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Condenados às galés

As embarcações eram um dos destinos mais cruéis para quem cometia crimes contra
a Igreja.
Emanuel Luiz Souza e Silva
2/2/2011

Gravura anônima da seção transversal da galé Almirante de Reale

Um ambiente sujo, sem ventilação, com um calor insuportável. Neste lugar, os homens conviviam com
alimentos estragados e corriam o risco constante de contrair doenças. Esses e outros percalços eram
enfrentados pelos galerianos, condenados a fazer trabalhos forçados em galés. Nessas embarcações
movidas a remo, amplamente utilizadas no Mar Mediterrâneo desde a Antiguidade, muitos homens foram
submetidos a grandes privações e dificuldades.

As galés estavam entre as principais embarcações de guerra europeias até o desenvolvimento da


navegação, a partir do século XVI. Elas possuíam velas que, apesar de serem muito rudimentares,
auxiliavam em sua movimentação. Mas, para que ganhassem os mares, era necessário recorrer à força de
cerca de 250 homens, recrutados de diversas formas. Eles podiam ser escravos condenados pela Justiça,
que trocavam suas penas por trabalhos temporários nas galés, ou voluntários em busca de salário. Com o
passar do tempo, esse recrutamento passou a priorizar os cativos e aqueles que cumpriam pena, pois não
era necessário pagar pelos seus serviços. Em Portugal, os prisioneiros eram simplesmente retirados dos
cárceres e acorrentados às galés durante alguns combates, como na batalha de Arzila, travada no norte da
África em 1471.

A partir do século XVI, muitos portugueses foram condenados pela Inquisição a servir nas galés por
períodos que variavam de três a dez anos. Este também foi o destino de vários homens nascidos no Brasil.
O Tribunal do Santo Ofício, instituído em Portugal em 1536, se valeu desse tipo de pena para castigar
quem não seguisse os padrões morais e doutrinários por ele estipulados. Além dos tribunais eclesiásticos,
as leis do reino também puniam delitos relacionados à fé. Entre os criminosos na esfera civil que foram
condenados ao degredo nas galés havia muitos que “blasfemavam de Deus ou dos Santos”.

Essa norma está descrita nas Ordenações Filipinas de 1603, um conjunto de leis do direito penal em
Portugal. Segundo esta regra, os indivíduos que blasfemassem mais de uma vez contra os santos ou contra
Deus pagariam a soma de quatro mil-réis em dinheiro e seriam degredados às galés durante um ano.
Geralmente essas pessoas tinham menor condição social, como os “peões”, ou seja, os plebeus. A
Inquisição determinava que diversos delitos poderiam levar o indivíduo a ser condenado às galés. Quem
fizesse uma confissão à Inquisição, jurando falar a verdade perante as autoridades inquisitoriais, e
posteriormente dissesse que havia mentido sobre as declarações feitas era inserido no Regimento do Santo
Ofício de 1640. O sujeito seria punido se afirmasse que não foi responsável pelo delito que o levou a
confessar, mesmo depois de liberado. Como castigo, ele seria açoitado e degredado por um período que
variava de cinco a oito anos. Os blasfemos, os falsos padres, os bígamos e os sodomitas, entre outros que
tivessem desvios de conduta de acordo com a Inquisição, sofreriam condenações semelhantes.

Em geral, quem era enviado para trabalhar nas galés vivia pouco, devido à ausência de refeições
saudáveis, à labuta incessante sem descanso e às agressões físicas sofridas – chicotadas – pelo não
cumprimento das ordens dadas. Os galerianos também usavam calcetas – argolas de ferro com corrente
presas à perna –, coisa que só aumentava o sofrimento para quem fazia trabalhos forçados. O cansaço e as
dificuldades resultantes de tanta pressão provocavam o que era considerada por muitos uma morte lenta e
sofrida.

As viagens feitas pelas tripulações eram relativamente curtas: duravam, em média, três meses. Os
destinos mais frequentes eram as águas próximas ao porto de Lisboa, o norte da África e o Oriente, onde
os portugueses tinham colônias, como na Índia.Isso acontecia por conta de limitações que os tripulantes
dessas embarcações experimentavam. Uma delas se referia ao transporte dos mantimentos. A água e a
comida, por exemplo, viajavam no mesmo ambiente que os sentenciados ocupavam durante a sua estadia
no mar, o que fazia com que o risco de os alimentos estragarem fosse enorme. A alimentação dada aos
galerianos variava entre biscoitos duros, carne salgada, ervilha e lentilha, todos os itens distribuídos em
pequenas porções.

