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FACULDADE DAMÁSIO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO

DIGITAL

GILBERTO SILVA XAVIER JÚNIOR

RESPONSABILIDADE CIVIL DO UBER


Responsabilidade do Uber nos acidentes de trânsito

São Paulo
2017
FACULDADE DAMÁSIO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO
DIGITAL

GILBERTO SILVA XAVIER JÚNIOR

RESPONSABILIDADE CIVIL DO UBER


Responsabilidade do Uber nos acidentes de trânsito

Monografia apresentada à Faculdade


Damásio, como exigência parcial para obtenção
do título de Especialista em Direito Digital, sob
orientação da professora Maria Fernanda Soares
Macedo.

São Paulo
2017
GILBERTO SILVA XAVIER JÚNIOR

RESPONSABILIDADE CIVIL DO UBER: Responsabilidade do Uber nos acidentes de


trânsito

TERMO DE APROVAÇÃO

Esta monografia apresentada no final do


Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito
Digital, na Faculdade Damásio, foi considerada
suficiente como requisito parcial para obtenção
do Certificado de Conclusão. O examinado foi
aprovado com a nota ________.

São Paulo, 3 de agosto de 2017.


AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo amor irrestrito e pelos sonhos não realizados em prol de um futuro
melhor para os filhos.

A minha amiga Rosângela, pela amizade, pela compreensão, pelo respeito, por ter estado
comigo tanto tempo me apoiando e incentivando

Ao Senhor dos Exércitos, por me guardar debaixo de Suas santas e poderosas mãos todos
os momentos da minha vida.
As pessoas que vencem neste
mundo são as que procuram as
circunstâncias de que precisam e,
quando não as encontram, as
criam (Bernard Shaw).
RESUMO

Consiste na apresentação dos pontos relevantes de um texto. O resumo deve dar uma
visão rápida e clara do trabalho; constitui-se em uma sequência de frases concisas e objetivas e
não de uma simples enumeração de tópicos. Apresenta os objetivos de estudo, o problema, a
metodologia, resultados alcançados e conclusão. Deve ser digitado em espaço simples e sem
parágrafos, com no mínimo 150 palavras, não ultrapassando 500 palavras.

Palavras-chave: São palavras representativas do conteúdo do trabalho, separadas entre


si por ponto e vírgula.
ABSTRACT

It consists of the presentation of the excellent points of a text. The summary must give
a fast and clear vision of the work; one consists in a sequence of concise and objective phrases
and not of a simple enumeration of topics. It presents the reached objectives of the study,
problem, methodology, results and conclusion. It must be typed in simple space and without
paragraphs, no exceeding the 500 words.

Key words: They are representative words of the contend of the work, separate between
itself for point and comma.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 9

1. RESPONSABILIDADE CIVIL NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ................................ 15

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................... 16


1.2 REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................................................................ 20
1.3 CLASSIFICAÇÃO DO RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................................................. 22
1.4 – RESPONSABILIDADE CIVIL POR DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO ............................................. 28
1.5 – RESPONSABILIDADE CIVIL NO MARCO CIVIL DA INTERNET............................................................. 30
1.6 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO UBER................................................................................................ 33

2. NATUREZA DA ATIVIDADE EMPRESARIAL DO UBER À LUZ DO CDC.............. 34

2.1 – ATIVIDADE EMPRESARIAL DO UBER ................................................................................................ 36


2.2 – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DO UBER À LUZ DO CDC ........................................................................ 40

3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO UBER NOS ACIDENTES DE TRÂNSITO ........... 47

3.1 CONTRATO DE TRANSPORTES ............................................................................................................. 47


3.2 REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO UBER............................................. 51

CONCLUSÃO............................................................................................................................. 52

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 53
INTRODUÇÃO

Com a evolução tecnológica o homem, ao longo de sua história, encontrou novas maneiras
de locomoção, do simples caminhar aos veículos de combustão interna, a velocidade e a forma
dos meios transportes mudaram drasticamente ao longo dessa trajetória.

Com a urbanização e os movimentos populacionais do século XX, advindos da revolução


industrial, o homem passou a morar em cidades cada vez maiores e mais complexas, verdadeiras
regiões metropolitanas, o que demandou investimentos nas áreas de saneamento, eletricidade e
transporte dentre outras.

A fim de solucionar o problema causado pelo movimento pendular da massa de


trabalhadores residentes nas regiões metropolitanas e assegurar a velocidade desse transporte, tão
caro a atividade industrial, o Estado passou a fomentar o desenvolvimento do transporte, inclusive
o coletivo.

A importância do transporte para o cidadão é tamanha que foi alçado à categoria de direito
social:

“Direitos Sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-


se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um
Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida
aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são
consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da
Constituição Federal”.1

E, no Brasil, o direito fundamental ao transporte foi albergado pela Constituição Federal


de 1988, a partir da Emenda Constitucional no 90, de 15 de setembro de 2015, que, com a nova
redação do art. 6º, garante ao cidadão brasileiro o direito ao transporte:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o


trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma

Moraes, Alexandre de Direito constitucional / Alexandre de Moraes. – 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95,
1

de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017, p. 164


desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de
2015)2

Ocorre que, apesar de alçado ao patamar de direito fundamental e de ser um tema de


extrema relevância política e econômica, a forma de transporte do homem, dentro das urbes, pouco
mudou no decorrer do século XX.

Até bem pouco atrás, os meios de locomoção dentro das grandes cidades e regiões
metropolitanas se resumiam ao transporte individual (carro próprio) e ao transporte coletivo
(ônibus, metrô e táxis), este último se apresentando como uma forma de transporte altamente
regulamentada, ineficiente e cara àqueles a que se destinam.

A situação dos meios de transportes disponíveis nas grandes cidades ao redor do mundo
como: São Paulo, Tóquio, Nova Iorque, Londres dentre outras, começou a passar por uma
mudança profunda com a inovação trazida pelo Uber.

O Uber é um típico exemplo da inovação disruptiva advinda da economia de


compartilhamento, sobre o assunto pontua-se as palavras de Rachel Lopes Telésforo:

“A economia de compartilhamento, nesse sentido, decorre da união de


diversas necessidades sociais, dentre elas, crises econômicas, e de facilidades
tecnológicas38: nasce da confluência de diversas demandas e tendências
econômicas e sociais, e mais importante, de um conjunto de inovações
tecnológicas. De um lado, consumidores cada vez mais conscientes, que
preferem alugar a comprar e de outro, um sistema tecnológica que permite isso.

Com o incremento da urbanização e o aumento da quantidade de


pessoas nas áreas urbanas, torna-se cada vez mais fácil encontrar com quem
compartilhar serviços e produtos, criando, assim, oportunidades de aluguel e
negócios”3

Concebido como uma plataforma que liga diretamente o usuário final ao prestador de
serviço permitindo o que se convencionou chamar de “carona remunerada”, o Uber inovou o meio

2
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Disponível em:<http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/>. Acesso em: 20 Jul 2017.
3
Telésforo, Rachel Lopes Uber: inovação disruptiva e ciclos de intervenção regulatória / Rachel Lopes
Telésforo. – 2016. 107 f, p. 29.
de transporte individual, ao mesmo tempo levou a concorrência ao mercado de transporte coletivo,
principalmente aos táxis, acostumado a décadas com o oligopólio sob as vistas do poder público.

A diferenciação entre os serviços de táxi e o Uber e os efeitos da concorrência foram bem


explicitadas na Tabela I, da dissertação de Mestrado de Telésforo:

VANTAGENS INTRODUZIDAS
COMPARAÇÃO DE
UBER TÁXI APÓS ENTRADA DO UBER NO
ATIVIDADES
MERCADO
Rádio Táxi/Fila de
Via aplicativo –
Método de contratação táxis/ Táxis nas
Smartphones
ruas/Aplicativos

Taxistas passaram a introduzir o


Formas de pagamento Cartão de crédito Em espécie
pagamento por cartão de crédito, como
forma de concorrer com o aplicativo
Atendimento:
Conforme Passou a ser possível avaliar por meio
Sistema de notas
regulamentação de de notas o serviço, o que incentiva o
por meio do
Limpeza/ Segurança/ normas, em geral incremento na qualidade da atividade,
aplicativo.
emitidas pela já que retira imediatamente do serviço
prefeitura condutores e/ou veículos inadequados

Incentivo ao compartilhamento de
Compartilhamento de Modalidade:
N.A. veículos por passageiros que desejam ir
veículos Uber pool.
à locais similares, com divisão de
valores pagos
Passou a ser possível verificar o tempo
Informações acerca do
para chegada ao destino, bem como o
translado e tempo de N.A.
GPS System preço a ser pago. Possível “seguir” a
serviço
movimentação de motoristas no mapa
até o local de embarque
Carro próprio, Sujeito à licença da
Introdução do mecanismo “seja seu
avaliado pela prefeitura. Alugado
Veículos chefe” no mercado, em desvinculação à
empresa. da companhia de táxi
emissão de licenças.
Sujeitos ao sistema
Independentes – Em momentos de crise econômica,
de permissão e
Motoristas cadastrados ao aumenta a procura pela prestação da
concessão de
aplicativo atividade, garantindo aumento na
licenças
capacidade econômica
Regras fixas
Regulação Não definida –
estipuladas pela
área cinzenta.
prefeitura
Tarifas pagas ao
Preços Bandeirada Tarifas de 15% a 50% mais baratas que
aplicativo
os táxis comuns
Economia de Foram inseridas no mercado novas
Inovação N.A.
compartilhamento ferramentas tecnológicas

FONTE: Adaptado da TABELA I – Comparação de atividades Uber e Táxis4

4
Telésforo, Rachel Lopes Uber: inovação disruptiva e ciclos de intervenção regulatória / Rachel Lopes
Telésforo. – 2016. 107 f. p. 22.
A despeito de toda inovação que trouxe ao mercado de transporte e da celeuma jurídica
acerca da legalidade e necessidade de regulamentação dos serviços prestados pelo Uber é fato que,
hoje, ele é um dos meios de transporte com melhor custo benefício disponíveis aos moradores das
grandes cidades ao alcance de um celular e é justamente essa realidade e as consequências dessa
atividade que se pretende estudar neste trabalho monográfico.

Apesar de ser um típico exemplo da economia de compartilhamento e de inovação


tecnológica, o Uber é uma empresa que, como qualquer outra empresa, desde as corporações de
ofício, tem por objetivo precípuo organizar e utilizar meios e pessoas para aferição de lucro. Nesse
sentido, verifica-se que o escopo desta monografia é estudar a responsabilidade do Uber nos
acidentes de trânsito decorrentes de sua atividade empresarial.

Portanto, não se fará aqui maiores ilações acerca da legalidade do aplicativo, o foco será
precisamente as consequências jurídicas de suas atividades, mormente, a responsabilidade civil
oriunda dos acidentes de trânsito que envolvam motoristas do Uber.

A importância deste estudo advém da postura do Uber em se eximir e limitar as


responsabilidades advindas de sua atividade empresarial, conforme se verifica na cláusula 5, do
seu Termo de Uso e, paradoxalmente à toda inovação realizada nos meios de transporte, afirmar
constantemente que é um aplicativo que proporciona a comunicação entre o cliente e o prestador
terceiro independente, como bem ressaltado, em letras garrafais, na cláusula 2, do Termo de Uso:

“VOCÊ RECONHECE QUE A UBER NÃO É FORNECEDORA DE


BENS, NÃO PRESTA SERVIÇOS DE TRANSPORTE OU LOGÍSTICA, NEM
FUNCIONA COMO TRANSPORTADORA, E QUE TODOS ESSES SERVIÇOS
DE TRANSPORTE OU LOGÍSTICA SÃO PRESTADOS POR PRESTADORES
TERCEIROS INDEPENDENTES QUE NÃO SÃO EMPREGADOS(AS) E NEM
REPRESENTANTES DA UBER, NEM DE QUALQUER DE SUAS
AFILIADAS”5.

