Vous êtes sur la page 1sur 8

Número 1, Fevereiro de 2017

SÍRIA: A ÚLTIMA GUERRA DE OBAMA∗ res da doutrina do intervencionismo ocidental, como


Samantha Power (2001; 2002). Como esquecer das
alusões feitas entre a Bósnia e o Kosovo com os cam-
Autor: Miguel Borba de Sá* pos de concentração nazistas; das “armas de destrui-
ção em massa” que supostamente Saddam Hussein
Edição e revisão: Bárbara Dias
usaria contra civis inocentes; da “catástrofe humani-
tária” no Haiti de Aristide3; e das “atrocidades cometi-
* A versão completa desse artigo foi publicada no site da das por Kadafi” contra seu próprio povo, que suposta-
rede Jubileu Sul em 5 de janeiro de 2017. Cf. mente se rebelara na cidade de Benghazi?4 Além de
http://www.jubileusul.org.br/nota/4164
assinalar a seletividade eticamente duvidosa frente à
calamidades de igual urgência e gravidade, é preci-
Ao contrário do que o senso-comum costuma
so perguntar com insistência e cobrar respostas dos
propagar, o fim da Guerra Fria em 1989/1991 não
defensores do intervencionismo ocidental: qual é o
alterou por completo a totalidade das políticas inter-
resultado concreto, para a população comum, do Ira-
nacionais estratégicas dos EUA, chegando mesmo a
que, da Líbia e, atualmente, da Síria, das operações
aprofundar certas tendências já em operação.1 Nas
de remoção forçada dos “ditadores” de seus países?
relações com o chamado 3º mundo, os tomadores-
-de-decisão em Washington seguiram operando sem Diante das ruínas, dos mortos e da destruição
grandes modificações em seus modelos analíticos. de sociedades inteiras, seria de se esperar que a nar-
Neste tipo de análise, os “interesses americanos” na rativa mudasse. Mas ela se aprofunda. No caso atual
África, Ásia e América Latina são apresentados como da guerra contra a Síria, a conhecida estratégia de
“universais”, tornando sua persecução por meios di- troca de regime “não-cooperativo” (HINKELAMMERT,
plomáticos, bélicos ou secretos uma obrigação justifi- 1979, pp. 86-114) no Terceiro Mundo novamente ga-
cada de antemão. A era das intervenções humanitárias nha a roupagem discursiva de uma “crise humanitária”
aberta pela Nova Ordem Mundial dos anos 1990 não causada por um “ditador cruel”, que precisaria deixar o
escapou a este padrão. E hoje analistas de diferentes poder imediatamente para que vidas sejam salvas e os
origens denunciam-na, providos de farta documen- direitos humanos respeitados. Aleppo aparece sendo
tação, como uma era de ‘imperialismo humanitário” a nova Benghazi. O lema “Assad must go”5 passou a
(BRICMONT, 2006; CHOMSKY, 2008; EVANS, 2001). ser repetido ad nauseam por autoridades em Washin-
gton e Londres. Nem que fosse por meio de extre-
De fato, vistas em retrospecto, é difícil negar
mistas islâmicos armados pelo ocidente e seus esta-
que o intervencionismo das tropas da OTAN na Sér-
dos-cliente no Oriente Médio, faltou-lhes acrescentar.
via (1998), Iraque (2003), Haiti (2004) e Líbia (2009),
sempre narrado como ação em defesa da humanida- Qual é, portanto, a verdade sobre a guerra
de, tenha servido mais para avançar a determinados contra a Síria? O único modo de descobri-la é per-
interesses geopolíticos e econômicos emanados das guntar-se sobre quem é visto como o principal inimigo
capitais ocidentais, do que realmente a salvar vidas dos “interesses americanos” na ótica dos estrategis-
ou melhorar a qualidade delas nas partes do mundo tas yankees para o Oriente Médio. A resposta não é
que as receberam. Mas o discurso da “responsabili- difícil de encontrar: trata-se dos nacionalismos ára-
dade de proteger” (R2P2) se impôs, conforme atesta- bes e de determinados tipos “não-cooperativos” de
do pelo rápido sucesso editorial e político de defenso- pan-arabismo6. Ao contrário do que a idéia de uma
Laboratório Interdisciplinar de
Estudos em Relações Internacionais

