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Crítica

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15 de Outubro de 2016 Estética

Conceitos estéticos
Frank Sibley
Tradução de Vítor Guerreiro

As observações que fazemos acerca de obras de arte são de


diversos géneros. Neste artigo quero distinguir entre dois grupos
amplos. Afirmamos que um romance tem um grande número de
personagens e que é acerca da vida numa cidade fabril; que uma
pintura tem cores suaves, predominantemente azuis e verdes, e que
exibe figuras ajoelhadas em primeiro plano; que o tema numa fuga
ocorre invertido num dado ponto e que há um stretto no final; que a
ação de uma peça decorre no período de um dia e que há uma cena
de reconciliação no quinto acto. Essas observações podem ser
feitas, e pode-se chamar a atenção para as ditas características, a
qualquer pessoa dotada de visão, audição e inteligência normais.
Por outro lado, afirmamos também que um poema é denso ou
profundamente tocante; que uma imagem é desprovida de
equilíbrio, ou que tem uma certa serenidade e quietude, ou que a
distribuição dos elementos gera uma tensão excitante; que os

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personagens de um romance nunca chegam a ganhar vida, ou que
um dado episódio não parece genuíno. Fazer observações como
essas requer o exercício do gosto, da perspicácia, ou sensibilidade,
do discernimento ou apreciação estéticos. Consequentemente,
quando uma palavra ou expressão é tal que a sua aplicação exige o
gosto ou a perspicácia, chamar-lhe-ei um termo ou expressão
estético, e, em conformidade, falarei de conceitos estéticos ou
conceitos de gosto.1

Os termos estéticos abrangem um vasto âmbito de tipos e podem


ser agrupados em diversos géneros e subespécies. Mas o que
pretendo aqui não é tentar levar a cabo essa classificação; estou
interessado no que todos têm em comum. A sua quase infinda
variedade mostra-se adequadamente na seguinte lista: unificado,
equilibrado, integrado, inanimado, sereno, sombrio, dinâmico,
poderoso, vívido, delicado, tocante, vulgar, sentimental, trágico. A
lista, evidentemente, não se limita a adjetivos; certas expressões em
contextos artísticos como “contraste revelador”, “gera uma tensão”,
“transmite um sentido de” ou “confere coesão” são ilustrações
igualmente boas. Nela se incluem termos usados tanto por leigos
como por críticos, bem como alguns que são sobretudo
prerrogativa de críticos profissionais e especialistas.

Procurei os meus exemplos de expressões estéticas, antes de mais,


no discurso crítico e valorativo acerca de obras de arte, porque é aí
onde elas são particularmente abundantes. Mas agora quero alargar

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o tópico; aplicamos termos cujo uso exige um exercício do gosto
não só ao discutir as artes mas bastante livremente no discurso
quotidiano. Os exemplos dados acima são expressões que,
surgindo em contextos de crítica, têm mais frequentemente, se não
invariavelmente, um uso estético; fora do discurso crítico, a maioria
deles tem frequentemente outro uso, não relacionado com o gosto.
Mas muitas expressões têm uma função dupla mesmo na
linguagem do dia-a-dia, sendo por vezes usadas como expressões
estéticas e por vezes não. Outras palavras, mais uma vez, quer no
discurso artístico quer no quotidiano, funcionam somente ou
predominantemente como termos estéticos; são deste tipo
gracioso, delicado, mimoso, bem-parecido, donairoso, elegante,
garrido. Por fim, para contrastar com todos os exemplos anteriores,
há muitas palavras que só raramente são usadas como termos
estéticos: vermelho, ruidoso, salobro, pastoso, quadrado, dócil,
curvo, evanescente, inteligente, fiel, abandonado, indolente,
caprichoso.

Evidentemente, ao usar as palavras como termos estéticos estamos


não raro fazendo e usando metáforas, impondo a realização desse
papel a palavras que não funcionam primariamente desse modo. É
também certo que muitas palavras vieram a ser termos estéticos por
meio de algum tipo de transferência metafórica. Isto sucede em
termos como “dinâmico”, “melancólico”, “equilibrado”, “denso”, os
quais, exceto em textos artísticos e críticos, não são normalmente
termos estéticos. Mas não devemos pensar que o vocabulário

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estético é inteiramente metafórico. Muitas palavras, incluindo as
mais comuns (adorável, bonito, belo, mimoso, gracioso, elegante),
por certo não estão a ser usadas metaforicamente quando as
usamos como termos estéticos, sendo uma muito boa razão para
isso a de que esse é o seu uso primário ou único, sucedendo que
alguns não têm sequer um uso não-estético corrente. E embora
expressões como “dinâmico”, “equilibrado”, etc., tenham vindo por
um meio metafórico a ser termos estéticos, não se pode bem dizer
que o seu uso na crítica é pouco mais do que quase-metafórico.
Tendo entrado na linguagem da descrição e crítica da arte como
metáforas, constituem hoje o vocabulário canónico dessa
linguagem.2

As expressões a que chamo “termos estéticos” formam uma parte


considerável do nosso discurso. Não raro, é verdade, as pessoas de
inteligência normal e boa visão e audição carecem, em certa medida
pelo menos, da sensibilidade que a sua aplicação exige; uma
pessoa não tem de ser estúpida ou ter fraca acuidade visual para
não ver que algo é gracioso. Assim, o gosto ou a sensibilidade é
algo mais raro do que outras capacidades humanas; as pessoas
que manifestam uma sensibilidade simultaneamente abrangente e
refinada são uma minoria. É também acerca da aplicação de termos
estéticos que, notoriamente, as disputas e diferenças por vezes se
tornam irremediavelmente irresolutas. Mas quase toda a gente é
capaz de exercitar o gosto até certo ponto em alguns assuntos. É
surpreendente, portanto, que os termos estéticos tenham sido tão

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largamente descurados. Receberam um tratamento superficial no
decorrer de outras discussões em estética; mas enquanto categoria
ampla não foram alvo da atenção directa que merecem.

O que afirmei demarcou a área que desejo discutir. Deveria talvez


deixar um alerta. Ao falar de gosto neste artigo não tratarei de
questões centradas em expressões como “uma questão de gosto”
(querendo com isso dizer, aproximadamente, uma questão de
preferência ou inclinação pessoal). É numa capacidade para notar
ou discernir coisas que estou interessado.

De modo a defender a nossa aplicação de um termo estético, não


raro nos referimos a características cuja menção envolve outros
termos estéticos: “tem uma extraordinária vitalidade devido ao seu
estilo de desenho livre e vigoroso”, “gracioso na suave fluidez das
suas linhas”, “mimoso devido à delicadeza e harmonia das cores”. É
tão normal fazer isto como o é justificar um epíteto mental por meio
de outros epítetos com o mesmo grau de generalidade, inteligente
por engenhoso, inventivo, perspicaz, e assim por diante. Mas
sucede frequentemente, quando aplicamos termos estéticos,
explicarmos o porquê referindo características cujo reconhecimento
não depende de um exercício do gosto: “delicado por causa dos
tons pastel e linhas sinuosas” ou “não tem equilíbrio porque um
grupo de figuras está demasiado afastado para a esquerda e tem

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demasiada luz”. Quando nenhuma explicação deste género é dada,
é legítimo pedir ou procurar uma. Encontrar uma resposta
satisfatória pode por vezes ser difícil, mas não há normalmente
como rejeitar a pergunta. Quando não conseguimos nós próprios
explicitar ao certo que características não-estéticas fazem algo ser
delicado ou desequilibrado ou poderoso ou tocante, o bom crítico
não raro aponta na direção do que nos parece a explicação
correcta. Resumindo, as palavras estéticas aplicam-se
fundamentalmente em virtude, e as qualidades estéticas
fundamentalmente dependem, da presença de características que,
como as linhas curvas ou angulosas, contrastes de cores,
disposição de volumes ou ligeireza de movimentos, são visíveis,
audíveis ou de algum modo discerníveis na ausência de qualquer
exercício do gosto ou da sensibilidade. Independentemente de que
tipo de relação de dependência se trata – e há diversas relações
entre qualidades estéticas e características não-estéticas – o que
quero deixar claro nesta secção é que não há quaisquer
características não-estéticas que sirvam de condições para aplicar
termos estéticos. Neste aspeto, os conceitos estéticos ou de gosto
não são, de modo algum, regidos por condições.

Não há grande tentação de supor que os termos estéticos se


assemelham a palavras que, como “quadrado”, se aplicam em
conformidade com um conjunto de condições necessárias e
suficientes. Pois enquanto cada quadrado é quadrado em virtude
do mesmo conjunto de condições – quatro lados iguais e quatro

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ângulos retos – os termos estéticos aplicam-se a objetos muito
diversos; uma coisa é graciosa por causa dessas características,
outra o é por causa daquelas, e assim por diante numa sucessão
quase interminável. Recentemente, os filósofos quebraram o feitiço
do modelo estrito das necessárias-e-suficientes, ao mostrarem que
muitos conceitos do dia-a-dia não são desse tipo. Ao invés,
descreveram diversos outros tipos de conceitos que são regidos por
condições somente de um modo muito mais lasso. Contudo, uma
vez que estes novos modelos proporcionam explicações
satisfatórias de muitos conceitos familiares, poderá parecer
plausível pensar que os conceitos estéticos são de um tipo
semelhante e que, analogamente, são regidos por condições de um
modo mais lasso. Pretendo argumentar que os conceitos estéticos
diferem radicalmente de quaisquer conceitos desse género.