Ocorre que ao mesmo tempo verifica-se que o aplicativo é vendido de forma que passa a
ideia ao consumidor de que o Uber provê os serviços de transporte.

Nos Estados Unidos, país mundialmente reconhecido pela prática da advocacia


indenizatória, em uma rápida pesquisa pela internet, constata-se a existência, cada vez maior, de

5
UBER. Termo de Uso. Disponível em <https://www.uber.com/pt-PT/legal/terms/br/>. Acesso em: 15 JUL
17.
escritórios de advocacia protestando pela responsabilidade do Uber em acidentes envolvendo
motoristas do aplicativo, apesar da inexistência de jurisprudência ou leis sobre o tema, tendo em
vista que as atividades desenvolvidas pelo Uber e as implicações decorrentes são recentes, como
natural das tecnologias disruptivas.

“Whether Uber will be held responsible in a negligence lawsuit is


unknown. Issues of liability concerning ride sharing companies are relatively
new. While taxi or bus companies may be held liable for the actions of their
drivers, it is unknown whether such laws will apply to Uber. As these types of
services proliferate, it is likely that accidents will as well”6

“Though rideshare options like Lyft and Uber boast cheaper rates and
safer alternatives for those that need designated drivers on a whim or safe
transportation late at night, there are many negatives to this new trend. The
main contentious issue is liability in these types of accidents. Is the driver alone
at fault, or is Uber liable as well? What if the accident happened while the Uber
driver was signed into the app, but wasn't transporting passengers?”7

Dessa forma, se faz necessário estudar à luz da legislação brasileira, a responsabilidade do


Uber decorrente dos acidentes de trânsito envolvendo motoristas do aplicativo, para tanto, utilizar-
se-á como metodologia o método dedutivo, pois será analisado o problema do geral para o
particular, no caso concreto iniciar-se-á com o estudo da responsabilidade civil pela prestação do
serviço até o objeto deste trabalho que é a responsabilidade civil do Uber decorrente de acidentes
de trânsito.

Neste trabalho monográfico procurar-se-á usar a pesquisa bibliográfica da doutrina,


artigos, páginas na internet, leis e jurisprudências sobre o assunto.

Assim, no primeiro capítulo será analisado a responsabilidade na civil na prestação de


serviços, verificar-se-á a diferenciação da responsabilidade objetiva e subjetiva será feito um
apanhado geral sobre o tema e uma análise mais aprofundada da responsabilidade advinda da
prestação de serviços com enfoque no setor de transportes.

6
Bostwick & Peterson. Fatal Uber Car Accident Raises Questions of Liability. Disponível em:
<http://www.bostwickfirm.com/Personal-Injury-Blog/2014/January/Fatal-Uber-Car-A…> Acesso em: 17 JUL 17.
7
McGEE, Lerer and Associates. Uber Accident Liability. Disponível em:
<http://www.pasadenapersonalinjurylawfirm.com/Personal-Injury/Car-Accidents/Uber> Acesso em: 17 JUL 17.
No segundo capítulo será estudado a natureza da atividade empresarial do Uber à luz do
Código de Defesa do Consumidor, tentar-se-á definir qual o serviço prestado pelo aplicativo, por
meio do estudo do seu Termo de Uso, da relação Uber-motorista e da relação Uber-cliente,
principalmente no tocante as propagandas veiculadas pela empresa, além de breve explanação
sobre os riscos da atividade empresarial.

Por fim, no terceiro capítulo estudar-se-á a responsabilidade civil do Uber nos acidentes
de trânsito, com foco na legislação e jurisprudência pátrias não se olvidando do uso do direito
comparado quando cabível, após o qual será apresentado as conclusões deste trabalho
monográfico.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Antes de se adentrar no tema do capítulo propriamente dito: a responsabilidade civil na


prestação de serviços, cumpre pontuar alguns aspectos importantes acerca da responsabilidade
civil, principalmente acerca de sua evolução histórica e o conceito que esse instituto adquiriu no
século XXI.

Inicialmente, cabe fazer alusão a definição jurídica de responsabilidade:

“Responsabilidade, para o Direito, nada mais é portanto, que, uma


obrigação derivada – um dever jurídico sucessivo – de assumir as
consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar
(reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo
com os interesses lesados.8

Cumpre ressaltar que o mesmo fato jurídico latu sensu pode ensejar a responsabilidade
civil, administrativa ou penal, que, como sobejamente consagrado na doutrina e jurisprudência,
são independentes entre si.

Como já explicitado o objetivo deste trabalho monográfico é definir a responsabilidade


civil do Uber decorrentes do acidente do trânsito, dessa forma, não será escopo desta monografia
a responsabilidade administrativa ou penal do Uber.

No entanto, para se estudar a responsabilidade civil do Uber, além de estudar a evolução


histórica do instituto e seu conceito atual, se faz necessário o estudo de três aspectos que servirão
como base para o deslinde do problema apresentado.

A responsabilidade civil na prestação de serviços sob o enfoque do código civil, do código


de defesa do consumidor e do Marco Civil da Internet. É de bom alvitre ressaltar que os diplomas
legais em tela foram promulgados em diferentes épocas e, em seu bojo, verifica-se a ideia do que
seria a responsabilidade civil para a sociedade de seu tempo.

Embora, algumas vezes pareçam se contradizer, ora se complementar, o estudo da


responsabilidade civil sob o prisma dos diversos ramos do direito está na natureza do direito
digital:

8
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direto civil, volume III: responsabilidade civil/ Pablo Stolze
Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho – 8ª ed. rev. e atual. – São Paulo, Saraiva, 2010, p. 45
“O Direito Digital consiste na evolução do próprio Direito, abrangendo
todos os princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados
até hoje, assim como introduzindo novos institutos e elementos para o
pensamento jurídico, em todas as suas áreas”9

A natureza das atividades da Uber ultrapassa o universo virtual não se trata de prestação
de serviços ou compra e venda de bens imateriais, a complexidade de suas atividades negociais e
a sua natureza disruptiva nos meios de locomoção, se refletem na interdisciplinaridade do estudo
de sua responsabilidade.

1.1 Evolução histórica do conceito de responsabilidade civil


A noção de responsabilidade civil, assim como a humanidade, se desenvolveu ao longo da
história. Na antiguidade pode-se começar o seu estudo, pela Lei de Talião (olho por olho e dente
por dente), na qual o dano sofrido importava ao causador que sofresse dano semelhante. Esse
conceito primitivo de responsabilidade que ainda não diferenciava a responsabilidade civil da
responsabilidade penal foi mudando e já, no império romano, consegue-se perceber o embrião da
ideia das diferentes naturezas da responsabilidade e a noção de culpa.

Com a Lei das XII Tábuas, o direito romano substituiu a vingança privada pela composição
tarifada mediada pelo Estado e, dessa forma, passou-se a exigir a reparação econômica pelo dano
sofrido.

Com o surgimento da Lex Aquilia, conjuntamente com o trabalho dos romanistas que, com
fulcro na evolução da decisão dos juízes e pretores, nos pronunciamentos dos jurisconsultos e
constituições imperais, começou a se desenhar a noção de culpa e a Lex Aquilia se tornou fonte do
conceito de culpa aquiliana:

“É na Lei Aquília que se esboça, afinal, um princípio geral regulador


da reparação do dano. Embora se reconheça que não continha ainda “uma
regra de conjunto, nos moldes do direito moderno”, era, sem nenhuma dúvida,
o germe da jurisprudência clássica com relação à injúria, e “fonte direta da
moderna concepção da culpa aquiliana, que tomou da Lei Aquília o seu nome
característico”10

9
PECK, Patrícia. #Direito Digital, 6 ed, São Paulo: Saraiva, 2016. p. 77
10
GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 4 : responsabilidade civil / Carlos Roberto
Gonçalves. — 7. ed. — São Paulo : Saraiva, 2012
A próxima contribuição para o conceito de responsabilidade civil e culpa adveio do Código
Civil Napoleônico, que influenciou diversas legislações correlatas ao redor do mundo, inclusive o
Código Civil Brasileiro de 1916.

O direito francês, aperfeiçoou as ideias românicas, ao instituir um princípio geral da


responsabilidade civil. O critério de enumerar os casos de composição obrigatória, oriunda do
direito românico, foi superada e, aos poucos, o rol numerus clausus foi substituído por princípios,
como: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve; separação da
responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado) e a culpa
contratual, que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou da
imprudência.

“(...) observa-se que a inserção da culpa, como elemento básico da


responsabilidade civil aquiliana – contra o objetivismo excessivo do direito
primitivo, abstraindo a concepção de pena para substituí-la, paulatinamente,
pela ideia de reparação do dano sofrido – foi incorporada no grande
monumento legislativo da idade moderna, a saber, o Código Civil de
Napoleão”11

Apesar da grande evolução trazida pela noção de culpa e a responsabilidade civil subjetiva,
verifica-se que tais conceitos e princípios e não foram capazes de per se de suprir a demanda da
sociedade.

A partir da segunda metade do século XIX a questão da responsabilidade objetiva apareceu


como um sistema autônomo no campo da responsabilidade civil. Surgiram, então, importantes
trabalhos na Itália, na Bélgica e em outros países, mas foi, novamente, na França que a tese da
responsabilidade objetiva encontrou seu mais propício campo doutrinário.

De fato, verifica-se que a teoria da responsabilidade subjetiva não fazia resolvia de forma
adequada ou justa os casos de reparação de danos provenientes das atividades do Estado ou das
pessoas jurídicas organizadas em forma de empresas, muitas vezes de caráter multinacional e
maiores que diversos Estados soberanos.

11
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direto civil, volume III: responsabilidade civil/ Pablo Stolze
Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho – 8ª ed. rev. e atual. – São Paulo, Saraiva, 2010, p. 54
Acerca da subjetividade do conceito de culpa e sua parcial inadequação para atender
anseios sociais, pode-se colacionar lição de Stolze:

“Ainda mais em uma sociedade tão tumultuada como a nossa, em que a


globalização das relações econômicas, temperadas por frequentes notas de
exploração, aliada à massificação do consumo e ao incremento do risco, torna
tão difícil a fixação de um conceito tão subjetivo”.12

Dessa forma, doutrina e jurisprudência passaram a vislumbrar novas soluções, houve a


ampliação do conceito de culpa e o surgimento de novas teorias acerca da responsabilidade, que
foram incorporadas às legislações mais modernas.

Com a teoria da responsabilidade civil objetiva na qual o indivíduo responderia pelos danos
causados sem a perquirição de sua culpa, bastando restar demonstrado o nexo causal entre o fato
e o dano ocorrido, procurou-se responsabilizar as pessoas jurídicas (de direito público e privado)
por seus atos ou de seus prepostos.

O direito brasileiro, inicialmente, abraçou a tese a responsabilidade civil subjetiva, com o


Código Civil de 1916, na qual o agente causador do dano somente responderá por culpa
(negligência, imprudência ou imperícia). Embora, existissem em legislações esparsas, a previsão
da aplicação da responsabilidade civil objetiva para determinados casos como exemplo pode-se
citar a previsão da responsabilidade civil por danos nucleares prevista na Constituição Federal de
1988 e o Código de Defesa do Consumidor.

