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02 v jul/dez 2004
RESUMO – Este artigo apresenta resultados parciais de pes- ABSTRACT – This work presents partial results of an
quisa que investiga a relação entre o discurso narrativo oral e investigation concerning the relationship between oral narrative
a construção do discurso escrito, pelo acompanhamento lon- discourse and the construction of written discourse in child
gitudinal de dois grupos de 15 alunos cada, da 3ª até a 5ª séries development. Two groups of 15 children are observed longitudinally
do Ensino Fundamental, sendo que é desenvolvido um traba- throughout their 3rd to 5th year of elementary schooling (Ensino
lho de intervenção formativa com um desses grupos. Seu Fundamental, in Brazil). In one of the school classes our research
objetivo principal é analisar o processo de textualização do team develops a work of educational intervention. The focus of
gênero narrativo sob dois ângulos: o do produto texto e o da the investigation is to analyze the textualization process in the
interferência da escola neste processo, para o que é utilizada a development of narrative genres under two perspectives: from the
teoria interacionista sociodiscursiva (Bronckart, 1999; point of view of the text as a product, and from the point of view
Schneuwly e Dolz, 1999; Vygotski, 1988). of the school’s interference in the process. The theoretical
framework assumed is that of the socio-discursive interactionism
(Bronckart, 1997; Schneuwly & Dolz, 1999; Vygotsky, 1988).
Palavras-chave: narrativas orais e escritas, desenvolvimen- Key words: written and oral narratives; written language
to da linguagem escrita, intervenções formativas, transposi- development; formative intervention; didactic transposition;
ção didática, interacionismo sociodiscursivo. socio-discursive interactionism
Um pouco da história da pesquisa mo, de classe média baixa. Trata-se de uma escola
pequena, em que funciona apenas uma turma por sé-
O projeto “Construção de narrativas e desen- rie, do pré até a 5ª série.
volvimento social da escrita” representa, sob a forma O principal objetivo do projeto é analisar o
de um envolvimento com a realidade escolar, a conti- processo de textualização da narrativa sob dois ân-
nuidade de pesquisas em torno de questões sobre gulos: o do produto texto e o da interferência da esco-
desenvolvimento da linguagem da criança na fase de la no processo de apropriação do escrito pela criança.
letramento, com ênfase em narrativas orais e escritas. Este projeto encontra-se em sua fase inicial, uma vez
Nesse sentido, objetiva aproximar as pesquisas pen- que começou em setembro de 2003.
sadas sob o prisma de aquisição e desenvolvimento É preciso referir também que o projeto foi con-
da linguagem do contexto escolar, transpondo-as para cebido sem que a escola onde seria desenvolvido
uma reflexão pedagógica, a partir do acompanhamen- estivesse escolhida. Essa tarefa não foi fácil, em parte
to longitudinal de dois grupos de alunos, da 3ª até a pela falta de interesse das escolas em desenvolver
5ª séries. Em um dos grupos é desenvolvido o traba- projetos de parceria, mas, sobretudo, pela falta de
lho de intervenções formativas; o outro é o grupo estímulo do professor da turma escolhida, uma vez
controle. A escola onde se desenvolve a pesquisa é que a maioria parece não medir os benefícios que possa
municipal, na periferia de uma cidade da região metro- vir a ter com a quebra de seu paradigma docente. Fi-
politana de Porto Alegre, e a maioria dos alunos que a nalmente, quando se chegou a uma escola receptiva,
freqüenta é de classes menos favorecidas, no máxi- foi bastante difícil convencer o professor da turma
escolhida para a intervenção pedagógica. Seu princi- A: Eu escrevo # eu gosto, as coisas que eu
pal argumento - “as crianças são um problema” - era mais gosto de escrever é as coisas que a
justificado pelo de fato de os alunos serem turbulen- (profes)sora escreve no quadro: os textos, es-
tos, de idades diferentes (na 3ª série, as idades oscila- sas coisas.
vam entre oito e 13 anos), de forma que vislumbrava P: E o que tu escreves?
ser impossível realizar um trabalho com eles. Nesse A: O que eu escrevo?