Entre esses conceitos a que se tem recentemente prestado atenção


estão aqueles para os quais nenhumas condições necessárias se
pode dar, mas para os quais há uma série de características
relevantes, A, B, C, D, E, tais que a presença de alguns grupos ou
combinações dessas características é suficiente para a aplicação
do conceito. A lista de características relevantes pode ser aberta; ou
seja, dados A, B, C, D, E, podemos não querer fechar a possível
relevância de outras características não listadas além de E.
Exemplos desses conceitos serão talvez “dilatório”, “descortês”,
“possessivo”, “caprichoso”, “próspero”, “inteligente” (mas veja
abaixo). Se iniciarmos a redação uma lista de características

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relevantes para “inteligente”com, por exemplo, a capacidade de
compreender e seguir diversos tipos de instruções, a capacidade de
dominar factos e reunir indícios, a capacidade de resolver
problemas matemáticos ou xadrezísticos, podemos continuar quase
indefinidamente a acrescentar itens a esta lista.

Contudo, com conceitos deste género, embora se possa ter de


tomar decisões e exercer o discernimento, é sempre possível extrair
e afirmar, a partir de casos que foram já claramente decididos, os
conjuntos de características ou condições considerados suficientes
nesses mesmos casos. Essas características relevantes a que
chamo “condições” são, há que notar, características que, embora
não sendo suficientes por si só e tendo de ser combinadas com
outras características semelhantes, nunca deixam de ter algum
peso e somente podem contar num sentido. Ser um bom jogador de
xadrez só pode contar a favor e não contra a inteligência. Ao passo
que mencionar isso pode figurar razoavelmente em combinação
com outras observações em expressões como “Digo que ele é
inteligente porque (…)” ou “a razão por que lhe chamo inteligente é
que (…)”, não pode ser usado para completar expressões negativas
como “Digo que ele não é inteligente porque (…)” mas o que quero
sublinhar particularmente acerca de características que funcionam
como condições para um termo é que algum grupo ou conjunto
delas é suficiente para garantir plenamente ou justificar a aplicação
desse termo. Um indivíduo caracterizado por algumas destas
características pode não se qualificar ainda para ser considerado,

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acima de toda a dúvida, preguiçoso ou inteligente, e assim por
diante, mas basta acrescentar um número (indefinido) de
caracterizações ulteriores semelhantes e chegar-se-á ao ponto em
que temos o suficiente. Há indivíduos com uma série dessas
características de quem não se pode negar, a quem não há como
não reconhecer, que são inteligentes. Deixámos para trás as
condições necessárias-e-suficientes, mas continuamos no domínio
das condições.

Porém, os conceitos estéticos não são regidos por condições


sequer deste modo. Não há condições suficientes, nenhumas
características não-estéticas tais que a presença de algum conjunto
ou número delas justificará ou garantirá, acima de qualquer dúvida,
a aplicação de um termo estético. É impossível (salvo certas
exceções limitadas, veja abaixo) fazer quaisquer afirmações
correspondentes às que podemos fazer relativamente a palavras
regidas por condições. Podemos afirmar “Se é verdade que ele
pode fazer isto, e aquilo, e aqueloutro, então simplesmente não há
como negar que ele é inteligente”, ou “Se ele faz A, B e C, não vejo
como se pode negar que é preguiçoso”, mas não podemos fazer
qualquer afirmação geral da forma “Se o vaso é rosa pálido, algo
curvilíneo, ligeiramente manchado, e assim por diante, será
delicado, não pode senão ser delicado.” Tão-pouco, mais uma vez,
se pode afirmar aqui seja o que for de semelhante a “Ser alto e fino
não é por si só suficiente para garantir que um vaso é delicado, mas
se for, por exemplo, também ligeiramente curvilíneo e de cor

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desbotada (e assim por diante), não haverá como o negar.” As
coisas podem ser-nos descritas em termos não-estéticos tão
completamente quanto nos aprouver, mas não ficamos desse modo
na posição de ter de admitir (ou de não ter como negar) que são
delicadas ou graciosas ou garridas ou finamente equilibradas.3

Há sem dúvida alguns aspetos em que os termos estéticos são


regidos por condições ou regras. Por exemplo, pode ser impossível
algo ser garrido se todas as suas cores forem pastéis suaves, ou
extravagante se todas as suas linhas forem retas. Pode haver, isto é,
descrições que usam somente termos não-estéticos incompatíveis
com descrições que usam determinados termos estéticos. Se me
dizem que uma pintura na sala ao lado consiste unicamente em uma
ou duas faixas de azul e cinza muito ténues dispostos em ângulos
retos sobre uma base de bege claro, posso estar certo de que não
pode ser ardente ou garrido ou extravagante. Uma descrição deste
género pode tornar inaplicáveis ou inapropriados certos termos
estéticos; e se a partir desta descrição inferi que a imagem era, ou
que sequer podia ser, ardente ou garrida ou extravagante, isso
poderia ser tomado como denunciando uma incompreensão dessas
palavras. Não quero negar portanto que os conceitos de gosto
podem ser negativamente regidos por condições.4 O que sublinho é
que são desprovidos de condições regulativas de um género que
muitos outros conceitos possuem. Embora ao ver a imagem
possamos afirmar com razão que é delicada ou serena ou tranquila
ou débil ou insípida, nenhuma descrição em palavras não-estéticas

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nos permite afirmar que esses ou quaisquer outros termos estéticos
têm inegavelmente de se lhe aplicar.

Afirmei que se um objeto é caracterizado somente por determinados


géneros de características isto pode contar decisivamente contra a
possibilidade de se lhe aplicar determinadas palavras estéticas. Mas
evidentemente, a presença de apenas algumas dessas
características não tem de contar decisivamente; outras
características podem ser suficientes para superar aquelas que, por
si só, tornariam inaplicável o termo estético. Uma pintura pode ser
garrida ainda que muitas das suas cores sejam suaves. Estes factos
chamam a nossa atenção para uma característica ulterior dos
conceitos de gosto. Pode-se encontrar características ou
descrições gerais que num certo sentido contam somente numa
direção, somente a favor ou contra a aplicação de determinados
termos estéticos. A angulosidade, a corpulência, a luminosidade ou
a intensidade cromática não estão tipicamente associadas à
delicadeza ou à graça. A esbeltez, a leveza, as curvas suaves, a
ausência de intensidade cromática estão associadas à delicadeza,
mas não à extravagância, à majestade, à grandiosidade, ao
esplendor ou à garridice. Isto vê-se na naturalidade de afirmar, por
exemplo, que alguém é gracioso porque é tão leve, mas apesar de
ser bastante anguloso ou corpulento; e pela correspondente
estranheza de afirmar que algo é gracioso porque é tão corpulento
ou anguloso, ou que é delicado por causa do seu brilho e
intensidade cromática. Isto pode portanto soar muito semelhante ao

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que afirmei já acerca de condições. Ainda assim, há muitas
diferenças significativas. Apesar deste sentido em que a esbeltez, a
leveza, a falta de intensidade cromática, e assim por diante, contam
somente a favor e não contra a delicadeza, pode-se afirmar, quando
muito, que estas características contam apenas tipicamente ou
caracteristicamente a favor da delicadeza; não contam a favor no
mesmo sentido em que as características-condições contam a favor
da preguiça ou da inteligência.

Um modo de reforçar isso é notar de que modo características


tipicamente associadas a um termo estético podem também estar
analogamente associadas a outros termos estéticos, um tanto
diferentes. “Gracioso” e “delicado” podem, por um lado, contrastar
fortemente com termos como “violento”, “imponente”, “fogoso”,
“garrido” ou “massivo”, que têm características não-estéticas
típicas muito diferentes das que estão associadas a “delicado” e
“gracioso”. Por outro lado, também se os pode contrastar com
termos estéticos que lhes são muito mais próximos, como “flácido”,
“frágil”, “esmaecido”, “esgalgado”, “anémico”, “macilento”,
“insípido”; e o âmbito de características típicas destas qualidades,
cor pálida, esbeltez, leveza, ausência de angulosidade e contrastes
acentuados, é praticamente idêntico ao âmbito para “delicado” e
“gracioso”. De igual modo, muitas características tipicamente
associadas a “jubiloso”, “fogoso”, “robusto”, ou “dinâmico” são
idênticas às associadas a “garrido”, “estridente”, “turbulento”,
“ostentoso”, ou “caótico”. Assim, um objeto descrito com o máximo

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detalhe, mas exclusivamente em termos de qualidades
características da delicadeza, pode mostrar-se, a um olhar mais
atento, não ser de todo delicado, mas anémico e insípido. Os
fracassos dos principiantes e dos artisticamente ineptos
demonstram que a semelhança muito próxima em termos de linha,
cor ou técnica não dá qualquer garantia de graciosidade ou
delicadeza. Um fracasso e um sucesso à maneira de Degas podem
ser geralmente mais semelhantes entre si, na medida das suas
características não-estéticas, do que qualquer deles se assemelha a
um Fragonard bem-sucedido. Mas não é necessário sequer ir tão
longe para defender a minha ideia principal. Uma pintura que tem
somente o tipo de características que se associaria ao vigor e
energia mas que mesmo assim não chega a ser vigorosa e enérgica
não tem de ter qualquer outro caráter; não tem de ser, ao invés,
digamos, estridente ou caótica. Pode não ter de todo qualquer
caráter particular. Pode exibir cores vivas e características
semelhantes, sem ser de modo algum particularmente vívida e
vigorosa; mas é possível que tão-pouco nos sintamos capazes de a
descrever como caótica ou estridente ou garrida. Sucede antes que
a pintura é simplesmente desprovida de caráter (embora,
evidentemente, também isso seja um juízo estético; o gosto se
exerce também ao ver que a pintura é desprovida de caráter).

