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Governança, Compliance e Cidadania - Ed. 2019
31. COMPLIANCE E CONTRATOS DE SEGURO NO BRASIL
1.Introdução
Este trabalho apresenta uma reflexão sobre os aspectos técnicos e jurídicos da atividade de
seguros no Brasil e a importância de bons programas de compliance na atividade de seguros.
Se os seguros são a atividade econômica que por excelência se vale da solidariedade entre as
pessoas para a constituição de um fundo mutual, do qual sairão todos os valores necessários para
o pagamento das indenizações necessárias em razão da materialização dos riscos assumidos no
contrato, é preciso respeitar e proteger a solidariedade que fundamenta a atividade de seguros por
meio de bons programas de compliance que possam, efetivamente, impedir práticas capazes de
degenerar essa modalidade de atividade empresarial.
A atividade de seguros é, por excelência, atividade ética e legal e, nessa medida, os programas
de compliance são muito mais que fruto de regulação. São a única forma saudável e correta de
praticar seguros em qualquer lugar deste planeta.
Os contratos de seguro são definidos no Código Civil brasileiro, artigo 757, como aqueles que
garantem o interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos
predeterminados e mediante o pagamento de um valor pecuniário denominado prêmio.
São contratos que dão forma jurídica a uma operação econômica muito antiga que envolve
diretamente a relação dos homens com os riscos, permanentemente presentes em todos os
momentos da trajetória da humanidade em suas diferentes quadras históricas.
Os riscos das caravanas que transportavam mercadorias em camelos, os riscos das expedições
marítimas que cruzavam oceanos em busca de mercadorias para o comércio, os riscos das
intempéries da natureza, os riscos de incêndio nas comunidades que se organizaram de forma
urbana e, em especial, os riscos decorrentes do progresso tecnológico incessante que marca a
trajetória da humanidade, foram fatores propulsores do incessante aprimoramento da atividade
econômica que hoje denominamos como operação de seguro.
O mutualismo foi o instrumento de defesa utilizado pelos homens para pulverizarem os
resultados dos riscos materializados que, invariavelmente, traziam prejuízos materiais e,
consequentemente, econômicos. Risco, como nos ensina Peter L. Bernstein2, é uma palavra
oriunda do italiano, risicare, e que significa ousar. Bernstein afirma que “é das ações que ousamos
tomar que depende nosso grau de liberdade”.
Ousar, correr riscos, sempre foi um dos traços da trajetória humana no planeta Terra. Correr
riscos foi, também, a maneira encontrada pelas diferentes culturas para sobreviverem, para
protegerem seus domínios e para aprimorar suas formas de vida.
O mutualismo é um instrumento idealizado para amenizar os efeitos econômicos dos riscos e consiste,
exatamente, em dividir esses efeitos entre diversas pessoas de modo que cada uma delas assuma apenas
uma pequena parte, previamente conhecida.
Os profissionais das áreas de estatística e atuária são responsáveis diretos pela construção do
fundo mutual, pela determinação dos valores necessários para que a mutualidade tenha recursos
ao longo do tempo para disponibilizar a todos os contribuintes que, em razão da ocorrência de um
risco predeterminado e de suas consequências negativas, necessitem de recursos econômicos para
recompor as perdas sofridas.
A contribuição de cada participante do fundo mutual recebe até hoje a denominação de prêmio,
palavra cuja utilização usual é muito diferente da utilização técnica na área de contratos de
seguro, mas que, mesmo assim, é mantida por força da utilização internacional do termo.
Prêmio é o valor em dinheiro pago pela pessoa física ou jurídica para se tornar parte de uma
mutualidade constituída por empresa seguradora, para somar recursos econômicos que serão
utilizados para indenizar os contribuintes que venham a sofrer danos durante o período de
vigência do contrato.
Em outras palavras, prêmio é a contribuição paga pelo segurado, seja ele pessoa física ou
jurídica. O valor que o segurado recebe após a ocorrência de um risco, valor necessário para
recompor os danos ocorridos, é denominado de indenização.
