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design ::

MIGUE L VIE IR A
B APTISTA
O (IN)DISCIPLINADO
TE XTO M A D A L E N A G A L A M B A

H Á DOI S A N OS , Miguel Vieira Baptista (Lisboa, 1968) foi um dos designers convidados para participar na exposição
“Come to My Place”, durante a primeira experiência holandesa da Experimentadesign. E o que levou na mala? Pão
alentejano, azeite e vinho. Alguns objectos das indústrias portuguesas (como as facas e os copos). Alguns objectos de design
português (como os bancos do seu amigo Fernando Brízio). Alguns objectos desenhados por si (a mesa, a bancada, a caixa).
Alguns azulejos Viúva Lamego, que compôs num painel a rasgar. E uma bicicleta. Uma bicicleta em Amesterdão.
Portuguesa.
A bicicleta é um intruso. Mas continua a estar em casa, porque é uma bicicleta Órbita. Improvável nas colinas de Lisboa,
obrigatória no “plat pays” que é Amesterdão, é a pequena provocação de Miguel Vieira Baptista. Uma cerejinha reluzente a
brilhar no topo do bolo. Sem grande alarido. Mas está lá. É mais um pormenor, pequenino, inofensivo mas poderoso. Um

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sinal de que este senhor, empenhado em mostrar que o design é uma coisa muito séria, no fundo não perde uma
oportunidade para brincar.
O pormenor da bicicleta é como o pormenor do puxador ou o pormenor do candeeiro ou o pormenor da mesa (ou do canto
da mesa). Face à atenção minuciosa, dedicada e delicada, que consagra a cada pormenor do seu trabalho, realizamos que

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DE SE NHO PAR A A INSTAL AÇÃO
“ A minha cozinha em Ames ter dão não é só Deus, mas o diabo, que está nos detalhes, preparado para nos tirar o tapete, subtilmente, quando menos
dur ante 45 dias ” , 2008 esperamos.
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design :: “ A MINHA COZINHA E M AME STE R DÃO
DUR ANTE 45 DIAS” (2008)
E s ta ins talação foi montada com
uma s elecção de objectos quotidianos
e pr odutos que davam ao vis itante
uma ideia de L is boa como cidade.
A es colha da cozinha foi clar a.
A cozinha é o lugar que mais var ia de
cultur a par a cultur a, dis tinguindo- as .

FOTO RICARDO POLÓNIO

MIGUE L VIE IR A B APTISTA


Atelier , Alcântar a, 2010

Miguel Vieira Baptista explica que para a exposição de Amesterdão escolheu a cozinha, porque é o espaço onde se vê
a diferença. O menos standard. O mais específico de cada cultura e de cada lugar. Nesta divisão, encenada e feita para ser
vivida (as pessoas eram convidadas a sentarem-se à mesa, a comer e a beber), Miguel Vieira Baptista criou um microcosmo,
onde está Lisboa (onde nasceu e cresceu, onde vive e trabalha) e onde estão partes de si. Mas não só.

GE R A ÇÃ O
“Não sabia que queria fazer design, sabia que queria alterar, transformar as coisas. Havia a vontade de transformar o espaço,
essencialmente. E os primeiros sinais aparecem aí.” No quarto, ainda miúdo, Miguel Vieira Baptista ensaia as várias
combinações possíveis a partir de alguns elementos existentes. Simples. Móveis, escada de beliche, secretárias, prateleiras,
tudo era movido, literalmente arrastado de um lado para o outro, para transformar o espaço. “Os meus pais saíam e quando
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voltavam estavam tudo diferente. Houve uma altura em que passei o meu colchão da cama para cima dos dois guarda-fatos,
que eram compridos. Os meus irmãos eram mais novos e não conseguiam lá chegar.”
Nessa transformação, já se adivinha a procura de diferentes soluções. Respostas a problemas. O design.
“Quando entrei para o IADE, ia com a ideia de fazer design de interiores. Mas rapidamente percebi que havia outras coisas
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que me estavam a apaixonar, que tinham a ver com o design gráfico. Entrei para o IADE em 1987 e nessa altura estavam

