Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
INTRODUÇÃO –
1
onde tudo se cobra mas pouco se gasta, fez com que as diferentes crenças se
harmonizassem mais rapidamente, enquanto unidade social. Pois a política
colonialista lusa, não deixava de lado a visão extrativista da obtenção da riqueza,
simplesmente explorando os povos dominados, inclusive muitos dos seus próprios
colonizadores. Resquícios do extinto feudalismo Europeu, ainda empreguinado na
mentalidade colonizadora portuguesa.
O total abandono por parte da Coroa, as distâncias à serem percorridas,
impulsionou essa nova sociedade, a buscar suas próprias práticas de socorro médico.
Absorvendo no espiritual, a única fonte geradora do poder de cura, manifestadas na
natureza dos povos que aqui sobreviviam há milênios, sem precisar mais do que a
própria natureza lhes oferecia. Em Capital e Santuário, Pe. Pedro de Alcântara
Araújo, ao se referir a Visita Episcopal de 1742, nos mostra o abandono a esses
colonizadores, nos levando a perceber, o quanto mais eram sofridas as camadas
camponesas, que contavam apenas com a força de seus trabalhos.
“Desse modo, os Vigários e demais sacerdotes, jamais teriam tempo para refletir,
estudar e informar-se dos acontecimentos políticos e sociais, resultando, daí, o
isolamento e alienação”.1
2
da natureza edênica e de suas necessidades climáticas. Sobre isso, descreve Mary Del
Priore o relato de um Bispo, representante da alta cúpula eclesiástica, dando
evidências da introdução dos conhecimentos culturais indígenas, no âmbito da
mentalidade desses povos.
“Na colônia, ‘é melhor tratar-se a gente com um tapuia do sertão, que observa
com mais desembaraçado instinto, do que com médico de Lisboa’, desabafa em
fins do século XVIII, o bispo do Pará, Dom Frei Caetano Brandão.”3
***
3
PRIORE, Mary Del; História das Mulheres no Brasil; Ed. Contexto;, pág. 88
4
ARAÚJO, Con. Pedro de Alcântara; Capital e Santuário; IOCE – 1986; pág. 233.
3
Embora a religião oficial fosse a Católica, as práticas do cotidiano levavam as
pessoas a buscarem nas rezadeiras e nas substâncias naturais um diálogo mais direto
com o espiritual. E, nesse contato, a solução dos acidentes mais comuns do cotidiano,
dos afazeres do dia a dia, uma resposta, enfim, mais rápida para seus males. Numa
sociedade onde a mentalidade admitia, que as parteiras ministrassem oficialmente as
rezas de batismo e de “limpeza do corpo”, regulamentadas pelos visitadores do
Bispado de Pernambuco. Mantendo uma outra mentalidade que regia a sociedade, no
respeito e na credibilidade dos conhecimentos populares.
***
“Agora muita gente num quer tá... corre logo pra farmácia, pro doutor, pro
médico, mas num é tudo que o médico vai resolver, nós precisa entender alguma
coisa dentro de casa pra nós agir sem precisar de ir pra hospital, pra ir ao
médico, as vez tá até ocupado lá, perde o tempo, perde tudo. E outra coisa, você
tendo o remédio dentro de casa, ai cê faz, pronto já evitou de ir para o médico.”6
5
Revdo. Veríssimo Rodrigues Rangel – I Livro de tombo de Russas: referente ao ano de 1762.
6
Sr. Antônio da Silva – Raizeiro – Russas, Vale do Jaguaribe. Entrevista realizada em 15 de maio de 2002.
4
Nos revela o Sr. Antônio, a maneira independente e individual de tratar seus
próprios males, no âmbito restrito de casa. Conhecimento que, embora aparentemente
individual, circula na prática da oralidade entre amigos e desenha uma sociedade
onde a detenção coletiva do conhecimento curativo não se prende diretamente ao
vendável: “Ai os lucro tá na farmácia, o pessoal só compra lá porque as junta médica
num manda pros vegetal, só manda pra farmácia.”, nos afirma o Sr. Antônio um pouco
dessa ruptura entre o que era verdade antes e o que é verdade agora. Entre um
universo que tomba, caindo lentamente por cima de outro que se constrói.
