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Módulo II: Atenção a Pessoas com Transtorno Mental e


Usuários de Álcool e Outras Drogas

Unidade 4: Abordagem da Crise

CRISE

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Créditos
Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra,
desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial. A
responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra é da Secretaria
de Estado de Saúde de Minas Gerais. O conteúdo desta publicação foi desenvolvido e
aperfeiçoado pela equipe do Canal Minas Saúde e especialistas do assunto indicados
pela área demandante do curso.

Ficha Catalográfica
_______________________________________________________________________
MINAS GERAIS. Canal Minas Saúde. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Curso
de Extensão Novo Olhar para a Saúde Mental - Módulo II: Atenção a Pessoas com
Transtorno Mental e Usuários de Álcool e Outras Drogas - Unidade 4: Abordagem da
Crise. Belo Horizonte, Minas Gerais, 2013.

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Olá! Este é o seu Material de Referência que contempla todo o conteúdo da


Unidade de forma mais aprofundada. Nosso intuito é agregar mais conhecimento a sua
aprendizagem, por isso, leia-o com atenção!

Mas, antes de iniciar, conheça os objetivos de aprendizagem previstos para esta


Unidade. Boa leitura!

Objetivo de Aprendizagem

Conhecer as possibilidades para o atendimento


ao usuário em crise, a partir de fragmentos de
casos clínicos atendidos nos diversos pontos da
Rede Atenção Psicossocial.

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Introdução

Nesta unidade, será abordada intervenção na crise a partir de fragmentos de casos


clínicos atendidos nos diversos pontos da Rede Atenção Psicossocial. Eles serão
trabalhados com o objetivo de aproximar questões teóricas com a prática em direção à
qualificação da prática clínica.

Esperamos que ao final desta Unidade sejam reconhecidos os princípios que


pautam a abordagem da crise, levando em consideração as especificidades de cada caso
e as saídas possíveis a partir das singularidades dos sujeitos.

1. O Sujeito em “Crise”

Várias situações caracterizam o que habitualmente “chamamos sujeito em crise”.


São elas as Tentativas de Autoextermínio, a Agitação Psicomotora e a
Agressividade (comportamento violento) que constituem as situações de emergência
em psiquiatria. Outros quadros, não menos graves, como intoxicação medicamentosa,
quadros orgânicos e degenerativos não serão discutidos neste momento, mas precisam
ser considerados como diagnóstico diferencial.

A psicopatologia fará uma “distinção” entre a palavra “crise” que será dividida em
crise, surto e fase.

Apesar de frequentemente usarmos esta terminologia com um mesmo sentido, sua


distinção se faz necessário.

A crise tem curta duração, começa e termina de forma abrupta. Temos como
exemplo, as crises histéricas, as crises epilépticas, de pânico e de agitação psicomotora.
Quanto à duração pode ser de segundos, minutos e, mais raramente, horas.

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O surto aparece de forma súbita, mas vem de uma doença de base e provoca
danos à vida psíquica do sujeito. A duração do surto é maior, pode durar meses como no
exemplo da esquizofrenia e sempre levará a sequelas.

Já nos quadros afetivos usa-se a palavra fase para caracterizar os períodos de


depressão e de mania. Passada esta fase, o paciente retorna ao que era antes, sem
alterações ou sequelas na personalidade.

Mas quer seja uma crise, um surto ou uma fase, o paciente encontra-se
fragilizado tanto do ponto de vista psíquico como social.

1.1 Acolhendo o Sujeito em Crise

Segundo o dicionário Houaiss, Acolher significa proteger, amparar, dar


hospitalidade.

Na atenção em saúde mental, uso de álcool e outras drogas, acolher um sujeito em


“crise” poderá constituir o início do processo de tratamento e de estabelecimento de
vínculo com a instituição, baseado no que o sujeito nos apresenta de seu sofrimento.
Através da fala e do corpo molda-se uma escuta. Dessa forma, o sujeito torna-se parte
fundamental e ativa no seu tratamento.

