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(2ª) Em consonância com as Metamorfoses de Ovídio (trad. 1975, III, pp. 339-
355), deixadas de lado por Freud, o uso freudiano de “narcisismo” parece inicialmente evocar
a conotação “clássica” ou mesmo do senso comum do conceito extremo de amor próprio.
Simultaneamente, no entanto, o narcisismo está ligado à compreensão psicanalítica da
capacidade humana para (cair) o amor e a escolha objetal em geral. Em consonância com " o
narcisismo uma introdução" de Freud, que preparou o caminho para uma compreensão da
relação objetal dos misteriosos caminhos da Libido, a ligação entre o narcisismo e o amor foi
enfatizada por muitos dos seguidores de Freud (por exemplo, Balint, 1951; Lear, 1990).
Embora aspectos adicionais do narcisismo também pudessem ser explorados nos anos
seguidos pelos pós-freudianos como Heinz Kohut (1977), Otto Kernberg (1992), Sheldon Bach
(1977) e André Green (2001), é surpreendente que "Uma introdução ao narcisismo" parece
negligenciar o espectro agressivo do narcisismo. Especialmente dada a presença proeminente
da paixão do amor, um aspecto negativo óbvio do narcisismo parece funcionar como o ponto
cego do texto: a paixão destrutiva do ódio.
(3ª) O fascínio de Freud na época com a neurose obsessiva, porém, logo o levaria a
reconsiderar a questão do ódio em seus chamados "artigos sobre metapsicologia", que
incluem a última parte negligenciada de seu artigo "Instintos e seus destinos" ( 1915), escrito
logo após “sobre o narcisismo” (1914). Neste artigo, releio “Os instintos e seus destinos” de
Freud como um complemento necessário de “uma introdução ao narcisismo”. Embora a
questão do ódio não seja levada em conta, argumentarei que “uma introdução ao narcisismo”
é o necessário pano de fundo para "Instintos e seus destinos". O último texto desempenha um
papel crucial para a compreensão da mudança conceitual na descrição de Freud da relação
entre amor e ódio. Por um lado, “uma introdução ao narcisismo” parece estar de acordo com
o relato anterior de Freud de que o amor é a paixão principal e central, considerando o ódio
como uma paixão secundária e uma transformação do amor. Por outro lado, a introdução do
narcisismo de Freud prepara o caminho para um relato totalmente diferente de amor e ódio,
trocando o amor pelo ódio como a paixão humana primária. Essa visão é explicitamente
desenvolvida em "Instintos e seus destinos". Argumento que esse é o único texto em que
Freud desenvolve uma genuína metapsicologia do ódio. Freud não apenas distingue o ódio do
sadismo como um fenômeno autônomo pela primeira vez, mas o amor é apresentado como
secundário ao ódio. A possibilidade do amor superar o ódio na relação objetal primária do ego
só pode ser revelada pela reconsideração da fenomenologia do ódio de Freud.
(6ª) No entanto, a confusão conceitual continuaria a existir. Em certo sentido, isso não
é surpresa; a questão da agressividade humana não era a preocupação de Freud naquele
tempo. Desde os estudos sobre a histeria (1895), Freud estava interessado principalmente nas
psiconeuroses através das lentes da histeria. Esse foco predominante começou a mudar por
volta de 1909 no caso de pequeno Hans (1909), que sofria de histeria e de neurose de
angústia, é claramente uma prova da matriz de pesquisa histérica de Freud, o caso de homem
dos ratos (1909) anuncia uma mudança para neurose obsessiva. Ao contrário dos casos
histéricos, na neurose obsessiva, a questão da agressividade, e notavelmente o tema do amor
e do ódio, assume importância central, e em “Instintos e suas vicissitudes” Freud apresenta um
estudo explícito sobre a agressividade humana, que finalmente consegue diferenciar entre
sadismo e ódio, estabelecendo uma genuína fenomenologia do ódio.
