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ISSN: 0103-3786
transinfo@puc-campinas.edu.br
Pontifícia Universidade Católica de
Campinas
Brasil
ARTIGO
RESUMO
ABSTRACT
1
Texto elaborado a partir de uma das seções da dissertação de mestrado defendida pelo autor em 2004.
2
Mestre em Biblioteconomia e Ciência da Informação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Docente, Curso Ciência
da Infomração com Habilitação emn Biblioteconomia, Faculdade de Biblioteconomia, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Rua Marechal Deodoro, 1099, Centro, 13020-904, Campinas, SP,
Brasil. E-mail: <mfrancelin@yahoo.com.br>.
Recebido em 22/2/2005 e aceito para publicação em 19/5/2005.
e por isso, o item quatro Considerações finais, panha a emergência e a consolidação da so-
apenas considera a possibilidade da episte- ciedade industrial e assiste ao desenvolvimento
mologia da complexidade fazer parte desse espetacular da ciência e da técnica.” (SANTOS,
processo, o que parece ter sido um dos principais 2000, p.17). Para outros, como Bunge (1980), o
objetivos da epistemologia desde o seu campo epistemológico emergiu, para o
surgimento. pensamento contemporâneo, a partir de meados
do século XX. Com o próprio desenvolvimento
científico e tecnológico surgem estudiosos que,
Abordagens em epistemologia preocupados com esse processo, começam a
formular uma teoria epistemológica e a “resgatar”
Muitos questionamentos existem em pensadores que já haviam tratado do tema em
torno do termo epistemologia. Esses questiona- períodos anteriores.
mentos vão desde seus domínios, enquanto
Para Bunge, a epistemologia, ou “filosofia
disciplina científica (BLANCHÉ, 1983; JAPIASSU,
da ciência”, “[...] é o ramo da Filosofia que estuda
1986), até seu aparecimento e etimologia
a investigação científica e seu produto, o conhe-
(CARRILHO; SÀÁGUA, 1991).
cimento científico.” Considera a epistemologia
Blanché diz que a epistemologia significa como importante componente (“ramo”) da
teoria da ciência e não se trata de uma palavra Filosofia (“árvore”) que começa a se destacar nas
muito antiga. Surge nos dicionários “franceses” primeiras décadas do século XX (BUNGE, 1980,
por volta de 1906 (BLANCHÉ, 1983, p.9). No p.5). Talvez, em função dessa importância, seja
entanto, o autor diz que no século XIX já havia tão difícil conceituá-la, pois, “[...] da epistemologia
obras tratando do tema, inclusive com a palavra sabemos muito sobre aquilo que ela não é, e
epistemologia presente no título (BLANCHÉ, pouco sobre aquilo que é ou se torna [...]”,
1983, p.11). Para Japiassu, etimologicamente, justamente por causa de sua recente emergência
epistemologia significa “discurso (logos) sobre enquanto disciplina (JAPIASSU, 1986, p.23). Tal
a ciência (episteme)” e surge no século XIX dificuldade também é expressa nas obras de
(JAPIASSU, 1986, p.24). Não obstante, Carrilho Blanché (1983) e Carrilho e Sàágua; estes
e Sàágua remetem o aparecimento da palavra últimos referem-se ao termo epistemologia como
epistemologia, “em língua francesa”, ao ano de “nebuloso” (CARRILHO; SÀÁGUA, 1991, p.7).
1901. Dizem que a “[...] epistemologia, entendida Assim, a epistemologia pode ser tomada
como filosofia da ciência, surge no século XIX como uma “[...] disciplina, ou tema, ou pers-
[...]” e creditam o seu aparecimento ao desenvol- pectiva de reflexão cujo estatuto é duvidoso, quer
vimento científico, procurando “[...] explicitar o em função do seu objeto, quer em função do
segredo do seu progresso e legislar sobre o seu seu lugar específico nos saberes.” (SANTOS,
valor e objetivos [...].” (CARRILHO; SÀÁGUA, 2000, p.20). Parece também seguir esta pre-
1991, p.12). missa, Japiassu, quando diz que definir episte-
A palavra epistemologia começou a figurar mologia não é uma tarefa fácil, devido à condição
no vocabulário filosófico3 a partir do século XIX. “flutuante” de seus domínios investigativos, não
Para Santos, a reflexão epistemológica “moder- existindo “[...] sequer um acordo quanto à
na” origina-se, enquanto filosofia, no “[...] século natureza dos problemas que ela deve abordar
XVII e atinge um dos seus pontos altos em fins [...]”, além de seu campo de pesquisa ser “[...]
