos postos de gasolina de plástico e aço inoxidável de, digamos,
Las Vegas, são o mais extraordinário projeto arquitetônico já realizado até hoje;
que os movimentos randômicos, como o transe dos consumidores em um supermercado, são
Allan Kaprow
que retalhos sob camas e os entulhos de depósitos de lixo industrial são mais envolventes do
que a recente onda de exibições de refugos espalhados;
que os rastros de fumaça deixados pelos testes de foguetes - imóveis, coloridos como arco-
íris, preenchendo os céus com rascunhos - são inigualáveis por artistas que exploram a mídia
gasosa;
que o teatro da guerra no Vietnam no sudeste asiático ou o julgamento dos “Oito de Chicago”,
apesar de indefensável, é melhor teatro do que qualquer peça;
Quando Steve Reich suspende uma determinada quantidade de microfones acima de alto-
falantes correspondentes, coloca-os girando como pêndulos e amplifica o seu som de modo
que o ruído de retorno (feedback) seja produzido - isso é arte.
Quando Andy Warhol publica uma transcrição não editada de 24 horas de conversa gravada
Allan Kaprow
- isso é arte.
Quando Walter De Maria enche um quarto com sujeira - isso é arte.
Sabemos que se trata de arte porque um anúncio de concerto, um título em uma capa de
livro e uma galeria de arte afirmam que o são.
Se a não-arte é quase impossível, a antiarte é virtualmente inconcebível. Em meio aos que dis-
so entendem (e praticamente qualquer estudante de graduação e/ou pós se qualificaria), todos os
gestos, pensamentos e feitos podem tornar-se arte a um capricho do mundo artístico. Até mesmo
assassinato, rejeitado na prática, poderia ser uma proposta artística admissível. Antiarte em 1969
é abraçada em todos os casos como pró-arte e, portanto, do ponto de vista de uma de suas funções
básicas, é anulada. Você não pode ser contra a arte quando a arte convida para sua própria “des-
truição”, como uma cena de Punch-and-Judy1 destacada do repertório de posturas que a arte pode
tomar. Logo, ao perder o último vestígio de pretensão de liderança moral por meio da confrontação
moral, antiarte, como todas as outras filosofias de arte, é simplesmente obrigada a responder à
ordinária conduta humana e também, tristemente, ao refinado estilo de vida ditado pelos cultos e
ricos que a aceitam de braços abertos.
Quando George Brecht imprime em pequenos cartões, para mandar para amigos pelo mundo,
a palavra “DIREÇÃO” − isso é arte.
Quando Ben Vautier assina seu nome (ou o de Deus) em qualquer aeroporto − isso é
arte.
Esses atos são obviamente arte porque são praticados por pessoas associadas às artes.
É de esperar que, apesar da paradoxal percepção a que me referi no começo deste texto, arte
Arte (senha três) seja a condição, tanto na mente quanto literalmente, sobre a qual toda novidade
vem a repousar. Arte Arte leva a arte a sério. Ela presume, não importa o quão disfarçadamente,
uma certa raridade espiritual, um ofício superior. Ela tem fé. Ela é reconhecível por seus iniciados.
1
Punch and Judy é uma expressão em inglês que se refere a um tradicional show de fantoches no qual o pequeno corcunda
de nariz adunco, Punch, luta comicamente com sua esposa, Judy. (N. T.)
Ela é inovadora, é claro, mas grandemente em termos de uma tradição de movimentos e referências
O maior desafio da arte Arte, em outras palavras, emergiu de sua própria herança, de uma hi-
perconsciência de si mesma e seus arredores cotidianos. Arte arte tem servido como uma instrutiva
transição para sua própria eliminação pela vida. Uma percepção tão aguda assim em meio aos
artistas permite que todo o mundo e sua humanidade sejam experimentados como um trabalho de
arte. Com a realidade comum tão brilhantemente iluminada, aqueles que escolhem se engajar em
uma tentativa de exibição aberta de criatividade convidam (desse ponto de vista) a que sejam feitas
comparações desesperantes entre o que eles fazem e contrapartes supervívidas no meio ambiente.
Isenção dessa grande referência é impossível. Artistas de Arte, apesar das declarações de que seu
trabalho não deve ser comparado à vida, serão invariavelmente comparados com não-artistas. E, uma
vez que a não-arte deriva sua frágil inspiração de tudo exceto da arte, da “vida”, a comparação entre
Arte arte e vida será feita de qualquer modo. Poder-se-ia então demonstrar que, voluntariamente
ou não, tem havido um ativo intercâmbio entre Arte arte e não-arte e, em alguns casos, entre Arte
arte e o grande mundo (toda arte tem utilizado a experiência “real” de mais modos do que o da
tradução). Realocada por nossas mentes em um cenário global em vez de num museu ou biblioteca
ou no palco, Arte, não importa como chegou lá, se sai realmente muito mal.