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E XPOSICAO “ MVB ”
L oja da Atalaia, B air r o Alto, 2003

a acontecer imensas coisas. Como a revista ' Face' , do Neville Brody. Fiquei completamente doido.
Apaixonava-me imenso a ideia de livro, de edição, de revista. Até da sua matéria. Depois, através do
design gráfico, comecei a interessar-me gradualmente pelo design de produto.”
No regrets, mas ainda assim as coisas são como são, foram como foram: “A minha formação no IADE
não foi perfeita. Aquilo que o IADE me deu foi um contexto, que tinha a ver com o facto de eu estar no
Chiado, de ter amigos nas Belas Artes, de ir para a Bertrand ver revistas e livros.”.
Aquele contexto, naquela altura, acabou por ser determinante. O primeiro “formador” de Miguel Vieira
Baptista, que hoje dá aulas na ESAD.CR das Caldas da Rainha, e portanto ele próprio formador das
novas gerações de designers. O Chiado no início dos anos 1990 era criativamente explosivo.
Assistia-se ao boom da movida criativa Lisboeta. E participava-se nele. O designer menciona a Loja da
Atalaia, as Manobras de Maio, a ModaLisboa...
De repente, o Chiado ficou pequenino. Miguel Vieira Baptista saiu, foi para Copenhaga, trabalhar num
atelier. Fez uma pós-graduação em design de produto na Glasgow School of Art.
“Desde criança que tive esse fascínio por sair daqui. Fazia isso com os meus pais. Pertenço a uma
geração que teve essa facilidade. Sempre me senti muito bem em sítios mais ' civilizados' do que
Portugal. O design sempre me empurrou para fora. Se calhar é a inerência de viveres num sítio como
Portugal. Precisas de sair para perceber onde é que estás.”
Descobrindo a cultura do objecto em diferentes latitudes, traz os seus troféus. Um livrinho de Jasper
Morrison (“Design, Projects and Drawings, 1981-1989”). Uma revista. Depois volta sempre.
Nunca pensou em ficar lá fora. Se tivesse pensado teria ficado.

P R OJE CTO
“Adoro projectar, isso faz parte da minha vida. E não é só projectar, é montar o projecto, pô-lo a andar.”
O rigor e a honestidade, a obsessão com os detalhes, transparece em todas as fases do projecto. Toda
a parte técnica, de resolução de problemas, fascina Miguel Vieira Baptista.
“Em todas as experiências que fiz ligadas à indústria, por poucas que fossem, reconheci-me imenso
nesse contexto. Talvez até por uma questão de formação. Aprendes a pensar assim, que tens um
cliente, um brief, que tens determinadas balizas, condicionantes. Sempre foi essa a minha lógica.
Mesmo tendo a liberdade total, no contexto de uma galeria, onde não tenho nenhum cliente específico
nem nenhum constrangimento de qualquer ordem, eu continuo a fazer design industrial em potência.
São peças que poderiam ser industrializadas.”
Ele cria as suas próprias balizas. As peças são construídas industrialmente, embora não sejam
produzidas em série. Muitas peças que mostrou até hoje no contexto de uma galeria são edições
abertas, que deixam espaço para a possibilidade de industrialização. Ele chama-lhe “design de autor
em séries pequenas”.
A versatilidade de Miguel Vieira Baptista deixa-o à vontade em várias áreas, ao ponto de as distinções
entre design de produto e design de espaços deixarem de fazer muito sentido.
“O design de espaços que faço não é arquitectura, nem design de interiores no sentido mais próximo
da ' decoração' . Tem muito a ver com cenografia. Está mais próximo do produto, só que tem uma

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escala diferente que não é a da mão, mas a do corpo.”
As escalas mudam, mas a atitude mantém-se. A maneira de pensar e encarar o trabalho, racional,
contida, rigorosa, coloca-o do lado dos clássicos. “Sou um bocado conservador. Sou um misto de
conservador e de provocador, porque uma das coisas que me apaixonou e me fez seguir por esta área,