(7ª) Em "Instintos e seus destinos", Freud esboça, pela primeira vez, uma
imagem meta-psicológica do ódio que deve ser radicalmente distinguida de seus relatos
anteriores. Embora ausente em “uma introdução ao narcisismo”, o ódio foi brevemente
mencionado no final de “predisposição a neurose obsessiva”, um texto curto que foi publicado
na época em que Freud escrevia “sobre o narcisismo uma introdução”. No texto anterior,
Freud já está insinuando na “possibilidade” de uma descrição particular e genuína do ódio,
além do sadismo. Ele faz isso no contexto de algumas considerações preliminares do
desenvolvimento do ego em neurótico obsessivos. Segundo Freud, “algum grau dessa
precocidade do desenvolvimento do ego” é “típico da natureza humana” (1913, p. 325). Deve-
se notar que, nesta mesma passagem, e antes de sua afirmação de renome que "deve haver
algo adicionado ao auto-erotismo - uma nova ação psíquica -, a fim de trazer o narcisismo",
Freud reconhece explicitamente que o ego não é - assim fala - disponível inicialmente, mas
pressupõe um processo de desenvolvimento (1914, p. 77). No contexto desse relato
desenvolvimentista do ego, Freud enfatiza “o fato de que, na ordem do desenvolvimento, o
ódio é o precursor do amor” (1913, p. 325). Além de sua referência explícita ao trabalho de
Sandor Ferenczi sobre o desenvolvimento do ego - suas Etapas no desenvolvimento do senso
de realidade (1913) em particular - Freud também reconhece a prioridade desenvolvimentista
do ódio comparada ao amor, um ponto de vista de seu pupilo Wilhelm Stekel. Dois anos antes,
em Die Sprache des Traumes (1911), Stekel definiu o ódio como o fundamento de todos os
eventos psíquicos. Ele argumenta que uma nova concepção de vida que depende do ódio,
tanto como elemento primordial quanto como base de sentimentos altruístas, pode ser
defendida (1911, p. 536) . De fato, a adoção de Stekel da idéia nietzschiana de que o amor
“Cresce separado do ódio” (May, 2011, p. 193) é exatamente o relato do ódio que Freud está
elaborando em “Instintos e suas vicissitudes”. 4
(8ª) Deve-se notar que a visão freudiana do ódio em “Instintos e seus destinos”
só poderia entrar em perspectiva, dada a preocupação de Freud com a neurose obsessiva,
desde o estudo de caso de homem dos ratos (1909) 5. No quadro da neurose obsessiva, suas
novas ideias sobre o desenvolvimento do ego e o papel dos instintos do ego ocupam um lugar
proeminente. É claro que a análise do ódio de Freud está de acordo com suas sugestões finais
em “A Disposição para a Neurose Obsessional”. Ao mesmo tempo, no entanto, uma nova
elaboração sobre o ódio só poderia ser realizada como pano de fundo de “uma introdução ao
narcisismo”(1914).
(9ª) A análise de Freud sobre o ódio em “Instintos e seus destinos” parte da ideia de que
o ódio deve ser entendido como originário do amor e, portanto, tem sua origem na
sexualidade. Sobre o amor e o ódio, Freud escreve o seguinte: “É impossível duvidar que
exista a relação mais íntima entre esses dois sentimentos opostos e a vida sexual” (1915, p.
133). Além disso, a relação de amor e ódio é apresentada aqui como uma ilustração única de
uma única instância das vicissitudes dos instintos, isto é, a “reversão em seu oposto”.
Contrariando as vicissitudes do “sadismo original”, essa inversão específica no oposto do
instinto não implica "uma mudança de atividade para passividade", mas uma “inversão de seu
conteúdo”. Freud afirma que o último caso é “encontrado no único caso da transformação do
amor no ódio” (1915, p. pp. 126-127). Mais especificamente, essa “inversão de conteúdo” do
amor no ódio implica “a mudança do conteúdo de um instinto em seu oposto”. Segundo
Freud, isso pode ser “observado apenas em uma única instância - a transformação do amor em
ódio ”(1915, p. 133).
