Vous êtes sur la page 1sur 84

Desenhista, pintor, gravurista, ceramista e escultor.

Um dos maiores

mestres da arte brasileira. Uma vida dedicada ao amor e à solidariedade.

1
2
90 YEARS OF ABELARDO DA HORA: LIFE AND ART

07 de março a 10 de maio de 2015

Curadoria
Renato Magalhães Gouveia

Caixa Cultural | São Paulo

3
A CAIXA é uma empresa pública brasileira que prima pelo respeito à diversidade, e mantém comi-
tês internos atuantes para promover entre os seus empregados campanhas, programas e ações
voltados para disseminar ideias, conhecimentos e atitudes de respeito e tolerância à diversidade de
gênero, raça, orientação sexual e todas as demais diferenças que caracterizam a sociedade.

A CAIXA também é uma das principais patrocinadoras da cultura brasileira, e destina, anualmente,
mais de R$ 60 milhões de seu orçamento para patrocínio a projetos culturais em espaços próprios e
espaços de terceiros, com mais ênfase para exposições de artes visuais, peças de teatro, espetácu-
los de dança, shows musicais, festivais de teatro e dança em todo o território nacional, e artesanato
brasileiro.

Os projetos patrocinados são selecionados via edital público, uma opção da CAIXA para tornar mais
democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todas as unidades da federação,
e mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa em patrocínio.

A exposição “Abelardo da Hora 90 anos: vida e arte” celebra a trajetória do renomado escultor
pernambucano, considerado pela crítica especializada o maior escultor expressionista do Brasil.
Trata-se da primeira retrospectiva após seu falecimento ocorrido em setembro de 2014, que apre-
senta ao público esculturas, esboços, estudos, pinturas e maquetes, dispondo de maneira didática
seu processo criativo e convidando o espectador a entender as motivações do artista de vanguarda,
educador e militante.

Desta maneira, a CAIXA contribui para promover e difundir a cultura nacional e retribui à socieda-
de brasileira a confiança e o apoio recebidos ao longo de seus 154 anos de atuação no país, e de
efetiva parceira no desenvolvimento das nossas cidades. Para a CAIXA, a vida pede mais que um
banco. Pede investimento e participação efetiva no presente, compromisso com o futuro do país, e
criatividade para conquistar os melhores resultados para o povo brasileiro.
Caixa Econômica Federal

Caixa Econômica Federal

4
CAIXA is a Brazilian state-owned company that stands out in its respect to diversity, keeping
internal committees with employees and carrying out campaigns, programs and actions aimed at
disseminating ideas, information and a respectful and tolerant attitude towards diversity of gen-
der, race and color, sexual orientation, and all the other differences embedded in a plural society.

CAIXA is also one of the main sponsors of Brazilian arts and culture, and invests over 60 million
reais annually in cultural projects, presented either in its own venues or elsewhere, with an em-
phasis on exhibitions of visual arts and Brazilian handicraft, theater plays, musical concerts, as
well as theater and dance festivals all over the country.

Projects are selected on a competitive and public process, an option CAIXA has made not only
to democratize access by producers and artists from the whole country, but also to give transpar-
ency to the use of the company’s funds.

The exhibition “90 years of Abelardo da Hora: Life and Art” celebrates the career of renowned
artist from Pernambuco, considered by critics the greatest expressionist sculptor of Brazil. This is
the first retrospective after his death occurred in September 2014, presenting to the public sculp-
tures, sketches, studies, paintings and models, offering in a didactic way his creative process
and inviting the viewer to understand the avant-garde artist’s motivation, educator and militant.

With this project, CAIXA contributes to promote and disseminate Brazilian culture as means of
retribution to Brazilian society for the trust and support granted to CAIXA over its 153 year long
history of presence in the country and effective partnership in the development of our cities. For
CAIXA, life asks for more than just a bank: it asks for investment and participation in the present,
commitment to the future of the country, and creativity to achieve the best results for Brazilian
people.

Caixa Econômica Federal

5
A exposição das obras do artista Abelardo da Hora oferece ao visitan- direção ao objetivo. E alcança de tal maneira que, ao findar, até ele se
te a oportunidade de sentir a força que provem de uma Obra de Arte sente agradecido e feliz.
em toda sua grandiosidade. Nela não se encontrará sequer o sinal do
progresso utilíssimo da tecnologia que tanto bem vem fazendo à huma- Nesta exposição se procurou mostrar poucas peças dentre as cente-
nidade, muito embora a rapidez com que se desenvolve chega a anes- nas que já produziu. Realçou os caminhos que percorreu, interessou
tesiar os malefícios que junto, por ventura, possam estar nos trazendo. fazer com que o público se dê conta de que, ao ver uma escultura de
bronze ou cimento, há um longo percurso que foi trilhado. Na vida, para
A Arte que, em boa hora, a Caixa Econômica Federal hoje está apre- que permaneça, nada se faz num piscar de olhos. É preciso ser como
sentando, coloca o espectador diante de uma realidade que já comple- Abelardo, ter objetivo sempre, lutar por ele que a Obra surgirá.
tou 5.000 anos de existência.
Que esta exposição tenha além da visão das peças, o mérito de buscar
A obra de Abelardo é por demais conhecida neste e em muitos países. um sentido educativo: apresentar a obra de Arte e o caminho para se
É forte e, ao mesmo tempo, carregada de uma delicadeza indescrití- chegar lá.
vel. Basta ver “A Fome e o Brado” e “Os Meninos do Recife”, fazendo
par com a sensibilidade das linhas da “Copacabana”. Os primeiros são Reafirma-se, antes de tudo, o grande educador que Abelardo foi, con-
uma denúncia do mundo absurdo em que vivemos e não só o de hoje. forme atestam seus acompanhantes.
No entanto, a figura alongada, pele acetinada da “Copacabana” ou os
desenhos com a alegria dos “Hora de Brincar” nos remetem à linda Agradecimento à Diretoria da Caixa Econômica Federal que está mos-
visão do futuro que todos almejamos. trando ao público a Obra de Arte e, oportunamente, acrescentando a
preocupação com a visão educadora que tanto nos tem faltado.
O íntimo da obra do artista aqui se revela não apenas nesses exemplos
contraditórios apresentados. Esta exposição quer contá-lo como perso-
nagem completo: educador por excelência, desenhista, pintor, grava- Renato Magalhães Gouveia
dor. Na escultura segue o mesmo trajeto e ainda vai ao barro, reproduz São Paulo, 5 de fevereiro de 2015.
no gesso, faz com suas próprias mãos as fôrmas, atinge ao destino
multidimensional, desenforma, chega até o bronze, corrige imperfei-
ções da fundição, prepara as pátinas negras, douradas, esverdeadas e
a obra de Arte se faz viva.

