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0 Introdução
Dos estudos para o ensino de segunda língua (L2) para surdos no Brasil, alguns apenas apontam as
dificuldades na língua portuguesa escrita dos aprendizes surdos nos diversos níveis de escolaridade
e/ou criticam as metodologias existentes. Outros tantos se encontram voltados à análise das produções
textuais destes aprendizes, na tentativa de melhor compreender o processo de elaboração da escrita de
uma segunda língua por surdos, como também apontar para a possibilidade de produtos cada vez mais
elaborados, tomando como exemplo Brochado (2003) e Di Donato (2007 e 2008).
O objetivo este artigo não consta em analisar, mas refletir e propor estratégias que favoreçam o
ensino/aprendizagem do português como L2 destes aprendizes, apoiando-se em estudos de Daniele
Grannier (2003a, 2003b e 2005), Daniele Grannier e Regina Silva (2005) Heloísa Salles et al (2007) e
Ronice de Quadros e Magali Schmiedt (2006), assim como nas discussões sobre gênero
discursivos/textuais de Schneuwly e Dolz (2004). Além dos referidos autores, este estudo traz minha
prática como educadora de surdos desde 1987, contando com a co-participação da Profª Gesilda Leal
em uma parcela significativa deste percurso.
A elaboração deste trabalho consta no fruto de diversos encontros com educadores de surdos de várias
regiões do país, onde sempre se colocava a mesma questão: o como fazer. Na ausência destas
respostas, faz-se como se aprendeu, portanto, adotam-se metodologias de ouvintes para surdos.
Certamente neste texto não se encontrarão as respostas tão almejadas, contudo, trata-se de um desejo
de compartilhar reflexões, investigações e práticas, por esta razão intitula-se como subtítulo ações
propositivas.
Como aprendizes de segunda língua, as pessoas surdas apresentam um aspecto singular frente a outras
minorias lingüísticas, por se tratar de uma parcela da sociedade oriunda de falantes de uma língua
majoritária. No caso do Brasil, a língua portuguesa. De acordo com os estudos de Skliar (1997, p.128-
129), só 4% ou 5% das crianças surdas – segundo as estatísticas internacionais – nascem e se
desenvolvem em seus primeiros anos de vida dentro de uma família com pais surdos.
As línguas de sinais constituem a língua natural do povo surdo. A Língua Brasileira de Sinais, a
LIBRAS, é a língua usada pelos surdos brasileiros. A LIBRAS já se encontra reconhecida oficialmente
em nível federal pela Lei nº 10.436/2002 (BRASIL, 2003) e regulamentada pelo Decreto nº
5.626/2005 (BRASIL, 2006). Quadros (1997, p.46) descreve as línguas de sinais como línguas
espaço-visuais, ou seja, a realização dessas línguas não é estabelecida através dos canais oral-
auditivos, mas através da visão e da utilização do espaço. A visualidade consta na principal
característica inerente ao povo surdo. E qual segmento da população poderia ser conceituado por povo
surdo? Em consonância Perlim e Quadros (2006, pp. 184-185) entende-se que “povo surdo”
representa as comunidades surdas que transcendem questões geográficas e lingüísticas. Os surdos
que celebram uma língua visual-espacial por meio do encontro surdo-surdo.
Pautando-se nestas constatações, pode-se afirmar que as pessoas surdas funcionam como estrangeiras
em seu próprio país. Surdos e ouvintes coabitam em espaços sociais comuns, todavia, encontram-se
distantes pelo processo de exclusão dos desiguais.
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Educadora de Surdos da rede pública estadual de PE e municipal do Recife, tradutora e intérprete de LIBRAS/Português, graduada em
Fonoaudiologia e especialista em Educação Especial, ambas pela UNICAP, e mestra em Lingüística pela UFPB. E-mail:
adrianadidonato1@gmail.com
A exclusão não é somente uma fronteira de discursos e silêncios permanentemente
removidos e reposicionados. Não é unicamente o falar
desde um suposto centro fazendo as periferias imaginadas. A exclusão é também
um processo cultural, um discurso de verdade, uma interdição um rechaço, a
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Como fruto do desconhecimento por parte de alguns e preconceito por parte de tantos outros, as
crianças surdas brasileiras não adquirem a LIBRAS em tempo hábil, isto é, a partir dos primeiros
meses de nascidas e chegam às escolas sem língua constituída, fazendo uso apenas de gestos naturais.
Esta realidade interfere de modo substancial no desenvolvimento infantil, em grande parte dos seus
aspectos. Muitos estudantes surdos ingressam no sistema educacional na adolescência ou mesmo na
fase adulta. De um lado, os ouvintes desconhecem a língua de sinais e por outro, os surdos apresentam
dificuldades significativas no uso da modalidade escrita da língua portuguesa.