LIERI 1
N. 1 • Fevereiro | 2017 • BOLETIM LIERI
Guerra ao Terror leva a supor, desde os tempos da nais, estatais e não-estatais, formou-se outra coaliza-
Guerra Fria a maior ameaça, na avaliação de influen- ção, que também reúne atores políticos e militares de
tes estrategistas, aos “interesses norte-americanos” diferentes naturezas. Trata-se do eixo formado pelos
no mundo árabe, não provém de grupos islâmicos governos estatais da Síria, Irã e Rússia, somados
extremistas como a Al Qaida e o Daesh/ISIS (Estado ao “Partido de Deus” libanês Hezbollah, que pos-
Islâmico), mas de regimes estatais nacionalistas fora sui forte braço armado. Eventualmente, recebem o
da órbita imediata da Pax Americana. Não se sabe apoio de setores iraquianos xiitas ligados ao atual
se tal estado-centrismo é excesso de realismo7 ou governo do primeiro-ministro Heider al-Abadi, tam-
falta dele. Mas tais regimes “não cooperativos” são bém empenhado em conter o extremismo islâmico
considerados especialmente ameaçadores se con- sunita em seu próprio país. Completando o quadro,
seguirem unir-se política e economicamente uns aos existe a atuação não-unificada das forças curdas na
outros e, mais ainda, se estiverem localizados em ro- Síria e no Iraque que ora recebem apoio norte-ame-
tas comerciais importantes (Egito, Síria) ou possuí- ricano, ora são fustigadas pela força aérea turca (da
rem fontes abundantes de matérias-primas estratégi- OTAN, portanto), ora estabelecem táticas conjuntas
cas como o petróleo e gás natural (Líbia, Iraque, Irã). porém temporárias com a oposição síria, Damasco
Correta ou não, esta visão prevalece na po- ou Bagdá a fim de combater o terrorismo islâmico.
lítica externa dos EUA há décadas. E também na de Com efeito, durante meia década de conflito em solo
seu aliado preferencial na região, Israel, que prefe- sírio, as Unidades Populares de Proteção (YPG) cur-
re vizinhos imersos em guerras civis do que Estados das, com seu exército de mulheres (YPJ) à frente, fo-
árabes fortes e aliados contra si. Além deles, hoje há ram as únicas que pareceram ser capazes de deter
mais atores interessados em mudar o mapa geopo- o avanço do Estado Islâmico em vários momentos
lítico do Oriente Médio. A produção do caos terro- críticos. O mapa abaixo mostra essa configuração
rista islâmico onde antes havia regimes estáveis, de forças, traduzido pelo diagrama que o segue10:
seculares e fora da órbita de controle ocidental (Ira-
que, Líbia e Síria) atualmente também encaixa bem
nas visões estratégicas do governo da Turquia sob
o AKP8, que vê na destruição do arranjo geopolítico
anterior um possível risco mas também uma grande
oportunidade para afirmar-se como potência regional
e consolidar seu objetivo supremo, que é impedir a
formação de um Estado nacional curdo (ou Curdis-
tão), levando o país – único membro islâmico da
OTAN – a adotar uma política pendular no que tange
ao conflito na Síria. Por fim, completando o realinha-
mento de forças imperialistas e subimperialistas na
região, temos as monarquias do golfo pérsico (Ca-
tar, Bahrein, Omã, Kuwait) que, lideradas pelo regi-
me saudita, exportam armas, guerrilheiros e capital,
além de uma ideologia militante, o salafismo/waha-
bismo, para os grupos terroristas islâmicos que pro-
movem a desestabilização contínua do Iraque e Síria,
com destaque para o Exército Islâmico (Daesh/ISIS)
e para a Jabhat Al-Nursa, ex-afiliada da Al-Qaida e
atualmente rebatizada como Jabhat Fatah Al-Sham9.
Do outro lado, em oposição a este realinha-
mento das forças imperialistas e seus clientes regio-
Laboratório Interdisciplinar de
Estudos em Relações Internacionais