Sem abrir mão da responsabilidade civil subjetiva, o Código Civil de 2002 acampou a tese
da responsabilidade objetiva, em seu art. 927, parágrafo único:

“Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,


independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.”13

12
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direto civil, volume III: responsabilidade civil/ Pablo Stolze
Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho – 8ª ed. rev. e atual. – São Paulo, Saraiva, 2010, p. 166
13
BRASIL. Código Civil. Código Civil: promulgado em 10 de janeiro de 2002. Disponivel em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 Jul 2017.
Dessa forma, o direito brasileiro, atualmente, abarcou as duas teorias para se averiguar a
obrigação pela reparação do dano: a teoria da responsabilidade civil subjetiva e a da
responsabilidade civil objetiva.

Por fim, o alvorecer do século XXI traz novas questões acerca da responsabilidade civil
ante a sua forma inovadora de organização da cadeia produtiva e da sociedade por meio da
internet. A comunicação por meio de redes sociais enseja questionamentos acerca da
responsabilidade civil dos provedores de aplicativo à luz do direito de livre expressão.

A economia de compartilhamento gera tantas outras questões acerca da responsabilidade


dos aplicativos, principalmente, ante a dificuldade de se definir a atividade empresarial
desenvolvida diante da inovação trazida também a conceitos jurídicos bastante sedimentados
como a função social da propriedade.

“Por fim, a compatibilidade entre o discurso sobre a função social dos


bens e os aplicativos de transporte no ambiente de desenvolvimento de
atividades econômicas é também uma particularidade que chama atenção,
justamente porque todo o discurso sobre função social da propriedade (seja dos
bens imóveis, como dos bens móveis) está geralmente ligado à tentativa de se
limitar o uso daquele proprietário que abusa do seu direito sobre a coisa,
valendo-se dela sem que o bem seja explorado em benefício da coletividade. No
caso presente, têm-se justamente o contrário, já que através dos aplicativos se
torna possível ao proprietário de um bem (no caso um automóvel) explorar o
mesmo de modo a atender a sua função social.

Essa é justamente a concepção contemporânea da função social da


propriedade que, conforme destacado por Pietro Perlingieri, não se reduz à
noção de limitação do atuar do proprietário, mas que, ao reverso, busca
desenvolver um tino promocional, prestigiando as formas de utilização da
propriedade que reforçam os princípios de solidariedade econômica, política,
social e o pleno desenvolvimento da personalidade”.14

Com a finalidade de regulamentar essas novas situações, em 2014, o Marco Civil da


Internet foi introduzido no direito brasileiro, sua forma inovadora de condução dos trabalhos para

14
SOUZA, Carlos Affonso; LEMOS, Ronaldo. “Aspectos Jurídicos da Economia do Compartilhamento:
Função Social e Tutela da Confiança”. Revista Direito da Cidade, v.8, n.4; pp. 1757-1777.
a sua promulgação demonstra a capacidade e vontade do Brasil em abraçar as novas tecnologias e
suas inovações sem esquecer de regulamentá-las e resguardar o direito de seus cidadãos.

“A formalidade da consulta pública enquanto mecanismo de


valorização da participação popular na criação de leis tem previsão legal no
Direito Administrativo, mas fato é que, até o Marco Civil da Internet (MCI) não
estava claro se ela poderia, também, ser realizada pela internet. Um
pioneirismo do MCI, dentre outros, consiste justamente sem ser a primeira
consulta feita, original e integralmente online e de ter gerado, a partir disso,
não só um Projeto de Lei, como também a sedimentação no Direito
Administrativo brasileiro do formato online como uma variação legal do
mecanismo de consulta pública”15

Assim, o Brasil, a partir de 2014, também passa a contar com legislação específica acerca
das atividades desenvolvidas pelos provedores de aplicativo, legislação que também será estudada
no desenvolvimento deste capítulo.

1.2 Requisitos da Responsabilidade Civil


A responsabilidade civil possui três elementos ou pressupostos gerais previstos no art. 186,
do Código Civil, a saber: conduta humana, dano ou prejuízo e o nexo de causalidade. Cumpre
ressaltar que a culpa, embora conste no artigo retro mencionado, não é um pressuposto da
responsabilidade civil, mas sim um dos elementos da responsabilidade civil subjetiva.

“Embora mencionado no referido dispositivo de lei por meio das


expressões “ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”, a culpa
(em sentido lato, abrangente do dolo) não é, em nosso entendimento,
pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo Código,
considerando a existência de outra espécie de responsabilidade, que prescinde
desse elemento subjetivo para sua configuração (responsabilidade objetiva)
”.16

15
STEIBEL, Fábio. O portal da consulta pública do Marco Civil da Interne. In: LEITE, Salomão
George/LEMOS, Ronaldo. Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014.
16
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direto civil, volume III: responsabilidade civil/ Pablo Stolze
Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho – 8ª ed. rev. e atual. – São Paulo, Saraiva, 2010, p. 66
Dessa forma, passa-se a analisar cada um dos pressupostos da responsabilidade civil de
forma sucinta.

A conduta humana pode ser classificada em positiva ou negativa. A conduta positiva se


caracteriza pelo fazer ou agir, ou seja, traduz-se num comportamento ativo, por exemplo o
motorista que dirige embriagado e atropela um transeunte.

A conduta humana negativa, por sua vez, caracteriza-se por um não fazer, uma omissão,
capaz de gerar dano. Ressalte-se que para se considerar a omissão como pressuposto da
responsabilidade civil se faz necessário que essa omissão seja voluntária, havendo a falta da
voluntariedade há ausência de conduta na omissão, o que impede o reconhecimento da
responsabilidade civil.

Ainda cabe frisar que não se faz necessário o caráter ilícito da conduta humana para
caracterizá-la como pressuposto da responsabilidade civil, uma vez que há casos em que o ato
lícito pode vir a gerar responsabilidade civil.

Com relação ao dano pode-se dizer que ele é o principal pressuposto para a caracterização
da responsabilidade civil, vez que sem dano não há reparação. Assim, independente da espécie de
responsabilidade (contratual ou extracontratual, subjetiva ou objetiva), o dano é requisito
indispensável para a sua caracterização.

“Nesses termos, poderíamos conceituar dano ou prejuízo, como sendo


a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não –, causado por
ação ou omissão do sujeito infrator”17

Dessa feita, o dano não decorre somente em prejuízo a bens ou direitos econômicos, mas
também aos direitos sob tutela geral dos direitos da personalidade, por isso, o dano pode ser
dividido em dano material e dano moral.

Para o dano ser indenizável deve cumprir três requisitos, a saber: violação de um interesse
jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica, certeza do dano e
subsistência do dano.

Com relação ao primeiro requisito, verifica-se que ele é autoexplicativo sendo


desnecessário maiores digressões sobre o assunto. Quanto a certeza do dano, deve-se verificar que

17
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direto civil, volume III: responsabilidade civil/ Pablo Stolze
Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho – 8ª ed. rev. e atual. – São Paulo, Saraiva, 2010, p. 78
este requisito “afasta a possibilidade de reparação do dano meramente hipotético ou eventual, que
poderá não se concretizar. Tanto é assim que, na apuração dos lucros cessantes, não basta a simples
possibilidade de realização do lucro, embora não seja indispensável a absoluta certeza de que este
se teria verificado sem a interferência do evento danoso”18

O último requisito, a subsistência do dano significa que o dano deve subsistir no momento
de sua exigibilidade, pois não que se falar em indenização se o dano já foi reparado. Cumpre
ressaltar que, na doutrina, há que considerem ainda outros fatores como requisitos para a
caracterização do dano, que não serão abordados neste trabalho, pois não se trata de seu objetivo
principal.

1.3 Classificação do Responsabilidade Civil


Classicamente, a responsabilidade civil costuma ser classificada pela doutrina em razão da
culpa e quanto a natureza jurídica da norma violada. Quanto ao primeiro critério a
responsabilidade é dividida em objetiva e subjetiva. Em razão do segundo critério ela pode ser
dividida em responsabilidade contratual e extracontratual.

A responsabilidade contratual, como o próprio nome sugere, deriva do desrespeito a um


dispositivo contratual ou a um dever anexo relacionado com a boa-fé objetiva. Ressalte-se que a
boa fé objetiva, conceito inserido no direito brasileiro pelo Código de Defesa do Consumidor, cuja
aplicação foi ampliada com o Código Civil de 2002, exige uma conduta leal dos contratantes em
todas as fases negociais, conforme o entendimento contido nos Enunciados 25 e 170, do Conselho
da Justiça Federal aprovados na Jornadas de Direito Civil19:

“I Jornada de Direito Civil - Enunciado 25

O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do


princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual.

III Jornada de Direito Civil - Enunciado 170

18
GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 4 : responsabilidade civil / Carlos Roberto
Gonçalves. — 7. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012. p. 258
19
Conselho da Justiça Federal. Enunciados das Jornadas de Direito Civil. Disponível em: <
http://www.cjf.jus.br/enunciados/> Acesso em: 1 AGO 17.
A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de
negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência
decorrer da natureza do contrato”.

Já a responsabilidade extracontratual advém da violação de um dever fundado em norma


do ordenamento jurídico ou de um abuso de direito. Decerto, também, que com a inserção da
responsabilidade objetiva em decorrência da atividade de risco, a responsabilidade extracontratual
não advém somente de uma violação ou abuso a preceito jurídico, mas também do ato lícito.

Por vezes, a obrigação de indenizar pode decorrer, como será visto adiante, do exercício
de uma atividade perigosa. Por exemplo, o dono de um caminhão betoneira que, em atividade,
cause prejuízo a um terceiro responde pela indenização, por ser a pessoa que utiliza o maquinário
em proveito próprio e suporta o risco de sua atividade (princípio em que se funda a
responsabilidade objetiva).

Como visto no exemplo acima não existe ato ilícito apto a ensejar a indenização e nem
tampouco vínculo contratual entre as partes envolvidas. Em linhas gerais, a responsabilidade civil
será subjetiva contratual ou extracontratual e objetiva contratual ou objetiva extracontratual.

1.3.1 Responsabilidade Civil Subjetiva


Com relação a responsabilidade civil subjetiva, verifica-se que é a decorrente da culpa do
agente causador do dano, ou seja, no caso concreto além de se perquirir se o fato guarda nexo
causal com o dano, também deverá ser averiguada a conduta do agente, se foi negligente,
imprudente ou imperita.

A negligência é a falta de observância a dever legal, a imprudência se caracteriza quando


o sujeito atua contra as regras básicas de cautela e a imperícia advém da falta de aptidão ou
habilidade específica para uma atividade técnica.

“Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente,


merecer a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser
pessoalmente censurado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das
circunstâncias concretas da situação, caiba a afirmação de que ele podia e
devia ter agido de outro modo. Se a atuação desastrosa do agente é
deliberadamente procurada, voluntariamente alcançada, diz-se que houve
culpa lato sensu (dolo). Se, entretanto, o prejuízo da vítima é decorrência de
comportamento negligente e imprudente do autor do dano, diz-se que houve
culpa stricto sensu”.20

Com o advento do Código Civil de 2002, não basta somente a constatação da extensão do
dano para se determinar o quantum indenizatório o grau de culpa (grave, leve ou levíssima) do
agente também é levado em consideração para a estipulação dos valores devidos decorrentes do
dano.

De forma sucinta, pode-se constatar que a responsabilidade civil subjetiva pode advir da
culpa in eligendo, que advém da má escolha do representante ou preposto. In vigilando decorrente
da falta de fiscalização sobre pessoa que se encontra sob a responsabilidade ou guarda do agente.
E in custodiendo, semelhante a culpa in vigilando, é a que decorre da falta de cuidados na guarda
de algum animal ou objeto.