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tem a ver com uma certa vontade de provocar. Quando crias, provocas. Quebras com determinadas
FOTO LUÍS SILVA CAMPOS soluções, quebras com o passado. Eu adoro provocar reacções. Podia ter sido actor ou podia ter tido
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E XPOSIÇÃO “ DR AWE R ”
Galer ia Appleton Squar e, 2010

uma banda. Queria fazer qualquer coisa que pudesse tocar as pessoas, que lhes pudesse tirar o tapete
de alguma forma.” É isso que faz no tapete Figo, um jogo geométrico e cromático com um inesperado
buraco, o vazio a irromper pela plenitude. “Por um lado há essa vontade de alterar e provocar, por
outro, odeio o ridículo. Não é um ódio visceral. Acho ridículo o ridículo. A provocação disparatada
não faz sentido para mim, nunca gostei de palhaços. Gosto de subtileza, do humor que não é da
gargalhada boçal, um humor em que se calhar nem te ris, mas ficas a pensar.”
Não é um provocador de grandes gestos, provoca baixinho. E talvez por isso as pessoas
associem o trabalho de Miguel Vieira Baptista a um certo conservadorismo.

“Sempre me senti muito bem nesse universo, e acho que isso tem muito a ver com a minha
personalidade. Todas as áreas da criação têm muito a ver com um questionamento de ti próprio.
É quase um trabalho de divã. Acho que quanto mais próximo estiver aquilo que tu fazes daquilo que
tu és, mais verdadeiro e honesto é o teu projecto. Eu muitas vezes digo isso aos meus alunos. Se são
tipos um bocado desorganizados, desarrumados, é bom trabalharem isso, partirem daí, fazer com que
os projectos batam certo.”
“Desorganizado” e “desarrumado” são adjectivos que dificilmente se colam ao trabalho de Miguel
Vieira Baptista. Para ele, a expressividade emerge das coisas mais simples e da capacidade que têm de
nos surpreender. Os pormenores, por mais subtis que sejam, estão lá sempre. Obsessivamente.
Excesso de Zelo? “No design de espaços às vezes essa obsessão com os detalhes é excessiva, porque
as pessoas nem reparam, e aos seus olhos está perfeito. No design de produto é diferente. São objectos
que convivem com as pessoas muito mais tempo, muito mais vezes, e por isso é inevitável que mais
tarde ou mais cedo repares nos detalhes. Ou por questões de funcionamento, ou por questões de
desgaste.”
A atenção aos detalhes e a necessidade de controlo para que nada fique solto, leva-nos ao devir dos
objectos. Quantos objectos andam por aí à solta para nos darmos mal com eles...
“O que procuro num objecto talvez tenha a ver com a função. Para além do funcionalismo, uma
qualidade estética, uma beleza, uma calibração das proporções e da forma requintada. Quando
começo a projectar, a maioria das vezes o primeiro esquiço do objecto é muito próximo do resultado
final. Portanto acabo por trabalhar outras questões de afinação.” O exemplo óbvio é o candeeiro de aço
pintado Terrier. A aparência não é muito diferente do esquiço inicial, a forma já lá está. “Depois vou
esculpindo, trabalhando a forma, o funcionamento, as questões do detalhe construtivo.”

V I A JA R (CU L TU R A M A TE R I A L )
“Desde cedo que percebi que o design era uma disciplina de exterior, de contacto com o estrangeiro.”
Em Londres, Nova Iorque, Paris, Tóquio, fascina-o a cultura material própria de cada lugar. O design
é um “alibi”. A desculpa perfeita para sair daqui e beber outras culturas, geralmente, uma “fatia
acima”. Sem lamentações. “Sempre me revi muito na cultura anglosaxónica. Se calhar tem muito a
ver com a liberdade, a possibilidade, o facto de estar tudo em aberto, e nesse sentido não ser
conservador. Mas depois, por outro lado, há essa contenção formal, que é muito britânica. Revejo

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imenso o trabalho do Jasper Morrison nesse sentido, sobretudo o trabalho dos anos 90, que foi para
mim sem dúvida uma grande referência. A cultura anglosaxónica marcou-me sobretudo ao nível da
formação, da educação. O meu trabalho e a minha maneira de pensar consegue rever-se bem nesse
universo. Não é que estivesse sempre a olhar para o trabalho de Jasper Morrison. Nem seria saudável.