Há evidentemente muitas características que não contam


tipicamente deste modo a favor (ou contra) qualidades estéticas
particulares. Um poema tem força e poder devido à regularidade da

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sua métrica e rima; outro é monótono e desprovido de ímpeto e
força devido à sua métrica e rima regulares. Não sentimos a
necessidade de permutar “devido a” por “apesar de”. Contudo,
concentrei-me em características tipicamente associadas a
qualidades estéticas porque, em se podendo argumentar a favor da
perspectiva de que os conceitos de gosto são regidos por
condições, essas seriam aparentemente as candidatas mais
promissoras a condições regentes da aplicabilidade. Mas afirmar
que dadas características estão associadas apenas tipicamente
com um termo estético é afirmar que não são condições; nenhuma
descrição, por mais detalhada que seja, mesmo em termos
característicos da graciosidade, elimina toda a dúvida de que algo é
gracioso, do modo como uma descrição pode eliminar toda a
dúvida de que alguém é preguiçoso ou inteligente.

É importante observar que não venho somente afirmando a


impossibilidade de se formular quaisquer condições suficientes para
os conceitos de gosto. Pois se tudo ficasse por aqui, os conceitos
de gosto talvez não fossem afinal realmente diferentes de um tipo
de conceito recentemente discutido. Poderíamos talvez acomodá-
los juntamente com aqueles conceitos a que o Professor H. L. A.
Hart chamou “revogáveis”; é uma característica dos conceitos
revogáveis não se poder formular condições suficientes para eles
porque, para quaisquer conjuntos que se apresente, haverá sempre
uma lista (aberta) de condições revogantes, qualquer das quais
pode bloquear a aplicação do conceito. O máximo que podemos

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esquematicamente afirmar para um conceito revogável é que, por
exemplo, A, B e C são conjuntamente suficientes para a aplicação
do conceito a menos que haja alguma característica que se
sobrepõe àquelas ou as anula. Quero porém sublinhar que o próprio
facto de podermos afirmar este género de coisa mostra que
estamos ainda, nessa medida, no domínio das condições.5 As
características que regem os conceitos revogáveis podem
comummente contar apenas num sentido: ou a favor ou contra.
Para tomar o exemplo de Hart, “oferta” e “aceitação” podem contar
somente a favor da existência de um contrato válido, e a
representação errónea fraudulenta, a coação e a demência só
podem contar contra. E mesmo com conceitos revogáveis, se nos
informam de que nenhuma característica revogante está presente,
podemos saber que algum conjunto de características, A, B, C, (…),
é suficiente, dada essa ausência de características revogantes, para
garantir, por exemplo, que há um contrato. A própria noção de um
conceito revogável parece exigir que algum grupo de características
seria suficiente na ausência de características prioritárias ou
revogantes. Os conceitos revogáveis são portanto desprovidos de
condições suficientes, mas são ainda assim, no sentido descrito,
regidos por condições. A minha tese acerca dos conceitos de gosto
é mais forte: que não são de todo, exceto negativamente, regidos
por condições. Não poderíamos concluir, ainda que fôssemos
informados da ausência de todas as características “revogantes” ou
atípicas (nada de angulosidades e coisas semelhantes), que um
objeto tem seguramente de ser gracioso, por muito detalhadamente

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que no-lo descrevessem como tendo características típicas da
graciosidade.

Os meus argumentos e ilustrações até agora têm sido muito


simplesmente esquemáticos. Numerosos conceitos, incluindo a
maioria dos exemplos que usei (inteligente, etc.), são muito mais
plenamente abertos e complexos do que sugerem as minhas
ilustrações. Não só pode haver uma lista aberta de condições
relevantes; pode ser impossível fornecer regras que discriminem
quantas características na lista, ou em que combinações, se requer
para um conjunto suficiente; impossível, analogamente, fornecer
regras que abranjam a extensão ou medida a que essas
características têm de estar presentes, nessas combinações. Na
verdade, podemos ter de abandonar como fútil qualquer tentativa
de descrever condições ou formular regras, contentando-nos
somente com dar uma explicação muito geral do conceito, referindo
amostras ou casos ou precedentes. Não podemos portanto dominar
ou usar estes conceitos simplesmente por estarmos munidos de
listas de condições, procedimentos prontos a aplicar ou conjuntos
de regras, por muito complexas que sejam. Pois para exibir domínio
de um destes conceitos temos de ser capazes de avançar e aplicar
a palavra correctamente a novos casos individuais, pelo menos a
casos centrais; e cada novo caso pode ser um objeto singularmente
diferente, tal como cada criança ou aluno inteligente pode diferir de
outras em características relevantes e exibir uma combinação única
de tipos e graus de consecução e aptidão. Regras e procedimentos

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mecânicos seriam inúteis para lidar com estes novos casos; temos
de exercitar o discernimento, orientados por um conjunto complexo
de exemplos e precedentes. Aqui há portanto uma semelhança
superficial assinalável com os conceitos estéticos. Porquanto ao
usar conceitos estéticos aprendemos com amostras e exemplos,
não por meio de regras, e temos também de aplicar esses
conceitos, na ausência de orientação por regras ou procedimentos
prontamente aplicáveis, a circunstâncias novas e únicas. Nenhum
dos tipos de conceito é suscetível de um uso “mecânico”.

Não obstante, é pelo menos digno de nota que ao aplicar palavras


como “preguiçoso” ou “inteligente” a casos novos e únicos se diz
que temos de exercer o discernimento; seria na verdade estranho
afirmar que exercitamos o gosto. Ao exercer o discernimento
espera-se que ponderemos os prós e contras, e talvez
ocasionalmente decidamos se uma característica inteiramente nova
deve contar a favor de uma ou outra posição. Mas isto vai no
sentido de mostrar que, embora possamos aprender a partir de, e
apoiarmo-nos em, amostras e precedentes em vez de num conjunto
de condições explícitas, não saímos do domínio das condições
gerais e princípios orientadores. As amostras e os precedentes
necessariamente dão corpo e são usados por nós para ilustrar a teia
complexa de condições regulativas e relevantes. Para tirar proveito
dos precedentes temos de os compreender; e temos de argumentar
consistentemente de caso para caso. É justamente esta a função
dos precedentes. Assim, é possível, inclusive com esses mesmos

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conceitos frouxamente regidos por condições, tomar casos
evidentes ou paradigmáticos e afirmar “isto é X porque…”, fazendo-
a acompanhar-se de características que decidem a questão.

Nada de semelhante é possível com termos estéticos. Os exemplos


sem dúvida desempenham um papel crucial em dar-nos um
domínio destes conceitos; mas a partir destes exemplos não
derivamos, nem o podemos fazer, quaisquer condições e princípios,
por muito complexos que sejam, que nos orientem consistente e
inteligivelmente na aplicação dos termos a casos novos. Quando,
com um caso claro de algo que é realmente gracioso ou equilibrado
ou denso mas o qual não vi, alguém me diz por que razão o é, que
características o fazem ser assim, é-me sempre possível indagar se,
apesar destas características, se trata ou não de algo realmente
gracioso, equilibrado, e assim por diante.

A ideia a favor da qual argumentei pode ser reforçada do seguinte


modo. Alguém que não chegou a compreender a natureza dos
conceitos de gosto, ou alguém que, sabendo-se desprovido de
sensibilidade em assuntos estéticos, não quisesse revelar este seu
defeito, poderia, por meio de observação assídua e astuta, munir-se
de algumas regras e generalizações; e por procedimentos indutivos
e adivinhação inteligente, poderia frequentemente fazer afirmações
acertadas. Mas não poderia ter grande confiança ou certeza; uma
ligeira mudança num objeto pode a qualquer momento arruinar os
seus cálculos, e tão facilmente sucederia a pessoa estar errada

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como certa. Independentemente de quão cuidadosa em elaborar
um conjunto de princípios e condições consistentes, não estaria
senão na posição de pensar que o objeto é muito possivelmente
delicado. Com conceitos como preguiçoso, inteligente ou contrato,
alguém que formule inteligentemente regras que com frequência o
orientassem acertadamente mostraria desse modo uma
compreensão incipiente desses conceitos; mas a pessoa que
consideramos não começa sequer a mostrar apercebimento do que
a delicadeza é. Embora por vezes faça afirmações acertadas, não
viu, mas adivinhou, que o objeto é delicado. Por muito inteligente
que possa ser, poderíamos com facilidade dizer-lhe erroneamente
que algo é delicado e “explicar” porquê sem que ela fosse capaz de
detetar o logro. (Ignoro aqui complicações acerca de condições
negativas.) Mas se fizéssemos o mesmo com, digamos, “inteligente”
ela poderia pelo menos com alguma frequência descobrir uma ou
outra incompatibilidade que teria de ser explicada. Num mundo de
seres como ela própria, não teria uso para conceitos como o de
delicadeza. Sendo assim, estes conceitos desempenhariam um
papel muito diferente na sua vida. Por si própria, teria tantas razões
para escolher objetos, imagens, etc., de bom gosto, quantas as que
teria um surdo para evitar lugares ruidosos. Não se poderia elogiar
essa pessoa por exercitar o gosto; quando muito poder-se-ia fazer
menção ao seu engenho e inteligência. Ao “apreciar” imagens,
estatuetas, poemas, estaria fazendo algo muito diferente do que
outros fazem ao exercitar o gosto.