Quantas lições se tiram disso... Trabalha só, incansavelmente, mais


de oitenta anos de vida sem interrupção, caminha em linha reta em

6
The exhibition of pieces from the artist Abelardo da Hora offers the visi- This exhibition aimed to show few pieces among hundreds he pro-
tors an opportunity to feel the strenght coming from a Work of Art in all duced. It highlighted the paths he went to, and wanted to get the audi-
its grandiosity. In it you will not find any signs of the very useful tech- ence to realize that by seeing a brass or cement sculpture, a long way
nological progress, that is so good to humanity, though the swiftness was traveled. For something to remain in life, it cannot be done in a
in which it develops is able to anesthetize the harms that might come flash. One has got to be like Abelardo, to always have a goal, fight for it
along with it. and the Work will come.

The Art that, in good time, Caixa Econômica Federal presents today May this exhibition have, besides the viewing of the pieces, the merit of
puts the spectators before a reality of 5000 years of existence. pursuing an educational sense: introduce the work of Art and the path
to get there.
Abelardo’s work is well known here and in many other countries. It is
strong and, at the same time, filled with indescribable delicacy. Just see It reaffirms, first and foremost, the great educator Abelardo was, as at-
“A Fome e o Brado” and “Os Meninos do Recife”, matching the sensitiv- tested by his followers.
ity of the lines of “Copacabana”. The first are a denunciation of the ab-
surd world we live in and not only today’s world. However, the elongated Our thanks to the Board of Caixa Econômica Federal that is showing
figure with satin skin of “Copacabana” or the joyful sketches of “Hora de the Work of Art to the public and has timely added the concern of an
Brincar” (Playtime) refer to the beautiful vision of future we all wish for. educational view, something we miss dearly.

The intimate part of the artist’s work is revealed here not only in these
contradictory examples. This exhibition aims to depict him as a full char- Renato Magalhães Gouveia
acter: educator by excellence, designer, painter, engraver. In sculpture São Paulo, February 5th, 2015.
he follows the same path and also uses clay, reproduces on plaster,
makes the molds with his own hands, reaches the multidimensional
destination, unmmolds, gets to brass, corrects imperfections in casting,
prepares the black, golden, greeny patinas and the work of Art is then
alive.

So many lessons we can learn out of all this... He works alone, rest-
lessly, over eighty years of life without interruptions; he walks a straight
line towards his goal and reaches it in a way that in the end, makes him
feel thankful and happy.

7
Faço a minha arte respondendo a uma necessidade vital. Como
quem ama ou sofre, se alegra ou se revolta, aprova ou denun-
cia e verbera. Fruto das coisas que a vida ensina. Reflexo da
convivência social e fixação de elementos sedimentados pela
cultura da humanidade no seu itinerário histórico-social. Tenho
compromissos fundamentais com a cultura brasileira e com o
povo da minha terra.

A minha arte é feita dos meus sentimentos e de meus pensa-


mentos: nunca os separo. A marca mais forte do meu trabalho
tem sido, entretanto, o sofrimento e a solidariedade. A tônica é
o amor: o amor pela vida, que se manifesta também pela repul-
sa violenta contra a fome e a miséria, contra todos os tipos de
brutalidades, contra a opressão e a exploração. Arte pela vida
em favor da vida. Às vezes grito violentamente nos ouvidos dos
brutos e dos antropoides monstruosos que forjam as guerras
e as discriminações. Mas às vezes canto: as vitórias da minha
gente, o amor da minha gente, as belezas da vida.

Não faço arte para os colegas verem nem para os críticos. Faço
arte para mim e para a minha gente. Acho que o grande apelo
atual da humanidade é a paz, o entendimento, a solidariedade
e o amor, enfim. Pretendo que a minha arte seja mais uma voz
a reforçar esse apelo.

8
I do my art in response to a vital need. Like someone who loves
or suffers, gets happy or rebels, approves or denounces and
punishes. It is the result of the things life teaches us. A mirror of
the social consciousness and the fixation of elements sedimented
by the culture of mankind in its social-historical itinerary. I have
essential commitments to the Brazilian culture and the people
from my homeland.

My art is made of my feelings and my thoughts: I never tear


them apart. The strongest feature of my work has been,
however, the suffering and solidarity. Love is the core: love for
life, also expressed by the violent repulse against hunger and
misery, against all sorts of brutalities, against oppression and
exploitation. Art for life in favor of life. Sometimes I yell violently
in the ears of the brute and of the monstrous anthropoids that
forge wars and discriminations. Nevertheless, sometimes I sing:
I sing the victories of my people, the love of my people, the
beauties of life.

I don’t do art for my peers to see nor for the critics. I do art for
myself and for my people. I think the great current appeal of
mankind is peace, understanding, solidarity and finally, love. I
intend my art to be one more voice strengthening this appeal.

9
O menino Abelardo
Era 31 de julho de 1924 quando a Vida resolveu expor uma das suas
obras mais inquietas: Abelardo Germano da Hora, quarto entre os sete
filhos do casal Severina e José Germano da Hora.

Nascido na Usina Tiúma, em São Lourenço da Mata, zona canaviei-


ra de Pernambuco, Abelardo mudou-se para o Recife ainda criança,
quando seu pai foi trabalhar como chefe de tráfego na Usina São João
da Várzea, de propriedade de Ricardo Brennand, um industrial que viria
a ser de grande importância para sua carreira profissional.

Após o curso primário, Abelardo pensou em estudar Mecânica na Es-


cola Industrial (hoje Etepam - Escola Técnica Estadual Professor Aga-
menon Magalhães), mas como não havia vagas, terminou inscrito em
Artes Decorativas, juntamente com o irmão Luciano. Logo no primeiro Escola de Belas Artes
ano, destacou-se ao ponto de chamar a atenção do famoso professor
Álvaro Amorim, que bradou ao colega Edson de Figueiredo: “venha Aos quinze anos, formado em Artes Decorativas, Abelardo matriculou-
ver um verdadeiro escultor”. -se no curso de Escultura da Escola de Belas Artes, ministrado pelo
professor português Casimiro Correia, que o convidou a trabalhar em
Este episódio foi o seu passaporte para uma bolsa de estudos na Es- sua empresa de estuques, especializada em forros para tetos, onde
cola de Belas Artes. executou inúmeras peças de adereços e ornamentos para igrejas e edi-
fícios particulares da cidade.

Foi também aluno de Fédora do Rego Monteiro, Antonio Baltar e Mu-


rillo La Greca, a todos surpreendendo pela precocidade e desenvoltura.
Um ano antes de ser formar, Abelardo foi eleito presidente do Diretório
Estudantil, onde desenvolveu o gosto pela política, o que o fez pensar
que um artista não podia deixar de refletir sobre a realidade à sua volta.

Sendo assim, pleiteou junto à direção uma nova forma de estudar De-
senho e Pintura, através de excursões a diferentes pontos da cidade,
para que os alunos pudessem estabelecer contato com novas figuras,
lugares e paisagens. Vamos acabar com esse negócio de ficar só
desenhando e pintando dentro da escola e vamos desenhar e pin-
tar a vida lá fora – bradava Abelardo.

