Vous êtes sur la page 1sur 5

Esse artigo foi escrito por ocasião da participação de nosso colega Psicanalista e

Membro da Tykhe Associação de Psicanálise, Luís Américo Valadão Queiroz, no


colóquio sobre “Psicanálise em Espaços Públicos”, realizado em 26/04/19, no
auditório do IEL, da Unicamp, organizado pelos professores Daniel Perez e Lauro
Baldini.

Psicanálise a céu aberto

1.A primeira consideração que gostaria de fazer diz respeito ao título dado a
esse encontro, “Psicanálise em Espaços Públicos”, que logo se transformou para
mim na forma de uma interrogação: como a Psicanálise se faz constar nos espaços
públicos? E cuja resposta só encontrará seus efeitos na condição de dizer o lugar de
onde falo.
Portanto, é a partir da minha atividade clínica como psiquiatra na Rede de
Saúde Pública, especificamente, no Centro de Atenção Psicossocial, que meus
comentários encontram seu começo. Pois, fará diferença se esse espaço público,
agenciado pelo Estado, é um lugar de circulação aberta, como a praça; ou de
circulação restrita (e às vezes, até, estagnada), como o CAPS.
Neste caso do qual me ocupo, o psicanalista não se faz constar previamente
garantido, a partir de um registro de suas habilidades capacitárias. Aqui vale o dito
de Lacan:
“ Quando o homem diz, eu sou, ou eu serei, e mesmo eu terei sido ou eu quero ser,
há sempre um salto, uma hiância. É tão extravagante em relação à realidade dizer
eu sou psicanalista, quanto eu sou rei.” (Sem 1, p.317). Um rei simplesmente
autoproclamado, num primeiro instante, em nada difere desse extravagante
personagem, o Napoleão do hospício. A questão toda aqui, nessa frase de Lacan,
diz respeito ao ser do sujeito; e ela guarda um paradoxo. Se, como determinado,
podemos dizer que o sujeito do Inconsciente tanto é causado pelo significante como
também é representado por um significante; ele, ao mesmo tempo, permanece, no
entanto, indeterminado, pois no conjunto de significantes, falta o significante que
poderia nomeá-lo. Uma ‘lacuna do psíquico’, para usar uma expressão de Freud
(Rascunho K, 1896). Portanto, ainda que determinado, o sujeito é esse que se
ressente em não ser, por lhe ter faltado a palavra do Outro que o nomeasse. O
sujeito do Inconsciente se apresenta como isso que falta a ser, num tipo de divisão
que vem pelo enigma do desejo; e porque não temos a possibilidade de acesso
direto ao desejo, só chegamos a articulá-lo através da demanda voltada e devotada
ao Outro, lugar de sua causalidade. Nesse movimento, o sujeito se apresenta por
uma evitação, por nada querer saber da verdade que o habita. É quando escutamos
o poeta cantar: ‘ O homem que diz sou, não é; porque quem é mesmo, é não sou’.
Menos o Napoleão. Esse é cheio de si, nada lhe falta. Ele sabe de tudo. Considero,
inclusive, que essa é uma das possíveis leituras da famosa frase de Freud, escrita
em carta a Férenczi: obtive êxito aonde o paranóico fracassa.
Daí que cabe ao psicanalista se valer de uma presença, cujas intervenções se
distinguem daquelas de correspondência, ou de conformidade aos apelos do sujeito.
O que implica um certo esvaziamento do ego do próprio analista, como referência e
fiador de uma análise. E é por isso que não se trata aí de uma dimensão intelectual,
uma vez que esta se situa no mesmo nível dos fenômenos do ego. “A posição do
analista”, diz Lacan, “deve ser a de uma ignorantia docta, o que não quer dizer
sábia.” (Sem. 1, p. 317). Essa douta ignorância, essa posição, faz com que o saber
não ganhe um consistência a ponto de impedir que aquilo que não se sabe, o sujeito
do Inconsciente, encontre lugar. É um saber aberto ao não saber, essa douta
ignorância. Um saber possível de ser surpreendido.
A legitimação simbólica desse lugar, dessa função, se dá na condição de ser
um outro que lhe confere. Isso vale como condição nos espaços do CAPS. De saída,
ninguém é analista. O que não quer dizer que o discurso da Psicanálise não
compareça. Como? É o que tentarei responder.
A questão que me coloco, então, é essa: Que tipo de laço com o espaço do
Outro esse discurso haveria de promover? Acontece que tal laço não é óbvio, não é
fácil de achar; diria mais, ele é inédito. É o que nos diz Freud em seu artigo
Observações sobre o Amor de Transferência (1915): ante os apelos amorosos do
sujeito em análise, qual seria a posição do analista, ele se pergunta. Certamente, é
não correspondê-lo, mas também não é suprimir a transferência amorosa, não é
afugentá-la. E Freud sustenta o impasse do que seria esse manejo com o
analisando, com a segunda alegação: “ O caminho do Psicanalista é um outro, para
o qual não há modelos na vida real.” (op. cit., p. 220). Em outras palavras, não
podemos estabelecer qualquer analogia, sequer uma comparação, do que viria a ser