Brochado (2003, p. 19) remete-se à Quadros (1999) quando esta afirma que o ensino da Língua
Portuguesa para surdos sempre foi baseado no processo de alfabetização de crianças ouvintes e que,
por essa razão, os resultados foram considerados um fracasso. Os equívocos nos procedimentos
metodológicos aplicados aos aprendizes surdos encontram-se apoiados em representações de
incompletude cognitiva, lingüística e cultural.
Grannier (2003a) atenta para uma questão por vezes subestimada no ensino de língua estrangeira,
quanto ao tratamento dado na produção dos materiais didáticos (MD): o ponto de vista do aprendiz.
Se algo fugir a este padrão, recorrerá a meios de fazer a criança desenvolver linguagem, seja
através de auxílio médico, atividades religiosas ou superstições. Ao se ter um diagnóstico de
surdez, parte-se do princípio, equivocadamente, que “é assim mesmo”, isto é, a criança surda
pode esperar por tempo indeterminado a aquisição de linguagem.
· Os pais ouvintes com filhos surdos não sabem LIBRAS./ Gde. parte dos professores de
surdos usam português sinalizado e os do ensino regular com surdos inclusos, não sabem a
LIBRAS. – Ora, se os pais e/ou cuidadores, como primeiro núcleo social não conhecem a
LIBRAS, presumidamente, seria a escola, como segundo núcleo, o lugar desta aquisição por
parte das crianças surdas e sua família. Os educadores de surdos que acabam por usar o
português sinalizado, elencam uma série de dificuldades na apropriação da língua de sinais,
tais como: o órgão gestor não oferece o curso gratuitamente e em turno compatível com a sua
disponibilidade; quando os cursos de LIBRAS são oferecidos, sempre são básicos; ausência de
modelos surdos adultos, em sua região, que dominem a LIBRAS; ausência de instrutor/es
surdo/s; dentre outras. Os dados do Censo Escolar de 2006 (MEC/INEP) (SEESP/MEC, 2009)
mostram que 63% das matrículas da Educação Especial constituem-se de escolas públicas,
portanto, as políticas públicas para a educação de surdos necessitam ser revistas.
· A LIBRAS é a língua natural das pessoas surdas e deve ser aprendida em tempo
hábil./ Os educandos surdos de pais ouvintes ingressam na escola com linguagem, mas, via de
regra, sem língua. – Faz-se necessário a implementação de uma Política Lingüística e Cultura
para a pessoa surda, na qual as áreas afins (saúde, educação, cultura) dialoguem e, de fato,
implementem ações voltadas para a inclusão dos surdos brasileiros em seu país. Já existe
diagnóstico de surdez ao nascimento, portanto, a inclusão desta família deveria ser imediata a
um programa de atenção ao surdo, com aulas de LIBRAS para a família da criança, criação de
uma rede de apoio local, capacitação de funcionários públicos das diversas áreas, criação de
um fórum permanente de discussão dos gestores públicos com a sociedade civil, dentre tantas
outras ações.
· Criança ouvinte adquire a língua portuguesa (LP) oral, para depois aprender a sua
modalidade escrita./Criança surda precisa aprender a LIBRAS (qdo. há modelos) e a LP
escrita ao mesmo tempo. – A simultaneidade na aquisição/aprendizagem de línguas de
modalidades distintas consta em um elemento conflituoso para o aprendiz surdo.
· A LP é adquirida desde os primeiros meses de vida por meio de modelos diversos./ A
LIBRAS, qdo. é ensinada ao surdo, há apenas um modelo (o instrutor surdo). – Salvo surdos
filhos de pais surdos ou uma pequena parcela de crianças surdas privilegiadas, não há
aquisição de LIBRAS no período adequado. Quanto àquelas que dispõem de instrutor surdo, o
modelo é restrito, geralmente, uma só pessoa, portanto, não se poderia considerar uma
aquisição natural.
· Escola com língua de instrução estrangeira: status social; inclusão./ Escola com
língua de instrução em LIBRAS: desprestígio social; exclusão. – Quando um ouvinte estuda
em uma escola de língua estrangeira no seu país de origem, como por exemplo, as Escolas
Americanas no Brasil, ou uma escola bilíngüe de línguas orais auditivas não se caracteriza
exclusão social ou desprestígio, todavia, se for uma escola bilíngüe sendo uma das línguas
espaço-visual, o rótulo de “especial” lhe é atribuído.
· Representação social da surdez como deficiência./ Representação social da surdez
como diferença política. – Constituir-se identitariamente Surdo é uma construção. Segundo
dados do IBGE (BRASIL, 2009) entre os 5,7 milhões de brasileiros com algum grau de
deficiência auditiva, um pouco menos de 170 mil se declararam surdos. Entende-se por
diferença não uma sinonímia de deficiência, tampouco de diversidade, mas como construção
política e social expressa pelo discurso, assim postulada por Skliar (1998, p.6) afirmando ser
um processo e um produto de conflitos e movimentos sociais, de resistências às assimetrias de
poder e de saber, de uma outra interpretação sobre a alteridade e sobre o significado dos
outros no discurso dominante.