2 LIERI
BOLETIM LIERI • N. 1 • Fevereiro | 2017
rismo e perseguidores de armas de destruição em
massa. Nós na América Latina conhecemos bem a
imagem negativa e o boicote ativo que sempre tenta-
ram fazer pesar sobre a Cuba “não-cooperativa” des-
de a revolução de 1959. O que nos leva também a
jamais esquecer que na versão dominante nos EUA
a sangrenta Guerra do Vietnã foi travada em nome
da defesa do Vietnã do Sul contra um “regime opres-
sor” do Norte e seus “infiltrados subversivos” do Viet
Cong, cuja vitória levaria a um terrível ‘efeito dominó’
sobre todo o sudeste asiático e deveria ser evitada
a todo custo, em nome do bem-estar do ‘mundo li-
vre’ - isto é, o mundo sob sua hegemonia capitalista.
Esta configuração de alianças é instável, por
Mesmo que os “regimes nacionalistas” de Ka-
certo, mas segue enquadrando conflitos políticos em
dafi, Assad e Saddam Hussein já não almejassem
outros teatros de operação da região, como no Iêmen,
questionar com vigor a hegemonia dos EUA e seus
onde o governante, sunita e não-eleito, preferido pe-
aliados do golfo no mundo árabe, a simples existên-
los sauditas foi expulso do país por um levante arma-
cia degenerada de estados laicos “não-cooperativos”
do dos ‘rebeldes’ Houthis, xiitas, apoiados pelo Irã. A
em uma região tão estratégica como o Oriente Médio
retaliação saudita, com armamento britânico e norte-
já é motivo para se usar todo tipo de tática – incluin-
-americano, tem sido genocida. Assim como na Síria,
do a “tática suja” de armar terroristas – para minar a
a guerra no Iêmen – que mata uma criança a cada 10
estabilidade política e social que países como Líbia,
minutos, segundo a UNICEF11 - também trata-se de
Iraque, Síria desfrutavam. A esquerda radical ára-
uma proxy war (“Guerra por Procuração”) entre potên-
be nunca logrou enfrentar tais regimes com suces-
cias regionais com projetos hegemônicos em choque
so; mas a direita ultra-conservadora islâmica, com
e apoiados por aliados longínquos, mas poderosos.
apoio imperial, está riscando-os do mapa, um a um.
Ela ajuda a entender porque não falta espaço
Deste modo, acreditar como valor de face na
na grande mídia norte-americana e publicações de
versão dominante de que há uma guerra civil na Síria
think-tanks de Washington alertando contra a expan-
iniciada exclusivamente pela brutalidade de um dita-
são de um “Império Iraniano”12 no Oriente Médio ou
dor que tenta conter violentamente uma versão local
transmitindo uma imagem macabra do “regime dos
da “Primavera Árabe” é simplesmente inaceitável.
aiatolás” em Teerã, ou de Bashar al Assad e outros
Se no começo houve uma breve aparição de forças
governantes “não-cooperativos” do 3º Mundo. No en-
populares e de esquerda questionando o regime de
tanto, é bem raro encontrar narrativas com igual olhar
Assad, rapidamente elas foram suplantadas pela en-
crítico sobre o regime saudita e as demais monar-
chente de jihadistas advindos de todas as partes do
quias do golfo, todos aliadas dos EUA e brutalmente
mundo árabe, com a conivência, financiamento e o ar-
violadores dos direitos humanos de seus cidadãos,
mamento das potências regionais envolvidas na coa-
em especial das mulheres. Jamais ouviu-se um cha-
lizão (sub)imperialista que tenta derrubar o governo
mado sobre a “responsabilidade de proteger” inocen-
em Damasco e por fim ao estado nacional sírio como
tes oprimidas em Cizre, Sanaa, Riad ou no Bahrein13.
um todo. Por isso, não se trata de uma guerra civil,
É de se lembrar que o “eixo do mal” do pre- mas de uma invasão terrorista transnacional susten-
sidente George W. Bush, inicialmente composto por tada por regimes hostis (Turquia e Arábia Saudita à
Irã, Iraque e Coréia do Norte, no famoso discurso do frente), que inunda permanentemente o território sírio
Estado da União de Janeiro de 2002, passou a in- (e iraquiano) de combatentes mercenários e fanáticos
cluir, em maio do mesmo ano, Líbia, Síria e Cuba14 religiosos nada “moderados”, advindos de toda parte
(sim, Cuba!), como estados patrocinadores do terro- do mundo árabe – que exporta assim parte de seu
Laboratório Interdisciplinar de
Estudos em Relações Internacionais