Após essas breves considerações acerca da responsabilidade subjetiva, passar-se-á ao


estudo da responsabilidade civil objetiva que terá maior importância a este trabalho monográfico.
Isso porque, não é escopo deste trabalho averiguar a responsabilidade do motorista do Uber no
acidente do trânsito, sequer é objetivo estudar eventual ação regressiva contra o motorista, e sim
a responsabilidade do próprio Uber.

Independente da natureza das atividades desenvolvidas pelo Uber, é fato inconteste que se
está diante de uma relação consumerista, uma vez que restam atendidos os elementos subjetivos e
objetivos previstos no Código de Defesa do Consumidor.

De um lado se tem o usuário do aplicativo (consumidor) e do outro o Uber (fornecedor)


que presta um serviço ao usuário, daí decorre a importância do estudo da responsabilidade civil
objetiva, uma vez que no direito do consumo a responsabilidade do fornecedor é, em regra,
objetiva.

1.3.2 – Responsabilidade Civil Objetiva


O principal aspecto acerca da responsabilidade objetiva é que ela prescinde da prova da
culpa, basta, tão somente, que seja constata a relação de causalidade entre a ação e o dano. Assim
de extrema importância para a compreensão do tema é o conceito de nexo causal.

20
GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 4 : responsabilidade civil / Carlos Roberto
Gonçalves. — 7. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012. p.
Acerca do nexo de causalidade pode-se afirmar que não é um conceito jurídico, mas
decorre das leis naturais. O nexo causal é a ligação entre o fato e o dano, uma relação de causa e
efeito entre a conduta e o resultado.

Na definição de Tartuce: “nexo de causalidade ou nexo causal constitui o elemento


imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a
conduta culposa – ou o risco criado–, e o dano suportado por alguém”21

A dificuldade em se estabelecer o nexo de causalidade no caso concreto é a existência das


concausas que podem ser sucessivas ou simultâneas e concorrem para o advento do dano. Nessa
senda, existem três teorias que explicam o nexo de causalidade: a teoria da equivalência das
condições, a teoria da causalidade adequada e a teoria da causalidade direta ou imediata.

Jurisprudência e doutrina divergem qual seria a teoria adotada pelo Código Civil de 2002,
de um lado estão os juristas que se afiliam ao entendimento de que a teoria adotada seria a teoria
da causalidade adequada. Do outro lado há doutrinadores que entendem que o Código Civil
brasileiro adotou a teoria da causalidade direta ou imediata.

Mesmo na jurisprudência pátria há certa confusão acerca da teoria utilizada, portanto, filia-
se ao entendimento esposado por Carlos Roberto Gonçalves e Pablo Stolze Gagliano e para o
estudo deste trabalho monográfico será considerada a teoria da causalidade direta ou imediata.

A teoria da causalidade direta ou imediata estabelece que entre a conduta e o dano deve
haver uma relação de causa e efeito direta e imediata. É indenizável todo dano que se filia a uma
causa, desde que esta seja necessária, pois não há outra causa que explique o mesmo dano. Em
suma, quer o Código Civil que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução.

Das várias teorias sobre o nexo causal, o nosso Código adotou,


indiscutivelmente, a do dano direto e imediato, como está expresso no art. 403.
Dispõe, com efeito, o mencionado dispositivo legal: “Ainda que a inexecução
resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos
e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto
na lei processual”. Não é, portanto, indenizável o chamado “dano remoto”,

21
TARTUCE, Flávio Manual de direito civil: volume único/Flávio Tartuce.7.ed.rev.,atual.eampl.–Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. p. 345
que seria consequência “indireta” do inadimplemento, envolvendo lucros
cessantes para cuja caracterização tivessem de concorrer outros fatores.22

Superada a explicação acerca do nexo de causalidade, verifica-se que o Código Civil de


2002 assim dispõe acerca da responsabilidade civil objetiva:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,


independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem”.23

Constata-se de imediato que a lei civil abarcou duas hipóteses de incidência para a
responsabilidade civil objetiva: quando prevista em lei e quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A primeira hipótese é autoexplicativa, sendo desnecessária maiores explanações, como


exemplo de responsabilidade civil objetiva pode-se citar como exemplo: a responsabilidade por
dano nuclear e a responsabilidade decorrente das relações consumeristas.

Com relação à responsabilidade derivada da atividade de risco, com a redação final do


parágrafo único do artigo 927, do Código Civil foi consagrada a cláusula geral da responsabilidade
objetiva no direito civil brasileiro. Dessa forma, a partir de 2002 a aplicação da responsabilidade
civil objetiva no ordenamento jurídico brasileiro não mais se restringia as hipóteses legais
previamente determinadas para casos específicos.

Para o melhor entendimento acerca da responsabilidade objetiva derivada do risco, cabe


colacionar quadro explicativo de Tartuce sobre as teorias do risco:

- Teoria do risco administrativo: adotada nos casos de responsabilidade objetiva do Estado


(art.37, § 6º, da CF/1988).

22
GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 4 : responsabilidade civil / Carlos Roberto
Gonçalves. — 7. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012. p. 254
23
BRASIL. Código Civil. Código Civil: promulgado em 10 de janeiro de 2002. Disponivel em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 Jul 2017
- Teoria do risco criado: está presente nos casos em que o agente cria o risco, decorrente de
outra pessoa ou de uma coisa. Cite-se a previsão do art. 938 do CC, que trata da responsabilidade
do ocupante do prédio pelas coisas que dele caírem ou forem lançadas (defenestramento).
- Teoria do risco da atividade (ou risco profissional): quando a atividade desempenhada cria
riscos a terceiros, o que pode se enquadrar na segunda parte do art. 927, parágrafo único, do
CC/2002.
- Teoria do risco-proveito: é adotada nas situações em que o risco decorre de uma atividade
lucrativa, ou seja, o agente retira um proveito do risco criado, como nos casos envolvendo os
riscos de um produto, relacionados com a responsabilidade objetiva decorrente do Código de
Defesa do Consumidor. Dentro da ideia de risco-proveito estão os riscos de desenvolvimento,
nos termos do Enunciado n 43 do CJF/STJ. Exemplificando, deve uma empresa farmacêutica
responder por novo produto que coloca no mercado e que ainda está em fase de testes.
- Teoria do risco integral: nessa hipótese não há excludente de nexo de causalidade ou de
responsabilidade civil a ser alegada, como nos casos de danos ambientais, segundo os autores
ambientalistas (art. 14, § 1º, da Lei6.938/1981). Anote-se que o entendimento pelo risco integral
para os danos ambientais é chancelado pelo Superior Tribunal de Justiça (ver, por todos: REsp
1.114.398/PR, 2ª Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 08.02.2012, DJe 16.02.2012. Publicado no
Informativo n. 490 do STJ)
FONTE: TARTUCE, Flávio Manual de direito civil: volume único/Flávio Tartuce.7.ed.rev.,atual.eampl.–
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. p. 374/37 5

Em complementação ao quadro acima, a fim de melhor esclarecer o que seria atividade de


risco cabe trazer a lume os Enunciados 38 e 449 da Jornada de Direito Civil, que explicitam bem
o tema:

“I Jornada de Direito Civil - Enunciado 38

A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na


segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-
se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a
pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da
coletividade.

V Jornada de Direito Civil - Enunciado 448

A regra do art. 927, parágrafo único, segunda parte, do CC aplica-se


sempre que a atividade normalmente desenvolvida, mesmo sem defeito e não
essencialmente perigosa, induza, por sua natureza, risco especial e
diferenciado aos direitos de outrem. São critérios de avaliação desse risco,
entre outros, a estatística, a prova técnica e as máximas de experiência.”24

Dessa forma, restou consagrado no direito civil brasileiro a responsabilidade dual


(subjetiva e objetiva), a depender da análise do caso concreto. Para o estudo proposto neste
trabalho verifica-se do que foi exposto, que já se começa a delinear a responsabilidade do Uber
decorrente dos acidentes de trânsito.

1.4 – Responsabilidade Civil por defeito na prestação do serviço


O tema proposto neste subtítulo está disciplinado no Código de Defesa do Consumidor e
sua aplicação ocorre no âmbito da relação de consumo. O Uber alega ser um aplicativo que, por
meio de uma plataforma, permite a conexão entre motoristas profissionais e pessoas interessadas
em contratá-los, conforme pode se verificar da cláusula 2 de seu Termo de Uso:

“Os Serviços integram uma plataforma de tecnologia que permite


aos(às) Usuários(as) de aplicativos móveis ou sítios de Internet da Uber,
fornecidos como parte dos Serviços (cada qual um “Aplicativo”), providenciar
e programar Serviços de transporte e/ou logística e/ou compra de certos bens
com terceiros provedores independentes desses Serviços, inclusive terceiros
fornecedores independentes de transporte, terceiros fornecedores
independentes de logística e terceiros fornecedores independentes de bens,
mediante contrato com a Uber ou determinadas Afiliadas da Uber
(“Prestadores Terceiros”)”.25

Verifica-se, portanto, que existe uma relação de consumo, na qual o usuário da plataforma
(consumidor) adquire os serviços prestados pela Uber (fornecedor). Acerca da responsabilidade
pela prestação de serviços o Código de Defesa do Consumidor assim dispõe:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da


existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por
defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

24
Conselho da Justiça Federal. Enunciados das Jornadas de Direito Civil. Disponível em: <
http://www.cjf.jus.br/enunciados/> Acesso em: 1 AGO 17.
25
UBER. Termo de Uso. Disponível em <https://www.uber.com/pt-PT/legal/terms/br/>. Acesso em: 15
JUL 17.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o
consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias
relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas
técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando
provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.26

Do caput do artigo 14, verifica-se que a responsabilidade civil decorrente da prestação de


serviços é objetiva fundada na teoria do risco-proveito. A atividade lucrativa desempenhada pelo
fornecedor faz com que ela responda objetivamente pelos riscos de sua atividade.

Fato relevante a ser destacado nas relações de consumo é a figura do bystander, o terceiro
participante da cadeia casual dos eventos que também venha a sofrer prejuízo em decorrência do
defeito da prestação de serviço. Dessa forma, o fornecedor também responde objetivamente
perante o bystander que é equiparado ao consumidor por força do art. 17, do Código de Defesa do
Consumidor.

Acerca das excludentes de responsabilidade previstas no § 3º do art. 14, do Código de


Defesa do Consumidor, constata-se que a lei consumerista prevê expressamente duas hipóteses: a
inexistência do defeito, o que de plano afasta o nexo causal para se impor o liame de
responsabilidade ao fornecedor, e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Quando o evento danoso ocorre por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não há
que se falar em responsabilidade do fornecedor. Nesse caso, deixa de existir a relação de causa e
efeito entre o defeito no serviço apresentado e o prejuízo experimentado pelo consumidor ou pelo
bystander. Pode-se afirmar que, no caso de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, o

26
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Código de Defesa do Consumidor: promulgado em 11 de
setembro de 1990. Disponivel em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 20 Jul 2017
causador do dano é simples instrumento do acidente, pois não existe ligação de causalidade entre
o seu ato e o prejuízo experimentado pelo consumidor.

Por fim, cumpre ressaltar que, à guisa da responsabilidade civil objetiva do Uber na
prestação de serviços, o usuário da plataforma, como consumidor que é, está amparado pelos
direitos e garantias contidos na lei consumerista.

