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Decifrando

Nietsche
e
Maquiavel

João Alberto Padoveze

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NICOLÓ MACHIAVELLI
“O Príncipe”

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O homem

Nicolau Maquiavel, em italiano Niccolò


Machiavelli, (Florença, 3 de Maio de 1469 — Florença,
21 de Junho de 1527) foi um historiador, poeta,
diplomata e músico italiano do Renascimento. É
reconhecido como fundador do pensamento e da ciência
política moderna, pela simples manobra de escrever
sobre o Estado e o governo como realmente são e não
como deveriam ser. Os recentes estudos do autor e de
sua obra admitem que seu pensamento foi mal
interpretado historicamente. Desde as primeiras críticas,
feitas postumamente por um cardeal inglês, as opiniões,
muitas vezes contraditórias, acumularam-se, de forma
que o adjetivo maquiavélico, criado a partir de seu
nome, significa esperteza, astúcia.

Niccolò di Bernardo dei Machiavelli viveu a


juventude sob o esplendor político de Florença durante o
governo de Lourenço de Médici e entrou para a política
aos 29 anos de idade no cargo de Secretário da
Segunda Chancelaria. Nesse cargo, Maquiavel
observou o comportamento de grandes nomes da época
e a partir dessa experiência retirou alguns postulados
para sua obra. Depois de servir em Florença durante
catorze anos foi afastado e escreveu suas principais
obras. Conseguiu também algumas missões de
pequena importância, mas jamais voltou ao seu antigo
posto como desejava.

Como renascentista, Maquiavel se utiliza de


autores e conceitos da Antiguidade Clássica de maneira

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nova. Um dos principais autores foi Tito Lívio, além de
outros lidos através de traduções latinas, e entre os
conceitos apropriados por ele, encontram-se o de virtù e
o de fortuna. 1

A época

No século XII, cidades-estados no norte e centro


da Itália apresentavam grande desenvolvimento
econômico e cultural, ao passo que o sul continuava a
ser dominado pelos normandos e a partir de 1176 pelos
aragoneses.

A partir do século XIII, o poder, nas cidades,


passou às mãos de potentados. Enquanto na Itália do
Norte dominavam quatro grandes cidades (Florença,
Gênova, Veneza, Milão), a Itália Central estava dividida
pelo grande cisma, e a Itália do Sul, pelas lutas entre os
angevinos e os aragoneses (séculos XIV-XV). San
Marino é um remanescente dessas cidades-estados do
norte.

No século XIV, a Península Itálica foi campo de


batalha para os franceses, os aragoneses e os suíços.
No final do século XV, a Itália foi invadida pela França e,
mais tarde, pelo imperador Carlos V, que subjugou a
maior parte do território em 1550. A França, pelo
Tratado de Cateau-Cambrésis, renunciou às suas
pretensões à parte transalpina (1559), e os aragoneses,

1
Extraído do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolau_Maquiavel

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herdeiros de Carlos V na Itália, dominaram a península
durante dois séculos.

Apesar disso, o século XIV foi uma época de


grande desenvolvimento em função da atividade
comercial das quatro repúblicas marítimas, Veneza,
Génova, Pisa e Amalfi, e da atividade financeira dos
banqueiros de Florença. O desenvolvimento econômico
e a riqueza da Itália permitiram um grande
desenvolvimento cultural e artístico, conhecido como
Renascimento, que se irradiou pela Europa. 2

Durante o Renascimento, as cinco principais


potências na península Itálica eram: o Ducado de Milão,
a República de Veneza, a República de Florença, o
Reino de Nápoles e os Estados Pontifícios. A maior
parte dos Estados da península era ilegítima, tomados
por mercenários chamados condotiere.