O acolhimento é um processo dinâmico que significa amparar o que o sujeito nos


apresenta, aceitando suas diferenças e peculiaridades e construindo com ele alternativas
de tratamento. Nesse sentido, acolher pressupõe uma atitude por parte do trabalhador de
receber, escutar e tratar de forma humanizada.

A abordagem dos sujeitos “em crise” deve ser cuidadosa, respeitando as


singularidades do quadro psicopatológico vivido pelo usuário. O acolhimento dos sujeitos
não tem regras preestabelecidas e é uma prática criativa, que se inventa a cada

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atendimento. O acolhimento poderá ser feito na rua, na ambulância, e, por vezes,


acompanhado por outro profissional do serviço ou do serviço que o referencia.

Portanto, o acolhimento criativo deverá ser o ponto de partida desta nova ética do
cuidado em saúde.

2. Ações de Assistência na Crise do Usuário

A partir dos relatos de abordagens de sujeitos em crise serão delineadas algumas


intervenções e encaminhamentos possíveis dentro da rede de atenção psicossocial.

2.1 Um Surto Psicótico

Os sintomas típicos do surto psicótico são: alucinações, delírios, pensamentos


desorganizados, comportamento desorganizado e até mesmo bizarro. Podem ocorrer
ainda, agitação psicomotora e agressividade, seja direcionada ao meio ou a outras
pessoas ou a si próprio. Dessa forma, no surto psicótico o que ocorre é uma perda de
contato com a realidade. Delírios de conteúdo persecutório são os mais comuns, assim
como alucinações auditivas, de conteúdo persecutório, ou alucinações que fazem
comentários sobre o paciente ou narram suas ações.

Pedro, um paciente de 30 anos, chega ao serviço trazido pela polícia. Veio


acompanhado pela mãe e um irmão mais velho.

“O responsável pelo acolhimento” é chamado para conversar com Pedro no


estacionamento, pois se recusava a sair do carro.

Pedro ao ser escutado mostra-se muito aflito, dizia que os vizinhos estavam
querendo matá-lo. Ele pede para ficar só com o médico e aceita ir até à recepção. Após
um levantamento verificou-se que paciente já esteve em tratamento no CAPS e há dois
anos não mais comparecia ao serviço. O médico foi chamado para avaliar e foi sugerido o

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uso de medicação antipsicótica injetável, uma vez que Pedro recusava a ingestão de
medicamentos.

Optou-se pela aplicação do Haloperidol injetável no momento, para efeito imediato,


do Zuclopentixol Acuphase para efeito nas próximas 72 horas, e estabilização do surto de
forma rápida e eficaz, e do Haloperidol Decanoato pensando no seguimento do caso, uma
vez que se trata de paciente que já iniciou e abandonou o tratamento outras vezes.

O enfermeiro e o médico deram as informações necessárias para Pedro e a família


quanto ao uso das medicações e efeitos adversos.

A equipe, junto com a família e o usuário, construiu uma proposta de projeto


terapêutico. Pedro iria todos os dias ao CAPS para permanência dia até a estabilização
do quadro psíquico. A família foi orientada sobre o cuidado noturno e em finais de
semana.

O atendimento dividiu-se nos seguintes momentos:

1. Acolhimento criativo
2. Avaliação médica
3. Medicação
a. Haloperidol injetável
b. Zuclopentixol acuphase
c. Haloperidol de depósito

4. Construção compartilhada do projeto terapêutico


a. Retomada do caso pela equipe
b. Identificação do técnico de referência para retomada do caso
c. Discussão do caso com a equipe
d. Entrevista com os familiares no próximo dia
e. Agendamento do carro para buscar o paciente nos próximos dias

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f. Contato com a psicóloga no NASF de referência da família para pensar a


continuidade de cuidados.

