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GÊNERO, SEXUALIDADE, RELIGIOSIDADE E ESCOLA: PROBLEMATIZANDO

RELAÇÕES

Roney Polato de Castro1

Resumo: tomando como referência o debate público contemporâneo envolvendo as religiosidades e


as discussões propostas por movimentos sociais e acadêmicos no que tange aos direitos, às
visibilidades e às experiências das sexualidades e gêneros, foi construída uma proposta de pesquisa
que visa investigar, junto às/aos profissionais de duas escolas públicas de uma cidade do interior de
Minas Gerais, que discursividades circulam e são produzidas nesses espaços e que pistas as
narrativas dessas e desses profissionais podem nos dar acerca dos modos como elas e eles lidam
com a relação entre suas experiências religiosas e as questões de gênero e sexualidade em suas
práticas pedagógicas. Os encaminhamentos metodológicos incluíram questionário com questões
abertas e grupo focal com professoras e professores que atuavam no segmento de 6º ao 9º do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio. As análises apontam para uma constituição religiosa das
professoras e professores, especialmente na educação familiar, que se expressa de distintos, e às
vezes conflitantes, modos nas práticas pedagógicas, marcando de forma significativa a construção
de saberes e as relações de poder nas salas de aula.

Palavras-chave: Religiosidade. Gênero. Sexualidade. Educação. Discursos.

Introduzindo e contextualizando a discussão

O presente texto visa apresentar e discutir brevemente parte dos dados de uma pesquisa com
foco nos atravessamentos entre educação, sexualidades, relações de gênero e discursos religiosos.
Participando dos debates públicos contemporâneos no campo da educação constato as tensões
éticas, morais e políticas que compõem distintos posicionamentos quando se trata da abordagem de
questões relativas aos gêneros e sexualidades nas escolas, sobretudo quando se propõe uma
abordagem problematizadora das construções normativas que enquadram os sujeitos em
experiências pretensamente homogêneas e modelares. Nesse ínterim, é possível analisar que os
distintos posicionamentos que envolvem esse debate são produto e produtores de relações de saber e
poder que envolvem, sobretudo, a problematização das relações de sujeição a códigos morais
religiosos, que vão da constituição de uma ética de submissão às normas codificadas às experiências
religiosas que podem promover práticas de liberdade (FOUCAULT, 2006). Tomando como foco
especificamente as escolas, considero relevante pensar nas relações de poder e nos processos de
subjetivação envolvidos nos modos como professoras e professores pensam e lidam com os
discursos religiosos e com a diversidade sexual e de gênero, ou seja, de que modos as experiências

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Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz
de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. E-mail: roneypolato@gmail.com.

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religiosas produzem práticas pedagógicas em diferentes graus de aproximação/distanciamento a
uma perspectiva mais inclusiva e múltipla nos posicionamentos diante dessa diversidade, como fato
ou como assunto.
Como já apontado em trabalhos anteriores (CASTRO, 2014; CASTRO e SOUSA, 2016;
CASTRO e FERRARI, 2017), as preocupações e análises aqui mencionadas se voltam para um
movimento de crescente renovação de certa moral-religiosa, organizada em resposta às recentes
transformações sociais e culturais envolvendo maior visibilidade de sujeitos, saberes e práticas que
escapam, desafiam e/ou subvertem os ditames heteronormativos. Tais transformações atravessam
diferentes campos do social, exigindo equidade de direitos; isonomia diante das leis; construção de
políticas públicas visando à erradicação das desigualdades; combate efetivo dos diferentes tipos de
violências; controle social e monitoramento das mídias, como instâncias de produção cultural das
sexualidades e gêneros; incorporação de uma perspectiva de legitimidade e dignidade de todas as
expressões dos gêneros e sexualidades às práticas sociais, no trabalho, nas escolas, nas famílias, etc.
Pensando nas relações de forças que compõem esse campo e que atravessam tais transformações,
acompanhamos no debate público uma guinada conservadora, com a qual se reivindica a retomada
de valores ditos tradicionais, especialmente por sujeitos e grupos que intitulam representantes de
religiões cristãs. Como será possível observar com os dados da pesquisa apresentados a seguir, as
professoras e professores das escolas estão envolvidas/os com esses debates, demonstram conhecer
essas tensões e identificam a presença de perspectivas religiosas nas escolas como desafiantes às
discussões sobre as relações de gênero e sexualidades.
A guinada conversadora intenta a perseguição e a denúncia da pluralização das sexualidades
e das expressões de gênero como resultantes de uma degeneração social e política, apontando a
necessidade de retomar os valores familiares e morais historicamente apregoados pelas religiões
cristãos, sobretudo pelo catolicismo e por igrejas ditas evangélicas, que englobam diversas
denominações. A cruzada religiosa se expressa num cenário de embates no campo das leis e
políticas públicas, conflitos no que tange às iniciativas que buscam problematizar e disputar os
currículos escolares como locais de exercício desigual do poder, de silenciamento e subordinação de
grupos historicamente alijados de direitos fundamentais. Sobretudo, a denúncia é de que estaria
sendo implantada uma ideologia que se opõe ao que os grupos conservadores elegem como valores
fundantes da sociedade. Acompanhar essa movimentação política foi um dos fatores que conduziu à