Eram incapazes de se aliar durante muito tempo


estando entregues à intriga diplomática e às disputas, e,
por suas riquezas, eram atrativos para as demais
potências européias do período, principalmente
Espanha e França. A política italiana era, portanto, muito
complexa e os interesses políticos estavam sempre
divididos. Batalhando entre si, ficavam a mercê das
ambições estrangeiras, mas a influência de alguém
como Lourenço de Médici havia impedido uma invasão.
Com a morte deste em 1492, e a inaptidão política de

2
Extraído do site
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_It%C3%A1lia

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seu filho, a Itália foi invadida por Carlos VIII, causando a
expulsão dos Médici de Florença.

Esta era em si palco do conflito entre duas


tendências: a da exaltação pagã do indivíduo, da vida e
da glória histórica, representada por Lourenço de Médici
e seu irmão Juliano de Médici; e a da contemplação
cristã do mundo, voltada para o além, que se formava
como resposta ao ressurgimento da primeira nos mais
variados aspectos da vida como a arte e até na Igreja,
representada por religiosos como Girolamo Savonarola.

Anunciando a chegada de Carlos VIII como a de


um salvador, contrário aos Médici e com grande apoio
popular, o pregador Girolamo Savonarola tornou-se a
figura mais importante da cidade dando ao governo um
viés teocrático-democrático. Com sua crescente
autoridade e influência Savonarola passou a criticar os
padres de Roma como corruptos e o Papa Alexandre VI
por seu nepotismo e imoralidade. O Papa excomungou
o frei, mas a excomunhão foi declarada inválida por ele.
No entanto, Savonarola acabou preso e executado pelo
governo provisório em 23 de maio de 1498. Com a
demissão de seus simpatizantes era nomeado para o
cargo de secretário da Segunda Chancelaria de
Florença, cinco dias depois da morte do frei, Maquiavel,
com 29 anos. 3

3
Extraído do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolau_Maquiavel

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A Obra

O Príncipe é provavelmente o livro mais


conhecido de Maquiavel e foi completamente escrito em
1513, apesar de publicado postumamente, em 1532.
Teve origem com a união de Juliano de Médici e do
Papa Leão X, com a qual Maquiavel viu a possibilidade
de um príncipe finalmente unificar a Itália e defendê-la
contra os estrangeiros, apesar de dedicar a obra a
Lourenço de Médici II, mais jovem, de forma a estimulá-
lo a realizar esta empreitada. Outra versão sobre a
origem do livro, diz que ele o teria escrito em uma
tentativa de obter favores dos Médici, contudo ambas as
versões não são excludentes.

Está dividido em 26 capítulos. No início ele


apresenta os tipos de principado existentes e expõe as
características de cada um deles. A partir daí, defende a
necessidade do príncipe de basear suas forças em
exércitos próprios, não em mercenários e, após tratar do
governo propriamente dito e dos motivos por trás da
fraqueza dos Estados italianos, conclui a obra fazendo
uma exortação a que um novo príncipe conquiste e
liberte a Itália. Em uma carta ao amigo Francesco
Vettori, datada de 10 de dezembro de 1513, Maquiavel
comenta sobre o escrito:

E como Dante diz que não se faz ciência sem


registrar o que se aprende, eu tenho anotado tudo
nas conversas que me parece essencial, e

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compus um pequeno livro chamado De
principatibus, onde investigo profundamente o
quanto posso cogitar desse assunto, debatendo o
que é um principado, que tipos de principado
existem, como são conquistados, mantidos, e
como se perdem.

— Carta de Nicolau Maquiavel a Francisco Vettori


de 10 de Dezembro de 1513

As intenções de Maquiavel

Discute-se muito as intenções de Maquiavel


sobre o objetivo de sua obra. À primeira vista, de acordo
com sua carta de exortação, seu maior desejo é a
unificação da Itália e expulsão de seus invasores, a
quem ele chama de bárbaros.