2.2 Uma Tentativa de Suicídio

O suicídio é definido como o ato de terminar com a própria vida, enquanto que a
tentativa de suicidio seria um ato de autoagressão deliberada, podendo ou não ter a
intenção de morrer. Tendo em vista as diferenças epidemiológicas entre a população de
pacientes que comete suicídio e a que tenta, e tendo ainda em vista que a expressão
tentativa de suicidio apenas nomeia um comportamento, torna-se necessário uma
escuta que nos permita entender a situação em que o indivíduo se encontra. Talvez
nestas situações seria melhor falarmos de comportamento suicida.

O comportamento suicida, então, seria todo o ato através do qual o paciente


causa lesão a si mesmo, seja qual for o grau de intenção letal. Os pacientes que
apresentam tal comportamento se encontram em desamparo, com sentimentos
contraditórios entre a sobrevivência e o insuportável da vida e entendem não terem
opções ou outras saídas para seu sofrimento. Trata-se de pacientes fragilizados, vivendo
situações de intensa desesperança e frustração. Em sua angústia, o suicídio surge como
uma saída.

Numa segunda-feira, início da tarde, chega uma senhora gritando na unidade


básica de saúde, pedindo socorro, dizendo que sua filha havia tentado se matar. Logo,
chega Joana nos braços do pai. Joana tem 20 anos e mora com o pais e mais 2 irmãos.
Tereza, a enfermeira da equipe que está no acolhimento externo, solicita que os pais
tragam Joana para o consultório. Imediatamente, é solicitado avaliação do médico. Joana
mantinha seus dados vitais estáveis, não apresentava cortes ou nada que indicasse um
encaminhamento para uma unidade de urgência. Mostrava-se confusa, mas respondia
aos questionamentos.

Os familiares são solicitados a deixar Joana sozinha para que pudesse falar sobre
suas questões. Joana relata à enfermeira sua angústia, diz que as brigas em casa são

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uma constante e que após o namorado dizer que a relação estava acabada, decidiu por
fim na sua vida.

Tinha alguns comprimidos em casa que a mãe usava, disse que eram calmantes.
Tomou dois comprimidos e bebeu vinagre.

Joana nunca havia sido atendida no serviço ou mesmo em um ambulatório


especializado. Contou alguns detalhes da relação com seu namorado e com seus pais.
Falou que se sentia arrependida.

Joana não tinha indicação de encaminhamento para uma internação.


Tereza pediu que Joana voltasse no dia seguinte, pois queria ter notícias.
Perguntou ainda, se ela gostaria de conversar mais vezes sobre “as questões do
coração”, o que ela responde que sim. Antes de terminar o atendimento, pediu permissão
para orientar os pais.

No dia seguinte Joana volta dizendo estar melhor. Tereza havia feito contato com o
NASF de referência e identificou um psicólogo que pudesse acolhê-la neste momento.
Informou a ela a possibilidade de ser acolhida pelo profissional para que neste encontro
Joana pudesse colher efeitos terapêuticos.

Casos como estes são frequentes nas unidades de saúde da atenção primária.
Independente da gravidade, o usuário deverá ser acolhido em sua subjetividade.
Nenhuma tentativa de autoextermínio deverá ser desvalorizada.

Neste caso, não foi necessário medicar, ou encaminhar para uma unidade de
urgência, mas é fundamental fazer com que o sujeito circule na rede.

O atendimento constou dos seguintes passos:

1. Acolhimento criativo
2. Avaliação da urgência com exame médico e da enfermagem

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3. Escuta
4. Orientação aos familiares
5. Contato com o NASF
6. Retorno da usuária para nova escuta e encaminhamentos

2.3 Tentativa de Autoextermínio em um Paciente Psicótico

Retomando o que abordamos sobre as diferenças entre o grupo de pacientes que


comete suicídio e o grupo que faz tentativas de autoextermínio, trataremos de um caso
de ideação suicida em paciente com quadro psicótico. Nosso propósito é demonstrar
como o comportamento suicida apresenta peculiaridades nestes sujeitos e como a
forma de abordagem desse comportamento nos direciona a um atendimento mais rápido,
diferenciado e eficaz.

