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Universidade de Brasília

Instituto de Ciências Humanas


Departamento de Filosofia
Tópicos Especiais de História da Filosofia Medieval

JOSÉ VICTOR RODRIGUES STEMLER

INTERCONEXÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE DANTE E AGOSTINHO:


DEUS, O AMOR, O PECADO E A SALVAÇÃO.

BRASÍLIA – DF
2019
1. Entre Dante e Agostinho

É possível agrupar a maneira pela qual os estudiosos analisaram a relação entre Dante e
Agostinho em três categorias principais ou abordagens metodológicas: a histórica ou
doutrinal, a existencial ou confessional e a intertextual ou filológica. A partir destas
diferentes perspectivas, ao longo da história diversos pesquisadores revelaram o
significado da influência de Agostinho em Dante. É com base nisso que agora é possível
ler Dante e Agostinho lado a lado na convicção informada de que Dante não apenas leu e
compreendeu Agostinho, mas também o fez parte de sua experiência política, teológica e
poética.

De civitate Dei (A Cidade de Deus) e De correptione et gratia (A Correção e a Graça)


elucidam uma ideia de graça que permeia todo o senso de “homem maduro” em
Agostinho antes e depois da queda. Na teologia agostiniana, a graça envolve o homem
desde o primeiro momento de sua criação. Criação esta, decorrente de um ato gratuito da
generosidade de Deus, que pode ser descrita como gesto de potência da graça divina.
Neste sentido, a graça é entendida nos termos simples do amor de Deus pelas criaturas
feitas à sua imagem. Além disso, é em virtude da semelhança do homem com Deus que
podemos falar de um relacionamento entre o homem e Deus. Em outras palavras, é por
causa de sua alma racional (de sua liberdade, principalmente) que a semelhança do
homem com Deus é atualizada e reificada.

Seria incorreto afirmar que Agostinho nega a importância da liberdade em relação à


realização moral e espiritual do homem. De fato, a questão precisa ser sempre abordada
no contexto da vontade modificada em e através de um movimento da graça. No entanto,
nesta análise, faz-se mister considerar um elemento que é bastante distinto da teologia da
graça de Agostinho, especialmente quando comparado com a compreensão de Dante do
papel desempenhado pela graça no Éden. A concepção de Agostinho sobre a graça,
permitindo que o homem persista na bondade, mesmo antes da queda, é consistente com
sua crença na total e desqualificada dependência de Deus, bem como o fato de que o
comportamento moral e o destino escatológico do gênero humano são um resultado da
presença de Deus na vontade do homem. A justiça é a vida mais elevada da alma, porque
é uma participação mais completa na Vida de Deus', e essa 'participação mais completa'
é possibilitada pelo presente de Deus ao homem antes e depois da queda. Agostinho centra
seu exame da justiça no homem como criado e auxiliado pela graça na atualização da
bondade moral. Em suas obras, portanto, a ênfase recai sobre a graça como um pré-
requisito para a retidão. A graça preveniente, que estabelece a integridade original do
homem, não é suficiente para conservar o homem nesse estado. É daí que Agostinho
deriva a necessidade de uma intervenção adicional, uma graça subsequente, cooperante.

O foco de Dante é diferente. Quando no 28º canto do Purgatório e no 7º canto do Paraíso


ele introduz questões do estado edênico do homem, seu interesse dirige-se, em primeiro
lugar, a determinar a bondade original humana, e, em segundo lugar, sua dignidade na
hierarquia dos seres em consequência da criação da alma ‘sem intermédio' por Deus, e
das propriedades específicas do homem em seu estado pré-lapsário. Dante enfatiza o
caráter dinâmico da justiça humana ao combinar a justiça original com a sua efetivação
em virtude da vontade do homem, inda que ele também esteja interessado nas
especificidades naturais possuídas por Adão no Éden através das quais ele participou da
essência de Deus, e que desenharam nele uma singular semelhança para com Deus.