“observei nos duelos e nos combates individuais


o quanto os italianos são superiores na força, na
destreza ou no engenho. Mas, quando se passa
para os exércitos, não comparecem. E tudo
resulta da fraqueza dos chefes, porque aqueles
que sabem não são obedecidos, e todos julgam
saber, não tendo surgido até agora alguém que
tenha sabido se sobressair pela virtude ou pela
fortuna de forma a que os outros cedam
(exortação)”.

Outros acreditam que ele compôs o livro apenas


para tomar as graças de do poder vigente, visto que foi
demitido em 1512, acusado de política contra os Médici

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e colaborador do governo anterior. Em 1513 foi preso
acusado de ser republicano e torturado. Solto depois de
22 dias, retirou-se para sua propriedade de Sant´Andrea
in Percussina, onde morreu, sem ter retornado para
qualquer função política.

Foi acusado de ser conselheiro de tiranos e


herege, tantos pelos católicos como pelos protestantes.

Alguns o consideram como um nacionalista e


outros acreditam que sua obra era um disfarce de seus
ideais republicanos, com a qual visava alertar o povo
contra os governos autoritários.

Independente das suas intenções, sua obra é


bastante clara e seus escritos tem uma lógica quase
irrefutável. O uso da mesma serve para aqueles que
almejam o poder total e para aqueles que desejam lutar
contra os mesmos.

Divisão da obra

Podemos dividir a obra em quatro partes:

1) Descrição dos principados


2) Milícias e exércitos
3) Qualidades do príncipe
4) Exortação

Na primeira parte, Maquiavel descreve as formas


de principado, suas qualidades e defeitos. Ele divide do
seguinte modo:

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a) Hereditários
b) Mistos
c) Novos
d) Civil
e) Eclesiásticos

Dentro dessa classificação, ele transmite


informações sobre as formas de condução dos mesmos,
enumerando seus defeitos e qualidades.
Freqüentemente, ele recorre à história para mostrar ou
justificar seus textos. No capitulo IV, “Por que o reino de
Dario, ocupado por Alexandre, não se rebelou contra
seus sucessores após a morte dele”. Em outros
capítulos, como o V, ele cita regras para evitar revoltas
dentro de um principado tomado, que tinham suas
próprias leis.

Na parte das milícias e exércitos, ele explica


todas as suas formas existentes e aconselha sobre
como recorrer a elas ou mantê-las.

Nas qualidades do príncipe, Maquiavel, assim


como Nietzsche relativiza a moral dos dominantes. Para
ele, manter-se no poder implica em abandonar as
virtudes comuns dos homens e assumir outras que são
essenciais à liderança.

Na última parte, dirigida a Francesco Vettori, ele


faz uma exortação para que surja um príncipe
capacitado para unificar a Itália e expulsar seus
invasores.

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Os principados

Na visão de Maquiavel, os principados


hereditários seriam os mais fáceis de governar. Um
príncipe com qualidades medianas poderiam manter o
poder pelo fato de que o povo estaria acostumado ao
trato de seus ancestrais. Não necessitando tomar
medidas e não tendo vícios, o povo o amaria
naturalmente.

Nos principados mistos, que seriam os aqueles


conquistados e anexados a outro, a situação é mais
tensa, visto que o príncipe, para manter o poder, é
obrigado a tomar medidas que podem incitar a fúria do
povo contra ele. Para esses, a manutenção do poder
pelo príncipe deve ser feita através de duas medidas:

a) Extinção da estirpe do antigo príncipe


b) Não alterar as leis e os impostos do principado

Para os territórios conquistados, onde os


costumes e a língua são diferentes, ele sugere que o
príncipe deva habitá-lo, pois estará mais pronto para
possíveis sublevações e seus auxiliares não irão
saqueá-lo.

Outro artifício é a instalação de colônias nesses


principados. Seu custo seria menor que a manutenção
de exércitos no local e a ofensa seria apenas aos
poucos habitantes que teriam suas terras tomadas.