3
LIERI
N. 1 • Fevereiro | 2017 • BOLETIM LIERI
descontentamento social doméstico para a Síria – e na região. Os EUA podem impedir que o conflito conti-
também de países asiáticos e até mesmo europeus: nue, caso haja uma revisão nas premissas de sua es-
tratégia de segurança global. Hoje, os grupos terroris-
tas estão em quinto lugar na lista oficial de ameaças à
segurança nacional dos EUA, atrás de Rússia, China,
Irã e Coréia do Norte17. A mesma lista, não surpreen-
dentemente, se repete em pesquisa de opinião popu-
lar nos EUA, realizada pelo Instituto Gallup, em Feve-
reiro de 201618. Não se sabe de nenhum cidadão ou
soldado ocidental assassinado por esses quatro Es-
tados em décadas. Mas o último colocado desta lista
comete atentados constantes e letais em todo mundo
ocidental, desde o 11 de Setembro até os recentes
ataques em Paris, Nice, Bruxelas, Berlim... É preciso,
portanto, que os governantes norte-americanos rom-
pam com a ambiguidade operacional que esta visão
acarreta, a qual os obriga a políticas contraditórias: ora
uma caçada até a morte por seu ex-aliado Osama Bin
Laden no Paquistão, ora um suporte tácito e material
Fonte: http://www.dianaswednesday.com/2015/12/ para a mesma al-Qaida através da al-Nursa na Síria;
syria-2015/ ora combate o Exército Islâmico no Iraque enquanto,
Caso caísse, Assad seria substituído por um paralelamente, soma esforços com esta mesma or-
“regime” muito mais violador dos direitos humanos ganização na vizinha Síria para derrubar o presidente
que o seu, especialmente o das mulheres: a Lei da Assad; vende armas de guerra para a Turquia ao pas-
Sharia islâmica, conforme entendida e praticada pelo so em que manda soldados yankees para lutar jun-
wahabismo. Basta ver o que acontece nos territórios to aos curdos do YPG, alvos destas mesmas armas.
dominados pelo Estado Islâmico: decapitações, mer- Não será possível entender o que está em
cados de mulheres, escravas sexuais, extermínio dos jogo na atual guerra contra a Síria sem destacar o
cristãos, crianças-soldado15... Aleppo foi invadida por papel jogado pelo capitalismo anglo-americano na
essa barbárie e por isso agora está sendo liberada região19. A Guerra contra a Síria não acontece num
pelas tropas de Damasco, com apoio russo. Devemos vácuo histórico e contextual. Sem a Guerra contra
comemorar este fato: foi o começo do fim da dor de o Iraque, iniciada em 2003, a atual não aconteceria.
seus residentes. Ninguém nesta cidade, ou em Pal- De certa forma, é uma continuação daquele conflito,
mira, sentirá saudades dos jihadistas. Quase todos uma vez que o discurso imperial é o mesmo e seu
dos que sobraram hoje apegam-se ao “regime de principal ator, o Estado Islâmico, surgiu dos escom-
Assad” mais fortemente do que antes deste lamen- bros produzidos pela aventura de Bush e Blair con-
tável conflito imperialista se iniciar. O governo des- tra um “ditador” perigoso em Bagdá. Crer que o so-
fruta de maior legitimidade interna a cada vez que frimento humano em Aleppo é causado por mais um
o projeto imperial de destruir e repartir em pedaços “eixo do mal” nomeado pelos poderes imperialistas
a Síria fica mais nítido. Ao reconhecer isto pode-se é capitular frente às representações dominantes so-
acessar a verdadeira natureza da guerra na Síria: tra- bre o “Oriente”. Elas estão vivas, lembra-nos Gaya-
ta-se, na realidade, de uma guerra contra a Síria16. tri Spivak (1988). E, por isso, o Orientalismo segue
Por este motivo, quem desempenhará o papel- como a chave-de-leitura dominante no “ocidente”
chave no destino da guerra contra a Síria é Estado sobre o que pode ser sabido e o que é proibido po-
(no sentido ampliado) norte-americano e, claro, Israel, der/saber sobre a guerra atual. O palestino Edward
primus inter pares dentre os aliados de Washington Said (2003) já descrevia as engrenagens deste tipo
de poder que hoje está por trás dos eventos na Síria:
Laboratório Interdisciplinar de
Estudos em Relações Internacionais