(10ª) À primeira vista, a caracterização de amor e ódio de Freud está completamente
alinhada com seu relato anterior: o amor é apresentado como o oposto do ódio em relação ao
seu conteúdo, com os dois sentimentos opostos inter-relacionados. Na mesma linha de
pensamento, Freud declara que o amor é anterior ao ódio. Em outras palavras, o ódio se
origina do amor. Esta é a mesma posição que ele articulou no estudo de caso do Homem dos
Ratos: o amor é mais velho do que o ódio, e o ódio é uma transformação parcial do amor. uma
explicação adequada do ódio pressupõe uma explicação detalhada do que é exatamente
entendentido por amor “ E, de fato, Freud faz uma tentativa de definir o status do amor, mas é
claro que se trata de um empreendimento problemático, principalmente porque ele tenta
definir o amor aplicando o conceito de instinto. Assim, ele conclui que “estamos naturalmente
sem votade de pensar o amor como sendo algum tipo de instinto componente especial da
sexualidade, da mesma forma que os outros que estivemos discutindo” (1915, p. 133). Para
Freud, o amor deve ser entendido “como a expressão de toda corrente sexual de sentimento ”
(1915, p. 133). Isto implica que falar sobre o amor pressupõe a condição na qual ambos os
instintos componentes são subordinados sob a primazia dos genitais e uma esco lha objetal
(adulta) é possível. Isto significa que o amor, em termos de “amor objetal”, não é de todo um
dado, mas é efetuado por um processo de desenvolvimento. Isso faz sentido porque o conceito
de amor de Freud implica um sujeito narcisista, que também é o resultado de um
desenvolvimento. Isso implica que o amor precisa ser entendido principalmente levando -se
em conta as vicissitudes do narcisismo, em vez de apelar para os instintos. É claro que essa
visão tem conseqüências imediatas para a interpretação do ódio de Freud. O ódio não pode
igualmente estar presente desde o início e, portanto, pressupõe o desenvolvimento e a
expressão do ego. Nesse sentido, os sentimentos opostos de Freud pressupõem um terreno
comum, porque o amor e o ódio implicam a existência de um sujeito narcisista.
(11ª) Freud deixa claro que o amor e o ódio não são condições pré-existentes. A situação
caracterizada pela antítese entre amar e odiar pressupõe outra condição, isto é, a condição de
“indiferença”. “O amor e o ódio tomados juntos são o oposto da condição de desinteresse ou
indiferença”, argumenta Freud (1915, p. 133). ). A seguir, veremos que, segundo Freud, a
condição de indiferença corresponde a uma configuração particular do ego anterior à
possibilidade do amor e do ódio. Ele elabora essa hipótese em “A Disposição à Neurose
Obsessiva”, sustentando que, em neuróticos obsessivos, o ódio deve ser considerado em
relação à questão do desenvolvimento do ego (1913, p. 325).
Originalmente, no início da vida mental, o ego é catexizado com instintos e é, até certo
ponto, capaz de satisfazê-los em si mesmo. Nós chamamos essa condição de "narcisismo"
e este modo de obter satisfação "auto-erótica" (1915, p. 134).
(15ª) Além de contribuir para a compreensão adicional dos pares de opostos, a condição
narcísica também permite que Freud reconsidere sua descrição da satisfação dos instintos do
ego. A coincidência de "ego" e "prazer" implica que o ego atribui o prazer, experimentado na
satisfação de necessidades e alcançado através da mediação externa do mundo, a si mesmo.
