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CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA

Política nacional de mobilidade


urbana sustentável

6
Novembro de 2004

Ministério
das Cidades
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Presidente

MINISTÉRIO DAS CIDADES

OLÍVIO DUTRA
Ministro de Estado

ERMÍNIA MARICATO
Secretária-Executiva

JORGE HEREDA
Secretário Nacional de Habitação

RAQUEL ROLNIK
Secretária Nacional de Programas Urbanos

ABELARDO DE OLIVEIRA FILHO


Secretário Nacional de Saneamento Ambiental

JOSÉ CARLOS XAVIER


Secretário Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana

JOÃO LUIZ DA SILVA DIAS


Presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU

AILTON BRASILIENSE PIRES


Diretor do Departamento Nacional de Trânsito – Denatran

MARCO ARILDO PRATES DA CUNHA


Presidente da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre – Trensurb
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
APRESENTAÇÃO

A criação do Ministério das Cidades representa o reconhecimento do Governo


do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que os imensos desafios urbanos do
país precisam ser encarados como política de Estado.
Atualmente cerca de 80% da população do país mora em área urbana e, em
escala variável, as cidades brasileiras apresentam problemas comuns que foram
agravados, ao longo dos anos, pela falta de planejamento, reforma fundiária,
controle sobre o uso e a ocupação do solo.
Com o objetivo de assegurar o acesso à moradia digna, à terra urbanizada,
à água potável, ao ambiente saudável e à mobilidade com segurança, iniciamos
nossa gestão frente ao Ministério das Cidades ampliando, de imediato, os
investimentos nos setores da habitação e saneamento ambiental e adequando
programas existentes às características do déficit habitacional e infra-estrutura
urbana que é maior junto a população de baixa renda. Nos primeiros vinte
meses aplicamos em habitação 30% a mais de recursos que nos anos de 1995
a 2002; e no saneamento os recursos aplicados foram 14 vezes mais do que o
período de 1999 a 2002. Ainda é pouco. Precisamos investir muito mais.
Também incorporamos às competências do Ministério das Cidades as áreas
de transporte e mobilidade urbana, trânsito, questão fundiária e planejamento
territorial.
Paralelamente a todas essas ações, iniciamos um grande pacto de
construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU, pautado
na ação democrática, descentralizada e com participação popular, visando
a coordenação e a integração dos investimentos e ações. Neste sentido, foi
desencadeado o processo de conferências municipais, realizadas em 3.457 dos
5.561 municípios do país, culminando com a Conferência Nacional, em outubro
de 2003, e que elegeu o Conselho das Cidades e estabeleceu os princípios e
diretrizes da PNDU.
Em consonância com o Conselho das Cidades, formado por 71 titulares que
espelham a diversidade de segmentos da sociedade civil, foram elaboradas
as propostas de políticas setoriais de habitação, saneamento, transporte e
mobilidade urbana, trânsito, planejamento territorial e a PNDU.
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA

Como mais uma etapa da construção da política de desenvolvimento,


apresentamos uma série de publicações, denominada Cadernos MCidades,
para promover o debate das políticas e propostas formuladas. Em uma primeira
etapa estão sendo editados os títulos: PNDU; Participação e Controle Social;
Programas Urbanos; Habitação; Saneamento; Transporte e Mobilidade Urbana;
Trânsito; Capacitação e Informação.
Com essas publicações, convidamos todos a fazer uma reflexão, dentro
do nosso objetivo, de forma democrática e participativa, sobre os rumos das
políticas públicas por meio de critérios da justiça social, transformando para
melhor a vida dos brasileiros e propiciando as condições para o exercício da
cidadania.
Estas propostas deverão alimentar a Conferência Nacional das Cidades, cujo
processo terá lugar entre fevereiro e novembro de 2005. Durante este período,
municípios, estados e a sociedade civil estão convidados a participar dessa grande
construção democrática que é a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.

Olívio Dutra
Ministro de Estado das Cidades
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
CIDADE: ESPAÇO DE PROMOÇÃO E EXPANSÃO DA CIDADANIA 7

A POLÍTICA DE MOBILIDADE URBANA 9

DIAGNÓSTICO 17

OBJETIVOS, DIRETRIZES E ESTRATÉGIA DA POLÍTICA 47

CONSIDERAÇÕES FINAIS 67
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
CIDADE: ESPAÇO DE PROMOÇÃO
E EXPANSÃO DA CIDADANIA

Este caderno é mais um passo no processo de construção da Política Nacional de Mo-


bilidade Urbana Sustentável. Dadas a profunda desigualdade e exclusão sócio-espacial
que caracterizam a urbanização brasileira, o processo participativo de concepção de
políticas públicas, marca do atual governo federal, é visto como uma necessidade para a
elaboração de uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano que tenha como fi-
nalidade a produção de cidades mais justas e humanas, lugar da promoção e expansão
da cidadania, do fortalecimento da democracia através do acesso universal ao espaço
urbano e do desenvolvimento econômico.
A ampla participação da sociedade na proposição, discussão e elaboração da Política
Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável é necessária para que se forme uma melhor
compreensão daquilo que significa e representa a Mobilidade para o desenvolvimento
urbano. A urbanização e as políticas urbanas no Brasil foram marcadas por uma visão
setorial. No sentido de transformar esse paradigma é que foi criado o Ministério das
Cidades, para exercer um trabalho de integração das políticas urbanas através da reali-
dade territorial.
Na reunião do Conselho das Cidades de junho de 2004 foram apresentados ao
Comitê Técnico de Trânsito, Transportes e Mobilidade Urbana os documentos com os
princípios e diretrizes para a Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável e a
Política Nacional de Trânsito. A partir de então, a Secretaria Nacional de Transporte e da
Mobilidade Urbana – SeMOB e o Departamento Nacional de Trânsito – Denatran pro-
moveram reuniões em todas as capitais brasileiras para apresentar esses documentos,
num processo que se revelou importante pelas contribuições agregadas e, sobretudo,
por demonstrar claramente a complementaridade dos temas. De posse dessas contri-
buições foram elaboradas novas versões dos documentos que, em seguida, tiveram
suas diretrizes e princípios aprovados pelo Conselho das Cidades, em setembro de 2004,
e que fazem parte deste caderno.
A presente publicação, em forma de documento para discussão, tem como objetivos
apresentar o atual estágio de evolução de construção da política, as propostas e consen-
sos acerca da mobilidade urbana sustentável e, apresentar os principais eixos, objetivos e
estratégia da implementação de uma política nacional de mobilidade urbana, subsidian-
do, assim, um documento final a ser submetido à apreciação do Conselho das Cidades.
O conteúdo do caderno está dividido em três partes que sintetizam diferentes con-
tribuições para a formulação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano da qual a
Política de Mobilidade é subsidiária.
Primeiro são apresentados subsídios para a compreensão do conceito de mobilidade
em sua relação com a realidade urbana e a definição de Mobilidade Urbana Sustentável,

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 7


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA

conforme vem sendo utilizada pelo Ministério das Cidades. O objetivo é disseminar es-
sas idéias, permitindo a sua ampla apropriação pela sociedade e a esperada transforma-
ção de alguns paradigmas do urbanismo brasileiro.
Segue um amplo diagnóstico da questão, apresentando a realidade da mobilidade
urbana nas cidades brasileiras e justificando a importância da temática. A partir daí, são
apresentados mais insumos para contribuir na construção coletiva da política de mobi-
lidade. O processo de formulação da política de mobilidade também é revisto, com o
objetivo de diagnosticar e subsidiar os avanços, as novas proposições e etapas que se
fazem necessários.
O registro dos principais objetivos da Política Nacional de Mobilidade permite a com-
preensão dos princípios que a norteiam, e que estão traduzidos nas Diretrizes da Políti-
ca Nacional de Mobilidade, aprovadas no Conselho Nacional das Cidades.
Finalmente, são apresentadas as estratégias traçadas pelo Ministério das Cidades
como um todo, e pela SeMOB em particular, para a implantação desta Política, assim
como os Programas e Ações atualmente em execução.

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CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
A política de
Mobilidade Urbana

FOTO CUSTÓDIO COIMBRA


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
Uma exata compreensão das propostas de ur- A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO DAS CIDADES E DA SEMOB
banização e mobilidade deve ser antecedida NA IMPLEMENTAÇÃO DA MOBILIDADE URBANA
por uma breve visão daquilo que, institucio- SUSTENTÁVEL TEM COMO EIXOS ESTRATÉGICOS QUE
nalmente, ao menos nas últimas décadas, foi ORIENTAM SUAS AÇÕES: O DESENVOLVIMENTO
feito das políticas públicas urbanas na área de URBANO E A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL,
transporte, trânsito e mobilidade. A PARTICIPAÇÃO SOCIAL E A UNIVERSALIZAÇÃO
No período que vai dos anos 1970 até 1989, DO ACESSO AO TRANSPORTE PÚBLICO; E
o Governo Federal firmou, por algum tempo,
O DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E A
uma relativa integração da questão urbana a
MODERNIZAÇÃO REGULATÓRIA DO SISTEMA DE
partir da existência do Conselho Nacional de
MOBILIDADE URBANA
Desenvolvimento Urbano – CNDU. Esse Con-
selho surgiu da Comissão Nacional de Regiões Ao final deste longo período em que
Metropolitanas e Política Urbana – CNPU houve várias mudanças institucionais na con-
(1974 a 1979) – criada, por sua vez, a partir do dução da política urbana e, principalmente
primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento durante o final dos anos 80 e início dos anos
– PND – que previu a criação de nove Regiões 90, quando o processo de urbanização atingiu
Metropolitanas no país. proporções ainda mais extraordinárias, perce-
Em 1986 foi criado o Ministério do Desen- be-se que o tratamento inadequado da ques-
volvimento Urbano, que reunia as políticas tão urbana pelo poder público foi um dos
de saneamento, habitação, política urbana e fatores que contribuíram para a consolidação
transportes urbanos, somando inclusive o BNH, de padrões de desenvolvimento urbano que,
a EBTU e a CNDU. Por razões políticas essa con- atualmente, se configuram como grandes pro-
formação foi alterada várias vezes ao longo dos blemas que precisam ser enfrentados.
cinco anos de governo que se sucederam, ge- Ressalta-se que no fim dos anos 80, devido
rando ineficiência na capacidade formuladora à crise fiscal e à promulgação da Constituição
de uma política pública para a questão urbana. Brasileira, que determinou a competência
No início dos anos 1990, as políticas de ha- do tratamento dos transportes urbanos aos
bitação e saneamento foram transferidas para executivos locais, o governo federal extinguiu
o Ministério da Ação Social, no qual permane- a EBTU e, desde então, os transportes vêm
ceram até o início de 1995 quando passaram sendo tratados de maneira pontual e dissocia-
para a Secretaria de Políticas Urbanas – SE- da das políticas de habitação e saneamento,
PURB/MP, vinculada ao Ministério do Planeja- assim como sem dialogar com as políticas
mento. Já os transportes urbanos, incluindo a energética, tecnológica, ambiental, regional,
CBTU e a Trensurb, continuaram no Ministério econômica e social.1
dos Transportes. O Ministério das Cidades congrega, atual-
Em 1999 foi criada a Secretaria Especial de mente, todas as políticas públicas de trânsito
Desenvolvimento Urbano da Presidência da e transporte urbano. Órgãos que se encontra-
República – SEDU/PR – com a atribuição de vam dispersos em outros Ministérios, como o
formular, implementar e coordenar as polí-
ticas nacionais de desenvolvimento urbano, 1 MCidades/SeMOB/Diretoria de Regulação e
as ações e programas de urbanização, de
Gestão – Política Nacional de Mobilidade Urbana
habitação, de saneamento básico, incluindo o Sustentável: oportunidades, princípios e diretrizes.
transporte urbano. Texto para discussão, abril de 2004.

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 11


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA

“A mobilidade corresponde às diferentes


respostas dadas por indivíduos e agentes
econômicos às suas necessidades de
deslocamento”
terra urbanizada, à habitação com condições
dignas de saneamento e mobilidade e que
Denatran no Ministério da Justiça, ou empre- respeitem os princípios de sustentabilidade
sas, como a CBTU e a Trensurb, no Ministério ambiental e econômica.
dos Transportes, passaram a compor a estru- A atuação do Ministério das Cidades e da
tura do Ministério das Cidades, articulados SeMOB na implementação da mobilidade ur-
com a Secretaria Nacional de Transporte e bana sustentável tem como eixos estratégicos
da Mobilidade Urbana – SeMOB, criada junto que orientam suas ações o desenvolvimento
com o Ministério. Essa nova estruturação tem urbano e a sustentabilidade ambiental, a par-
como um dos seus maiores desafios integrar- ticipação social e a universalização do acesso
se com as demais políticas públicas urbanas. ao transporte público, e o desenvolvimento
Desta maneira, mais que agregar todo o institucional e a modernização regulatória do
setor de transporte urbano, o Ministério das sistema de mobilidade urbana. Para tanto são
Cidades e a SeMOB, em particular, têm como definidos alguns instrumentos: política fiscal
objetivo consolidar a Política de Mobilidade e investimentos públicos, desenvolvimento
Urbana Sustentável e, nesta perspectiva, criar institucional e capacitação de agentes, lei
políticas públicas transversais, que dêem de diretrizes e normas complementares de
conta das profundas necessidades das cida- transporte urbano, informação para melhoria
des brasileiras, contribuindo para o acesso à e aprimoramento da gestão e do controle

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CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
social, instrumentos urbanísticos como Planos A MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL PODE SER
Diretores e fomento à pesquisa e à inovação DEFINIDA COMO O RESULTADO DE UM CONJUNTO DE
tecnológica. POLÍTICAS DE TRANSPORTE E CIRCULAÇÃO QUE VISA
O Governo Federal pode ainda estimular PROPORCIONAR O ACESSO AMPLO E DEMOCRÁTICO
os municípios na implantação da mobilidade AO ESPAÇO URBANO, ATRAVÉS DA PRIORIZAÇÃO
urbana sustentável apoiando projetos que DOS MODOS NÃO-MOTORIZADOS E COLETIVOS DE
atendam suas diretrizes; fomentando a im-
TRANSPORTE, DE FORMA EFETIVA, QUE NÃO GERE
plantação de programas de mobilidade para
SEGREGAÇÕES ESPACIAIS, SOCIALMENTE INCLUSIVA
pessoas com deficiência; a utilização dos
E ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL. OU SEJA:
meios não-motorizados de transporte e o
BASEADO NAS PESSOAS E NÃO NOS VEÍCULOS
barateamento no custo dos deslocamentos,
principalmente para a população de mais
baixa renda; implantando programas de ca-
pacitação de técnicos na área; realizando o não-motorizados (bicicletas, carroças, cavalos)
necessário Desenvolvimento Institucional do e motorizados (coletivos e individuais).2
setor e sua clara e adequada regulação. Se a divisão modal se insere como a forma
mais objetiva de se instituir grupos ou classes
entre aqueles que se deslocam no espaço
O QUE É MOBILIDADE URBANA?
cotidiano, para alguns autores essas divisões
Existem várias definições e acepções acerca não devem ter tanto crédito, pois o motorista,
do termo mobilidade. Antes de definir o o pedestre e o passageiro são todos papéis
escopo do termo em uso nas políticas públi- passíveis de serem representados por um
cas do Ministério das Cidades, e que se quer mesmo indivíduo. De toda maneira, é neces-
aqui difundir como forma de valorizar princí- sário considerar tanto a mobilidade quanto o
pios universais e sustentáveis para as cidades trânsito em si como processos históricos que
brasileiras, é necessário esclarecer o que vem participam das características culturais de
a ser mobilidade e as derivações do termo, uma sociedade e que traduzem relações dos
relacionadas, de uma forma ou outra, à dura- indivíduos com o espaço, seu local de vida,
ção do deslocamento, ao lugar de permanên- dos indivíduos com os objetos e meios em-
cia que o deslocamento implica (origens e pregados para que o deslocamento aconteça
destinos) e às técnicas colocadas em uso para e, dos indivíduos entre si.
sua efetivação. A mobilidade também pode ser afetada
A mobilidade é um atributo associado às por outros fatores como a renda do indivíduo,
pessoas e aos bens; corresponde às diferen- a idade, o sexo, a capacidade para compreen-
tes respostas dadas por indivíduos e agentes der as mensagens, a capacidade para utilizar
econômicos às suas necessidades de desloca- veículos e equipamentos do transporte, todas
mento, consideradas as dimensões do espaço essas variáveis podendo implicar em redução
urbano e a complexidade das atividades nele de movimentação permanente ou temporária.
desenvolvidas. Face à mobilidade, os indivídu- Por todas as razões aqui expostas, é ne-
os podem ser pedestres, ciclistas, usuários de cessário tratar os deslocamentos não apenas
transportes coletivos ou motoristas; podem
utilizar-se do seu esforço direto (deslocamen- 2Vasconcelos, Eduardo A. – Transporte urbano,
to a pé) ou recorrer a meios de transporte espaço e eqüidade. FAPESP, São Paulo, 1996.

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 13


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA como a ação de ir e vir, mas a partir do concei- configuração da cidade, seus equipamentos,
to de mobilidade, acrescido da preocupação infra-estruturas de transporte, comunicação,
com a sua sustentabilidade. circulação e distribuição, tanto de objetos quan-
A Mobilidade Urbana Sustentável pode ser to de pessoas, participa efetivamente das possi-
definida como o resultado de um conjunto de bilidades de desenvolvimento de uma cidade.
políticas de transporte e circulação que visa Quer devido aos vultosos investimentos
proporcionar o acesso amplo e democrático que a circulação despende para sua efeti-
ao espaço urbano, através da priorização vação, quer seja enfocada a determinação e
dos modos não-motorizados e coletivos de interdependência dos sistemas de circulação
transporte, de forma efetiva, que não gere com o espaço social em sua totalidade, chega
segregações espaciais, socialmente inclusiva e a ser evidente que ações de valorização da
ecologicamente sustentável. Ou seja: baseado mobilidade urbana têm reflexo direto no de-
nas pessoas e não nos veículos.3 senvolvimento urbano.
Como se vem demonstrando, a Mobilidade Afinal, uma política de mobilidade, que
Urbana Sustentável deve ser entendida de respeite princípios universais e de benefício
uma forma ampla, como o resultado de um à maioria da população, tem seus resultados
conjunto de políticas de transporte, circula- traduzidos em um maior dinamismo urbano,
ção, acessibilidade e trânsito, além das demais numa maior e melhor circulação de pessoas,
políticas urbanas, cujo objetivo maior está bens e mercadorias, valorizando a caracterís-
em priorizar o cidadão na efetivação de seus tica principal do urbano que é ser um espaço
anseios e necessidades, melhorando as condi- de congregação e cruzamento de diferenças,
ções gerais de deslocamento na cidade. da criação do novo num ambiente dinâmico
e público.
A idéia de mobilidade, centrada nas pessoas
A MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL
que transitam é ponto principal a ser conside-
COMO UM EIXO DA POLÍTICA DE
rado numa política de desenvolvimento urba-
DESENVOLVIMENTO URBANO
no que busque a produção de cidades justas,
O conceito de mobilidade que vem sendo de cidades para todos, que respeitem a liber-
construído nas últimas décadas encontra subs- dade fundamental de ir e vir, que possibilitem
tância na articulação e união de políticas de a satisfação individual e coletiva em atingir os
transporte, circulação, acessibilidade e trânsito destinos desejados, as necessidades e prazeres
com a política de desenvolvimento urbano. cotidianos.
Este conceito é base para as diretrizes de uma As noções de mobilidade e de desenvol-
política-síntese, que tem como finalidade pri- vimento urbano, assim definidos, permitem
meira proporcionar o acesso amplo e democrá- superar visões arraigadas no urbanismo brasi-
tico ao espaço urbano, de forma segura, social- leiro que, historicamente, privilegiou a fluidez
mente inclusiva e ambientalmente sustentável. do trânsito para os automóveis e, de maneira
A mobilidade urbana, ao congregar em sua quase que exclusiva, foi dirigido apenas para
efetivação todas as principais características da os grandes centros urbanos. Passa-se, pois, a
considerar no desenvolvimento urbano as de-
3MCidades/SeMOB/Diretoria de Mobilidade Urba-
mandas de mobilidade peculiares aos usuários
na – A mobilidade urbana sustentável, texto para mais frágeis do sistema, como as crianças, as
discussão, março de 2003. pessoas com deficiência e os idosos. Além dis-

14
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
so, considera-se o fato de que longe dos gran-  o reconhecimento da importância de uma
des centros urbanos também existem cidades, gestão democrática e participativa das
nas quais vivem pessoas que se locomovem, cidades no sentido de propiciar formas de
muitas vezes em condições precárias, sobre inclusão social e espacial
lombos de animais, em carrocerias de peque-  a garantia de maior nível de integração e
nos veículos, a pé, em vias inadequadas, muitas compromisso entre as políticas de trans-
vezes sem condições mínimas de segurança. porte, circulação, habitação e uso do solo
Partindo de uma mudança de foco no trato  a promoção de condições para as dese-
da questão – inclusive de uma visão setorial do jáveis parcerias entre os setores público e
transporte para uma visão integrada de mobi- privado, que possam responder pelos in-
lidade no espaço urbano -, os seguintes aspec- vestimentos necessários para suprir as ca-
tos são considerados essenciais na construção rências existentes nos sistemas de transpor-
de uma política de mobilidade, assim como tes e pactuar mecanismos que assegurem
para uma política de desenvolvimento urbano: a própria melhoria da qualidade urbana
 a promoção de formas de racionalização,  a priorização de ações que contribuam
integração e complementaridade de ações para o aumento da inclusão social, da qua-
entre os entes federados na organização do lidade de vida e da solidariedade nas cida-
espaço urbano e dos sistemas integrados des brasileiras
de transporte
 o fortalecimento institucional, do plane-

jamento e da gestão local da mobilidade A mobilidade centrada nas pessoas que transitam
urbana é ponto principal a ser considerado numa política
de desenvolvimento urbano