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Neste ponto, quero notar de passagem que há ocasiões nas quais
poderá parecer que uma palavra estética se podia aplicar de acordo
com uma regra. A tipologia destes casos é variável; mencionarei
apenas um desses tipos. Poder-se-ia dizer, ao usar “delicado” talvez
a propósito de objetos em vidro, que quanto mais fino é o vidro,
mantendo-se inalterado tudo o resto, mais delicado será o objeto.
Analogamente, com tecidos, mobiliário, e assim por diante, há por
vezes ocasiões em que quanto mais fino ou mais suave o
acabamento ou mais intensamente polido algo é, maior será a
certeza de que um ou outro termo estético se lhe aplica. Nessas
ocasiões, alguém podia formular uma regra e segui-la ao aplicar a
palavra a um dado âmbito de itens. Ora, pode suceder que por
vezes, quando isto é assim, a palavra usada não é realmente um
termo estético; “delicado”, quando o aplicamos a vidro deste modo
pode por vezes não significar senão “fino” ou “frágil”. Mas isto, sem
dúvida, não é sempre o que sucede; as pessoas não raro estão a
exercitar o gosto mesmo quando dizem que o vidro é muito
delicado por ser tão fino, e sabem que o seria menos caso fosse
mais espesso e ainda mais se fosse mais fino. Estes casos em que
parece haver regras são casos periféricos do uso de termos
estéticos. Se alguém realmente se limitasse a seguir uma regra, não
diríamos que estaria a exercitar o gosto, e hesitaríamos em admitir
que a pessoa tem qualquer noção genuína de delicadeza até ela
nos convencer de que é capaz de discernir essa qualidade noutras
circunstâncias em que nenhuma regra estivesse disponível. Em todo
o caso, estas ocasiões em que se pode aplicar palavras estéticas

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de acordo com uma regra são excecionais e não centrais ou
típicas.6

Há que evitar a ideia de que a impossibilidade de formular quaisquer


condições (que não negativas) para a aplicação de termos estéticos
resulta de uma pobreza acidental ou falta de precisão na linguagem,
ou que é simplesmente uma questão de complexidade extrema. É
verdade que palavras como “rosa”, “azulado”, “curvilíneo”,
“malhado” não suportam algo como um nomear específico de cada
variedade de matiz, curva, mancha e mistura. Mas se fôssemos a
dar nomes especiais muito mais livremente do que quer nós quer os
especialistas o fazemos (e sem dúvida há limites que não
poderíamos ultrapassar), ou mesmo se, em vez de nomes,
usássemos um vasto número de espécimes e amostras de matizes,
formas, manchas, linhas e configurações particulares, seria ainda
assim impossível, e pelas mesmas razões, apresentar quaisquer
condições.

É verdade que ao falar de acerca uma obra de arte nos


interessamos pelas suas características individuais e específicas.
Afirmamos que é delicada não só porque tem cores suaves mas por
causa dessas mesmas cores suaves, que é gracioso não porque o
seu contorno é ligeiramente curvilíneo mas por causa dessa mesma
curvatura particular. Usamos expressões como “por causa da sua
coloração suave”, “por causa dessas manchas de azul vivo”, “por
causa desse modo de as linhas convergirem” em que é claro que

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nos referimos não à presença de características gerais mas a
características muito específicas e particulares. Porém é óbvio que
mesmo com a ajuda de nomes precisos ou mesmo amostras e
ilustrações, de matizes de cor, contornos e linhas particulares,
qualquer tentativa de formular condições seria fútil. Afinal, a
mesmíssima característica, digamos, um género particular de matiz
ou forma ou linha, que ajuda a fazer uma obra pode estragar
inteiramente outra. “Seria bastante delicada se não fosse essa cor
pálida ali” é algo que se pode afirmar acerca da mesmíssima cor
que noutra pintura se destaca como largamente responsável pela
sua qualidade delicada. Sem dúvida que um modo de colocar isto é
afirmar que as características responsáveis por algo ser delicado ou
gracioso, e assim por diante, se combinam de um modo peculiar e
único; que a qualidade estética depende exatamente dessa
combinação individual ou única dessas mesmas cores e formas
específicas, de tal modo que até uma ligeira modificação pode fazer
toda a diferença. Nada se alcançará tentando isolar características
distintas e generalizar acerca delas.

Argumentei que os conceitos de gosto não são e não podem ser


regidos por condições ou regras.7 Não serem regidos deste modo é
uma das suas características essenciais. Ao argumentar isto
comecei por afirmar de um modo geral que nenhumas
características não-estéticas são possíveis candidatas a condições,
e então considerei em particular tanto as características gerais
“típicas” associadas a termos estéticos como as características

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individuais ou específicas que se encontra em objetos particulares.
Não procurei examinar que relação há entre essas características
individuais e qualidades estéticas. Um exame das locuções que
usamos para nos referirmos às mesmas, quando explicamos ou
sustentamos a aplicação de um termo estético, reforça com indícios
linguísticos o facto de que seguramente não as apresentamos como
condições explicativas ou justificativas. Quando nos perguntam por
que afirmamos que uma certa pessoa é preguiçosa ou inteligente ou
corajosa, perguntam-nos por aquilo em virtude do qual lhe
chamamos isso; respondemos com “por causa do modo como
frequentemente deixa o trabalho por terminar” ou “por causa da
facilidade com que lida com tais e tais problemas”, e assim por
diante. Mas quando nos perguntam por que, na nossa opinião, uma
imagem é desprovida de equilíbrio ou tem um caráter sombrio, ou
por que um poema é tocante ou rigidamente organizado, fazemos
algo diferente. Podemos usar locuções semelhantes: “os seus
versos têm força e variedade por causa do modo como lida com a
métrica e faz uso da cesura” ou “é nobremente austera por causa
da ausência de detalhe e da paleta restrita.” Mas podemos também
exprimir o que queremos usando expressões muito diferentes: “é o
tratamento da métrica e da cesura que é responsável pela sua força
e variedade”, “a sua qualidade nobre e austera deve-se à ausência
de detalhe e ao uso de uma paleta restrita”, “a sua ausência de
equilíbrio resulta do destaque dado às figuras à esquerda”, “esses
acordes menores fazem-na ser extremamente tocante”, “essas
linhas convergentes dão-lhe uma extraordinária unidade.” Trata-se

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de locuções que não podemos permutar com “preguiçoso” ou
“inteligente”; explicitar o que o faz ser preguiçoso, o que é
responsável pela sua preguiça, aquilo a que esta se deve, é abordar
uma questão inteiramente diferente.

Um após outro autor, em discussões recentes, tem insistido em


como os juízos estéticos não são “mecânicos”: “Os críticos não
formulam cânones gerais, aplicando-os a todas as obras de arte ou
a classes delas.” “As questões técnicas podem ser resolvidas
rapidamente pela aplicação de regras”, mas as questões estéticas
“não podem ser resolvidas por qualquer método mecânico.” Ao
invés, esses autores que escrevem sobre estética sublinharam que
não há “substituto para o discernimento individual” com a sua
“espontaneidade e especulação” e que “O cânone último (…) [é] o
juízo de gosto pessoal.”8 O surpreendente é que, embora essas
coisas venham sendo repetidas uma e outra vez, parece que
ninguém afirmou o que se pretende dizer com “gosto” ou com a
palavra “mecânico”. Há muitos juízos, além dos que requerem o
gosto, que pressupõem a “espontaneidade” e o “discernimento
individual” e não são “mecânicos”. Na ausência de uma
comparação detalhada, não se pode ver de que modo particular os
juízos estéticos não são “mecânicos” ou como diferem daqueloutros
juízos, nem podemos sequer começar a especificar o que o gosto é.
Isto é o que procurei fazer. Trata-se de uma característica típica e
essencial dos juízos que usam um termo estético o não poderem
ser feitos por apelo, no sentido explicado, a condições.9 Essa, creio,

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é uma característica lógica dos juízos em geral, embora tenha aqui
argumentado somente no que respeita ao âmbito mais restrito dos
juízos que usam termos estéticos. Faz parte do que “gosto”
significa.

II

Uma razoável quantidade de trabalho sobre os conceitos estéticos


continua por fazer. No restante deste artigo apresentarei algumas
sugestões ulteriores que poderão ajudar no sentido da sua
compreensão.

É provável que tornarmo-nos cientes de que os conceitos estéticos


não são regidos por condições dê lugar a perplexidades sobre
como conseguimos aplicar as palavras que formam o nosso
vocabulário estético. Se não seguimos regras e não há condições a
que apelar, como podemos saber em que circunstâncias são
aplicáveis? Um modo muito natural de rebater esta questão é
chamar a atenção para que outros géneros de conceitos tão-pouco
são regidos por condições. Não aplicamos simples palavras para
cores seguindo regras ou em conformidade com princípios. Vemos
que o livro é vermelho olhando, tal como constatamos que o chá é
doce provando-o. Assim também, poder-se-ia dizer, simplesmente
vemos (ou não chegamos a ver) que as coisas são delicadas,
equilibradas, etc. Este género de comparação entre o exercício do
gosto e o uso dos cinco sentidos é de facto familiar; o próprio uso

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que fazemos da palavra “gosto” mostra que a comparação é
provecta e bastante natural. Contudo, independentemente das
semelhanças, há também muitas dissemelhanças. Não podemos
tentar aqui uma comparação cuidadosa, embora fosse de grande
utilidade; mas determinadas diferenças destacam-se, e deram aos
autores que sublinharam o caráter não “mecânico” dos juízos
estéticos ocasião para refletirem e se intrigarem com elas.