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pesquisa com as escolas, tendo em vista polêmicas2 recentes em torno da aprovação do Plano
Nacional de Educação (PNE), quando deputados da bancada religiosa se opuseram veementemente
à redação do artigo 2º do então projeto de lei, que se relacionava à superação das desigualdades
educacionais, provendo a igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual. Em 2015, tal
discussão se estendeu para as câmaras de vereadores/as, quando iniciou-se a discussão dos Planos
Municipais de Educação. Os/as representantes políticos afirmavam (e ainda afirmam) que se tratava
da imposição de uma “ideologia de gênero”, contrária aos valores morais e que, portanto, temiam
pela destruição da família.
O que esses agentes políticos e representantes de denominações religiosas cristãs entendem
por ideologia de gênero vai de encontro aos preceitos que investem na crença em uma sexualidade
como dimensão a ser vivida unicamente por um casal heterossexual cisgênero e monogâmico, com
fins reprodutivos, o que se seria, portanto, modelo de um comportamento “normal e sadio”. Homem
e mulher, como entidades fixas, definem-se num esquema de gêneros binários e opostos,
determinados por sua “natureza”, ou seja, homem-pênis e mulher-vagina.
Embora o termo “ideologia de gênero” não seja de uso corrente e não obtenha
reconhecimento nos estudos de gênero e sexualidade, pelo menos nas correntes contemporâneas,
emergindo no âmbito católico “sob os desígnios do Conselho Pontifício para a Família e de
conferências episcopais, entre meados da década de 1990 e no início dos 2000” (JUNQUEIRA,
2017, p. 26), representa uma interpretação, um tanto equivocada e frequentemente confusa, das
proposições desses estudos. Toma o conceito de gênero como dado, cristalizado, desconsiderando
os dissensos que envolvem a sua discussão em variados campos das ciências humanas e sociais,
tratando a questão como apenas uma teoria. Luiz Miguel (2016) argumenta que o termo ideologia
de gênero parece ter sido cunhado para designar uma ameaça aos valores cristãos, ligada ao avanço
no debate e no reconhecimento de direitos fundamentais a partir das conferências internacionais,
organizadas pela ONU, sobre população e desenvolvimento e sobre as mulheres, em meados da
década de 1990, nas quais a questão da equidade de gênero se apresentou como importante
elemento de sociedades democráticas.
Ao monitorarmos o debate público contemporâneo, é possível argumentar, em concordância
ao que aponta Rogério Junqueira (2017), que trata-se de um poderoso slogan que vem
‘incendiando’ a arena política em diversos países, englobando e potencializando manifestações

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Ver menção ao tema no seguinte endereço eletrônico: <https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2014/04/12/pne-e-a-
ideologia-de-genero/>. Acesso: 11 set. 2014.

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contrárias às políticas sociais, reformas jurídicas e iniciativas voltadas à valorização e combate às
violências impetradas contra as diversidades sexuais e de gêneros.
Essa trama político-social de tensões, embates e, sobretudo, de perseguições à abordagem
pelas escolas de questões relativas às experiências de gênero e sexualidade atravessa os projetos
educacionais e de formação docente. Portanto, pode ser oportuno problematizar experiências e
relações que constituem essa trama discursiva, pensando que ela instaura certos modos de relação
dos sujeitos da educação com os processos educacionais, a partir de suas experiências religiosas.