esse laço. Se não há modelos, não é justamente porque ele seria inédito?
2.Vale dizer que nos dispositivos de cuidados agenciados pelo Estado, a
grande questão com a qual a Psicanálise ainda insiste, ética e tecnicamente, é ou
são, as Psicoses.
Por que? Porque vem das Psicoses tal questão: Como fazer laço social com aquele
que está fora do laço coletivo com o outro?
Para tanto, a Psicanálise consente em escutar e, sobretudo, fazer falar o que
quer que seja a respeito da vida da instituição e, por conseguinte, de contribuir para
a vida coletiva, inclusive para o político. Porquanto, tratar das psicoses é dar um
tratamento político ao sujeito psicótico. E por que? Ora, se na clínica cotidiana, a
partir das neuroses, o inconsciente se faz comparecer como aquilo que o sujeito fala
mais do que quis dizer; que o sujeito fala, mas não escuta o que disse; logo, virá de
um Outro o recado disso que falou em mim. Ou seja, se o Inconsciente é isso que,
pelo Outro, volta para mim, então ele vem de fora, ainda que estranhamente íntimo.
Sem esse laço ao Outro, o Inconsciente não se dá a ver. Lembrando que as
psicoses nos ensinam a dimensão pública de sua clínica. O tal inconsciente a céu
aberto manifesto em sua fala, não é tanto porque o paciente não escuta o que diz.
Isso é chão comum a todos, incluindo o sujeito psicótico. O que é extremado para
esse sujeito, é que isso vem do real, de um ponto que isso não lhe diz mais nada a
seu respeito, nem de si, nem de sua história.
Portanto, tratar das psicoses é poder fazer um laço a partir do Outro, sem
que incorra no sujeito invasão ou perseguição.
“ - Doutor, eu não faço terapia porque eu escuto tudo o que falo”.
Eis aí alguém que testemunha uma fala não marcada pelo recalque, que é
justamente aquilo que me impede de escutar tudo o que digo. Daí essa paciente
dizer, em seguida, que se ela fizer terapia, o que o terapeuta lhe disser, “Não tem
lugar. Aquilo me invade”. Acontece que ela faz terapia, quer fazer terapia e muito se
beneficia. Essa fala, devemos tomá-la como guia, um fio condutor para a direção de
seu tratamento.
Essa mesma paciente queixa-se de que as medicações deixam suas articulações
soltas.
“Eu não sei se esses remédios ajudam ou não as minhas articulações”.
Essas articulações, das quais o sujeito fala, primeiramente, são suas articulações
ósteo-musculares, que estralam aos menores movimentos corporais. De modo, que
ela fica em silêncio por horas, absorvida por essas desarticulações. Ora, o que se
passa no corpo é isomórfico ao que se passa na sua fala. Silenciada, ela não articula
“A” com “B”, como se diz. É o caso de articular a fala com outras falas e o corpo com
outros corpos.
Um dispositivo interessante e fecundo, do qual fazemos uso, é o tempo
dedicado à atividade de música e dança. Reparem, a música é uma linguagem
Outra; pode-se dizer que ela é a representação, por excelência, da função simbólica.
E é bem verdade que consinto que ela me invada, a ponto de me dominar e
comandar meus movimentos; afinal, danço conforme a música. E isso ganhará outra
complexidade se, ainda, dançar com um outro ou todos os outros. Certamente, não
deixa de ser um experiência contra-patológica a de consentir a invasão do outro,
sem lhe causar a experiência de assujeitamento e despersonalização.
Por outro lado, destino bem diferente, em tempos de selfies e vídeos em
celulares, é ser filmado.
3.É inegável que são as instituições públicas que se ocupam dos sujeitos
psicóticos. Nem sempre sabemos se é para deixá-los ocupados, ou para melhor
ocupar o espaço desocupado. A Psicanálise, por sua vez, chega num espaço
ocupado por alguns outros discursos estabelecidos, na instituição, para o psicótico.
Enumero ao menos três.
O discurso da vigilância, do bom funcionamento, da adaptação às regras do
lugar. Que tem no seu horizonte terapêutico o sujeito desobediente, que não aceita
leis; o sujeito perigoso. A periculosidade é o elemento a ser destacado, a ser tratado.
O segundo discurso é aquele dominado pela assistência, humanista e
caridosa, que estende as mãos ao sujeito psicótico para sua vida privada de
quaisquer bens. É ao miserável a quem se visa.
Por fim, comparece um terceiro discurso, baseado em evidências do
conhecimento, que não enxerga outra coisa naquilo que o sujeito diz, pensa e faz,
senão como déficit.
Se esses discursos fazem laço, não seriam tão somente laços de servidão
involuntária?
É nesse terreno ocupado que chega o psicanalista, disponível para a
seguinte pergunta, a ser formulada pelo sujeito: “-Venho para lhe perguntar como
faço para sair, embora precise voltar?”
Disponível também para formular a seguinte questão à instituição: “- Como
vamos fazer para aquele sujeito sair daqui?”