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As pessoas às vezes têm dificuldade em assumir as influências. Mas é uma referência. Nada vem do
FOTO MARCO PIRES zero. Acrescentamos sempre uma camada.”
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“Com o tempo, comecei a perceber que também me Eu tive de arrumar todos estes conteúdos dentro do espaço
reconhecia na cultura germânica, que tinha muito a ver limitado.” Parece quase um brinquedo. “Sim, tem esse
com a minha personalidade. Pela estética, pelo rigor, pela lado de carrinho ”, continua, “Queria que fosse modular e
depuração, pelo lado racional.” que fosse casual. Que não fosse uma coisa estranha, como
É a adoração por Dieter Rams, que o levará a comissariar uma nave espacial. Queria que tivesse elementos que
uma exposição sobre o “bom designer” alemão no CCB, fossem do quotidiano, como o fole de autocarro articulado.
em 2001. O triângulo de inspiração fecha-se com um Mas a peça tinha de ter um impacto, e tinha de ser uma
último vértice, o Japão. Não é por acaso que Jasper peça que falasse daquilo que era. A Voyager é um veículo.
Morrison faz uma vénia ao próprio Rams, e se encontra Super mecânico, bruto, e queria que retivesse esse lado.”.
com Naoto Fukasawa no SuperNormal. Não é por acaso “Há projectos mais complexos que outros. A Voyager 03 é
que o rigoroso Miguel Vieira Baptista se deixa tocar pela o projecto. É um sonho. Super completo. E complexo.”
sensibilidade nipónica (e os Toys, que espreitam pelo meio Mas há outros momentos que destaca da sua colaboração
dos livros, nas estantes do seu atelier). Do Japão, sobretudo com a EXD. A Voyager 01, um espaço modular que
na arquitectura e no design gráfico, retém o lado funcional viajava para dentro de um espaço e que se desdobrava em DE SE NHOS DE E STUDO
e minimal, a contenção, mas ao mesmo tempo sente vários conteúdos, numa lógica de relação com o interior. E do camião expos itivo “ Voyager 03” , 2003
o inevitável distanciamento, porque a cultura japonesa as exposições que concebeu e produziu, e até o projecto “A Dis pos itivo modular itiner ante des envolvido par a expor
vár ios conteúdos da pr odução cultur al Por tugues a.
é apesar de tudo mais longínqua, e difícil de descodificar. minha cozinha em Amesterdão durante 45 dias” (2008).
E ntr e 2003 e 2005 a Voyager es teve em B ar celona, Par is ,
No fim dos anos 90, com a Protodesign, Miguel Vieira “Sempre estive envolvido com a EXD. A EXD, como a Madr id, L is boa, E s tr as bur go, Pr aga e vár ias cidades
Baptista viaja muitas vezes a Frankfurt, para apresentar Modalisboa, foi um cliente que me permitiu fazer coisas Por tugues as , tendo s ido vis itada por 65.000 pes s oas .