Por exemplo, La Monte Young, cujos espetáculos de sons graves complexos me interessam como
Arte arte, conta que em sua infância no Noroeste, ele costumava colocar sua orelha contra as torres
elétricas de alta tensão que cruzavam os campos; ele gostava de sentir a vibração dos fios ao longo
de seu corpo. Eu também fiz isso quando menino e o prefiro aos concertos de música de Young. Era
mais impressionante visualmente e menos lugar-comum na vastidão de seu ambiente do que é em
um auditório ou sala de concertos.
Dennis Oppenheim descreve outro exemplo de não-arte: no Canadá ele cruzou correndo um
terreno enlameado, fez moldes de gesso de suas pegadas (como fazem os policiais que investigam
as cenas de crimes) e então exibiu pilhas dos moldes em uma galeria. A atividade foi excelente; a
parte da exposição foi banal. Os moldes poderiam ter sido deixados na delegacia de polícia local
sem identificação. Ou jogados fora.
Aqueles que desejam ser chamados artistas, para que tenham todos ou alguns de seus atos
e idéias considerados arte, têm apenas que jogar um pensamento artístico ao redor deles,
anunciar o fato e persuadir outros a acreditarem neles. Isso é publicidade. Como Marshal
McLuhan escreveu uma vez: “Arte é aquilo com que você consegue se safar”.
Arte. Aí está o porém. Neste estágio de consciência, a sociologia de cultura emerge como os
membros de uma pantomima. Sua única platéia é uma escalação de profissões criativas e perfomáticas
observando a si mesmas, como em um espelho, realizar uma luta entre autodesignados comandos,
curingas, crianças de rua e agentes triplos que parecem estar tentando destruir a igreja do sacerdote.
Mas todos sabem como tudo termina: na igreja, é claro, com todo o clube curvando suas cabeças e
Quando, recentemente, alguém anônimo chama nossa atenção para a ligeira transformação
2
O autor faz um trocadilho com a frase “Who’s on first?” que tanto pode ser traduzida como “Quem vai primeiro?” Quanto
como “Quem está na primeira” (no caso, primeira base de um jogo de baseball. Depois ele faz um trocadilho com nomes
na resposta: “No, Watt’s (que soa similar ao pronome What - Que) on first; Hugh’s (que soa similar a Who - Quem) on
second...”. (N. T.)
que ele ou ela fez em uma escadaria de um andar e outra pessoa nos leva a examinar uma
Allan Kaprow
parte não alterada da Park Avenue em Nova York, ambas as coisas também foram arte. Quem
quer que fossem aquelas pessoas, elas levaram a mensagem para nós (artistas). Nós fizemos
o resto em nossas cabeças.
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Pode-se dizer, com boa margem de segurança, que as várias formas de mídias combinadas ou
artes montadas crescerão tanto no sentido do intelectual quanto nas aplicações de massa, tais como
shows de luzes, demonstrações da era espacial em feiras mundiais, suportes educacionais, vitrinas
de vendas, brinquedos e campanhas políticas. E esses podem ser os meios pelos quais todas as artes
cessarão aos poucos.
Apesar de a opinião pública aceitar as mídias combinadas como adições ao panteão ou como
novos moradores situados ao redor das fronteiras do universo em expansão de cada mídia tradicional,
elas mais provavelmente são rituais de fuga das tradições. Dado o padrão histórico da arte moderna
em direção à especialização ou “pureza” − pintura pura, poesia pura, música pura, dança pura −
quaisquer misturas tiveram que ser consideradas contaminações. E, nesse contexto, contaminação
deliberada pode agora ser interpretada como um rito de passagem. (É digno de nota nesse contexto
que, mesmo neste momento tardio, ainda não existam publicações dedicadas à mídia combinada).
Dos artistas envolvidos em mídias combinadas durante a última década, poucos se interes-
saram em aproveitar-se das fronteiras imprecisas das artes, dando o próximo passo para tornar
a arte um todo impreciso, transformando-a em um conjunto de não-artes. Dick Higgins, em seu
livro, foew&ombwhnw, dá exemplos instrutivos de vanguardistas tomando posições entre teatro e
pintura, poesia e escultura, música e filosofia e entre várias “intermídia” (termo dele) e teoria de
jogos, esportes e política.
Abbie Hoffman aplicou o intermídia dos happenings (via Provos3) a um objetivo filosófico e po-
lítico há dois ou três verões. Com um grupo de amigos, ele foi até o balcão de observação da Bolsa
de Valores de Nova York. A um sinal, ele e seus amigos jogaram punhados de notas de dólares no
andar de baixo, onde as operações de compra e venda estavam em seu auge. De acordo com seu
relato, os operadores de bolsa vibraram, mergulhando para pegar as notas; o pregão parou; o mer-
cado provavelmente foi afetado; e a imprensa noticiou a chegada dos policiais. Mais tarde naquela
noite, o evento apareceu em cadeia nacional no noticiário da televisão: um sermão na mídia “para
mandar tudo para o inferno”− como Hoffman diria.