Uma de suas últimas excursões foi à Usina São João da Várzea, do


doutor Ricardo Brennand. Um passeio que mudaria a sua vida.

10
Usina São João da Várzea
Na Usina São João da Várzea, antigo local de trabalho de seu pai,
um grupo de estudantes desenhava às margens do açude, quando um
Buick preto estacionou. De dentro dele saiu doutor Ricardo Brennand,
curioso com toda aquela movimentação.

Apresentando-se como estudante e presidente do Diretório Estudantil


da Escola de Belas Artes, Abelardo cumprimentou o empresário, que
achou o seu sobrenome familiar. Ao ouvir o nome de José Germano,
Ricardo Brennand, além de reconhecer o ex-funcionário, viu também
que aquele rapazote tinha algo de especial, ao ponto de prometer cons-
truir uma oficina de cerâmica artística para Abelardo desenvolver jarros
e pratos decorativos. Novas andanças
Em janeiro de 1942, três meses depois do encontro, o motorista de Após quatro anos com os Brennand, no início de 1946, foi para o Rio
Ricardo Brennand foi à sua residência avisar que “a oficina de Abe- de Janeiro, onde trabalhou em uma fábrica de manequins de lojas. Du-
lardo estava pronta”. Seu José Germano foi informado que seu filho, rante o período, usava a garagem de Abelardo Rodrigues para produzir
a partir daquele momento, passaria a morar na Usina, dividindo um dos a obra que intencionava inscrever no Salão Nacional de Belas Artes: a
quartos da Casa Grande, com três dos quatro filhos de Ricardo: Cor- peça A Família representava a saudade dos familiares que ficaram em
nélio, Jorge e Francisco – este último, influenciado pelo novo hóspede, Pernambuco.
viria a se tornar um artista renomado.
Infortunadamente, o Salão, que acontecia desde o Império, foi sus-
penso por ordem do presidente Eurico Gaspar Dutra. Críticos de arte
e jornalistas, com quem Abelardo se encontrava no Vermelhinho, bar
vizinho ao Museu Nacional de Belas Artes, começaram a esbravejar
contra o governo, que estava dando as costas para um importante pro-
grama cultural.

Aquilo ficou marcado na cabeça de Abelardo e o cancelamento do


evento fez com que decidisse voltar ao Recife. O seu descontentamen-
to ficou registrado na primeira página do Jornal do Brasil: Escultor de
Pernambuco volta decepcionado com a não realização do Salão
Nacional de Belas Artes.

Com um novo ânimo, o retorno ao Recife trouxe uma firme decisão:


organizar os artistas locais para cumprir o livre exercício da arte.

11
Primeira exposição
Três meses após o seu retorno ao Recife, em janeiro de 1947, Abelar-
do já se articulava com o meio intelectual, engajava-se em ações do
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e começava a preparar as escultu-
ras expressionistas da sua primeira exposição individual, entre elas A
Fome e o Brado, na qual mãe e filhos miseráveis agonizam, enquanto
uma mão erguida clama por mudança.

A exposição aconteceu em abril de 1948, na Associação dos Empre-


gados do Comércio de Pernambuco, localizada no centro do Recife.
O local transformou-se em ponto de encontro de poetas, escritores,
jornalistas, professores etc., tamanha a repercussão política do evento,
trazendo a Abelardo o reconhecimento como artista e comunista.
Abelardo, o mestre
E foi na sua primeira exposição que Abelardo conheceu Margarida, Em 1952, já pai de três meninas, Abelardo concebe o Atelier Coleti-
uma jovem estudante de Direito. Seu sincero interesse pelas obras fez vo com o propósito de promover cursos livres de desenho, música e
com que o artista lançasse mão de um convite: Aqui era para ter mais teatro, que rompiam com os padrões acadêmicos vigentes na Escola
um trabalho meu, mas eu ainda estou terminando. Você quer ir lá de Belas Artes. O Atelier transformou-se em um formador de vários ar-
na minha casa? É aqui pertinho. tistas da época, consolidando Abelardo como Mestre de uma geração
e influenciando nomes como Gilvan Samico, José Cláudio, Wellington
Margarida foi e deixou dona Severina ansiando por uma nora tão en- Virgolino e Aluísio Magalhães, entre outros.
cantadora. Seis meses depois os dois estavam casados e viveram jun-
tos por 62 anos, até a morte de Margarida em 17 de novembro de 2010. Em uma sala emprestada do Liceu de Artes e Ofício, Abelardo ensina-
va de graça e sonhava em formar desenhistas, pintores e escultores
com consciência política, propagadores de uma arte com raízes brasi-
leiras. Como ele mesmo dizia: Na luta de trabalho constante no seio
do povo, a gente aprende e a gente transmite.

Muitas foram as casas do Atelier, até que em 1954 Abelardo mudou-


-se para a Rua do Sossego, 307, tornando o local sua residência e
oficina-escola. Este mesmo endereço, em 2004, daria espaço ao Ins-
tituto Abelardo da Hora, OSCIP credenciada pelo Ministério da Justiça
e Ministério da Cultura, com o objetivo de preservar e disponibilizar ao
público a obra do artista, promovendo a cultura em todas as camadas
sociais – bandeira que levantou durante toda a sua vida.

12
Movimento de Cultura Popular
A década de 60, apesar das adversidades, trouxe também o Movimen-
to de Cultura Popular, que Abelardo, agora pai de sete filhos (cinco
meninas e dois meninos), ajudou a criar quando era chefe da Divisão
de Parques e Jardins e da Guarda Municipal, na primeira gestão de MENINOS DO RECIFE
Miguel Arraes na Prefeitura do Recife.

São habitantes anônimos


Com suas novas atribuições, as atividades do Atelier Coletivo foram
Dessa cidade alagada,
transferidas para o MCP, que tinha como proposta “ampliar a politiza-
ção das massas, despertando-as para a luta social”, o que ia de encon- De limo e pedra formada
tro ao sonho de Abelardo de alcançar um maior número de pessoas Sob marés
com o seu trabalho de educador de arte, tendo sempre como fim o Submersa.
bem-estar social.
Em lodo, em lama inconsistente,
Abelardo fazia parte do conselho da direção, junto com o maestro Ge-
Consubstanciada.
raldo Menucci e o teatrólogo Luiz Mendonça. Eles representavam a
área de formação cultural. O trabalho de alfabetização de crianças e Vasto poço de afogados,
adultos tinha à frente o jovem educador Paulo Freire, um dos idealiza- Habitação de mitos e de fantasmas.
dores do MCP. Imenso pasto de pestes.
Cidade desabrigada.
Em 1962, no auge do MCP, que contava ainda com intelectuais e artis- Habitantes desse pântano,
tas como Francisco Brennand, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho,
Sem escrituras, sem títulos.
José Cláudio e Aloísio Falcão, Abelardo criaria “Meninos do Recife”,
Submetidos ao ócio
uma série de 22 desenhos a bico de pena, que retratava a situação de
miséria das crianças de rua, eternizadas em um poema escrito por ele, que gera a fome e o vício
poeta bissexto: E um calendário implacável
De misérias e imprevistos.