1.5 – Responsabilidade Civil no Marco Civil da Internet


A mudança trazida pela internet e a sociedade da era da informação também influenciou o
estudo da responsabilidade civil sobre as atividades desenvolvidas na rede, nas palavras de Patrícia
Peck:

“A responsabilidade civil é um instituto em transformação no contexto


da sociedade digital. Isso porque estão sendo redefinidos os valores que devem
prevalecer e ser protegidos em um contexto de relações cada vez mais não
presenciais, independente do local de origem das partes, já que a Internet é um
território global e atemporal”27.

Como visto no direito civil brasileiro há aplicação de duas teorias para adoção do conceito
de responsabilidade civil: a teoria da culpa (subjetiva) e a teoria do risco. O direito digital, por sua
vez, inclina-se para uma maior aplicação da teoria do risco e consequentemente da
responsabilidade objetiva.

Isso deriva da própria natureza das relações digitais que ocorrem de forma global e
atemporal, na qual a perquirição da culpa, principalmente em relação aos provedores não se
adequaria atender à demanda da era digital.

“Considerando apenas a Internet, que é mídia e veículo de


comunicação, seu potencial de danos indiretos é muito maior que de danos
diretos, e a possibilidade de causar prejuízos a outrem, mesmo que sem culpa é
real. Por isso a teoria do risco atende às questões virtuais e a soluciona de
modo mais adequado, devendo estar muito bem associada à determinação legal
de quem é o ônus da prova em cada caso”28

27
PECK, Patrícia. #Direito Digital, 6 ed, São Paulo: Saraiva, 2016. p. 513
28
PECK, Patrícia. #Direito Digital, 6 ed, São Paulo: Saraiva, 2016. p. 514
Entretanto, existia grande celeuma na jurisprudência e doutrina sobre o tema quando se ia
verificar a responsabilidade civil do provedor por atos do usuário, principalmente no tocante as
redes sociais (Facebook, Orkut e Whatsapp dentre outras) e redes de compartilhamento de
arquivos (Emule, Kazaa, Napster...).

“De modo geral podem-se apontar três entendimentos que tem sido
prevalentes na jurisprudência nacional sobre a responsabilidade civil dos
provedores de aplicações da internet: (i) a sua não responsabilização pelas
condutas de seus usuários; (ii) a aplicação da responsabilidade civil objetiva,
ora fundada no conceito de risco da atividade desenvolvida, ora no defeito na
prestação do serviço; e (iii) a responsabilidade de natureza subjetiva, aqui
também encontrando-se distinções entre aqueles que consideram a
responsabilização da não retirada de conteúdo reputado como lesivo após o
provedor tomar ciência do mesmo e os que entendem ser o provedor
responsável em caso de não cumprimento de decisão judicial ordenando a
retirada do material ofensivo”29

Com o advento do Marco Civil da Internet, essa divergência de entendimentos foi


pacificada, uma vez que o Marco Civil da Internet dispõe que o provedor somente responderá
subjetivamente acaso o material ofensivo não seja retirado depois de notificação judicial.

Apesar das críticas doutrinárias a esse posicionamento do Marco Civil da Internet, esse é
o posicionamento sobre a responsabilidade civil do provedor sobre as ações do usuário. Cumpre
frisar que a Uber possui, entre os serviços prestados em seu aplicativo, a possibilidade do usuário
e do motorista parceiro se avaliarem mutuamente, que geram consequências tanto para o usuário
quanto para o motorista.

Cuida ainda ressaltar que “a responsabilidade civil do provedor de aplicações por


conteúdo gerado por terceiro, (...) não afasta outras possibilidades de responsabilidade civil por
ato ilícito de terceiro que, porventura possam recair sobre os provedores de internet. (...) Sendo

29
SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. Responsabilidade Civil dos Provedores de Acesso e de Aplicações de
internet: evolução jurisprudencial e os impactos da Lei no 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). In: LEITE, Salomão
George/LEMOS, Ronaldo. Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014
assim, ainda prevalecem outras hipóteses de responsabilidade civil do provedor de serviços de
internet para além dos casos abarcados no Marco Civil”30

Entretanto, o escopo deste trabalho não é estudar esse aspecto do aplicativo, razão pela
qual passar-se-á a analisar a responsabilidade civil dos provedores de aplicação no âmbito do
Marco Civil da Internet.

Nesse sentido, cabe explicar que a Lei no 12.965/14 cuida de dois tipos de provedores em
seu art. 5º, o provedor de conexão à internet e o provedor de aplicações de internet, da definição
legal constata-se de pronto que as atividades desenvolvidas pelo Uber se encontram na categoria
de provedor de aplicações de internet.

Conforme bem explicitado por SOUZA, a responsabilidade civil disposta no Marco Civil
da Internet não afasta as demais hipóteses de incidência correlatas as atividades desenvolvidas
pelos provedores de serviços de internet. No caso concreto, verifica-se a incidência do Código de
Defesa do Consumidor sobre os serviços prestados.

Nesse sentido, verifica-se o entendimento de SOUZA acerca da responsabilidade civil dos


provedores de serviço de internet:

“Considerando que os ISPs 31 são essencialmente, provedores de


serviço, pode-se afirmar que, em muitos casos, podem ser responsabilizados
civilmente nos termos estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor. Isso,
quando afirmada a existência de uma relação entre o ISP e o usuário-cliente,
situação na qual a responsabilidade do fornecedor de serviços se dará nos
termos do art. 14, do Código de Defesa do Consumidor (responsabilidade
objetiva) sendo vedada a exoneração contratual da responsabilidade do
fornecedor (art. 24 e 54, I, da Lei no 8.078/90) bem como a transferência de
responsabilidades para terceiros (art. 51, III, da Lei no 8.078/90)”.32

30
ROCHA, Francisco Ilídio Ferreira. Da responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por
terceiros. In: LEITE, Salomão George/LEMOS, Ronaldo. Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014. p. 818
31
ISP: Internet Service Provider (tradução livre: provedor de serviços de internet)
32
ROCHA, Francisco Ilídio Ferreira. Da responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por
terceiros. In: LEITE, Salomão George/LEMOS, Ronaldo. Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014. p. 818
1.6 – Responsabilidade Civil do Uber
De todo o exposto, até o momento verifica-se que o Uber é um provedor de serviços de
internet e que existe uma relação de consumo entre o Uber e o usuário do aplicativo. Desse modo,
a responsabilidade civil do Uber está submetida aos regramentos do Código de Defesa do
Consumidor.

Entretanto, a principal dificuldade está justamente em se definir quais os serviços prestados


pelo Uber. Conforme se verifica do teor do parecer do professor Daniel Sarmento “o aplicativo
UBER é uma plataforma tecnológica para smartphones lançada nos Estados Unidos em 2010,
que permite estabelecer uma conexão entre motoristas profissionais e pessoas interessadas em
contratá-los. Por seu intermédio, indivíduos previamente cadastrados no site/aplicativo da
Consulente conseguem encontrar, de modo simples e ágil, motoristas parceiros da UBER para
transportá-los com conforto e segurança”.33

Entretanto é patente que a inovação disruptiva trazida pelo Uber modificou os meios de
transportes nas grandes cidades e o lucro de sua atividade está diretamente ligada ao serviço
prestado pelo motorista independente.

Desse modo, se faz necessário esclarecer a atividade empresarial da Uber e os serviços


prestados pela Uber, a fim de se delimitar sua responsabilidade civil.

33
SARMENTO, Daniel. Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte Individual de
Passageiros: O “caso Uber”. Disponivel em < http://s.conjur.com.br/dl/paracer-legalidade-uber.pdf>. Acesso em:
15 Jul 2017
2. NATUREZA DA ATIVIDADE EMPRESARIAL DO UBER À LUZ DO CDC

A economia de compartilhamento vem revolucionando os paradigmas na forma de


produzir e consumir, com sua maior ênfase ao aluguel do que a posse e a propriedade, o Uber é o
reflexo dessa nova economia no setor de transportes.

De fato, verifica-se que o Uber trouxe concorrência direta as formas de transporte coletivo
dentro das cidades, em especial, aos táxis, ao permitir o contato direto do usuário com o motorista
prestador de serviço autônomo.

Como é típico das inovações tecnológicas disruptivas, os problemas jurídicos advindos


dessa atividade ainda não foram devidamente equacionados, afinal o Direito não consegue
acompanhar a celeridade da evolução tecnológica.

Assim neste capítulo procurar-se-á estudar a atividade empresarial desenvolvida pelo Uber
à luz do Código de Defesa do Consumidor, isso porque, como já visto anteriormente, há relação
de consumo entre o Uber e o usuário do aplicativo.

Dessa forma, o usuário-consumidor está sob o manto de proteção do Código Consumerista


e militam em seu favor os princípios da boa-fé objetiva, da transparência, da função social do
contrato e da reparação integral dos danos.

No entanto, para se verificar o limite da responsabilidade civil do Uber imprescindível se


faz delimitar a atividade empresarial do aplicativo e, por conseguinte, os serviços prestados ao
consumidor.

O Uber é uma empresa multinacional presente em 633 (seiscentas e trinta e três) cidades e
é responsável pelo desenvolvimento de um aplicativo para smartphones de mesmo nome que
possibilita estabelecer uma conexão entre motoristas profissionais e pessoas interessadas em
contratá-los.

Conforme se verifica de seu Termo de Uso, o Uber se considera simples intermediário da


operação, indivíduos previamente cadastrados no aplicativo conseguem localizar facilmente
motoristas parceiros da Uber para transportá-los com conforto e segurança.

Enfatiza, em especial nas cláusulas de 2 e 5, do seu Termo de Uso, que não presta serviço
de transporte, que o mesmo é fornecido pelos prestadores terceiros independentes, nomenclatura
usada no Termo de Uso para o motorista parceiro da Uber.

“2. OS SERVIÇOS
VOCÊ RECONHECE QUE A UBER NÃO É FORNECEDORA DE
BENS, NÃO PRESTA SERVIÇOS DE TRANSPORTE OU LOGÍSTICA,
NEM FUNCIONA COMO TRANSPORTADORA, E QUE TODOS ESSES
SERVIÇOS DE TRANSPORTE OU LOGÍSTICA SÃO PRESTADOS POR
PRESTADORES TERCEIROS INDEPENDENTES QUE NÃO SÃO
EMPREGADOS(AS) E NEM REPRESENTANTES DA UBER, NEM DE
QUALQUER DE SUAS AFILIADAS.

5. RECUSA DE GARANTIA; LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE;


INDENIZAÇÃO

OS SERVIÇOS DA UBER PODERÃO SER USADOS POR VOCÊ PARA


SOLICITAR E PROGRAMAR SERVIÇOS DE TRANSPORTE, BENS OU
LOGÍSTICA PRESTADOS POR PRESTADORES TERCEIROS, MAS VOCÊ
CONCORDA QUE A UBER NÃO TEM RESPONSABILIDADE EM
RELAÇÃO A VOCÊ, POR CONTA DE QUALQUER SERVIÇO DE
TRANSPORTE, BENS OU LOGÍSTICA REALIZADOS POR PRESTADORES
TERCEIROS, SALVO SE EXPRESSAMENTE ESTABELECIDA NESTES
TERMOS”34.

Como pode se constatar a Uber é bem enfática ao afirmar que não presta serviço de
transporte e que os motoristas cadastrados no aplicativo não são seus empregados ou
representantes.