Em primeiro lugar, enquanto a nossa capacidade para discernir


características estéticas depende de termos boa acuidade visual,
audição, e assim por diante, as pessoas normalmente dotadas de
sentidos e compreensão podem, ainda assim, não chegar a
discerni-las. “As pessoas que assistem a um concerto, passeiam
por uma galeria, leem um poema, podem ter, aproximadamente,
perceções semelhantes, mas algumas apreendem razoavelmente
mais do que outras”, afirma Miss McDonald; mas acrescenta ficar
“perplexa por esta característica ‘no objeto’ que pode ser vista
somente por um observador especialmente qualificado” e pergunta
“O que é este ‘algo mais’?”10

É esta diferença entre qualidades estéticas e perceptivas que em


parte conduz à perspectiva de que “as obras de arte são objetos
esotéricos (…) não simples objetos de percepção.”11 Mas não há
boa razão para chamar “esotérico” a um objeto apenas porque nele
discernimos qualidades estéticas. Os objetos a que aplicamos
palavras estéticas são dos mais diversos tipos e de modo algum

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esotéricos: pessoas e edifícios, flores e jardins, vasos e mobiliário,
bem como poemas e música. Tão-pouco parece haver qualquer boa
razão para chamar “esotéricas” às próprias qualidades. É verdade
que alguém dotado de visão e audição perfeitas pode não as
detetar, mas é certo que falamos em as observar e reparar nelas
(“Reparou como era graciosa?”, “Observou o refinado equilíbrio em
todas as suas pinturas?”). Na verdade, são de facto bastante
familiares. Aprendemos ainda bastante jovens a usar muitas
palavras estéticas, embora, como seria de esperar dada a sua
dependência relativamente à nossa capacidade de ver, escutar,
distinguir cores, e coisas semelhantes, não estejam entre as
primeiras palavras que aprendemos; e a nossa mestria e
sofisticação no seu uso desenvolvem-se com o resto do nosso
vocabulário. Não são raridades; usa-se regularmente uma série
delas no discurso quotidiano.

A segunda diferença notável entre o exercício do gosto e o uso dos


cinco sentidos reside no modo como sustentamos os juízos em que
se usa conceitos estéticos. Embora usemos estes conceitos na
ausência de regras ou condições, é certo que defendemos ou
sustentamos os nossos juízos e convencemos outros da sua
correção, pelo discurso; “a disputa acerca da arte não é fútil”, como
afirma a Miss Macdonald, pois os críticos de facto “procuram um
certo tipo de explicação das obras de arte com o propósito de
estabelecer juízos correctos.”12 Assim, embora essa disputa não
consista em “inferências dedutivas ou indutivas” ou “raciocínios”, a

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sua ocorrência é suficiente para mostrar quão diferentes esses
juízos são dos juízos perceptivos simples.

Ora, o discurso do crítico, como é evidente, não raro consiste em


mencionar ou chamar a atenção para as características, incluindo
algumas não-estéticas facilmente discerníveis, das quais as
qualidades estéticas dependem. Mas permanece a questão
intrigante de como, mencionando estas características, o crítico
justifica ou sustenta assim os seus juízos. Alguns autores recentes
deram uma resposta a esta questão. Stuart Hampshire, por
exemplo, afirma que “nos entregamos à discussão estética em prol
do que podemos ver no caminho (…) se formos levados a ver o que
há para ver no objeto, o propósito da discussão é alcançado (…) O
propósito é fazer as pessoas verem estas características.”13 Ou
seja, o discurso do crítico não raro serve para sustentar os seus
juízos de um modo especial; leva-nos a ver o que ele viu,
nomeadamente, as qualidades estéticas do objeto. Mas mesmo
quando se concorda em como esse é um dos aspetos mais
importantes do que os críticos fazem, a perplexidade tende a
irromper novamente acerca de como o fazem. Como sucede que
falando acerca de características da obra (em grande parte não-
estéticas) conseguimos levar outros a ver o que antes não viam?
“Que género de dom é este que a conversa pode modificar? (…) A
discussão não aperfeiçoa a acuidade visual e auditiva” (itálicos
meus).14

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Porém, é óbvio que aplicamos bem-sucedidamente termos
estéticos, e não raro conseguimos, falando (e apontando e
gesticulando de certa maneira), levar outros a verem o que nós
vemos. Começa-se a suspeitar de que a perplexidade sobre como é
possível fazer isto, e também a perplexidade sobre o caráter
“esotérico” das qualidades estéticas, resultam de se ter em mente
modelos filosóficos inapropriados. Quando alguém é incapaz de ver
que o livro sobre a mesa é castanho, não podemos fazê-lo ver que o
é falando; consequentemente, parece intrigante que possamos fazer
alguém ver que o vaso é gracioso falando. Para eliminar esta
perplexidade e reconhecer os conceitos e qualidades estéticos tal
como realmente são, temos de abandonar modelos inadequados e
investigar como efetivamente aplicamos estes conceitos. Havendo
tanto interesse no que o crítico faz e acordo acerca disso, seria de
esperar que houvesse descrições de como ele o faz. Mas pouco se
disse acerca disso, e o que foi dito é insatisfatório.

Miss MacDonald,15 por exemplo, subscreve esta perspectiva da


tarefa do crítico como apresentando “o que não é óbvio a uma
inspeção casual ou desinformada”, e coloca de facto a pergunta
“Que género de considerações estão envolvidas, e como, na
justificação de um veredicto crítico?” (itálicos meus). Mas não
procede, a partir daí, a dar uma resposta à pergunta. Dirige-se antes
à questão diferente, embora relacionada, da interpretação das obras
de arte. Em obras complexas, críticos diferentes afirmam, não raro
justificadamente, discernir características diferentes; pelo que Miss

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Macdonald sugere que, no discurso crítico, o crítico nos leva a ver o
que ele vê oferecendo-nos novas interpretações. Mas se a questão
é “o que (o crítico) faz e como o faz”, não pode ser representado
nem total nem principalmente como oferecendo novas
interpretações. A sua tarefa consiste amiúde em simplesmente
ajudar-nos a apreciar qualidades que outros críticos encontraram
frequentemente nas obras que ele discute. Colocar a ênfase em
novas interpretações é deixar intocada a questão de como, por
meio do discurso, o crítico nos pode ajudar a ver ou as qualidades
estéticas que se aprecia pela primeira vez ou as antigas. Em
qualquer dos casos, além dos poemas ou peças complexos que
podem suportar muitas interpretações, há também casos
relativamente simples. Há também vasos, edifícios e mobiliário, para
não falar em rostos, pores-do-sol e paisagens, acerca dos quais não
se coloca quaisquer questões de “interpretação” mas acerca dos
quais falamos de modos semelhantes e fazemos juízos
semelhantes. Pelo que a questão “intrigante” permanece: como
sustentamos esses juízos e como levamos outros a verem o que
nós vemos?

Hampshire,16 que partilha a crença de que o crítico nos leva “a ver o


que há para ver no objeto”, apresenta algo em jeito de explicação
de como o crítico faz isso. “O maior serviço prestado pelo crítico” é
o de indicar, isolar e situar num enquadramento de atenção as
“características particulares do objeto particular que o fazem ser
feio ou belo”; porquanto é “difícil ver e escutar tudo o que há para

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ver e escutar”, e é simplesmente um preconceito supor que
enquanto “as coisas realmente têm cores e formas (…) não existem
literal e objetivamente concordâncias de cores e ritmos e equilíbrios
de formas que percecionamos.” Contudo, estas “qualidades
extraordinárias” que o crítico “pode ter visto (no sentido mais amplo
de ‘ver’)” são “qualidades que não têm qualquer interesse prático
directo.” Consequentemente, para nos levar a vê-las o crítico
recorre “na sua descrição a um uso das palavras contrário ao
natural”; “o vocabulário comum, tendo sido criado para fins
práticos, impede qualquer percepção desinteressada das coisas”; e
assim estas qualidades “são normalmente descritas
metaforicamente por meio de alguma transferência de termos a
partir do vocabulário comum.”

Muito do que Hampshire afirma está correcto. Mas há também algo


bastante errado na perspectiva de que o vocabulário “comum”
“impede” os nossos propósitos estéticos, de que é “contrário ao
natural” tomar esse vocabulário e usá-lo metaforicamente, e de que
o crítico “tem a necessidade de construir (…) um vocabulário em
oposição à tendência principal da sua língua” (itálicos meus).
Primeiro, embora frequentemente introduzamos novas metáforas de
modo a descrever qualidades estéticas, não nos encontramos, de
modo algum, sob a necessidade de arrancar o “vocabulário
comum” aos seus usos “naturais” para servir os nossos propósitos.
Existe de facto, como observei antes, um vasto e reconhecido
vocabulário de termos estéticos, alguns dos quais,

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independentemente das suas origens metafóricas, não são agora de
todo metáforas, sendo outros quase-metafóricos. Segundo, essa
perspectiva de que o nosso uso da metáfora e quase-metáfora para
fins estéticos é contrário ao natural ou um improviso ao qual somos
forçados por uma linguagem concebida para outros fins é
fundamentalmente uma representação errónea do caráter das
qualidades estéticas e da linguagem estética. Nada há de contrário
ao natural em usar palavras como “enérgico”, “dinâmico” ou
“denso” no discurso crítico; essas palavras desempenham a sua
função perfeitamente e são exatamente as palavras necessárias
para os propósitos que servem. Não queremos nem precisamos de
a elas substituir palavras desprovidas do elemento metafórico. Ao
usá-las para descrever obras de arte, o propósito é justamente que
notamos qualidades estéticas relacionadas com os significados
literais ou comuns dessas palavras. Se tivéssemos uma palavra
muito diferente de “dinâmico”, a qual pudéssemos usar para indicar
uma qualidade estética não relacionada com o significado comum
de “dinâmico”, não poderia ser usada para descrever aquela
qualidade que “dinâmico” efetivamente serve para indicar.
Hampshire imagina “uma colónia de estetas, desligados de
necessidades práticas e manipulações” e afirma que “as descrições
de qualidades estéticas, que para nós são metafóricas, poderão
parecer-lhes terem um sentido inteiramente literal e familiar”;
poderiam usar “um vocabulário descritivo mais directo.” Mas se
tivessem um vocabulário novo e “directamente descritivo”,
desprovido das ligações com as propriedades não-estéticas e