do século XIX, ou seja, no período que acom- imenso, supondo grande intimidade com as
3
Para uma discussão sobre “filosofia-enquanto-epistemologia” ver Rorty (1994, p.144 et seq.).
ciências, cujo princípio e resultados ela deveria que permite a descoberta e a análise de “[...]
estar em condições de criticar. Donde a variedade problemas tais como eles se colocam ou se
de conceitos em epistemologia.” (JAPIASSU, omitem, se resolvem ou desaparecem, na prática
1986, p.23). efetiva dos cientistas”. Portanto, o objeto a ser
Dessa maneira, a epistemologia estudado é a práxis científica e não o seu produto,
preocupa-se com as histórias da ciência e da ou seja, a epistemologia à qual se refere Japiassu
“inteligência”, com a “arqueologia” e as “[...] (1981) tem como função refletir não sobre a
relações da ciência com a sociedade que a “ciência feita, acabada, verdadeira”, mas, sobre
produz, interferindo tanto em sua organização o processo de desenvolvimento científico
interna quanto em suas aplicações.” (JAPIASSU, (JAPIASSU, 1981, p.96).
1986, p.11). Ainda, a epistemologia é a reflexão, Ainda, segundo Japiassu, há uma “flexibi-
o estudo de propósito crítico sobre uma ciência lidade” no emprego do conceito epistemologia.
constituída ou, segundo Japiassu (1981), em Esta flexibilidade depende de vários fatores.
processo de constituição. Um estudo epistemo- Ideologias, filosofias, costumes, culturas, vão
lógico pode visar à discussão de determinados determinar se o conceito de epistemologia será
princípios estruturais de uma respectiva discipli- de “natureza” filosófica, estando assim, próximo
na científica. Pode-se dizer que serve para a uma “teoria geral do conhecimento”, ou de
reorganizar ou reencaminhar determinada natureza mais restrita, levantando questões
disciplina ao trajeto científico, ou seja, tenta acerca da “gênese e estrutura das ciências”.
“delimitar” o campo de estudo dessa disciplina. Também podem fazer parte do conceito de
Por este motivo, a palavra epistemologia é epistemologia a “análise lógica da linguagem
encontrada em dicionários de filosofia como científica” e o “exame das condições reais de
análoga à teoria do conhecimento e gnosiologia produção dos conhecimentos científicos”.
(ABBAGNANO, 1982). Pode-se também encon- Nenhum dos conceitos que possam ser utiliza-
trá-la como a teoria do conhecimento científico. dos terão, como princípio, uma imposição
Mora (1994) diz que, por algum tempo, na “língua dogmática. A dispersão do conceito de episte-
espanhola”, usava-se gnosiologia (teoria do mologia afasta de vista lingüístico, sociológico,
conhecimento) ao invés de epistemologia. ideológico, etc.” Japiassu considera a epistemo-
A gnosiologia logo passou a significar teoria do logia uma ciência interdisciplinar. Portanto, “[...]
conhecimento em seu sentido mais abrangente. cabe à epistemologia perguntar-se pelas relações
À epistemologia coube o estudo do conhecimento existentes entre a ciência e a sociedade, entre
científico. Porém, com a influência da filosofia a ciência e as instituições científicas, entre as
“anglo-saxônica”, a epistemologia é cada vez diversas ciências, etc.”. (JAPIASSU, 1986, p.38).