A pesquisa: algumas problematizações

Para este trabalho foram selecionados dados a partir de questionários respondidos por
profissionais de duas escolas públicas de uma cidade do interior de Minas Gerais (neste texto
identificadas por escola A e escola B), que atuam no 6º ao 9º do Ensino Fundamental e no Ensino
Médio. As questões tinham como foco sua formação e educação religiosas, bem como as relações
entre as religiões, os gêneros e sexualidades na sociedade e no contexto escolar. A título de
contextualização e análise da vinculação religiosa das/os docentes, uma das questões indagava se
em sua formação familiar e social, a/o docente havia recebido uma educação baseada em alguma
religião específica e se, na atualidade, professava/praticava alguma religião. Na escola A, dos vinte
e cinco questionários respondidos, treze docentes se declararam católicas/os, seis se declararam
espíritas e duas/dois evangélicas/os, outros/as se colocaram apenas como “não praticantes” ou como
“cristãs/aos”. Na escola B, dos vinte e quatro questionários respondidos, dez docentes se declararam
católicas/os, cinco se declararam espíritas e duas/dois evangélicas. As/os demais não tem uma
religião definida ou não praticam qualquer religião. Relevante destacar que a maioria das/os
respondentes, nas duas escolas, afirmou ter tido formação familiar católica.
Com as respostas à pesquisa é possível notar que os valores religiosos estão na base das
relações sociais, constituindo processos diversificados de formação das experiências religiosas,
entendidas, sob uma perspectiva foucaultiana, como os modos pelos quais podemos ser
subjetivados/as pelos discursos religiosos, o que envolve as crenças subjetivas, mas também certos
modos de agir e viver sujeitados a uma moral, e também os modos como nos ocupamos de nós
mesmos e nos conduzimos a partir dos códigos morais associados a essas formações discursivas, ou
seja, como nos constituímos sujeitos dessa moral (CASTRO e SOUSA, 2016). Embora algumas
professoras e professores façam críticas aos preceitos religiosos, aos dogmas, é possível argumentar
que elas e eles conduzem-se por esses preceitos, de modo que suas práticas pedagógicas e seus

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modos de lidar com as questões relativas aos gêneros e sexualidades nas escolas serão atravessadas
pelas experiências religiosas, com uma diversidade de posturas.
Uma das questões do questionário abordava a relação entre as religiões e as questões de
gênero e sexualidade. Entre as respostas é relevante destacar a ênfase em uma relação tensa,
disputada e negociada, que poderia ser resumida com uma das respostas: “As religiões não aceitam
outras formas de sexualidade a não ser o sexo entre homem e mulher”. As respostas, de modo
geral, traziam em seu texto expressões como “problemática”, “tabu”, “polêmica”, “complexo”, “as
religiões não aceitam e recriminam”, “existe muito preconceito”.
“A identidade de gênero ainda é um tema pouco discutido no meio religioso. Apesar de ser
um assunto cada vez mais presente na sociedade atual, para muitas religiões tratar de
sexualidade e transexualidade ainda é um tabu.” (Escola B)

“Por muito tempo se divulgou o ‘ideal’ em relação a estas questões. A religião é cercada
pelo modelo de família com o pai, sendo um homem, a mãe, sendo a mulher e esses dois
papeis se consolidaram na sociedade. Mediante estas ‘convenções’ ditadas vejo a
dificuldade da sociedade religiosa em aceitar a diversidade mesmo que tenha esta
diversidade aconteça também há muito tempo.” (Escola B)

“As religiões de modo geral são normativas, moralistas e principalmente hipócritas. Não
conheço “alguma” que não seja, machista, beirando a misoginia tanto no texto religioso
quanto nas práticas religiosas.” (Escola A)

“Mesmo a sociedade sendo considerada moderna e democrática, a religião continua tendo


um peso que condiciona muitas atitudes e opiniões na sociedade.” (Escola A)

“Acredito que, equivocadamente, alguns líderes religiosos incitam a intolerância religiosa


e a intolerância em relação à diversidade de gênero.” (Escola A)

“O que me vem agora, é que somos todos irmãos, Deus ama a todos. Existe discriminação
se a mulher gosta de mulher, se homem gosta de homem, ou até mesmo dos dois, acho
difícil entender, mas respeito.” (Escola A)