Como Dante, Agostinho fala da bondade como uma propriedade do homem antes da
queda, mas, como foi demonstrado no tratado antipelagiano ‘A Correção e a Graça’, ele
enfatiza a importância da graça em sua função operativa e cooperativa para a preservação
da bondade do homem. Dante, pelo contrário, não coloca tal ênfase na graça em um
contexto pré-lapsário. Distintamente de Agostinho, Alighieri nunca fala da necessidade
da graça da perseverança no Éden. Agostinho sente a necessidade de confirmar a bondade
do homem na graça como uma coisa natural e, como é possível notar, seu interesse pela
natureza pré-lapsária além da graça é virtualmente inexistente. Dante sustenta que a
criação "sem intermédio" é a razão para a perfeição do homem, seu interesse está na
natureza, nas propriedades disponíveis ao homem e como essa natureza se relaciona com
a justiça original correlata à humanidade.

Para Tomás de Aquino, a semelhança divina mergulha pela primeira vez no coração da
natureza como uma causa criativa, pois, o homem é convocado para exercer uma
participação finita na infinita fecundidade do ato criativo. Dante está, com relação a isso,
mais próximo de Tomás de Aquino do que de Agostinho. Em Dante, a dignidade do
homem reside em sua semelhança para com seu criador em virtude da imagem e
semelhança de Deus que é sumamente a alma humana. A alma do homem se parece com
Deus na medida em que é em si uma causa e não apenas um efeito - e porque é um agente
livre e não um instrumento mecânico. Tomás, distando-se da visão agostiniana, institui
que para além da dependência absoluta de Deus que o homem compartilha com todo o
mundo criado, é preciso crer na relativa independência do homem, portanto, se na
tendência agostiniana diminui-se a perfeição da criatura, Tomás vê o perigo de se
diminuir a perfeição do poder divino. Isto posto, a apresentação de Dante da humanidade
pré-lapsária se concentra na natureza humana, sua posição privilegiada dentro da criação
e seus atributos como pertencente à sua natureza em virtude da criação.

Além disso, no final do Purgatório, ao 28º canto, Dante conjuga sua representação da
bondade do homem com a da inocência do homem, quando ele escreve: "Estirpe humana
aqui fora inocente”; Adão, que é descrito como a raiz da humanidade, era bom na medida
em que ele foi criado inocente, o que é o mesmo que dizer que ele foi feito moralmente
justo e capaz de realizar boas ações. O termo 'inocente' também ecoa outros adjetivos que
Dante usa para descrever Adão no Éden: 'sincero', 'bom’ (Paraíso. 7. 36),' honesto' e tudo
se relacionava com a pureza de intenção original de Adão. Dante transmite a natureza
dinâmica da presença do homem no paraíso terrestre, apresentando a inocência original
sob o aspecto da fecundidade como potencial para a antecipação da fruição eterna. A
inocência é, portanto, dentro desse contexto, um estado no qual o homem é criado, mas
também aquele em que ele deveria - e era de fato capaz - de manter através do exercício
correto de seus poderes. A diferença de ênfase entre Agostinho e Dante aparece na
maneira como eles estabelecem o contexto no qual a justiça original do homem é
analisada. Não há dúvida de que tanto Agostinho quanto Dante sublinham o caráter
edênico da comunhão do homem com Deus, sua natureza frutífera e a comunicação de
Deus do bem ao homem em virtude dessa união primitiva. Esse é, de fato, o significado
geral do Éden e comum a Agostinho e Dante como parte de uma profissão comum de fé.
O jardim é a promessa entre o homem e o divino, feita com base na respeitosa observância
do mandamento pelo homem, que define sua subordinação a Deus. No reconhecimento
dessa limitação, o homem aceita que esta submissão é boa para ele e para a continuação
de sua vida no jardim, porque é com base nessa subordinação que ele é considerado justo.
A paz eterna no jardim depende da obediência do homem. Em outras palavras, o homem
é chamado a exercer o livre arbítrio como princípio de restrição. Mais tarde, na Comédia,
Beatriz falará do caráter moral da limitação imposta a Adão e Eva ("saudável freio", Par.
7, 26), enfocando o benefício dessa limitação. A fruição de Deus do homem e a
obediência do homem ao seu criador são todas noções presentes tanto em Dante quanto
em Agostinho, mas são tratadas diferentemente em um e n’outro. O exame de Agostinho
sobre o homem antes da queda é uma celebração da perfeição do homem na e pela graça
de Deus. A teologia de Agostinho é sempre ex gratia; a graça é o que torna o homem
justo e é, portanto, a esse respeito sempre preveniente, mas a graça também está na
intervenção subsequente de Deus, com vistas a preservar o homem na bondade de seu
estado original. A ênfase de Agostinho, repousa sobre o poder da graça em seu - desde o
princípio - caráter operativo e contínuo. Em contraste, para Dante, a generosa doação de
Deus no momento da criação é uma maneira de celebrar a bondade de todas as criaturas
e, em particular, do homem, com respeito aos poderes e dotes concedidos a ele em virtude
de sua criação direta e pertencentes a ele por natureza. Para Dante, a celebração do homem
é simultaneamente uma celebração de Deus. Quando no sétimo canto do Paraíso ele
discute a encarnação de Cristo em relação ao pecado original de Adão, seu foco no estado
original de justiça da humanidade pré-lapsária não está na graça, mas no homem, e mais
especificamente no que faz o homem semelhante ao seu criador.