João “é um velho conhecido do CAPS”, chamado de Joãozinho pelos funcionários.


Faz acompanhamento no serviço há 10 anos. Vinha ao CAPS uma vez por semana. Fazia
uso de medicação antipsicótica de depósito, Haloperidol Decanoato 02 ampolas a cada
15 dias. No último mês, João começou a ficar estranho, arredio, dizendo que as “vozes
voltaram”. A equipe ficou preocupada, pois ele não se mostrava mais solícito como antes
se isolando dentro do serviço. O caso foi levado para discussão na reunião clínica
semanal e sugerido ajuste na dose da medicação. A equipe entendeu que seria
interessante uma internação no hospital geral de referência neste período, pois o final de
semana estava chegando e o CAPS II não havia hospitalidade noturna. A permanência de
João no CAPS passa a ser diária. Na sexta-feira, João chega relativamente calmo, mas
vai para o banheiro com uma bolsa. O auxiliar de enfermagem, preocupado, avisa o
técnico de referência. Imediatamente vão ao banheiro onde João se encontrava no chão
“desmaiado”. O SAMU é solicitado, e medidas suportivas são feitas, como manter as vias
aéreas livres. João tinha alguns comprimidos na mão. Levado pelo SAMU ao hospital
ficaria internado por 5 dias. Durante este período, dois técnicos do CAPS faziam visitas
diárias ao João. Retornando ao CAPS depois da internação, passa para permanência dia

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intensiva. Ele nunca quis falar sobre o que havia acontecido, mas dizia que as vozes
tinham ido embora.

Tentativas de autoextermínio em quadros esquizofrênicos apresentam


peculiaridades como a “falta do aviso”, ocorrem de “forma intempestiva” e por vezes de
“modo estranho”.

É importante estar atento a todas as mudanças do usuário no serviço. Mudanças


que deverão ser comunicados ao técnico de referência e registradas em seu prontuário.
Orientar a família quanto ao risco de suicídio e tentar construir estratégias de apoio
podem em muito ajudar o usuário neste momento. Deve-se considerar a hospitalidade
noturna quando possível ou internação hospitalar.

2.4 Transtorno Afetivo Bipolar em Crise

O transtorno Bipolar é caracterizado pela oscilação entre dois polos de humor, de


forma que o paciente mostra-se ora depressivo, ora exaltado e eufórico. A chamada fase
maníaca se caracteriza pela presença de euforia, grandiosidade, autoestima elevada,
necessidade reduzida de sono, agitação psicomotora, pensamento acelerado, mas
também, pode se caracterizar por humor irritável ou disfórico ao invés de euforia.

A fase depressiva se caracteriza por humor triste, desânimo, sentimento de menos


valia, falta de energia, insônia ou sonolência excessiva, interesse ou prazer diminuído
pelas atividades, dificuldade para se concentrar. Estas fases geralmente são intercaladas
por períodos assintomáticos.

Cristina tem 23 anos. Procura a Unidade de Saúde do ESF dizendo que precisa dar
informações muito importantes. Chama atenção seu modo de vestir e o modo de falar.
Está usando uma roupa muito colorida, uma maquiagem não apropriada para o horário,
três horas da tarde. Chega para a recepcionista e tira uma bíblia de capa cor de rosa e de
plumas, dizendo que tem uma mensagem para ela. Fala sem parar. A atendente pede um
pouco de paciência e chama o enfermeiro, pois neste momento o médico havia saído
para uma visita domiciliar. Cristina é solicitada a estar no consultório e diz que vem da

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parte do prefeito e precisa ser atendida o quanto antes, pois tem uma reunião política. O
enfermeiro Pedro pede para aguardar um pouco mais e tenta localizar o envelope de sua
família. A família vinha sendo acompanhada e a mãe tinha história de internações em
instituição psiquiátrica há longa data por motivo não especificado.

Na cidade, não havia CAPS e o hospital de referência está a mais de 400 km.