Em outras palavras os “motoristas são empreendedores individuais, que utilizam a


plataforma UBER em sistema de “economia compartilhada” (sharing economy), que otimiza o
acesso e contato entre passageiros e condutores”35

Os serviços prestados pelos motoristas parceiros da Uber são pagos diretamente a Uber
que repassa os valores semanalmente aos terceiros prestadores independentes com a retenção do
percentual cabível à empresa. A manutenção do cadastro dos motoristas parceiros depende,
ademais, das avaliações anônimas que recebem dos respectivos passageiros pelos serviços

34
UBER. Termo de Uso. Disponível em <https://www.uber.com/pt-PT/legal/terms/br/>. Acesso em: 15
JUL 17.
35
SARMENTO, Daniel. Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte Individual de
Passageiros: O “caso Uber”. Disponivel em < http://s.conjur.com.br/dl/paracer-legalidade-uber.pdf>. Acesso em:
15 Jul 2017
prestados, e a obtenção de uma média inferior a 4,6 estrelas podem ser descredenciados pela
UBER.

Em linhas gerais, de acordo com o Termo de Uso do Uber e afirmação da própria empresa
no bojo do Parecer exarado pelo Professor Daniel Sarmento em decorrência de consulta da própria
Uber, os serviços prestados se resumem a prover comunicação entre usuário e motorista
independente e prover meios para facilitar o pagamento aos motoristas pelos serviços prestados,
conforme disposto na cláusula 4, do Termo de Uso em tela.

2.1 – Atividade Empresarial do Uber


A concepção inicial de empresa provém das ciências econômicas e é conectada a ideia de
organização dos elementos da produção (trabalho, capital e natureza) com a finalidade de exercer
uma atividade econômica.

De acordo com o Código Civil de 2002, empresário é aquele que exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para produção de bens ou serviços. Ou seja, para se enquadrar no
conceito de empresário a atividade econômica deve ser exercida de forma habitual com intuito de
lucro por meio da articulação dos fatores de produção (capital, mão de obra e tecnologia) para
produção e circulação de bens e serviços.

Como visto, a organização em empresa se dá no intuito de exercer uma atividade


econômica precipuamente com finalidade lucrativa proveniente dessa atividade. Acerca da
atividade empresarial, pontua-se o entendimento de Tomazette:

“Trata-se de atividade, isto é do conjunto de atos destinados a uma


finalidade comum, que organiza os fatores da produção, para produzir ou fazer
circular bens ou serviços Não basta um ato isolado, é necessária uma sequência
de atos dirigidos a uma mesma finalidade (...)

Assim, a empresa deve ser enquadrada como um terceiro gênero, uma


nova categoria jurídica, pois não se trata nem de sujeito nem de objeto de
direito, enquadrando-se perfeitamente na noção de fato jurídico em sentido
amplo. Tal noção se mostra mais adequada que a de ato jurídico, pois falamos
da atividade, do conjunto de atos, e não de cada ato isolado, que poderia ser
enquadrado na condição de ato jurídico”. 36

Conforme se pode apreender a atividade empresarial deve ser entendido como um conjunto
de atos direcionados a um fim, portanto, resta prejudicada uma análise que se resume somente ao
aplicativo em si e ignora as demais atividades desenvolvidas pela Uber que ao fim levam ao
desenvolvimento da plataforma tecnológica e sua constante atualização. O cerne da questão é
desvendar se as atividades do Uber se resumem a comunicação entre o consumidor e o prestador
de serviço, ou se estendem ao serviço prestado.

Tendo em vista que a Uber é uma empresa multinacional complexa vislumbrar todos os
aspectos de sua atividade empresarial é uma tarefa que este trabalho monográfico não seria capaz
de abordar. Entretanto no escopo deste estudo se é capaz de responder ao questionamento
supracitado, pois, como dito exaustivamente, o principal objetivo deste estudo é verificar a
responsabilidade da Uber em acidentes de trânsito.

Desse modo, o objetivo precípuo deste tópico é pontuar algumas atividades desenvolvidas
pela Uber relacionadas com o serviço prestado para o usuário, a fim de se constatar se os serviços
prestados pela Uber se resumem a mera comunicação cliente – prestador de serviço independente,
ou seja, procura-se analisar as atividades empresarias desenvolvidas pela Uber que guardam
relação com o serviço prestado.

Para tanto, serão utilizados artigos de sites e revistas nacionais e internacionais, em especial
as que tratam de tecnologia, economia e negócios, pois o aplicativo é oferecido globalmente,
portanto se faz necessário uma visão holística do empreendimento.

Desse modo, passa-se a demonstrar diversos artigos que tratam das atividades empresarias
desenvolvidas pela Uber ao redor do mundo:

“There are only four people/organizations in the world who know my


location at all times: my wife (because I tell her), Apple (because Siri), the NSA
(because NSA), and now Uber (…)

This year, we are going to see the transformation of Uber into a big data
company cut from the same cloth as Google, Facebook and Visa - using the

36
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário, v.1 –8ª ed. ver .e
atual.–São Paulo: Atlas, 2017. p.72
wealth of information they know about me and you to deliver new services and
generate revenue by selling this data to others”.37

“A Uber Technologies alugou conscientemente carros defeituosos com


risco de pegar fogo para seus motoristas, informou o Wall Street Journal nesta
sexta-feira, e a empresa de transportes urbanos disse que agiu para resolver o
problema depois que um dos veículos pegou fogo”.38

“Tóquio – O SoftBank Group, importante investidor global em startups


de tecnologia, anunciou forte aumento no lucro trimestral e disse que estaria
interessado em financiar as empresas de transportes urbanos Uber
Technologies ou Lyft no futuro”.39

De início, ressalte-se que essa leva inicial de notícias acerca das atividades empresariais
da Uber provém de fontes que tratam do mundo empresarial e de negócios (Forbes e Exame). Na
primeira notícia colacionada pode se verificar que uma das fontes de rendimentos do Uber são os
dados dos usuários, em especial, os referentes aos trajetos realizados. O Uber está se
transformando em uma empresa de big data com base nas informações provenientes do transporte
de seus usuários.

Na segunda notícia, constata-se que o Uber alugou cerca de mil carros para seus motoristas
parceiros, que deveriam ser em tese prestadores de serviços autônomos sem qualquer relação com
o Uber capaz de criar uma relação entre o aplicativo e o transporte prestado. No entanto, se verifica
que o Uber atuou de forma direta incentivando o crescimento do número de motoristas parceiros
ao lhe prover inclusive os meios de trabalho.

Nas duas últimas notícias ainda se verifica que importantes veículos de comunicação
(Exame e Wall Street Journal) tratam o Uber como uma empresa de transporte, especial atenção

37
HIRSON, Ron. Uber: The Big Data Company. Disponivel em <
https://www.forbes.com/sites/ronhirson/2015/03/23/uber-the-big-data-company/#fecb53718c7f >. Acesso em: 9 Ago
2017.
38
ARAVINDAN, Aradhana e Alexandria Sage. Uber alugou carros defeituosos conscientemente, diz
WSJ. Disponível em <http://exame.abril.com.br/negocios/uber-alugou-carros-defeituosos-conscientemente-diz-
wsj/>. Acesso em 9 Ago 17.
39
NUSSEY, Sam. SoftBank tem forte lucro e considera investir em Uber ou Lyft. Disponível em: <
http://exame.abril.com.br/negocios/softbank-tem-forte-lucro-e-considera-investir-em-uber-ou-lyft/>. Acesso em 9
Ago 17.
deve ser dada a última notícia na qual uma instituição financeira japonesa pretende financiar as
empresas de transportes urbanos, dentre elas a Uber.

É no mínimo, desarrazoado crer que qualquer instituição financeira investiria em uma


empresa sem estudar o seu escopo de atuação e possibilidade de lucro. Por fim, reforça-se a tese
de que o Uber atua no ramo de transportes de pessoas e coisas, o fato da empresa estar
desenvolvendo soluções de veículos autônomos para competir com os demais modais de
transportes urbanos.

“O Uber é um serviço que compete com táxis através de motoristas com


carro próprio. Ele está disponível em 45 países e mais de 200 cidades, incluindo
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. Ele é o precursor dos
inúmeros apps de táxi que você conhece, e quer sair na frente mais uma vez,
apostando em carros autônomos”40.

“ A iniciativa de oferecer corridas com carros autônomos ocorre menos


de quatro meses após o Uber anunciar o início da circulação, em fase de teste,
desses automóveis pela cidade norte-americana.”41

Desse modo, sob a ótica do direito empresarial o Uber não é apenas uma plataforma
tecnológica que provê a comunicação entre usuário e um terceiro prestador de serviço
independente, mas uma empresa que atua diretamente no mercado de transportes urbanos e,
inclusive, revolucionou esse mercado ao possibilitar a expansão sem precedentes do serviço de
transporte individual particular.

Portanto, ante as atividades empresariais desenvolvidas pelo Uber com nítida finalidade de
lucro a sua responsabilidade também deve se estender ao serviço de transporte prestado por meio
de seu aplicativo, como se pode deduzir da importante lição trazida por ramos acerca da atividade
empresarial e o intuito lucrativo:

40
VENTURA, Felipe. Seguindo passos do Google, Uber quer criar carros autônomos – mas para
competir com táxis. Disponível em: < http://gizmodo.uol.com.br/uber-carros-autonomos/> Acesso em 9 Ago 17.
41
Portal G1. Uber lança serviço de carros sem motorista nos Estados Unidos. Disponível em:
<http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/09/uber-lanca-servico-de-carros-sem-motorista-nos-estados-
unidos.html> Acesso em 9 Ago 17.
“Ela indica que o empresário, sobretudo em função do intuito lucrativo
de sua atividade, é aquele que assume os riscos técnicos e econômicos de sua
atividade”.42

2.2 – Prestação de Serviços do Uber à luz do CDC


Conforme visto no tópico anterior, à luz do direito empresarial, a responsabilidade civil do
Uber deve ser estendida ao serviço de transporte prestado por meio do aplicativo. Neste tópico,
por sua vez, será estudado a responsabilidade civil do Uber sob a ótica do direito consumerista.

O direito consumerista brasileiro possui como princípios basilares: o princípio do


protecionismo do consumidor, da vulnerabilidade do consumidor, da hipossuficiência do
consumidor, da boa-fé objetiva, da transparência, da função social do contrato, da equivalência
negocial e da reparação integral dos danos.

Ressalte-se que esses princípios se prestam a regular a relação de consumo e devem ser
observados por ambas as partes: o consumidor e o fornecedor.

O princípio do protecionismo do consumidor advém da própria Constituição Federal de


1988 que elevou a proteção ao consumidor a um dos fundamentos da ordem econômica brasileira
(art. 5º, inciso XXXII e art. 170, inciso V, ambos da Carta Magna de 88). Assim, já no art. 1º, o
Código de Defesa do Consumidor dispões que estabelece normas de ordem pública e interesse
social.

Em outras palavras, as disposições do Código de Defesa do Consumidor não podem ser


afastadas por convenção entre as partes. Ainda pode-se citar como consequências desse princípio
a atuação do Ministério Público em questões envolvendo problemas de consumo, inclusive por
meio de ação civil pública e que todos os direitos decorrentes da lei consumerista devem ser
conhecidos de ofício pelo juízo, como por exemplo, nos casos de cláusulas contratuais abusivas,
como as constantes no Termo de Uso do Uber, como será visto adiante.

Acrescente-se, ainda que os demais princípios presentes no direito consumidor são


consequências da aplicação do princípio do protecionismo do consumidor.

O princípio da vulnerabilidade do consumidor é decorrente da posição mais fraca do


consumidor na sociedade de consumo de massa. A situação desfavorável do consumidor é nítida

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial esquematizado – 5.ed. rev.atual. e ampl. – Rio
42

de Janeiro: FORENSE; São Paulo: MÉTODO, 2015. p. 37


e intrínseca a condição de consumidor. Não existe posição de equivalência entre fornecedor e
consumidor, este último é a parte mais vulnerável da relação, que não raro deve se submeter a
contratos leoninos para obter o bem ou serviço almejado, sem sequer possuir poder de barganha.