Nisto Agostinho e Dante divergem fundamentalmente. O tratamento que Agostinho


dispensa ao homem em sua essência pura, não é sistemático e quase inexistente. O
entendimento de Dante é diferente. Seu interesse reside na participação do homem na
essência de Deus, em virtude de sua própria essência feita à semelhança de seu criador
por causa das partes constituintes de sua alma racional, ou seja, seu intelecto e vontade.
Assim, em um contexto pré-lapsário, Dante não apenas se concentra no homem como
imagem de Deus, mas também no fato de que a vontade e o intelecto ainda possuíam no
Éden uma eficácia que dependia exclusivamente do estado de justiça original em que o
homem foi criado.

2. A questão da natureza do Amor

O senso de pecado de Agostinho como uma desordem da vontade levanta duas questões
entremeadas à relação entre privatio boni e amor. Se negativamente, a privação é uma
ausência (ou declínio) do amor de Deus, positivamente, é a substituição do amor de Deus
com o amor do mundo (incluindo o amor de si). O amor como desordenado oferece,
portanto, uma definição do mal como um movimento defeituoso da vontade - um
afastamento de Deus - que resulta no amor do homem por algo diferente de Deus. Agora,
a incapacidade de amar a Deus acima de toda a criação é algo com que o homem nasce,
porque o homem, em virtude do pecado original, está delimitado por uma necessidade de
pecar. É somente através da graça que o homem é capaz de dirigir-se ao bem da criação,
de acordo com as normas da lei eterna que se revelam na ordem com a qual a própria
criação é dotada. A participação do homem nesta ordem implica a ordenação de seu amor
(tornada possível no homem caído unicamente pela graça) em uma hierarquia pela qual o
amor de Deus, como autor de todas as coisas, é a medida de todos os outros amores do
homem. Agostinho adianta essa ideia no De civitate Dei, onde, mantendo a bondade de
todas as coisas existentes, ele afirma que o amor por elas está errado caso torne-se
substituto do amor de Deus. Assim, se o amor do homem não se submete ou se conforma
a este para que ele experimente um declínio, esta insubmissão o leva para longe de Deus
em direção ao nada do qual ele foi criado.

Esta noção de amor como ordem - como uma hierarquia de amor ou escada de amor, por
assim dizer, conduzindo a Deus - onde todos os amores são legítimos se se referem ao
amor de Deus, deve ser visto em relação a uma teoria alternativa do amor que Agostinho
desenvolve no “A Doutrina Cristã”, onde ele revela suas dúvidas quanto à legitimidade
de qualquer amor que não seja o amor do homem por Deus. No livro 1 deste tratado,
Agostinho marca a distinção entre uti - o uso das coisas como um meio para um bom final
- e frut - o prazer das coisas em si. Mais uma vez, esta distinção baseia-se no conceito de
uma ordem ontológica na criação ou, uma "ordem objetiva das coisas". A subordinação
das coisas da criação a Deus não é uma decisão do sujeito individual, mas, é uma realidade
ontológica que confronta o sujeito e exige que ele adapte o seu amor a ele. Porque Deus,
para Agostinho, é tanto vita beata como lex aeterna, a participação na alegria do ser
divino é ao mesmo tempo um abraço da ordem criada e uma obediência à lei divina.

