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O estranho para essas culturas seria chamar esse uso de “recreativo”, como se fosse uma
espécie de compensação para parcelas da vida que são tensas e indesejáveis. Nessas
culturas, o todo da vida está envolvido nos mesmos valores e objetivos. Então o transe
não é um momento de fuga ou alienação mas, ao contrário, um dos pontos altos da vida
social e pessoal. A concepção de “uso recreativo” é uma espécie de pornografia do
transe.
Além disso, para alguns pensadores e cientistas do transe, como Carlos Castaneda,
Timothy Leary, Terence McKenna, Stanislav Groff e John Lilly, o que achamos que é o
nosso estado de consciência “normal” é apenas uma convenção. Termos como
“realidade consensual” ou “tunel-realidade”, ou a frase “qualquer realidade é uma
opinião” (Leary), descrevem essa prisão em uma única dimensão, que é apenas uma
construção social, um transe exclusivista. E que eventualmente é esburacada por um
outro transe, um choque, uma obra de arte.
E uma das vítimas é a ciência. A pesquisa com o LSD e outras substâncias psicodélicas,
desenvolvida ao longo da década de 1960 por Leary, em parte na Universidade de
Harvard, levaram a um choque de frente com as instituições. Leary foi chamado de “o
homem mais perigoso dos Estados Unidos” – o que, vindo de Richard Nixon,
certamente foi um elogio. O trabalho de Leary e de outros pesquisadores acabou
reprimido junto com todo o ascenso criativo a que esteve associado, e a explosão
contracultural do final dos ambos 1960 e 1970. O acesso ao transe acabou se revelando,
mais do que uma questão espiritual e filosófica, um tremendo embate político.
É interessante que o termo “verão do amor”, surgido em 1967 para descrever a cena
psicodélica em torno da cidade de S. Francisco (EUA), tenha sido resgatado 11 anos
depois para descrever a cena britânica das raves, festas de convivência amorosa
movidas a música eletrônica. E a uma “nova” substância sintética, o MDMA,
popularizado como ecstasy. Assim como o LSD tinha alimentado um movimento social,
artístico e político que partiu dos EUA para o mundo ocidental, o ecstasy teve um
profundo impacto sobre uma geração inglesa, com desdobramentos em todo o planeta.
Se a arrecadação for bem sucedida, a MAPS vai doar para a pesquisa brasileira o
MDMA e mais US$ 15 mil. Assim, as pesquisas com o MDMA se alinham com outras
que vêm desde a época do LSD, que foi usado em trabalhos no tratamento de
criminalidade, do vício e outros distúrbios psicológicos. No Brasil, especificamente, a
ayahuasca (chá do daime) tem sido utilizada com sucesso no tratamento de alcoolismo e
depressão.
Sabemos, e repetimos, que a violência no país é um problema gravíssimo. Mas não são
apenas mortos e feridos – é também esse efeito de “morte em vida” que vem acometer
muitos jovens, incluindo moças, cuja experiência é tolhida e descontinuada por atos de
violência, frequentemente gratuita, originada em preconceito e, digamos, “redistribuição
da opressão”. Esse ciclo de terror psicossocial tem que ser contido. E a familiariedade
saudável com substâncias alteradoras pertence, se não à parte branca, à parte negra e à
indígena do nosso DNA social. O Brasil tem uma contribuição a dar no estudo da
psicoterapia psicodélica.
Aceite esta, digamos, reprogramação positiva que eu estou propondo: clique neste link e
doe a partir de R$ 10. É apenas um pequeno fio da meada da treta psicossocial toda,
mas você pode ajudar a puxá-lo e fazer história com esse clique. Abra uma porta para o
MDMA, para o MDMA abrir uma porta para a paz.
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Alex Antunes
Alex Antunes é jornalista, escritor e produtor cultural e, perguntado se era um músico frustrado,
respondeu que música é a única coisa que nunca o frustrou. Foi editor das revistas Bizz e Set, e
escreveu para publicações como Rolling Stone, Folha Ilustrada, Animal, General, e aquela cujo
nome hoje não se ousa dizer. Tem uma visão experimental da política, uma visão política do
xamanismo, e uma visão xamânica do cinema.
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