Isso permite que Freud afirme o seguinte:
Neste momento, o mundo externo não é catexizado com interesse (em um sentido geral) e
é indiferente para fins de satisfação. Durante esse período, portanto, o ego -sujeito
coincide com o que é prazeroso e o mundo externo com o que é indiferente (ou
possivelmente desagradável, como sendo uma fonte de estimulação). (1915, pp. 134 -
135).
(16ª) Assim, o ego do narcisismo primordial é definido por Freud como o “ego-realidade
original”, que distinguia o interno e o externo por meio de um critério objetivo sadio ”(1 915,
p. 136). A indiferença em relação ao mundo externo implica que o mundo externo não é
experimentado pelo ego como "externo" ou "não-ego". Portanto, qualquer conflito entre um
mundo interno e um mundo externo está totalmente fora de questão. A experiênc ia do prazer
vai junto com a existência de um ego. Este ego é tudo o que existe e, portanto, está
impossivelmente interessado no mundo externo. No contexto desse estado narcisista primario,
“amoroso” é definido por Freud como “a relação do ego com suas fon tes de prazer” (1915, p.
135). Isso significa que o amor está preocupado com os benefícios para o ego. Esses
benefícios incluem as experiências de prazer do ego na satisfação de suas necessidades ou de
suas tendências libidinais. Dado o fato de que a condição narcisista primária exclui qualquer
outra experiência, porém do ego, a relação do ego com suas fontes de prazer implica uma
relação consigo mesmo. Nessa condição, de fato, existe apenas uma realidade: tudo coincide
com o ego e com prazer. O ego não é assim posicionado contra o mundo, mas o ego é o
mundo. É assim que devemos entender a seguinte afirmação de Freud: “A situação em que o
ego se ama apenas e é indiferente ao mundo externo ilustra o primeiro dos opostos que
encontramos para 'amar'” (1915, p. p. 135). Portanto, o ego, coincide com o mundo, pode ser
considerado como um ego solipsista, completamente dominado pelo prazer. Esta condição
implica que o prazer é a única realidade.
(17ª) No estado narcisista primário, tanto o prazer através da satisfação libidinal quanto o
prazer através dos instintos de autopreservação são atribuídos ao ego. No entanto, o estado
narcisista primordial é subvertido pelos instintos posteriores. Freud argumenta:
Na medida em que o ego é auto-erótico, não tem necessidade do mundo externo, mas, em
conseqüência de experiências sofridas pelos instintos de autopreservação, adquire objetos
desse mundo e, apesar de tudo, não pode evitar sentir estímulos instintivos internos por
um tempo tão desagradável. (1915, p. 135).
(18ª) Isso significa que, pela primeira vez, o mundo do ego, que é inteiramente
governado pelo princípio do prazer, é subvertido por estímulos instintuais internos. Os
últimos estão associados aos instintos de autopreservação. Quando as necessidades internas
não são (imediatamente) satisfeitas, elas causam desprazer, subvertendo a condição narcísica
primaria. Freud sustenta que o indivíduo “em um estágio inicial” tem a experiência “de que
pode silenciar estímulos externos por meio de ação muscular, mas está indefeso contra
estímulos instintivos” (1915, p. 134). A criança é confrontada com o desprazer resultante de
estímulos dos instintos de autopreservação. Simultaneamente, no entanto, o proprio organismo
é confrontado com um mundo externo. Isso significa que o desprazer relacionado à
autopreservação direciona a criança para o mundo externo. Só então o último confronta o
mundo do ego. Na experiência do desprazer, que se origina dos instintos de autopreservação,
o mundo externo apresenta-se como objeto diante do ego. Em outras palavras, o desprazer é
responsável pelo surgimento do ego como diferenciado de um "exterior".