É obrigação legal e contratual das seguradoras calcularem o valor com o qual cada participante
vai ingressar no fundo mutual e, é igualmente obrigação das seguradoras administrar o fundo
mutual para que ele tenha solvência durante todo o período de contratação dos riscos
predeterminados.
Esse é, sem dúvida, o principal papel do segurador: organizar e administrar o fundo mutual
para que os valores sejam suficientes e estejam à disposição dos segurados no momento em que
for preciso utilizá-los. Seguro não pode ser uma atividade de risco. Ao contrário, o segurado deverá
ter sempre a certeza de que ocorrendo o risco coberto pelo contrato de seguro, os recursos
econômicos estarão disponíveis para serem utilizados na recomposição de suas perdas.
A operação de seguros se forma a partir de elementos técnicos e jurídicos essenciais, que serão
analisados agora.
3.1.Risco
Para que uma modalidade de risco seja segurável é preciso que o risco seja mensurável por
meio de estudos estatísticos e atuariais e, que provoque efeitos econômicos indesejáveis. Os riscos
incluídos como seguráveis são aqueles sobre os quais se tem maior conhecimento, maior
quantidade de estudos estatísticos e, consequentemente, maior previsibilidade de ocorrência e
dimensão das consequências danosas.
De outro lado, no Brasil contemporâneo em especial nos grandes centros urbanos, os riscos
decorrentes da utilização de veículos automotores são tão frequentes e corriqueiros que a
quantidade de dados sobre eles permite que sejam totalmente seguráveis, inclusive motos,
caminhões, utilitários de médio porte, ou seja, todas as modalidades comercializadas no País.
Por outro lado, não há como quantificar o valor do prêmio e nem da indenização para o risco
de alguém não obter êxito em um concurso público para a magistratura ou, para ingresso na
polícia federal; nem para o risco de não ser contemplado em loteria ou jogo; ou, ainda, para o risco
de uma atividade empresarial não gerar os lucros esperados por seus empreendedores ou
investidores. Esses são exemplos de riscos não seguráveis.
Na categoria de riscos não seguráveis se encontram, também, os riscos excluídos por força de
lei, ou seja, aqueles decorrentes de atos dolosos. Essa exclusão legal está diretamente relacionada
com a função social dos contratos de seguro que, a rigor, não pode ser utilizado pelos segurados
como um álibi para a prática intencional de atos danosos a terceiros ou a coletividade. Nenhum
contrato pode prever objeto ilícito ou qualquer tipo de prática ilícita; mas, em especial, isso é
vedado aos contratos de seguro, para que não haja prejuízo à sociedade nem à mutualidade.
Risco, na conceituação de Pedro Alvim4 e para o âmbito das atividades de seguro, “(...) é o
acontecimento possível, futuro e incerto, ou de data incerta, que não depende somente da vontade
das partes”.
Para que a operação de seguros seja correta no âmbito jurídico e econômico-atuarial, é preciso
que os riscos seguráveis sejam:
– Possíveis
– Futuros
– Incertos
– Mensuráveis
É fundamental, ainda, que o risco esteja bem definido na proposta de seguro de forma que
possa ser analisado objetivamente, para quantificação de prêmio e de limite máximo de
indenização, com base em experiências pregressas estudadas pelos profissionais de estatística e
ciências atuariais. Essa mesma definição correta e objetiva deverá estar presente no contrato de
seguro, para que, no momento da ocorrência do risco, ele possa ser claramente identificável,
mensuradas suas consequências por meio da regulação do sinistro e, ao final, efetuado o
pagamento da indenização cabível.
Os contratos de seguro devem conter sempre uma cláusula específica para riscos excluídos, de
forma a deixar satisfatoriamente claro para os contratantes e para terceiros eventualmente
interessados quais os riscos não cobertos, não contratados naquele instrumento legal. Desse modo,
um contrato de seguro sempre conterá duas cláusulas: riscos cobertos e riscos excluídos, com
objetivo de deixar bem explicitado os danos que poderão ser indenizados e, aqueles que não serão
porque não foram contratados para aquela modalidade de seguro.