As religiões cristãs apresentam distintos posicionamentos acerca das diversidades sexuais e


de gêneros, seja no modo como concebem e lidam com elas, seja na relevância que atribuem a sua
discussão. Há uma intensa produção discursiva acerca das sexualidades e gêneros por essas
religiões. Além disso, no interior de cada confissão religiosa, os sujeitos podem apresentar distintos
modos de pensar e de lidar com essas questões. Há, porém, de modo bastante visível, como se
anuncia nas respostas acima, certos modos de funcionamento discursivo e certas práticas que
reuniriam uma disposição comum entre essas confissões religiosas, passando por certas ‘leituras’ da
bíblia cristã, que envolvem o direcionamento moral dos pensamentos, atitudes e comportamentos
ligados às experiências das sexualidades e dos gêneros. Tal direcionamento se organiza a partir do
pressuposto heteronormativo e cissexista, baseado na ideia de que os sujeitos que vivem
sexualidades não-heterossexuais e expressões de gêneros que não se coadunam aos ditames

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normativos naturais/binários estariam em desacordo com o propósito sagrado e o plano divino,
ameaçando crenças e valores que sustentariam as relações sociais. Há também o pressuposto de
uma ‘família natural’, baseada no casal heterorreprodutivo. As respostas das professoras e
professores parecem se aliar a essa análise, ao identificarem nas religiões cristãs dificuldades em
incluir e respeitar as identidades de gênero e sexuais, tratando-as como marginais e contribuindo
para a produção e manutenção de hierarquias e violências. As respostas também associam as
religiões cristãs ao machismo e à LGBTTIfobia, identificando nelas uma intolerância. Relevante
notar também que nas respostas as professoras e professores não dizem ter dificuldades pessoais
com tema, com exceção de uma que argumenta: “acho difícil entender, mas respeito”.
Inspirado em Foucault (2006), tomo os discursos religiosos-cristãos como discursos de
verdade, cujo funcionamento se impõe pelo caráter impositivo e doutrinário. A partir das respostas
das professoras e professores e da constatação, por meio das mídias, de outras tantas tensões,
identifico visão fundamentalista dos códigos morais-religiosos-cristãos em relação ao exercício das
sexualidades e às relações de gênero colocada em funcionamento por algumas igrejas e ditos
‘representantes’ de confissões religiosas, pautada na interpretação literal da bíblia cristã e na
obediência rigorosa e literal a certos princípios considerados básicos à vida e à doutrina cristãs. A
resposta da professora que menciona um ideal, pautado no modelo de família tradicional, se
relaciona com os enunciados que atravessam as falas exasperadas e os pronunciamentos acalorados
de políticos/as e pastores evangélicos, nos quais podemos identificar que a defesa de certos valores
e modos de vida parte da recusa de outros, o que entendem como ameaça às famílias, resistindo a
processos de mudança que expõem as ‘fissuras’ da heteronormatividade. Como argumenta outra
professora: “equivocadamente, alguns líderes religiosos incitam a intolerância religiosa e a
intolerância em relação à diversidade de gênero”.
Apesar desse investimento maciço na produção das sexualidades e gêneros subalternos, os
‘discursos religiosos-cristãos’ não funciona de modo homogêneo. Mesmo em uma perspectiva
fundamentalista, a discursividade afeta diferentemente os sujeitos a quem se endereça. Observamos
isso em uma das respostas: “O que me vem agora, é que somos todos irmãos, Deus ama a todos”.
Assim, pode haver diferentes, e às vezes conflitantes, modos de funcionamento dos ‘discursos
religiosos-cristãos’, na medida em que se associam a outros discursos e se materializam em relações
sociais concretas.
Nas respostas de professoras e professores também aparece a sala de aula como espaço de
disputas, especialmente devido ao fato de estudantes assumirem-se como cristãs/aos.

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“A abordagem da relação entre religião e sexualidade ainda é bastante problemática, visto
que maior parte de nossos alunos assumem se como cristã e essa vertente religiosa não
abarca as questões sobre homossexualismo.” (Escola B)

“Particularmente acho que se tornou um assunto muito polêmico, principalmente em sala


de aula. Devido a muitas crenças, falta de informações e preconceitos. E isso na minha
opinião é o reflexo de como a sociedade trata o assunto.” (Escola B)

“É um assunto muito polêmico, que deve ser tratado com muito cuidado, pois os pais
muitas vezes acham que a escola esta incentivando ao homossexualismo ou que esta
criticando a religião da criança.” (Escola B)