Dr. João logo chega do atendimento domiciliar e discute o caso com o Pedro. Dr.
João conversa com Cristina e sugere o uso de uma medicação. Ela disse que vai pensar.
Pedro já havia entrado em contato com a família, que estava a caminho.

Logo que a mãe chega diz que o problema já vinha de alguns dias, mas como na
família tem destas coisas, não se preocupou.

A mãe se comprometeu a dar as medicações e providenciar os exames solicitados


pelo Dr. João.

Cristina saiu com a seguinte receita:

1. Carbonato de lítio 300 01 00 01


2. Clorpromazina 300 01 00 01

Pedidos de exame:

1. Hemograma
2. Ureia e creatinina
3. TSH e T4 livre
4. Solicitação da avaliação cardiológica.

A equipe se organizou para nos próximos dias fazer visitas 2 vezes diárias.
Um plano de cuidado foi estabelecido pela equipe:

1. Visita domiciliar diária, pelo médico, enfermeiro e Agente Comunitário de Saúde,


com quem tem uma relação próxima.

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2. Exames laboratoriais no dia seguinte: hemograma, ureia, creatinina, TSH e T4


livre.

3. Agendamento de avalição cardiológia posterior.


4. Acompanhamento para adequação da dose da medicação conforme a evolução do
caso.

5. Acompanhamento da dosagem sanguínea de lítio.

Estabelecer estratégias de atendimento para paciente em fase de mania bipolar em


uma unidade de ESF é um desafio para a equipe. Mas não se pode recuar. Trabalhamos
com uma realidade, onde a avaliação especializada é de difícil acesso em muitos casos.

Esta equipe conta com o apoio do programa do estado de capacitação para


atendimento em saúde mental. No dia seguinte, puderam discutir o caso no fórum virtual.
Cristina agora está bem e já se encontra estabilizada participando de oficina terapêutica
na unidade básica de saúde.

2.5 Abordagem da Crise de Um Adolescente em Situação de Vulnerabilidade

É na adolescência, por volta dos 15 anos, que o uso de drogas psicotrópicas


começa. Geralmente, inicia-se com o uso de tabaco e álcool (substâncias lícitas), sendo
que 10 a 30% evoluem para abuso ou dependência de substâncias sejam estas lícitas ou
ilícitas. As pressões do meio social têm grande influência no avanço para o uso de
múltiplas drogas. No Brasil, dados apontam que cerca de 20% dos estudantes de ensino
fundamental e médio já experimentaram alguma droga ilícita, além do álcool e do cigarro.
Quando se trata de adolescentes em situação de rua, a taxa sobe para 22,7% entre 10 e
11 anos, 53% de 12 a 14 anos e 78% entre 15 e 18 anos.

A Unidade de Saúde da Família Campo de Boabás localiza-se em região periférica


do município. Esta região é conhecida por suas condições de vulnerabilidade social e
tráfico de drogas. Há uma praça próxima a unidade de saúde, ponto de encontro de
adolescentes, uso e venda de drogas e também para prostituição. O movimento é mais

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acentuado à noite, mas durante o dia há a presença de algumas pessoas, as quais não se
inibem mesmo quando outras passam por ali, entre elas, Dolores, Agente Comunitária de
Saúde (ACS).

A ACS é chamada por alguns adolescentes, que ficam na praça, para conversar.
Perguntam se tem consulta com o médico, queixam-se de dores e começam a falar da
vida. Dolores passa a se interessar por eles. Entre os adolescentes, está Fernanda, 18
anos, usuária de crack há 3 anos que se põe a falar da sua história a partir da curiosidade
de Dolores em saber dela.

Seu encontro com as drogas aconteceu aos 14 anos quando conheceu seu atual
namorado, de 28 anos. Ela via nele sua felicidade, pois se sentia, enfim, amada. Ele havia
começado a usar drogas há pouco tempo e para tê-lo e mantê-lo, ela começou a usar
também, sempre um na companhia do outro.