Boa-fé é elemento social e jurídico da maior relevância em todas as fases do contrato de seguro.
O Código Civil de 2002 determinou que segurado e seguradora sejam obrigados a guardar na
conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto
quanto das circunstâncias e declarações a ele concernentes.
A boa-fé nos contratos em geral e, no contrato de seguro em específico, deve ser compreendida
no mundo contemporâneo como o dever de agir com ética em todos os quadrantes da vida social,
inclusive e, principalmente, nos aspectos negociais. Não se trata de visão ingênua a respeito do
universo econômico, mas da constatação de que no mundo contemporâneo marcado pelo
capitalismo como forma hegemônica de relações econômicas, pela globalização e imprescindível
inter-relação com blocos econômicos e por empresas transnacionais, o meio mais eficiente para
dar suporte a transação entre diferentes culturas e interesses econômicos é a ação marcada pela
ética, transparência e confiança.
O contrário disso serão tantos conflitos a serem dirimidos que a troca comercial globalizada
ficará inviável e, certamente, comprometerá severamente o avanço tecnológico e a circulação de
riquezas no mundo.
A prática ética é essencial para a formação e execução dos contratos de seguro e, por essa
razão, é importante reafirmar que a boa-fé é elemento essencial para esses contratos muito mais
do que qualquer outro elemento, o que explica que o Código Civil brasileiro além de determinar a
boa-fé objetiva e a probidade como cláusulas gerais para todos os contratos, artigo 422, reforçou a
importância para os contratos de seguro quando determinou novamente, desta feita no artigo 765,
a exigência de boa-fé e veracidade, de forma estrita, na relação entre segurados e seguradoras.
(...), o dever de boa-fé – ao qual a lei vincula também o de veracidade – não equivale ao assentamento
na cláusula geral do direito contratual. Ele comporta um elemento específico, próprio do contrato de
seguro. Quando a lei fala em estrita boa-fé dos contratantes do seguro, está dando ênfase à relevância da
conduta deles para interesses de sujeitos estranhos ao contrato em negociação ou execução. O
descumprimento desse dever pelo proponente não prejudica apenas os interesses da seguradora, mas
pode repercutir negativamente nos demais segurados da mesma carteira. O proponente de má-fé que
mente para a seguradora, impede o cálculo adequado do risco e do prêmio. Com isso, os recursos que
alimentam o fundo de socialização podem, no final, ser insuficientes ao atendimento de todos os
interesses cobertos.
Os contratos de seguro são quase sempre individuais, mas o fundo que os sustenta, o
mutualismo, é coletivo e formado pela contribuição de milhares de pessoas que muitas vezes e, em
sua grande maioria, não receberão nenhuma indenização ao longo do período de vigência porque
não terão nenhum risco previsto materializado e resultando em danos. Essas pessoas
contribuíram para ter a garantia de que existiriam valores suficientes para a indenização, caso
esta fosse necessária. Se um dos componentes da mutualidade agir com má-fé ou, sem veracidade
nas informações, comprometerá a solvência de toda a estrutura econômica e financeira
arquitetada para sustentar a mutualidade.
É exatamente por isso que a cláusula geral de função social, prevista no artigo 421 do Código
Civil, tem contornos específicos quando se trata de sua aplicação aos contratos de seguro. A função
social como razão e limite dos contratos se aplica em respeito a toda a sociedade e, nos contratos
de seguro, em razão da necessária proteção e respeito aos contratantes que contribuíram para a
formação da mutualidade, aplica-se com substancial ênfase e necessidade.