4 LIERI
BOLETIM LIERI • N. 1 • Fevereiro | 2017
choque de interesses, de classes, frações, religiões,
Orientalism can be discussed and analyzed as potências mundiais e regionais. Economicamente,
the corporate institution for dealing with the Ori-
não existe centro sem periferia. E, discursivamente,
ent – dealing with it by making statements about
it, authorizing views of it, describing it, by teaching sem o caos no Oriente, o Ocidente não possui seu
it, settling it, ruling over it: in short, Orientalism as Outro21. Não reconhece a si mesmo, nem pode existir.
a Western style for dominating, restructuring, and
having authority over the Orient (SAID, 2003, p. 4).
***
É salutar que o mesmo Edward Said que se
propunha a analisar o Orientalismo “como discur-
so” afirmava que a guerra contra Saddam Hussein *Miguel Borba de Sá é doutorando em Relações Inter-
nacionais na PUC-Rio e membro do Laboratório Inter-
certamente não teria acontecido caso o Iraque fos-
disciplinar de Estudos em Relações Internacionais da
se “o maior exportador mundial de bananas ou la- UFRRJ, do Instituto PACS e da Rede Jubileu Sul; tam-
ranjas”, em vez de petróleo (SAID, 2003, p. xvi). As bém é filiado ao PSOL-RJ. Este artigo, no entanto, é de
representações e suas consequências materiais an- inteira responsabilidade do autor e não representa a po-
sição de nenhuma das instituições das quais faz parte.
dam sempre juntas, daí o título cuidadoso de seu li-
vro posterior, “Cultura & Imperialismo” (SAID, 1994).
Não podemos jamais esquecer disto. Talvez a guerra
contra a Síria hoje tenha mais a ver com o traçado
de gasodutos estratégicos do que gostaríamos de
admitir20. Mas ela não ocorreria sem a roupagem
ideológica humanitária, portanto cínica, com que só
as disputas imperialistas são capazes de revestir-se.
Acreditar hoje na defesa da democracia e direitos hu-
manos praticada por uma coalização em que se des-
tacam Arábia Saudita, Catar e Turquia é semelhante
a acreditar, nas vésperas da 1ª Guerra Mundial nas
justificativas do Reich alemão ou do czarismo russo
que usavam, com igual hipocrisia, do autoritarismo
alheio como motivo para entrar na guerra imperialista.
Como fase superior do capitalismo (LENIN,
2011), o imperialismo tem uma lógica própria. Na era
dos “monopólios generalizados” (AMIN, 2013, p. 15-
45) a procura interminável por matérias-primas, mer-
cados consumidores e projetos absorvedores de capi-
tal exportado pelo centro da economia mundial tende
a aumentar, sem fim à vista. E acirram-se assim as
competições e contradições do imperialismo, sua per-
manente “crise”, levando também ao atual estado per-
manente de guerra contra os povos do 3º Mundo e a
pilhagem de suas riquezas naturais. A guerra contra a
Síria será a última guerra de Obama, mas certamente
não dos EUA no Oriente Médio num futuro previsível,
onde seguirão promovendo sua visão como universal
– à força, se necessário. Amaldiçoada por seus recur-
sos naturais e rotas estratégicas, esta região deve con-
tinuar palco das trágicas consequências que a civiliza-
ção capitalista tem para lhe oferecer: um permanente Laboratório Interdisciplinar de
Estudos em Relações Internacionais