Eram poucos os galerianos que saíam sem nenhuma sequela desses trabalhos forçados. Na maioria dos
casos, eles contraíam doenças, como úlcera, ficavam aleijados, perdiam a consciência ou morriam nas
galés. Das penalidades aplicadas na época, o degredo para as galés era a mais severa, muito mais rigorosa
do que o desterro para o Brasil ou para regiões da África. Só não era considerada pior do que a morte na
fogueira.

Dos quatro cantos do atual território brasileiro, havia colonos que partiram rumo à metrópole portuguesa
para servir nas galés. Entre muitos exemplos está o de Manuel de Oliveira, natural de Olinda, em
Pernambuco, que foi preso pela Inquisição no dia 5 de julho de 1594, acusado de heresia e condenado a
uma pena de três anos. Já no século XVIII, o marinheiro Bernardo José Ferraz, de Paranaguá, bispado de
São Paulo, foi detido e processado por bigamia. Acabou servindo numa galé durante cinco anos. Além
desses, outros portugueses que viviam nas capitanias de Maranhão, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Grão-Pará, entre outras, tiveram esse mesmo destino.

A trajetória do colono Manuel Lourenço Flores é uma das mais curiosas. Ele vivia na freguesia de São João
de Itaboraí, bispado do Rio de Janeiro, mas, antes disso, viveu boa parte do tempo em Portugal, onde se
casou com Maria Pimentel. Depois de chegar ao Brasil, em meados do século XVIII, e tendo deixado sua
mulher em Portugal, ele resolveu se casar novamente, o que fazia dele um bígamo legítimo. Mas sua
ousadia e seu desrespeito aos sacramentos cristãos foram ainda mais longe. Depois de contrair matrimônio
com Maria Vieira, ele não sossegou e ainda se casou uma terceira vez, com Maria das Neves, a quarta com
Maria da Conceição, a quinta com Rosa Maria da Conceição e a sexta com Ana de Sousa. Manuel Flores era
o que poderia se chamar de um casamenteiro incorrigível, e por isso foi acusado pela Inquisição de
poligamia. Processado, acabou sendo condenado a trabalhar nas galés durante dez anos. Em 1755,
enquanto ainda cumpria sua pena, e aproveitando um terremoto que abalou Portugal na ocasião, ele
tentou fugir da prisão, mas não teve sucesso.

Embora esse tipo de punição fosse comum e aceito pelas sociedades portuguesa e colonial, o número de
galerianos começou a diminuir com a queda na construção de embarcações a remo, causada pelo avanço
nas técnicas de navegação e pelo surgimento dos navios a vapor. O contingente de degredados passou a
ser utilizado nas obras públicas. Afinal, recrutar condenados para esse trabalho representava um gasto a
menos para a Coroa.
Emanuel Luiz Souza e Silvaé professor do curso de História da Faculdade Cenecista de Senhor do Bonfim
e autor da dissertação “‘Juntos à Forca’: A Família Lopes e a Visitação do Santo Ofício à Bahia. (1591-
1593)” (Uefs, 2010).

Saiba Mais - Bibliografia

AMADO, Janaína. “Viajantes involuntários: degredados portugueses para a Amazônia colonial”. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. VI, 813-832. Rio de Janeiro: setembro de 2000.

BRAGA, Paulo Drumond. “Os Forçados das Galés: percursos de um grupo marginalizado”. In: Carlos
Alberto Ferreira de Almeida In Memoriam, vol. I. Porto: Universidade do Porto, Faculdade de Letras,
1999.

FONSECA, Paloma Siqueira. “A presiganga, uma galé nos trópicos”. Revista Archai, nº 1. Brasília: junho de
2008.

PIERONI, Geraldo. Excluídos do Reino: A Inquisição Portuguesa e o Degredo para o Brasil Colônia. Brasília:
Editora da Universidade de Brasília, 2000.

Saiba Mais - Internet

Revista Archai

http://archai.unb.br/revista.

Saiba Mais - Filme

“Ben-Hur”, de William Wyler (EUA, 1959).

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