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METODOLOGIA FILOSÓFICA
Paulo A. F. Motta
1 JAPIASSU (1991, p. 93) prossegue afirmando que o mecanicismo tem duas acepções
básicas, a saber: “a) é um conjunto geral das leis que constituem, em sistema, os princípios da
mecânica; enquanto tal, seu papel e sua função ultrapassam, no pensamento, os limites de sua
aplicação técnica; b) para o mecanicismo metafísico, o movimento contínuo da matéria exige para se
conservar, não somente uma garantia de uma duração, mas um princípio de uma emergência; nesse
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sentido, ele não é incompatível com uma metafísica, até mesmo com uma teologia, pela figura de um
Deus criador: ‘a origem do mecanicismo, diz Leibniz, não decorre do princípio material e da razão
matemática, mas de uma fonte mais profunda e, por assim dizer, metafísica’”.
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todos e a cada um dos seres: "Com Kant (v. kantiano), o universo é uma dúvida: com Locke, é dúvida
o nosso espírito: e num destes abismos vêm precipitar-se todas as ontologias." (Alexandre Herculano,
3 “O dualismo do espírito e do corpo só faz repetir, em escala humana, essa justa posição
de dois domínios radicalmente exteriores uma ao outro. Descartes fala ao mesmo tempo duas
linguagens, dando satisfação tanto aos defensores da fé tradicional quanto aos partidários da nova
ciência. É o que explica o fato de sua herança ser reclamada tanto pelos puros metafísicos, atentos à
nova ordenação no reino das idéias, do qual ele modifica as articulações lógicas, quanto pelos
materialistas de estrita observância, para os quais as essências racionais, o cogito e a teologia não
passam de vãs fantasias.” (JAPIASSU, 1991, p. 98-99) “O pensamento cartesiano é aceito pelos
modernos e religiosos como o melhor para assegurar, nos pensamentos, a ordem reinante nas ruas [?].
perfeito e eficaz instrumento para demonstrar a existência de Deus e a imortalidade da alma. (...) A
filosofia cartesiana ‘fundada na rigorosa distinção do pensamento e do espaço, termina por afirmar,
como evidência primeira, anterior a todo raciocínio, a realidade do espírito.” (JAPIASSU, 1991, p. 96)
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4 Segundo Descartes, a única propriedade da matéria é a extensão que, por sua vez, é
constituída por comprimento, largura e profundidade. Ver também a nota 5.
5 Conforme BARROSO, 1999, [Do gr. metà tà physiká, 'depois dos tratados da física'.] S.
f. 1. Filos. Parte da filosofia, que com ela muitas vezes se confunde, e que, em perspectivas e com
princípios de qualquer outra ciência, e a certeza e evidência que neles reconhecemos), e que nos dá a
chave do conhecimento do real, tal como este verdadeiramente é (em oposição à aparência). [Cf.
ontologia.] 2. Hist. Filos. Segundo Aristóteles (v. aristotelismo), estudo do ser enquanto ser e
especulação em torno dos primeiros princípios e das causas primeiras do ser. 3. Sutileza ou
transcendência do discorrer.
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inferência; conclusão. 3. Lóg. Na lógica clássica, raciocínio que parte de uma ou mais premissas gerais
e chega a uma ou mais conclusões particulares. 4. Lóg. Na lógica formal contemporânea, raciocínio
cuja conclusão é necessária em virtude da aplicação correta das regras lógicas. [Cf., nas acepç. 3 e 4,
indução (2).] 5. Lóg. Método dedutivo. [Cf., nas acepç. 3 a 5, demonstração (6), prova (18) e
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do método).”
Primeiramente, nós experimentamos em nós mesmos que tudo o que sentimos vem
de alguma outra coisa que nosso pensamento; porque não está em nosso poder fazer
que tenhamos um sentimento em vez de outro, e que isto depende desta coisa,
segundo ela toque nossos sentidos. É verdade que poderemos nos inquirir se Deus,
ou qualquer outro que Ele, não seria essa coisa; porque sentimos, ou antes, porque
nossos sentidos nos excitam freqüentemente a perceber clara e distintamente, uma
matéria extensa em longitude, largura, profundidade, cujas partes têm figuras e
movimentos diversos, donde procedem os sentimentos (percepções) que temos das
cores, dos odores, da dor etc., se Deus apresentasse à nossa alma imediatamente por
Ele mesmo a idéia dessa matéria extensa, ou somente se ele permitisse que ela
fosse causada em nós por alguma coisa que não tivesse extensão, figura nem
movimento, não poderíamos encontrar nenhuma razão que nos impedisse de crer
que lhe apraz enganar-nos; porque nós concebemos essa matéria como alguma
coisa diferente de Deus e de nosso pensamento, parece-nos que a idéia que temos
dela se forma em nós por ocasião dos corpos de fora, aos quais ela é inteiramente
semelhante. Deus não nos engana, porque isto repugna à sua natureza. Portanto,
devemos concluir que há uma certa substância extensa em longitude, largura e
profundidade, que existe presentemente no mundo com todas as propriedades que
conhecemos manifestamente pertencer-lhe. E esta substância extensa é o que
chamamos propriedade do corpo (matéria), ou de substância das coisas materiais.
raciocínio (4).