os projectos na feira de mobiliário. “Aprendi muito nessa que de outra forma nunca teria feito.” E fazer muitas
altura, foi muito importante para mim e alarguei muito coisas. Na EXD, o designer reúne as várias vertentes do
a rede de relacionamentos de que te falava.” Foi por essa seu trabalho (comissariado e design expositivo, design de
altura que se deu o encontro com Hans Maier Achen, na espaços e de produto).
época, à frente da Authentics. Alguns projectos em
protótipo foram editados pela Authentics. “Houve da parte DE S E N H A R
dele uma empatia com aquilo que eu estava a projectar.” “Não sou nada virtuoso do desenho, nem sou muito bom
São projectos como o candeeiro de suspensão Terra (1997) a desenhar. Mas o desenho é para mim uma ferramenta
que ficaram no catálogo da Authentics. Mais tarde, já de trabalho fundamental. É uma ferramenta inventiva e de
a partir do atelier MVB, seria a vez de editar o tabuleiro. fixação de ideias.”
O desenho à mão funciona com um arquivador de
V OY A GE R (E X D) memórias, onde, visualmente, vai guardando coisas. Mas
“O camião Voyager 03 é uma caixa, mas é uma caixa que o desenho tem também uma importante função de
tem que circular dentro das normas rodoviárias, mas por comunicação. É através do desenho que Miguel Vieira
outro lado tinha de conseguir chegar a uma praça e ter um Baptista “fala” com os seus colaboradores, no atelier,
enorme impacto em termos urbanos, e para além disso durante a fase de projecto, mas também nas oficinas, com
tudo tinha de ter conteúdos. É um contentor que se os construtores e as pessoas envolvidas na produção.
relaciona com o espaço urbano.” Num perfeccionista, a etapa do desenho técnico
Pela estrada fora, a Voyager 03 era um atrelado em é naturalmente crucial. Toda a resolução de detalhes,
movimento. Estacionada, transformava-se no pretexto o rigor, a afinação, passam por aí. “O desenho livre,
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e no lugar de uma “viagem imóvel” pelos meandros do o desenho técnico e as maquetes, que funcionam para
design e não só (espaço de leitura, ecrãs, experiências mim como desenhos tridimensionais, são os pilares base
sensoriais, maquetes, elementos de design gráficos). do desenvolvimento da maior parte dos projectos,
“Tinhas de criar ao visitante uma série de momentos especialmente em design de produto.”
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e de objectos dentro desse objecto que fossem sendo O desenho, à mão, é o ponto de partida do projecto
descobertos e utilizados. Surpresas que o retivessem ali. Lápis- Drawing Experience (2007), uma exposição
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FOTO EXD
design :: design ::