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 15


FOTO CUSTÓDIO COIMBRA
Diagnóstico

CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
Diversos estudos e pesquisas vêm sendo pro- opções estratégicas adotadas para enfrentar a
duzidos em todo o mundo, e também no Bra- questão e permitir uma melhor compreensão
sil, acerca da mobilidade urbana, dos modos tanto da importância do tema, quanto das
de deslocamento adotados em cada lugar e diretrizes para a formulação da política de
dos efeitos desta escolha sobre a economia, o mobilidade sustentável, aprovada na reunião
meio-ambiente, a segurança, o bem-estar so- do Conselho das Cidades realizada em setem-
cial e a própria qualidade de vida nas cidades. bro de 2004.
O seguinte diagnóstico acerca da mobilida- Desta forma, pretende-se identificar no
de urbana no Brasil não pretende ser exaustivo, processo de urbanização os problemas e
que abarque a totalidade das variáveis que fa- desafio que vêm sendo enfrentados pelo Mi-
zem parte da questão e, tampouco, tem a pre- nistério das Cidades na formulação da Política
tensão de realizar uma radiografia minuciosa Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável,
da mobilidade urbana no contexto de diferen- subsidiária e integrante da Política Nacional de
ças tão profundas quanto as representadas por Desenvolvimento Urbano.
cada um dos 5.561 municípios brasileiros.
O processo de urbanização acelerada por qual
O objetivo deste diagnóstico é trazer ao passou o país, além de promover a transferência
debate os elementos que fundamentam as populacional da área rural para a urbana,
concentrou boa parte destes fluxos migratórios

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 19


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
EXPANSÃO URBANA E O MODELO PARA OS SETORES DE MENOR RENDA, A ALTERNATIVA
DE TRANSPORTE E CIRCULAÇÃO DO LOTEAMENTO OU CONJUNTO HABITACIONAL
PERIFÉRICO (LOTES, APARTAMENTOS OU CASAS
O Brasil é um país marcado por profundas
PRÓPRIAS) CONSAGROU-SE COMO SENDO A OPÇÃO,
desigualdades e por uma enorme diversida-
JUSTIFICADA PELO IMPACTO DO PREÇO MAIS BAIXO
de sócio-espacial. Essas marcas podem ser
evidenciadas em todas as escalas, entre as DOS TERRENOS NA FRANJA EXTERNA DAS CIDADES

diversas regiões do país, entre os 27 Estados


da federação, entre cada um dos 5.561 muni- imóveis novos, permitiu à classe média das
cípios e, inclusive de forma intensa, interna- grandes cidades constituir novos bairros e
mente a cada um desses entes federados que centralidades nas cidades gerando, além da
representam o poder local. expansão horizontal, o paulatino esvaziamen-
A população brasileira é atualmente em to dos centros tradicionais. Do ponto de vista
grande medida (82%) urbana, sendo que 70% da estratégia de produção e financiamento
desses brasileiros se concentram em apenas das infra-estruturas, os centros tradicionais
10% do território. A concentração urbana fica foram abordados apenas como centros eco-
mais bem explicitada quando se constata que nômicos saturados, devendo ser objeto de
apenas 455 municípios – pouco mais de 8% descentralização das atividades, inclusive
dos 5.561 – somam mais de 55% do total de administrativas.4
habitantes do país. As nove principais Regiões Para os setores de menor renda, a alterna-
Metropolitanas concentram 30% da popula- tiva do loteamento ou conjunto habitacional
ção urbana e, particularmente, a grande par- periférico (lotes, apartamentos ou casas pró-
cela dos mais pobres. Dessa forma, as grandes prias) consagrou-se como sendo a opção, jus-
aglomerações urbanas revelam com maior tificada pelo impacto do preço mais baixo dos
profundidade a característica desigual do país, terrenos na franja externa das cidades.
concentrando a pobreza e a riqueza, muitas A política habitacional como um todo,
vezes no mesmo território. praticada por agentes públicos, privados e,
O processo de urbanização acelerada inclusive, de forma irregular e/ou ilegal, seguiu
por qual passou o país, além de promover a a mesma lógica, gerando um desenho de pro-
transferência populacional da área rural para dução das infra-estruturas na mesma direção.
a urbana, concentrou boa parte destes fluxos No entanto, para os mais pobres, ao contrário
migratórios. Nas Regiões Metropolitanas, so- das novas centralidades de classe média, a
bretudo, desencadeou-se um padrão de urba- provisão da infra-estrutura tem se dado sem-
nização de expansão horizontal. Este modelo pre posteriormente.5
de desenvolvimento urbano – crescimento
através de expansão permanente, de baixa
densidade, da fronteira urbana – foi impulsio-
4 ROLNIK, Raquel e BOTLER, Milton – “Por uma polí-
nado pelo planejamento, pelas políticas de
tica de reabilitação de centros urbanos”. Revista
financiamento e produção habitacional e das
Óculum, São Paulo, 2004.
infra-estruturas dos sistemas de circulação e 5 CARDOSO, Adauto – “A produção e a reprodução

de saneamento. de assentamentos precários”. Paper encaminha-


A disponibilidade de crédito a juros subsi- do ao Ministério das Cidades, 2003. MARICATO,
Ermínia – Brasil Cidades, alternativas para a crise
diados, voltada sempre para a produção de
urbana. Vozes, Petrópolis, 2001.

20
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
Este modelo de urbanização, típico das verizadas em uma grande mancha urbana. Na
metrópoles brasileiras, é atualmente reprodu- maior parte das grandes cidades esse processo
zido nas mais diversas cidades, de todos os não foi devidamente acompanhado pela rede
tamanhos. Combinado com outras formas de de transporte que, aos poucos, foi deixando de
expansão do urbano e de criação de novas atender aos desejos e necessidades de desloca-
cidades, o modelo resulta num território pro- mento de grande parcela da população.
fundamente desigual, com uma diversidade A ocupação irracional do solo urbano, que
enorme de características e dinâmicas que deixa áreas vazias ou pouco adensadas nas
torna a formulação e a execução de políticas áreas mais centrais e ocupa periferias mais
um enorme desafio, sobretudo a partir da es- distantes, é resultado da dissociação entre o
fera federal. Além disso, tal modelo de expan- planejamento do transporte, a ocupação do
são tem fortes impactos negativos na mobili- solo e a especulação fundiária não controlada.
dade, uma vez que sobrecarrega os sistemas Para além do planejamento da rede, pode-
de transportes devido ao aumento constante se apontar também uma forma de relação
das distâncias a serem percorridas. patrimonialista das empresas operadoras em
É nesse sentido que se entende a importân- relação às linhas de ônibus, na qual o opera-
cia do debate acerca de políticas que possibi- dor se sente o proprietário da linha que opera
litem à sociedade questionar e refletir sobre o e dos itinerários percorridos, defendendo de
futuro desejado para a mobilidade cotidiana. forma muitas vezes intransigente o seu “ter-
Até mesmo pequenas e médias cidades vivem, ritório” e dificultando a implementação de
hoje, problemas ligados à circulação motoriza-
da, reproduzindo modelos insustentáveis do
ponto de vista ambiental e sócio-econômico A ocupação irracional do solo urbano é resultado
adotados nas grandes cidades. da dissociação entre o planejamento do
transporte, a ocupação do solo e a especulação
fundiária não controlada
CRESCIMENTO PERIFÉRICO,
FRAGMENTAÇÃO URBANA E IMPACTO
NAS REDES DE CIRCULAÇÃO

Em diversas cidades brasileiras, nas últimas


décadas, constata-se uma piora na qualidade
do transporte coletivo urbano. Entre outros
motivos pode-se apontar a falta de uma rede
de transporte integrada, que atenda aos dese-
jos de deslocamento da população e permita
a racionalização dos deslocamentos segundo
modos diversos de transporte adaptados a
cada um dos motivos das viagens.
No entanto, a principal razão para tal fato
está vinculada ao processo contínuo de cres-
cimento periférico das cidades, que se des-
centralizaram e se conurbaram, tornando-se
multinucleadas, com atividades dispersas e pul-

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 21


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA O MODELO DE MOBILIDADE ADOTADO NOS GRANDES jamento integrado das cidades, incorporando
CENTROS URBANOS BRASILEIROS QUE VEM, DE os princípios da sustentabilidade plena e ten-
FORMA QUASE NATURAL, SENDO REPRODUZIDO do o seu planejamento e controle submetido
PELAS CIDADES DE PORTE MÉDIO, FAVORECE O aos interesses da maioria da população, pode
USO DO VEÍCULO PARTICULAR, REFORÇANDO O se tornar um relevante e eficaz instrumento
ESPRAIAMENTO DAS CIDADES E A FRAGMENTAÇÃO de reestruturação urbana e vetor da expansão
DO ESPAÇO DEVIDO À FLEXIBILIDADE DOS
controlada ou direcionada das cidades.
Além disso, o modelo de mobilidade ado-
DESLOCAMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS. DESSA FORMA,
tado nos grandes centros urbanos brasileiros
CIDADES SE ESTRUTURAM E SE DESENVOLVEM PARA
que vem, de forma quase natural, sendo
ACOLHER, RECEBER, ABRIGAR O VEÍCULO PARTICULAR
reproduzido pelas cidades de porte médio,
E ASSEGURAR-LHE A MELHOR CONDIÇÃO POSSÍVEL DE
favorece o uso do veículo particular, reforçan-
DESLOCAMENTO NAS ÁREAS URBANAS
do o espraiamento das cidades e a fragmen-
tação do espaço devido à flexibilidade dos
deslocamentos automobilísticos. Dessa forma,
reestruturações das redes de transporte, so- cidades se estruturam e se desenvolvem para
bretudo formas de intermodalidade que são acolher, receber, abrigar o veículo particular e
muitas vezes vistas como possíveis formas de assegurar-lhe a melhor condição possível de
competição. deslocamento nas áreas urbanas.
Essa competição entre os diversos modos
de transporte é historicamente constatada no
A INTEGRAÇÃO SETORIAL,
Brasil e, muitas vezes, traduz-se numa compe-
INSTITUCIONAL E TERRITORIAL
tição por recursos públicos para a implantação
DAS POLÍTICAS
das necessárias redes de transporte. Dessa
forma, o urbanismo brasileiro sente até hoje as As cidades brasileiras, como já citado, vêm
dificuldades de implantação de políticas de in- adaptando há várias décadas o uso do solo
tegração entre redes de transporte, impedindo urbano para a prática da circulação automo-
a necessária intermodalidade como forma de bilística. A transformação dessa realidade
propiciar mobilidade e romper com o modelo implica na vinculação da política de trânsito
automobilístico de deslocamento, que drena a a uma nova forma de prática urbana, ou seja,
maior parte dos investimentos públicos. a uma nova forma de se viver a cidade. A
Além disso, o transporte coletivo urbano, da transformação pretendida das cidades bra-
forma como é hoje planejado e produzido, fun- sileiras será iniciada quando as políticas de
ciona como indutor, nem sempre involuntário, circulação passarem a se ocupar efetivamente
da ocupação irracional das cidades. Ou seja, do uso do solo, compreendendo que diversos
mesmo com baixo controle público, o transpor- equipamentos urbanos como se apresentam
te permanece como determinante da possibi- na atualidade, apenas existem em função do
lidade de ocupação e consolidação de novos automóvel, reforçando seu uso.
espaços, só que nesse caso, sem haver o contro- É necessário ter-se em mente a relação biu-
le público, servindo a interesses particulares em nívoca do uso do solo com o trânsito e o trans-
detrimento do interesse público e coletivo. porte, pois cada edificação gera uma necessi-
Portanto, é de fácil constatação que o dade diferente de deslocamento, que deve ser
transporte urbano, sendo inserido no plane- atendida e, por outro lado, a movimentação de

22
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
veículos, pessoas e cargas interfere na implan-  Ter planejamento e gestão sobre o cres-
tação e utilização das edificações. cimento das cidades, de modo que se
O desenvolvimento urbano mal planejado oriente a ampliação da mancha urbana do
ou planejado de forma a atender os interesses ponto de vista do interesse público
de uma pequena parcela da população (inves-  Controlar a implantação de novos empre-
tidores e especuladores do solo urbano) tem endimentos públicos e privados, condicio-
contribuído para estabelecer um quadro de nando-os a internalizar e minimizar os im-
deterioração da mobilidade e qualidade de pactos sobre o ambiente urbano, trânsito
vida nas cidades. Se por um lado é necessário e transporte.
que se exerça o controle do espraiamento  Garantir o uso público do espaço urbano,
urbano, como forma de reduzir distâncias de priorizando o pedestre, solucionando ou
deslocamento e custos do transporte cole- minimizando conflitos existentes entre a
tivo, incorporando ao planejamento urbano circulação a pé e o trânsito de veículos,
princípios que atuem como inibidores do oferecendo qualidade na orientação, sinali-
crescimento desordenado, como os previstos zação e no tratamento urbanístico de áreas
no Estatuto das Cidades, por outro lado é preferenciais para o seu deslocamento
necessário que exista um planejamento dos  Implantar obras e adequações viárias para
transportes integrado aos demais setores priorização dos modos de transporte não-
responsáveis pela produção das cidades, motorizados e coletivos
planejando seu crescimento a partir do uso
e da ocupação do território. Isso quer dizer Por outro lado, o investimento em forta-
que as políticas públicas devem se pautar por lecimento e desenvolvimento institucional
princípios equânimes de urbanização, levada requerido para que tais medidas possam ser
a cabo em cada novo loteamento e parcela- implantadas não é isolado e tampouco se res-
mento do solo. tringe à gestão do trânsito ou do transporte
Nesse sentido, a associação, através do público, mas abrange outras áreas da gestão
planejamento integrado, entre o controle municipal. Os municípios, de forma geral,
e a gestão pública dos transportes, a com- necessitam estruturar-se e capacitar-se para
preensão das lógicas que racionalizam o planejar e controlar o desenvolvimento dos
uso do solo e a incorporação dos princípios espaços urbanos.
de Mobilidade Urbana Sustentável, podem O crescimento, em muitos casos, ocorre
formar as bases de um novo planejamento, sem nenhuma forma de controle ou de re-
com maior sinergia e efetividade, das cidades gulamentação sobre o uso e ocupação do
brasileiras. solo, sobre a expansão das infra-estruturas ou
Os principais desafios de tal política de mesmo sobre a implantação de novos equipa-
mobilidade e de uso e ocupação do solo são mentos, sendo guiado de acordo com as leis
os seguintes: de mercado referentes ao valor da terra e aos
 Consolidar e regularizar os centros, áreas já níveis relativos de acessibilidade.
ocupadas e as parcelas informais da cidade, A histórica dificuldade de incorporar a idéia
promovendo maior aproveitamento da de mobilidade urbana ao planejamento ur-
infra-estrutura já instalada, maior densifica- bano e regional também está entre as causas
ção e aliviando a pressão por novas ocupa- da crise de qualidade das cidades brasileiras,
ções periférica contribuindo fortemente para a geração dos

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 23


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA

A falta de um organismo metropolitano


que coordene e integre os transportes em especial nos aspectos relativos à mobilida-
nessas regiões interfere na crise da de das pessoas e das mercadorias.
mobilidade, gerando muitos problemas
Verificam-se três fases distintas na for-
mação das metrópoles no Brasil. A primeira
cenários atuais onde se constatam cidades vai de 1973, quando foram instituídas pelo
insustentáveis do ponto de vista ambiental governo federal as nove regiões metropoli-
e econômico. tanas, até 1988, com a promulgação da nova
Constituição. Nesse período, houve forte
centralização da regulação e do financia-
MOBILIDADE URBANA E A QUESTÃO
mento pelo governo federal, cabendo aos
METROPOLITANA
estados a responsabilidade de implementar
Os problemas de mobilidade urbana no espa- políticas metropolitanas. Esse modelo foi si-
ço metropolitano se explicam através do pro- métrico para todas as regiões metropolitanas,
cesso de metropolização que caracterizou o havendo em cada uma delas a necessidade
desenvolvimento urbano do país nas últimas de realizar planos associados ao reconhe-
três ou quatro décadas. Além da progressiva cimento técnico das próprias realidades, o
expansão demográfica e espacial destas me- que aconteceu com a criação das empresas
gacidades, dois fatores se destacam: as op- metropolitanas de planejamento. No entanto,
ções e prioridades dos investimentos públicos esses planos foram produzidos sob a égide
em relação a cada um dos diferentes modos dos estados, não refletindo as particulari-
de transporte e a incapacidade de equaciona- dades dos municípios e, tampouco, criando
mento institucional da gestão metropolitana, um ambiente para a ação coordenada das

24
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
ações. No que diz respeito à organização do PREVALECE NO PAÍS, A AUSÊNCIA DE UMA
transporte público urbano nessas regiões, GESTÃO INTEGRADA E COMPARTILHADA (GESTÃO
ainda na década de 1970, são previstas as Em- METROPOLITANA). OS ESTADOS QUE INVESTIRAM
presas Metropolitanas de Transporte Público NESSA FORMA DE GESTÃO, VIA DE REGRA, SUAS
(EMTU), com a proposta de integrar a rede AÇÕES SE RESTRINGIRAM A SERVIÇOS ESPECÍFICOS,
de transportes metropolitanos nos aspectos NÃO HAVENDO O PLANEJAMENTO URBANO
físicos, operacionais, tarifários e institucionais. METROPOLITANO. CONSTITUI-SE UM DESAFIO DIÁRIO
A segunda fase é marcada pela Constituição
PARA AS REGIÕES METROPOLITANAS BRASILEIRAS,
de 1988 e caracterizada pela retração dos in-
PROVER TRANSPORTE DE QUALIDADE AOS SEUS
vestimentos federais e pela descentralização
HABITANTES E FAZER COM QUE UM CONTINGENTE DE
e fortalecimento dos governos locais. Na es-
MILHÕES DE PESSOAS TENHA ACESSO DIARIAMENTE
cala da União, a coordenação dos transportes
ÀS ATIVIDADES URBANAS
ficou a cargo do Ministério dos Transportes e,
nas escalas estaduais e municipais, verifica-se
uma quase completa ausência da questão porém com forte polarização ou concen-
metropolitana na agenda dos governos. Em tração de poder político das e nas capitais
meados dos anos 1990, há uma terceira fase  acirramento de conflitos de interesse pela
de trato da questão metropolitana, quando gestão de recursos financeiros
os estados passam a tomar certas medidas de
institucionalização. A falta de um organismo metropolitano
Alguns dos principais obstáculos à organi- que coordene e integre os transportes nessas
zação metropolitana do transporte verificados regiões interfere na crise da mobilidade,
desde a criação das EMTUs persistem até os gerando entre outros problemas:
dias de hoje:  distribuição heterogênea da rede, com rela-

 conflitos de competência no exercício da tivo excesso de oferta nas áreas mais aden-
coordenação sobre os modos de transpor- sadas ou mais próximas da região central e
te metropolitanos falta de atendimento adequado nas regiões
 os modos ferroviários urbanos ainda perma- periféricas, não correspondendo às necessi-
necem sob a tutela federal (trens metropoli- dades e desejos de deslocamento da maior
tanos de Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte parcela da população
e demais trens de subúrbio das capitais) ou  falta de integração física e tarifária entre os
estadual (metrôs de São Paulo e Rio) sendo modos
que, de acordo com a Constituição de 1988,  superposição de redes, de interesses e
é competência municipal a estruturação e disputas, inclusive políticas
coordenação dos serviços locais de trans-
porte urbano, faltando mecanismos para Segundo o Art. 25 da Constituição Brasi-
que a organização possa ocorrer quando os leira, a atual competência de instituir e regu-
deslocamentos se dão entre municípios lamentar as Regiões Metropolitanas está a
 fragilidade da organização metropolitana, cargo dos Estados. Porém, após a aprovação
que passou a se constituir em uma es- da Constituição, o devido Artigo não foi regu-
pécie de quarta instância de poder, sem, lamentado, não havendo uma definição clara
entretanto, dispor de recursos financeiros das características básicas de uma Região Me-
próprios nem de autonomia administrativa, tropolitana. Assim, ficou a cargo dos Estados

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 25


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA regulamentá-las, conforme suas especificida- mais ricas contribuições. Integrar as gestões
des e interesses. estadual/metropolitana e municipal, raciona-
Dessa forma, na medida que o poder de lizar o uso de vias e a circulação de veículos,
ação institucional e de gestão restringe-se ao evitar superposição de linhas, integrar modos,
Estado, os Municípios ficaram, na maioria dos viabilizar tarifas módicas, induzir o cidadão
casos, alijados das decisões metropolitanas, a usar alternativas ao transporte individual,
enfraquecendo a participação do poder local, efetuar o planejamento, o controle e a gestão
o que tem dificultado o enfrentamento das da rede metropolitana de transporte público
questões. Prevalece, assim, no País, a ausência são alguns dos itens da agenda metropolitana
de uma gestão integrada e compartilhada que certamente contribuiriam muito para ra-
(gestão metropolitana) e, nos casos em que cionalizar o uso de recursos públicos, diminuir
os Estados investiram nessa forma de gestão, a poluição ambiental, aumentar a produtivida-
via de regra, suas ações se restringiram a servi- de urbana, dar amplo acesso a serviços como
ços específicos, não havendo o planejamento saúde, educação, lazer e, conseqüentemente,
urbano metropolitano. melhorar a qualidade de vida e contribuir para
Constitui-se um desafio diário para as a promoção da inclusão social.6
Regiões Metropolitanas brasileiras, prover
transporte de qualidade aos seus habitantes e
O DESAFIO DA INTERMODALIDADE
fazer com que um contingente de milhões de
NOS TRANSPORTES URBANOS
pessoas tenha acesso diariamente às ativida-
des urbanas. A qualidade do transporte coletivo urbano tem
O recente seminário realizado pela SeMOB se deteriorado nos últimos anos também por
em parceria com o BNDES sobre Mobilida- falta de uma rede de transporte bem estrutura-
de Urbana em Regiões Metropolitanas, em da e integrada de tal forma que atenda aos de-
dezembro de 2003, bem como as recentes sejos de deslocamento da população segundo
audiências públicas sobre Transporte e sobre modos adaptados aos motivos de viagens.
Regiões Metropolitanas promovidas pela Co- Sabe-se que, por um lado, o processo ace-
missão de Desenvolvimento Urbano e Interior lerado de urbanização não foi devidamente
da Câmara dos Deputados – CDUI, convergi- acompanhado pela rede de transporte e, por
ram em apontar a riqueza e complexidade da outro, que a ocupação desordenada do solo
gestão metropolitana, e, também, a urgente urbano, com a existência de áreas vazias nos
necessidade de seu enfrentamento com apoio centros, combinadas à ocupação de áreas
federal. Tal afirmação é reforçada com os re- cada vez mais distantes, revela a dissociação
sultados do Seminário Internacional “O Desa- entre transporte e ocupação do solo, oneran-
fio da Gestão das Regiões Metropolitanas em do e dificultando o atendimento.
Países Federados” promovido em 2004 pela Essas características da urbanização brasi-
Casa Civil, com a participação de diversos mi- leira, somadas a aspectos específicos relacio-
nistérios, inclusive do Ministério das Cidades. nados com cada um dos modos de transporte
Há, portanto, um enfrentamento para além urbano, têm influenciado também a fraca
do plano local e que precisa de urgente abor-
dagem, que é o planejamento e gestão em 6MCidades/SeMOB/DENATRAN – Plano de Ação
escala metropolitana. É exatamente aqui que de Mobilidade Urbana em Regiões Metropolitanas,
o tema mobilidade urbana pode dar as suas maio de 2004.