“Com a mitigação do modelo liberal da autonomia da vontade e a


massificação dos contratos, percebe-se uma discrepância na discussão e
aplicação das regras comerciais, o que justifica a presunção de
vulnerabilidade, reconhecida como uma condição jurídica, pelo tratamento
legal de proteção. Tal presunção é absoluta ou iure et de iure, não aceitando
declinação ou prova em contrário, em hipótese alguma”.43

Por fim, cumpre frisar que todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é
hipossuficiente.

O princípio da hipossuficiência do consumidor por sua vez se trata de um princípio fático


que deve ser observado de acordo com o caso concreto. Enquanto a vulnerabilidade é condição
sine qua non do consumidor a hipossuficiência será verificado de acordo com a situação fática
apresentada. Cabe esclarecer que a hipossuficiência não advém somente da comparação das
condições socioeconômicas das partes, pode ocorrer ainda a hipossuficiência técnica decorrente
do desconhecimento sobre o bem ou serviço adquirido.

Já o princípio da boa-fé objetiva é, talvez, o princípio máximo orientador da lei


consumerista brasileira. Cuida-se do dever imposto, a quem quer que tome parte na relação de
consumo, de agir com lealdade e cooperação, e abster-se de condutas que possam esvaziar as
legítimas expectativas da outra parte. Daí decorrem os múltiplos deveres anexos, deveres de
conduta que impõem às partes, ainda na ausência de previsão legal ou contratual, o dever de agir
lealmente.

Da leitura do art. 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, fica evidente a
intenção do legislador em harmonizar os interesses de consumidores e fornecedores, por meio do
princípio da boa-fé objetiva, porquanto a harmonia e o equilíbrio são fatores indispensáveis para
que haja a tão esperada justiça.

43
TARTUCE, Flávio. Manual de direito do consumidor: direito material e processual / Flávio Tartuce,
Daniel Amorim Assumpção Neves – 3.ed. – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2014. p.43
Assim, nota-se que o Código de Defesa do Consumidor se preocupou tanto com os
interesses dos consumidores como o dos fornecedores e de todos os fatores que oportunizam o
desenvolvimento do mercado de consumo.

Por isso, a boa-fé objetiva é cláusula geral, um princípio ao qual se pode socorrer na falta
da lei ou regulamentação contratual, porquanto é um princípio nuclear nas relações de consumo e
é na seara contratual que se torna mais evidente a sua aplicação.

Isso porque a cláusula geral de boa-fé reputa-se implicitamente inserida no contrato, por
força do disposto no Código de Defesa do Consumidor, e, por conseguinte, existe em todas as
relações jurídicas de consumo, mesmo quando não inserida de forma expressa. Nesse sentido, cite-
se o art. 51, inciso IV do diploma legal supra:

“Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas


contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que


coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis
com a boa-fé ou a eqüidade.”44

Assim o princípio da boa-fé objetiva soma-se ao princípio do protecionismo do


consumidor, na defesa deste último, pois a verificação da presença de boa-fé na conclusão do
negócio jurídico deve ser averiguada pelo magistrado de ofício, no intuito de constatar se
determinada cláusula contratual é ou não válida perante o dispositivo supratranscrito.

O princípio da transparência por sua vez exige transparência dos atores do consumo, impõe
às partes o dever de lealdade recíproca que deve ser observada durante toda a relação contratual.
Dessa feita as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser regidas
com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão, ou seja, o acesso à informação deve
se dar de forma clara e precisa.

Como se observa do Termo de Uso do Uber, embora a empresa procure se esquivar de suas
responsabilidades as cláusulas referentes aos limites do serviço prestado estão escritas de forma
clara e em destaque, demonstrando nesse aspecto, a observância ao princípio da transparência.

44
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Código de Defesa do Consumidor: promulgado em 11 de
setembro de 1990. Disponivel em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 9 Ago 2017
O princípio da função social do contrato é um princípio implícito na lei consumerista
brasileira e um reflexo da mudança das relações sociais que, atualmente, são regidas pelo domínio
do capital, como consequência de sua aplicação houve uma mitigação do pacta sunt servanda. A
vontade das partes não é mais absoluta, sendo assim, o objetivo principal da função social dos
contratos é procurar o equilíbrio em uma situação díspar, na qual o consumidor sempre foi vítima
das abusividades da outra parte da relação de consumo.

Inclusive, denota-se a existência do princípio da função social do contrato nas relações


contratuais privadas:

“(...) a função social dos contratos constitui um princípio contratual de


ordem pública – conforme consta do art. 2.035, parágrafo único, do CC/2002
–, pelo qual o contrato deve ser, necessariamente, interpretado e visualizado de
acordo com o contexto da sociedade. Trata-se de um princípio expresso na
codificação geral privada, ao enunciar o seu art. 421 que a liberdade de
contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos.
O sentido do último comando é o de que a finalidade coletiva dos negócios
representa clara limitação ao exercício da autonomia privada no campo
contratual”.45

O princípio da reparação integral dos danos dispõe que se o consumidor sofre um dano, a
reparação que lhe é devida deve ser a mais ampla possível. A reparação deve se estender a todos
os danos causados. Assim, dentre os princípios basilares do consumidor está a efetiva prevenção
e reparação de danos patrimoniais e morais. Os danos devem ser reparados de forma efetiva, real
e integral, de forma a ressarcir ou compensar o consumidor.

Dessa forma, está o fornecedor também obrigado a reparar os danos emergentes e os lucros
cessantes, os quais não podem sofrer limitações ou tabelamentos do acordo com o Enunciado 550,
da VI Jornada de Direito Cível: “A quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não
deve estar sujeita a tabelamento ou a valores fixos”.46

Também estão abarcados pelo princípio em tela a reparação de danos morais coletivos e
dos danos difusos, O dano moral coletivo é modalidade de dano que atinge, simultaneamente,

45
TARTUCE, Flávio. Manual de direito do consumidor: direito material e processual / Flávio Tartuce,
Daniel Amorim Assumpção Neves – 3.ed. – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2014. p.43
46
Conselho da Justiça Federal. Enunciados das Jornadas de Direito Civil. Disponível em: <
http://www.cjf.jus.br/enunciados/> Acesso em: 9 AGO 17
diversos direitos da personalidade, de pessoas determinadas ou determináveis e a indenização é
destinada para as próprias vítimas.

Já os danos difusos causam um decréscimo no padrão de vida da coletividade, é uma


modalidade de dano que atinge direitos difusos e cujas vítimas são indeterminadas, a indenização
é destinada para um fundo de proteção ou instituição de caridade, uma vez que, em última análise,
a vítima é toda a sociedade.

Por fim, é importante ressaltar que o princípio da reparação integral dos danos também se
estende aos bystanders.

O Uber como prestador de serviços também deve observar os princípios aqui arrolados na
sua atividade. Verifica-se que no desenrolar de sua atividade o Uber não é transparente com o
consumidor e tampouco observa-se a boa-fé, em especial na forma como o produto é anunciado
ao consumidor.

Os serviços do aplicativo são propagandeados como uma forma de locomoção, passando


a ideia de que o serviço de transporte em si é prestado pelo próprio Uber, por meio de seus
motoristas parceiros.

A despeito da polêmica acerca de qual seria a relação jurídica existente entre o Uber e os
motoristas cadastrados em seu aplicativo, o Uber vende e anuncia seus serviços como se a própria
empresa fosse a responsável pelo transporte ainda que feito por terceiros prestadores de serviço
independentes.

A título de argumentação é desarrazoado exigir do consumidor que saiba distinguir a


relação jurídica entre o Uber e os seus motoristas a fim de delimitar a responsabilidade de cada
um, quando, sequer o Poder Judiciário e os operadores do direito chegaram a um consenso, e o
serviço é vendido de forma una com pagamento feito diretamente ao Uber.
Para reforçar o entendimento esposado, cite-se alguns títulos de matérias veiculadas no
Uber Blog, blog oficial da Uber: 10 destinos para ir de Uber em Recife47, Mais um motivo para
você ir de Uber ao estádio 48, 10 destinos para ir de Uber em São Paulo49.

A ideia de que o consumidor irá de Uber ao destino desejado não transmite as disposições
contidas no Termo de Uso, em especial a cláusula 2, na qual o Uber afirma não fornecer serviço
de transporte e que os terceiros prestadores independentes (designados como motoristas parceiros
pelo Uber quando se comunica com o consumidor) não possuem qualquer relação empregatícia
ou representam o Uber e suas afiliadas.

Cumpre ainda esclarecer que os serviços que utilizam a internet como plataforma, via de
regra, são regidos por termos de uso, verdadeiros contratos de adesão, que, muitas das vezes,
sequer são lidos pelo usuário final. Acerca dos contratos na era digital, cabe trazer a lume lição de
Patrícia Peck que se aplica ao caso em análise:

“Atualmente, os contratos eletrônicos apresentam-se sob duas formas


distintas, como contratos-tipo, em que todas as cláusulas são impostas por uma
parte à outra sem que se possam discutir cláusulas isoladamente, e como
contratos específicos (...)

Contratos-tipo são aqueles elaborados por uma das partes e oferecido


à outra a quem cabe apenas aderir incondicionalmente, sem que haja
possibilidade de discussão, assim são, por exemplo, os contratos de agências
bancárias e a maioria dos contratos de revendedores para com seus
consumidores, visto que está implícito nessa modalidade uma desigualdade
quanto ao poder de barganha”50

Dessa forma, verifica-se que o Uber ao se relacionar com o consumidor transmite a ideia
de que o serviço prestado pelo aplicativo é uma forma inovadora, prática e eficaz de transporte e

47
Uber. 10 destinos para ir de Uber em Recife, Uber Blog Disponível em: < https://www.uber.com/pt-
BR/blog/recife/10-destinos-para-ir-uber-recife> Acesso em 9 AGO 17.
48
Uber. Mais um motivo para você ir de Uber ao estádio, Uber Blog Disponível em: <
https://www.uber.com/pt-BR/blog/curitiba/mais-um-motivo-para-voce-ir-de-uber-ao-estadio/> Acesso em 9 AGO
17.
49
Uber. 10 destinos para ir de Uber em São Paulo, Uber Blog Disponível em: < https://www.uber.com/pt-
BR/blog/recife/10-destinos-para-ir-uber-recife> Acesso em 9 AGO 17.
50
PECK, Patrícia. #Direito Digital, 6 ed, São Paulo: Saraiva, 2016. p. 77
que o serviço abrange o transporte em si. Em nenhum momento se consegue vislumbrar nessa
comunicação com o consumidor a limitação constantes nos Termos de Uso do aplicativo, segundo
o qual os serviços prestados “integram uma plataforma de tecnologia que permite aos(às)
Usuários(as) de aplicativos móveis ou sítios de Internet da Uber, fornecidos como parte dos
Serviços (cada qual um “Aplicativo”), providenciar e programar Serviços de transporte e/ou
logística e/ou compra de certos bens com terceiros provedores independentes desses Serviços”.51

Dessa forma, fica claro que, não obstante as disposições contratuais constantes do Termo
de Uso do Uber, as atividades exercidas pelo Uber envolvem o serviço de transporte e que as
cláusulas em contrário dispostas no contrato-tipo são nulas de plena direito à luz dos princípios
estudados neste capítulo.