comissariada por Miguel Vieira Baptista que reunia alemão, então com quase 70 anos, já estava reformado da
objectos-lápis e desenhos realizados por um painel de 20 Braun. Miguel Vieira Baptista começou a organizar a
designers conceituados. “Apesar de ser um objecto produção da exposição, recorrendo a vários
completamente minimal, e contido, consegues perceber coleccionadores privados, mas também ao Vitra Design
através de cada lápis a cabeça e o modus operandi de cada Museum, e até ao próprio Dieter Rams, que comprou o
um dos designers convidados.” Alfredo Haberli desenhou sistema de prateleiras da Vitsoe para o mostrar na
um lápis que era uma linha que era uma cadeira (como exposição de Lisboa.
em Taking the Chair for a Walk) e Martí Guixé um lápis em “Para além da vontade que tinha de fazer a exposição e de
madeira comestível, fácil de roer. Cada projecto revelava fazê-la de uma determinada forma, tinha um enorme
não só a sua autoria, mas a importância do desenho apoio, uma enorme estrutura e logística por trás.” A
manual como ferramenta projectual, no fundo, a grande questão era como mostrar aquele impressionante
inquietação de Vieira Baptista. corpo de obra. O lado da museologia e do comissariado
E XPOSIÇÃO≠ “ DIE TE R R AMS HAUS” NO
Num projecto recente, Drawer, a exposição que ligado ao design interessava-lhe muito. Já tinha alguma
CE NTR O CUL TUR AL DE B E L É M, 2001
A ideia er a cr iar um es paço expos itivo capaz apresentou este verão, na galeria Appleton Square, o tema bagagem no campo do design expositivo, com alguns
de conter toda a obr a de R ams . Uma ressurge. Drawer é a gaveta onde se guardam os projectos. trabalhos para o ICEP, por exemplo. “Interessava-me tudo
s imulação de uma cas a par ecia a s olução
Drawer é o desenhador que os concebe, fixa e perfecciona menos mostrar o design de Dieter Rams numa vitrine.”
mais natur al, onde o vis itante poder ia
encontr ar os objectos no s eu contexto
até à exaustão. Em vez disso, fez uma casa. “Quando fui à casa de Dieter
habitual, contr ar iando uma s olução Rams, tudo fez sentido. A casa dele estava cheia de
mus eológica mais convencional. DI E TE R R A M S H A U S objectos desenhados por ele. Ele tinha desenhado a casa
“Muito antes de imaginar que alguma vez faria uma onde vivia, e para além disso, vivia rodeado dos seus
exposição sobre Dieter Rams, fiquei com a caixa da objectos. Da secretária à aparelhagem de som, aos sofás,
máquina de barbear Braun do meu pai. Adorava aquela ao picador, à máquina de café. Era tudo Braun ou
bolinha cor de laranja”. A bolinha cor de laranja talvez Vitsoe...” Miguel Vieira Baptista não ficou perturbado com
tenha sido a primeira imagem, o primeiro sinal. Rams este regime material quase totalitário. “São objectos dele,
antes de Rams. são funcionais, porque não? Ele justificava, dizendo que
“Na Alemanha, consegui conhecer ainda melhor o os testava. Mas eu acho que também passava pelo facto de
trabalho de Dieter Rams. E de outros, como Wagenfeld. serem tudo primeiras séries, ou protótipos, que lhe
Dieter Rams tinha sido director do Centro Alemão de chegavam de graça. Why not?”
Design. Um dia, estava na feira de Frankfurt, com um “A tua cultura material também se faz porque conheces
catálogo de Dieter Rams na mão, e comecei a falar com outras coisas, porque estás em contacto com outros
um desses amigos do stand do lado, que era do Centro objectos, outras experiências. Mas é óbvio que qualquer
Alemão de Design. Ele disse-me ' se o Rams te interessa designer é uma esponja. Qualquer designer onde vai, o
tens de comprar um livro que é fantástico. E ele ainda está que vê, está a observar.”
vivo!' Eu pensava que o Rams já tinha ido... Se calhar E numa casa, numa haus, entra-se pela porta. E foi isso
pelas datas dos produtos dele, se calhar pela quantidade que Miguel Vieira Baptista fez, começando pelo puxador
de coisas que tinha feito. De repente fiz um clique e, em desenhado por Rams, preso a uma porta gigante, por onde
2000, propus à EXD fazer uma exposição sobre a obra do se entrava para a exposição. A ideia fixou-a num desenho,
Dieter Rams no CCB. E fui à procura de Dieter Rams. uma linha que partia do puxador para desenhar o resto da
Consegui os seus contactos e fui a casa dele. Isto era uma casa. No apartamento reinventado, cada objecto ocupava
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altura em que o Dieter Rams ainda nem tinha ressurgido o lugar que ocuparia naturalmente num contexto
na Wallpaper nem na Icon. Era ainda uma coisa muito doméstico, e cada objecto, na medida do possível, estava
local, muito alemã. Se bem que os objectos dele exposto de maneira a ser tocado, mexido, interagindo com
estivessem por todo o lado. A varinha mágica. os outros objectos e com as pessoas. Uma exposição de
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A máquina de café...” design consumada. Com simulações de janelas, azulejos
Foi a casa de Rams e começou o “namoro”. O designer em MDF, uma escala doméstica, humanizando o enorme
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FOTO EXD
INSTAL ACÃO DA PE ÇA “ POR CE L ANA & COR TIÇA”
design ::
E xpos ição “ Sótão” , Mar z Galer ia, 2009