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interesses que o nosso vocabulário possui, teriam de permanecer
silenciosos acerca de muitas das qualidades estéticas que
podemos descrever; além do que, sendo mais completamente
“desligados de necessidades práticas” e outros apercebimentos e
necessidades não-estéticos, seriam forçosamente cegos a muitas
qualidades estéticas que podemos apreciar. As ligações entre as
qualidades estéticas e as não-estéticas são ao mesmo tempo
óbvias e vitais. Os conceitos estéticos, na sua totalidade, trazem
consigo uma bagagem e estão, de um ou outro modo, vinculadas a
características não-estéticas, ou são parasitárias delas. O facto de
muitos termos estéticos serem metafóricos ou quase-metafóricos
de nenhum modo significa que a linguagem comum é um
instrumento inadequado, com o qual temos de nos debater. Quando
alguém escreve como Hampshire, suspeita-se mais uma vez de que
a linguagem crítica está a ser ajuizada contra outros modelos. O uso
de uma linguagem frequentemente metafórica pode ser estranho
para algum outro propósito ou da perspectiva de se fazer outra
coisa, mas para o propósito e da perspectiva de se fazer
observações estéticas não o é. Afirmar que se trata de um uso da
linguagem contrário ao natural para fazer isto é sugerir que há, ou
poderia haver, para este propósito algum outro uso “natural”. Mas
esses são modos naturais de falar acerca de questões de estética.

Para ajudar a compreender o que o crítico faz, portanto, como


sustenta os seus juízos e leva o seu público a ver o que ele vê,
tentarei uma breve descrição dos métodos que usamos enquanto

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críticos.17

1. Podemos simplesmente mencionar ou chamar a atenção para


características não-estéticas: “Repare nessas manchas de cor,
naquela massa escura ali, nessas linhas.” Meramente chamando a
atenção para essas características facilmente discerníveis que tornam
a pintura luminosa ou quente ou dinâmica, não raro conseguimos levar
alguém a ver essas qualidades estéticas. Fazemo-lo ver B
mencionando algo diferente, A. Por vezes, ao fazer isto chamamos
atenção para características que podem ter passado despercebidas a
um olhar ou ouvido sem treino ou insuficientemente atentos, “Reparou
na figura de Ícaro no Brueghel? É bastante pequena.” Por vezes trata-
se de características que foram observadas ou escutadas mas cuja
importância ou propósito foram ignorados numa variedade de modos:
“Repare em como ele fez a figura central tão mais escura, como essas
cores são muito mais vivas do que as adjacentes”, “Claro, observou o
lavrador em primeiro plano; mas considerou como ele, assim como
toda a gente na pintura, continua com a sua vida sem reparar na
queda de Ícaro?” Ao mencionar características que podem ser
discernidas por qualquer pessoa com visão, audição e inteligência
normais, destacamos o que pode servir como um género de chave
para compreender ou ver algo mais (e a chave pode diferir de pessoa
para pessoa).
2. Por outro lado, muitas vezes apenas mencionamos as próprias
qualidades que queremos que as pessoas vejam. Apontamos para
uma pintura e dizemos, “Repare quão nervoso e delicado o desenho
é” ou “Veja que energia e vitalidade tem.” O uso do termo estético em
si pode conseguir o resultado pretendido; dizemos de que qualidade
ou caráter se trata, e as pessoas que antes não o tinham visto veem-

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no.
3. Mais frequentemente, há uma ligação entre observações acerca de
características estéticas e não-estéticas: “Reparou nessa e naquela
linha, e nos pontos de cor viva aqui e ali (…) não lhe dão vitalidade,
energia?”
4. Além disso, fazemos muitas vezes um uso considerável e proveitoso
dos símiles e de metáforas genuínas: “É como se houvesse pequenos
pontos de luz ardentes”, “como se tivesse arremessado a tinta
violentamente e em fúria”, “a luz cintila, as linhas dançam, tudo é ar,
leveza e júbilo”, “as suas telas são fogueiras, crepitam, ardem e
faúlham, mesmo as mais contidas sempre tremeluzem irrequietamente,
mas amiúde irrompem em chamas, grandes exibições pirotécnicas”, e
assim por diante.
5. Recorremos aos contrastes, comparações e reminiscências: “Suponha
que ele tinha feito isso com um amarelo mais claro, deslocando-o para
a direita, como não resultaria”, “Não lhe parece que tem algo da
qualidade de um Rembrandt?”, “Não tem a mesma serenidade, paz e
o tipo de luz daquelas noites de Verão em Norfolk?” Usamos as
chaves de que dispomos para o que sabemos da sensibilidade,
suscetibilidades e experiência do nosso público. Os críticos e
comentadores podem variar nos métodos que adoptam, entre
extremos, desde a concentração meticulosa nos detalhes, linhas e
cores, vogais e rimas, às metáforas mais ou menos floreadas e
exuberantes. Até o esboço biográfico entusiástico, decorado com
epíteto e metáforas apropriados pode servir. O que é melhor depende
tanto do público como da obra em causa. Mas isto não seria um
esboço completo, a menos que se acrescentasse mais algumas notas.
6. A repetição e reiteração não raro desempenham um papel importante.
Quando estamos perante uma tela podemos regressar várias vezes

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aos mesmos pontos, chamar a atenção para as mesmas linhas e
formas, repetindo as mesmas palavras, “turbulento”, “equilíbrio”,
“luminosidade”, ou os mesmos símiles e metáforas, como se o tempo
e a familiaridade, a observação mais atenta, a audição mais
cuidadosa, prestando mais atenção pudessem ajudar. O mesmo
sucede com a variação; não raro ajuda a persuadir do que afirmámos,
acumular, suplementar com mais discurso do mesmo género. Quando
alguém não nota a qualidade turbulenta, quando um epíteto ou uma
metáfora não funcionam, deitamos mão a outras relacionadas; falamos
no seu movimento indómito, como se volve e revolve, serpenteia e
redopia, como se, incapazes de acertar directamente, fôssemos bem-
sucedidos com uma vaga de quase sinónimos.
7. Finalmente, além dos nossos desempenhos verbais, o resto do nosso
comportamento é importante. Acompanhamos o nosso discurso com
tons de voz apropriados, expressões, acenos, olhares e gestos. Um
crítico pode por vezes fazer mais com um gesticular do braço do que
falando. Um gesto apropriado pode fazer-nos ver a violência numa
pintura ou o caráter de uma linha melódica.

Estes modos de agir e falar não diferem relevantemente entre si,


independentemente de lidarmos com uma obra particular, um
parágrafo ou verso, ou falarmos acerca da obra de um artista na sua
totalidade, ou até chamando a atenção para um pôr-do-sol ou
paisagem. Mas mesmo tendo o interlocutor feito tudo isto, podemos
ainda assim não conseguir ver o que ele vê. Poderá haver um ponto,
embora não tenha de haver qualquer limite exceto os que o tempo e
a paciência impõem, a partir do qual ele desiste e nos desconsidera
(ou a si próprio) como de algum modo sofrendo de um defeito, uma

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carência de sensibilidade. Poderá dizer-nos para ler ou olhar
novamente, ou para ler ou observar outras coisas e então regressar
à anterior; poderá suspeitar de que não tivemos determinadas
experiências na vida. Mas é isso o que ele faz. É o que cumpre o
objetivo, se algo o faz.

Uma vez apercebendo-nos claramente de que, seja lidando com


arte ou paisagens ou pessoas ou objetos naturais, é assim que
operamos com conceitos estéticos, podemos reconhecer esta
esfera de actividade humana como realmente é. Operamos
diferentemente com tipos diferentes de conceitos. Se queremos
levar alguém a concordar que uma dada cor é vermelha, podemos
colocar o objeto sob uma luz apropriada e pedir à pessoa que olhe;
se for verde veronês podemos ir buscar um catálogo de cores e dar-
lhe a comparar; se queremos que ela concorde que uma figura tem
catorze lados pedimos-lhe que conte; e para a levar a concordar
que algo está em ruínas, ou que alguém é preguiçoso podemos
fazer outras coisas, nomear características, raciocinar e argumentar
acerca delas, pesar e ponderar. Esses são os métodos apropriados
aos diversos conceitos. Mas os modos pelos quais conseguimos
fazer que alguém veja qualidades estéticas são diferentes; são do
tipo que descrevi. Com cada tipo de conceito podemos descrever o
que fazemos e como o fazemos. Mas os métodos adequados a
essoutros conceitos não servem no caso dos estéticos, ou vice-
versa. Não podemos demonstrar argumentativamente que algo é
gracioso; mas isto não é mais intrigante do que a nossa

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incapacidade de provar, usando os métodos, metáforas e gestos do
crítico de arte, que um dos jogadores sofrerá mate dentro de dez
jogadas. As questões levantadas não são suscetíveis de resposta
alguma além do género de descrição que dei. Continuar
perguntando, perplexamente, como sucede que quando fazemos
estas coisas as pessoas são levadas a ver, é como perguntar como
sucede que ao colocar o livro sob uma luz apropriada o nosso
companheiro concorda connosco em como é vermelho. Não há
lugar para este género de questão ou perplexidade. Os conceitos
estéticos são tão naturais, tão pouco esotéricos, como quaisquer
outros. É sobre o pano de fundo de modelos diferentes e
filosoficamente mais familiares que parecem estranhos ou
intrigantes.