Tomando como marco de fricção toda a década de 1940 e seus impactos no hoje,
esse trabalho pretende, através das fontes orais e documentais, perceber essas práticas
culturais e seus saberes, no sentido da utilização das atividades cotidianas e suas
vinculações espirituais no imaginário e nos saberes passados como definidor da nossa
própria identidade. O tratamento de enfermidades físicas e os benzimentos para
proteger o roçado, para cair as chuvas ou curar os animais doentes, estendendo-se até
as atividades empíricas das parteiras, que além das práticas espirituais, eram
trabalhadoras do campo, onde adquiriam sua sobrevivência.
“No 15 (1915), trabaiei muito, só no facão, trabaiando pra tirar croatá pra dar
de comer o gado. Esse dedo aqui, é aleijado, foi um espim que entrou na cabeça
do dedo, só de tirar xiquexique pra dar de comer o gado. Trabaiei muito no 15.
Era, o mei era aquele , era o que trabaiava.(...)”.7
Uma representação dos modos de vida das populações mais simples, mas não
menos importantes, que fazem a construção da riqueza social e carrega consigo
características de um passado que, para quase todos, é inexistente, mas, que fervilha
numa teia de significações imperceptíveis, pois escondem-se, naturalmente, nos
hábitos mais elementares da nossa vida cotidiana.
Gostaria de perceber a cultura desses elementos sociais, não estáticos, como
pintam os folcloristas, mas numa relação muito maior. Numa relação de poder, onde o
conhecimento é partilhado por todos.
7
D. Elisa, 92 anos – Parteira-Curandeira – Russas. Entrevista realizada em 05 de junho de 2002.
5
PROBLEMATIZAÇÃO –
6
conhecimentos tecnológicos modernos e afirmando como verdadeira a manifestação
da natureza através da vontade Divina.
Mesmo recorrendo aos medicamentos farmacêuticos, existe ainda uma insistência
nos métodos espirituais e naturais, sendo na maior parte das vezes complemento para
o receituário do médico, demostrando uma certa desconfiança no tratamento
convencional. O tratamento é então realizado nas duas esferas: científica e espiritual.
Recebendo, ambas, os méritos pela recuperação do enfermo, quando não, os aplausos
vão para a forte fé da rezadeira, detentora dos conhecimentos passados de geração a
geração.
“As vezes é porque não pode ( ir ao médico), às vezes querem vir primeiro rezar.
Se eu não resolver, ai é que eles vão pro médico [...] passei a curar cobrero,
quebrante de menino, curo pra vento caído, enfermidade, arca caída, pé triado,
dor de cabeça, dor de ouvido, dor de dente [...] mais eu ainda trabalho muito [...]
rezo com ramos de plantas: mangirioba, pinhão, alfazema, manjericão”8
Por que, ainda sobrevive essa fé e qual a sua intensidade? Será possível a extinção
desses saberes populares pela absorção de novos conhecimentos? Já que tudo parece
tender em se modificar ou desaparecer?
Essas são algumas perguntas que estão relacionadas com a manutenção da
religiosidade e os costumes populares. De fato, com todas as informações que dispõem
nossa sociedade sobre as condições de tratamento, pelos avanços alcançados nas
pesquisas científicas, não foram suficientemente capazes de enterrar a velha idéia de
relação da doença e a procedência espiritual. Exemplo, pelo qual, a sociedade
jaguaribana ainda recorre às práticas mágicas, para curar o corpo e o espírito.