Função social dos contratos é cláusula geral que limita a atividade contratual no sentido de
proteger interesses que são relevantes para toda a sociedade e, por isso, não podem ser agredidos
pelas partes contratantes. Assim, nenhum contrato privado poderá, por exemplo, fixar cláusulas
que firam as disposições de proteção ao meio ambiente ou, que frustrem a proteção do
consumidor.
É nessa dimensão que a função social dos contratos de seguro é duplicada: a uma, porque se
aplica a toda a sociedade na medida em que esses contratos jamais poderão conter cláusulas que
firam o interesse público; e, além disso, porque não poderão ferir especificamente os interesses
metaindividuais da mutualidade, consubstanciada na comunidade que contribuiu para a
formação do fundo mutual. Desse modo, não poderá um seguro de riscos ambientais conter
cláusula que cubra os danos decorrentes de contaminação intencional de rio, ou, um seguro de
responsabilidade civil conter cláusula que dê cobertura para riscos de acidentes a empregados
decorrentes de intencionalidade do empregador ou, de total e absoluta inércia na adoção de
medidas protetivas previstas por lei; ou, ainda, que preveja a reparação de danos decorrentes de
acidente de trânsito causado por condutor segurado que guiava embriagado.
Em todas essas situações não está presente apenas a ofensa à sociedade, mas, também, estará
presente a ofensa à coletividade que contribuiu para a formação do fundo mutual, que tem direito
de não disponibilizar recursos para pagamento de indenizações decorrentes de atos que,
inequivocamente, ferem os interesses dos que dispensaram recursos para a formação da
mutualidade.
Sinistro é outra expressão técnica utilizada nas operações de seguro que costuma dificultar a
compreensão, embora seja mundialmente utilizada nesse setor de atividade econômica.
A regulação de sinistro é uma das fases mais técnicas e complexas da relação contratual de
seguro. Ela ocorre sob comando do segurador, deve ser acompanhada de forma diligente e
colaborativa pelo segurado, a quem compete fornecer dados e documentos necessários para a
compreensão da forma como o risco se materializou e para a aferição dos valores necessários para
a indenização. Nesse momento, a boa-fé entre segurado e segurador é fundamental, em especial do
segurado para com o segurador, porque compete a ele, e a mais ninguém, fornecer todos os dados
necessários para a perfeita compreensão do fato e de suas consequências danosas. Como a
indenização será paga pela mutualidade, o dever de boa-fé se avulta.
O contrato de seguro não pode trazer nenhum benefício para os segurados, nenhum sinistro
pode se constituir em lucro para o segurado. Os valores a serem indenizados deverão ser aqueles
que correspondam rigorosamente a reposição do interesse legítimo atingido pelo risco. Não há
fundamento para que o segurado seja indenizado em valor superior àquele apurado como dano,
porque isso seria uma agressão contra o fundo mutual. A apuração técnica e rigorosa da extensão
dos danos deve ser feita com a contribuição de peritos, em especial nos casos mais complexos,
como nos danos decorrentes de riscos de engenharia, de transporte, incêndio, responsabilidade
civil, por exemplo. Nos seguros de automóvel esses cálculos são menos complexos, embora nem
sempre as partes, segurador e segurado, concordem de imediato sobre os valores apontados como
prejuízo.
A regulação de sinistro deve ocorrer durante o período de tempo necessário para que sejam
apurados corretamente os valores a serem indenizados, porém o segurador tem o dever de manter
o segurado informado sobre as etapas da regulação, em especial porque a necessidade de
reparação dos danos é sempre urgente, quer seja o segurado pessoa física ou jurídica.
O tempo necessário para a regulação técnica e correta deve ser respeitado, porém o segurado
não pode esperar indefinidamente pela conclusão. Nesse sentido, a Superintendência de Seguros
Privados – SUSEP, órgão fiscalizador do setor de seguros e executor das determinações do Conselho
Nacional de Seguros Privados – CNSP, determina que as seguradoras tenham, no máximo, 30 dias
para indenizar os segurados, contado o prazo da data de entrega de todos os documentos
necessários para a regulação.6
Poderá ocorrer, ainda, embora não seja frequente e nem recomendável do ponto de vista
prático, que o segurador reponha o bem segurado, objeto do interesse legítimo do segurado. Nesses
casos, o segurado deverá concordar com o bem oferecido, avaliar se o bem oferecido é compatível
com aquele que se perdeu e, nessa medida, se ele cumpre com perfeição o dever de reposição.