2 Ações propositivas
Para o perfil do professor de português como segunda língua para surdos, ser fluente em LIBRAS
apresenta-se como uma prerrogativa absoluta. O educador não deverá fazer uso das duas línguas (L1 e
L2) concomitantemente. Outro elemento importante trata-se em conhecer, respeitar e valorizar a
cultura surda e suas expressões. O uso da escrita do português deverá associar-se ao lúdico, ao prazer,
ao funcional.
O tempo pedagógico para as atividades com a escrita do português, preferencialmente, deverá estar
previsto em momentos específicos.
As habilidades com gêneros textuais em L2, serão mais facilmente desenvolvidas se trabalhadas em
L1. O gênero narrativo em LIBRAS, atividade que favorece a organização textual escrita. Planejar
diferentes situações comunicativas para a leitura e produção escrita e proporcionar atividades
contextualizadas e significativas sistematicamente, somam-se às possibilidades de um bom nível de
desenvolvimento da escrita da L2.
Enriquecendo as discussões pertinentes ao processo de ensino/aprendizagem da língua portuguesa por
aprendizes surdos como L2, Quadros e Schmiedt (2006) reportam-se a Cummins que postula o
seguinte reflexão:
Em Um projeto de material didático flexível para o ensino de português a surdos Grannnier e Silva
(2005) apresentam uma série de propostas de atividades voltadas ao nível intermediário de
desenvolvimento do aprendiz surdo, assim como subsidiam a elaboração de materiais didáticos. Da
mesa forma, Quadros e Schmiedt (2006, pp. 45-117) sugerem uma série de Idéias para ensinar
português para alunos surdos. Em Di Donato (2007, 2008) em um trabalho longitudinal, analisa as
produções textuais de uma estudante surda em três etapas da sua escolaridade, sendo elas o
fundamental II, ensino médio e ensino superior. A estas experiências pode-se endossar e/ou sugerir
alguns atividades, tais como:
· elaboração de álbum conceitual contendo grupos temáticos separadamente, onde
deverão constar a figura e a escrita em português em letra de imprensa e em cursiva, além de
uma frase contextualizando o elemento lexical em destaque. Os grupos temáticos podem ser
compostos por elementos conhecidos da criança inicialmente, indo aos poucos ampliando o
seu universo conceitual. Ex.: partes do corpo, celebridades/personalidades; materiais
escolares, partes da casa etc.
· Na proposta do foco-na-forma da metodologia do português-por-escrito, estes itens
lexicais em cartões ou em álbuns poderão constar de máscaras usando-se apenas a letra
cursiva. A metodologia também sugere o uso de tiras com frases de usos mais comuns à
dinâmica da classe.
· Narração de histórias em LIBRAS diariamente.
· Disponibilizar e desenvolver atividades com diversos gêneros textuais
(SCHNEUWLY; DOLZ, 2004): livros, revistas infantis, folders, jornalzinho (suplemento
infantil), mapas de turismo, receitas, carta, bilhete, fichas, formulários, instruções de jogos etc.
· Jogos pedagógicos em português escrito: memória; encaixe; lacunas; dominó;
softwares educativos; ditado com figuras
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Considerações finais
A marca da visualidade inerente aos surdos necessita ser considerada ao se pensar mecanismos de
ensino/aprendizagem da língua portuguesa como L2 por aprendizes surdos Pode-se observar esta
característica ao analisar a produção escrita de aprendizes surdos em diversas etapas da escolaridade.
A vivência de um modelo bilingüe para surdos requer algumas construções específicas tanto nas
políticas públicas, quanto nas práticas pedagógicas. Em um espaço pedagógico onde transitam outros
modelos de pessoas surdas, crianças e adultos, fluentes em LIBRAS, este aprendizado torna-se mais
produtivo. Assim como, se se favorece a aprendizagem da língua portuguesa por meio de diversas
situações comunicativas para a leitura e produção escrita, com atividades contextualizadas,
significativas e organizadas de modo sistemático, através de diferentes gêneros textuais, possibilita-se
o aprendizado real de L2, saindo da mera reprodução de fórmulas prontas lexicais e sintáticas.
O Brasil urge em implementar uma Política Lingüística e Cultural para a surdez, na qual as áreas da
saúde, da educação, da cultura, do trabalho caminhem em comunhão ideológica e da efetivação das
ações.
Sem a pretensa intenção de exaurir a temática, mas buscando ampliar as discussões, as reflexões e as
proposições de práticas de ensino de português a aprendizes surdos como segunda língua, este estudo
volta-se na direção de uma contribuição para os estudos na Lingüística Aplicada ao Ensino de L2.
Por fim, planejar, executar, negociar, avaliar, sistematizar, pesquisar, discutir, mudar, persistir e
reavaliar para começar tudo novamente.
Referências
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