pé-direito do CCB, Vieira Baptista construiu um não conhecia a casa, nem a forma de trabalhar, nem certa contenção. Era preciso criar um espaço “As galerias são só um contexto que os designers
apartamento dentro do museu, com atelier, cozinha, os timings, nem nada. Depois, comecei a perceber suficientemente neutro para que os criadores pudessem encontraram para trabalhar, para fazer projecto. São
sala e casa de banho. a dinâmica da ModaLisboa e fiquei mais solto. Mas tive intervir, se assim o quisessem. Deixar espaço para que espaços para apresentar experiências, evoluções
sempre carta branca para fazer o que quisesse.” a obra se sobreponha ao espaço, e não o contrário (como projectuais que muitas vezes ficavam escondidas. Mas
M ODA L I S B OA Há alguma constante, é um percurso contínuo ou feito de acontece, depois, no projecto de interiores para a galeria quando as lanças, mesmo no contexto da galeria, essas
Em 2001, quando a Voyager 01 passeava pela Europa rupturas? “Havia sempre a necessidade de fazer rupturas. Marz). “Para além da pele do projecto, a minha peças estão resolvidas. Pelo menos no meu caso.”
e Dieter Rams ocupava o CCB, Miguel Vieira Baptista O que fica da ModaLisboa, que apesar de tudo é um preocupação era sempre resolver funcionalmente aqueles São experiências que funcionam. A incursão nas galerias
é convidado por Mário Matos Ribeiro para fazer o design evento para um grupo restrito de pessoas, por convite, são espaços, e trabalhar articuladamente com todas as começou com Cristina Guerra, em 2005, com Fernando
de espaços da ModaLisboa. Os convites a arquitectos imagens: fotografias e vídeos na televisão. De uma edição equipas.” A máquina da moda era um gigante que o Brízio.
e artistas plásticos para intervirem nos espaços da para a outra, tem de haver uma alteração qualquer nos designer foi capaz de domar. O lado efémero dos projectos “Há uma diferença entre a exposição que fiz na Marz e a
ModaLisboa, eram uma tradição. Faltava um designer. espaços que são mais registados, para marcar cada era aliciante. A oportunidade de ver as coisas feitas, bem exposição que fiz na Appleton. Na Marz, era um
Miguel Vieira Baptista foi contratado para fazer tudo. Todos momento.” Por isso a procura de espaços extraordinários feitas, mais rapidamente. bocadinho o revelar de um universo que estava
os espaços. Das salas de desfile aos bastidores, da sala VIP para o evento era sempre um dado muito importante. “Há escondido, que estava nos bastidores, no atelier. Na
aos stands dos patrocinadores. E as ligações, muitas vezes lugares fantásticos em Lisboa que foram descobertos pela GA L E R I A S Appleton, mostro produtos que estão resolvidos e
escondidas do público, espécies de “passagens secretas”, Modalisboa, que sempre teve esse papel dinamizador da Na Marz, subimos ao sótão. Na Appleton, abrimos preparados para irem para a indústria. Muitos contêm em
FOTO MIGUEL ÂNGELO GUERREIRO

mas funcionais. E produto: sofás gigantes, iluminação, cidade.” No Armazém 23, fez uma caixa com uma a gaveta. As duas exposições mais recentes de Vieira si a hipótese de se converterem num programa.”

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mobiliário. “Na altura eram 4 mil metros quadrados de enorme janela, com uma rede quase transparente em vez Baptista repetem a ideia de projectos guardados, em São protótipos acabados, prontos para serem produzidos
projecto. Havia budget. Para mim foram projectos de vidro, com vista para o rio. No Museu de História carteira, à espera de vez. Ou não. Às vezes as maquetes por qualquer empresa.
fantásticos.” Entre 2002 e 2007, foram dez edições da Natural, uma das edições mais memoráveis para o preferem não esperar. São levadas ao extremo, “Na Marz havia quase uma vontade pedagógica de
ModaLisboa. De armazéns portuários ao Convento do designer, arredou móveis e utilizou o espólio do museu, autonomizam-se, como produto. Outras, assumem-se mostrar que o design é uma disciplina séria, que dá

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Beato. Até Cascais. como animais embalsamados reunidos numa instalação. como maquetes (como o aparador em cartão), e mesmo trabalho, que não fala só da forma exterior. No fundo, há
“No início fui mais acompanhado, mais amparado, porque De qualquer modo, notava-se em todos os projectos uma assim estão acabadas. um trabalho intelectual intenso por trás dos projectos, um
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design :: design :: SAL A DE DE SF IL E S
ModaL is boa, 23ª edição, 2004