O valor da indenização a ser paga pelo segurador deve ser exatamente igual à extensão dos
danos comprovadamente sofridos pelo bem segurado, porque nenhuma modalidade de seguro
pode ser fonte de lucro para o segurado ou, para terceiro. Essa regra não se aplica aos seguros de
pessoas, vida ou acidentes pessoais, em que o valor fixado para o limite máximo da apólice não
corresponde ao valor econômico do bem segurado, porque a vida e as consequências dos acidentes
no físico da vítima não podem ser fixadas a partir de valores econômicos como os bens de
produção e consumo, ou, os bens de capital.
Nas situações mais complexas para avaliação da extensão dos danos é que o contrato de seguro
se caracteriza como contrato que impõe verdadeira colaboração entre as partes contratantes,
porque somente o segurado e/ou seus representantes legais reúnem condições para fornecer os
dados objetivos necessários para o cálculo do valor a ser indenizado. Nenhum perito por mais
experiente e preparado que seja, terá condições de efetuar avaliações e cálculos se não dispuser de
dados, muitos dos quais se encontram facilmente identificáveis em documentos contábeis e
empresariais, enquanto outros dependem, exclusivamente, da informação do segurado e/ou seus
prepostos e representantes legais.
Essa colaboração no momento da regulação do sinistro, para que seja realizado o pagamento da
indenização dos danos comprovados, é parte do dever de conduta de boa-fé e veracidade
determinado pelo Código Civil brasileiro e, por todas as legislações contemporâneas que regulam
as obrigações contratuais. Não é viável regular sinistro e indenizar de forma correta sem que as
partes, segurador e segurado, colaborem mutuamente para que o objetivo seja alcançado.
A cautela empregada pelo segurador na análise das informações recebidas e dos documentos
disponibilizados, só se justifica em razão da prática da boa-fé em relação ao próprio segurado, bem
como em relação ao grupo de segurados que contribuiu para a formação do fundo mutual de onde
serão utilizados valores econômicos para custear a indenização.
A cautela não pode ser excessiva a ponto de criar dificuldades para o pagamento dos valores
indenitários, da mesma forma como não pode ser colocada de lado como se fosse apenas uma
responsabilidade menor do segurador. Ao contrário, é obrigação essencial do segurador verificar
se o sinistro ocorrido tem cobertura no contrato firmado entre as partes, qual a exata extensão dos
danos e quais os valores deverão ser indenizados. Essa obrigação é parte fundamental dos dois
mais relevantes deveres do segurador: organizar e administrar o fundo mutual que fornecerá os
valores necessários para o pagamento das indenizações. Utilizado de forma indevida o fundo
mutual não terá os recursos necessários e, nesse caso, o segurador poderá e deverá ser punido pelo
comprometimento da solvência do fundo mutual.
3.4.Prêmio de seguro
Prêmio é o valor que o segurado paga para a seguradora. Após o pagamento do prêmio o
contrato de seguro tem início de vigência, normalmente, por um ano, embora possam existir
contratos com prazo superior a esse.
O prêmio é calculado a partir de cálculos estatísticos que mapeiam a quantidade de vezes que
um determinado risco já se materializou e, quais os valores de danos que ele gerou. Também é
fundamental a análise do número de participantes necessários para que o fundo mutual tenha
solvência. Após essa análise, é necessário calcular uma margem de segurança que será acrescida
ao valor do prêmio original, também denominado como prêmio puro.
Finalizado o trabalho técnico estatístico e atuarial, é preciso carregar o prêmio com o valor das
despesas administrativas da empresa seguradora e, com as despesas de comercialização do seguro.