“Na escola, estas questões variam e também vão de acordo com a forma que cada
professor conduz, com os valores trazidos e experenciados. Hoje ainda vejo que muitos não
discutem as questões de gênero e de sexualidade nas aulas, acredito que isto se deve ao
fato de terem medo ou não estarem preparados para tais questões.” (Escola A)

“O que percebo é que as questões de gênero e sexualidades são trabalhadas na escola de


forma incompleta. Os próprios professores ficam numa “sinuca de bico” sem saber o que
pode ou não ser falado justamente pela formação familiar baseada na religião.” (Escola B)

A escola em uma “sinuca de bico”, com medo das resistências das/os estudantes e de suas
famílias. Sentimento de despreparo e medo de estar “incentivando ao homossexualismo” (sic), algo
que preocupa não somente as famílias, mas também a escola. Afinal, poderíamos, enquanto escola,
estar envolvidos/as na formação de estudantes homossexuais? A ideia de que esse é um projeto
perverso ou, minimamente, sinônimo de fracasso (fracasso em produz sujeitos ditos normais e
ajustados às normas sexuais e de gênero), povoa as escolas e causa medo. As religiões aparecem
nesse contexto como combustível para aprofundar o silenciamento e promover as exclusões de
sujeitos e experiências que tentam escapar às normatizações. Nas respostas identifico a dificuldade
das professoras e professores em lidar com essas questões em sala de aula, devido a alguns motivos:
estudantes cuja perspectiva religiosa impediria uma discussão mais direta; as famílias que poderiam
protestar e repudiar essa discussão; os valores das/os professoras/as, sobretudo, os religiosos; o
sentimento de despreparo diante da complexidade que envolve a discussão sobre as expressões de
gêneros e sexualidades. Tais motivações não são novidade. Porém, é importante enfrentá-las, tendo
em vista os modos como o espaço escolar insiste em se manter como produtor de desigualdades,
legitimando violências. Além disso, ao tomarmos um projeto de sociedade democrática, justa,
inclusiva, precisamos considerar seriamente a necessidade de que as crianças e jovens possam
conhecer e discutir amplamente a produção das sexualidades e dos gêneros. Isso implica investir na
problematização dos discursos e práticas que não apenas dificultam a abordagem dessas categorias
nas escolas, mas que produzem, ativamente, experiências de abjeção. Um caminho pode ser o de
pensar o compromisso da instituição escolar com a ampliação das visões de mundo e

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problematização das realidades vividas pelas/os estudantes, de modo a não se limitar às concepções
previamente construídas por esses sujeitos.
A resposta de uma das participantes da pesquisa pode nos indicar que nem sempre as
experiências religiosas se opõem à problematização do ‘discurso religioso-cristão’, nos conduzindo
a pensar em possibilidades menos normativas:
“Embora haja, atualmente, muitas críticas e embates acerca dessa relação, enquanto
educadora, minhas ações não podem estar pautadas nos meus princípios religiosos. Em
espaços laicos, nenhuma religião deveria intervir. Acredita-se que o respeito é primordial,
respeito a opinião dos outros da mesma forma que gosto de ser respeitada.” (Escola A)

Uma professora havia apontado em resposta anterior a possibilidade do amor como valor
religioso e indica que isso poderia construir outras relações sociais; outra indica a necessidade de
não pautar suas ações na escola pelos princípios religiosos. Considerando que as experiências
religiosas compõem o que os sujeitos são, é possível uma convivência entre essas experiências e as
práticas pedagógicas no contexto de uma educação pluralista e, portanto, aproximando-se da ideia
de laicidade? As professoras e professores que, de muitos modos, foram subjetivadas/os pelos
discursos religiosos teriam o desafio de manter seus valores, suas crenças e saberes constantemente
sob suspeita de ligação com o poder e a verdade, no sentido de que não imperem e não subjuguem
valores, crenças e saberes que a eles não se coadunam.
Pensando no âmbito mais geral das relações sociais, trabalhos como o de Natividade e
Oliveira (2013) apontam para iniciativas de representantes de igrejas e denominações religiosas,
facções de igrejas e até mesmo para o surgimento de igrejas “inclusivas”, pautadas na abertura para
a convivência com múltiplas sexualidades e gêneros. Configuram-se, assim, possibilidades de um
tratamento digno dos sujeitos que não se adéquam ao esperado na heteronormatividade e
cisgeneridade, sem considerá-los/as como “pecaminosos”, “anormais”, “desviantes”.
Por fim, prossigo a pensar que são diversas as inseguranças, as tensões e os medos quando
se trata de lidar com as sexualidades e gêneros nas instituições escolares, algo que está marcado,
especialmente, pelo embaralhamento entre os valores da educação familiar e aqueles preconizados
pelos projetos pedagógicos das escolas ou mesmo um/a docente, provocando embates com certas
crenças religiosas. Assistimos a uma interferência crescente de setores religiosos não somente nas
políticas educacionais, mas nas práticas pedagógicas das escolas, tal como foi apresentado no início
deste texto. O embaralhamento entre as propostas das instituições públicas para a educação e as
propostas religiosas é raramente problematizado. Considero, portanto, que as pesquisas em
educação podem contribuir para fomentar o debate e novos olhares sobre essas disputas, muito
embora tenham como desafio estabelecer relações com as escolas e com a formação docente para