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O príncipe, nesses territórios, deve tornar-se
protetor dos fracos, sem conferir a eles nenhum poder, e
oprimir os poderosos, para retirar-lhes a força. Se um
príncipe estrangeiro invadisse a terra, não encontraria
ninguém com recursos suficientes para ser um bom
aliado.

O sistema feudal, onde os senhores das terras


serviam ao rei é pernicioso para o príncipe. Os barões e
outros nobres, além da terra, detêm a simpatia de povo
e são poderosos o suficiente para afrontar o rei, como
ocorria na Idade Média. O ideal seria que o príncipe
distribuísse o poder para servos, que alternar-se-iam no
poder. Esse sistema impediria que o povo a eles se
afeiçoasse e qualquer mudança não seria notada. O
poder emanaria diretamente do príncipe, que apenas o
delegaria (sistema absolutista).

Para os principados ocupados que viviam sob


suas próprias leis, existem três alternativas:

a) Arruiná-los
b) Habitá-los pessoalmente
c) Deixá-los viver com suas próprias leis

Os romanos mantiveram-se no poder durante


tanto tempo porque não provocavam grandes mudanças
nos usos e costumes locais, chegando até a adotá-los.
Deixando os povos conquistados com sua religião e leis,
bastava a eles que pagassem os tributos a Roma e não
ao seu antigo rei.

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Para as repúblicas, onde Maquiavel acredita que
exista um ódio maior aos invasores, ele não vê outra
solução exceto a de aniquilá-las.

Para os principados completamente novos, de


príncipe e de Estado, a conquista e a manutenção do
poder estão ligadas às virtudes do próprio príncipe. O
sucesso depende de contar com forças próprias e não
de outrem e de implantar uma nova ordem, visto que a
antiga ainda não está estabelecida.

Para o príncipe cujo poder foi dado ou dependa


de outros, a possibilidade de manter-se no poder é
bastante pequena porque não terá subsídios para
enfrentar qualquer situação adversa. Sua opção seria a
de dissolver as tropas que o colocaram lá e formar uma
própria.

Para os que ascendem ao trono através de um


crime, restam poucas alternativas, visto que dificilmente
terá o apoio do povo e terá contra si a inimizade dos que
eram adeptos do antigo príncipe. Resta a ele eliminar
todos os adversários de uma só vez e fazer o bem aos
poucos, para demonstrar que é passível de
humanidade.

O sistema do principado civil é parecido com a


república. Os meios para se chegar ao poder podem ser
através do povo ou da ajuda dos poderosos. Tendo o
apoio do povo fica mais fácil

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Para medir a forças de um principado, devemos
verificar se o príncipe tem força própria ou as empresta
de outrem. Nesse último caso, convém que o príncipe
fortifique sua cidade pois não poderá contar com ajuda
imediata em caso de invasão.

Quando aos principados eclesiásticos, a força da


religião lhes dá poder suficiente para se manterem.
Segundo Maquiavel, somente estes são seguros e
felizes.

As tropas podem ser mercenárias, próprias,


auxiliares ou mistas. As mercenárias e as auxiliares são
perigosas pois não tem vínculos com o príncipe exceto
pelo seu pagamento. As próprias são mais devotas e
confiáveis e as mistas o são porque as forças do
príncipe a obrigam a isso.

A negligência do príncipe para com seus


exércitos e pela arte militar é o que provoca sua queda
ou sua manutenção no poder. Os que atentam apenas
para as futilidades terminam por serem destronados.

As virtudes

A grande virtude do príncipe é ser prudente no


que concerne aos vícios, pois esses podem fazer com
que perca o poder.

A parcimônia deve ser usada no lugar da


liberalidade, pois aquela evita que seus gastos sejam
grandes e acarretem a necessidade de tributação

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exagerada do povo. A liberalidade deve ser usada
somente em tempo de guerra, quando os soldados
estão propensos à rapina e poderiam rebelar-se contra o
príncipe se este não concedesse-lhes despojos de
guerra.