mais usada em “quase todos os casos” e não A epistemologia fundamenta-se nos
apenas no campo científico. conhecimentos que são produzidos e estão
Para Japiassu (1986) a epistemologia relacionados à ciência. É responsável pelo
deve ser entendida como uma disciplina que não processo de discernimento entre o conhecimento
se interessa tanto pelos aspectos metodo- científico já superado e aquele que se considera
lógicos, “os resultados ou a linguagem ‘da’ atual (JAPIASSU, 1986, p.32). Ou seja, parte
ciência, ou da ‘razão’ nas ciências”. Isto não dos estudos epistemológicos a iniciativa para a
significa que a espistemologia ignore tais discussão dos paradigmas científicos. Entendida
questões, apenas não parecem ser prioritárias como “teoria do fundamento da ciência”, é
em suas investigações. O estudo epsitemo- responsável pela distinção entre objeto científico
lógico está relacionado a uma “reflexão crítica” e objeto da “história das ciências”, além da
-se constantemente e “[...] estão ligados, no dos eventos do conhecimento, para estudar o
pensamento científico, por um estranho laço, tão próprio conhecimento: o conhecimento do
forte como o que une o prazer à dor.” conhecimento. É a partir do conhecimento do
(BACHELARD, 1991, p.9). O que autor quer dizer conhecimento que se constitui a epistemologia
com o a priori e o a posteriori são as maneiras da complexidade, um conhecimento que pensa
como os cientistas e os filósofos se utilizam do, e conhece os limites do próprio conhecimento.
ou concebem o, pensamento científico: os Para Morin (1997), o conhecimento não reflete o
primeiros, reduzindo a filosofia das ciências aos “mundo objetivo”, mas o traduz e o constrói, dado
fatos; os segundos, descartando a possibilidade que a produção, a reprodução e o desenvol-
de a filosofia da ciência relacionar-se aos fatos. vimento do conhecimento fazem parte de um
Portanto, a idéia do a priori e do a posteriori
constante construir-desconstruir-construir no
aproxima-se das noções de determinismo e
universo do próprio conhecimento. Não há
indeterminismo propostas por Bachelard (1978).
imparcialidade e, muito menos, neutralidade
Para Bachelard, “[...] todas as revoluções nesse processo. A construção, a desconstrução,
frutuosas do pensamento científico são crises a reprodução e o desenvolvimento do conheci-
que obrigam a uma reclassificação profunda do mento estão “impregnados” pelo conhecimento
realismo.” Porém, essas crises “frutuosas” não do observador que os concebe. “Não há
são produzidas (provocadas) pelo pensamento conhecimento sem autoconhecimento.” (MORIN,
realista; o “[...] impulso revolucionário vem de
1997, p.201).
outra parte; nasce no reino do abstrato.”
(BACHELARD, 1978, p.157). A previsão de ruptura está implícita no
conhecimento. Acontece que os movimentos de
Independência e relação, determinismo e
ruptura se dão no mesmo instante em que
indeterminismo, a priori e a posteriori em suas
ocorrem os movimentos de relação. A relação
relações e inter-relações, infinito e indefinição, e
desses eventos se dá em função dos movimentos
o princípio da incerteza, são alguns dos pontos
que relacionam e estão relacionados ao conheci-
observados por Bachelard no pensamento
mento. A liberdade de conhecer é o limite do
científico, os quais fazem dele, segundo Edgar
conhecimento. Assim, o conhecimento se
Morin, um dos filósofos da ciência que “falou” da
condiciona, se determina e se limita pelo não-
complexidade com maior profundidade. Por outro
-condicionamento, pelo indeterminismo e pela
lado, pode-se dizer que foi através de Edgar Morin
condição ilimitada em sua gênese, que é
que o pensamento complexo se desenvolveu.
justamente o seu limite. O ilimitado, o
Morin (1996) chama a atenção para a indeterminismo, o incondicionável e o infinito são
seguinte questão: o complexo não é o mesmo o que Morin (1997) chama de as “fontes de
que o complicado. Portanto, a epistemologia da incerteza”. São essas fontes de incerteza que,
complexidade não pode ser entendida como uma enquanto dão origem a uma epistemologia
epistemologia da complicação, uma epistemo- complexa, a partir dela se originam. É nas
logia da dificuldade. questões relativas às incertezas que permeiam
A complexidade moriniana não traz em o conhecimento em sua formação, desenvolvi-
si complicadores, pelo contrário, traz a possibi- mento ou gênese, que se desenvolve a epistemo-
lidade de pensar o ser em si, sua relação com o logia da complexidade. A epistemologia da
mundo, as relações do mundo com o mundo e complexidade não se restringe aos limites do
do ser com o ser. Nesse caso, a epistemologia determinismo e do reducionismo que se
proposta por Morin é uma epistemologia aberta, processam por vias certas, mutiladoras e
sem um princípio rígido norteador. Esta, parte simplificadas. A proposta de Edgar Morin para
uma epistemologia complexa é que esta busque em si, mas viáveis e necessárias ao pensamento
não apenas através do possível, mas do impossí- que pensa esse processo.