(19ª) Freud deixa claro que o confronto com o desprazer inaugura uma nova fase de
desenvolvimento. Ele argumenta: "Sob o domínio do princípio do prazer, um novo
desenvolvimento agora ocorre no ego" (1915, pp. 135-136). No momento da experiência do
desprazer, o mundo externo é forçado sobre o ego como algo externo e desagradável pela
primeira vez. É precisamente nesse ponto que Freud situa a transição desenvolvimental do
“ego-realidade” original em “um ego-prazer purificado”, que coloca a característica do prazer
acima de todas as outras ”(1915, p. 136). Pela primeira vez, o ego tem a experiência de que o
prazer não é a única realidade. Apesar do confronto com o fato de que nem tudo é prazeroso,
no entanto, o ego do prazer purificado leva a busca do prazer como sua regra evidente. A esse
respeito, a qualificação do ego-prazer como sendo “purificado” não pode ser compreendida
apenas em termos do ego-prazer estar sob o encanto do princípio do prazer. Simultaneamente,
no entanto, o ego está pelo menos igualmente familiarizado com a experiência do desprazer -
embora sem estar na busca do último. De acordo com Freud, o ego prazer purificado consegue
continuar sua condição prazerosa da seguinte maneira:
(20ª) Na medida em que os objetos que lhe são apresentados são fontes de prazer, eles
os tomam em si mesmos, “os introjetam” (para usar o termo de Ferenczi [1909] ); e, por outro
lado, expulsa o que em si se torna uma causa de desprazer. (Veja [..] O mecanis mo de
projeção]. 1915, p. 136).
(23ª) A condição do ego prazer purificado implica que o estado narcísico original
mencionado acima dá lugar ao “estágio do narcisismo primário” (1915, p. 136). Nesse estágio,
há um ego que se posiciona como um sujeito em oposição ao mundo exterior como um objeto.
Assim, o ego-prazer purificado não é mais indiferente, mas posiciona-se ativamente contra o
mundo externo desagradável. Freud escreve que quando “o objeto faz sua aparição, o segundo
oposto ao amor, ou seja, o ódio, também alcança seu desenvolvimento” (1915, p. 136). Freud
nos lembra, de fato, que o ódio começa a se desenvolver através da primeira experiência de
desprazer. As primeiras rachaduras no ego primordial real foram causadas pela frustração dos
instintos de autopreservação:
O objeto é trazido para o ego a partir do mundo externo, em primeiro lugar, pelos instintos de
autopreservação; e não se pode negar que o ódio, também, originalmente caracterizou a
relação do ego com o mundo externo desconhecido, com os estímulos que ele introduz. (1915,
p. 136)
(24ª) Quando o mundo exterior, ao qual o ego era antes indiferente, se manifesta como
desagradável por meio da expressão de necessidades insatisfeitas, o ódio surge. A partir deste
momento, o mesmo mundo exterior, que não importava em absoluto na condição de
indiferença, é experimentado como objeto de ódio. Dessa perspectiva, a indiferença é o
precursor do ódio. “A indiferença se encaixa como um caso específico de ódio ou antipatia,
depois de ter surgido como seu antecessor”, argumenta Freud. “No começo, parece que o
mundo externo, os objetos e o que é odiado são idênticos” (1915, p. 136). No entanto, o ego -
prazer purificado funciona de uma maneira extremamente oportunista e apenas se conforma
com o princípio do prazer. O amor é assim reduzido por Freud à experiência do prazer po r
meio do que serve ao ego. Isso implica que o amor funciona pragmaticamente e diz respeito
ao objeto que antes era odiado:
Se mais tarde um objeto se tornar uma fonte de prazer, ele é amado, mas também
incorporado ao ego; de modo que, para o ego prazer purificado, mais uma vez os
objetos coincidem com o que é estranho e odiado. (1915, p. 136)
(25ª) O amor e ódio do ego prazer purificado é definido por Freud em termos de
"relações". Ele reconhece que, "quando o estágio puramente narcisista deu lugar ao es tágio-
objeto, prazer e desprazer significam relações do ego com objeto ”(1915, pp. 136-137). Na
condição de amar, a relação do ego prazer purificado com um objeto pode ser
correspondentemente entendida referindo-se ao conceito de "introjeção" de Ferenczi. O ego-
prazer purificado continua a expandir seu mundo incorporando objetos prazerosos à medida
que aparecem. Essa relação é descrita por Freud da seguinte forma:
(26ª) Se o objeto se torna uma fonte de sentimentos prazerosos, cria -se um impulso
motor que busca aproximar o objeto do ego e incorporá-lo ao ego. Em seguida, falamos da
“atração” exercida pelo objeto que dá prazer e dizemos que “amamos” esse objeto. (1915, p.