Prostitui-se para comprar a droga e, nas conversas com sua ACS diz que a
prostituição veio depois das drogas, pois precisava de dinheiro para manter o seu
consumo.

Quanto ao seu trabalho, ela diz que a relação sexual sem preservativo é mais cara
do que com preservativo, por isso Fernanda se submete mais a esse tipo de relação. O
seu namorado consegue fregueses para ela, geralmente homens com condições
financeiras que querem sexo sem preservativo. Queixa-se para a ACS que está cansada,
muito emagrecida e que seu namorado começou a dizer que desse jeito, não vai
conseguir fregueses. Tem medo de engravidar, porque nem sempre usa pílula
anticoncepcional, pois chega a vendê-la para conseguir dinheiro.

Fernanda passa a maior parte do seu tempo na praça, na companhia de outros


adolescentes e usuários. Estes outros também passam por condições de vida parecidas
com a dela, demandando alguns cuidados em saúde. Diz que é difícil ficar em casa
porque a mãe “enche muito meu saco, pega muito no meu pé”.

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Dolores, a ACS, pensa como pode ajudar, o que fazer por Fernanda e os demais
adolescentes que frequentam a praça da sua microárea.

Situações de vulnerabilidade como esta tem sido cada vez mais frequentes nos
espaço da cidade. Aqui temos um bom exemplo do Acolhimento Criativo. O acolhimento
que se faz no espaço público. A ACS identifica uma adolescente que pede ajuda e a
acolhe.

Ações intersetoriais precisam ser tomadas neste caso. Compartilhar o cuidado é


fundamental para casos como este.
O que você faria?

2.6 Transtornos Decorrentes do Uso de Álcool e/ou outras Drogas

Josefa, 55 anos, viúva há 20 anos, possui três filhos adultos e reside com a mãe,
sendo que há dois meses a filha caçula e dois netos, de 4 e 6 anos, estão morando na
mesma casa, porque esta se separou do marido.

Josefa sempre fazia uso de bebida alcoólica de forma esporádica, mas depois do
falecimento do marido, devido acidente de carro, ela passou a ingerir uma garrafa de
cachaça por dia. Diz que toda vez que “passa raiva” acaba bebendo. Já tentou parar de
beber algumas vezes, mas nunca conseguiu. Inclusive tendo enfrentado crises de
abstinência por esse motivo, mas no fim, sempre busca a bebida.

Teve outro relacionamento, no qual seu parceiro compartilhava com ela deste
abuso, pois ele trazia para casa, constantemente, bebidas variadas, as quais eram
ingeridas por ambos. Este parceiro faleceu por complicações cardíacas há um ano.

No momento, deseja parar de beber, pois quer cuidar dos seus netos. Emociona-se
ao falar da sua relação com a filha, pois queria que se dessem bem, como “mãe e filha”.
Está há uma semana sem beber, apresentando pensamento confuso, ansiedade,

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agitação, insônia e muita vontade de ingerir cachaça. Diz que, às vezes, vê uns cachorros
dentro de casa, mas acha isso estranho, porque não há esses animais em casa.

Alguém sugere que ela procure o CAPS ad da sua cidade Ela não sabia
exatamente o que seria isto, mas diz que não foi difícil encontrar o endereço.

Chega para uma consulta, onde é acolhida por um profissional psicólogo que avalia
e sugere um atendimento médico por conta dos sintomas de abstinência e da sua
manifestação do desejo de parar de beber. Dr. João atende discute o caso com a equipe.
São solicitados exames para “ver como as coisas estão” e sugere que use uma
medicação pelos próximos dias: 01 comprimido de Diazepam duas vezes ao dia.

Josefa aceita bem a proposta, tem esperança que isto possa melhorar a sua
relação com a filha. Josefa começa a ir ao CAPS ad regularmente e demanda ser
frequentemente escutada, relatando sua alternância em dias de “sobriedade” e dias “de
embriaguez”.