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que tal debate não permaneça circunscrito ao círculo acadêmico. Um dos componentes das
dificuldades das escolas em lidar com as diversidades sexuais e de gêneros é justamente o
distanciamento do conhecimento produzido nas universidades e o cotidiano escolar. As
aproximações vão sendo construídas a partir das atividades de extensão, especialmente na
realização de atividades de formação em contexto, na promoção de eventos e campanhas de
problematização que provoquem novos debates.

Referências

CASTRO, Roney Polato de. Experiência e constituição de sujeitosdocentes: relações de gênero,


sexualidades e formação em Pedagogia. Tese (doutorado em educação). Juiz de Fora (MG),
Universidade Federal de Juiz de Fora, Programa de Pós-graduação em Educação, 2014.

CASTRO, Roney Polato de.; SOUSA, Nathália G. Educação, experiências religiosas, gêneros e
sexualidades: problematizações de uma pesquisa. Trabalho apresentado durante o VIII Congresso
Internacional de estudos sobre a diversidade sexual e de gênero da ABEH (Associação Brasileira de
Estudos da Homocultura). Juiz de Fora, MG: ABEH, 2016. (no prelo)

CASTRO, Roney Polato de.; FERRARI, Anderson. Educação, experiências religiosas, gêneros e
sexualidades: algumas problematizações. In: RIBEIRO, Paula R. C.; MAGALHÃES, Joanalira C.
(Orgs.). Debates contemporâneos sobre educação para a sexualidade. Rio Grande, RS: Ed. da
FURG, 2017. p. 71-83.

FOUCAULT, Michel. Ética, Sexualidade, Política. Ditos & Escritos V. 2 ed. Org. Manoel Barros
da Mota. Trad. Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2006.

JUNQUEIRA, Rogério D. “Ideologia de gênero”: a gênese de uma categoria política reacionária –


ou: a promoção dos direitos humanos se tornou uma “ameaça à família natural”? In: RIBEIRO,
Paula R. C.; MAGALHÃES, Joanalira C. (Orgs.). Debates contemporâneos sobre educação para a
sexualidade. Rio Grande, RS: Ed. da FURG, 2017. p. 25-52.

MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à "ideologia de gênero" - Escola Sem Partido e
as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 7, n. 15, p. 590-
621, 2016. Disponível em: <http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/25163>. Acesso: 10 dez. 2016.

NATIVIDADE, Marcelo; OLIVEIRA, Leandro de. As novas guerras sexuais: diferença, poder
religioso e identidade LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.

Gender, sexuality, religiosity and school: problematizing relations

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Abstract: taking as a reference the contemporary public discussion involving the religiosities and
the discussions proposed by social and academic movements regarding the rights, visibilities and
experiences of sexualities and genders, a research proposal was constructed with the objective to
investigate, with professionals from two public schools in a city in Minas Gerais state, which
discursivities circulate and are produced in these spaces and what clues the narratives of these
professionals can give us about the ways they deal with the relationship between their religious
experiences and the issues of gender and sexuality in their pedagogical practices. The
methodological guidelines included a questionnaire with open questions and a focus group with
teachers who worked in the segment of 6th to 9th grade of elementary school and high school. The
analyzes point to a religious constitution of the teachers, especially in family education, which is
expressed in different, and sometimes conflicting, ways in pedagogical practices, marking in a
significant way the construction of knowledge and power relations in classrooms.
Keywords: Religiosity. Gender. Sexuality. Education. Discourses.

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