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(1689-1701)
Neste artigo pretendemos realizar uma primeira análise dos escravos indígenas
que chegavam à cidade de São Luís. Mais especificamente os escravos que foram
repartidos pela câmara municipal entre os membros das elites locais. Analisando os
livros da câmara de São Luís depositados no Arquivo Público do Estado do Maranhão
(APEM), especialmente o “Livro de Registros Gerais 1689-1746” podemos ter uma
ideia da quantidade de escravos indígenas que desembarcavam na urbe. Agora, como
estes escravos chegaram a São Luís? Quantos eram? Quem os comprava? De onde
vinham? Estas são algumas das questões que tentaremos responder neste trabalho. Mas,
primeiro, faremos um breve panorama da conjuntura vivida na colônia.
Em janeiro de 1697, d. Pedro II, escreveu uma carta na qual agradecia o zelo
mostrado pelo governador do Maranhão, António de Albuquerque Coelho de Carvalho,
na descoberta do caminho terrestre que ligava o Estado do Maranhão ao Estado do
Brasil. Além disso, o agradecimento foi acompanhado de um pedido para que o
governador não esmorecesse no seu serviço, pois a consolidação da estrada beneficiaria
os moradores das duas “conquistas”, tanto na comunicação quanto no comércio (IHGB,
Arq. 1.2.24. 1697, 01, 09)
“mande as tropas do rio de São Francisco para esse Estado para se atachar o dano que
padecem seus moradores nas invasões do gentio com declaração que sobre os
prisioneiros ou cativos de guerra que se fizer se guardará inviolavelmente a disposição
das minhas leis, de que vos avise para terdes entendido a resolução que fui servido
tomar neste particular.” (IHGB, Arq. 1.2.24, 1695, 01, 17)
A possibilidade aberta de escravização dos índios era vista como grande atrativo
e solução para os problemas vividos pelos moradores de São Luís. O discurso da elite
sobre sua “miséria” baseava-se nos seguintes pontos: a carência crônica de
trabalhadores justificava-se pelas constantes epidemias de varíola, que, de fato,
arrasavam a população indígena, mas, além disso, ainda existiam os índios inimigos,
responsáveis por constantes ataques aos estabelecimentos coloniais, principalmente na
região dos rios Mearim e Itapecuru, onde as boas terras atraíam os moradores de São
Luís. Como resultado deste cenário caótico, os moradores alegavam um estado de
profunda pobreza, situação que inviabilizava a compra de escravos africanos, afinal, os
pretos chegavam caríssimos na praça de São Luís.
digo de que tem tomado posse com geral aplauso e aceitação de todos os vassalos de
Vossa Majestade moradores neste seu Estado, por havermos concebido de sua
prudência, zelo, e outras boas partes grandes esperanças assim nas conveniências do real
serviço de Vossa Majestade como na aplicação ao remédio de nossas misérias, já quase
insuportáveis que por bem lhe constarem e donde procedem e como podem melhor só
levar-se lhe será menos dificultoso remediá-las, havendo criado-se entre nos e vivido
muitos anos sendo a causa principal deste nosso conceito a grande piedade que
reconhecemos assiste na lembrança de Vossa Majestade para conosco da qual e de sua
grandeza procederá toda nossa melhora... (APEM. Livro de Copiador de Carta
(1689-1720). 1690, julho, 28.)
“As concepções de ‘bem comum’ assim como de ‘bom governo’ nos textos dos
camararistas encontravam-se relacionadas ao exercício da governança municipal, ao
aumento da conquista e à ideia de coletividade. Ambas as noções aparecem sujeitas à
manutenção da paz e da justiça. Estas, para os camaristas de São Luís, objetivamente
traduziam-se na sujeição dos nativos e na livre utilização do cativeiro como forma de
garantir o ‘aumento’ da conquista.” (CORRÊA, 2012, p. 31)
Está bem longe das nossas pretensões darmos respostas definitivas aqui neste
texto. Todavia, sentimos um desconforto com os historiadores que tendem a relegar a
um segundo plano a história do Maranhão no período anterior a Companhia do Grão-
Pará e Maranhão (1755). Nada dava certo na região: a economia era pobre, a coroa
portuguesa não estava nem ai, os índios eram frágeis e sujeitos a toda sorte de doenças,
a população era rala, as cidades acanhadas. Rafael Chambouleyron tem chamado a
atenção para as iniciativas da coroa lusitana no sentido de desenvolver a economia do
Estado do Maranhão, principalmente durante o reinado de d. Pedro II. Em primeiro
lugar estariam as tentativas de enviar escravos africanos, depois teríamos o incentivo a
produção de cacau e anil, as doações de sesmarias, entre outras. Também podemos
encarar a sistematização da escravidão indígena da mesma forma.
Todos esses escravos que foram repartidos pela câmara municipal de São Luís
pagavam os devidos tributos para a coroa portuguesa. Se somarmos os direitos pagos
pelos moradores entre 1689 e 1694, chegamos ao valor nada desprezível de 1,138,400
cruzados. No final do governo de Artur de Sá e Meneses, antecessor de António de
Albuquerque, uma guerra “justa” foi feita contra os índios amanejús e os direitos
arrecadados sobre os escravos pela fazenda real seriam utilizados na manutenção das
fortalezas. Ou seja, longe de contrariar os princípios da colonização, a escravidão
indígena funcionou como um verdadeiro motor dela.
Bibliografia:
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Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
- ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura
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- CHAMBOULEYRON, Rafael. Portuguese colonization of the Amazon region, 1640-
1706. University of Cambridge, PhD thesis, 2005.
- CORRÊA,Helidacy Maria Muniz. “Para aumento da conquista e bom governo dos
moradores’: a Câmara de São Luís e a política da monarquia pluricontinental no
Maranhão”. In:FRAGOSO, João e SAMPAIO, António Carlos Jucá de. Monarquia
pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso: séculos XVI-XVIII.
Rio de Janeiro: Mauad, 2012.
- WALTHORNE, Walter. From Africa to Brazil: culture, identity, and na Atlantic Slave
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- PERRONE-MOISÉS, Beatriz. “Índios livres e índios escravos: os princípios da
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- PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão
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