Descrevi como as pessoas justificam os juízos estéticos e levam


outros a verem qualidades estéticas nas coisas. Terminarei
mostrando que os métodos que esbocei são desde logo os mais
naturais e característicos dos conceitos de gosto. Quando alguém
tenta convencer-me de que uma pintura é delicada ou equilibrada,
disponho já de uma compreensão destes termos e sei, num certo
sentido, o que procuro. Mas se há perplexidade acerca de como,
falando, a pessoa me pode fazer ver essas qualidades nessa
pintura, devia haver uma correspondente perplexidade acerca de
como comecei por aprender a usar termos estéticos e a discernir
qualidades estéticas. Podemos perguntar, portanto, como
aprendemos a fazer estas coisas; e isto é indagar 1) que

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potencialidades e tendências naturais as pessoas têm e 2) como as
desenvolvemos e tiramos proveito dessas capacidades pelo treino e
pelo ensino. Agora, quanto à segunda pergunta, não há dúvida de
que a nossa capacidade para notar e reagir a qualidades estéticas é
cultivada e desenvolvida pelo contacto que temos com familiares e
professores desde tenra idade. O que é interessante para o que aqui
pretendo é que, enquanto somos ensinados na presença de
exemplos o que a graça, a delicadeza, e assim por diante, são, os
métodos usados, a linguagem e comportamento, coincidem com os
do crítico.

Para dar continuidade a estas duas questões, considere primeiro


palavras como “dinâmico”, “melancólico”, “equilibrado”, “tenso” ou
“jovial”, cujo uso estético é quase-metafórico. Foi já sublinhado que
poderíamos não as usar desse modo sem termos alguma
experiência de situações em que são usadas literalmente. A
presente investigação é sobre como passamos dos usos literais aos
usos estéticos dos termos. Para que isto suceda, tem de haver
determinadas capacidades e tendências para ligar experiências,
para considerar determinadas coisas como semelhantes, e ver,
explorar e estar interessado nestas semelhanças. É característico da
inteligência e sensibilidade humanas que façamos
espontaneamente estas coisas e que essa tendência pode ser
encorajada e desenvolvida. O facto de usarmos termos estéticos
não é mais enigmático do que o de fazermos metáforas. As
transições ligeiras e suaves pelas quais passamos para o uso

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desses termos estéticos não são difíceis de encontrar. Sugerimos às
crianças que peças musicais simples são apressadas ou galopantes
ou saltitantes ou molengas; daí passamos a caracterizar as músicas
como animadas, joviais, vivazes, alegres, risonhas ou tristes, e, à
medida que as experiências e vocabulário das crianças se
expandem, passamos a caracterizar as músicas como solenes,
dinâmicas ou melancólicas. Mas a criança também descobre por si
própria muitas dessas analogias e estas passam a interessá-la ou a
deleitá-la. É provável que, de livre moto, ela salte, marche, bata
palmas ou ria com a música, e sem esta tendência natural o nosso
treino de nada nos serviria. Na medida, porém, em que tiramos
realmente proveito desta tendência e a ajudamos por via do treino,
fazemos justamente o que o crítico faz. Podemos ter meramente de
persuadir a criança a prestar atenção, a olhar ou escutar; ou
podemos simplesmente chamar “vivaz” à música. Mas é também
provável que usemos, como faz o crítico, a reiteração, os sinónimos,
as analogias, os contrastes, os símiles, as metáforas, os gestos e
outras formas de comportamento expressivo.

Claro que o reconhecimento de semelhanças e simples extensões


metafóricas não são as únicas transições para o uso estético da
linguagem. Outras operam de modo diferente; por exemplo, pelo
género de casos periféricos que mencionei antes. Quando o objeto
da nossa admiração é algo tão simples como a fina espessura de
um vidro ou a suavidade de um tecido, não é difícil chamar a
atenção para essas coisas, evocar um deleite semelhante e

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introduzir termos estéticos apropriados. Estas transições são
apenas o início; poderá amiúde ser questionável se um termo está
ou não já a ser usado esteticamente. Muitos dos termos que
mencionei podem ser usados de modos que não são claramente
literais, mas em relação aos quais não convém afirmar
peremptoriamente que exigem muito por meio da sensibilidade
estética. Falamos de cores quentes e frias, e podemos afirmar de
uma pintura de cores vivas que no mínimo é jovial e animada.
Quando levamos alguém a fazer este género de extensão
metafórica de termos, a pessoa terá realizado um dos passos
transicionais a partir de onde poderá avançar para usos que mais
obviamente merecem ser denominados “estéticos” e exigem maior
apreciação estética. Quando afirmo à partida que a sensibilidade
estética é mais rara do que outros dotes naturais, não nego que
varia em grau, do rudimentar ao refinado. Na sua maioria, as
pessoas aprendem facilmente a fazer os tipos de observação que
considero aqui. Mas quando alguém pode chamar “joviais” e
“vivazes” a telas luminosas sem ser capaz de detetar a que é
realmente vibrante, ou quando pode reconhecer o vigor e energia
obviamente superficiais de uma composição estudantil executada
con fuoco sem ao mesmo tempo ver que lhe falta o fogo e ímpeto
interiores, não consideramos a sua sensibilidade estética nestas
áreas como particularmente desenvolvida. Contudo, uma vez que
essa transição dos usos comuns para os estéticos se inicie nos
casos mais óbvios, o domínio dos conceitos estéticos pode ampliar-
se, tornar-se mais subtil e até parcialmente autónomo. Os passos

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iniciais, por muito variados que sejam os desvios metafóricos e por
muito variados que sejam as experiências de que estes dependem,
são naturais e fáceis.

Muito disso se aplica quando passamos àquelas palavras que não


têm qualquer uso não-estético canónico: “adorável”, “bonito”,
“mimoso”, “gracioso”, “elegante”. Não podemos afirmar que se
aprende estas por meio de um desvio metafórico. Mas estão ainda
assim diversamente ligadas a características não-estéticas e a sua
aprendizagem também se torna possível por certos tipos de
resposta, reacção e capacidades naturais. Aprendemo-las não tanto
por via de notar semelhanças, mas por a nossa atenção ser captada
e centrada de outros modos. Determinados fenómenos excecionais
ou dignos de nota ou pouco usuais cativam o olhar ou o ouvido,
captam a nossa imaginação e interesse e provocam-nos surpresa,
admiração, deleite, medo ou aversão. As crianças começam a reagir
desses modos a pores-do-sol espetaculares, florestas no Outono,
rosas, dentes-de-leão, e outros objetos impressionantes e coloridos,
e é nestas circunstâncias que damos connosco a fazer uso de
palavras estéticas gerais como “adorável”, “bonito” e “feio”. Não é
por acaso que as primeiras lições em apreciação estética consistem
em chamar a atenção da criança para rosas em vez de para a relva;
nem é surpreendente que lhe façamos observações sobre as cores
Outonais em vez dos tons refreados do Inverno. Todos nós, não
somente as crianças, prestamos atenção estética mais imediata e
facilmente a essas coisas extraordinárias e facilmente visíveis.

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Notamos com prazer a primeira relva da Primavera ou os primeiros
flocos de neve, os outeiros de contornos particularmente
acentuados e variados, paisagens pontuadas com uma enorme
variedade de cores ou mosqueadas diversamente de luz solar e
neve. Somos influenciados e impressionados por objetos de grande
dimensão ou massa, como sucede com as montanhas ou as
catedrais. Somos semelhantemente recetivos à precisão ou minúcia
inabituais ou a feitos de notável perícia, como sucede com peças de
filigrana elaboradas e complexas, ou com a construção de
abóbadas de cruzaria com nervuras em leque. É nestas ocasiões,
tirando proveito desses interesses e admirações naturais, que
começamos por ensinar as palavras estéticas mais simples. As
pessoas de sensibilidade estética e sofisticação moderadas
continuam a exibir interesse estético sobretudo nessas ocasiões e a
usar somente as palavras mais gerais (“bonito”, “adorável”, e
semelhantes). Mas essas situações podem servir de começo a partir
do qual estendemos os nossos interesses estéticos a outras áreas
mais amplas e menos óbvias, dominando à medida que
progredimos o vocabulário mais subtil e específico do gosto. Os
princípios não mudam; a base para aprender termos mais
específicos como “gracioso”, “delicado” e “elegante” continua a ser
o nosso interesse e admiração por diversas propriedades naturais
(“Ela parece mover-se sem esforço, como se flutuasse”, “Tão fino e
frágil e no entanto tão intricado”, “Tão económico e perfeitamente
adaptado”).18 E mesmo com esses termos, que não são eles
próprios metafóricos, apoiamo-nos igualmente nos métodos do

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crítico, incluindo a comparação, a ilustração e a metáfora, para
ensinar ou esclarecer o seu significado.