Não faz diferença se o que Hoffman fez é chamado de ativismo, criticismo, fazer os outros de
palhaços, autopromoção ou arte. O termo intermídia implica fluidez e simultaneidade de papéis.
Quando a arte é apenas uma das várias funções possíveis que uma situação pode ter, ela perde
seu status privilegiado e se torna, de certa forma, um atributo menor. A resposta intermidial pode
ser aplicada a tudo − digamos, um vidro velho. O vidro pode servir para o professor de geometria
3
Provos: membros da facção extremista do Exército Republicano Irlandês (IRA). (N. T.)
explicar elipses; para o historiador, pode ser um indício da tecnologia de uma era anterior; para
Mas as câmeras enviarão as mesmas imagens para todos os outros centros, ao mesmo tempo
ou após um atraso programado. Logo, o que acontece em um centro pode estar acontecendo
em mil, gerado mil vezes. Mas, o programa interno para a distribuição de sinais, visíveis e
audíveis, randômicos e fixos, também pode ser alterado manualmente em qualquer centro.
Uma mulher pode querer fazer amor eletrônico com um homem em particular que ela viu
num monitor. Controles permitiriam que ela localizasse (congelasse) a comunicação dentro
de poucos tubos de tevê. Outros visitantes do mesmo centro poderiam sentir-se à vontade
para desfrutar e até aumentar o louco e surpreendente embaralhamento girando seus diais
para isso. O mundo poderia simultaneamente criar suas próprias relações sociais. Todo mundo
dentro e fora de contato ao mesmo tempo!
P.S.: Isso obviamente não é arte, uma vez que, no tempo em que fosse realizado, ninguém
se lembraria de que eu o descrevi aqui; ainda bem.
E sobre a crítica de arte? O que acontece com aqueles intérpretes agudos que são ainda mais raros
do que os bons artistas? A resposta é que, à luz do precedente, os críticos serão tão irrelevantes
quanto os artistas. A perda da vocação de uma pessoa, porém, poderá ser apenas parcial, uma vez
que há muito a ser feito na capacidade de identificação e nas práticas intelectuais correlatas nas
universidades e arquivos. E quase todos os críticos detêm de fato posições de ensino. Seu trabalho
pode simplesmente desviar-se em direção à investigação histórica, distanciando-se da cena em
curso.
Alguns críticos, porém, podem estar dispostos a se tornar eles mesmos não-artistas, junto com
seus colegas artistas (os quais também freqüentemente são professores e se desdobram em escritores).
Nesse caso, todos os seus pressupostos estéticos terão que ser sistematicamente descobertos e aban-
donados, junto com sua historicamente carregada terminologia artística. Praticantes e comentadores
− as duas ocupações provavelmente se misturarão, uma pessoa realizando as duas alternadamente −
precisarão de uma linguagem atualizada para se referir ao que está acontecendo. E a melhor fonte
para isso, como é usual, é a fala das ruas, as notícias de última hora e o jargão técnico.
Por exemplo, Al Brunelle, alguns anos atrás, escreveu sobre as superfícies alucinógenas de certas
pinturas contemporâneas chamando-as de “aberrações de pele”.
Apesar de o cenário de droga da cultura pop ter mudado desde então, e de novas palavras
serem necessárias, e de aliás este texto não estar preocupado com pinturas, a frase de Brunelle é
muito mais informativa do que palavras mais antigas como tâche ou track, que também se referem
à pintura de uma superfície. A expressão aberração de pele foi trazida para a pintura, criando um
erotismo intensamente vibrante que foi em particular revelador para a época. O fato de que a ex-
periência esteja se desvanecendo no passado simplesmente sugere que bons comentários podem
Cenas de outras viagens estão disponíveis para cortes de flashback e contrastes. Comentários
passados sobre o presente. Listas de seleção: vulcões havaianos; o Pentágono; uma turba em
Harvard vista quando se aproximava de Boston; tomando banho de sol em um arranha-céu.
Aparelhos de áudio oferecem nove canais de críticas pré-gravadas sobre a cena americana:
dois canais de críticas leves; um de crítica popular; seis canais de críticas pesadas. Também
Allan Kaprow
há um canal para gravar sua própria crítica em um vídeo que pode ser levado para casa, a
documentacão de toda a viagem.
P.S.: Isso também não é arte porque estará disponível para pessoas demais.
Artistas do mundo, larguem o meio! Vocês não tem nada a perder além de suas profissões!