Estabelecer estratégias de atendimento aos usuários de álcool e outras drogas é


um desafio da clínica contemporânea. É uma clínica que se inventa a cada atendimento,
quer pelas formas de acolhimento criativo, quer pelas novas formas de circular nas redes
de assistência. O tempo está do lado sujeito, cabe aos profissionais dos serviços
suportarem as alternâncias de Josefa acolhendo-a em escuta e cuidados em relação à
medicação e à sua saúde como um todo. Há um endereçamento deste sujeito à
instituição e sua equipe. Cuidar de usuário de álcool e outras drogas é uma aposta em
saídas singulares.

2.7 Sujeitos e Drogas

Existe uma alta prevalência de uso de múltiplas substâncias em usuários de


cocaína e crack, especialmente uma associação com abuso e dependência de álcool.

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Neste grupo, 25% apresenta dependência de mais uma substância, 32,6% de


dependência de duas e 22,4% de pendência de três drogas psicotrópicas, excluída a
nicotina.

Mário tem 20 anos, é usuário de crack, maconha, álcool e cigarro, vive errante nas
ruas, apesar de ter família. Seus pais são usuários de bebidas alcoólicas e têm
resistência em fazer tratamento. Os pais chegaram inclusive a iniciar um tratamento no
CAPS ad, mas logo abandonaram. O uso de drogas por Mário iniciou na adolescência,
por volta dos 11 anos, segundo ele, devido às condições familiares, pois quando os pais
se embriagavam, ele saía para a rua, muitas vezes motivado por acontecimentos
violentos entre ele e os pais.

Nos períodos de abstinência, pede contenção via internação hospitalar, mas


sempre volta para a rua. Defende o uso de maconha, dizendo que não lhe faz mal, e que
se sente relaxado e calmo, ao contrário do cigarro sobre o qual se refere dizendo “isso
aqui é droga, isso aqui eu sou dependente e queria deixar”.

Vive numa região do município onde há casas em precárias condições de moradia,


um ambiente sem urbanização e higiene. A sua rua é uma das poucas passagens para o
centro da cidade, de modo que um grande fluxo de carros circula por ali. Em meio a essa
agitação costumeira, ocorrem atividades como prostituição, consumo e tráfico de drogas e
a mendicância dos meninos de rua, em busca de dinheiro, utilizado, em geral, para
comprar drogas. A circulação da droga é tanto para o consumo imediato, quanto para o
tráfico.

Nessa área, há o maior número de usuários de crack. Há um grupo de usuários


que circula rapidamente pelas ruas, num constante movimento de “entra-e-sai”. Mário faz
parte deste grupo. E foi na rua que teve seu primeiro contato com o serviço “Consultório
na rua”.

Através aproximações sucessivas a equipe inicia um diálogo com Mário em uma


oferta de laço social. Relata gostar de desenhar, sempre está com um pedaço de carvão,

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tijolo ou galho, rabiscando o chão, calçadas ou paredes. Foi convidado ao tratamento e


diz que está pensando no caso.

O crack é sem dúvida um desafio para as políticas públicas de assistência social,


educacional, de saúde e de segurança.

Dividir funções, compartilhar saberes, permitir interlocução é uma tentativa de


construir junto com o usuário sua saída. Uma saída que não está pronta, mas que se
inventa no caso a caso.

2.8 Queixas Repetitivas

Dona Maria, 50 anos, é moradora do bairro Cidade da Esperança. É um bairro de


periferia de uma cidade de pouco mais de 50.000 habitantes. Além da Unidade de
Atendimento Básico, o bairro conta com uma escola e uma quadra poliesportiva. A
unidade está sem médico no momento. A Dra. está de licença maternidade e ainda não
veio um substituto.

Dona Maria é católica, mas não vai à Igreja há muito tempo. Quando moça gostava
de participar de atividades de quermesse e visita aos idosos. Dona Maria tem 3 filhos, a
última, casou-se há pouco mais de 1 ano, e o marido “não dá mais atenção” para ela.
Dona Maria vem à unidade quase todos os dias, pede por uma consulta. Diante da
impossibilidade de conseguir, solicita que “pelo menos peçam uns exames”.