137). Em certo sentido, o objeto prazeroso perde seu status de objeto em relação ao ego de
prazer purificado, a introjeção resulta no objeto tornar-se parte do ego. A relação implícita no
amor é caracterizada pelo prazer no amor-próprio que agora engloba o mundo do ego
estendido.
Poderíamos dizer, por exemplo, que o instinto “ama” os objetos para os quais se
esforça para fins de satisfação; mas dizer que um instinto "odeia" um objeto nos
parece estranho. Assim, nos tornamos conscientes de que as atitudes de amor e ódio
não podem ser usadas para as relações de instintos com seus objetos, mas são
reservadas para as relações do ego total com os objetos. (1915, p. 137)
Esse ego total assume-se como um objeto no amor, enquanto no caso do ódio, o objeto é o
mundo externo.
(32ª) Além disso, no que diz respeito aos instintos e à satisfação instintiva, há
outra diferença significativa entre o amor e o ódio. O amor é especificamente caracterizado
pela experiência do prazer relacionado aos instintos sexuais. Além do fato de que o amor
requer uma relação prazerosa com um objeto externo, Freud também aponta a experiência
particular do prazer na satisfação sexual. Freud explica isso da seguinte maneira:
Assim, a palavra "amar" avança cada vez mais para a esfera da pura relação de prazer
do ego com o objeto e finalmente se fixa aos objetos sexuais no sentido mais estrito e
àqueles que satisfazem as necessidades dos instintos sexuais sublimados. A distinção
entre os instintos do ego e os instintos sexuais que impomos à nossa psicologia é,
portanto, vista como estando em conformidade com o espírito de nossa linguagem.
(1915, p. 137).
(34ª) O fato de que nós não temos o hábito de dizer que de um único instinto
sexual que ama seu objeto, mas considerar a relação do ego com seu objeto sexual como o
caso mais apropriado para empregar a palavra “amor” - este fato nos ensina que a palavra só
pode começar a ser aplicada nesta relação depois que houver uma síntese de todos os instintos
componentes da sexualidade sob a primazia dos genitais e a serviço da função reprodutiva.
(1915, pp. 137-138).
(35ª) É claro que para Freud tanto o amor quanto o ódio pressupõem um ego
que é investido em um relacionamento com um objeto externo. Além do fato de que esse tipo
de relacionamento é expresso muito mais cedo no ódio do que no amor, há uma diferença
muito mais importante entre os dois. Isso tem a ver com os instintos que estão em jogo no
caso do ódio. A esse respeito, Freud faz a seguinte observação: “Vale ressaltar que, no uso da
palavra ódio, nenhuma conexão íntima com o prazer sexual e a função sexual aparece. A
relação de desprazer parece ser a única decisiva ”(1915, p. 138). Embora a experiência do
desprazer, que é a base do ódio, se refira principalmente à frustração dos instintos do ego,
Freud deixa a natureza específica do ódio motivador do desprazer indeciso, mas, no entanto,
entende claramente o ódio como uma manifestação instintos do ego. Ele diz:
O ego odeia, abomina e persegue com a intenção de destruir todos os objetos que são
uma fonte de sentimento desagradável, sem levar em conta se eles significam uma
frustração da satisfação sexual ou da satisfação de necessidades autoconservadoras.