Agora, a conformação a esta ordem significa que os seres humanos devem "desfrutar" de
algumas coisas ou se apegar a elas em amor, e "usar" outras pessoas, relacionando-as ou
subordinando-as a obtenção do que eles amam. Em termos distintamente cristãos, o objeto
apropriado de desfrute é Deus. Desfrutar de Deus significa, portanto, apegar-se a ele em
amor por si mesmo. Se Deus é a única coisa que deve ser desfrutada, todo o resto, todas
as coisas pertencentes à criação - todas as coisas temporais - devem ser usadas e referidas
a este fim. Nas próprias palavras de Agostinho:
"Fruir é aderir a alguma coisa por amor a ela própria. E usar é orientar o objeto de que se
faz uso para obter o objeto ao qual se ama, caso tal objeto mereça ser amado. A uso ilícito
cabe, com maior propriedade, o nome de excesso ou abuso. Suponhamos que somos
peregrinos, que não podemos viver felizes a não ser em nossa pátria. Sentindo-nos
miseráveis na peregrinação, suspiramos para que o infortúnio termine e possamos enfim
voltar à pátria. Para isso, seriam necessários meios de condução, terrestre ou marítimo.
Usando deles poderíamos chegar a casa, lá onde haveríamos de gozar. Contudo, se a
amenidade do caminho, o passeio e a condução nos deleitam, a ponto de nos entregarmos
à fruição dessas coisas que deveríamos apenas utilizar, acontecerá que não quereríamos
terminar logo a viagem. Envolvidos em enganosa suavidade, estaríamos alienados da
pátria, cuja doçura unicamente nos faria felizes de verdade. É desse modo que
peregrinamos para Deus nesta vida mortal (2Cor 5,6). Se queremos voltar à pátria, lá onde
poderemos ser felizes, havemos de usar deste mundo, mas não fruirmos dele. Por meio
das coisas criadas, contemplemos as invisíveis de Deus (Rm 1,20), isto é, por meio dos
bens corporais e temporais, procuremos conseguir as realidades espirituais e eternas."
(AGOSTINHO, Santo. Patrística, Santo Agostinho: A Doutrina Cristã. São Paulo:
Paulus, 2017. Pags. 34 e 35.)

A metáfora da viagem do peregrino para casa leva consigo a ideia do afastamento do


homem daquelas coisas que ele mais deveria amar, e é aqui adotado para significa que o
homem está voltando para Deus como o único objetivo mais importante de seu desejo.
Mas, argumenta Agostinho, a jornada pode representar um risco: da mesma forma que o
viajante pode ficar encantado com o prazer da jornada, subordinar o fim aos meios, a alma
pode ser desviado do caminho certo para os falsos prazeres deste mundo. Agora, isso
acontece quando o que deve ser usado para o desfrute de Deus é bastante apreciado por
si mesmo. Ao fazê-lo, o homem é retido ou, finalmente, desviado da obtenção de coisas
que devem ser desfrutadas:

“Nós, criaturas humanas, que gozamos e utilizamos das coisas, encontramo-nos situados
entre as que são para fruir e as que são para utilizar. Se quisermos gozar do que se há
simplesmente de usar, perturbamos nossa caminhada e algumas vezes até nos desviamos
do caminho. Atacados pelo amor das coisas inferiores, atrasamo-nos ou alienamo-nos da
posse das coisas feitas para fruirmos ao possuí-las.”
(AGOSTINHO, Santo. Patrística, Santo Agostinho: A Doutrina Cristã. São Paulo:
Paulus, 2017. Pags. 33 e 34.)
O homem deve usar o mundo livremente e não pode depender dele como fonte de prazer.
Destarte, a relevância de meios e ferramentas é determinada pelo objetivo final do
usuário. Isso quer dizer que o mundo, que ganha seu significado em relação ao bem final,
é usado com vistas a alcançar esse bem.