São apenas habitantes


Dessa cidade alagada,
Atirados sobre a lama,
Sob as marés da desgraça.

13
A volta e a despedida
Com o Golpe de 1964, Abelardo é afastado da Prefeitura e detido mais
uma vez - foram mais de 70 prisões políticas ao longo da vida. Só não
foi morto porque era cunhado de Augusto Lucena, que tinha sido eleito
vice-prefeito do Recife, na chapa de Pelópidas Silveira e, com a cassa-
ção do titular, assumido a Prefeitura.

Depois disso, a situação de Abelardo no Recife ficou insustentável. A


falta de condições de trabalho fez com que fosse morar em São Pau-
lo - lá atuou como cenógrafo da TV Tupi, indicado pela amiga Lina Bo
Bardi, casada com Pietro Maria Bardi, diretor do Museu de Arte de São
Paulo (MASP).

Em 1968, de volta ao Recife e aos braços de sua Margarida e dos


filhos, começa a trabalhar na empresa de pesca do irmão Luciano. Os
anos foram passando e, aos poucos, Abelardo retoma as suas ativida-
des no ateliê e conclui o curso de Direito na Faculdade de Olinda – ele
nunca exerceu a profissão de advogado. Ao retornar ao circuito de ex-
posições, espalha a beleza de sua arte em diversas cidades brasileiras
e no mundo.

Em plena atividade artística e ainda comemorando os seus 90 anos,


Abelardo da Hora é internado em agosto de 2014, com um quadro
grave de pneumonia, vindo a falecer na manhã de 23 de setembro.
Abelardo deixa um acervo demais de 1.800 obras, entre esculturas,
tapeçarias, cerâmicas e desenhos, e um conselho a todo jovem artista:
Faça da sua arte um meio de vida fundamental. Como a alimenta-
ção. Ele tem que fazer arte constantemente. Não pode parar, é feito
bicicleta, se parar, cai.

14
15
Abelardo, the boy
On July 31st, 1924 Life decided to show one of its most restless works:
Abelardo Germano da Hora, the fourth of seven children of Severina
and José Germano da Hora.

Abelardo was born at Tiúma Mill, in São Lourenço da Mata, a sugar-


cane-growing region in the state of Pernambuco and then, in his child-
hood, he moved to Recife while his father worked as a head of traffic at
São João da Várzea Mill, whose owner Ricardo Brennand, a manufac-
turer, would be very important for his professional career.

After middle school, Abelardo considered studying Mechanics at Escola


Industrial (currently called Etepam - Technical State School Professor
Agamenon Magalhães), but as there were no vacancies, he ended up
enrolled in Decorative Arts, along with his brother Luciano. Right in the Escola de Belas Artes
first year, he stood out so much to the point that he caught the attention
of famous professor Álvaro Amorim, who exclaimed to his colleague At the age of fifteen, with a degree in Decorative Arts, Abelardo enrolled
Edson de Figueiredo: “come and see a true sculptor” in the Sculpture course of Escola de Belas Artes, taught by the Portu-
guese professor Casimiro Correia. Mr. Correia invited him to work in his
This episode was his passport to a scholarship at Escola de Belas Artes stucco company, specialized in lining for ceilings, where he made count-
(Fine Arts School). less finery and ornament for churches and private buildings in the city.

He was also a student of Fédora do Rego Monteiro, Antonio Baltar and


Murilo La Greca, surprising them all with his precocity and resourceful-
ness. One year before getting his degree, Abelardo was elected presi-
dent of the Students’ Union, where he developed his appreciation for
politics and made him think that artists could not escape reflecting upon
the reality that surrounds them

Therefore, he requested that the Board allowed for a new way of study-
ing Design and Painting, with tours to different areas of the city, so that
students could be in contact with new figures, places and landscapes.
Let’s put an end to sketching and painting only inside the School
and let’s sketch and paint life outdoors - exclaimed Abelardo.

In one of his last tours, they visited São João da Várzea Mill. It belonged
to Doctor Ricardo Brennand. That tour would change his life.

16
São João da Várzea Mill
At São João da Várzea Mill, the place where his father used to work, a
group of students was sketching by the dam, when a black Buik parked
there. From inside, Doctor Ricardo Brennand came out curious about
all that stir.

Introducing himself as a student and president of the Students’ Union of


Escola de Belas Artes, Abelardo greeted the entrepreneur, who found
his last name somewhat familiar. When he heard the name of José Ger-
mano, Ricardo Brennand recalled his former employee. He also noticed
something special about that lad, to the point of promising to build a
workshop of decorative pottery so that Abelardo could create jugs and
decorative dishes.
New horizons
In January 1942, three months after they met, Ricardo Brennand’s driv-
er went to his house to tell him “Abelardo’s workshop was ready”. After four years living with the Brennands, in the beginning of 1946, he
Mr. José Germano was informed that from that moment on his son was went to Rio de Janeiro, where he worked at a factory of shop manne-
going to live in the Mill, sharing one of bedrooms of the Main House with quins. During this time, he used Abelardo Rodrigues’ garage to produce
three of the four children of Ricardo: Cornélio, Jorge and Francisco - the the work he intended to submit at Salão Nacional de Belas Artes (Fine
latter, influenced by the new guest, would become a renowned artist. Arts National Exhibition): the piece called A Família (The Family) repre-
sented the longing feeling from his family in Pernambuco.

Unfortunately, the Exhibition, that had occurred since the Empire years,
was suspended by order of President Eurico Gaspar Dutra. Art critics
and journalists who Abelardo used to meet at Vermelhinho, a bar next to
Museu Nacional de Belas Artes (National Museum of Fine Arts), started
to vociferate against the government for it was turning its back to such
an important cultural program.

That really affected Abelardo and the cancellation of the event made
him return to Recife. The front page of Jornal do Brasil newspaper reg-
istered his dissatisfaction: Pernambuco sculptor to return home dis-
appointed with the cancellation of Salão Nacional de Belas Artes.

With renewed cheer, his return to Recife also brought a firm decision:
organize local artists for the free exercise of art.

17
First exhibition
Three months after returning to Recife, in January 1947, Abelardo was
already in touch with the intellectual milieu. He engaged into actions of
the Brazilian Communist Party (PCB) and prepared expressionist sculp-
tures for his first individual exhibition, among them A Fome e o Brado
(The Hunger and the Cry), in which a mother and her miserable children
agonize, while a raised hand cries for changes.