26
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
existência de intermodalidade nos desloca- iniciada na década de 1980. No início da déca-
mentos urbanos. da de 1990, como parte da política de descen-
Dessa forma, nas cidades brasileiras, de ma- tralização, o governo federal decidiu realizar
neira geral, o privilégio ao uso do automóvel investimentos ampliando os sistemas existen-
particular esteve associado à maneira mais tes com o objetivo de transferi-los aos esta-
simples e barata de viabilizar uma forma cole- dos. Os recursos para os novos investimentos
tiva de transporte, no caso os ônibus, que se foram obtidos através de financiamento junto
utilizam, via de regra, da mesma infra-estrutu- ao Banco Mundial, com contrapartida da
ra dos automóveis. União. Entre os sistemas nominados o único
Mas a questão da baixa intermodalidade que não integrou o programa de financiamen-
dos sistemas de transportes nas cidades brasi- to foi o de Porto Alegre, que ora desenvolve
leiras está vinculada a diversos outros fatores, seu projeto de expansão no contexto de uma
entre eles institucionais, como já revelados rede estrutural para a região metropolitana.
para as Regiões Metropolitanas, e mesmo Embora no processo de descentralização
aspectos culturais, que definem o pedestre houvesse compromissos dos governos locais
como cidadão de segunda categoria, não com a implantação de órgãos de coordena-
viabilizando suas viagens, que representam a ção regional de transporte, e a necessidade
forma mais simples de se propiciar a ligação de estratégias integradas de desenvolvimen-
entre modos distintos de transporte. to urbano e planos regionais de transporte
As maiores dificuldades encontradas para a público, excetuando a região de Recife (que
implantação de sistemas intermodais encon- elaborou uma rede estrutural integrada e está
tram-se na análise fragmentada acerca dos sis-
temas de mobilidade, que resulta em soluções
fragmentadas ou pontuais.
Até mesmo pequenas e médias cidades vivem,
Os sistemas sobre trilhos vinculados ao Mi- hoje, problemas ligados à circulação motorizada,
nistério das Cidades tiveram sua implantação reproduzindo modelos insustentáveis do ponto
de vista ambiental e sócio-econômico

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 27


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA ATUALMENTE, A COMPANHIA BRASILEIRA DE TRENS Pesquisa recente conduzida pela ANTP nas
URBANOS (CBTU), VINCULADA AO MINISTÉRIO principais capitais brasileiras que possuem
DAS CIDADES, ADMINISTRA LINHAS DE TRENS EM sistemas metro-ferroviários, diagnostica a situa-
6 CAPITAIS DO PAÍS, TODAS ELAS APRESENTANDO ção atual da inserção dos sistemas sobre trilhos
DIFICULDADES no contexto do transporte metropolitano:
 redes de ônibus municipais, intermunici-

pais e os sistemas sobre trilhos não estão


em fase de implantação de uma estrutura planejados como sistemas funcionais com-
institucional metropolitana de planejamento e plementares
gestão do transporte), os demais estados não  há sobreposição de linhas de ônibus e tri-

cumpriram esses objetivos. lhos urbanos


Os principais sistemas sobre trilhos vincula-  a infra-estrutura física para a integração

dos ao Ministério das Cidades através da CBTU modal, em muitas situações, é inadequada
e Trensurb (Recife, Belo Horizonte, Fortaleza, ou inexiste
Salvador e Porto Alegre) são, atualmente,  as redes existentes, quando tomadas no

subsidiados, sendo a cobertura de parcela de seu conjunto, geram desequilíbrios espa-


seus custos supridos com recursos do tesouro ciais e temporais, onerando os usuários do
federal. Contribui para o nível atual dos sub- sistema de transporte
sídios a inadequada integração dos sistemas  os sistemas de bilhetagem eletrônica que

sobre trilhos em redes multimodais, conforme vêm sendo implantados, não são projeta-
apontado. dos com foco na integração tarifária dos
Porto Alegre está executando estudo modos
estratégico de integração do transporte da
RMPA, que tem como objetivo a obtenção As redes e os modos aqui apresentados e
de uma rede estrutural integrada de média a integração necessária entre cada um deles
e alta capacidade e um modelo institucional apenas pode se efetivar quando forem consi-
permanente para a coordenação e integração derados todos os demais modos de transpor-
do transporte. Tais estudos estão sendo con- te que compõem o cotidiano de determinada
duzidos pelo Grupo Executivo de Integração cidade. Dessa forma, a integração deve consi-
– GEI – que conta com representantes dos três derar com ênfase o papel da marcha a pé e o
níveis de governo. uso de bicicletas como modos de integração
A implementação das diretrizes e metas entre os demais modos, o que implica em
definidas no Estudo de Planejamento Estra- possibilitar sua prática segura e agradável.
tégico de Integração do Transporte Público Além disso, deve-se considerar a existência de
Coletivo da RMPA será detalhada no Plano mecanismos de informação das possibilidade
Integrado de Transporte e Mobilidade Urbana de intermodalidade existentes, indicando
– PITMUrb, da Região Metropolitana de Porto caminhos e acessos, assim como custos e
Alegre. benefícios. Os demais modos de transporte,
Atualmente, a Companhia Brasileira de incluindo os automóveis, devem ser conside-
Trens Urbanos (CBTU), vinculada ao Ministério rados no exercício da intermodalidade, lem-
das Cidades, administra linhas de trens em 6 brando sempre que para cada tipo ou motivo
capitais do país, todas elas apresentando difi- de viagem pode-se propor uma forma melhor
culdades. adaptada de realizar o deslocamento.

28
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
PRINCIPAIS DESECONOMIAS E CUSTOS aumento do efeito estufa e aumento do nú-
SOCIAIS DO MODELO DE CIRCULAÇÃO mero de acidentes de trânsito é importante
para que essas externalidades sejam previstas
O modelo de circulação automobilística e o
nos processos de planejamento e avaliação
urbanismo a ele combinado tem se mostra-
de sistemas de transporte. O conhecimento
do ineficiente e ineficaz em todos os lugares
desses custos pode também orientar a formu-
onde foi implantado. Várias grandes cidades
lação de políticas públicas que visem atenuar
brasileiras que já investiram milhões em infra-
impactos e reduzir os custos gerados pelos
estrutura de vias, túneis e viadutos têm visto
sistemas de transporte e, dessa forma, otimi-
os seus esforços e recursos serem transforma-
zar a aplicação dos recursos públicos.
dos em outros vários milhões gastos em horas
No caso do sistema de transporte rodoviá-
de congestionamentos e poluição ambiental.
rio, o uso de combustíveis fósseis é o principal
Apesar dos investimentos serem sempre com
responsável pela má qualidade do ar nas
o objetivo de melhorar o fluxo de veículos,
cidades, além de ser o principal contribuinte
somente em curtíssimo prazo essa intenção
dos gases de efeito estufa. Na Região Metro-
se concretiza, pois, a melhoria se traduz ime-
politana de São Paulo, em 1995, os veículos
diatamente em estímulo à maior utilização do
automotores contribuíram com 98% das emis-
transporte individual.
sões de monóxido de carbono, 97% de hidro-
Segundo estudo do IPEA7, realizado em 10
carbonetos (HC), 97% de óxidos de nitrogênio
cidades brasileiras, as condições desfavoráveis
(NO), e 85% de óxidos de enxofre (S) e 40% de
de trânsito levam a três principais tipos de
particulados.
deseconomias:
A gravidade do problema se expressa por
 Tempo: a cada ano corresponde um custo
meio dos prejuízos à saúde da população em
de 250 milhões de horas para os usuários
geral e, em particular, das pessoas idosas e das
de automóveis e 120 milhões para os usuá-
crianças. O monóxido de carbono (CO), por
rios de ônibus
exemplo, provoca tonturas, dores de cabeça,
 Consumo excessivo de energia: os conges-
sono, redução dos reflexos e perda da noção
tionamentos causam um consumo excessi-
de tempo. Além disso, é um dos principais
vo de 190 mil litros de gasolina e de cinco
responsáveis por acidentes de tráfego em
mil litros de diesel na hora de pico, o que
áreas de grande concentração, aumentando o
corresponde, por ano, a um gasto excessivo
estado de morbidez das pessoas idosas. Outras
de 200 milhões de litros de gasolina e 4
emissões como os hidrocarbonetos e o óxido
milhões de litros de diesel
de nitrogênio provocam irritação nos olhos, no
 Poluição: os automóveis são responsáveis
sistema respiratório, produzindo alergia, asma,
pela emissão excessiva de 90 toneladas de
bronquite crônica e redução de visibilidade.
CO (122 mil ton/ano)
O processo decisório e as políticas públicas
devem considerar as deseconomias e externali-
O conhecimento dos custos externos asso-
dades próprias a cada um dos modos de trans-
ciados ao setor de transportes que afetam o
porte. Segundo estudo da ANTP, o automóvel
meio ambiente, como poluição atmosférica,
tem um gasto 12,7 vezes maior de energia do
7IPEA/ANTP – “Redução das deseconomias ur-
que o ônibus, gera 17 vezes mais poluição,
banas com a melhoria do transporte público no consome 6,4 vezes mais espaço na via e gera
Brasil”. 1998 um custo de transporte oito vezes maior que o

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 29


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA A ADAPTAÇÃO DAS CIDADES PARA O USO INTENSIVO trânsito. Dos mortos, 50% são pedestres, ciclis-
DO AUTOMÓVEL TEM LEVADO À VIOLAÇÃO NÃO tas ou motociclistas, a parcela mais vulnerável
APENAS DOS PRINCÍPIOS ECONÔMICOS, MAS nas vias urbanas. De 1961 a 2000, o número de
TAMBÉM, DAS CONDIÇÕES AMBIENTAIS, DA feridos no trânsito multiplicou-se por quinze e
QUALIDADE DAS ÁREAS RESIDENCIAIS E DE o de mortos por seis. A falta de punição ime-
USO COLETIVO, BEM COMO À DEGRADAÇÃO DO diata reforça o desrespeito pela vida.
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARQUITETÔNICO, DEVIDO
As primeiras medidas de impacto na segu-
rança veicular adotadas no Brasil datam ape-
À ABERTURA DE NOVAS VIAS, AO REMANEJAMENTO
nas do início da década de 1990, com a obri-
DO TRÁFEGO PARA MELHORAR AS CONDIÇÕES DE
gatoriedade do uso do cinto de segurança em
FLUIDEZ E AO USO INDISCRIMINADO DAS VIAS PARA
todo o território nacional, seguida da aprova-
O TRÂNSITO DE PASSAGEM
ção do Código de Trânsito Brasileiro, adaptado
para as transformações que ocorreram nos
ônibus, todos os dados relativos ao número de últimos anos no trânsito e nos veículos.
passageiros por quilômetro transportado. Ainda que essas e outras medidas tenham
Dessa forma, a adaptação das cidades para produzido impacto e gerado reduções na gra-
o uso intensivo do automóvel tem levado à vidade dos acidentes, muito há que se fazer
violação não apenas dos princípios econômi- na questão da segurança do trânsito no Brasil.
cos, mas também, das condições ambientais, Quantitativamente, os acidentes de trânsito
da qualidade das áreas residenciais e de uso representam o segundo maior problema de
coletivo, bem como à degradação do pa- saúde pública no Brasil, só perdendo para a
trimônio histórico e arquitetônico, devido à desnutrição, sendo que a Organização Mun-
abertura de novas vias, ao remanejamento do dial da Saúde (OMS) alerta e prevê que, daqui
tráfego para melhorar as condições de fluidez a 20 anos, os acidentes de trânsito representa-
e ao uso indiscriminado das vias para o trânsi- rão a terceira maior causa mundial de mortes.
to de passagem. Comparações e estudos indicam que, atu-
Por outro lado, a incompatibilidade entre o almente, a participação do Brasil no número
ambiente construído das cidades, o comporta- de veículos da frota mundial é de 3,3%, sendo,
mento dos motoristas, o grande movimento de porém, responsável por 5,5% do total de aci-
pedestres sob condições inseguras, faz o Brasil dentes fatais registrados no mundo. O índice
deter um dos mais altos índices de acidentes de três mortos por dez mil veículos/ano, tido
de trânsito em todo o mundo. A gravidade do como aceitável pela ONU, está bem abaixo
problema se revela tanto no número absoluto dos nove mortos por dez mil veículos/ano
de acidentes quanto nas taxas proporcionais à registrado no Brasil.
frota veicular e às populações consideradas. Estes acidentes têm um custo enorme para
Sem dúvida a face mais perversa do trân- o país, muitas vezes não considerado na defi-
sito se apresenta nos acidentes, que assom- nição das mais diversas políticas públicas.
bram, sobretudo, pela dimensão humana. O estudo realizado pelo IPEA, em parceria
Os dados oficiais mostram que a cada ano são com a ANTP e o Denatran, citado anterior-
produzidos mais de um milhão de acidentes mente, pesquisou os impactos econômicos e
no Brasil, mais de 33 mil pessoas são mortas sociais dos acidentes de trânsito nas 49 princi-
e cerca de 400 mil são feridas, sendo que 120 pais aglomerações urbanas brasileiras, totali-
mil tornam-se inválidas em ocorrências de zando 378 municípios e o Distrito Federal.

30
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
Os custos considerados associados aos aci- vitimados do trânsito, a política pública pode
dentes de trânsito incluem: danos materiais, atingir com maior eficiência suas causas.
congestionamentos, atendimento médico-
hospitalar e reabilitação, custos previden-
POBREZA E IMOBILIDADE
ciários e judiciais, perda de produção pela
interrupção da atividade produtiva e custo do O transporte público urbano, de acordo com
impacto familiar, referindo-se ao impacto do a Constituição Brasileira, é um serviço público
acidente no círculo familiar, entre outros. Os de caráter essencial. Dele depende o acesso
custos humanos, referentes à expectativa de das populações que não dispõem de meios
vida produtiva das pessoas mortas em aciden- de transporte próprios – os mais pobres – às
tes de trânsito, o sofrimento e a dor de amigos oportunidades de trabalho, aos equipamentos
e familiares pela perda de um ente querido, e serviços sociais (e.g. saúde e educação), e às
não foram considerados no estudo. atividades que garantem a dignidade humana
O estudo concluiu que um acidente de trân- e a integração social (como o lazer, visitas aos
sito nas aglomerações urbanas brasileiras custa amigos e parentes, compras etc.). Ou seja, o
em média R$ 8.783,00. O acidente sem vítima transporte público é também, além de um
custaria R$ 3.262,00. O acidente com feridos R$ componente do sistema de mobilidade urba-
17.460,00, ou seja, cinco vezes o valor do aciden- na, um importante elemento de combate à
te sem vítima. O acidente com mortos custaria pobreza urbana. No entanto, se o serviço não
R$ 144.748,00, ou seja, 44 vezes o custo do aci- for adequado às necessidades da população,
dente sem vítima (valores para abril de 2003). especialmente a mais pobre, ele pode, ao con-
O custo total estimado dos acidentes de trário, transformar-se num empecilho ao aces-
trânsito no Brasil, valores esses referentes a so às oportunidades e atividades essenciais,
abril/2003, foi de cerca de R$ 5,3 bilhões, que isto é, numa barreira à inclusão social.8
representa 0,4% do PIB do país. Deste total, Nas cidades brasileiras convivem, de um
R$ 3,6 bilhões concentram-se nas 49 aglome- lado, milhares de indivíduos que encontram
rações urbanas e R$ 1,7 bilhões nas demais dificuldades de buscar trabalho por não terem
áreas urbanas. Segundo o documento, este condições de deslocamento até os locais onde
valor subiria consideravelmente caso fossem se concentram as oportunidades de emprego,
incluídos os custos dos acidentes rodoviários com indivíduos que têm todas as condições de
e os custos humanos. Projetando esse valor realizar, com a máxima fluidez e conforto, uma
para incluir os acidentes ocorridos nas vias gama enorme de deslocamentos por motivos
rurais, estima-se um custo social total anual da variados, efetivando as mais diversas necessida-
ordem de 10 bilhões de reais. As ocorrências des de reprodução de suas vidas.
trágicas no trânsito, grande parte delas previ- Pesquisa realizada pelo ITRANS9 revela que
síveis e, portanto, evitáveis, causam enormes a mobilidade da população pobre nas gran-
perdas que inibem o desenvolvimento econô- des cidades brasileiras, medida pelo número
mico e social do país. médio de deslocamentos diários por pessoa,
O conhecimento minucioso dessas exter-
8 Ver Gomide, A. A. Transporte Urbano e Inclusão
nalidades negativas permite a implantação
Social. Texto para Discussão 960, Ipea, julho de
de medidas que possam evitar ou, ao menos,
2003.
amenizar as conseqüências negativas do trans- 9 ITRANS. Mobilidade e Pobreza. Relatório Final.

porte rodoviário. Conhecendo os motivos e os Abril, 2004

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 31


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA é muito baixa, indicando sérios problemas transporte coletivo e nas viagens a pé diminui
de acesso ao trabalho e às oportunidades de na proporção inversa da renda, sendo que
emprego, às atividades de lazer e aos equipa- o tempo médio despendido no transporte
mentos sociais básicos. As precárias condições é menor entre os mais ricos e entre os mais
de mobilidade se colocam como obstáculos pobres, esses últimos provavelmente devido
à superação da pobreza e da exclusão social ao menor índice de mobilidade e às menores
para cerca de 45% da população urbana bra- distâncias percorridas.
sileira que tem renda mensal familiar inferior a Os atuais índices de mobilidade nas cida-
três salários mínimos. des brasileiras permitem afirmar que a repro-
Imaginar uma melhoria nas condições de dução da vida de uma parcela substancial
mobilidade, que atinja a maioria dos cidadãos da população foi excluída do roteiro urbano,
é viabilizar a vida de milhares de pessoas, afastada das redes de solidariedade, coope-
desenvolvendo uma infinidade de novas re- ração, mutualidade, resumindo-se, quando
lações cotidianas, com influências diretas na muito, às ligações cotidianas entre local de
economia, na cultura e na cidadania. trabalho e moradia.
A relação de dependência dos mais pobres
em relação aos transportes coletivos pode ser
ASPECTOS DO TRANSPORTE PÚBLICO
classificada, inclusive, de perversa na medida
E COLETIVO. OFERTA INADEQUADA
em que o percentual da renda média familiar
E ALTAS TARIFAS
gasto com o transporte urbano aumenta con-
forme diminui a renda da família. Ou seja, além O transporte coletivo urbano brasileiro é re-
dos mais pobres serem mais dependentes dos presentado pelos seguintes números: 1.600
transportes coletivos, modo de deslocamento empresas operadoras, sendo 12 metro-ferroviá-
não priorizado nas políticas urbanas da maioria rias, que somam um faturamento anual de 20
das cidades brasileiras, eles ainda devem pagar bilhões de reais. Nas 223 cidades com mais de
relativamente mais caro para utilizá-los. 100 mil habitantes, onde existem sistemas de
Na década de 1970, as famílias com rendi- transporte coletivo expressivos, estima-se que
mento entre 1 e 3 salários mínimos compro- existam em circulação cerca de 115.000 ôni-
metiam 5,8% do orçamento com transporte. bus, transportando 59 milhões de passageiros
No início dos anos 80 esse gasto já era de por dia. Os sistemas metroviários e ferroviários
12,4% e na década de 1990 ultrapassa os 15%. em operação nas regiões metropolitanas e
Atualmente, para se deslocar duas vezes ao grandes cidades contam com 2.700 veículos
dia durante 25 dias do mês, uma única pessoa que transportam um volume diário de cinco
gasta 30% do salário mínimo vigente.10 milhões de passageiros. Estima-se que 80% de
Por sua vez, diferenças em relação à aces- todas essas viagens concentrem-se nas Regi-
sibilidade são reveladas através da análise do ões Metropolitanas e Aglomerações Urbanas.
tempo médio gasto em cada viagem segun- Cerca de 95% da operação é produzida por
do o modo de transporte e a faixa de renda operadores privados.
da população. Verifica-se que, nas cidades A atual crise por que passa o transporte
brasileiras, o tempo de deslocamento no coletivo urbano se manifesta em pelo menos
quatro aspectos: crise institucional, na rede,
10IBGE – Pesquisa de Orçamento Familiar – POF. no modelo remuneratório e na infra-estrutura.
1995-1996. Durante as últimas décadas todas as cidades