Muitos estudiosos têm apontado como essa distinção entre "uso" e "prazer" acabou por
apresentar a Agostinho um problema, a saber: conciliar o mandamento do amor de si e
do amor ao próximo com a noção de que o único amor legítimo é o amor de Deus. O
próximo deve ser usado instrumentalmente - como uma ferramenta, isto é - para a
realização do amor supremo de Deus? E este 'uso' de outro ser humano é explorador em
algum nível? Ou o uso do vizinho não é nada além de entender que ele é uma criatura
ontologicamente ordenada e, portanto, subordinada ao Ser Supremo não criado? No final
do Livro 1 d’A Doutrina Cristã, Santo Agostinho reconcilia o conceito de
instrumentalidade e o da ordem natural ou ontológica da criação com uma nova
compreensão da doutrina do uso. Ele reconhece que o homem naturalmente ama a si
mesmo, e que o homem é naturalmente capaz de avaliar o valor das coisas e, portanto,
reconhecer (pelo menos em princípio) a subordinação do amor do corpo àquele da alma
e ao amor de seu corpo próximo ao de Deus, e usar, portanto, o amor ao próximo como
um meio para um fim supremo. O que vemos aqui é, portanto, um temperamento da
distinção de 'uso' e 'gozo' em favor de uma doutrina que permite um novo significado de
'uso' que, quando referido ao próximo ou a si próprio, envolve uma forma de amor por
causa de outra pessoa, ou seja, Deus.

O livro 1 do A Doutrina Cristã oferece uma importante visão do ceticismo de Agostinho


em relação ao mundo como objeto de amor, ceticismo que é por nenhum meio
compartilhado por Dante cuja filosofia do amor se alegra na presença de criaturas no
mundo vistas e experimentadas como objeto de amor, desde que, o amor é dado disciplina
e autodireção. Uma vez que a noção de amor se torna uma noção antropológica - no
sentido de ser contemplada como uma estrutura de existência e um princípio fundamental
de autointerpretação - qualquer distinção entre uso e prazer deve ser abandonada em favor
de um apetite natural – ou amor natural, como no caso de Dante - que move todas as
criaturas para uma boa finalidade, e um amor eletivo que é bom na medida em que se
adapta ao amor natural.
3. A Redenção em Agostinho e Dante

Apesar das muitas semelhanças entre Agostinho e Dante em relação ao ato redentor de
Deus e a resposta do homem à provisão divina, a teologia da redenção de Dante oferece
uma nova distribuição de ênfases que, em última análise, delineará um panorama
diferente do de Agostinho. Assim, as razões que levaram Deus a escolher a cruz para a
redenção do homem são resolvidas dentro de um discurso do modus operandi da bondade
divina. Sem nunca negar a necessidade da encarnação, Dante fala de sua adequação em
restaurar o homem a uma vida de integridade, e, ao fazê-lo, isto é suficiente para revelar-
se. Fiel à ideia da graça como um princípio da suficiência humana, Dante enfatiza a
importância da natureza como disposta desde o início de sua existência - a saber, desde o
momento de sua criação - até um desejo intelectual de Deus e um desejo de se unir a ela.
Deus apaixonado à ideia de "trasumanar", de ir além do humano, portanto, pressupõe um
senso de natureza como se movendo sempre em direção a sua própria finalidade - uma
finalidade que é ao mesmo tempo conatural a ela, mas apenas alcançável através de um
movimento da graça. Isso ocorre porque a natureza racional, é criada à imagem de Deus,
onde, mediante esta imagem, Dante compreende estar a autoconsciência ou autoreflexão
do homem, seu potencial, isto é, para a autocompreensão espiritual e crescimento moral.
Visto desta perspectiva, a graça é entendida como o princípio que permite ao homem
alcançar o que já está estabelecido para alcançar desde o início de sua existência. É em
consonância com isso que confirma-se a graça não tanto como um princípio de
transcendência, mas do fortalecimento da natureza.