The exhibition took place at Associação dos Empregados do Comércio


de Pernambuco (Association of Commercial Employees of Pernambu-
co), located downtown Recife, in April 1948. The place became a meet-
ing point for poets, writers, journalists, professors etc. given the political
repercussion of the event, which resulted in Abelardo’s recognition as
Abelardo, the master
an artist and a communist.
In 1952, Abelardo, then father of three girls, creates the Atelier Coletivo
Moreover, it was during his first exhibition that he met Margarida, a (Collective Studio) in order to promote free courses of sketching, music
young Law student. Her honest interest for his pieces of work made and drama, that broke with the current academic standards from Es-
him invite her: “I was supposed to have another piece here, but I cola de Belas Artes. The Atelier became a place were many artists from
am still finishing it. Would like to go to my house? It’s near here.” that time studied, consolidating Abelardo as Master of a generation and
influencing names such as Gilvan Samico, José Cláudio, Wellington
And so Margarida went and caused dona Severina to long for such a Virgolino and Aluísio Magalhães, among others.
lovely daughter-in-law. Six months later they were married and lived
togheter for 62 years, until Margarida’s death on November 17th, 2010. In a borrowed room from the Liceu de Artes e Ofício (School of Arts and
Craft), Abelardo used to teach for free and dreamed of educating de-
signers, painters and sculptors with political awareness, disseminators
of art with Brazilian roots. As he used to say: In the constant struggle
of work in the middle of the people, we learn and we transmit.

The Atelier had many different addresses, until Aberlardo moved to Rua
do Sossego, 307, in 1954, and made it his home and studio-school.
This very address, in 2004, would host Instituto Abelardo da Hora (Ab-
elardo da Hora Institute), an OSCIP (Public Interest Non-Governmental
Organization) accredited by the Ministry of Justice and the Ministry of
Culture, aiming to preserve the artist’s work and make it available to the
public, promoting culture in all social levels - something he advocate for

18
Popular culture movement
Despite its adversities, the 60’s also brought the Movimento de Cultura BOYS OF RECIFE
Popular - MCP (Popular Culture Movement), that Abelardo, now father
of seven children (five girls and two boys), helped create when he was
Head of Parks and Gardens Division and of the City Guard, in the first Anonymous inhabitants
administration of Miguel Arraes as mayor of Recife. Of this flooded city,
Made of slime and stone
Because of his new attributions, the activities of Atelier Coletivo were Under tides
transfered to MCP, that proposed to “broaden the politization of the Submerged.
masses, awakening them for the social struggle”, something that match-
es Abelardo’s dream of reaching a greater amount of people with his
In sludge, in inconsistent
work as art educator, aiming social welfare.
mud,
Abelardo was part of the Board of Directors, along with conductor Ger-
aldo Menucci and playwright Luiz Mendonça. They represented the Embodied.
area of cultural education. The young educator Paulo Freire, one of the Vast well of drowned ones,
creators of MCP, led the work related to literacy of children and adults.
Dwelling of myths and ghosts.

In 1962, in the peak of MCP, which also counted with intellectuals and
artists such as Francisco Brennand, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Immense pasture of plagues.
Filho, José Cláudio and Aloísio Falcão, Abelardo created “Meninos do Homeless city.
Recife” (“Boys of Recife”), a series of 22 sketches made with pen and Inhabitants of this swamp,
ink. They portrayed the miserable situation of homeless kids, eternal- With no deeds, with no titles.
ized for him in a poem that he, an occasional poet, wrote:

Submitted to the idleness


that leads to hunger and addiction
And a ruthless calendar
Of miseries and unforeseen events.

They are just inhabitants


Of this flooded city,
Shoved against the mud,
Under the tides of misfortune.

19
The return and the farewell
With the Coup of 1964, Abelardo is dismissed from the City Hall and
is arrested once again - he was arrested for political reasons over 70
times throughout his life. They did not kill him just because he was the
brother-in-law of Augusto Lucena, who had been elected vice-mayor of
Recife, in the list of Pelópidas Silveira and who, with the impeachment
of the main candidate, was sworn in as mayor.

Later, Abelardo’s situation in Recife became untanable. The lack of


working conditions made him go to São Paulo to live - there he worked
as set designer at TV Tupi, thanks to a reccomendation of his friend
Lina Bo Bardi, who was married to Pietro Maria Bardi, director of MASP
(São Paulo Museum of Art).

In 1968, back to Recife and in the arms of his Margarida and children,
he begins to work at his brother’s fishing company. The years went
by and, little by little, Abelardo resumes his activities at the studio and
finishes his Law studies at Faculdade de Olinda (Olinda College) - he
never worked as a lawyer. Back to the exhibition circuit, he spreads the
beauty of his art in many different cities in Brazil and abroad.

While still working full time as an artist and also still celebrating his 90th
birthday, Abelardo da Hora is hospitalized in August 2014, with severe
pneumonia. He died in the morning of September 23rd. Abelardo left a
collection of over 1800 pieces of work, including sculptures, tapestry,
pottery and sketches, and a piece of advice to every young artist: Turn
your art into an essencial livelihood. Just like nutrition. He must
do art constantly. He cannot stop, just like riding a bicycle, if you
stop, you fall.

20
21
22
TESTIMONIALS

23
ABELARDO E GUAIANASES

É notável como Abelardo da Hora incentivou a formação de


artistas em nosso estado, principalmente nas décadas de 40,
50 e 60, períodos que abrigaram a Sociedade de Arte Moderna
de Pernambuco, o Atelier Coletivo e o Movimento de Cultura
Popular, todos com a marca desse mestre em seus alicerces. ABELARDO AND GUAIANASES
Estou certo de que, sem as iniciativas de Abelardo, vários ta-
lentos teriam se perdido. Esse norte tenaz beneficiou gerações It is remarkable to see how Abelardo da Hora encouraged the
de artistas em nosso estado. education of artists in our state, mainly in the 40’s, 50’s and
60’s. Such periods held the Sociedade de Arte Moderna de
Pernambuco (Pernambuco Modern Art Society), the Atelier
O exemplo das iniciativas de trabalho em conjunto e as reuni-
Coletivo and the Movimento de Cultura Popular, all of them
ões em torno de um determinado interesse artístico continu-
with the imprint of this master on their foundations. I am sure
aram, nas décadas seguintes, beneficiando o surgimento e a that, without Abelardo’s iniciatives, many talents would have
formação dos novos artistas em Pernambuco. Entre as mais been lost. This tenacious beacon benefitted generations of
importantes eu destaco a Oficina Guaianases de Gravura, que artists in our state.
funcionou primeiramente em Recife e, depois, em Olinda.
His example of joint work initiatives and the meetings around
Partindo de um ateliê de litografia próprio, muito bem equipado a certain artistic interest continued in the following decades,
e ativo, os artistas João Câmara e Delano abriram generosa- benefitting the appearance and education of new artists in
mente as portas do espaço para os que quisessem conhecer, Pernambuco. Among the most important ones, I would like
aprender e desenvolver os recursos dessa técnica. Naquele to highlight Oficina Guaianases de Gravura (Guaianases
Engraving Workshop), that opened first in Recife and, later, in
tempo, eu tinha 18 anos. Essa oportunidade foi definitiva no
Olinda.
peso da minha escolha profissional e no desenvolvimento do
meu trabalho.
The artists João Câmara and Delano kindly opened the of
their own well-supplied and active litography studio for those
A convivência com poéticas diferentes da minha, artistas mais who wanted to know, learn and develop the resources of this
experientes e suas relações no circuito institucional, o merca- technique. Back then, I was 18. That was my definite chance
do de arte e tudo mais começou pra mim na Oficina Guaiana- in the weight of my professional choice and development of
ses. my work.