pensamento estruturado, e a galeria é um espaço onde Um desenho técnico em grafite, feito à mão em longas
podes mostrar isso, onde as pessoas estão atentas, têm horas, com uma minúcia quase doentia, repousa no chão,
mais tempo para pensar, e há quase uma sacralização do encostado à parede. É ali o seu lugar. Não é uma obra de
objecto. Irrita-me profundamente aquela ideia que se tem arte, não pode estar pendurado. “Na Appleton era quase
dos designers que é a de que fazem assim ' porque é giro' . o processo inverso do que apresentei na Marz. Queria
Qualquer criador pensa antes de fazer, há um trabalho mostrar que estou agarrado a esse lado da indústria que
intenso, de reflexão, de voltar atrás. Às vezes as pessoas entretanto se perdeu em Portugal, mas que sei e gosto de
acham que é realmente fácil, que é fútil. As artes plásticas trabalhar.”
há muito que resolveram esse problema.” Apresentou uma série de objectos em pequenas séries,
Um outro olhar. A aura do espaço galerístico assenta bem alguns em edição indefinida para deixarem em aberto
a estes objectos. Numa loja, pensamos se funciona, se não a possibilidade de serem produzidos industrialmente.
funciona, se precisamos ou não daquilo. Ali não. Por isso, É o caso do candeeiro Terrier ou das caixas Carril.
podemos contemplar demoradamente objectos como 78 Mas em Drawer também há quase esculturas, como
RPM (rotações por minuto). O desenho aqui é uma linha, os dois cilindros separados à nascença, Gémeos Falsos,
que se enrola à volta de uma base paralelipípeda para um exercício geométrico tridimensional, que revela o seu

FOTO DANIEL MALHÃO


chegar à forma final. A matriz nunca poderia ser cilíndrica. poder de ilusão num olhar mais atento. E uma mesa de
Uma base com arestas que depois são suavizadas pela lã apoio cuja leveza da forma contrasta com o seu peso
enrolada. O desenho linha transforma-se em desenho matérico: 47Kg, inscritos na sua pele, que é também
acumulativo, como no novelo, e os seus padrões o seu corpo, de cimento.
geométricos. Faltava um torno para fazer girar a base. “O trabalho de acompanhamento, de interesse, de
Então pensou no gira-discos. E o desenho é marcado pelo profunda dedicação que encontro por parte das galerias,
tempo. O tempo que cada peça demora a fazer, é uma coisa que nunca encontrei na indústria.” Com esta DE TAL HE DA SAL A DE DE SF IL E S
cronometrado, não ao mílimetro, mas ao segundo. estrutura, porque é que ainda não existe uma galeria ModaL is boa, 23ª edição, 2004

O contexto da galeria impõe-lhe um ritmo, obriga-o a exclusivamente dedicada ao design em Portugal? Porque
apresentar o seu corpo de trabalho periodicamente. Desde existe mercado, existem compradores (e a quantidade de
o verão, Miguel Vieira Baptista é oficialmente representado pontinhos vermelhos nas paredes, no dia da inauguração
pela Marz. É a primeira vez que uma galeria de arte dá conta disso). Será só porque somos um país pequeno?
portuguesa inclui na sua “lista de artistas” dois designers “Acho que realmente o problema é do público, porque
(Vieira Baptista e Fernando Brízio). Em 2008, Miguel Vieira cada exposição é superdivulgada, e até corre bem a
Baptista desenvolveu o projecto de interiores da galeria, inauguração, mas depois o público não segue.
procurando que o espaço não rivalizasse com as obras que O desinteresse das pessoas é cultural. As pessoas não se
contém. Talvez a intervenção mais autoral seja o corpo interessam. Os portugueses, quando estão lá fora, fazem
principal da entrada, encostado à montra, que começa não sei quantos quilómetros para irem à (extensão do
como arquitectura e se transforma em mobiliário, quase MoMA) PS1, em Nova Iorque. Vão ao outro lado,
como um “packaging” que se abre, em planos que se metem-se no comboio, ou estão na fila do MoMA que dá
transformam em mesas, bancos, balcões. três voltas ao quarteirão. E cá, acham que ir a Alvalade, à
Na Appleton, Miguel Vieira Baptista resolveu empurrar Marz, é longíssimo!”
os objectos para um canto. Não foi inocente. Queria
guardá-los a um canto, como se guardam as coisas numa
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gaveta, projectos que um dia ganharão corpo. Queria
também mostrar que apesar de estarem numa galeria,
estes objectos não são arte. São design. E, por isso, em vez
de os deixar espreguiçar a sua aura pela imensidão das
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paredes, amontoou-os naquela esquina, encenando uma
escala doméstica que em certa medida os dessacraliza.
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FOTO MLX

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