A crueldade deve ser usada contra o indivíduo e


não contra a comunidade. Sendo poucos atingidos, não
existirá propensão à revoltas. O príncipe deve temer o
ódio dos cidadãos ou de seus pares.

Um príncipe prudente não deve guardar sua


palavra empenhada. Cada situação exige um
procedimento e a manutenção dessa pode prejudicá-lo.

Maquiavel conclui que um príncipe não precisa ter


todas as qualidades exigidas mas, precisa parecer tê-las
(nada mais atual!). Uma imagem forte de sua pessoa é o
reflexo de seu principado. Segundo as palavras do
próprio Maquiavel “Um príncipe, portanto, deve ter muito
cuidado em não deixar escapar de sua boca nada que
não seja repleto das cinco qualidades acima
mencionadas, para parecer, ao vê-lo e ouvi-lo, todo
piedade, todo fé, todo integridade, todo humanidade,
todo religião; e nada existe mais necessário de ser
aparentado do que esta última qualidade. É que os
homens em geral julgam mais pelos olhos do que pelas
mãos, porque a todos cabe ver mas poucos são
capazes de sentir”.

Um príncipe que deseja ser estimado deve dar


raros exemplos e fazer grandes empreendimentos. Essa

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grandeza é que o faze estimado pelo povo. Aqueles que
são irresolutos ou mantém-se neutros estão propensos
a serem odiados por todas as partes, pois não toma
partido de nenhum deles ou então deixará que eles
produzam os acontecimentos.

Os auxiliares do príncipe devem ser escolhidos


dentre aqueles que estejam mais interessados no
Estado do que em si próprios. O povo julga os príncipes
de acordo com aqueles que exercem o mando em nome
dele. Os aduladores, aqueles que expressam sua
opinião apenas para agradar ao príncipe, devem ser
evitados pois seus maus conselhos podem ocasionar a
ruína do mesmo.

A fortuna também faz parte do jogo do poder. O


príncipe sábio e prudente deve estar pronto para saber
aproveitar as melhores oportunidades, mesmo que à
primeira vista lhe pareçam adversas – “Disto depende,
ainda, a variação do conceito de bem, porque, se
alguém se orienta com prudência e paciência e os
tempos e as situações se apresentam de modo a que a
sua orientação seja boa, ele alcança a felicidade; mas,
se os tempos e as circunstâncias se modificam, ele se
arruína, visto não ter mudado seu modo de proceder.”

República

No livro “O Príncipe” existem poucas referências


às repúblicas, visto que o próprio Maquiavel promete
tratar desse assunto em outra ocasião. No entanto,
existe nas frases abaixo certo sentimento favorável a

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esse tipo de governo, embora ele dê ao príncipe
fórmulas para tomá-las e manter-se no poder.

“Contudo, nas repúblicas há mais vida, mais ódio,


mais desejo de vingança; não deixam nem podem
deixar esmaecer a lembrança da antiga liberdade:
assim, o caminho mais seguro é destruí-las ou
habitá-las pessoalmente. (cap. V)”

“Ainda, uma República armada de tropas próprias


se submete ao domínio de um seu cidadão com
muito maior dificuldade do que aquela que esteja
protegida por tropas mercenárias ou auxiliares.
(cap. XII)”

No Capitulo IX, ele declara que o povo não quer


ser mandado e nem oprimido pelos poderosos e esses
desejam governar e oprimir o povo. Desses anseios
ocorrem três efeitos: ou principado, ou liberdade, ou
desordem. A palavra liberdade, provavelmente, significa
República.

Povo

O povo é visto apenas como elemento de


subordinação, sem outras iniciativas a não ser aceitar o
governo imposto pelo príncipe ou revoltar-se contra ele.
O jogo da dominação é exercido apenas pelos
poderosos. No entanto, para que o príncipe detenha o
poder, ele deve usar de artifícios ou ter qualidades para
evitar possíveis revoltas.