Esse, talvez, seja o cerne da questão pretendida nesse trabalho. Como se trata de
observação sobre o comportamento social ou saberes populares, o acompanhamento
das mudanças necessitam de um longo espaço de tempo para serem notadas, como diz
Jacques le Goff: já que “a mentalidade é aquilo que muda mais lentamente na
sociedade.”
8
D. Maria Antônia de Amorim; Rezadeira – comunidade de Espinho – Vale do Jaguaribe. Entrevista realizada
em 21 de abril de 2001, por Josberto Montenegro em seu trabalho de mestrado: Saberes Populares; pág. 6.
7
Observando a historiografia russana, verifica-se a inexistência de linguagem nova,
da falta de interpretação sobre assuntos recorrentes aos modos de vida do povo
jaguaribano. O enfoque positivista se empreguina, perpetuando os grandes homens, as
grandes conquistas, mas não dão a mínima importância as mudanças coletivas em
desenvolvimento. Por sorte, os textos recorrentes aos anos de formação da sociedade
russana podem nos revelar, muito mais do que se propõe a pura leitura religiosa.
Como por exemplo, a impressão de naturalidade com que eram explorados os
trabalhadores, e como a vida desses sujeitos estavam num contexto de sujeição. Como
é o caso dessa ordem episcopal que transcreveu o vigário de Russas em 1762, Revdo.
Verissimo Rodrigues Rangel:
“ São obrigadoz a irem aSua Matriz az quatro festas do anno, e no dia do Seo
Orago, efaltando Serão condenadoz, os Ricoz em meia pataca, eos pobres em
quatro vinteinz, aplicado tudo naSobredta forma pr. Receita, edezpeza pa. A
fabrica da Matriz”9
METODOLOGIA –
9
1º Livro de Tombo de Russas; Transcrito por Pe. Pedro de Alcântara Araújo; Capital e Santuário: pág.100.
8
“ São, ademais, marcados por tensões internas que se cristalizam em
instituições, facções e lideranças personalizadas, que disputam entre si a
fidelidade de quantos delas se aproximam. Não é fácil manter ‘o distanciamento
científico’ nestas circunstâncias.”10
BIBLIOGRAFIA – FONTES
10
ALVES, Rubem A. ; Religião e Sociedade; Ed. Civilização Brasileira, 1973; pág. 7.
9
CAMPOS, Eduardo; Procedimento de Legislação Provincial do Ecúmeno Rural e
Urbano do Ceará; IOCE, 1981.
FACÓ, Rui; Cangaceiros e Fanáticos, 7ª Edição; Ed. Civilização Brasileira, 1983.
JÚNIOR, Manuel Diégues; Etnias e Culturas no Brasil; Ed. BEE, 1980.
CARNEIRO, Henrique; As Drogas no Brasil Colonial; Simpósio Nacional da
Associação Nacional de História.
PRIORE, Mary Del; História das Mulheres no Brasil; Ed. Contexto.
MOTTA-MAUÉS, Maria Angélica; “Trabalhadeiras” e “ Camarados”; Ed.
Universitária, 1993.
PINHEIRO, Francisco José; Mundos em Confronto: Povos nativos e europeus na
disputa pelo território; Uma nova história do Ceará; Edições Demócrito Rocha, 2000.
MELO, Rosilene Alves; Com as cordas do coração; Projeto de Pesquisa UFC, março
de 2001.
SOUSA, Laura de Melo e; O Diabo na terra de Santa Cruz.
SOUSA, José Josberto Montenegro; Saberes Populares; Projeto de Pesquisa de
Mestrado da PUC-SP, 2001.
***
10
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS
PROJETO DE MONOGRAFIA
11
ÍNDICE –
INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------------------------- p. 01
PROBLEMATIZAÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------- p. 04
METODOLOGIA ------------------------------------------------------------------------------------------ P. 06
FONTES ------------------------------------------------------------------------------------------------------ p. 07
BIBLIOGRAFIA -------------------------------------------------------------------------------------------- p. 08
12
13