GIL VICENTE Living with inspirations different from mine, with artists
more experienced than I and following their relations in the
institutional circuit, the art market and everything else started
for me at Oficina Guaianases.

GIL VICENTE

24
TATUAGEM NA ALMA
Ele foi um homem que amou as mulheres e as homenageou
divinamente em enormes esculturas de concreto armado,
plenas de sinuosidade, sensualidade e beleza. Essas mulheres
gigantes e voluptuosas ficavam espalhadas pela cidade e
tatuaram minha alma já na infância.

Sua obra também tem uma grande preocupação social e


cultural. Ele retratou divinamente a dignidade e dor dos mais
fracos, assim como exaltou maracatus, passistas, bumba meu
boi, ricos personagens da nossa cultura pernambucana.

Em 2008, tivemos o prazer de fazer a cenografia do carnaval


do Recife em sua homenagem. Ele foi generoso em abrir
sua obra e me conceder total liberdade de interpretação.
Pude mergulhar nas suas criações para criar minhas próprias A TATTOO IN MY SOUL
versões de cada personagem seu, sem qualquer tipo de
restrição. He was a man who loved women and he paid a divine tribute
to them with enormous sculptures made of reinforced concrete
Meu viva a Abelardo da Hora! that were full of sinuosity, sensuality and beauty. These giant
and voluptious women were spread all over the city and
JOANA LIRA tattooed my soul back in my childhood.

His work also brings a great social and cultural preoccupation.


He portrayed divinely the dignity and pain of the weakest, as
well as exalted maracatus (a performance related to a carnival
tradition), dancers, bumba meu boi (a folk theatrical tradition)
and other rich characters of Pernambuco’s culture.

In 2008, we had the pleasure of creating Recife’s carnival


scenography in a tribute to him. He was generous enough to
open up his work and give me total freedom of interpretation.
I could then delve into his creations in order to make my own
versions of each of his characters, with no restrictions.

Cheers to Abelardo da Hora!

JOANA LIRA

25
Sempre admirei em Abelardo da Hora sua vocação e
capacidade de trabalho em toda extensão do fazer artístico.
Do barro ao bronze, do papel ao nanquim, da argamassa à
pátina. Abelardo tudo dominava e o fazia com paixão e energia
de jovem, mesmo quando já maduro e carregado da sabedoria
da muita idade. E não era só um artista. Era um Mestre e um
Humanista, no sentido de que ensinava, organizava ações
culturais públicas e políticas, solidarizava-se com movimentos
de resgate e justiça social.

Sua invenção e criatividade alongavam-se num arco capaz


de cobrir desde o retrato denunciador da feiura econômica
e amoral da exploração do homem até a beleza poética das
formas vivas sensuais.

Nesse contínuo de humanidade, viveu Abelardo e nele


inscreveu o legado de sua arte honesta, sincera e generosa.

JOÃO CÂMARA FILHO

I have always admired Abelardo da Hora, his calling and


ability to work to the full extent of artistic practice. From
clay to brass, from paper to India ink, from mortar to patina.
Abelardo mastered everything and worked with the same
passion and vitality of when he was young, even in his
mature and full of wisdom years. And he was not just an
artist. He was a Master and a Humanist, in a sense that
he taught, organized public and political cultural events,
sympathized with rescue and social justice movements.

His invention and creativity stretched into an arch that was


able to cover from the accusing portrait of economic and
amoral ugliness of the exploitation of a man to the poetic
beauty of sensual living shapes

Abelardo lived in this continuo of humanity and imprinted in it


the legacy of his honest, sincere and generous art.

JOÃO CÂMARA FILHO

26
ABELARDO DEPOIS DE MORTO

A sua presença é mais forte agora do que quando estava vivo.


Hoje mesmo queria abandonar um quadro que não conseguia
resolver a contento e o ouvir dizer: “valoriza teu trabalho” E
isso só tem força por vê-lo trabalhar incansavelmente, sem
nenhuma queixa, muitas vezes em condições adversas, até
sem um mínimo de espaço físico para trabalhar. Como quando
esculpia na pedra a belíssima figura que vi muitos anos depois
na casa de Cid Sampaio, no Monteiro. Não posso desmerecer
essa confiança, além de um desrespeito a mim próprio.
“Levanta o pé!”.

Fico sem ter idade, nos meus oitenta e três anos, que só
existem no calendário, como os noventa dele. Abelardo nunca
teve velhice, nunca teve doença, nunca teve morte.

Ele costumava dizer que antes de ele morrer descobririam a ABELARDO AFTER HIS DEATH
eliminação da morte, uma espécie de vacina. Mal sabia ele que
já estava vacinado, que a morte, com ele, topou foi osso! His presence is stronger now than when he was alive.
Today I felt like giving up on a paiting that I could not solve
JOSÉ CLÁUDIO satisfactory and I could hear him saying: “treasure your
work”. And this is only meaningful because I saw him work
restlessly, with no complaints, often times under adverse
conditions, even without any minimum physical space
to work. Just like when he sculped out of the stone the
marvelous figure I saw many years later in Cid Sampaio’s
residence, in Monteiro. I cannot demerit such trust, besides it
would be desrespectful to myself. “Stand up!”.

I get ageless, in my eighty-three years of life, which exist only


in the calendar, just like his ninety. Abelardo never got old,
never got sick, never got dead.

He used to say that before he dies someone would discover


the elimination of death, a kind of vaccine. He hardly knew he
was already vaccinated, that death had a hard time with him!

JOSÉ CLÁUDIO

27
ABELARDO DE TODAS AS HORAS

Criei este título, em 1988, quando organizei e fui curador,


como Coordenador do Patrimônio Histórico e Preservação do
Acervo Cultural da Fundação de Cultura Cidade do Recife,
de uma exposição retrospectiva, comemorando 40 anos
de atividades artísticas de Abelardo da Hora, na Galeria
Metropolitana de Arte Aloísio Magalhães.