5
LIERI
BOLETIM LIERI • N. 1 • Fevereiro | 2017
Referências:
Amin, S. (org.) A crise do imperialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
___________ . The implosion of contemporary capitalism. New York: Monthly Review Press, 2013.
___________ . The Reawakening of the Arab World: Challenge and Change in the Aftermath of the Arab Spring. New York: Monthly
Review Press, 2016.
ASSMAN, H (org). Trilateral: a nova fase do capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979.
BRICMONT, J. Humanitarian Imperialism: Using Human Rights to Sell War. New York: Monthly Review Press, 2006.

CHOMSKY, N. Humanitarian imperialism: The New Doctrine of Imperial Right. Monthly Review, v. 60, n. 4, 2008.

ESCOBAR, A. La invención del Tercer Mundo: Construcción y deconstrución del desarrollo. Caracas: Editorial Perro y la rana, 2007.

EVANS, T. The politics of human rights. London: Pluto Press, 2001.


HARMAN, C. The Prophet and the proletariat. International Socialism Journal, nº 2, vol. 64,1994.
HINKELAMMERT, F. “O credo econômico da Comissão Trilateral”. In: ASSMAN, H (org). Trilateral: a nova fase do capitalismo. Petró-
polis: Vozes, 1979.
LENIN, V. Imperialismo: etapa superior do capitalismo. Campinas: FE UNICAMP, 2011.
POWER, S. Bystandards to genocide: why the United States let the Rwandan tragedy happen. The Atlantic Monthly, Sept. 2001.

________ .“A problem from hell”: America and the age of genocide. New York: Basic Books, 2002.

SPIVAK, G. “Can the subaltern speak?”. In: CARY, N. (Ed.). Marxism and the interpretation of culture. Basingtoke: Macmillian Education,
1988.

SAID, E. Culture and Imperialism. London: Vintage Books, 1994.