Nas primeiras – despesas administrativas –, se incluem também os tributos; e nas segundas, o valor
da comissão de corretagem dos corretores de seguro, quando a distribuição for realizada por eles.
Ao final, teremos o prêmio a ser pago por cada segurado de forma antecipada, antes mesmo da
emissão da apólice de seguro, embora a legislação brasileira não obrigue o pagamento antecipado;
mas, sim tempestivo, o que significa que pode ocorrer até mesmo depois da ocorrência do sinistro
em situações específicas, embora isso não seja a regra.
Do montante de prêmios pagos pelos segurados sairão os recursos para formação do fundo
mutual, necessário para o pagamento de indenizações aos segurados e/ou terceiros quando
ocorrerem os riscos cobertos pelo contrato; e, os recursos necessários para pagamento de despesas
administrativas das seguradoras, comissão de segurados, tributos incidentes sobre todas as
atividades do setor e, a margem de lucro adotada pelo segurador.
O corretor de seguros poderá ser uma pessoa física ou jurídica e, em ambas as hipóteses,
deverá estar autorizado a operar nessa área por meio de registro junto ao órgão regulador, a
Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, que defere a inscrição mediante comprovação de
aprovação em exame técnico composto por questões de múltipla escolha.
Por força de lei, o corretor de seguros não poderá ser empregado do segurador, devendo
manter total independência em relação a este. A ideia original é de que o corretor de seguros é um
comprador de seguros, ou seja, aquele que procura no mercado o melhor serviço de seguro
disponível para os riscos que seu cliente, o segurado, precisa cobrir por meio de um contrato. O
corretor de seguros é a pessoa que busca a melhor contratação para o segurado e, exatamente por
isso, é livremente escolhido por ele, embora no sistema brasileiro os corretores de seguros devam
ser previamente cadastrados nas seguradoras para que possam operar com serviços que elas
disponibilizam para o mercado.
Durante muito tempo, os corretores de seguros atuaram de forma quase exclusiva no mercado
brasileiro. Na atualidade, a diversidade dos serviços de seguro encontrados e, o avanço tecnológico
provocaram profundas modificações.
Na atualidade, os seguros são distribuídos também e com frequência, por canais como agentes
de seguro, representantes e, ainda, por via direta.
Agentes de seguro são pessoas que trabalham para uma seguradora, mediante vínculo de
exclusividade, quase sempre empregatício e que, portanto, apresentam ao segurado apenas
serviços de seguro de uma determinada seguradora.
Venda direta tem ocorrido, no Brasil, principalmente, por meio da rede mundial de
computadores. Quase sempre se destina a distribuição de seguros massificados, como o seguro de
automóvel, por exemplo. O segurado acessa o portal da seguradora na rede mundial de
computadores, preenche os sucessivos campos com os dados solicitados pelo segurador e, efetua o
pagamento do prêmio por intermédio de cartão de crédito. Realiza toda a operação de contratação
sozinho e com resposta imediata à proposta apresentada, finalizando com o pagamento e o
recebimento de comprovante, bem como de endereço eletrônico para acesso à apólice. Na área dos
seguros massificados, como automóvel, vida e acidentes pessoais, por exemplo, os estudos
econômicos e de comportamento indicam que essa será a forma de distribuição mais praticada,
em rigorosa consonância com o espírito de praticidade que é traço importante do comportamento
das gerações mais jovens da sociedade.
Nenhuma seguradora no Brasil possui oficina reparadora de danos a veículos, nem hospitais
para prestação de serviços de saúde a seus segurados. Também não possuem reparadoras para
aparelhos celulares ou, para máquinas industriais. Elas possuem empresas cadastradas,
previamente selecionadas, para realizarem as tarefas necessárias para atender os ditames do
contrato firmado entre segurador e seguro.