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Para Descartes [assim como para praticamente todos os filósofos mecanicistas do
século XVII], o Universo se apresentava como algo límpido aos olhos da Razão. E
excetuando-se Deus e o espírito humano, tudo o mais era explicado em termos
quantitativos. O mundo totalmente mecânico era um mundo despojado de toda
criatividade e de toda vontade imanente, de toda sensibilidade e de toda
consciência, de toda simpatia e de toda antipatia, de todo calor e frio, de toda
beleza e feiúra, de toda cor, sabor e odor. Numa palavra, era um mundo feito única
e exclusivamente de matéria em movimento. Mundo sem mistério e sem vida,
completamente estéril, no qual todos os fenômenos são explicados por um
mecanismo visível, não por forças ocultas como as utilizadas pela magia natural.
(...) [Portanto], se a matéria não tinha mais nem sensibilidade nem consciência,
tornava-se impossível uma apropriação do mundo por via imaginativa. A filosofia
mecanicista explicava a natureza de outro modo: deveríamos comandá-la pela
simples justaposição ou fracionamento da matéria.
7 Muito embora O discurso do método tenha se tornado um dos grandes “clássicos” da filosofia, sua proposição original não era ensinar filosofia, mas sim
um método que servisse de introdução à ciência.
nova filosofia e a inspiração fundamental do mecanicismo. “[Mas ele] não pode ser [assim]
considerado nesse domínio como um criador. Quando ele começa a defender uma posição mecanicista,
notadamente em Discours de la méthode (1637), outros já vinham postulando-a com bastante vigor.
Mas é ele que leva a fama de fundador da filosofia mecanicista: um erro de interpretação histórica
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torna-se uma verdade histórica. Na verdade, a ‘nova filosofia’ não é descoberta por Descartes. No
dizer do historiador das ciências Robert Lenoble, o mecanicismo surgiu ‘do encontro de um desejo do
espírito como os resultados que assegurariam as primeiras pesquisas matemáticas sobre a natureza.’”
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encaminhamento de sua vida, assim como para manutenção de sua saúde e a criação
de todas as artes.12
Para Descartes a idéia de um ser todo perfeito compreendia uma existência
necessária e eterna, não admitindo que o ser humano pudesse ser a causa de si mesmo:
atribuía essa causa a Deus, o “absolutamente outro”. Consequentemente, a ordem
universal e o fundamento máximo que explicaria a existência, seria o próprio Deus que
teria como atributos a verdade e seria a fonte de toda luz. Por esse motivo, seria
inconcebível que Ele nos enganasse, nos ludibriasse. 13 A clareza das coisas que
conhecemos, incluindo aqui o mundo sensível, nos capacitaria a considerá-las como
verdadeiras. No mundo percebido pelos nossos sentidos, cada substância teria uma
qualificação principal: a da alma, o pensamento; a do corpo, a extensão.14
Pelo fato de ter ressaltado o papel e a força da razão, colocando a clareza e a
distinção como critérios únicos para se chegar à verdade, e por ter mostrado interesse
pelas novas ciências da psicologia e da física, Descartes foi um dos primeiros filósofos
a valorizar o desenvolvimento dos princípios metodológicos que caracterizam o
pensamento científico-filosófico do mundo moderno e contemporâneo. Além disso, o
pensamento cartesiano influiu profundamente no humanismo científico, pois foi um
dos responsáveis pela inauguração de uma nova idéia e uma nova concepção acerca do
12 Ver nota 1.
13 “No entanto, o sistema de Descartes, apesar das intenções de seu autor, ‘prepara a
morte epistemológica de Deus’, pois doravante o homem se julga capaz de assumir,
ele reconhece, no universo do discurso científico, sua própria criação. A razão humana reduz o mundo
Instaura-se uma cruzada do espírito crítico contra a tradição e a superstição.” (JAPIASSU, 1991, p.
99)
14 Ver nota 3.
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15 Karl POPPER, em sua obra Teh Poverty ofm Historicism, Londres, Routledge anKegan,
1976, p. 131 assinala corretamente que “...os empiristas ingleses, de Bacon em diante, concebiam as
ciências como centradas na atividade de coletar observações a partir das quais são obtidas
indução matemática]. Indução científica. Lóg. 1. Na tradição clássica, indução incompleta cuja
conclusão, não obstante, é universal e necessária, pois se estabelece por meio de procedimentos
metódicos rigorosos, que levam à descoberta de relações constantes entre objetos de uma mesma
conclusão é uma proposição universal e necessária que se estabelece pelo exame de todos os objetos
de uma classe; indução aristotélica, indução formal. Indução incompleta. Lóg. 1. Raciocínio pelo
qual se estabelece uma proposição universal a partir do exame de alguns dos objetos de uma classe. [V.