______. Orientalism. London: Penguin Classics, 2003.

Notas:
1
Sobre as estratégias norte-americanas para o 3º Mundo a partir dos anos 1970, ver Assman (1978, pp.7-15).
2
Para a versão oficial da doutrina de “Responsabilidade de Proteger”, ver:
http://www.un.org/en/preventgenocide/adviser/responsibility.shtml
3
A “renúncia” e “abandono de seu país” por de Jean-Bertrand Aristide (sequestrado e extraditado em um avião militar norte-amer-
icano) em Fevereiro de 2004 foi assim descrita pelo então presidente dos EUA George W. Bush, ao anunciar para a imprensa o
envio imediato de marines para “ajudar a trazer ordem e estabilidade para o Haiti”, que estaria começando “um novo capítulo de sua
história” (…) “quebrando com seu passado”, podem (merecem) ser vistos em:
https://www.youtube.com/watch?v=QMqvXVossB8
4
Para se ter uma sensação do clima eufórico em que tal construção discursiva midiático-governamental foi transmitida, ver o “discur-
so da vitória” (imperialista) de David Cameron e Nicolas Sarkozy, em plena Benghazi, no dia 15 de Setembro de 2011. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=wkaqzTfR-BU
5
A frase Assad must go (“Assad tem que sair”, em tradução livre) passou a ser repetida pelas lideranças políticas nos EUA a partir de
2012. Ver o clipping de declarações em: https://www.youtube.com/watch?v=SSBRk10E5R8
6
Para a percepção dos obstáculos e das ameaças terceiro-mundistas sob a ótica do imperialismo norte-americano, há uma série de
estudos de qualidade na literatura críticas, em diferentes versões, que não necessariamente convergem em suas percepções táticas,
mas que oferecem todas entradas seguras na discussão de modo a evitar cair nas armadilhas ideológico-midiáticas dominantes. Ver:
Amin (1977; 2013); Assman (1979); Escobar (2007) e Harman (1994).
7
No sentido conferido ao termo “realismo” pela teoria de Relações Internacionais.
8
O Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP, em turco) chegou ao poder no início dos anos 2000, logo após ser fundado. É um parti-
do conservador e religioso (muçulmano), adepto do livre-mercado e outras políticas de corte neoliberal, que conseguiu desbancar a
hegemonia de décadas do kemalismo na política nacional do país. O perfil autoritário tem prevalecido na condução do Estado turco,
que atualmente fecha jornais críticos do governo, persegue jornalistas, processa parlamentares da oposição e reprime movimen-
tos populares, além de promover uma ofensiva militar devastadora (genocida) sobre regiões de população curda, dentro e fora da
Turquia, sob pretexto de luta contra o que denomina “terrorismo” do Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK). Vale lembrar que ao
alimentar grupos armados na Síria e estar no controle da principal fronteira de fuga do país, o presidente Erdogan exerce poder tanto
sobre a produção quanto sobre a vazão do fluxo de refugiados sobre a Europa, o que lhe confere imenso poder de barganha e certa
carta branca para violar os direitos humanos (curdos, em especial) de forma brutal em seu país e também nos vizinhos Iraque e Síria.
9
Ver, a respeito: https://www.theguardian.com/world/2016/jul/28/al-qaida-syria-nusra-split-terror-network
10
O diagrama não está correto em caracterizar Israel ao centro, uma vez que a política pró-desestabilização da Síria já foi adotada
sem vacilações em Tel Aviv, mesmo que os israelenses evitem tomar parte direta nos conflitos que estimulam.
11
Conferir: http://www.aljazeera.com/news/2016/12/unicef-child-dies-10-minutes-yemen-161212192354606.html
12
Ver um exemplo recente desta narrativa sobre o ‘perigo iraniano’ em:
http://www.thetower.org/article/the-iranian-empire-is-almost-complete-hezbollah-syria-lebanon-iraq/