Junto com o jornalista Ronildo Maia Leite, editamos um livro


com esse mesmo título e lançamos no final da exposição.
ABELARDO OF ALL TIMES
Em toda a história da cultura pernambucana, provavelmente
não encontraremos alguém com um caminhar tão coerente I came up with this title, in 1988, when I organized and
was the curator, as Coordinator of Historical Heritage and
como o de Abelardo da Hora que, ao contrário da maioria
Preservation of the Cultural Collection of Fundação de Cultura
dos artistas, que tendem a se acomodar com a consagração,
Cidade do Recife (Cidade do Recife Cultural Foundation), of
Abelardo era de todas as horas, estava sempre disposto
a retrospective exhibition, celebrating the 40th anniversary of
a colaborar com os movimentos culturais de Pernambuco, artistic activities of Abelardo da Hora, at Galeria Metropolitana
sendo fundador/participante da maioria deles: Sociedade de Arte Aloísio Magalhães (Aloísio Magalhães Metropolitan
de Arte Moderna do Recife, Atelier Coletivo, Galeria de Art Gallery).
Arte do Recife, Movimento de Cultura Popular, Clube da
Gravura e Associação dos Artistas Plásticos Profissionais de Along with journalist Ronildo Maia Leite, we published a book
Pernambuco, entre outros. Abelardo de todas as gerações e with this very same title and launched it at the end of the
das lutas pela democratização da cultura em nosso Estado. exhibition.

PAULO BRUSCKY We will probably not find anyone in the entire history of
Pernambuco’s culture with such a coherent path as Abelardo
da Hora. Differently from most artists, who tend to settle
with success, he was Abelardo of all times, always willing
to collaborate with the cultural movements of Pernambuco,
being founder/participant in most of them: Sociedade de
Arte Moderna do Recife, Atelier Coletivo, Galeria de Arte do
Recife (Art Gallery of Recife), Movimento de Cultura Popular,
Clube da Gravura (Engraving Club) and Associação dos
Artistas Plásticos Profissionais de Pernambuco (Association
of Professional Plastic Artists of Pernambuco), among
others. Abelardo of all generations and all struggles for the
democratization of culture in our state.

PAULO BRUSCKY

28
29
30
PRINTS AND DRAWINGS

31
Retrato de Margarida
Aguada de nanquim sobre papel, 1950

Portrait of Margarida
Chinese ink on paper,
1950

32
Autorretrato
Aguada de nanquim sobre papel, 1950

Self-portrait
Chinese ink on paper,
1950

33
Torre de Iluminação
Cinética da
Praça da Torre
Projeto de
escultura, 1959
Kinetic lighting tower
Tower Square
project
sculpture, 1959

Imagem da
Torre,
antes de sua
destruição pelo
Coronel
Ibiapina,
chefe da IPMS,
em 1964.

Image tower,
before its
destruction by
Colonel
Ibiapina
head of IPMS
in 1964 .

Com o golpe militar, uma de suas obras pio-


neiras do espaço dinamismo do Brasil – a
Torre de Iluminação Cinética do bairro da
Torre – foi considerada subversiva e destruí-
da pelos militares, que o acusavam de intro-
duzir “mensagens ocultas” e de ter recebido
dinheiro pela peça. O mensageiro, nas pala-
vras de Abelardo a um coronel, era o vento e
a obra havia sido doada à Prefeitura.

34
Maquete da Torre de
Iluminação Cinética
da Praça da Torre

Model kinetics light


tower to Tower
Square

With the military coup, one of his pioneer pie-


ces from the space dynamism in Brazil - the
Torre de Iluminação Cinética (Kinetic Light
Tower) in Torre neighborhood - was conside-
red subersive and was destroyed by the mi-
litary, who acused him of introducing “hidden
messages” and of being paid for the piece.
The messenger, in the words of Abelardo to
a colonel, was the wind and the piece had
been donated to the Municipality.
35
Bestas
Desenho, 1969
Beasts
Drawing, 1969

Fire in Paradise Patio


Engraving on plaster, 1953
Burial peasant
Engraving plaster, 1953

36
Enterro de Camponês
Gravura em gesso, 1953
Burial peasant
Engraving plaster, 1953

37
Grupo de Frevo
Desenho, 1973
Group frevo
Drawing, 1973

38
Cais José Estelita – Porto 1, 2 e 3
Desenho, 1962

Pier José Estelita - Port 1 , 2 and 3


Drawing, 1962

39
Vestais
Projeto de
escultura, sem data

Vestal
Project sculpture,
undated

40
Casal Dançando
Desenho, década
de 80

Couple dancing
Design, the 80

41
Mulher Encostada
Desenho, sem data
Woman leaning
Design, Undated

42
Mulher Tocando Flauta
Desenho, 1983
Woman playing flute
Drawing, 1983

43
Mulher com Mão
no Cabelo
Desenho, 1980
Woman with gand
in Hair
Drawing, 1980

44
Mulher de Bruços
Desenho, 1983
Breaststroke
woman
Drawing, 1983
Mulher Sentada
Desenho, sem
data
Seated Woman
Design,
Undated

45
Série Meninos do Recife
Bico de pena, 1962
Series Recife Boys
Pen and ink, 1962

46
47
Série Danças Series Dances
Brasileiras de Carnaval Brazilian Carnival
Bico de pena, 1963/1966 Pen and ink, 1963/1966

48
49
Série É Hora de Brincar
Aguada de nanquim
sobre papel, 2004
Series Is Playing Time
Aguada ink
on paper, 2004

50
51
52
SCULPTURES

53
54
A Fome e o Brado
Bronze, 1947
Hunger and Shout
Bronze, 1947

55
Mãe com Filho Doente
Cimento com banho
de ácido, 1979
Mother with son sick
Cement acid bath,
1979

56
Estela para Mulheres e
Crianças Abandonadas
Cimento com banho de
ácido, 1978
Estela for women and
children abandoned
Cement acid bath, 1978

57
58
Mãe com Filha Morta
Concreto com banho
de ácido, 1973

Mother with
dead daughter
Concrete with acid
bath, 1973

59
Menino do Mocambo
Bronze, 1969
Mocambo boy
Bronze, 1969

60
O Artilheiro
Bronze, 1991

The Gunner
Bronze, 1991

61
Menino do Pirulito
Bronze, 1962
Lollipop Boy
Bronze, 1962

62
POEMA AO MENINO DO PIRULITO POEM TO THE LOLLIPOP BOY

Uma mancha de sombra no chão secular, A shadow stain on a secular ground,


Um traço de poeira no céu todo azul, A dust trace on a sky full of blue,
Acordes tirados de lábios famintos, Chords taken from hungry lips,
Distante harmonia ferindo o silêncio. Distant harmony wounding silence.

O sol na calçada enxuga teu pranto, The sun on the sidewalk wipes your tears,
Que cala e se perde no chão e na pedra. That shut up and get lost on the floor and stones.
Teu passo é caminho de tempo e de luta, Your step is a way though time and struggle,
Teu canto, pregão, enfeita a miséria. Your song, trading, graces the misery.

Os homens não sentem a muda censura Men do not feel the silent censorship
Que cobre teu rosto de adulta tristeza Covering your adult sadness marked face
E fere teus membros, menino sem lar. And it hurts your members, homeless boy.