De fato, pode-se afirmar que os verdadeiros protótipos da relação de ódio derivam não
da vida, mas da luta do ego para se preservar e se manter. (1915, p. 138)
(37ª) Entendendo o ódio como uma manifestação particular originada dos instintos do
ego, Freud denuncia sua hipótese anterior, que apresentava o amor e o ódio como uma
“inversão de conteúdo”. A partir de agora, o amor e o ódio são considerados dois fenômenos
diferentes. Freud explica isso da seguinte maneira:
O amor e o ódio que se apresentam a nós como opostos completos em seu conteúdo,
afinal de contas, não têm qualquer relação simples um com o outro. Eles não surgiram
da clivagem de qualquer entidade originalmente comum, mas surgiram de diferentes
fontes, e tiveram cada um o seu próprio desenvolvimento antes que a influência da
relação prazer-desprazer os transformasse em opostos. (1915, p. 138)
(38ª) De acordo com Freud, a oposição entre ódio e amor surge muito tarde:
“Somente quando a organização genital é estabelecida o amor se torna o oposto do ódio”
(1915, p. 139). Diferentemente da condição do amor, só pode haver ódio quando um ego de
prazer purificado surge. Freud afirma que “o ódio, em relação aos objetos, é mais antigo que o
amor” (1915, p. 139).
(41ª) Enquanto Freud, no estudo de caso do Homem dos Ratos, ainda estava
convencido de que "o amor, se lhe for negada satisfação, pode facilmente ser parcialmente
convertido em ódio" (1909, pp. 238-239), "Instintos e Suas Vicissitudes" demonstra sua
mudança de opinião. De fato, Freud retorna a esse exemplo específico, referindo -se à sua
opinião anterior: “Se uma relação amorosa com um dado objeto é rompida, o ódio não raro
surge em seu lugar, de modo que temos a impressão de uma transformação do amor em ódio
”(1915, p. 139, itálico do autor para ênfase). Embora os motivos sexuais possam estar em
jogo, o ódio em questão não tem sua origem em uma fonte sexual. Freud mantém a idéia de
que o ódio, que tem seus motivos reais, é aqui reforçado por uma regressão do amor ao
estágio preliminar sádico; para que o ódio adquira um caráter erótico e a continuidade de uma
relação de amor seja assegurada ”(1915, p. 139).
Conclusão
Em contraste com a leitura mais óbvia do texto, enfocando a questão específica no título,
"Instintos e suas vicissitudes" foi apresentado aqui com um foco particular na última parte do
texto, muitas vezes negligenciada. Essa leitura atenta nos permite destacar o texto a partir da
perspectiva do crescente interesse de Freud pelo ego e seu desenvolvimento. Como tal,
"Instincts and their Vicissitudes" (1915) torna-se um passo adicional na evolução do
pensamento de Freud, começando em "Predisposição a neurose obsessiva" (1913) e
culminando em "On Narcissism: An Introduction" (1914). Em "Instincts and their
Vicissitudes", fica claro que a introdução do narcisismo por Freud não apenas colocou sua
marca na concepção já existente de questões como sadismo e masoquismo, mas permitiu, em
maior escala, uma verdadeira descrição freudiana do ódio. O ódio é apresentado por Freud
como uma expressão de agressão não-sexual a ser distinguida das perversões do sadismo e
masoquismo, sendo esta última uma expressão de agressividade sexual. Nessa perspectiva,
“Instincts and their Vicissitudes” não apenas se torna um dos lugares mais importantes onde
Freud argumenta em favor de uma agressividade além da agressividade não -sexual, mas
também revela o ódio como o lado sombrio do narcisismo que foi deixado despercebido em “
Sobre o narcisismo ”. A primazia do ódio como amor anterior também implica a revelação do
ódio como a verdade obscura do amor. A possibilidade humana da paixão do amor é
apresentada por Freud como uma vitória sobre o ódio