6
BOLETIM LIERI • N. 1 • Fevereiro | 2017
13
Sobre a situação dos direitos das mulheres na Arábia Saudita, e sobre o respeito aos direitos humanos em geral, veja-se as
impressionantes denúncias feitas por uma das 33 mulheres do rei Abdullah, a princesa Alanoud Al Fayez, que conseguiu fugir para
o exílio em Londres. Se isto é o que se passa na própria família real, imagine-se no resto do reino: https://www.channel4.com/news/
saudi-arabia-king-abdullah-alanoud-al-fayez-daughters-jeddah
14
Ver: http://news.bbc.co.uk/2/hi/1971852.stm
15
Ver, por exemplo: http://www.nydailynews.com/news/world/roughly-3-000-women-girls-sold-isis-sex-slave-market-article-1.2700156
16
Sobre o projeto imperial de destruição das nações árabes, ver a entrevista do intelectual egípcio Samir Amin, em:
https://normanpilon.com/2016/09/04/samir-amin-the-us-imperial-project-is-to-destroy-the-arab-nations/
Vale lembrar também que durante os primeiros anos de guerra, os EUA e Grã Bretanha não fustigavam de verdade as forças do
Daesh/ISIS na Síria, limitando-se a destruir com ataques aéreos as refinarias de petróleo que o grupo terrorista ocupava, isto é,
refinarias do estado Sírio, que uma vez destruídas não poderiam mais ser reutilizadas pelo governo de Damasco após uma futura
expulsão dos terroristas. O mesmo vale para pontes, estradas, reservatórios, hospitais, escolas e outros aparelhos de infraestrutura
destruídos pela intervenção estrangeira. Ver:
http://www.globalresearch.ca/us-destroying-syrias-oil-infrastructure-under-guise-of-fighting-the-islamic-state-isis/5411310
Por fim, vale lembrar do ataque direto (“acidental”) dos caças norte-americanos à um comboio do exército árabe da Síria durante as
primeiras horas de um cessar-fogo acordado com intermediação russa, matando 62 soldados em 17 de setembro de 2016, que gerou
reação imediata de Damasco e Moscou, além de um bate-boca nada diplomático no Conselho de Segurança da ONU. Ver: https://www.
rt.com/news/360248-assad-ap-intentional-us-airstrikes/
17
Ver, a respeito:
http://www.businessinsider.com/these-are-the-main-global-threats-for-2016-2016-2.
Para o relatório completo, acesse:
http://www.intelligence.senate.gov/sites/default/files/wwt2016.pdf
18
Conferir a pesquisa em:
http://www.gallup.com/poll/189503/four-nations-top-greatest-enemy-list.aspx
19
Para quem duvida da influência norte-americana nos eventos mais drásticos do mundo árabe, vale lembrar do vazamento da entre-
vista da então secretária de Estado Hillary Clinton, que achava estar com as câmeras desligadas, quando aproveitou para responder
(macabra e) ironicamente à acusação de que os EUA tiveram pouco protagonismo na queda e morte de Kadafi: “We came, we saw, he
died”. Veja o vídeo em: https://www.youtube.com/watch?v=Fgcd1ghag5Y
20
Ver o engenhoso argumento de Pepe Escobar (2012) acerca do “Pipelineistan” em:
http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2012/08/201285133440424621.html
21
“Even with all its terrible failings and its appalling dictator (who was partly created by US policy two decades ago), were Iraq to have
been the world’s largest exporter of bananas or oranges, surely there would have been no war, no hysteria over mysteriously vanished
weapons of mass destruction, no transporting of an enormous army, navy and air force 7000 miles away to destroy a countryscarcely
known even to the educated American, all in the name of “freedom.” Without a well-organized sense that these people over there were
not like “us” and didn’t appreciate “our” values the very core of traditional Orientalist dogma as I describe its creation and circulation in
this book there would have been no war” (SAID, 2003, p. xvi).

7
Laboratório Interdisciplinar de
Estudos em Relações Internacionais

LIERI

SOBRE O LIERI

O Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Relações Internacionais (Lieri) é um núcleo de pesqui-


sa que reivindica uma abordagem interdisciplinar das relações internacionais, valorizando as diver-
sas contribuições dos especialistas das áreas das Humanidades. O grupo agrega pesquisadores
com diferentes formações acadêmicas, como historiadores, economistas, cientistas sociais, cientis-
tas políticos, geógrafos, especialistas em Relações Internacionais, dentre outros pesquisadores das
Ciências Humanas que têm objetos de estudo ligados às Relações Internacionais. Sua formação se
originou de uma iniciativa de professores e alunos ligados ao curso de Relações Internacionais da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). As atuais linhas de pesquisa do grupo são:
História das Relações Internacionais; Política externa e relações internacionais do Brasil, Econo-
mia Política Internacional, Segurança Internacional, Teoria, Instituições e Relações Internacionais.

www.laboratorios.ufrrj.br/lieri/
www.facebook.com/lieriufrrj/
lieri@ufrrj.br

Coordenação: Ana Saggioro Garcia


Vice-coordenação: Karina Kato

BOLETIM LIERI • N. 1 • Fevereiro | 2017

Vous aimerez peut-être aussi