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O eterno retorno do
emos desde o mês passado tação, mas sim releitura, reinterpre- tido e destituída de realizações. É o
Valéria Simões/Divulgação
A releitura pelo cineasta André
Klotzel de MemóriasCpóstumas i n e m A
de Brás Cubas promove uma
intensificação do sentido
histórico-social do livro de C i n e m
Machado de Assis, atribuindo
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contornos mais definidos ao Reginaldo Faria interpretando Brás Cubas no filme de André Klotzel.
Na página oposta, o ator encena o delírio do protagonista de
escravocrata
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do filme, é a de que o menino é pai
do homem, premissa essa que dá no-
me a um capítulo das Memórias, e que
como uma das mais fortes caracterís-
ticas machadianas: nem a morte salva.
Muito menos consola ou ilumina.
Em meados do oitocentos, o defun-
to machadiano recusava-se a morrer.
Em 2001, Klotzel nos diz, ele conti-
é chave para a compreensão da obra. A interpretação que Brás Cubas nua vivo. O cineasta não deixou esca-
O autor nos impele a tomar a infância dá à sua vida é, então, trágica. Da par a sutileza das intersecções entre
de seu personagem narrador como glória da invenção do divino emplas- infância, maturidade, indivíduo, classe
tempo fundador de sua personalidade tro, que lhe daria o primeiro lugar e persistência da lógica do interesse e
e desdobrador de seu comportamento. c
entre os homens, acima da ciência e i n e m
do salvacionismo: faz o pequeno Brás A
Mais que isso, parece natural concluir da riqueza, o defunto cai à derra- Cubas montar em seu escravo Prudên-
que o menino é não só pai do homem deira negativa: Não tive filhos, não cio, cavalgando o negrinho como a um
como também pai do morto, pai do transmiti a nenhuma criatura o legado burro de carga, na base do chicote (o
nosso defunto autor: o Brás Cubas da nossa miséria. Não nos engane- menino é pai do homem), dá relevo ao
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que narra não adquiriu poderes de
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mos: não é da humanidade que Cubas
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mal-estar do encontro com o mendigo
setembro/2001 - C u l t 43
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Valéria Simões/Divulgação
Vantoem Pereira Junior/Divulgação
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Petrônio Gontijo (à esquerda) e Otávio Müller
nos papéis de Brás Cubas quando jovem
e do político Lobo Neves, respectivamente
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Sonia Braga em cena de Memórias póstumas,
representando a cortesã Marcela, primeiro amor
de Brás Cubas
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Quincas Borba e ao futuro reatamento manter as incongruências de raça e de Klotzel parece ter optado por subverter
da amizade com o Quincas aristocrata, classe em segundo plano, condizente a estrutura formal do livro, paradoxal-
encena com ironia a pequenez da vida com a miopia e a sandice do protago- mente realizando um filme austero em
política brasileira, prolonga a temática
do filme até nossos dias na colagem
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nista e autor Brás Cubas, mas não do
autor Machado de Assis, que é quem
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sua forma. A simples presença de um
narrador falastrão, que inúmeras vezes
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de embalagens e propagandas do em- lhes dá forma. se dirige diretamente à câmera, de certo
plastro (precursor dos nossos atuais Outra das principais discussões que já é subversão formal suficiente para o
psicotrópicos, como prozacs, lexotans envolvem a obra de Machado é a sua cinema brasileiro atual e condiz com o
e ecstasys) e nas imagens de obras classificação como romance. De certo, caráter satírico a que o protagonista é
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modernistas, como Operários, de Tar-
A Machado não é um romancista realista submetido. Outro ponto forte do filme
sila do Amaral. como Balzac, Flaubert, nem mesmo são as encenações dos desvarios de Brás
Se buscarmos uma correspondên- como Stendhal, autor tão caro a ele pró- Cubas: seu delírio de morte montado em
cia para o filme na recepção crítica da prio e ao seu defunto autor. O realismo um hipopótamo, viajando até o começo
obra de Machado, podemos dizer que machadiano, nas Memórias, é híbrido de dos séculos, sua pequena fantasia sobre
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essa leitura de Klotzel segue uma inter-
pretação sociológica da obra macha-
diana, análoga à de Roberto Schwarz
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investigação psicológica e vanguardismo
formal, cimentado na ironia a tão
falada ironia machadiana, que em Memó-
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a nudez e a necessidade da roupa
fantasia social para o bom funciona-
mento das relações humanas, suas ações
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em Um mestre na periferia do capitalismo. rias póstumas é arma de amarga sátira à filantrópicas na Ordem Terceira. Episó-
Da incisividade de cenas como a do sua própria personagem, representante dios esses centrais para a compreensão
menino Brás cavalgando o seu escravo da aristocracia brasileira. É Brás Cubas, da obra, ainda que para não alongá-la
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(no filme, mas também no livro), sur-
preende que Machado de Assis tenha
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em ótima interpretação de Reginaldom
Farias, o principal alvo da ironia de
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demais o cineasta tenha suprimido passa-
gens importantes do livro, como o capí-
sido considerado por tanto tempo um Machado, que faz rir das elocubrações tulo O almocreve e as relações tumul-
autor apolítico ou desinteressado da filosóficas do protagonista. E não são tuadas de Brás Cubas com a irmã Sabina
história do país. poucas as suas teorias: imagina que e o cunhado Cotrim, cujos interesses nos
Parece aqui um caso de confusão as botas apertadas são uma das maiores negócios escravistas batiam com os posi-
entre autor e personagem, outra das venturas da terra, afirma que a contem- cionamentos políticos volúveis de Brás
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questões tão bem dissimuladas nesta i n
plação do nariz constitui o equilíbrio das e Cubas. m A
obra do autor. Sem dúvida, o perso- sociedades, infere a lei da equivalência Resta comentar a excelente inter-
nagem Brás Cubas, parte da elite das janelas, concebe a filosofia dos epitá- pretação de Viétia Rocha como Virgília
brasileira do século XIX, está com- fios e, por fim, a culminância das sandi- essa personagem tão ou mais dissi-
pletamente alheado do processo histó- ces, adere ao Humanitismo de Quincas mulada que Capitu , que também,
C i n e m A rico, apesar de seus intermitentes e
narcísicos sonhos de carreira política.
Borba, que Machado usa para satirizar
o positivismo e o darwinismo social que
como a mulher de Bentinho, só conhe-
cemos a partir das palavras do homem
No filme de Klotzel, a bem cuidada contavam com enorme prestígio na época. que a amou, e a quem a atriz conferiu
reconstituição do Rio de Janeiro da Na forma fragmentada de seus ambigüidade, dissimulação e traiçoeiro
época colonial a todo momento indica, capítulos e no estilo de narrar descontínuo encanto.
como pano de fundo, a presença ser- e digressivo reside a força da prosa de
Bruno Zeni
vil do negro, as relações de interesse Machado, que a mantém em um patamar jornalista, mestrando em Teoria Literária na FFLCH-USP e escritor,
e de paternalismo. Recurso esse, de c i
de atualidade absoluto. Quanto a isso, n e m A
autor de O fluxo silencioso das máquinas (Ateliê Editorial), no prelo
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