Os homens não vêem a trágica beleza Men do not see the tragic beauty
Que mora em teu corpo pesado de andrajos, Who lives in your heavy body in rags,
Vestido de sons que chora teu peito. Dressed by sounds that your chest cries.

Margarida Lucena da Hora Margarida Lucena da Hora

63
Beijo
Bronze, 1958
Kiss
Bronze, 1958

64
Cópula
Bronze, 1949
Copulation
Bronze, 1949

65
Casal

Couple

Volúpia
Bronze, 1949

Voluptuousness
Bronze, 1949
66
Aurora II
Bronze, 1994
Aurora II
Bronze, 1994
67
Copacabana I
Bronze, 1969
Copacabana I
Bronze, 1969

68
Nega Fulô
Bronze, 1952
Nega Fulô
Bronze, 1952

69
Copacabana II Copacabana II
Bronze, 1980 Bronze, 1980

70
Figura de Mulher
Bronze, 1983
Figure woman
Bronze, 1983

71
Mariane Mariane
Bronze, 1975 Bronze, 1975

72
Mulher de Bruços
Bronze, 1973
Breaststroke woman
Bronze, 1973

Musa em Repouso
Bronze, 2005
Musa to Sleep
Bronze, 2005

73
Mãe-d’água
Bronze, 1996
Mulher com Cesto de Frutas
Mother of the water Bronze, 2002
Bronze, 1996
Woman with fruit basket
Bronze, 2002

74
75
Mulher com Mãos
Entrelaçadas
Bronze, 2007
Mulher com Mãos
Entrelaçadas
Bronze, 2007

Mulher com
Pernas
Dobradas
Bronze, 2009
Woman with
legs folded
Bronze, 2009

76
Aurora I Aurora I
Bronze, 1975 Bronze, 1975

77
78
79
Abelardo, mestre mestríssimo

Assim o definiu Gilberto Freire, e não poderia ter feito de outra maneira. Uma das prin-
cipais características de um mestre é conhecer profundamente o seu ofício e só assim
poder transmiti-lo aos demais.

Esse homem, apesar de franzino, construiu uma obra gigantesca - em todos os senti-
dos. Para cada peça um esboço, seguido de uma maquete em barro. A miniatura vinha
sempre acompanhada de uma ampliação, ainda em barro, sobre um esqueleto de ma-
deira normalmente feito de travas. Nele montava-se o barro, que era esculpido durante
dias até conseguir a curva perfeita, o olhar mais dengoso, as linhas mais expressivas.
Desse processo todo Abelardo era o autor. Seu ajudante de muitos anos, Carlos, se
encarregava de bater os pregos, preparar o barro e mantê-lo úmido durante os dias em
que a obra estava sendo trabalhada pelo mestre. Depois o ajudava a montar a fôrma
e retirá-la. Quase sempre em gesso. A matriz em barro muitas vezes era destruída.
Pesar? Não. Era parte do processo, tudo ainda estava em construção.

No molde as enormes mulheres ou seus monumentos grandiosos ganhavam um novo


esqueleto, agora mais robusto, para suportar o peso que lhes aguardava. Eram feitos
de ferro, dobrados e serrados, lá mesmo em seu ateliê, sob os olhos dele, para não
escapar nada de seu controle. Depois de devidamente armadas, as fôrmas cobertas de
cera recebiam o cimento e esperavam o tempo para saírem de seus casulos de gesso.
Depois de prontas em cimento, Abelardo as lixava, acertava as imperfeições e as ence-
rava até ficarem perfeitas. Algumas eram banhadas em ácido para que o acabamento
ressaltasse a expressividade de sua obra.

Era um artista artesão, como poucos. E, como poucos, ensinou o seu fazer artístico.

80
Aberlardo, master great master

That is how Gilberto Freire defined him and it could not have been any different. One of
the main features of a master is acquiring a deep knowledge of his craft and only then
be able to transmit it to others.

This man, though thin, built a giant work - in all senses. For every piece a sketch, fol-
lowed by a clay model. The miniature was always followed by a larger model, still in
clay, under a wooden structure normally made with beams. On it, he set the clay that
was sculpted for days until he achieved the perfect curve, the most captivating look, the
most expressive lines.

Abelardo was the author of the entire process. Carlos, his assistant for many years, was
in charge of hitting nails, preparing the clay and keeping it moist during the days the
work was being made by the master. Then, he would help him set up the mold and re-
move it. It was usually in plaster. The matrix in clay was often times destroyed. Sorrow?
No. It was part of the process. Everything was still under construction.

In the mold the huge women or their grand monuments gained a new structure, now
more robust, in order to bear the weight that was to come. They were made of iron, were
folded and sawed there in his studio, under his eyes, so that nothing would go out of his
control. After being duly reinforced, the molds covered in wax would receive the cement
and wait the necessary time to come out of their plaster cocoons.

After they were ready in cement, Abelardo would sand them, correct imperfections and
polish them until they were perfect. Some were bathed in acid so that the finish would
highlight the expressiveness of his work.

He was a craftsman artist, like few others. And, like few others, he taught his artistic
practice.

81
Presidenta da República | President Ficha Técnica | Technical Sheet
Dilma Vana Rousseff
Produção | Production Assessoria de Imprensa | PR
Ministro da Fazenda | Ministry of Economics Instituto Abelardo da Hora Adelante Cultural
Joaquim Levy
Produção Executiva / Coordenação Geral Transportadora | Transportation
Presidenta da CAIXA | CAIXA President Executive Producer / General Coordinator Transportadora Fink/Frey
Miriam Belchior Abelardo da Hora Filho
Projeto de Seguro | Insurance Project
Curadoria | Curator Afinitté Corretora de Seguros
Renato Magalhães Gouveia
Seguradora do Projeto | Insurance
Acervo | Collection ACE Seguros S/A
Instituto Abelardo da Hora
Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães - MAMAM Impressão | Printing
Companhia Editora de Pernambuco
Direção de Arte | Art Direction CEPE
Daniel da Hora

Design Gráfico | Graphic Design


Luciana Oliveira

Projeto Expográfico / Iluminação


Lightening Project
Art Montagem

Cenografia | Scenography
Eduardo de Souza

Textos | Texts
Creatto Comunicação Estratégica

Tradução | Translation
Rita Felippi

Fotografia | Photography
Henrique Santos | Thomas Baccaro

Molduras e Embalagens | Framas and Packaging


Art Coral Quadros e Molduras

Produção Local - SP
Local Production Sao Paulo
Ary Cunha
Sara da Hora Cunha

82
83
CAIXA CULTURAL SÃO PAULO Codigo ISBN
Praça da Sé, 111 - São Paulo/SP
CEP 01001-001
Tel.: (11) 3321-4400

facebook.com/CaixaCulturalSaoPaulo
Baixe o aplicativo CAIXA Cultural

Distribuição gratuita. Comercialização proibida.


Produção Apoio Patrocínio

84

Vous aimerez peut-être aussi