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O que chega ao principado com a ajuda dos
grandes se mantém com mais dificuldade daquele
que ascende ao posto com o apoio do povo, pois
se encontra príncipe com muitos ao redor a lhe
parecerem seus iguais e, por isso, não pode nem
governar nem manobrar como entender. (cap. IX)

Além disso, sem injúria aos outros, não se pode


honestamente satisfazer os grandes, mas sim
pode-se fazer bem ao povo, eis que o objetivo
deste é mais honesto daquele dos poderosos,
querendo estes oprimir enquanto aquele apenas
quer não ser oprimido. (cap. IX)

Deve, pois, alguém que se torne príncipe


mediante o favor do povo, conservá-lo amigo, o
que se lhe torna fácil, uma vez que não pede ele
senão não ser oprimido. Mas quem se torne
príncipe pelo favor dos grandes, contra o povo,
deve antes de mais nada procurar ganhar este
para si, o que se lhe torna fácil quando assume a
proteção do mesmo. E, por que os homens,
quando recebem o bem de quem esperavam
somente o mal, se obrigam mais ao seu benfeitor,
torna-se o povo desde logo mais seu amigo do
que se tivesse sido por ele levado ao principado.
O príncipe pode ganhar o povo por muitas
maneiras que, por variarem de acordo com as
circunstâncias, delas não se pode estabelecer
regra certa, razão pela qual das mesmas não
cogitaremos.

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Concluirei apenas que a um príncipe é necessário
ter o povo como amigo, pois, de outro modo, não
terá possibilidades na adversidade. (cap.IX)

Para reduzir o assunto a termos breves, digo que


do lado do conspirador não existe senão medo,
ciúme, suspeita de castigo que o atordoa; mas,
do lado do príncipe, existe a majestade do
principado, as leis, as barreiras dos amigos e do
Estado que o defendem; conseqüentemente,
somada a tais fatores a benevolência popular, é
impossível exista alguém tão temerário que venha
a conspirar. Isso porque, geralmente, onde um
conspirador teme antes da execução do mal, se
tiver o povo por inimigo, deve temer ainda mesmo
depois de ocorrido o fato, não podendo por isso
esperar qualquer amparo. (cap. XIX)

O príncipe que tiver mais temor de seu povo do


que dos estrangeiros, deve construir as
fortalezas; mas aquele que sentir mais medo dos
estrangeiros que de seu povo, deve abandoná-las
(cap. XX)

Deve, ainda, um príncipe mostrar-se amante das


virtudes, dando oportunidade aos homens
virtuosos e honrando os melhores numa arte. Ao
mesmo tempo, deve animar os seus cidadãos a
exercer pacificamente as suas atividades no
comércio, na agricultura e em qualquer outra
ocupação, de forma que o agricultor não tema
ornar as suas propriedades por receio de que as

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mesmas lhe sejam tomadas, enquanto o
comerciante não deixe de exercer o seu comércio
por medo das taxas; deve, além disso, instituir
prêmios para os que quiserem realizar tais coisas
e os que pensarem em por qualquer forma
engrandecer a sua cidade ou o seu Estado.
Ademais, deve, nas épocas convenientes do ano,
distrair o povo com festas e espetáculos. E,
porque toda cidade está dividida em corporações
de artes ou grupos sociais, deve cuidar dessas
corporações e desses grupos, reunir-se com eles
algumas vezes, dar de si prova de humanidade e
munificência, mantendo sempre firme, não
obstante, a majestade de sua dignidade, eis que
esta não deve faltar em coisa alguma. (cap. XXI)

Natureza Humana

O conhecimento da natureza humana é essencial


para o príncipe manter o poder. Visto dessa ótica, os
homens pensam apenas em tomá-lo ou submeter-se a
ele. As atitudes que o príncipe deve tomar são aquelas
que beneficiem os que o ajudam, sem dar-lhes poder
suficiente para evitar que seu poder seja usurpado, ao
mesmo tempo em que deve retirar o mesmo das mãos
de possíveis inimigos.