Conforme apresentado por Beatriz, o problema doutrinário que incomoda o peregrino está
na razão da escolha de Deus da morte de Cristo para a redenção do homem. Essa
construção retórica, que usa a dúvida do peregrino para introduzir questões de um certo
nível de dificuldade, tem um propósito duplo. Primeiro, acumula expectativa com relação
à questão em voga, e, em segundo lugar, e de um modo específico a essa questão, aponta,
precisamente, para a dureza doutrinal da explicação que Beatriz está prestes a dar. É em
consonância com a dificuldade do assunto que Beatrice, nas falas que se seguem
imediatamente, falará de seu significado escondido e daqueles que ainda não
amadureceram na chama do amor. O amor é a energia generosa, a graça de Deus através
de Cristo, que reafirma o homem em sua semelhança original com Deus. Em outras
palavras, o amor é o princípio que fortalece e libera o homem e, em última análise, o
reafirma em sua liberdade. É o poder que redireciona o amor do homem para o seu destino
correto, permitindo-lhe medir o bem próximo, passageiro, com relação ao final
(redenção). O que Beatriz está dizendo aqui é que compreender corretamente o amor
significa, precisamente, entender que a razão para a encarnação deve ser encontrada no
amor de Deus pela mais nobre de suas criaturas. Por amor, entendemos a noção da infinita
doação de Deus para uma recreatividade que tem o homem como seu fim, uma
recreatividade que é possibilitada por Cristo. É em Cristo que o caráter absoluto do amor
divino é prontamente discernível, porque é pela graça de Cristo que o homem se torna
suficiente (e os poderes operativos de sua alma capacitados) para responder ou concretizar
a finalidade extática de sua existência. "O prazer verdadeiro e gracioso", afirma ele, "é o
critério para a boa ação", e o prazer (a ser entendido aqui no contexto do amor de Deus
pelo homem no ato específico de redenção) foi a razão que levou Deus a mostrar na
encarnação do seu Filho, tanto a sua justiça como a sua misericórdia, 'por causa da' lei
'geral que uma obra é mais agradável ao praticante, mais ela apresenta a bondade do seu
coração’. Dante afirma que Deus poderia ter agido fora da justiça ou da misericórdia; ele
poderia ter perdoado o homem por meio de sua onipotência, resgatando-o sem a mediação
de seu Filho, ou ele poderia deixar que o homem sozinho satisfizesse seu pecado. Mas se
o último era impossível, dada a infinitude da ofensa perpetrada contra a divindade, o
primeiro teria ficado aquém da bondade ou generosidade de Deus.

Ao desejar destacar o prazer e a bondade do agente, Dante estabelece uma relação


proporcional entre o prazer de um ato e a bondade do agente; quanto mais um ato revela
a bondade do agente, mais o agente encontra prazer ou se regozija no próprio ato. A
conclusão lógica com respeito à encarnação é que este ato era tanto mais agradável a Deus
porque originou-se e revelou toda a extensão de sua bondade, consistindo de sua
misericórdia e justiça. Como resultado, temos uma imagem surpreendente, que é de um
Deus que se alegra em sua própria atividade, porque nela vê a revelação de sua infinita
bondade - uma bondade que é ao mesmo tempo criativa e recriativa. É nesse sentido que,
em Dante, a teologia da redenção pode ser vista como uma extensão da teologia da
criação. A bondade que Deus revela no ato da criação é a mesma bondade na qual Deus
se regozija em sua escolha pela redenção do homem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Dante Alighieri. A Divina Comédia: Inferno, Purgatório e Paraíso. Tradução e notas de


Ítalo Eugênio Mauro. Em português e italiano (original). Editora 34, São Paulo, 1999.

Santo Agostinho, A Cidade de Deus. 7ª ed. Trad. Oscar Paes Lemes, Rio de Janeiro,
Editora: Vozes, 2002. Parte I

Santo Agostinho, A Cidade de Deus, Editora: Vozes de Bolso, 2012. Parte II

Santo Agostinho, Patrística: A Doutrina Cristã. 1ª ed. São Paulo: Paulus, 2017.

Santo Agostinho, Patrística: A Graça. 1ª ed. São Paulo: Paulus, 2017.

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