Assim, ocorrido um sinistro com uma máquina industrial de grande porte, o segurado
comunica seu corretor de seguros ou, a seguradora diretamente, para que ela envie ao local um
perito para a avaliação do fato e da extensão dos danos, o que vai gerar um relatório de sinistros
essenciais para que a seguradora decida pelo pagamento ou pela recusa e, sendo decidido pelo
pagamento da indenização dos danos, de que forma isso será feito (com a reposição da máquina
ou, indenização em dinheiro).
Em razão da diversidade de fatos que podem ocorrer, o perito quase sempre é um terceiro
contratado para realizar aquela tarefa em caráter de prestação de serviços, ou seja, não é um
empregado da seguradora porque esta não conseguiria manter em seu quadro de colaboradores a
diversidade necessária de peritos que são habitualmente utilizados nas operações usuais de
seguro. São peritos em mecânica, elétrica, materiais, funcionamento de sistemas específicos (como
caldeiras e vasos sob pressão), física (para estudo dos movimentos de veículos no momento da
colisão), médicos (para exercício da atividade de auditoria), entre outras dezenas de hipóteses de
experts contratados para atuar nos trabalhos de regulação de sinistro.
6.Regulação em seguros
Trata-se, portanto, de setor fortemente regulado e com limites muito severos para práticas
econômicas, financeiras e concorrenciais, o que de certa forma tem sido positivo porque existem
poucos registros de liquidação judicial ou extrajudicial de seguradoras nos últimos anos no Brasil.
Isso contribui para a credibilidade da atividade de seguros e, consequentemente, para que os
contratantes de todos os portes tenham confiança de que a atividade sustenta adequadamente os
compromissos que assume.
A confiança dos contratantes tem repercussão econômica e social. No primeiro caso, porque
viabiliza maior quantidade de negócios e, no segundo, porque o setor está identificado como meio
de garantia de pagamento de indenizações em momentos sensíveis da trajetória de vida das
pessoas comuns, como a morte de esposo (a), danos físicos decorrentes de acidentes pessoais,
danos materiais decorrentes de incêndios, furtos, roubos ou outros, indenização de despesas de
funeral, entre outras situações em que o seguro viabiliza resposta positiva para necessidades
essenciais.
Programas de compliance em qualquer setor econômico se inserem no bojo das boas práticas de
governança corporativa. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários e a Bolsa de Valores de São
Paulo7 definem governança corporativa como:
CMV – governança corporativa é o conjunto de práticas que têm por finalidade otimizar o
desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores,
empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas de governança corporativa
aplicadas ao mercado de capitais envolve, principalmente: transparência, equidade de tratamento dos
acionistas e prestação de contas.
Assim, é correto afirmar que a atividade de compliance no âmbito das atividades de seguro é
muito mais relevante do que em outras atividades econômicas. No setor de seguros, o compliance é
responsável por garantir a prevenção contra atos e práticas que possam colocar em risco não
apenas a solvência da companhia; mas, também, a sustentabilidade dos fundos mutuais que
compete às companhias de seguro organizar e administrar.
O mapeamento de riscos nos compliance do setor de seguros vai além da identificação das
possibilidades de fraude, corrupção e lavagem de dinheiro. Passa, necessariamente, pela tarefa de
se certificar de que as regras serão claras a respeito da utilização dos recursos de reservas
técnicas, reservas da própria empresa e recursos a serem pagos aos acionistas a cada exercício.
São múltiplos e diferentes valores financeiros a serem corretamente administrados, para
finalidades específicas e que em nenhuma hipótese, poderão ser confundidos. Nenhuma forma de
desvio de finalidade pode ser admitida na gestão dos recursos, o que, evidentemente, impõe regras
claras e devidamente aprovadas pelo conselho de administração das empresas.