ínterim, o papel do pesquisador ia se desenvolvendo: P: O que é que tu gostas mais?
observação da turma, envolvimento de seus A: Fazer texto.
mestrandos, entrevista individualizada com as crian- P: Que tipo de texto que tu fazes?
ças, recolhimento dos poucos textos por elas escritos A: # Sobre os bichos, essas coisas, sobre, como
durante o ano de 2003. Era outubro, o ano ameaçava vou dizer?...
findar, quando... (Cassiandro, 13 anos)
escrita posterior, sempre reafirmando os elementos Outros personagens mágicos (Vampiro, ou-
necessários para um conto de fadas. A história tras bruxas, Frankenstein, Homem Ara-
maior apresentou dificuldades na recontagem oral, nha,...): 41,2%
o que não permaneceu na escrita. Avaliadas algu- Antagonistas: 47,1%
mas das histórias escritas sob o ponto de vista de Protagonistas: 100%
terem (ou não) reproduzido os acontecimentos dos Seqüência narrativa (Adam, 1985)
quadrinhos e de apresentarem os elementos neces- Situação inicial
sários para gênero. A história mais complexa foi • Momento: 88,2% (um dia, era uma vez, no dia
dramatizada, como forma de avaliar sua compreen- das bruxas...)
são, o que mostrou não ter havido problemas de • Lugar: 65% (castelo, praia, rua, floresta, casa
entendimento. da bruxa...)
• Personagens : 100% (de 2 a 6 personagens)
Oficina 7. Produção final • Dificuldades do personagem= 65%
Produção de um conto de fadas, que trouxes-
se novas aventuras da Bruxa Onilda e apresentasse Complicação
todas as características estudadas. Esse texto foi lido • Evento modificador da situação inicial: 100%
também por duas outras professoras: a supervisora • Metamorfose dos personagens: 53%
educacional e a professora da classe. Deles foram
escolhidos três contos que foram publicados como Ações variadas
um livro infantil e distribuídos na festa de encerra- Diversidade de ações: 70,6%
mento das oficinas. Interferência do elemento mágico no cotidia-
no: 65%
Primeiros resultados
Resolução
A avaliação das produções finais dos alu- Resolução da complicação: 94,1%
nos demonstra que o objetivo de construção de
um texto inserido no gênero de escolha foi atingi- Situação final
do. Apresenta-se, a seguir, uma análise preliminar • Final feliz: 88,2%
dessas produções, a partir da proposta de • Novo estado de equilíbrio: 88,2% (na maior
Bronckart (1999). Essa análise preliminar tratou do parte, ligada à resolução, do tipo “viveram fe-
que chama de “infra-estrutura geral”, ou seja, o lizes para sempre”).
nível mais profundo do texto, de acordo com o
gênero de texto escolhido, a pertinência do con- Esses resultados dão-nos alento para a conti-
teúdo temático desenvolvido no texto e as seqüên- nuidade do projeto, ainda mais que, na primeira pro-
cias que o organizam. Foram investigadas as se- dução analisada, não havia mostras de que os alunos
guintes características (apresentadas junto ao conheciam os elementos da seqüência narrativa, mui-
percentual de ocorrências): to certamente, em função de que não era tratada ade-
Léxico típico: quadamente a questão de produção de qualquer
Marcas temporais indefinidas (era uma vez, um tipo de texto. Nesse sentido, a presença da seqüência
dia...): 70,6% narrativa se mostra muito evidente, pelos percentuais
Nome de personagem como representativo de elevados em todos os seus elementos. A escolha de
suas características (Bruxa Onilda, fada xx,): um gênero considerado simples, como é o caso dos
100% contos de fada, certamente contribuiu para este de-
Nomes que remetam diretamente ao conto de sempenho.
fadas (castelo, vassoura de bruxa): 88,2% Por outro lado, problemas de língua, como or-
Situações típicas: tografia e pontuação, se mantiveram e precisarão ser
Presença de encantamento, magia: 100% corrigidos com a evolução do trabalho. Para isso, es-
Interferência do elemento mágico no cotidia- tão sendo planejadas novas seqüências didáticas de
no: 70,6% forma a refletir sobre uma aprendizagem da escrita
Personagens típicos (excluindo-se a Bruxa, que permita ir além do fato de que “escrever se apren-
presente na proposta do texto): de escrevendo”.