Soraia é a enfermeira da equipe. A equipe de recepção vem reclamar com ela que
não aguentam mais “todo dia a mesma coisa”, é uma “daquelas donas tristes”: sempre
reclamando dor no peito, dor na barriga, fala que tem pressão alta e que quer participar
de um tal de “hiperdia”.

Soraia chama Dona Maria para uma consulta. Na sua ficha familiar está “tudo em
dia”: prevenção, mamografia e exames de rotina”, mas Dona Maria continua insatisfeita.
Neste dia, pede por calmantes e antidepressivos, pois sua vida acabou.

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Soraia a convida para participar de uma oficina, um grupo de trabalho, “uns


encontros” com mulheres que são feitos na unidade para conversarem sobre “os
problemas da vida”. Dona Maria fica apreensiva e pergunta se é um “grupo de doidos”,
como no outro bairro vizinho. Soraia explica que não. Diz que são encontros, 12 no total,
para falar “das coisas do coração”, dos filhos que saíram de casa, dos projetos que
abandonaram, e também para poder falar sobre os “maridos que não dão atenção”. Ela
sorri ao ouvir esta parte. Este grupo se chama: Pensando e Compartilhando, diz a
enfermeira. Dona Maria sai pensativa e diz que virá neste grupo.

Casos como este são muito frequentes na ESF, nos ambulatórios especializados
ou mesmo procurando atendimento nos CAPS.

Mulheres que na mudança do ciclo de vida, se veem “perdidas” tentando localizar


um lugar na sociedade e no grupo familiar. Mulheres que muitas vezes abandonaram
seus projetos “quando eram moças”. “Abandonaram-nos” em nome dos filhos, do marido.
E no momento que se encontram aposentadas, filhos casados, e por vezes separadas,
não encontram mais sentido na vida. Na maioria das vezes, vem aos atendimentos
solicitando exames de toda ordem e consultas médicas na tentativa de localizar no corpo
aquilo que não tem lugar.

Neste caso, a enfermeira foi mais atenta e ofereceu encontros onde dona Maria
poderia falar sobre estas questões. Grupos com este são espaços para que os sujeitos
possam construir projetos que possam dar novas significações à vida.

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Conclusão
A clínica em saúde mental, álcool e outras drogas é complexa e acontece em
diferentes espaços.

Casos como foram relatados fazem parte do cotidiano de trabalhadores de saúde e


colocam o desafio de se inventar uma clínica sempre do singular.

Nesse contexto, a abordagem da crise pressupõe a construção de saídas que


envolvem a equipe, a instituição, o sujeito, a família e a comunidade.

Concluir os casos com “queixas repetitivas” não foi sem intenção. Trata-se de dizer
que na clínica no campo da atenção psicossocial, há construções simples que utilizam
poucos recursos para além da disponibilidade da oferta da escuta.

Conteudistas

Danielle de Carvalho Vilela


Juliano Arruda Silveira

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA. SOCIEDADE BRASILEIRA DE


MEDICINA DA FAMÍLIA E COMUNIDADE. Abuso e dependência de álcool. Disponível
em
<http://www.uniad.org.br/desenvolvimento/images/stories/DIRETRIZES/Diretriz_lcool_vers
o_final_janeiro_2012.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2013.

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21

BOTEGA, N. J(org). Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência


Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.

DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2.ed.


Porto Alegre: Artmed Editora, 2008.

MORENO, R. A.; MORENO, D. H. (orgs). Transtorno bipolar do humor. São Paulo: Lemos
Editorial, 2002.

KAPLAN, H. I, SABOCK, J;GREBB, J. A. Compêndio de Psiquiatria. Ciências do


comportamento e Psiquiatria Clínica. Tradução Dayse Batista. Porto Alegre: Artmed
Editora, 1997.

PIMENTEL, J. II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas mostra o consumo de álcool


crescente e desigual pela população brasileira [Internet]. Rio de Janeiro: Portal DSS
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