51
UBER. Termo de Uso. Disponível em <https://www.uber.com/pt-PT/legal/terms/br/>. Acesso em: 15
JUL 17.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO UBER NOS ACIDENTES DE TRÂNSITO

Como visto até o momento, independente sob qual ramo do direito se observe as atividades
desenvolvidas pelo Uber a sua responsabilidade civil é objetiva, seja sob o enfoque do direito civil,
empresarial, do consumidor ou pelo Marco Civil da Internet.

Entretanto para a resolução do problema proposto neste trabalho se fazia necessário


verificar se o serviço prestado pelo Uber também se estenderia ao serviço de transportes, questão
que foi dirimida no capítulo anterior.

Ocorre, no entanto, que a prestação do serviço de transportes não é somente regida pelo
Código de Defesa do Consumidor, mas também pelo Código Civil que dedica um capítulo inteiro
a regulação do tema (arts. 730 a 766).

Dessa forma, antes de se examinar a responsabilidade civil do Uber no acidente de trânsito


se faz necessário esclarecer alguns pontos acerca do contrato de transportes.

3.1 Contrato de Transportes

“Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante


retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas”.52

Como pode se observar do teor do dispositivo supratranscrito, o contrato de transporte é


composto de três elementos: o transportador, o passageiro e a transladação. O passageiro é aquele
que adquiriu a passagem ou o que a recebeu do adquirente. Com relação a transladação se faz
necessário que ocorra uma transferência ou remoção de um lugar para outro, mesmo que não se
percorra uma distância geográfica.

Por exemplo, é possível realizar o transporte dentro da própria casa, do próprio prédio, de
um andar para outro, mas, por óbvio, esta não é a modalidade de transporte que será estudada. Isso
porque o transporte por meio do Uber envolve o deslocamento geográfico.

A principal característica da atividade desenvolvida pelo transportador é o deslocamento


físico de pessoas e coisas, sob sua responsabilidade. De fato, o traslado é o objeto específico desta
modalidade contratual.

52
BRASIL. Código Civil. Código Civil: promulgado em 10 de janeiro de 2002. Disponivel em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 Jul 2017
Cumpre frisar, todavia, que é essencial que o objeto principal do contrato seja
especificamente o deslocamento, pois a relação de transporte pode se apresentar como obrigação
acessória de outro negócio jurídico.

Dessa forma, se o transporte é secundário ou acessório de outra prestação, o contratante,


não será considerado um transportador e sua responsabilidade se dará conforme as normas que
disciplinam o contrato principal, restando, portanto, afastada a incidência das disposições do
Código Civil sobre o contrato de transporte.

Importante frisar que do contrato de transporte advém uma obrigação de resultado e não
de meio, portanto o transportador se obriga a transportar o passageiro são e salvo, e a mercadoria,
sem avarias, ao seu destino final.

Por se tratar de obrigação de resultado, eventual inadimplemento gerará consequências,


inclusive, com eventual responsabilização do transportador que responde objetivamente.

Dessa forma, o transportador não se exime da responsabilidade ao provar apenas ausência


de culpa. Incumbe-lhe o ônus de demonstrar que ocorreu no evento danoso alguma excludente de
responsabilidade como a culpa exclusiva da vítima, força maior ou ainda por fato exclusivo de
terceiro.

O contrato de transporte é típico contrato de adesão, no qual as cláusulas são previamente


estipuladas por uma das partes, às quais a outra simplesmente adere. Assim, no contrato de
transporte existe um regulamento previamente estabelecido pelo transportador, ao qual o
passageiro adere ou não. Quem toma um ônibus, táxis, ou qualquer outro meio de transporte,
tacitamente celebra um contrato de adesão com a empresa transportadora.

O contrato de transporte é também bilateral ou sinalagmático, porque gera obrigações


recíprocas, consensual, oneroso, comutativo e não solene. Como pode se observar todas as
características típicas de um contrato de transporte são constatadas no contrato existente entre o
Uber o usuário do aplicativo.

O Uber (transportador) se dispõe a realizar o transporte (transladação) do usuário


(passageiro), as regras do transporte são impostas pelo Uber (contrato de adesão) e o usuário
remunera o Uber pelos serviços prestados (onerosidade), portanto as prestações são certas e
determinadas (comutativo).

Por ser um contrato não solene não existe impedimento legal para que o contrato de
transporte do Uber se dê por meio da plataforma tecnológica no smartphone do usuário.
O contrato de transporte pode ser de pessoas e coisas, e pode ser terrestre, aéreo e marítimo
ou fluvial. O contrato de transporte terrestre se subdivide em ferroviário e rodoviário. O contrato
de transporte ainda pode ser classificado em razão da extensão de cobertura em: urbano,
intermunicipal, interestadual e internacional. O contrato de transporte pode ser ainda coletivo e
individual.

O contrato coletivo de transporte ocorre quando várias pessoas utilizam o mesmo veículo,
cada qual paga a sua passagem e a transportadora possui contratos individuais com cada
passageiro. Se o contrato for único em benefício de várias pessoas, não será coletivo.

O transporte de bagagem é obrigação acessória do contrato de transporte de pessoas,


assegura ao passageiro o direito de transportar consigo a sua bagagem e impõe ao transportador a
obrigação de efetuar esse transporte.

Para a caracterização da responsabilidade contratual do transportador pressupõe-se a


formação de um contrato de transporte, portanto celebrado o contrato, o passageiro estará sob a
proteção da cláusula de incolumidade, e o transportador responderá objetivamente pelo vício ou
defeito do serviço prestado.

Em alguns meios de transporte consegue-se distinguir o momento da celebração do


contrato e o de sua execução. Nas viagens aéreas, por exemplo, é comum a passagem ser comprada
com antecedência. Assim, como ocorre com o Uber a celebração do contrato ocorre quando o
usuário solicita a corrida por meio do aplicativo, mas sua execução se dá quando do início da
viagem.

Acerca da responsabilidade do transportador o art. 734 do Código Civil dispõe que o


transportador responderá de forma objetiva “pelos danos causados às pessoas transportadas e suas
bagagens, salvo motivo de força maior”53. Sobre o tema cabe colacionar lição de Stolze:

“Considerando que, em outros dispositivos, o Código refere-se


conjuntamente ao caso fortuito e à força maior, pode-se inferir, da leitura do
aludido dispositivo, que o fato de ter sido mencionada somente a força maior
revela a intenção do legislador de considerar excludentes da responsabilidade
do transportador somente os acontecimentos naturais, como raio, inundação,
terremoto etc., e não os fatos decorrentes da conduta humana, alheios à vontade

53
BRASIL. Código Civil. Código Civil: promulgado em 10 de janeiro de 2002. Disponivel em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 Jul 2017
das partes, como greve, motim, guerra etc. Mesmo porque a jurisprudência, de
há muito, tem feito, com base na lição de Agostinho Alvim16, a distinção entre
“fortuito interno” (ligado à pessoa, ou à coisa, ou à empresa do agente) e
“fortuito externo” (força maior, ou Act of God dos ingleses). Somente o fortuito
externo, isto é, a causa ligada à natureza, estranha à pessoa do agente e à
máquina, excluirá a responsabilidade deste em acidente de veículos. O fortuito
interno, não. Assim, tem-se decidido que o estouro dos pneus, a quebra da barra
de direção, o rompimento do “burrinho” dos freios e outros defeitos mecânicos
em veículos não afastam a responsabilidade do condutor, porque previsíveis e
ligados à máquina”54

Ainda de acordo com o que prescreve o art. 735 do Código Civil a responsabilidade
contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro.
Dessa forma, acaso tenha havido culpa de terceiro no fato danoso, o passageiro poderá pleitear a
sua indenização diretamente do transportador, que terá direito de ação regressiva contra o terceiro.

Assim, em um acidente de transporte, o transportador não poderá eximir-se da obrigação


de reparar o dano sofrido pelo passageiro, após haver descumprido a obrigação de resultado,
atribuindo culpa ao terceiro. Em suma, qualquer acidente que gere danos ao passageiro obriga o
transportador a indenizá-lo, eis que se trata de obrigação de resultado.

Com relação a responsabilidade do passageiro, o art. 738 do Código Civil dispõe que: “A
pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no
bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou
prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do
serviço”55.

Por isso o passageiro deve zelar pela sua própria segurança e a responsabilidade do
transportador é elidida se o acidente proveio de culpa exclusiva da vítima (nesse caso o
passageiro).

Embora o Uber apresente diversas modalidades de serviço de transporte (“UberBLACK”,


“UberSELECT”, “uberX”, “UberBAG”; “UberENGLISH”; “UberBIKE”, “UberPOOL”,

54
GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 3 : contratos e atos unilaterais / Carlos
Roberto Gonçalves. — 7. ed. — São Paulo : Saraiva, 2012. p.478
55
BRASIL. Código Civil. Código Civil: promulgado em 10 de janeiro de 2002. Disponivel em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 Jul 2017
“UberRUSH” e “UberEATS”), nos quais se incluem o transporte de coisas, somente é objeto deste
trabalho o transporte de pessoas, razão pela qual não se irá tecer nenhum comentário acerca do
transporte de coisas.

Desse modo, o Uber responde objetivamente pelos danos decorrentes de acidentes de


trânsito provenientes da prestação de serviço do aplicativo.

3.2 Requisitos para caracterização da responsabilidade do Uber


Para caracterizar a responsabilidade do Uber em acidente de trânsito durante a prestação
do serviço de transporte deve-se analisar os passos que são seguidos pelo usuário e o motorista
parceiro do Uber na solicitação da corrida e nesse passo a passo deve ser observado a incidência
da responsabilidade do Uber a luz do código de defesa do consumidor, do direito empresarial e do
direito civil, para, por meio do diálogo das fontes garantir a plena consecução do Direito.

Em um primeiro momento, o usuário acessa o aplicativo de seu smartphone e solicita o


serviço. O Uber provê a comunicação entre o passageiro e o motorista parceiro e direciona este
último ao local de partida.

Neste momento houve a celebração do contrato, mas não sua execução, e portanto, não
incidem as normas sobre contrato de transporte disposto no Código Civil, mas incide a
responsabilidade objetiva do Uber prevista na lei consumerista e no direito empresarial
decorrentes da aplicação da teoria do risco-proveito.

Assim, o Uber poderá responder por vício ou defeito no serviço, principalmente em relação
ao consumidor bystander, que é equiparado ao consumidor por força do art. 17, do Código de
Defesa do Consumidor.

A partir do momento em que o consumidor adentra o veículo e se inicia a viagem, verifica-


se o termo inicial do contrato de transporte entre o usuário e o Uber e a partir daí a responsabilidade
objetiva será regida pelo Código Civil, conforme explicitado no subtópico anterior.
CONCLUSÃO

A sociedade da informação chega ao alvorecer do século XXI com diversas novidades


tecnológicas que tem mudado as relações sociais, econômicas e de produção. A quarta revolução
industrial e a economia de compartilhamento tem modificado costumes e culturas há muito
arraigados na sociedade.

É fácil constatar que na mesma medida que essas inovações disruptivas transformam
realidades a avidez humana por lucros cada vez maiores faz com que empresas como o Uber,
adotem práticas empresariais do século passado ao procurar tirar o máximo de proveito de sua
atividade sem arcar com suas responsabilidades.

É fato que as inovações disruptivas tem forçado ao mundo jurídico uma nova forma de
pensar para solucionar os problemas emergentes da adoção dessas tecnologias de forma célere e
justa, mas a velocidade do Direito não acompanha o ritmo acelerado do mundo tecnológico.

Assim, este trabalho monográfico, visa contribuir com a elucidação de parte dessas
questões ao lançar luz sobre a atividade empresarial desenvolvida pelo Uber e as consequências
dos serviços prestados pelo aplicativo a seus consumidores.
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