32
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
brasileiras que contam com sistema de trans- Segundo a Associação Nacional das Empre-
porte coletivo vêm sofrendo um processo simi- sas de Transportes Urbanos (ANTU), no período
lar que pode ser classificado como um círculo de janeiro de 1995 a dezembro de 2002, a tarifa
vicioso. Devido às características da urbaniza- média dos serviços de ônibus urbano nas ca-
ção e da rede de transporte já enfocadas, além pitais brasileiras subiu 25% acima da inflação
de diversas outras razões, inclusive técnicas e medida pelo IGP-DI. Por sua vez, a renda da
normativas, o custo da tarifa tem-se tornado população vem caindo durante os últimos
cada vez mais alto. Como reflexo, existe uma anos, acentuando ainda mais a dificuldade de
perda de passageiros transportados no sistema, utilização do transporte coletivo.
o que encarece novamente as tarifas, levando Conforme o estudo “Evolução das Tarifas
novos passageiros a abandonarem o transpor- de Ônibus Urbanos 1994 a 2003”, da SeMOB,
te coletivo. Várias são as explicações para esse as tarifas de ônibus urbano das capitais cres-
processo, algumas aqui enfocadas. ceram, em média, nos últimos nove anos em
O valor da tarifa do serviço de transporte torno de 240% (R$ 0,35 para R$ 1,20) contra
público é obtido através da divisão do custo 180% do IGP-DI.
total do serviço, mão-de-obra, veículos, com- A metodologia de cálculo tarifário ainda
bustíveis, impostos, etc, entre os passageiros utilizada na maioria das cidades brasileiras
pagantes que utilizam o sistema, aí somados segue orientação da “Planilha de Cálculo
os custos das diversas gratuidades. No sistema Tarifário” produzida pelo GEIPOT em 1982 e
de ônibus a remuneração acontece quase que que vem sendo considerada obsoleta por
exclusivamente através da tarifa. Ao contrário, técnicos e gestores dos sistemas, uma vez
no sistema de trens urbanos existem subsídios que depende de conhecimentos minuciosos
governamentais. sobre os diversos custos das empresas para
Devido ao modelo de remuneração dos o cálculo de um valor que será rateado entre
serviços, o aumento constante dos custos e os usuários pagantes, como forma de chegar
insumos, a baixa produtividade dos serviços, a ao valor médio da tarifa. Uma vez que todos
concessão de gratuidades, verifica-se um forte os custos são repassados aos usuários, essa
aumento na tarifa que tem como principais metodologia tem sido considerada impró-
efeitos a expulsão das classes mais baixas do
transporte coletivo. A perda de passageiros encarece as tarifas,
levando novos passageiros a abandonarem o
transporte coletivo

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 33


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA pria, pois premia as empresas mal geridas PARA O DESENVOLVIMENTO DO TRANSPORTE
que repassam suas necessidades em aumen- COLETIVO URBANO É NECESSÁRIO QUE HAJA FONTES
tos das tarifas e penaliza o usuário que não DE FINANCIAMENTO ESTÁVEIS, PERMANENTES
tem a oportunidade de se beneficiar dos E CONCEBIDAS PARA DAR SUPORTE AMPLO E
ganhos de produtividade de empresas bem DURADOURO A PROGRAMAS E PROJETOS DE CURTO,
administradas. MÉDIO E LONGO PRAZO
O aumento constante dos custos dos insu-
mos, a baixa produtividade dos sistemas de
transporte, a carga tributária incidente sobre bidas para dar suporte amplo e duradouro a
a produção dos serviços e a concessão de programas e projetos de curto, médio e longo
gratuidades sem fonte de recursos extratarifá- prazo. As dificuldades apontadas neste docu-
rias, dentre outros fatores, vem se traduzindo mento revelam a necessidade da conjugação
em tarifas que transcendem a capacidade de de recursos, sejam eles públicos ou privados.
pagamento da população com a conseqüente Entende-se que os recursos privados devem
expulsão dos usuários de baixa renda. ser potencializados e baseados em relações e
Dependendo da estrutura de contratação, contratos claros e seguros. Neste caso, a parti-
remuneração e tarifação adotada, a susten- cipação do Poder Público continua sendo fun-
tabilidade econômico-financeira do serviço damental no sentido de garantir a estrutura-
pode ficar seriamente comprometida, resul- ção dos sistemas de transporte. Nesse sentido,
tando na queda da qualidade dos serviços, na é de responsabilidade da Política Nacional de
degradação dos equipamentos e na incapaci- Mobilidade Urbana Sustentável a criação de
dade financeira de gestão das empresas ope- possibilidades para que o setor seja regulado,
radoras. Ameaça-se, deste modo, a própria com regras claras e estáveis que incentivem
continuidade dos serviços. os necessários investimentos na transforma-
ção do modelo de transporte vigente nas
cidades brasileiras.
O FINANCIAMENTO DO TRANSPORTE No entanto, ainda que um marco regulató-
URBANO rio adequado possa atrair investimentos, é ne-
Um elemento determinante na crise do trans- cessário ter clareza dos aspectos econômicos e
porte coletivo urbano é a falta de fontes de conjunturais que dificultam a atração de recur-
financiamento estáveis para a provisão de sos e sua captação pelos entes federados.
infra-estrutura adequada. A ausência de uma Desde o estabelecimento da Lei de Res-
política de financiamento para o setor nos ponsabilidade Fiscal, a observação aos limites
últimos 15 anos conduziu à estagnação quase de endividamento dos entes da Federação
total dos investimentos. Muito pouco se pro- tem sido critério essencial para concessão de
duziu de corredores exclusivos, terminais de novos financiamentos. As dívidas e o exces-
integração, abrigos adequados em paradas, sivo comprometimento com custeio dos go-
apropriação de novas tecnologias. Quase vernos estaduais e municipais reduzem dras-
nada em acessibilidade para pessoas com de- ticamente e, muitas vezes têm eliminado, as
ficiência e restrição de mobilidade. possibilidades de tomar recursos para investi-
Para o desenvolvimento do transporte co- mento devido ao comprometimento máximo
letivo urbano é necessário que haja fontes de da sua capacidade de endividamento.
financiamento estáveis, permanentes e conce- Também as regras e limites para o con-

34
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
tingenciamento de crédito do setor público que não se faz apenas na economia brasileira.
tornaram-se mais rígidas, contribuindo para a Nada leva a crer que, num prazo razoável, o
queda na liberação de recursos e explicitando o Estado volte a cumprir o papel de provedor
impasse entre políticas de estabilização macro- de recursos para infra-estrutura na escala
econômica e de ajuste fiscal, por um lado, e po- em que isso ocorreu até o passado recente.
líticas sociais, com foco na redução da pobreza Por conseqüência, a mudança do padrão de
e redução de desigualdades sociais, por outro. financiamento da infra-estrutura é um fato
Há, assim, uma carência crônica de recursos relevante que vem sendo considerado, ainda
para investimento em infra-estrutura e servi- que existam muitas contestações, e que tem
ços públicos e uma acirrada disputa pelos re- obrigado os diversos agentes a buscar novos
cursos disponíveis entre os possíveis tomado- arranjos e induzido novas parcerias e a experi-
res. Além disso, os governos devem, dentro da mentação de formas de cooperação e integra-
pequena margem de manobra, decidir onde ção entre diferentes instâncias governamentais
aplicar tais recursos frente aos variados temas para racionalizar a ação e viabilizar recursos de
e carências urbanas. financiamento para a infra-estrutura.
Investimentos a fundo perdidos são extre- Cabe ainda ressaltar a necessidade de uma
mamente escassos e, mesmo com a recente ampla discussão sobre a questão das delega-
criação do Pró-Transporte, com recursos do ções dos serviços de transporte público coleti-
FGTS, para financiar a infra-estrutura de trans- vo urbano, principalmente diante da necessá-
portes, há dificuldades conjunturais para sua ria adequação da maior parte dos contratos de
aplicação, devidas especialmente ao limite de serviços nos municípios à legislação vigente.
crédito estabelecido para o setor público. Per- Uma relação estável advinda da existência de
manece, assim, a necessidade de buscar novas um contrato entre o poder concedente e o
fontes e arranjos alternativos de investimento concessionário é fundamental para permitir os
para a mobilidade urbana. As Parcerias Públi- investimentos necessários para a operação dos
co-Privadas e os instrumentos do Estatuto da sistemas de transportes coletivos. Há, também,
Cidade vêm sendo estudados como oportuni- a necessidade de aperfeiçoamento dos instru-
dades para atração de investimentos em infra- mentos legais que disciplinam as delegações
estrutura de transporte público. dos serviços tendo em vista a possibilidade de
Por outro lado, com a diminuição dos adoção de novas formas de gestão dos siste-
clientes do setor público, grandes agentes de mas de transportes e de financiamento para o
fomento do governo federal e de agências setor, como as Parcerias Público-Privadas.
internacionais de financiamento, que necessi-
tam ser reembolsados pelo tomador, reduzi-
A GESTÃO LOCAL E O DESAFIO
ram suas operações a órgãos públicos dando,
DA INFORMALIDADE
por conseqüência, maior peso relativo às suas
atividades com a iniciativa privada. O setor Pesquisa realizada acerca da gestão dos trans-
público teve assim restringida essa importante portes e do trânsito em 40 cidades brasileiras11
alternativa para o financiamento de infra-es- aponta condições de gestão bastante diversi-
trutura para transporte urbano.
É preciso considerar que essas restrições de
crédito ocorrem num cenário de redefinição 11Pesquisa sobre o tema realizada pela Secretaria
do papel do Estado na economia, constatação Especial de Desenvolvimento Urbano SEDU, 2002.

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 35


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA ficadas para cada uma delas. Existem cidades transporte público ligados, sobretudo, ao uso
que desenvolvem práticas de gestão que são de novas tecnologias (bilhetagem e sensores
referência para outros municípios e outras eletrônicos) para o controle da demanda e
que ainda não assumiram minimamente o seu dos serviços e a implementação de sistemas
papel de responsáveis pela prestação desses integrados.
serviços públicos. Em alguns núcleos urbanos, Na gestão do trânsito são promissoras as
o transporte e o trânsito são tratados profis- preocupações e as ações para a redução dos
sionalmente, com prioridade e atenção políti- acidentes; a progressiva montagem de bancos
ca. Em outros, a gestão é praticada como um de dados e de sistemas de informações; os in-
ônus, onde os dirigentes responsáveis sequer vestimentos em equipamentos e tecnologias
conseguem identificar com clareza os seus para o controle e a operação da circulação e
papéis e as suas responsabilidades. as ações e os programas voltados para a edu-
Dentre os problemas mais graves de ges- cação para o trânsito.
tão do transporte público encontrados nesta Nos dois setores constata-se a necessidade
pesquisa, sobressaem a carência de estudos e premente do Governo Federal assumir seu
planos, a pouca interação com o uso do solo papel de agente articulador e de fomento do
e o desenvolvimento urbano; a carência de desenvolvimento tecnológico, institucional e
equipes técnicas especializadas; a fragilidade dos recursos humanos.
e/ou inadequação da base legal de suporte à A gestão do transporte público pressupõe
gestão, emprestando ao setor uma significati- ações de fiscalização, administração e planeja-
va instabilidade institucional e a falta de prio- mento do transporte. Uma das conseqüências
ridade política para o transporte público. mais danosas da crise na gestão se manifesta
Quanto à gestão do trânsito, os principais na dificuldade do controle da informalidade,
problemas encontrados foram a carência das ou concorrência inadequada, que na maioria
equipes técnicas especializadas; os conflitos dos casos está assentada na ausência de con-
entre os distintos órgãos atuantes no setor, tratos ou em contratos renovados de forma
inclusive de diferentes níveis de governo; a também inadequada.
carência de planos de circulação, exigindo A informalidade inicia a desregulamenta-
intervenções localizadas e emergenciais; o ção do setor de transporte coletivo, baseada
modelo de gestão financeira apoiado basica- na disputa pelo passageiro nas ruas e na sua
mente nos recursos provenientes das multas auto-regulamentação, através das Associa-
de trânsito e a inexistência de estudos e ações ções ou Cooperativas, substituindo o Estado
voltados para os modos de circulação não- na organização do Transporte Público. Com
motorizados. o passar do tempo os operadores evitam
Nota-se que a gestão do transporte públi- a queda de tarifa; estabelecem reserva de
co, com raras exceções, sofre de um processo mercado; demarcam seus pontos de parada;
de desmantelamento dos modelos desenvol- criam terminais particulares e evitam a entra-
vidos nos anos 80. Enquanto isso, a gestão do da de novos operadores. Em muitas cidades
trânsito evolui positivamente em quase todas a disputa pelo usuário ocorre com violência.
as cidades, sob reforço do Código de Trânsito Além disso, é comum atuarem em linhas com
Brasileiro. rentabilidade garantida que, via de regra, não
Apesar do contexto desfavorável, identi- transportam passageiros com gratuidades ou
ficam-se aspectos promissores na gestão do isenções.

36
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
A GESTÃO DO TRANSPORTE PÚBLICO PRESSUPÕE dos ônibus. Porém o mais comum é atuar
AÇÕES DE FISCALIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E competindo pelos mesmos mercados.12
PLANEJAMENTO DO TRANSPORTE. UMA DAS Além das medidas de fiscalização e controle
CONSEQÜÊNCIAS MAIS DANOSAS DA CRISE NA GESTÃO dos sistemas clandestinos, o fenômeno exige,
SE MANIFESTA NA DIFICULDADE DO CONTROLE DA como já foi visto neste documento, a reformu-
INFORMALIDADE, OU CONCORRÊNCIA INADEQUADA, lação dos instrumentos contratuais e de regula-
QUE NA MAIORIA DOS CASOS ESTÁ ASSENTADA
ção na relação entre o poder concedente e os
operadores privados; a introdução de métodos
NA AUSÊNCIA DE CONTRATOS OU EM CONTRATOS
e modelos modernos na administração do
RENOVADOS DE FORMA TAMBÉM INADEQUADA
transporte público; o estabelecimento de sis-
temas de controle e valorização dos benefícios
tarifários e do vale-transporte, que se transfor-
A informalidade no setor de transporte, ao mam em moeda paralela, e acabam por ali-
contrário do que se possa imaginar, não é um mentar sistemas clandestinos; a redefinição do
fenômeno recente e tampouco particular das próprio modelo de compensação, entre outros.
cidades brasileiras. A substituição dos bondes
pelos ônibus, por exemplo, iniciada nos anos
30 no Brasil, favoreceu-se com a concorrência A CIRCULAÇÃO NÃO-MOTORIZADA
predatória que sistemas de ônibus clandesti- Caminhar, além de ser a forma mais antiga e
nos exerciam sobre o sistema de bondes. básica de transporte humano, constitui-se no
O transporte ilegal pode se apresentar de modo de transporte mais acessível e barato.
várias maneiras. Há serviços que funcionam Com exceção dos equipamentos necessários
como táxi, prestando um serviço porta a para melhorar a mobilidade das pessoas com
porta, com rotas variáveis, até serviços que deficiência, caminhar não exige nenhum equi-
funcionam como ônibus, feitos por veículos pamento especial. Porém, apesar da infra-es-
maiores e seguindo uma rota fixa. Os moto- trutura de passeios públicos ser relativamente
táxis são encontrados principalmente em pe- barata, a maioria das cidades brasileiras não se
quenas e médias cidades do Brasil, e exercem preocupa em acomodar os pedestres com o
na maioria das cidades um tipo de transporte mesmo empenho dedicado aos veículos.
completamente informal e ilegal. Os passeios públicos e as áreas de uso
O setor do transporte ilegal é formado por compartilhado, planejados para acomodar os
veículos de pequeno porte, sendo que na pedestres em seus deslocamentos, poderiam
maioria das vezes o motorista é proprietário constituir elementos de cidades mais humanas.
do veículo. Existem casos em que o motorista Mas, ao longo do tempo, esses espaços foram
é um empregado que recebe salário fixo ou sendo cedidos para a ampliação do viário, dos
arrenda o veículo por uma taxa fixa ou por- estacionamentos, ou simplesmente invadidos
centagem da arrecadação diária. Há notícias pelos veículos e pelo comércio informal.
de que vem crescendo a formação de peque-
nas frotas por um único proprietário.
12Sobre a informalidade no setor, ver: BARBOZA,
Há casos em que o transporte ilegal serve
Karla – Regulamentação do transporte público
a uma determinada comunidade, atuando em
alternativo. Experiência Brasileira. Dissertação de
locais onde o ônibus não pode ir ou oferece Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Enge-
serviços com preços e níveis superiores aos nharia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2002.

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 37


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA Ainda mais grave é a situação das pessoas timos 50 anos de automobilismo, o pedestre
com deficiência para as quais é praticamente passou de doador de espaço para o automó-
impossível sair de casa e ter acesso a qualquer vel para aquele que solicita, como por em-
atividade urbana sem contar com a solidarie- préstimo, um pequeno chão para seu deslo-
dade de amigos ou familiares. camento e, hoje, cada vez mais, concorre com
No que tange à segurança dos pedestres o próprio automóvel por espaço no leito car-
nas vias, as intervenções que são geralmente roçável, visto que as calçadas ou simplesmen-
adotadas para minimizar os conflitos com te não existem ou se tornaram tão inseguras
os veículos, como por exemplo, as faixas de quanto o leito carroçável. Isso implica que o
travessia, muitas vezes não são estímulos número de atropelamentos, por exemplo, em
suficientes para que os motoristas dêem pre- São Paulo, seja maior no meio de quadra que
ferência aos pedestres, o que pode torná-los nos cruzamentos.
ainda mais vulneráveis aos acidentes, pois são Essa realidade impõe que, de maneira ur-
encorajados a usufruir uma segurança que é gente, haja uma clara e efetiva separação en-
ilusória, pois só existe, na prática diária, na pre- tre os modos de deslocamento no trânsito das
sença de autoridades de trânsito ou de dispo- cidades, definindo o espaço de cada modo,
sitivos eletrônicos de vigilância. Os pedestres seus direitos e deveres, minimizando os con-
constituem uma parcela bastante significativa flitos, gerando segurança, respeito e civilidade
do número total de mortes em acidentes de entre cada tipo de usuário do sistema de cir-
trânsito, representando entre 40 e 50% destes, culação e do espaço público em geral.
na sua maioria, crianças e idosos. A valorização das calçadas como lugar
O desrespeito pelo cidadão pedestre é próprio da circulação pedestre, classificando-a
reforçado pela falta de punição imediata dos como parte do sistema de circulação da cidade,
atropelamentos no trânsito.
Nas cidades brasileiras, particularmente O desrespeito pelo cidadão pedestre
nos grandes centros urbanos, durante os úl- é reforçado pela falta de punição imediata
dos atropelamentos no trânsito

38
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
como preconiza o CTB, é a solução já apresen-
tada em toda a história do urbanismo moder-
no, mas que ainda deve ser efetivamente reali-
zada na maior parte das áreas urbanas do país.
Andar a pé muitas vezes não se revela uma
opção individual, mas uma imposição que
priva um terço dos deslocamentos de padrões
dignos de acessibilidade. Investimentos no
passeio público são ações para a maioria, pois
requalificam o espaço público, local da igual-
dade imposta pela simples coopresença dos
habitantes de um determinado lugar.