Essas observações, até aqui, não tocam nos pontos que fundamentam
propriamente a clínica, a partir da psicanálise, com pacientes psicóticos. Assinalo, ao
menos, o que considero axial para sua abordagem. O programa de base está
formulada nesta frase de Lacan: ‘ (...) submissão completa, ainda que advertida, às
posições propriamente subjetivas do doente’ (De uma questão preliminar a todo
tratamento possível da psicose, p. 540). Falar da posição subjetiva é visar à posição
do sujeito, e não a uma postura imaginária do ego. Desenvolver essa sentença de
Lacan nos derivaria em demasia, a fim de que abordássemos, como se deveria,
ponto por ponto cada termo.
4.Como responder a essas questões, justamente numa época em que o laço
social se encontra comprometido, talvez mesmo em vias de esgarçar ; quem
discordaria, quem não se deu conta, da dificuldade atual de sustentar um projeto
coletivo?
Se o laço entre os homens sempre foi problemático, é exatamente nessa
dimensão, do problemático do político, que a mudança se faz mais nítida.
Hoje tudo acontece como se esse problemático fosse uma questão de boa gestão.
Que tratar do problemático tivesse se tornado somente uma questão de
administração dos possíveis. Não se trataria mais de enfrentar o impossível, de
controlar e prever os atos dos homens; de fazê-los desejar; de vencer a morte.
O discurso da ciência é um discurso extremamente presente em nossas
vidas, se é que já não nos demos conta disso. E que define sua participação pela
colocação do lado de fora, das questões que dizem respeito ao sujeito e à dinâmica
do desejo.
É por isso que se pode preencher um questionário e definir um diagnóstico e uma
conduta sem maiores implicações com a história de vida, e tampouco da relação
com aquele a quem o sujeito se dirige, àquele que escuta.
O que acontece? “O sujeito se apresenta pela condição de objetificação do
Outro sobre ele” (Dias, pg 78). Ele se reduz ao ser esquizofrênico, ser o bipolar, o
autista.
Mero objeto da instrumentalização do Outro.
Se não existe mais interrogação sobre seu desejo, sobre sua história, por
extensão, há um cultivo de uma desresponsabilização sobre o próprio sintoma. Se
ele estiver deprimido, basta que ele tome uma medicação, porque ele se reduz à
depressão. O sujeito deve apenas corresponder aos efeitos possíveis da medicação.
Então, isso passa a organizar a vida coletiva de uma instituição - hoje se
exige falar “serviço”. Não precisamos duvidar disso e esse deslizamento da língua já
é, em si mesmo, um programa.
E é aí, que podemos reencontrar o caráter inédito que a psicanálise
reintroduz em nossos dias. Que é o de recolocar o sujeito no campo da ciência,
conforme alude Lacan no seu escrito Ciência e Verdade.
Isso significa que diante do sujeito, falante, o psicanalista se atém ao
discurso e por fazer retornar o sujeito, ali onde se vê tão somente periculosidade,
miséria ou déficit, o psicanalista sustenta uma suposição de verdade na fala.
Manter o diálogo aberto com a psicose é a nossa aposta, fazer constar suas
falas nas reuniões de equipe e discussões clínicas; a fim de incluir o impossível que
aqueles discursos recusam ouvir.
“Não consigo ser nem oito, nem oitenta. Só consigo ser oitenta e oito”.
“Ser grampeado, sim. Clonado, não”.
“Eu não tenho a loucura do mundo. A loucura do mundo é feia”.
São frases que apresento, assim, livres de maiores contextualizações, ouvidas aqui
e acolá. Fortes como estrelas. Falam por si. Geram silêncios.
Portanto, para a psicanálise vigorar nesse espaço é preciso criar aberturas,
infiltrações. Da arquitetura às supervisões.
Uma última palavra. Nessas instituições convém à psicanálise fazer esses
discursos falarem, encontrarem seus furos e impasses; do que assumir uma voz
dominante, eloquente, cujos riscos é se fazer assemelhar ao Napoleão do Hospício.
Só encontrará os muros.
É uma política da voz, digamos: Silenciosa.

Luís Américo Valadão Queiroz


Campinas, 26 de Abril de 2019.

Fontes e Referência bibliográfica:


- Dias, Mauro Mendes. Cadernos do Seminário: Neuroses e Depressão. Lições VI a XIII.
IPCAMP, 2003.
- Didier-Weill, Alain. Invocações: Dionísio, Moisés, São Paulo e Freud. Companhia de
Freud, 1999.
- Freud, S. [1915]. Observações sobre o Amor de Transferência. Cia das Letras.
- Lacan, J
[1953-1954] O Seminário. Livro 1. Os escritos técnicos de Freud. Jorge Zahar ed.
[1966] A ciência e a verdade. In: Escritos. Jorge Zahar ed.
[1969] O Seminário. Livro 17. O avesso da psicanálise. J. Zahar ed.
[1970] Radiofonia. In: Outros Escritos. J. Zahar ed.
- Lebrun, Jean-Pierre. A Clínica da Instituição. CMC ed., 2009.
- Lacan, J. [1956] De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In:
Escritos. Zahar ed.

Vous aimerez peut-être aussi