Por onde se depreende que os homens devem


ser acarinhados ou eliminados, pois se se vingam
das pequenas ofensas, das graves não podem
fazê-lo; daí decorre que a ofensa que se faz ao

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homem deve ser tal que não se possa temer
vingança (cap. III)

Deve-se considerar não haver coisa mais difícil


para cuidar, nem mais duvidosa a conseguir, nem
mais perigosa de manejar, que tornar-se chefe e
introduzir novas ordens. Isso porque o introdutor
tem por inimigos todos aqueles que obtinham
vantagens com as velhas instituições e encontra
fracos defensores naqueles que das novas
ordens se beneficiam. Esta fraqueza nasce, parte
por medo dos adversários que ainda têm as leis
conformes a seus interesses, parte pela
incredulidade dos homens: estes, em verdade,
não crêem nas inovações se não as vêem
resultar de uma firme experiência. (cap. VI)

Na verdade, os homens ofendem ou por medo ou


por ódio. (cap.VII)

E, para melhor esclarecer esta parte, digo que os


grandes devem ser considerados em dois grupos
principais: ou procedem por forma a se obrigarem
totalmente à tua fortuna, ou não. Os que se
obrigam e não são rapaces, devem ser
considerados e amados. Os que não se obrigam
devem ser encarados de dois modos: se fazem
isso por pusilanimidade ou por natural defeito de
espírito, deverás servir-te deles, máxime que são
bons conselheiros, porque na prosperidade isso
te honrará e na adversidade não precisarás temê-
los. Mas quando eles, ardilosamente, não se

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obrigam por ambição, é sinal que pensam mais
em si próprios do que em ti: desses deve o
príncipe guardar-se temendo-os como se fossem
inimigos declarados, porque sempre, na
adversidade, ajudarão a arruiná-lo. (cap. IX)

Tal príncipe não pode fundar-se naquilo que


observa nas épocas de paz, quando os cidadãos
precisam do Estado, porque então todos correm,
todos prometem e cada um quer morrer por ele
enquanto a morte está longe; mas na
adversidade, no momento em que o Estado tem
necessidade dos cidadãos, então poucos são
encontrados. (cap. IX)

Um príncipe, pois, que tenha uma cidade forte e


não se faça odiar, não pode ser atacado e,
existindo alguém que o assaltasse, retirar-se-ia
com vergonha, eis que as coisas do mundo são
assim tão variadas que é quase impossível
alguém pudesse ficar com os exércitos ociosos
por um ano, a assediá-lo. A quem replicasse que,
tendo as suas propriedades fora da cidade e
vendo-as a arder, o povo não terá paciência e o
longo assédio e a piedade de si mesmo o farão
esquecer o príncipe, eu responderia que um
príncipe poderoso e afoito superará sempre
aquelas dificuldades, ora dando aos súditos
esperança de que o mal não será longo, ora
incutindo temor da crueldade do inimigo, ora
assegurando-se com destreza daqueles que lhe
pareçam muito temerários. (cap. X)

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Deve o príncipe, não obstante, fazer-se temer de
forma que, se não conquistar o amor, fuja ao
ódio, mesmo porque podem muito bem coexistir o
ser temido e o não ser odiado: isso conseguirá
sempre que se abstenha de tomar os bens e as
mulheres de seus cidadãos e de seus súditos e,
em se lhe tornando necessário derramar o
sangue de alguém, faça-o quando existir
conveniente justificativa e causa manifesta. Deve,
sobretudo, abster-se dos bens alheios, posto que
os homens esquecem mais rapidamente a morte
do pai do que a perda do patrimônio. (cap. XVII)