indução por enumeração e indução científica. Indução matemática. Lóg. 1. Raciocínio por recorrência
(q. v.). Indução por enumeração. Lóg. 1. Indução incompleta cuja conclusão é apenas provável, pois
se estabelece a partir do conhecimento parcial e não controlado (transmitido pela tradição, por crença
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Compreendi porque a equivocada teoria da ciência que tem dominado a cena desde
Bacon – segundo a qual as ciências naturais são ciências indutivas e a indução é
um processo de estabelecer ou justificar teorias através de observações ou
experimentos repetidos [grifo nosso] – estava profundamente arraigada. A razão
ou fundado em dados circunstanciais) dos objetos de uma classe. [Cf. indução científica.] Indução por
enumeração. Lóg. 1. Indução incompleta cuja conclusão é apenas provável, pois se estabelece a partir
do conhecimento parcial e não controlado (transmitido pela tradição, por crença ou fundado em dados
raízes são a metafísica, o tronco a física e os ramos que saem desse tronco são todas as outras ciências.
H. Butterfield (em sua obra Le Origini della Scienza Moderna, Bolonha, 1962, p. 116-117) faz a
seguinte observação historiográfica: “na época de Newton, e em pleno século XVIII, eclodiu uma
controvérsia entre a Escola Inglesa, que foi em geral identificada com o método empírico, e a Escola
Francesa, que exaltava Descartes e tendia a adotar o método dedutivo. Todavia, na metade do século
XVIII, a Escola Francesa, com um charme que devemos caracterizar como mediterrâneo, não só se
submete à concepção inglesa, como também na sua famosa Encyclopedie a ela aderiu de modo
decisivo colocando Bacon num pedestal...” A. Koyré (em sua obra Estudos de história do pensamento
científico, Rio de Janeiro, Forense/EdUnB, 1982, p. 16) assinala que “Bacon era moderno quando a
maneira de pensar era empirista. Mas não o é mais, numa época de ciência cada vez mais matemática,
como a nossa. Hoje, é Descartes que é considerado o primeiro filósofo moderno. Assim, em cada
período histórico e a cada momento da evolução, a própria história está por ser reescrita e a pesquisa
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era a de que cientistas tinham de demarcar suas atividades das pseudociências
[grifo nosso], como da teologia e da metafísica, e tinham tomado emprestado de
Bacon o método indutivo como critério de demarcação.18
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Alberto OLIVA (1990) continua seu raciocínio com a seguinte argumentação: “Afinal,
nesse período, o que é normativo tende a passar por descritivo em razão de, estando a ciência em seus
primeiros passos de desenvolvimento, não poder ser a história da ciência invocada como fonte de
quando fazemos ciência; observamos o que se passa em processos exemplares de fazer pesquisa e
universalizamos essas ‘condutas’ como cânones máximos de investigação. Desse modo, estamos
metacientífico.”
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21 As partes do texto que se referem à descrição dos ídolos baconianos foram extraídas de
BACON, 1979, p. XV-XVIII e OLIVA, 1990, 22-23. As partes do texto que se referem “tábuas de
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23 Há, por exemplo, a forte tendência a acreditarmos no que desejamos que as “coisas”
sejam, (...) nos fazendo atribuir regularidades não constatadas; a supor, por exemplo, que se um sonho
se tornou realidade, todos os sonhos são proféticos, fechando nossos olhos a eventuais casos contrários
etc.
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A teoria dos “ídolos”, por sua riqueza e profundidade, subsiste como um dos
aspectos mais fascinantes da filosofia baconiana. (...) Contudo, dentro do projeto
grandioso elaborado por Bacon, essa teoria ocupa uma posição preliminar e constitui a
“parte destrutiva” [de sua metaciência]. A “parte construtiva” começa com a
formulação de um método de investigação da natureza, que permitiria um correto
conhecimento dos fenômenos: partindo-se dos fatos concretos, tais como se dão na
experiência, ascende-se às formas gerais, que constituem suas leis e causas. Esse
procedimento chama-se método indutivo.
A teoria da indução, tal como exposta no Novum organum, distingue
inicialmente experiência vaga e experiência escriturada. A primeira compreende o
conjunto de noções recolhidas pelo observador quando opera ao acaso. A segunda
abrange o conjunto de noções acumuladas pelo investigador quando, tendo sido posto
de sobreaviso por determinado motivo, observa metodicamente e faz experimentos.
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Este último tipo constitui o mais importante e o ponto de partida para a constituição
das tábuas de investigação, núcleo de todo o método baconiano.
A primeira tábua de investigação é a de presença ou de afirmação [ou
“verificação das ocorrências positivas”]. Nela são colocadas todas instâncias de um
fenômeno que concordem por apresentar as mesmas características...
[A segunda tábua consiste na verificação daqueles] casos em que o
fenômeno não ocorre. Constrói-se, assim, a tábua das ausências ou da negação...
A terceira tábua é a das graduações ou comparações, que consiste na
anotação dos diferentes graus de variação ocorridos no fenômeno em questão, a fim de
se descobrirem possíveis correlações entre as modificações...