Quis dar ênfase na última parte deste artigo à base natural das
respostas de diversos géneros sem as quais os termos estéticos
não poderiam ser aprendidos. Esbocei também quais são algumas
das características naturais a que respondemos naturalmente:
semelhanças de diversos géneros, cores que se destacam, formas,
aromas, dimensões, complexidade, e muito mais. Mesmo os termos
estéticos não metafóricos têm ligações importantes com todo o
género de características naturais que despertam o nosso interesse,
espanto, admiração, deleite ou aversão. Mas quis em particular
insistir em como não nos devia evocar perplexidade o facto de o
crítico sustentar os seus juízos e nos levar a ver qualidades
estéticas chamando a nossa atenção para características cruciais e
falando acerca delas do modo como o faz. É fazendo uso dos
mesmíssimos métodos que as pessoas nos ajudam a desenvolver o
nosso sentido estético e a dominar o vocabulário pertinente desde o
início. Se esses métodos funcionaram bem connosco, portanto, não
é surpreendente que o discurso do crítico funcione bem connosco
agora. Seria surpreendente se, ao usar esta linguagem e
comportamento, as pessoas não conseguissem por vezes levar-nos
a ver as qualidades estéticas das coisas; pois isto demonstraria que
nos falta um género caracteristicamente humano de apercebimento
e actividade.

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Frank Sibley

Retirado de The Philosophical Review, Vol. 68, n.º 4, pp. 421–450 (1959).

Notas
1. Falarei de um “termo estético” de um modo vago, mesmo quando,
devido à palavra em causa ter por vezes outros usos, seria mais
correcto falar do seu uso como termo estético. Falarei também em
palavras, conceitos, características, etc., “não-estéticos”. Nenhum dos
termos usados por outros autores, (qualidades) “naturais”,
“observáveis”, “perceptivas”, “físicas”, “objetivas”, (linguagem)
“neutra”, “descritiva”, quando tratam a distinção que estou a fazer, é
realmente útil para os meus propósitos. ↩

2. Um contraste reforçará isto. Se um crítico descrevesse uma passagem


musical como “tagarela”, “gaseificada” ou “arenosa”, as cores usadas
por um pintor como “vítreas”, “farináceas” ou “efervescentes”, ou o
estilo de um escritor como “pegajoso” ou “abrasivo”, estaria a usar
metáforas em vez de se apoiar no uso mais normal da linguagem da
crítica. Palavras como “atlético”, “vertiginoso”, “sedoso”, podem estar
algures no meio. ↩

3. Num artigo reimpresso em Aesthetics and Language, org. W. Elton


(Oxford, 1954), pp. 131–146, Arnold Isenberg discute determinados
problemas acera de conceitos e qualidades estéticas. Como outros
que tratam estes problemas, ele não os isola, como eu o faço, das
questões sobre veredictos acerca dos méritos de obras de arte, ou de
questões acerca de inclinações ou preferências. Isenberg afirma algo

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análogo às minhas observações acima: “Não há em toda a crítica do
mundo uma única afirmação puramente descritiva acerca da qual
estejamos preparados para declarar de antemão ‘se é verdadeira,
tanto mais gostarei daquela obra’” (p. 139, itálicos meus). Devo dizer
que isto é altamente questionável. ↩

4. Isenberg (op. cit., p. 132) defende algo semelhante: “Se nos tivessem
dito que as cores de uma certa pintura são garridas, seria espantoso
descobrir que eram todas muito suaves e insaturadas” (itálicos meus).
Mas se afirmamos “todas” em vez de “predominantemente”, então
“espantoso” não é a palavra certa. Há que distinguir entre aquilo a que
chamo “condições negativas” e aquilo a que mais à frente chamo
características “tipicamente” associadas ou não associadas a um
conceito de gosto. ↩

5. H. L. A. Hart, “The Ascription of Responsibility and Rights” em Logic


and Language, First Series, org. A. G. N. Flew (Oxford, 1951). Hart na
verdade fala invariavelmente em “condições”, veja p. 148. ↩

6. Não posso, no âmbito deste artigo, discutir os outros tipos de


aparentes exceções à minha tese. Há que distinguir entre os casos em
que uma pessoa desprovida de sensibilidade pode aprender e seguir
uma regra, como no caso acima, e casos em que alguém que tem
sensibilidade pode saber, a partir de uma descrição não-estética, que
um termo estético se aplica. Formulei a minha tese como se este
último género de caso nunca ocorresse porque tenho tido em vista as
características lógicas dos juízos estéticos típicos e preferi pecar por
excesso de ênfase, em vez de por carência, ao formular minha
perspectiva. Mas com determinados termos estéticos, especialmente
os negativos, pode haver algumas raras exceções genuínas em que

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uma descrição nos permite visualizar bastante plenamente, e quando o
que se descreve pertence a uma determinada classe restrita de coisas,
digamos, rostos humanos ou formas animais. Talvez uma descrição
como “Um olho vermelho e remeloso, o outro perdido, um nariz
verrugoso, uma boca retorcida, uma palidez esverdeada” podem
justificar num sentido forte (“tem de”, “não pode senão ser”) os juízos
“feio” ou “hediondo”. Sendo assim, esses casos são marginais,
formando uma muito pequena minoria, e são incaracterísticos ou
atípicos dos juízos estéticos em geral. Normalmente, quando ao
escutar uma descrição, dizemos “deve ser muito belo (gracioso, ou
algo semelhante)”, não queremos dizer mais do que “seguramente terá
de ser, a possibilidade de que não seja é muito remota.” Diferentes são
mais uma vez as situações, e essas são muito numerosas, em que
podemos passar muito simplesmente de “cores vivas” para “jovial”, ou
de “vermelhos e amarelos” para “quente”, mas nas quais estamos
ainda somente na fronteira de seja o que for que pode ser designado
como uma expressão de gosto ou de sensibilidade estética. Mais à
frente sublinho a importância desta área limítrofe transicional entre os
juízos não-estéticos e os juízos obviamente estéticos. ↩

7. Helen Knight afirma (Elton, op. cit., p. 152) que “provocador” (um dos
meus termos “estéticos”) “depende de” diversas características (um
nariz retroussé, um queixo espetado, e coisas semelhantes) e que
essas características são critérios para o mesmo; é isso o que estou a
negar. Knight defende também que “bom”, quando aplicado a obras
de arte, depende de critérios como o equilíbrio, a solidez, a
profundidade (os meus termos estéticos, mais uma vez; devia inserir o
provocativo nesta lista). Quero negar isto também, embora a considere
uma questão diferente e não a trate neste artigo. Há que distinguir as

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duas questões: a relação entre as características não-estéticas
(retroussé, pontiagudo) e as qualidades estéticas, e a relação entre as
qualidades estéticas e o “esteticamente bom” (veredictos). Na sua
maioria, os textos que abordam a natureza dos conceitos estéticos
têm sobretudo estoutra questão (veredictiva) em mente. A Sr.ª Knight
obscurece esta diferença quando afirma, por exemplo, “‘provocador’ é
o mesmo género de palavra que ‘bom’.” ↩

8. Veja os artigos por Margaret Macdonald e J. A. Passmore em Elton,


op. cit., pp. 118, 41, 40, 119. ↩

9. Como indiquei, p. acima, tratei apenas da relação entre as


características não-estéticas e as características estéticas. Talvez uma
descrição em termos estéticos possa por vezes ser suficiente para a
aplicação de outro termo estético. O Dicionário de Johnson apresenta
“bem-parecido” [handsome] como “condignamente belo” [beautiful
with dignity]; o O. E. D. Simplificado apresenta “bonito” [pretty] como
“belo de um modo ligeiro, mimoso ou diminutivo.” [beautiful in a slight,
dainty, or diminutive way] ↩

10. Macdonald em Elton, op. cit., pp. 114, 119. Veja também pp. 120, 122.

11. Macdonald, ibid., pp. 114, 120–123. Ela aí refere-se a propriedades


não-estéticas como qualidades “físicas” ou “observáveis”, e distingue
entre “objeto físico” e “obra de arte”. ↩

12. Ibid., pp. 115–116; cf. também John Holloway, Proceedings of the
Aristotelian Society, Supplemntary Vol. XXIII (1949), pp. 175–176. ↩

13. Stuart Hampshire em Elton, op. cit., p. 165. Cf. também as

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observações de Isenberg em Elton (pp. 142, 145), Passmore (p. 38), de
John Wisdom em Philosophy and Psycho-analysis (Oxford, 1953), pp.
223–224, e em Holloway, op. cit., p. 175. ↩

14. Macdonald, op. cit., pp. 119–120. ↩

15. Ibid., veja pp. 127, 122, 125, 115. Outros autores colocam também a
ênfase na interpretação. Cf. Holloway, op. cit., . 173 e seguintes. ↩

16. Op. cit., pp. 165–168. ↩

17. Holloway, op. cit., pp. 173–174, enumera muito brevemente alguns. ↩

18. Vale a pena mencionar que na sua maioria as palavras que no uso
corrente são primária ou exclusivamente termos estéticos tiveram usos
não-estéticos anteriores e ganharam o seu uso presente por algum
género de transferência metafórica. Sem dar grande peso aos factos
etimológicos, pode-se ver que a sua história reflete conexões com as
respostas, interesses e características naturais que mencionei como
subjacentes à aprendizagem e uso dos termos estéticos. Estas
transições sugerem simultaneamente a dependência do estético
relativamente a outros interesses, e o que alguns desses interesses
são. Ligados à inclinação, ao deleite, ao afeto, à consideração, à
estima, ou eleição – belo, gracioso, delicado, adorável, refinado,
elegante, mimoso; ao medo ou repulsa – feio; com o que notoriamente
atrai o olhar ou a atenção – garrido, esplêndido, berrante; com o que
atrai pela notória raridade, precisão, perícia, engenho, detalhe –
mimoso, minucioso, bonito, refinado; com a adaptação à função, à
facilidade de manuseamento – jeitoso [handsome]. ↩

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