vel, as relações mais profundas do conhecimento Edgar Morin não traz idéias prontas, nem
do conhecimento, mesmo que essas relações mesmo possui, como ele mesmo diz, um
não possam ser conhecidas. O processo que paradigma em seu “bolso”. Não se deve entender
permite conhecer o que é desconhecido em tais o pensamento complexo como uma via de mão
relações de conhecimento faz parte da epistemo- única, sistêmica, totalizante e/ou suficiente em
logia da complexidade. si mesma. A idéia de complexidade não é uma
A epistemologia da complexidade vê via de mão única, “[...] ela contém em si a
complementaridade nos antagonismos, ou seja, impossibilidade de unificar, a impossibilidade de
a relação e a complementação mútua de posi- acabamento, uma parte de incerteza, uma
ções opostas ou contrárias, sendo ao mesmo parte de indecisibilidade e o reconhecimento
tempo a disciplina que engloba e é englobada do tête-à-tête final com o indizível.” (MORIN,
pelo objeto sem, necessariamente, isolar ou estar 1996, p.98).
isolada. Nesse caso, a epistemologia complexa O pensamento complexo é uma grande
“[...] terá uma competência mais vasta que a contribuição dada, por Edgar Morin, ao próprio
epistemologia clássica, sem todavia dispor de pensamento. Mesmo não sendo ele o precursor
fundamento, de lugar privilegiado, nem de poder da complexidade, foi quem mais a desenvolveu.
unilateral de controle.” (MORIN, 1999, p.31). A maior parte de sua obra está baseada no
O autor reúne em sua epistemologia complexa pensamento complexo. Morin considera como
as epistemologias bachelardiana e piagetiana. um dos eventos fundamentais para a comple-
A epistemologia histórica e filosófica de xidade a própria informação. A informação é um
Bachelard é chamada por Morin de “complexa” dos eventos primeiros na constituição da vida e
e a epistemologia genética de Piaget é tratada do cosmos (MORIN, 2002a), isto é, a informação
como “[...] a biologia do conhecimento, a
está na origem da vida, em sua gênese, onde
articulação entre lógica e psicologia, o sujeito
gera-se, regenera-se, auto-regenera-se e se
epistêmico.” (MORIN, 1999, p.31). Uma episte-
auto-organiza. Passa, dessas relações de infor-
mologia desse tipo transcende a concepção
mações “genésicas” às relações da vida (MORIN,
apenas científica ou filosófica do conhecimento.
2001), às relações do conhecimento (MORIN,
Lança uma multiplicidade de abordagens
1999), às relações das idéias (MORIN, 1998) e
epistemológicas que, além de “contemplar” os
às relações humanas (MORIN, 2002b). Todas
aspectos biológicos, sociais, culturais e psico-
lógicos, os relaciona. Essa abordagem propõe essas relações são relações de complexidade.
a análise dos “instrumentos” de produção do
conhecimento, ou seja, os instrumentos CONSIDERAÇÕES FINAIS
neurocerebrais.
A complexidade e a epistemologia que a Os percursos e as discussões descritos
representa são fundamentais para se estudar e neste texto tiveram como uma de suas principais
pensar o pensamento, o conhecimento e o funções tentar evidenciar uma epistemologia
próprio desenvolvimento científico, seja através relacionada e distintiva (não separativa) como
de uma filosofia, de uma sociologia ou de uma condição a uma epistemologia complexa. Isso
teoria científica, desde que não redutora e pode parecer confuso e redundante diante de um
determinista. São características difíceis - quase olhar apressado. Por outro lado, a redundância
impossíveis - de serem captadas ou incorpo- aparente do discurso da complexidade traz, na
radas ao processo de desenvolvimento científico realidade, um tom renovador. É a repetição que
REFERÊNCIAS