Além disso, na atividade de seguro, as normas éticas são essenciais em todas as etapas do
negócio, mas muito em especial no relacionamento com terceirizados e prestadores de serviços,
em razão do fato de ser uma atividade em rede que depende do trabalho externo para atingir
finalidades previstas nos contratos. É a oficina que repara o veículo e não a seguradora; é o
hospital que atende o usuário e não o plano de saúde. Por essa razão, evitar que recursos sejam
desviados em fraudes, máfias de fornecedores de produtos, serviços, equipamentos e
medicamentos, entre outros, é de extrema relevância para os departamentos de compliance em
seguros.
Mas o regramento ético também é essencial para o relacionamento com os órgãos de regulação
do setor e, como vimos, são muitos e diversificados. É fundamental, ainda, para o relacionamento
entre os colaboradores das próprias empresas e, destas com os canais de distribuição (corretores
de seguro e agentes).
O Regulamento Europeu é bastante claro no que respeita aos danos e a obrigação de indenizá-
los. O artigo 82 – Direito de Indenização e Responsabilidade – estabelece que qualquer pessoa que
tenha sofrido danos materiais ou imateriais, devido a uma violação do regulamento, tem direito a
receber uma indenização do responsável pelo tratamento ou do subcontratante pelos danos
sofridos. E no item 83, o Regulamento determina que a fim de preservar a segurança e evitar
violação, o responsável pelo tratamento ou o subcontratante deverá avaliar os riscos implicados e
adotar medidas que o atenuem. As medidas deverão assegurar adequado nível de segurança, em
especial a confidencialidade, levando em conta as técnicas mais avançadas e os custos de sua
aplicação em função dos riscos e da natureza dos dados pessoais a serem protegidos.
8.Conclusão
A atividade de seguros é bastante específica e possui elementos que a tornam única. Isso exige
que as diferentes áreas que atuam nas seguradoras estabeleçam regras e diretrizes seguras de
ação, integradas por ações que devem ser coordenadas pelos programas de compliance.
Para esse engajamento é essencial que sejam vencidas as barreiras que, por vezes, identificam
o compliance como mais uma área de restrição à liberdade negocial, em um setor econômico
sobejamente regulado e que até recentemente, em sua história no Brasil, atuou com precificação e
clausulado de apólices predeterminados por órgãos federais. A liberdade de atuação tem um
significado importante para o segmento de seguros e, em decorrência, tudo o quanto possa
significar restrição a ela é recepcionado de maneira negativa.
Cumpre aos gestores de programas de compliance superar essa resistência interna e externa,
por meio de diálogo qualificado a ser construído nos programas de capacitação e no engajamento
das diversas áreas.
9.Referências Bibliográficas
BERNSTEIN, Peter L. Desafio aos Deuses. A fascinante história do risco. Rio de Janeiro: Campus,
1997.
COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2005.
SILVA, Edson Cordeiro. Governança corporativa nas empresas. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
NOTAS DE RODAPÉ
1
Doutora em Direito Político e Econômico. Doutora em Educação. Mestre em Direito Civil. Mestre em
História Contemporânea. Docente na Universidade Paulista – UNIP e na Universidade Metropolitana de
Santos – UNIMES. Pós-Doutor em Direito Constitucional pela PUC do Rio Grande do Sul.
BERNSTEIN, Peter L. Desafio aos Deuses. A fascinante história do risco. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 8.
COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 342.
A liquidação dos sinistros deverá ser feita num prazo não superior a 30 dias, contados a partir da entrega
de todos os documentos básicos apresentados pelo segurado ou beneficiário(s). A contagem do prazo
poderá ser suspensa quando, no caso de dúvida fundada e justificável, forem solicitados novos
documentos, voltando a correr a partir do dia útil subsequente àquele em que forem completamente
atendidas as exigências pelo segurado ou beneficiário. É essencial que o segurado ou beneficiário solicite à
sociedade seguradora o devido protocolo que identifique a data do recebimento do aviso de sinistro e
respectivos documentos. Disponível em: [www.susep.org.br]. Acesso em: 23.01.2017.
SILVA, Edson Cordeiro. Governança corporativa nas empresas. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 33.