O DESAFIO DA ACESSIBILIDADE
UNIVERSAL

Em função da idade, estado de saúde, esta-


tura e outras condicionantes, várias pessoas O último censo do IBGE revela que 14.5% da
têm necessidades especiais para receber in- população brasileira possui algum tipo de
deficiência, totalizando 26,5 milhões de pessoas
formações, chegar até os terminais e pontos
de parada, entrar nos veículos e realizar seu aumentou duas vezes e meia mais rápido que
deslocamento através dos meios coletivos de a população jovem, entre 1991 e 2000, e 75%
transporte ou, simplesmente, se deslocar no dos idosos são considerados pobres. Estima-
espaço público. Essas pessoas são as conside- se que em 2025, 15% da população brasileira
radas Pessoas com Restrição de Mobilidade e, estará com idade superior a 60 anos.
neste grupo, estão incluídas as Pessoas Com Historicamente, a acessibilidade aos sis-
Deficiência. temas de transportes foi entendida como
As deficiências podem ser divididas em a adaptação da frota e teve como imagem
cinco grupos que são deficiências físicas, principal o acesso do usuário de cadeiras de
mentais, sensoriais, orgânicas e múltiplas. rodas, através de elevadores, aos diversos ti-
Cada deficiência gera determinados tipos de pos de veículos utilizados no Brasil. Esta visão
incapacidades e desvantagens, que por sua impediu uma abordagem mais abrangente do
vez podem ser divididas em desvantagens problema ao desconsiderar os demais tipos
ocupacionais, de orientação, de independên- de deficiências existentes. Na abordagem
cia física e de mobilidade. mais atual da questão trata-se de discutir a
O último censo do IBGE revela que 14.5% mobilidade das pessoas com deficiência pela
da população brasileira possui algum tipo de cidade, através dos vários modos possíveis de
deficiência, totalizando 26,5 milhões de pesso- transporte e as adequações nos espaços pú-
as, não considerando as pessoas com restrição blicos para garantir a sua circulação.
de mobilidade, conforme definido acima. As cidades apresentam-se com inúmeras
Além disso, em 2000, o Brasil possuía 8.5% barreiras: econômicas, políticas, sociais e arqui-
de idosos (14 milhões de pessoas), ou 1 pes- tetônicas. A existência de barreiras físicas de
soa idosa em 26.5% dos lares. Esta população acessibilidade ao espaço urbano acaba por di-

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 39


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA ficultar ou impedir o deslocamento de pessoas O GOVERNO PODE LANÇAR MÃO DO CONTROLE
com deficiências e outras que possuem dificul- DO USO DO SOLO NO SENTIDO DE LOCALIZAR
dades de locomoção. A acessibilidade deve ser ATIVIDADES GERADORAS DE CARGAS (TERMINAIS
vista como parte de uma política de inclusão DE CARGAS, INDÚSTRIAS, COMÉRCIO, ETC.),
social que promova a equiparação de oportu- DEFINIR OS ACESSOS URBANOS, A PROVISÃO DE
nidades e o exercício da cidadania das pessoas FACILIDADES PARA O TRANSPORTE DE CARGAS,
com deficiência e não deve se resumir à possi- OS MECANISMOS NECESSÁRIOS PARA A LOGÍSTICA
bilidade de entrar em um determinado local.
DE DISTRIBUIÇÃO, E PARA A SEGURANÇA. HÁ,
Tão importante quanto adequar os espa-
AINDA, TODA A REGULAMENTAÇÃO DO SETOR DE
ços públicos para garantir a circulação dessas
TRANSPORTES RELATIVA À COMPATIBILIZAÇÃO
pessoas, eliminando-se as barreiras existentes,
DESTA ATIVIDADE COM AS DEMAIS ATIVIDADES E
é não criar diariamente novas barreiras, o que
USOS URBANOS, TAMANHO E PESO DOS VEÍCULOS,
pode ser percebido na quase totalidade dos
municípios brasileiros. OS NÍVEIS DE SEGURANÇA, DE RUÍDOS, DE EMISSÃO

Este projeto de resgate da cidadania não DE POLUENTES, A FREQÜÊNCIA DO TRANSPORTE,

pode ser feito com o trabalho de setores HORÁRIOS E LOCAIS DE CARGAS E DESCARGAS

isolados e com certeza será atingido através


de esforços combinados das três esferas de mobilidade; priorizar o transporte coletivo; con-
governo, com a participação social, norteados siderar outros modos de transporte; estruturar
por uma visão de sociedade mais justa e igua- a gestão local, afirmando o papel regulador do
litária. Trata-se de fomentar um amplo pro- município na prestação de serviços.
cesso de humanização das cidades a partir do Compete ao poder público, adotar diversas
respeito às necessidades de todas as pessoas ações para melhorar o acesso das várias cate-
para usufruírem a cidade. É necessário que se gorias de usuários que se utilizam do sistema
promova a sensibilização da sociedade, a ela- de transporte com dificuldade, juntamente
boração de políticas públicas, a adequação de com ações que darão acesso a pessoas que
ambientes edificados e naturais, a adequação hoje não o utilizam. A política de transporte
do sistema de transporte, o acesso às tecnolo- público deve estar inserida neste objetivo e é
gias e a aplicação e aperfeiçoamento da legis- responsabilidade dos órgãos gestores governa-
lação específica. mentais encontrar soluções para garantir o des-
A promoção da mobilidade das pessoas com locamento com qualidade das PCD, a partir de
deficiência serve de indutor a uma completa uma realidade adversa existente nas cidades.
reformulação dos espaços públicos através da
implantação dos princípios e diretrizes da mo- A CIRCULAÇÃO DE CARGAS
bilidade urbana sustentável. Entre eles: diminuir E MERCADORIAS
o número de viagens motorizadas; repensar
O setor de transportes de cargas no Brasil
o desenho urbano; repensar a circulação de
participava, no ano de 2000, com 4,4% do
veículos, não sendo o automóvel o único deter-
PIB nacional, o que representa R$ 42 bilhões
minante ou critério da organização da cidade;
adicionados à economia por ano, gerando 1,2
desenvolver meios não-motorizados de trans-
milhões de empregos diretos.13
porte; reconhecer a importância do desloca-
mento de pedestres; proporcionar mobilidade 13GEIPOT – Anuário Estatístico dos Transportes.
às pessoas com deficiências e restrições de 2001

40
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
No entanto, ainda que seja um forte setor mento dos seus produtos, o setor público tem
econômico, quer pelos seus números, quer enorme interesse em propiciar formas eficazes
pela importância dos serviços prestados, de escoamento da produção.
intermediando a maior parte das relações Para tanto, cabe em grande medida ao
econômicas, o setor apresenta diversos pro- setor público a produção e manutenção das
blemas e alguns gargalos amplamente conhe- redes urbanas de transporte, estendendo-se
cidos no país. aos aspectos de planejamento de transportes,
No que tange ao transporte de cargas em controle e engenharia de tráfego.
meio urbano a realidade não é diferente. Além Por outro lado, o governo pode lançar
disso, a falta de pesquisas relacionadas ao mão do controle do uso do solo no sentido
tema dificulta a mensuração dos problemas de localizar atividades geradoras de cargas
específicos e das soluções necessárias, sendo (terminais de cargas, indústrias, comércio,
possível apenas analises localizadas para algu- etc.), definir os acessos urbanos, a provisão de
mas cidades do país. facilidades para o transporte de cargas, os me-
A importância do transporte urbano de car- canismos necessários para a logística de distri-
gas se revela não apenas pelos valores econô- buição, e para a segurança. Há, ainda, toda a
micos envolvidos, mas também pelas externali- regulamentação do setor de transportes rela-
dades e impactos causados, além dos vultosos tiva à compatibilização desta atividade com as
recursos públicos destinados ao sistema. demais atividades e usos urbanos, tamanho e
O transporte urbano de cargas congrega peso dos veículos, os níveis de segurança, de
uma enorme diversidade de agentes relacio- ruídos, de emissão de poluentes, a freqüência
nados à produção dos componentes das mer- do transporte, horários e locais de cargas e
cadorias, passando por sua produção final, sua descargas. Essas medidas já são largamente
armazenagem, destinação, venda e entrega, praticadas em todo o mundo e podem ser
envolvendo vários modos e meios de trans- utilizadas nas mais diversas cidades, devendo
porte e, também, empresas transportadoras, apenas ser avaliados os custos gerados pela
operadores, prestadores de serviços logísticos, aplicação de cada uma delas para que não
embarcadores, armazenadores, motoristas, se tornem contraproducentes ou prejudiciais
carregadores, ou seja, toda uma extensa “co- à economia na medida em que esses custos
munidade” do setor de cargas. serão repassados às mercadorias.
Esta breve apresentação do setor quer, so- Dada a diversidade dos aspectos envolvi-
bretudo, demonstrar que o transporte urbano dos para a efetivação do transporte de cargas
não é feito apenas de passageiros, mas tam- em meio urbano, externalidades negativas,
bém de cargas. Ou seja, a Política Nacional de conflitos, competição pelo espaço, riscos, etc,
Mobilidade Urbana Sustentável deve abarcar a problemática das cargas deve ser enfocada
os deslocamentos dos homens e das coisas como uma questão específica que merece
dos homens. tratamento especial. É sobretudo necessário
O papel do setor público na movimentação fomentar a realização de pesquisas que per-
de cargas, ao contrário do movimento dos mitam uma abordagem mais precisa do tema,
homens, não é direto. O transporte de cargas contribuindo tanto para a definição de políti-
é quase que exclusivamente realizado pelo cas públicas, quanto para o setor de logística
setor privado. No entanto, uma vez que a eco- de distribuição que cresce amplamente no
nomia está essencialmente atrelada ao movi- país nos últimos anos.

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 41


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO responsabilidade de um conjunto muito mais
E A CIRCULAÇÃO MOTORIZADA amplo de órgãos e entidades distribuídos nas
três escalas de poder, devendo os mesmos
Historicamente no Brasil o trânsito foi tratado
estar em constante integração, dentro da ges-
como uma questão policial e de comporta-
tão federativa, para efetiva aplicação do CTB e
mento individual dos usuários, carecendo de
cumprimento da Política Nacional de Trânsito,
um tratamento no campo do urbanismo, da
conforme revela a descrição a seguir:
engenharia, da administração, do comporta-
a) Ministério das Cidades: coordenador máxi-
mento e da participação social.
mo do Sistema Nacional de Trânsito – SNT,
Um trânsito ruim e no limite criminoso, por
e a ele está vinculado o Conselho Nacional
falta de consciência dos seus perigos e por
de Trânsito – Contran, e subordinado o
falta de punição, aproxima-nos da barbárie.
Departamento Nacional de Trânsito – DE-
Por outro lado, um trânsito calmo e previsível
NATRAN. Cabe ao Ministério presidir o Con-
estabelece um ambiente de civilidade e de
selho das Cidades e participar da Câmara
respeito às leis, mostrando a internalização
Interministerial de Trânsito.
da norma básica da convivência democrática:
b) Câmara Interministerial de Trânsito: consti-
todos são iguais perante a lei e, em contrapar-
tuída por dez Ministérios, tem o objetivo de
tida, obedecê-la é dever de todos.
harmonizar os respectivos orçamentos.
O número de veículos no País tem crescido
c) Conselho Nacional de Trânsito: constituído
rapidamente nas últimas décadas: de 430.000
por representantes de sete Ministérios, tem
em 1950, para 3,1 milhões em 1970, chegando
por competência, dentre outras, estabelecer
a 36,5 milhões em 2003. Os automóveis, cuja
as normas regulamentares referidas no Có-
produção anual gira em torno de 1,5 milhão
digo de Trânsito Brasileiro e estabelecer as
de veículos, correspondem a mais de 80% da
diretrizes da Política Nacional de Trânsito.
produção de veículos automotores – sendo
d) Conferência Nacional das Cidades: prevista
que a maioria é movida à gasolina (93,1% em
no Estatuto das Cidades, tem por objetivo
2003 e 78,4% até julho de 2004 com a inclu-
propor princípios e diretrizes para as polí-
são dos automóveis com combustível flexível
ticas setoriais e para a política nacional das
gasolina/álcool – Anfavea). Observa-se, ainda,
cidades.
a produção anual de 1,0 milhão de motocicle-
e) Conselho das Cidades: colegiado constitu-
tas (Abraciclo).
ído por representantes do estado em seus
O Código de Trânsito Brasileiro de 1998
três níveis de governo e da sociedade civil
consolidou a competência de gestão do trân-
– 71 membros titulares e igual número de
sito urbano nos aspectos referentes ao uso
suplentes, e mais 27 observadores –, tem
das vias públicas nos municípios, possibilitan-
por objetivo estudar e propor diretrizes
do que todo o ciclo de gestão da mobilidade
para o desenvolvimento urbano.
ficasse sob a responsabilidade das prefeituras:
f) Departamento Nacional de Trânsito: órgão
planejamento, projeto, implantação e fiscali-
executivo máximo da União, cujo dirigente
zação. Porém, dos 5.561 municípios brasileiros,
preside o Contran e que tem por finalidade,
pouco mais de 10% implementaram seus ór-
dentre outras, a coordenação e a supervi-
gãos de trânsito.
são dos órgãos delegados e a execução da
A gestão de todos os aspectos que com-
Política Nacional de Trânsito.
põem o trânsito de veículos no Brasil é de

42
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
g) Câmaras Temáticas: órgãos técnicos de veículos automotores, passando a centrar-
compostos por representantes do estado se na pessoa humana, estabelecendo deveres
e da sociedade civil e que têm a finali- objetivos para os responsáveis pela gestão do
dade de estudar e oferecer sugestões e trânsito, estabelecendo regras para o fortale-
embasamento técnico para decisões do cimento dos direitos dos cidadãos, abordando
Contran. São seis Câmaras Temáticas, cada o transporte não-motorizado e os direitos e
qual com treze membros titulares e respec- deveres dos pedestres. Capítulo especial é de-
tivos suplentes. dicado à educação para o trânsito, obrigando
h) Fórum Consultivo de Trânsito: colegiado cada órgão executivo de trânsito a constituir
constituído por 54 representantes e suplen- em sua estrutura uma coordenação de edu-
tes dos órgãos e entidades do Sistema Na- cação, e incumbindo aos órgãos do Governo
cional de Trânsito, e que tem por finalidade Federal a introdução do tema de trânsito nas
assessorar o Contran em suas decisões. redes de ensino nos seus vários níveis.
i) Sistema Nacional de Trânsito: conjunto de Desde a promulgação do Código de
órgãos e entidades da União, dos Estados, Trânsito Brasileiro – CTB em 1997, houve um
do Distrito Federal e dos Municípios, que despertar de consciência para a gravidade
tem por finalidade o exercício das ativi- do problema. No entanto, o estágio dessa
dades de planejamento, administração, conscientização e sua tradução em ações
normalização, pesquisa, registro e licencia- efetivas ainda são extremamente discretos e
mento de veículos, formação, habilitação e insuficientes para representar um verdadeiro
reciclagem de condutores, educação, en- enfrentamento da questão.
genharia, operação e fiscalização de trânsi- Para reduzirem-se as ocorrências e imple-
to, policiamento, julgamento de recursos a mentar-se a civilidade no trânsito, é preciso
infrações de trânsito e aplicação de pena- tratá-lo como uma questão multidisciplinar
lidades. Conta, atualmente, com cerca de que envolve problemas sociais, econômicos,
1.240 órgãos e entidades municipais, 162 laborais e de saúde, onde a presença do estado
estaduais e 6 federais. Congregando mais de forma isolada e centralizadora não funciona.
de 50.000 mil profissionais. O verdadeiro papel do estado é assumir a
liderança de um grande e organizado esfor-
O Código de Trânsito Brasileiro, instituído ço nacional em favor de um trânsito seguro,
pela lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, ao mobilizando, coordenando e catalisando as
contrário do antigo código, datado de 1966, forças de toda a sociedade.
surge após quatro anos de debates num país Apesar do tempo de vigor do Código, muita
em pleno regime democrático, com ampla coisa ainda precisa ser feita para que ele seja
participação da comunidade técnica, de considerado plenamente implantado.
representações da sociedade civil e de orga- Há, ainda, um conjunto de regras não suficien-
nismos não governamentais. Não é por outra temente regulamentadas, como, por exemplo,
razão que o CTB traz em seu bojo a cidadania a inspeção técnica veicular, as necessárias arti-
como tema central e a preservação da vida e a culações entre os órgãos que compõem o Sis-
segurança no trânsito como prioridade. tema Nacional de Trânsito, com vistas à harmo-
Esse novo instituto legal muda radicalmen- nização de ações comuns ou complementares,
te o foco da abordagem do trânsito, eminen- ainda não devidamente resolvidas. Não há,
temente voltada, no passado, para o trânsito tampouco, uma estatística confiável dos aci-

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 43


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA dentes de trânsito. Por último, a aplicação dos que buscam engajar-se nesse movimento de
recursos provenientes das multas de trânsito, mudança.
obrigatória nas ações de engenharia, operação, Como prevê o CTB, a educação para o trân-
fiscalização e educação, não vem sendo ainda sito é direito de todos e constitui dever prio-
revertida totalmente nessas finalidades. ritário dos componentes do Sistema Nacional
A estatística nacional de acidentes de trân- de Trânsito (CTB, capítulo V). Esse constitui
sito no Brasil, que deveria representar a conso- atualmente um dos maiores desafios para o
lidação das informações de todos os órgãos e Sistema Nacional de Trânsito, visto que a edu-
entidades de trânsito, mesmo após a implan- cação para o trânsito deve ser promovida des-
tação, pelo DENATRAN, do Sistema Nacional de a pré-escola ao ensino superior, por meio
de Estatísticas de Trânsito (Sinet), ainda é im- de planejamento e ações integradas entre os
precisa e incompleta, dada a precariedade e a diversos órgãos do Sistema Nacional de Trân-
falta de padronização da coleta e tratamento sito e do Sistema Nacional de Educação.
das informações. A educação para o trânsito ultrapassa a
A dificuldade das organizações para anali- mera transmissão de informações. Tem como
sar sua performance, seus resultados efetivos, foco o ser humano, e trabalha a possibilidade
de forma a realimentar processos de plane- de mudança de valores, comportamentos e
jamento estratégico, tático e operacional e atitudes. Não se limita a eventos esporádicos
corrigir rumos, origina-se, normalmente, na e não permite ações descoordenadas. Pressu-
carência de orientações metodológicas claras põe um processo de aprendizagem continua-
e práticas de avaliação de resultados organi- da e deve utilizar metodologias diversas para
zacionais. atingir diferentes faixas etárias e contextos
Por sua vez, a capacitação de profissionais sócio-culturais.
no setor de trânsito é condição indispensável O fortalecimento do Sistema Nacional de
para a efetiva gestão com qualidade das orga- Trânsito em geral está vinculado aos recursos
nizações do Sistema Nacional de Trânsito. necessários para a execução das diversas ta-
A necessidade de capacitação e aperfeiçoa- refas que, como revelado, atingem aspectos
mento abrange as funções gerenciais, técnicas, gerais de cidadania e planejamento urbano.
operacionais e administrativas e também O setor de trânsito em geral conta com
constitui um dos desafios a ser enfrentados receitas provenientes de várias fontes, entre as
para a completa implantação do SNT. quais dotações orçamentárias, multas, convê-
Atualmente, encontram-se integrados ao nios, pedágios, IPVA, financiamentos, taxas de
SNT cerca de 620 Municípios, mas inúmeros estacionamento, licenciamento e habilitação.
outros se encontram carentes de orientação O setor vem sendo garantido, em grande
e preparo para a introdução das mudanças parte, pela receita proveniente das multas, o
exigidas. Para implantação das orientações que constitui um grande risco, uma vez que o
legais relativas à municipalização do trânsito, desejável é um trânsito disciplinado com re-
torna-se importante validar e implantar princí- duzido número de infrações. Assim, a gestão
pios e modelos alternativos para estruturação financeira do sistema de trânsito deve orien-
e organização dos sistemas locais, passíveis de tar-se pela independência financeira com rela-
adequação às diferentes realidades da admi- ção ao resultado de multas, a partir da consta-
nistração municipal no Brasil e viabilizar apoio tação de que a arrecadação de tais recursos é
técnico-legal e administrativo aos municípios variável e desejavelmente decrescente.

44
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA A MAIOR INSERÇÃO DA MULHER NO MERCADO
E NOVAS TECNOLOGIAS DA DE TRABALHO, GERA NOVAS DEMANDAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO TRANSPORTE QUE DEVEM SER OBJETO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS ESPECÍFICAS. AS MULHERES SÃO MAIS
Os diversos aspectos enfocados neste do-
EXIGENTES QUANTO AO CONFORTO, QUALIDADE E
cumento compõem um diagnóstico e um
panorama da realidade atual da mobilidade, SEGURANÇA NOS TRANSPORTES

relacionada com o próprio processo de de-


senvolvimento urbano. Finalizando este diag- grandes armazéns que abastecem os super-
nóstico, são apresentados alguns dos princi- mercados e hipermercados, que passaram a
pais processos em curso que transformam a trabalhar com estratégias de logística de dis-
mobilidade urbana e que já se apresentam tribuição e de minimização de estoques nos
em algumas cidades. anos 90, como forma de se adequar às novas
Em algumas cidades constata-se desde a imposições técnicas e do capital.
década de 1980, mas com maior força durante O fato é que se passa de uma “mobilidade
os anos 1990, a existência de um movimento fordiana”, na qual a maior parcela dos deslo-
de suburbanização de parcela da população. camentos aconteciam em frações de tempo
São famílias que deixam as áreas centrais e claramente definidas na jornada de trabalho,
ocupam regiões próximas aos centros, sobre- para um modelo mais flexível, no qual diver-
tudo centros metropolitanos, ao “abrigo” da sos deslocamentos seguem ritmos, horários
violência e das poluições. Esse padrão de lo- e modos específicos. No entanto, isso não
calização residencial, conhecido como condo- significa dizer que os movimentos pendulares
mínios, é possível graças às infra-estruturas de deixam de existir, mas que perdem partici-
deslocamento, com evidente privilégio para a pação na totalidade dos deslocamentos, em
circulação automobilística. razão de transformações técnicas, sociais,
Além disso, mudanças no mundo do tra- econômicas, culturais e normativas, muitas
balho, entre elas a flexibilização de horários e delas analisadas em pesquisa específica sobre
o surgimento de atividades realizadas a partir o tema, pesquisa essa que sustenta os pontos
do local de residência e a desconcentração de selecionados e enunciados a seguir .14
plantas produtivas industriais, que procuram A maior inserção da mulher no mercado de
benefícios em impostos, taxas, valor da terra, trabalho, por exemplo, gera novas demandas
etc em áreas vizinhas aos centros metropolita- de transporte que devem ser objeto de po-
nos, compõem a base de explicação do pro- líticas públicas específicas. As mulheres são
cesso de desconcentração residencial. A título mais exigentes quanto ao conforto, qualidade
de exemplo, no período entre as duas últimas e segurança nos transportes. Além disso, a
pesquisas Origem e Destino do Metrô de São jornada feminina é normalmente mais diver-
Paulo – 1987 e 1997 –, houve um aumento sificada que a masculina – em São Paulo, por
de 69% no volume de veículos que entram e exemplo, 62% das viagens com motivos de
saem da metrópole paulistana diariamente.
14
Outro provável motivo para o aumento do Sobre as transformações futuras no contexto da
volume de tráfego que entra e sai dos gran- mobilidade cotidiana, ver: BALBIM, Renato – Práti-
cas Espaciais e Informatização do Espaço da Cir-
des centros urbanos é a localização em torno culação. Mobilidade Cotidiana em São Paulo. Tese
dessas regiões e ao longo de suas rodovias de de Doutorado, FFLCH-USP, São Paulo, 2003.

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 45


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA compras são feitas por mulheres, assim como temas de controle de velocidade em inúmeras
55% das relacionadas à educação –, revelando cidades brasileiras, os conhecidos “pardais”.
a necessidade de um sistema de transportes Esses instrumentos, além de transformarem
eficiente e adaptado aos seus horários e moti- algumas práticas individuais, estão relaciona-
vos, além dos parâmetros exclusivos do mun- dos à queda no número de acidentes. Outro
do do trabalho. instrumento de política urbana que tem como
Outras alterações na mobilidade urbana base o uso de novos aparatos técnicos são os
podem estar relacionadas com fatores econô- pedágios eletrônicos. Já utilizados em diversas
micos. A transformação da inflação no Brasil estradas no Brasil, esses sistemas tem seu uso
implicou em toda uma mudança no mundo cogitado também em algumas cidades.
do consumo. Num contexto de alta inflação Essas transformações estão apoiadas nos
as compras em supermercados, por exemplo, sistemas de transporte inteligente, que têm
são feitas quando do recebimento do salário, como principal finalidade melhorar as condi-
uma única vez ao mês, em grandes quan- ções de fluidez e segurança sem precisar fazer
tidades. Atualmente, há a possibilidade de investimentos em novas infra-estruturas viá-
comprar aos poucos, procurando os melhores rias.15 Entre os principais objetivos destes siste-
preços, o que implica um aumento do núme- mas estão o aumento da eficiência operacio-
ro de viagens. Além disso, nos últimos anos, nal e de capacidade do sistema de transporte;
houve um grande aumento da participação a melhoria da mobilidade, através do aumento
dos supermercados no comércio, implicando da quantidade de informações que subsidiam
um reforço da mobilidade automobilística, a formação de estratégias de deslocamento;
pois as compras não acontecem mais na vizi- o aumento da conveniência e do conforto no
nhança, e uma flexibilização dos horários de sistema de transporte, através de sua melhor
sua realização (muitos supermercados ficam adequação à demanda; a busca pela melhoria
abertos durante 24 horas). das condições de segurança durante os deslo-
No entanto, as maiores transformações na camentos; a redução do consumo de energia
mobilidade urbana estão ainda por acontecer e a diminuição das poluições; o aumento da
e, em certa medida, estarão ligadas direta- produtividade dos trabalhadores; o aumento
mente aos novos avanços tecnológicos. da produtividade das organizações; a padroni-
A “informatização do espaço da circula- zação da cobrança de taxas e impostos, como
ção”, realizada para assegurar uma maior maneira de adequá-la às características de uni-
racionalização dos serviços urbanos que cidade do sistema; a busca pela intermodali-
dependem da interligação física, significa dade e, a criação de sistemas móveis de comu-
uma adequação dos equipamentos e redes nicação e informação que permitam acesso,
às novas necessidades que o espaço urbano durante o deslocamento, a outras esferas da
determina em seu atual estágio de desenvol- vida cotidiana, com ênfase no consumo.
vimento. As iniciativas de integração e a inter-
modalidade no sistema de transporte coletivo
no Brasil, por exemplo, têm como base e ala-
vanca novos equipamentos técnicos, como a
15Ver BALBIM, Renato – Práticas Espaciais e Infor-
bilhetagem eletrônica. matização do Espaço da Circulação. Mobilidade
Com base no desenvolvimento de objetos Cotidiana em São Paulo. Tese de Doutorado, FFL-
técnicos informatizados, foram instalados sis- CH-USP, São Paulo, 2003.

46
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
Objetivos, diretrizes
e estratégia da política
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
O PROCESSO DE FORMULAÇÃO Paralelamente a esse processo, a SeMOB
DA POLÍTICA desenvolveu, durante o ano de 2003, diversas
ações, priorizando programas estratégicos
A Política Nacional de Mobilidade Urbana
que conformam uma agenda preliminar da
Sustentável traz elementos do programa do
Política de Mobilidade aqui revelada para
atual governo e da revisão crítica de todo o
apresentação e discussão com a sociedade.
acervo – reflexão e ação – acumulado no tra-
Pretende-se, após esta etapa, discutir este ma-
to da questão. A revisão crítica foi elaborada
terial para posterior aprovação pelo Conselho
com base nos diagnósticos produzidos, nas
das Cidades, no final de 2004.
diversas leituras da crise e desafios contempo-
Além de uma nova abordagem do trato
râneos, nas atuais tendências, no marco legal
das questões dos transportes urbanos, a Políti-
estabelecido, e a partir do reconhecimento
ca Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável
do papel e das competências da União, dos
tem como finalidade definir claramente as
Estados e Municípios em relação ao trânsito, possibilidades e os limites de atuação do Go-
ao transporte e à mobilidade. verno Federal, reforçando seu papel de indu-
A partir deste conhecimento foram eleitas tor e articulador de ações, para que os investi-
prioridades e objetivos para a Política. Em mentos, programas e ações dos três níveis de
seguida, foi elaborado um conjunto de princí- governo sejam melhor utilizados, resultando,
pios e diretrizes, submetidos ao Conselho das assim, em ganhos efetivos para a sociedade.
Cidades para que apresentasse suas críticas e
sugestões. Entre as prioridades estabelecidas
encontram-se o direito à cidade, a consolida- OS MACRO-OBJETIVOS DA POLÍTICA
ção da democracia, a promoção da cidadania O objetivo final da Política Nacional de Mobi-
e da inclusão social, a modernização regulató- lidade Urbana Sustentável e dos programas e
ria e desenvolvimento institucional e o fortale- ações da SeMOB é disseminar e implementar
cimento do poder local. os princípios da Mobilidade Urbana Sustentá-
Dessa forma, a Política de Mobilidade vel, já descritos.
Urbana Sustentável deverá ser um instru- Para tanto, trabalha-se com três macro-
mento de apoio à concretização dos objeti- objetivos a serem perseguidos, além de seus
vos que estruturam o Plano Brasil de Todos, desdobramentos e interseções, que definem
quais sejam: o crescimento com geração de campos de ação e compromissos da Política
trabalho, emprego e renda, ambientalmente apresentada. São eles: desenvolvimento ur-
sustentável e redutor de desigualdades re- bano, sustentabilidade ambiental e inclusão
gionais; a inclusão social e, o fortalecimento social.
da democracia. Cada um desses macro-objetivos é for-
O Conselho das Cidades cumpre importan- mado por objetivos menores que, por sua
te papel na formulação das políticas urbanas. vez, ajustam os princípios e diretrizes dos
O Conselho foi eleito durante a 1ª Conferência programas e ações da SeMOB. Como foi visto
Nacional das Cidades, realizada em outubro no diagnóstico anterior, esses objetivos se
de 2003, que contou com ampla representa- entrecruzam na produção do espaço urbano,
ção da sociedade civil. Trata-se de uma im- fazendo com que os próprios macro-objeti-
portante mudança na forma de fazer política, vos definidos não sejam estanques em si. Ao
especialmente no plano federal. contrário, eles se superpõem uns aos outros

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 49


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA e se ajustam como lentes em busca do foco, ção do acesso ao transporte público, a acessi-
representado pela Mobilidade Urbana Sus- bilidade universal e a valorização dos desloca-
tentável. mentos de pedestres e ciclistas.
Dessa maneira, espera-se, por exemplo,
que ações e programas que tenham como
POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE
eixo a Sustentabilidade Ambiental compor-
URBANA SUSTENTÁVEL: PRINCÍPIOS
tem, ao mesmo tempo, princípios e objetivos
E DIRETRIZESAPROVADAS
de Desenvolvimento Urbano e Inclusão Social
e vice-versa. Os princípios e diretrizes da Política Nacional
Os principais objetivos para o Desenvolvi- de Mobilidade Urbana Sustentável foram
mento Urbano são: integrar o transporte ao aprovados na reunião do Conselho das Cida-
desenvolvimento urbano, reduzir as deseco- des realizada em setembro de 2004. A trans-
nomias da circulação, ofertar um transporte crição do documento aprovado, que segue,
público eficiente e de qualidade, e contribuir tem como objetivo dar o necessário insumo
para o desenvolvimento econômico. para que a sociedade conheça os funda-
Nessa mesma linha, os principais objetivos mentos da política nacional que vem sendo
para a Sustentabilidade Ambiental são: uso traçada, e que deverá estar completamente
equânime do espaço urbano, melhoria da formulada para sua apresentação e aprova-
qualidade de vida, melhoria da qualidade do ção no Conselho das Cidades em dezembro
ar e sustentabilidade energética. de 2004.
A Inclusão Social tem como objetivos: o Todas as diretrizes e princípios aqui apre-
acesso democrático à cidade, a universaliza- sentados foram amplamente discutidos com a
sociedade nos meses de junho, julho e agosto
As diretrizes da política de mobilidade
através de reuniões promovidas nas capitais
urbana visam promover e apoiar a circulação
segura, rápida e confortável, priorizando o
do país e da divulgação, aberta a críticas e su-
transporte coletivo e os meios não motorizados

50
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
gestões, através do sítio internet do Ministério Diretrizes
das Cidades (www.cidades.gov.br).
1. Priorizar pedestres, ciclistas, passageiros de
Em síntese, a Política Nacional da Mobilida-
transporte coletivo, pessoas com deficiên-
de Urbana Sustentável tem por objetivo pro-
cia, portadoras de necessidades especiais e
mover a mobilidade urbana sustentável, de
idosos, no uso do espaço urbano de circu-
forma universal, à população urbana brasileira,
lação
promovendo ações articuladas entre a União,
2. Promover a ampla participação cidadã, de
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
forma a garantir o efetivo controle social
com a participação da sociedade. As diretrizes
das políticas de Mobilidade Urbana
da política visam contribuir para o crescimen-
3. Promover o barateamento das tarifas de
to urbano sustentável e a apropriação justa
transporte coletivo, de forma a contribuir
e democrática dos espaços públicos, promo-
para o acesso dos mais pobres e para a dis-
vendo e apoiando a circulação segura, rápida
tribuição de renda
e confortável, priorizando os transportes cole-
4. Articular e definir, em conjunto com os Es-
tivos e os meios não-motorizados.
tados, Distrito Federal e Municípios, fontes
alternativas de custeio dos serviços de trans-
Princípios porte público, incorporando recursos de
beneficiários indiretos no seu financiamento
 Direito ao acesso universal, seguro, equâni-
5. Combater a segregação urbana por inter-
me e democrático ao espaço urbano
médio da Política Nacional de Mobilidade
 A participação e controle social sobre a po-
Urbana Sustentável
lítica de mobilidade
6. Promover o acesso das populações de bai-
 Direito à informação sobre a mobilidade,
de forma a instrumentalizar a participação xa renda, especialmente dos desemprega-
popular e o exercício do controle social dos e trabalhadores informais, aos serviços
 Desenvolvimento das cidades, por meio da de transporte coletivo urbano
mobilidade urbana sustentável 7. Promover e difundir sistemas de informa-
 Universalização do acesso ao transporte ções e indicadores da Mobilidade Urbana
público coletivo 8. Estabelecer mecanismos permanentes de
 Acessibilidade das pessoas com deficiência financiamento da infra-estrutura, incluindo
ou com restrição de mobilidade parcela da CIDE-combustíveis, para os mo-
 Políticas públicas de transporte e trânsito, dos coletivos e não-motorizados de circula-
política nacional de mobilidade urbana ção urbana
sustentável, articuladas entre si e com a 9. Incentivar e apoiar sistemas estruturais, me-
política de desenvolvimento urbano e a do tro-ferroviários e rodoviários de transporte
meio ambiente coletivo, em corredores exclusivos nas cida-
 A Mobilidade Urbana centrada no desloca- des médias e nas Regiões Metropolitanas,
mento das pessoas que contemplem mecanismos de integra-
 O transporte coletivo urbano como um ção intermodal e institucional
serviço público essencial regulado pelo 10. Promover e apoiar a implementação de
Estado sistemas cicloviários seguros, priorizando
 Paz e educação para cidadania no trânsito aqueles integrados à rede de transporte
como direito de todos público

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 51


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA 11. Promover e apoiar a melhoria da acessibi- 22. Apoiar a adoção de tecnologias de maior
lidade das pessoas com deficiência, restri- eficiência que aperfeiçoem os sistemas de
ção de mobilidade e idosos, considerando- controle dos serviços de transporte público
se o princípio de acesso universal à cidade 23. Desenvolver modelos alternativos de
12. Incentivar e difundir medidas de modera- financiamentos para implementação de
ção de tráfego e de uso sustentável projetos da mobilidade urbana
e racional do transporte motorizado indi- 24. Promover a articulação entre os municí-
vidual pios e destes com os estados nos projetos
13. Apoiar Políticas e Planos Diretores urba- de melhoria da mobilidade nas Regiões
nos que favoreçam uma melhor distribui- Metropolitanas
ção das atividades no território e reduzam 25. Promover e apoiar a elaboração de planos
a necessidade de deslocamentos motori- de transporte urbano integrado, compa-
zados tível com o plano diretor ou nele inserido
14. Apoiar planos e projetos que ordenem para as cidades com mais de quinhentos
a circulação de mercadorias de maneira mil habitantes
racional e segura, principalmente em rela- 26. Promover e incentivar o desenvolvimento
ção às cargas perigosas de sistemas de transportes e novas tec-
15. Os planos diretores das cidades devem pre- nologias que resultem na melhoria das
ver a utilização de áreas lindeiras dos siste- condições ambientais
mas metropolitanos e metro-ferroviários 27. Apoiar e promover medidas para coibir o
16. Promover a preservação do Patrimônio transporte ilegal de passageiros
Histórico, Cultural e Ambiental dos centros 28. Promover e incentivar a utilização de com-
urbanos, regulando a circulação de veículos bustíveis alternativos e menos poluentes
17. Promover e viabilizar a associação e coor- 29. Apoiar e incentivar a formulação de pla-
denação entre a política nacional de mo- nos diretores municipais que prevejam
bilidade sustentável e de transporte e trân- mecanismos de adaptação do sistema
sito em consonância com as políticas de viário e de transporte aos projetos con-
promoção habitacional, desenvolvimento siderados pólos geradores de tráfego,
urbano, meio ambiente e saneamento garantindo que a própria implantação dos
ambiental em especial as de drenagem de projetos mitigue seus efeitos negativos,
águas pluviais e resíduos sólidos inclusive com ônus ao empreendedor,
18. Promover políticas de mobilidade urbana quando couber
e valorização do transporte coletivo e não- 30. Instituir diretrizes para o transporte urbano
motorizado no sentido de contribuir com a
reabilitação das áreas urbanas centrais
ESTRATÉGIA, PRIORIDADES
19. Promover a capacitação dos agentes pú-
E INSTRUMENTOS DA PNMUS
blicos e o desenvolvimento institucional
dos setores ligados à mobilidade
Estratégia
20. Promover e apoiar a regulamentação ade-
quada dos serviços de transporte público A estratégia adotada pela SeMOB para tra-
21. Promover o desenvolvimento do trans- duzir os princípios e diretrizes estabelecidos
porte público, com vistas à melhoria da pelo ConCidades em ações transformadoras
qualidade e eficiência dos serviços das atuais condições da mobilidade urbana

52
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
nas cidades brasileiras, foi a de concentrar os Critérios de prioridade da PNMUS
recursos disponíveis, políticos, técnicos,
As prioridades de ação adotadas pela SeMOB
e financeiros, nos quatro pilares da mobilidade
derivam dos princípios e diretrizes da PNMUS
sustentável.
e se efetivam como critérios de avaliação
Planejamento Integrado de Transporte e de seleção dos projetos de mobilidade e
e Uso do Solo Urbano transporte urbano que buscam o apoio po-
lítico, técnico ou financeiro do Ministério das
A finalidade da melhoria do trânsito e do
Cidades.
transporte urbano é o desenvolvimento urba-
De modo sintético, estas prioridades se tra-
no, para que as cidades brasileiras se tornem
duzem na precedência:
mais agradáveis e mais democráticas. A me-
 do deslocamento das pessoas sobre o dos
lhoria isolada de um setor, ou de um segmen-
veículos;
to do setor, não contribui necessariamente
 do transporte coletivo sobre o individual;
para o progresso de todos.
 da acessibilidade universal, incluindo as das
Melhoria do Transporte Coletivo Urbano pessoas com restrição de mobilidade;

O setor privado por si só não atende às ne-


 dos sistemas adequadamente regulados e
cessidades de desenvolvimento, pois a busca socialmente controlados;
da otimização dos ganhos privados gera
 das intervenções integradoras das redes de
deseconomias e falhas de mercado, deixan- mobilidade sobre as obras isoladas;
do desatendidas parcelas importantes da
 dos projetos multimodais sobre os isolados;
população. Assim, é necessário que o poder
 das intervenções que promovam o comba-
público promova a contínua atualização dos te à pobreza e à inclusão social, em espe-
instrumentos de gestão e de regulação do cial na garantia do acesso dos mais pobres
transporte urbano. aos serviços públicos;
 das intervenções que promovam e favore-
Promoção da Circulação não-motorizada çam a multicentralidade e o adensamento
A complexidade crescente da circulação urba- urbano, a proteção ao patrimônio cultural,
na cria constantemente demanda por deslo- ambiental, arquitetônico e paisagístico das
camentos não-motorizados que precisam de cidades e a eliminação da segregação só-
apoio infra-estrutural e regras de conduta, e cio-espacial.
que são também fundamentais para as pesso-
as com restrição de mobilidade, notadamente
Instrumentos da política
crianças, idosos e deficientes.
O Governo Federal tem ao seu alcance um con-
Uso racional do automóvel junto de instrumentos que, somados aos que
O uso generalizado do veículo individual é os estados e municípios dispõem, formam um
inviável ao longo do tempo. Simplesmente poderoso arsenal para a efetivação da PNMUS.
não haveria espaço viário suficiente, se todos A política fiscal e de investimentos públicos,
usassem automóveis para realizar todos os que se efetiva por intermédio das transferên-
deslocamentos que desejassem. Ao poder cias voluntárias aos municípios e aos estados
público cabe estudar e favorecer medidas que de recursos não onerosos do orçamento geral
venham mitigar este problema. da união.

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 53


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA A política fiscal e de investimentos públicos, PROGRAMAS E AÇÕES 2003/2004
que se realiza por meio do repasse de parcelas
da CIDE aos estados e municípios, da desonera- Programa Mobilidade Urbana
ção tributária e do controle de preços públicos.
A partir do diagnóstico da crise da mobilidade
O desenvolvimento institucional e capacita-
urbana, apresentado neste caderno, a SeMOB
ção dos agentes sociais por meio do programa
propôs a inclusão do Programa de Mobilidade
de fortalecimento da gestão urbana do MCi-
Urbana no PPA 2004-2007, em substituição ao
dades e de ações da própria SeMOB.
Programa de Transporte Rodoviário Urbano.
A legislação federal (Lei de Diretrizes do Trans-
porte Urbano) cujo texto estabelece as regras
do jogo entre os diversos atores sociais permi- As ações do Programa
tindo o cálculo a médio e longo prazo trazendo Mobilidade Urbana
estabilidade e consistência para suas ações.
Informações para a gestão e o controle so- Apoio à elaboração de projetos de
cial, organizadas em um Sistema Nacional de sistemas integrados de transporte coletivo
Informações, disponível na Internet, acessível
urbano
aos cidadãos e aos meios de comunicação,
Contempla a elaboração de projetos comple-
fortalecendo o controle social e ampliando a
tos de redes de transporte coletivo urbano,
capacidade crítica sobre as condições de mo-
bilidade nas cidades. abrangendo a integração de todos os modos
Concertação e construção de consensos, pos- existentes – pedestres, bicicletas, táxis, ôni-
sibilitando aprofundar as questões ainda na bus, trens, metrôs, embarcações – bem como
fase de elaboração das políticas, eliminando da infra-estrutura necessária – terminais,
boa parte dos entraves que surgem na fase de estações de transferência, pontos de parada,
implementação das ações em razão dos inte- corredores e faixa exclusivas de tráfego, cal-
resses conflitantes entre os múltiplos atores çadas, ciclovias e sinalização. Assim como a
sociais que participam da construção social elaboração de Planos Diretores de Transporte
das cidades. Urbano.
Instrumentos urbanísticos (e.g. planos direto-
Apoio a Projetos de Corredores Estruturais
res), fornecendo a indispensável referência so-
de Transporte Coletivo Urbano
bre o uso e a ocupação do solo, os horizontes
de crescimento, para que os agentes sociais e Contempla intervenções nas vias, no sistema
econômicos se posicionem com segurança e operacional e na sinalização, que resultem na
confiança. priorização do transporte coletivo, compreen-
Fomento à pesquisa e à inovação tecnológica, dendo a implantação ou reforma de terminais,
propiciando o desenvolvimento e a aplicação abrigos para parada de ônibus, equipamentos
de novos materiais e combustíveis, o desen- de apoio e sinalização viária que garantam
volvimento de metodologias de pesquisa acessibilidade segura e universal.
adaptadas à realidade brasileira, permitindo,
Apoio a projetos de sistemas de circulação
também, respostas melhor adaptadas às polí-
não-motorizados
ticas públicas adotadas.
Contempla as intervenções que valorizam os
modos a pé, por bicicleta, e a acessibilidade

54
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
das pessoas com restrição de mobilidade e normas e sinalização específica existente em
deficiência, integrando-os aos sistemas de braile e/ou sonora, visando sua segurança.
transporte coletivo. Para tanto esta ação prevê
a execução de projetos que garantam a aces- Apoio a Projetos de urbanização de áreas
sibilidade segura e universal das pessoas com lindeiras a corredores ferroviários
a implantação de passeios, guias rebaixadas Contempla a revitalização de áreas degrada-
para usuários de cadeiras de rodas, sistemas das, lindeiras a ramais metro-ferroviários me-
cicloviários, e a respectiva sinalização neces- diante a implantação de projetos urbanísticos
sária para a minimização dos conflitos, prin- que as integrem ao entorno utilizando-se de
cipalmente entre os modos motorizados e os instrumentos disponíveis nos Planos Diretores
não-motorizados de transporte público. de desenvolvimento urbano, de Transportes e
no Estatuto da Cidade.
Apoio a Projetos de acessibilidade para
pessoas com restrição de mobilidade e Apoio a Projetos de revitalização de ramais
deficiência ferroviários ociosos para o transporte de
Contempla projetos que promovam a acessi- passageiros
bilidade para pessoas com restrição de mobi- Contempla a revitalização e otimização de
lidade e todos os tipos de deficiência, através linhas ferroviárias já existentes e ociosas,
da implantação de infra-estrutura adequada adaptando-as ao transporte de passageiros
à circulação universal. Compreendendo da e integrando-as com os demais modos de
implantação de guias rebaixadas adequadas, transporte urbanos.

ORÇAMENTO NO HORIZONTE DO PPA 2005-2008 / EM R$

Ação 2005 2006 2007 2008

Apoio à elaboração de projetos de sistemas integrados de 1.100.000 5.500.000 8.250.000 8.250.000


transporte coletivo urbano

Apoio a projetos de corredores estruturais de transporte 15.000.000 22.500.000 40.000.000 45.000.000


coletivo urbano

Apoio a projetos de sistemas de circulação 2.000.000 5.000.000 7.500.000 7.500.000


não-motorizados

Apoio a projetos de acessibilidade para pessoas com 550.000 1.250.000 1.750.000 1.750.000
restrição de mobilidade e deficiência

Apoio a projetos de urbanização de áreas lindeiras 50.000 300.000 450.000 450.000


de corredores ferroviários

Apoio a projetos de revitalização de ramais ferroviários 50.000 50.000 100.000 100.000


para o transporte de passageiros

Apoio à aplicação de tecnologias adequadas 50.000 100.000 150.000 150.000


para a melhoria da qualidade e da produtividade
da circulação urbana

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 55


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
Apoio à aplicação de tecnologias O PROGRAMA PRÓ-TRANSPORTE ABRANGE
adequadas para a melhoria da qualidade INVESTIMENTOS QUE TENHAM POR OBJETIVO
e da produtividade da circulação urbana A MELHORIA QUALITATIVA DO TRANSPORTE

Contempla a aplicação de novas tecnologias COLETIVO, ATRAVÉS DO CONSEQÜENTE AUMENTO

em sistemas de monitoramento, controle, ar- DA VELOCIDADE OPERACIONAL, MELHORIA

recadação de receitas e fiscalização eletrônica DE CONFORTO E SEGURANÇA, INCLUSIVE NOS


dos sistemas de transporte coletivo e o uso de TERMINAIS E PONTOS DE PARADA E MELHORIA DA
novas fontes de energia mais eficientes e que ACESSIBILIDADE AO SISTEMA, ALÉM DA INTEGRAÇÃO
minimizem os efeitos negativos causados pela ENTRE OS DIVERSOS MODOS, PRINCIPALMENTE COM
circulação ao meio ambiente urbano. OS NÃO-MOTORIZADOS

Programa pró-transporte O Programa Pró-Transporte surge como


um importante instrumento de retomada de
Programa de financiamento da infra-estru-
investimento em infra-estrutura para o trans-
tura para o transporte coletivo urbano com
porte público pelo Governo Federal e para
recursos do FGTS, aprovado pelo seu Con-
consolidar o Ministério das Cidades como res-
selho Curador através da resolução 409, de
ponsável pela formulação da Política Nacional
26/11/2002.
de Transportes.
O programa abrange investimentos que
tenham por objetivo a melhoria qualitativa do
transporte coletivo, através do conseqüente O programa Brasil acessível
aumento da velocidade operacional, melho-
Este programa, lançado em junho de 2004,
ria de conforto e segurança, inclusive nos
tem o objetivo de estimular e apoiar os gover-
terminais e pontos de parada e melhoria da
nos municipais e estaduais a desenvolverem
acessibilidade ao sistema, além da integração
ações que garantam acessibilidade para pes-
entre os diversos modos, principalmente com
soas com restrição de mobilidade aos siste-
os não-motorizados.
mas de transportes, equipamentos urbanos
O público alvo é constituído pelos gover-
e à circulação em áreas públicas.
nos municipais, estaduais, órgãos gestores
Por meio das ações e dos instrumentos sele-
ou empresas concessionárias de serviços de
cionados busca-se uma nova visão de cidade,
transporte coletivo urbano.
que considera imprescindível o acesso univer-
Em 2004 foram mais de 130 municípios
sal aos espaços públicos, superando a simples
interessados pelo financiamento e foram
eliminação de barreiras arquitetônicas, inse-
entregues 66 cartas-consulta, perfazendo o
rindo a questão da mobilidade urbana como
montante de R$ 646.014,00 distribuídos con-
importante ferramenta de inclusão social.
forme quadro abaixo:
Este programa atende às diretrizes aprova-
das pela Conferência Nacional das Cidades de
Origem Cartas-Consulta Montante
modo que a participação da sociedade civil é
Setor público 56 625.077.000,00 fundamental para sua implementação.
Setor privado 10 20.937.000,00 A SeMOB prevê a adesão dos municípios
ao programa tendo por contrapartida a incor-
Total 66 646.014.000,00
poração aos seus Planos Diretores dos concei-

56
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
É crescente o uso de bicicletas como alternativa
de transporte por motivo de trabalho e
tos de acessibilidade universal, de mobilidade
estudo, tornando-se um modo de transporte
urbana sustentável e de inclusão social, a economicamente viável
elaboração de Plano de Ação de Acessibilida-
de Universal, além da criação de rubrica orça-
mentária específica para estes gastos.16 desempenha nos deslocamentos urbanos de
milhares de pessoas, o que exige a adoção de
uma política pública integrada entre as três
Programa brasileiro de mobilidade
esferas governamentais.
por bicicleta
A inclusão da bicicleta nos deslocamentos
Ao se analisar a realidade das cidades brasilei- urbanos além de adotar o conceito de mo-
ras, verificou-se o uso crescente de bicicletas bilidade urbana sustentável, contribui para a
como alternativa de transporte por motivo de redução do custo da mobilidade das pessoas.
trabalho e estudo, tornando-se um modo de Portanto, busca-se implementar uma política
transporte economicamente viável à parcela que favoreça a integração do modo bicicleta
mais pobre da população, além da tradicional aos demais modos de transporte.
utilização como atividade de lazer.
Assim, a SeMOB agregou o modo bicicleta
Barateamento das tarifas
às políticas de mobilidade urbana sustentável
e às de inclusão social, entendendo ser de Com a criação do Ministério das Cidades, no
fundamental importância a realização de tra- Governo Lula, e a estruturação da SeMOB,
tamento adequado ao papel que a bicicleta o transporte urbano passou novamente a
pautar a agenda do Governo Federal, na
16 MCidades/SeMOB/Diretoria de Mobilidade busca, junto com os Municípios e Estados,
Urbana – Mobilidade acessível em ambientes ur- de soluções para os problemas de transporte
banos, junho 2004. urbano.

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 57


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA Em novembro de 2003 o Governo Federal Federal, de forma que cada ente federativo se
e os Municípios constituíram um grupo de responsabilize pela sua parte no compromisso
trabalho para propor medidas com vistas a com o barateamento das tarifas do transporte
redução dos insumos que compõem as tarifas coletivo urbano.17
de transporte público. Entre as proposições,
destacam-se: o comprometimento do Gover-
PROJETOS ESTRUTURANTES
no Federal em manter as alíquotas reduzidas
DA SEMOB PARA 2005
da Cofins e do Pis para o setor, já em vigor.
Em contrapartida, os Municípios adotariam
Reforma regulatória no transporte
para o transporte coletivo urbano, a menor
público urbano
alíquota do ISS hoje disponível, de 2%, e uma
taxa de administração para estes serviços de, Desde a segunda metade da década de 1990,
no máximo, 3%. E o Governo Federal e os o transporte público urbano no Brasil passa
Municípios se comprometeram a não conce- por um período de crise, expresso pela queda
der mais gratuidades durante este ano e, no da demanda e da produtividade dos servi-
prazo de doze meses, rever as gratuidades ços e pela instabilidade institucional, no que
para o setor, exceto para os idosos, estudantes se refere à adequação das relações entre os
do ensino público fundamental e pessoas agentes públicos e privados à atual legislação
portadoras de deficiência, buscando fontes de concessões.
de financiamento extra tarifárias para o seu Atualmente, a maioria dos sistemas não
custeio; o Governo Federal e os Municípios se está ancorada em base contratual sólida ou,
comprometeram, no prazo de um ano, sob nos casos em que as relações são regidas por
a coordenação do Ministério das Cidades, a algum tipo de contrato, estes foram firmados
revisar o modelo e a metodologia do cálculo sem o suporte legal e, muitas vezes, encon-
tarifário, como também o vale-transporte, de tram-se em caráter precário.
forma a reverter a condição atual de repasse Tal situação produz um ambiente nada
integral dos custos e o financiamento quase propício ao desenvolvimento setorial, levando
total dos serviços pelos usuários; em 2006, os ao desinteresse dos agentes, especialmente
Municípios se comprometem a estar com os os privados, em promover investimentos ou
serviços legalizados, por meio de concessões buscar melhorias na qualidade da prestação
ou permissões, formando um sistema único dos serviços.
de transporte coletivo e abolindo os serviços Tarifas crescentes, incompatíveis com a
clandestinos de passageiros existentes nas capacidade de pagamento da população
suas cidades, devendo implantar órgãos ges- mais pobre, oferta inadequada, baixo desen-
tores de trânsito e transporte; além disso, há volvimento operacional e tecnológico, falta
uma proposta de redução do valor do óleo de investimentos para atender a elevada de-
díesel em discussão, mas sobre a qual ainda manda por infra-estrutura: esses são alguns
não existe acordo. dos problemas agravados por um ambiente
Como pode ser verificado pelos enuncia-
dos anteriores, para efeito de implementação
17MCidades/SeMOB/ Diretoria de Cidadania e
das propostas apresentadas é fundamental a
Inclusão Social – Barateamento das tarifas: uma
pactuação entre Municípios, Regiões Metro- política de mobilidade urbana e inclusão social,
politanas, através dos Estados, e o Governo Texto para discussão, setembro 2003.

58
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
TARIFAS CRESCENTES, INCOMPATÍVEIS COM A para os operadores, controle de eficácia e par-
CAPACIDADE DE PAGAMENTO DA POPULAÇÃO ticipação dos usuários na avaliação dos ser-
MAIS POBRE, OFERTA INADEQUADA, BAIXO viços. Neste sentido, as futuras licitações têm
DESENVOLVIMENTO OPERACIONAL E TECNOLÓGICO, um importante papel a desempenhar, inclusi-
FALTA DE INVESTIMENTOS PARA ATENDER A ve para a redução de custos operacionais dos
ELEVADA DEMANDA POR INFRA-ESTRUTURA: serviços, através das licitações competitivas.
ESSES SÃO ALGUNS DOS PROBLEMAS AGRAVADOS
POR UM AMBIENTE INSTITUCIONAL E UM MARCO Programa de desenvolvimento
REGULATÓRIO CARENTES DE MODERNIZAÇÃO e modernização institucional

Um dos objetivos principais da SeMOB é dotar


institucional e um marco regulatório carentes os governos locais das capacidades técnicas
de modernização. e institucionais necessárias para desenvolver
Entende-se que muitas das respostas para os sistemas de mobilidade urbana de maneira
os desafios que os sistemas de transporte eficaz e eficiente do ponto de vista sócio-eco-
urbano estão enfrentando na maioria das nômico. Intervenções de qualidade não são
áreas urbanas do País encontram-se em novos possíveis com instituições que, hoje, encon-
paradigmas regulatórios, organizacionais e tram-se enfraquecidas em termos de recursos,
institucionais. A adoção de regras transparen- estrutura de gestão e capacidade técnica.
tes, estáveis e que atribuam riscos e responsa- A intervenção pública de qualidade pressu-
bilidades aos agentes, públicos e privados, é põe uma série de competências. É necessário
condição indispensável para a gestão eficaz e possuir entes capazes de entender e levantar
eficiente dos sistemas. dados de serviços com características sistêmi-
A regulação adequada está na base das cas, formular e avaliar objetivos estratégicos,
delegações e das parcerias público-privadas elaborar planos táticos e monitorar a execu-
e, nesse aspecto, há um longo caminho a per- ção desses planos. Faz-se necessário, também,
correr para superar os quadros atuais de semi- que sejam reforçadas as capacidades de
informalidade que prevalecem no transporte compreender as necessidades e as interações
público, caracterizado pela falta de garantias dos diversos atores e agir proativamente para
do retorno dos investimentos e alto risco atendê-las, mudando o histórico paradigma
político. Porém, as necessárias reformas mo- de atuação reativa voltada para a oferta de
dernizadoras devem ser precedidas de uma serviços.
visão estratégica, com enfoque sistêmico dos No plano político, as instituições devem
serviços de transporte no ambiente urbano, estar preparadas para entender os ciclos de
tirando vantagem da integração, física e tari- decisão política, as interfaces de políticas in-
fária e da complementaridade entre modos e tergovernamentais e, assim, desenvolverem
serviços, inclusive no âmbito metropolitano. estratégias de atuação eficazes.
Os novos modelos devem aproveitar ao máxi- Para atuarem nesse sentido, entende-se
mo as combinações organizacionais e regula- que as instituições do setor devem desenvol-
tórias, ou seja: entre flexibilidade operacional, ver competências, adaptando-se às mudanças
pressão competitiva e coordenação das redes. externas e ao ambiente da mobilidade.
Devem ser desenvolvidos modernos meca- O Programa de Desenvolvimento Institu-
nismos contratuais, contemplando incentivos cional para Mobilidade Urbana, a ser desen-

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 59


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA volvido, visa promover ações para o reforço urbano porque não possui renda compatível
de recursos humanos, infra-estruturas de com o preço das tarifas de transporte públi-
gestão e sistemas de informação. Seu objetivo co. Esse segmento social também apresenta
primordial é de apoiar municípios, estados e o alta taxa de desocupação, sendo que dos
Distrito Federal para melhorar seu desempe- ocupados, a maioria encontra-se no setor
nho no trato da Mobilidade Urbana. informal, ou seja, não usufruem o benefício
do vale-transporte. Soma-se a este quadro, as
condições das vias e calçadas nos locais de
Programa de capacitação
suas moradias, dificultando o deslocamento
dos agentes públicos
não-motorizado, além do que os ônibus aces-
O Programa de Capacitação da SeMOB é parte sam com muita dificuldade, ou não acessam,
do Programa Nacional de Capacitação das Ci- as vias das periferias e das favelas.
dades, compreendendo ações de capacitação, A inclusão deste público-alvo nas políticas
desenvolvimento gerencial e sensibilização de de transporte urbano deve passar por várias
agentes públicos, técnicos e atores sociais. iniciativas, dentre elas a expansão do bene-
O Programa de Capacitação objetiva con- fício do vale-transporte também para os de-
tribuir para o aperfeiçoamento e desenvolvi- sempregados e trabalhadores informais, por
mento dos gestores e agentes responsáveis exemplo, associado às políticas sociais gover-
pelo planejamento, regulação e gestão do namentais de caráter emancipativo. Tal pro-
transporte e da mobilidade urbana nos âmbi- posta vai exigir a realização de estudos e dis-
tos municipal e metropolitano. cussão entre as diferentes esferas de governo
Dentre os objetivos específicos o programa e entre este e a sociedade. Além disso, deve
propõe: introduzir o conceito de mobilidade delinear também propostas de implantação
urbana sustentável e definir as ações e instru- ou adequação de infra-estrutura viária para
mentos para a sua concretização nos Planos os deslocamentos não-motorizados nas áreas
Diretores Municipais; capacitar técnicos e habitadas pela população de baixa renda;
gestores, municipais e metropolitanos, para proposição de mecanismos institucionais vol-
a gestão eficaz dos serviços de transporte tados para a melhoria da qualidade dos servi-
público, compreendendo o planejamento, a ços de transporte coletivo urbano, sobretudo
regulação, a organização, a contratação e o quanto ao aumento de freqüência nas áreas
monitoramento dos serviços; e sensibilizar habitadas pela população de baixa renda e
agentes políticos e sociais para a necessidade elaboração de diretrizes e proposição de con-
de implementação da política de mobilidade certação junto aos órgãos competentes, no
urbana sustentável. sentido de estreitar as políticas educacionais,
de saúde, de cultura, lazer, esportes e traba-
lho, com a de mobilidade e acessibilidade das
Universalização do acesso ao
pessoas mais carentes.
transporte coletivo urbano

A população de baixa renda, com renda fa-


Informação para gestão e cidadania
miliar mensal até três salários-mínimos, que
representa cerca de 45% da população metro- O Ministério das Cidades, o Banco Nacional de
politana brasileira, está praticamente excluída Desenvolvimento Econômico e Social – BN-
do acesso aos serviços de transporte coletivo DES e a Associação Nacional de Transportes

60
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
Públicos – ANTP se conveniaram para implan- de das pessoas com restrição de mobilidade e
tar o Sistema de Informações de Transporte deficiência.
e Trânsito Urbano, que se constitui em banco Neste modelo o Governo Federal não se
de dados especialmente desenhado para per- coloca como única fonte de recursos finan-
mitir aos Setores Públicos Federal, Estaduais e ceiros, não atua como mero repassador de
Municipais o adequado acompanhamento das recursos e cuida para que os investimentos
várias facetas de caráter econômico e social que aporta transcendam a infra-estrutura,
envolvidas na dinâmica do transporte urbano contribuindo para a implementação de novos
no Brasil, com a finalidade de aperfeiçoar os parâmetros de mobilidade urbana e aprimo-
processos de planejamento, gestão e tomada rando as relações contratuais entre o poder
de decisão sobre os investimentos no setor. concedente e as empresas operadoras de
O referido sistema agrega, inicialmente, in- transporte coletivo.
formações de 437 Municípios, incluindo todas Nesse contexto as parcerias público-priva-
as cidades pertencentes às Regiões Metropo- das, as PPP, se apresentam como alternativa
litanas e aquelas com população acima de 60 para o enfrentamento da atual escassez de
mil habitantes, com base no pressuposto da recursos públicos para investimento, sendo
sua significância no elenco dos sistemas de um instrumento de atração de investimentos
transportes estruturados. Abrange um con- privados de curto prazo e para projetos lo-
junto de 150 dados básicos relacionados aos calizados. Portanto, torna-se uma alternativa
temas tarifação, regulamentação, demanda, relevante desde que sejam garantidos o aten-
custos, receitas, frota, oferta e recursos huma- dimento do interesse público e a preservação
nos, segmentados segundo os três modos das suas funções de regulação e controle.
considerados: sistemas de ônibus municipais, Esta abordagem tem como objetivos:
sistemas de ônibus metropolitanos e sistemas  Estimular o planejamento da rede de trans-

metro-ferroviários. porte coletivo pelos municípios e a elabo-


O Ministério das Cidades promoverá, junto ração de Planos Diretores de Transporte e
à ANTP, a atualização periódica e a ampla di- Circulação previstos no Estatuto da Cidade
vulgação das informações às municipalidades  Estimular a integração dos serviços de

e à população de maneira geral. transporte


 Promover a criação de estruturas de gestão

específicas para a mobilidade urbana


Financiamento da infra-estrutura
 Promover a capacitação da gestão pública
para a mobilidade
para buscar novas fontes de financiamento
A SeMOB vem consolidando um novo de  Apoiar os municípios nos processos de de-

modelo de financiamento da infra-estrutura legação de sistemas de transporte coletivo


que considere todas as intervenções neces-  Estimular a regularização contratual entre o

sárias para mobilidade urbana sustentável. poder concedente e os operadores


Esta abordagem considera todos os modos  Estabelecer condições de circulação e

possíveis de transporte de maneira integrada, acesso das pessoas com deficiência à infra-
desenvolvendo projetos para o transporte co- estrutura do TC
letivo (trilhos, pneus e barcas), transporte não-  Implantar infra-estrutura de transporte

motorizado (ciclovias, ciclofaixas, calçadas e coletivo


passeios) e obras que garantam a acessibilida-

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 61


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA São utilizados os seguintes critérios na aná- Presidência da República políticas integradas
lise de projetos: nessas áreas, que possam dar respostas à
 A adequação do modo de transporte pro- altura dos problemas aí encontrados. Nesse
posto à realidade da demanda verificada sentido, a mobilidade urbana ocupa um papel
 Existência de efetiva integração da inter- preponderante na transformação dos mode-
venção proposta com a rede local e, se for los de exclusão e segregação.
o caso, metropolitana de Transporte Públi- Além disso, a priorização de ações nas
co (física e tarifária) regiões metropolitanas converge ao estabele-
 A garantia de que o empreendimento faça cido no Estatuto da Cidade que define como
parte ou venha a promover um arranjo obrigatória a elaboração do Plano Diretor de
institucional adequado, principalmente nas Transportes para cidades acima de 500 mil ha-
Regiões Metropolitanas bitantes, normalmente sedes dessas regiões.
 A promoção de estruturas de gestão ade- Ao todo somam-se 13 cidades com po-
quadas para a mobilidade urbana pulação superior a 1 milhão de habitantes e
 Existência de cronograma para a regulari- 18 cidades com população entre 500 mil e 1
zação da operação e extinção da operação milhão de habitantes, com expressiva impor-
informal, onde houver tância na Rede de Cidades Brasileiras e nas
 A clara identificação das fontes de financia- quais se identifica, sobretudo, a necessidade
mento, contrapartidas e custeio de corredores integrados de transporte, de
 Que o empreendimento contribua para a média a alta capacidade, que dêem conta da
estruturação e desenvolvimento do espaço concentração da demanda.
urbano, perfeitamente coordenado com os Busca-se, na formulação de diretrizes para a
instrumentos urbanísticos disponíveis construção da Política Nacional de Mobilidade
 A acessibilidade para pessoas com restrição Urbana Sustentável, formas de racionalização,
de mobilidade e deficiência integração e complementaridade de ações
 A existência de Plano de Transporte ou entre os entes federados (municipal, estadual
Plano Diretor de Mobilidade, conforme o e federal), através do incentivo e fortalecimen-
porte da cidade to do planejamento e da gestão local da mo-
bilidade urbana, reconhecendo a importância
de uma gestão democrática e participativa
Redes integradas nas regiões
que garanta maior nível de integração e com-
metropolitanas
promisso entre as políticas de mobilidade,
As regiões metropolitanas são as que mais habitação e uso do solo.
padecem com as conseqüências do cresci- Entre os objetivos principais da SeMOB está
mento acelerado e desordenado. Constitui-se o fomento à execução de um plano de trans-
um desafio prover transporte de qualidade portes das regiões metropolitanas para integrar
aos seus habitantes e fazer com que um con- os sistemas municipais e os sistemas metropoli-
tingente de milhões de pessoas tenha acesso tanos, integrar os diversos modos de transpor-
diariamente às atividades urbanas de trabalho, tes existentes, sempre priorizando os transpor-
estudo, etc. tes coletivos e os não-motorizados, buscando a
Face à necessidade de enfrentar a pobre- inclusão destes à rede e focalizando as popula-
za e a exclusão concentradas nas Regiões ções mais carentes, hoje excluídas dos serviços
Metropolitanas, estão sendo priorizadas pela básicos e das oportunidades nas cidades.

62
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
Planos diretores e mobilidade urbana o que deve ser considerado na formulação
dessa legislação, estabelecendo diretrizes para
O Estatuto da Cidade, em seus diversos arti-
a expansão/adequação do sistema viário e do
gos, reforça o serviço de transportes urbanos
sistema de transporte público. Além disso, o
como serviço público e a competência da
conceito de mobilidade urbana sustentável é
União no estabelecimento de diretrizes para
aplicável à diversidade dos municípios brasi-
seu desenvolvimento e torna obrigatória a
leiros, independentemente do porte da cida-
existência de um plano de transporte urbano
de, pois seus valores são universais.
integrado para as cidades com mais de 500
mil habitantes ou situadas nas regiões me-
PRINCIPAIS DIRETRIZES
tropolitanas. Os instrumentos urbanísticos
nele propugnados propiciam um maior con- Evitar a necessidade de viagens
trole sobre a expansão urbana pautada pelo motorizadas
mercado imobiliário e a regularização dos
Em relação ao planejamento urbano, uma
assentamentos urbanos, indicando um maior
cidade pode ser considerada organizada, efi-
aproveitamento da infra-estrutura existente.
ciente e preparada para atender aos cidadãos
Somados aos mecanismos de participação
quando as pessoas conseguem morar perto
da sociedade através dos orçamentos partici-
de seu local de trabalho e acessar os serviços
pativos e estudos de impacto de vizinhança,
essenciais sem a necessidade de deslocamen-
abrem possibilidades para as soluções ne-
tos motorizados, realizando pequenas viagens
cessárias de uso mais adequado do espaço
a pé, de bicicleta, ou acessá-los através dos
urbano, com grande repercussão nos sistemas
modos coletivos de transporte. A formação
de transportes.
e consolidação de sub-centros urbanos, ou a
Por outro lado, os Planos Diretores tradi- multicentralidade, resulta na diminuição de
cionalmente estabelecem diretrizes para a viagens. Logicamente não se pode reconstruir
expansão/adequação do sistema viário e para uma cidade, mas quando se posiciona melhor
o sistema de transporte público, consideran- os equipamentos sociais, se realiza a informa-
do apenas o deslocamento dos veículos e tização e descentralização dos serviços públi-
não das pessoas. A idéia é de se trabalhar a cos e ocupam-se os vazios urbanos modifica-
mobilidade das pessoas, em substituição ao se de forma concreta os fatores geradores de
enfoque de se planejar apenas o transporte viagens. Trata-se portanto de procurar não
e o trânsito. Incorporar a mobilidade urbana gerar necessidade de deslocamento motoriza-
no Plano Diretor é priorizar, no conjunto de do para a população.
políticas de transporte e circulação, a mobili-
dade das pessoas e não dos veículos, o acesso Repensar o desenho urbano
amplo e democrático ao espaço urbano e os Este princípio tem como conseqüência um
meios não-motorizados de transporte. novo desenho urbano e uma outra forma de
É importante ressaltar que a necessidade planejamento das vias para dar suporte à mo-
de deslocamento é conseqüência da distri- bilidade urbana sustentável. Nos novos lote-
buição e densidade de ocupação das diversas amentos, onde normalmente o sistema viário
atividades pela malha urbana e que, por outro é planejado em forma de tabuleiro, pode ser
lado, o sistema viário e de transporte é um utilizado o desenho de vilas ou a ausência de
forte indutor do uso e da ocupação do solo, cruzamentos, que preservam os moradores

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 63


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA do tráfego de veículos, forma comum de se alteração do desenho das vias para a redução
pensar os condomínios fechados. A interli- da velocidade dos veículos.
gação de vias na expansão do sistema viário
pode ser substituída pela sua descontinuida- Desenvolver os meios não-motorizados
de, através de ruas sem saída destinadas so- de transporte
mente ao acesso local dos moradores. Outra A inclusão da bicicleta nos deslocamentos
possibilidade é a adoção de desenho sinuoso, urbanos deve ser abordada como maneira de
para propiciar a redução de velocidade dos diminuir o custo da mobilidade das pessoas,
veículos nas áreas residenciais, priorizando a superando uma visão predominante de uso
segurança dos pedestres. para o lazer. Sua integração aos modos cole-
tivos de transporte é possível, principalmente
Repensar a circulação de veículos nos sistemas de grande capacidade, mas deve
Muitos profissionais de trânsito imaginam que ser considerada como parte do novo desenho
atuando para melhorar a fluidez dos veículos urbano para dar suporte à Mobilidade Urbana
estarão atuando na melhoria da condição de Sustentável, incorporando-se à construção de
locomoção de todos, mas na realidade sua ciclovias e ciclofaixas nas diretrizes de expan-
ação reforça o atual modelo de mobilidade. são urbana.
Esta situação, de tão calamitosa, já foi definida
como “apartheid motorizado”, onde o pedes- Reconhecer a importância do
tre é desconsiderado pelos técnicos que ten- deslocamento dos pedestres
tam organizar o trânsito nas cidades, baseados O deslocamento a pé, para superar pequenas
na necessidade dos veículos. Não se propõe distâncias até os locais onde estão disponíveis
aqui a eliminação das viagens motorizadas ou serviços os públicos essenciais ou comerciais
dos automóveis, mas que sua existência não deve ser valorizado. Este modo de transporte
seja o motivo para organizar-se a cidade, par- é favorecido através da melhoria da qualidade
tindo-se da premissa que todos os cidadãos das calçadas, do paisagismo, da iluminação e
terão condições financeiras de adquirir um sinalização. Deve-se incorporar o espaço da
veículo. A cidade deve ser pensada levando- calçada como via pública de fato, com trata-
se em consideração a maioria da população mento específico. Garantir a descentralização,
que depende dos meios não-motorizados de a multiplicidade e a melhor distribuição das
transporte ou do transporte coletivo. O atual atividades econômicas no espaço urbano e
modelo de prioridade na circulação que faz desestimular o zoneamento de especialização,
com que os custos sociais gerados pelo trans- reduzindo as necessidades de deslocamentos,
porte individual (poluição, congestionamentos principalmente motorizados, para acessar a
e acidentes) sejam injustamente distribuídos, infra-estrutura urbana e seus serviços.
prejudicando a maioria da população, que
não possui automóvel. A restrição do uso do Proporcionar a mobilidade às pessoas
automóvel está relacionada à diminuição do com deficiência e restrição de mobilidade
tráfego de passagem nas áreas estritamente Historicamente, o acesso das pessoas com
residenciais, permitindo o acesso somente a deficiência aos sistemas de transportes foi
moradores, e à adoção de ações que priori- entendido como sua adaptação e teve como
zem ou tornem mais segura a circulação de imagem o acesso do usuário de cadeiras de
pedestres, como a ampliação de calçadas e rodas, através de elevadores, aos diversos ti-

64
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
pos de veículos utilizados no Brasil. Esta visão conseqüente desregulamentação do setor.
impediu uma abordagem mais adequada do Os municípios podem estruturar a gestão
problema, desconsiderando-se, nesta solu- local para a regularização dos contratos das
ção, todos os tipos de deficiência existentes. empresas operadoras de transporte público
Trata-se de discutir a mobilidade das pessoas e a municipalização do trânsito, conforme
com deficiência pela cidade, através dos vá- estabelecido no Código de Trânsito Brasilei-
rios modos possíveis de transporte e as ade- ro. Outra ação é o aperfeiçoamento, criação
quações nos espaços públicos para garantir e regulamentação de mecanismos de gestão
a circulação também dos idosos, gestantes e compartilhada entre municípios, possibili-
crianças. tando a ampliação do planejamento urbano
para as regiões metropolitanas, aglomera-
Priorizar efetivamente o transporte ções, áreas conurbadas e micro-regiões. As
coletivo ações de gestão podem estabelecer me-
A priorização ao transporte coletivo, seu me- canismos de controle e participação da so-
lhor planejamento e a racionalização do uso ciedade, tanto na formulação da política de
do automóvel estão intimamente ligados para mobilidade quanto na sua implementação.
a diminuição dos efeitos nocivos do trânsito. É possível desenvolver ações visando ganhos
Poucos são os investimentos públicos destina- de eficiência do transporte coletivo, a redu-
dos à infra-estrutura dos serviços, ao contrário ção do custo operacional, o barateamento
dos projetos de expansão do sistema viário, das tarifas para o usuário e a criação de no-
que é rapidamente apropriado pelos automó- vas formas de financiamento para o setor,
veis. A priorização de operação do transporte como os recursos obtidos no estacionamen-
coletivo pode ser garantida através da cons- to rotativo (área azul).
trução de corredores exclusivos, faixas exclu- Principais desafios no uso e ocupação do
sivas com segregação espacial ou através de solo:
controles eletrônicos de tráfego, controles se-  Consolidar e regularizar os centros, áreas já

mafóricos, dentre outras medidas. Ao priorizar ocupadas e as parcelas informais da cida-


a circulação do transporte coletivo nas vias, o de, promovendo maior aproveitamento da
governo municipal faz com que mais pessoas infra-estrutura existente
possam utilizar a rua, que é um bem público.  Controlar a implantação de novos empre-

endimentos públicos e privados, condicio-


Considerar o transporte hidroviário nando-os a internalizar e minimizar os im-
Em muitas cidades é possível pensar a incor- pactos sobre o ambiente urbano, trânsito e
poração do modo hidroviário como um com- transporte
ponente da mobilidade integrado aos outros  Garantir o uso público do espaço público,

meios de transporte. priorizando o pedestre, solucionando ou


minimizando conflitos existentes entre
Estruturar a gestão local a circulação a pé e trânsito de veículos
Os governos municipais devem firmar o e oferecendo qualidade na orientação,
transporte coletivo como serviço público sinalização e no tratamento urbanístico
essencial, além de reafirmar seu papel como de áreas preferenciais para o seu desloca-
regulador da prestação dos serviços, comba- mento
tendo toda forma de transporte informal e a  Implantar obras e adequações viárias para

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 65


CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA SEGUNDO O ARTIGO 21, INCISO XX, DA
priorização também dos demais modos de
transporte não-motorizados CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMPETE À UNIÃO
 Priorizar os investimentos e o uso do Sis- INSTITUIR DIRETRIZES PARA O DESENVOLVIMENTO
tema Viário para o pedestre e os meios de URBANO, INCLUSIVE TRANSPORTES URBANOS.
Transporte Coletivo, principalmente nas ASSIM, É FUNDAMENTAL A FORMULAÇÃO E
situações de conflito com o Transporte In- APROVAÇÃO DE UMA LEI DE DIRETRIZES, NÃO
dividual e de Carga APENAS PARA OS SERVIÇOS PÚBLICOS DE
TRANSPORTE COLETIVO, MAS PARA A MOBILIDADE
A consolidação de sistemas de transpor-
URBANA. UMA LEI QUE RESPEITE OS LIMITES DAS
tes inclusivos, de qualidade e sustentáveis
COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DE CADA ESFERA
do ponto de vista econômico e ambiental,
DE GOVERNO E ESTEJA EM PERFEITA CONSONÂNCIA
passa necessariamente pelo planejamento
COM TODOS OS INSTRUMENTOS LEGAIS DESTINADOS
urbano e regional integrado, pela prioriza-
A REGULAMENTAR AS CONCESSÕES E CONTRATAÇÕES
ção do transporte coletivo, do pedestre e
dos modos não-motorizados; pela restrição PÚBLICAS, RELAÇÕES TRABALHISTAS, CÓDIGOS DE

ao uso do automóvel e pela participação e DEFESA DO CONSUMIDOR, DO USO E OCUPAÇÃO DO

conscientização da sociedade. A priorida- SOLO, ENTRE OUTROS

de para o transporte público e os modos


não-motorizados deve ser encarada como para o desenvolvimento urbano, inclusive trans-
elemento fundamental de inclusão social, portes urbanos. Assim, é fundamental a formu-
preservação ambiental, desenvolvimento lação e aprovação de uma lei de diretrizes, não
econômico e geração de emprego e renda. apenas para os serviços públicos de transporte
O direito à cidade inclui necessariamente a coletivo, mas para a mobilidade urbana. Uma
acessibilidade aos serviços públicos, traba- lei que respeite os limites das competências
lho, educação e lazer, sem a qual não é pos- constitucionais de cada esfera de governo e
sível se falar em cidadania e saúde.18 esteja em perfeita consonância com todos os
instrumentos legais destinados a regulamentar
as concessões e contratações públicas, relações
O desafio da lei de diretrizes para
trabalhistas, códigos de defesa do consumidor,
os transportes urbanos
do uso e ocupação do solo, entre outros.
A evolução do conceito de mobilidade urbana Assim, a SeMOB entende que tem como
traz consigo a necessidade de uma revisão da desafios, a formulação de diretrizes para os
regulamentação que abranja o tema, refletin- transportes urbanos, o resgate do papel da
do os novos princípios de integração de polí- União para com o setor, a integração das po-
ticas, de modos e sistemas, da eficiência e efi- líticas de transporte com o desenvolvimento
cácia na prestação dos serviços de transportes urbano e socioeconômico, a definição de
e da ênfase no atendimento das necessidades obrigações institucionais, a modernização re-
e demandas dos cidadãos. gulatória dos serviços de transporte coletivo,
Segundo o artigo 21, inciso XX, da Constitui- a valorização dos meios de transportes não-
ção Federal, compete à União instituir diretrizes motorizados, a consolidação do conceito de
mobilidade sustentável, o estabelecimento de
18MCidades/SNPU – Plano Diretor Participativo, mecanismos alternativos e fontes estáveis de
junho de 2004. financiamento, o desenvolvimento da gestão

66
CADERNOS MCIDADES MOBILIDADE URBANA
dos sistemas de mobilidade, inclusive no âm- tar o atual estágio de evolução conceitual
bito metropolitano, a defesa do interesse dos acerca da mobilidade urbana e apresentar
usuários e a promoção da universalização do os principais eixos, objetivos e estratégia da
acesso, da participação e do controle social implementação de uma política nacional em
dos serviços públicos de transportes. bases sustentáveis.
Os projetos e programas apresentados
compreendem um esforço de sistematização
CONSIDERAÇÕES FINAIS
das propostas e ações em curso da SeMOB.
Este caderno representa mais uma etapa da Não conformam, ainda, um documento finali-
construção da Política Nacional de Mobilidade zado da política, apesar de muitas das ações e
Urbana Sustentável e da consolidação de um projetos já estarem em curso e apresentarem
novo paradigma, que ultrapassa a visão seto- resultados concretos. Tal documento de políti-
rial tem marcado as políticas de transportes ca, espera-se, deve ser consolidado através do
urbanos, em busca de compreender a mobili- processo participativo e em concertação com
dade urbana de maneira sistêmica e integrada os agentes e atores da mobilidade urbana.
com as demais políticas participativas de A política deverá contemplar os programas
desenvolvimento urbano e sócio-econômico, e ações de modo completo, com orçamento,
tendo como finalidade a produção de cidades fonte de financiamento, metas e objetivos a
mais justas e humanas, lugar da promoção e serem alcançados, como também um siste-
expansão da cidadania, através do acesso uni- ma de avaliação dos programas e das ações
versal ao espaço urbano e às oportunidades empreendidas, com vistas a aferir o alcance
que as cidades oferecem. dos impactos almejados de transformação
A presente publicação deve ser encarada da realidade
como documento para discussão com os social e econômica, com critérios de eficiên-
agentes e atores, com o objetivo de apresen- cia, eficácia e efetividade.

Política nacional de mobilidade urbana sustentável 67


Coordenação geral dos Cadernos MCidades

ERMÍNIA MARICATO EUNICE ROSSI


Ministra Adjunta e Secretária-Executiva Gerente de Inclusão Social

KELSON VIEIRA SENRA


RENATO BOARETO
Diretor de Desenvolvimento Institucional
Diretor de Mobilidade Urbana
FABRÍCIO LEAL DE OLIVEIRA
Gerente de Capacitação ROBERTO MOREIRA
Gerente de Financiamento e Infra-estrutura
ROBERTO SAMPAIO PEDREIRA
Assessor Técnico GILSON DA SILVA
Gerente de Desenvolvimento tecnológico

AUGUSTO VALERI
Equipe técnica Gerente de Integração das Políticas de Mobilidade

JOSÉ CARLOS XAVIER


Secretário de Transporte e Mobilidade Urbana Consultor (edição e consolidação de texto)
RENATO BALBIM
CARLOS MORALES
Assessor de Planejamento Colaboração técnica
LUIZA VIANNA (Dimob/SeMOB)
JAQUELINE FILGUEIRAS
Assessora de Gabinete

JOÃO ALVES DE SOUZA


Assessor de Assuntos Institucionais

ALEXANDRE DE ÁVILA GOMIDE


Diretor de Regulação e Gestão

LIA BERGMAN
Gerente de Regulação

MÁRCIA MACÊDO
Gerente de Desenvolvimento da Gestão

MARIA DE LA SOLEDAD BAJO CASTRILLO


Gerente de Projetos

LUIZ CARLOS BERTOTTO


Diretor de Cidadania e Inclusão Social

LÚCIA MALNATI
Gerente de Projeto
Ministério Ministro de Estado
OLÍVIO DE OLIVEIRA DUTRA
das Cidades cidades@cidades.gov.br

Chefe de Gabinete
DIRCEU SILVA LOPES
cidades@cidades.gov.br

Consultora Jurídica
EULÁLIA MARIA DE CARVALHO GUIMARÃES
conjur@cidades.gov.br

Assessor de Comunicação
ÊNIO TANIGUTI
enio.taniguti@cidades.gov.br

Assessora Especial de Relações com a Comunidade


IRIA CHARÃO RODRIGUES
iriaacr@cidades.gov.br

Assessor Parlamentar
SÍLVIO ARTUR PEREIRA
aspar@cidades.gov.br

Conselho das Cidades


Coordenadora da Secretaria Executiva do ConCidades
IRIA CHARÃO RODRIGUES
conselho@cidades.gov.br

Ministra Adjunta e Secretária-Executiva


ERMÍNIA MARICATO
erminiatmm@cidades.gov.br

Subsecretário de Planejamento, Orçamento


e Administração
LAERTE DORNELES MELIGA
laerte.meliga@cidades.gov.br

Diretor de Desenvolvimento Institucional


KELSON VIEIRA SENRA
kelson.senra@cidades.gov.br

Diretor de Integração, Ampliação e Controle Técnico


HELENO FRANCO MESQUITA
helenofm@cidades.gov.br

Assessoria de Relações Internacionais


ANA BENEVIDES
abenevides@cidades.gov.br
Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) Departamento de Articulação Institucional
Diretor SERGIO ANTONIO GONÇALVES
AILTON BRASILIENSE PIRES sergioag@cidades.gov.br
denatran@mj.gov.br
Secretário Nacional de Transporte e da Mobilidade
Secretário Nacional de Habitação Urbana
JORGE HEREDA JOSÉ CARLOS XAVIER
snh@cidades.gov.br josecx@cidades.gov.br

Departamento de Desenvolvimento Institucional Departamento de Cidadania e Inclusão Social


e Cooperação Técnica LUIZ CARLOS BERTOTTO
LAILA NAZEM MOURAD luiz.bertotto@cidades.gov.br
laila.mourad@cidades.gov.br
Departamento de Mobilidade Urbana
Departamento de Produção Habitacional RENATO BOARETO
EMILIA CORREIA LIMA renato.boareto@cidades.gov.br
emilia.lima@cidades.gov.br
Departamento de Regulação e Gestão
Departamento de Urbanização e Assentamentos ALEXANDRE DE AVILA GOMIDE
Precários alexandre.gomide@cidades.gov.br
INÊS DA SILVA MAGALHÃES
imagalhaes@cidades.gov.br Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU )
Diretor-presidente
Secretária Nacional de Programas Urbanos JOÃO LUIZ DA SILVA DIAS
RAQUEL ROLNIK dir.p@cbtu.gov.br
programasurbanos@cidades.gov.br
Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A.
Departamento de Planejamento Urbano (Trensurb)
BENNY SCHASBERG Diretor-presidente
planodiretor@cidades.gov.br MARCO ARILDO PRATES DA CUNHA
trensurb@trensurb.com.br
Departamento de Apoio à Gestão Municipal Territorial
OTILIE PINHEIRO
olitiemp@cidades.gov.br

Departamento de Assuntos Fundiários Urbanos


SÉRGIO ANDRÉA
regularizacao@cidades.gov.br

Secretário Nacional de Saneamento Ambiental


ABELARDO DE OLIVEIRA FILHO
sanearbrasil@cidades.gov.br

Departamento de Água e Esgotos


CLOVIS FRANCISCO DO NASCIMENTO FILHO
clovisfn@cidades.gov.br

Departamento de Desenvolvimento e Cooperação


Técnica
MARCOS MONTENEGRO
marcos.montenegro@cidades.gov.br
EDIÇÃO E PRODUÇÃO
Espalhafato Comunicação

PROJETO GRÁFICO
Anita Slade
Sonia Goulart

FOTOS
Arquivo MCidades

DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL


Sonia Goulart

REVISÃO
Carla Lapenda

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