Jamais existiu um príncipe novo que desarmasse


os seus súditos, mas, antes, sempre que os
encontrou desarmados, armou-os; isto porque,
armando-os, essas armas passam a ser tuas,
tornam fiéis aqueles que te são suspeitos, os que
eram fiéis assim se conservam e de súditos
tornam-se teus partidários. (cap. XX)

Mas quando os desarmas, começas a ofendê-los,


mostras deles duvidar, ou por vileza ou por
desconfiança uma ou outra destas opiniões
concebe ódio contra ti. E, por não poderes ficar
desarmado, torna-se necessário que te voltes à
milícia mercenária, que é daquela qualidade que
já foi dita e, quando fosse boa, não poderia sê-lo
por forma a defender-te dos inimigos poderosos e
dos súditos suspeitos. (cap. XX)

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Porque os homens são levados muito mais pelas
coisas presentes do que pelas passadas e,
quando nas presentes encontram o bem, ficam
satisfeitos e nada mais procuram (cap. XXIV)

Guerra

Conhecer a arte da guerra é a virtude suprema do


príncipe. Sem isso, ele estará fraco e sujeito a ser
destituído.

pois sabiam que a guerra não se evita mas


apenas se adia em benefício dos outros (cap. III)

Deve, pois, um príncipe não ter outro objetivo


nem outro pensamento, nem tomar qualquer
outra coisa por fazer, senão a guerra e a sua
organização e disciplina, pois que é essa a única
arte que compete a quem comanda. E é ela de
tanta virtude, que não só mantém aqueles que
nasceram príncipes, como também muitas vezes
faz os homens de condição privada subirem
àquele posto; ao contrário, vê-se que, quando os
príncipes pensam mais nas delicadezas do que
nas armas, perdem o seu Estado. (Cap. XIV)

Deve o príncipe, portanto, não desviar um


momento sequer o seu pensamento do exercício
da guerra, o que pode fazer por dois modos: um
com a ação, o outro com a mente (cap. XIV)

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Virtude

A virtude do príncipe é aquela que o mantém no


poder. O conceito é diferente das qualidades que os
homens comuns apreciam ou acreditam serem válidas.
Para ele, a virtù seria a capacidade de adaptação aos
acontecimentos políticos que levaria à permanência no
poder. A virtù seria como uma barragem que deteria os
desígnios do destino.

No entanto, ele não descarta a forma comum da


virtude, onde o príncipe deve mostrar-se de forma
favorável a conquistar as graças de seus súditos.
Embora o termo maquiavélico designe alguém que vale-
se de todos os meios para conseguir seus intentos,
algumas práticas não são consideradas como as
virtudes de um verdadeiro príncipe - Não se pode, ainda,
chamar virtude o matar os seus concidadãos, trair os
amigos, ser sem fé, sem piedade, sem religião; tais
modos podem fazer conquistar poder, mas não glória.

Em parte, a sua virtude confunde-se com o


conhecimento das formas de como se deve agir em
cada situação.

Deve um homem prudente seguir sempre pelas


sendas percorridas pelos que se tornaram
grandes e imitar aqueles que foram excelentes,
isto para que, não sendo possível chegar à
virtude destes, pelo menos daí venha a auferir
algum proveito; (cap. VI)

caius_c 25
Portanto, aquele que num principado não
conhece os males logo no início, não é
verdadeiramente sábio, o que é dado a poucos
(cap. XIII)

É necessário seja o príncipe tão prudente que


saiba fugir à infâmia daqueles vícios que o fariam
perder o poder, cuidando evitar até mesmo
aqueles que não chegariam a pôr em risco o seu
posto; mas, não podendo evitar, é possível tolerá-
los, se bem que com quebra do respeito devido.
(cap. XV)

Portanto, um príncipe deve gastar pouco para não


precisar roubar seus súditos, para poder
defender-se, para não ficar pobre e desprezado,
para não ser forçado a tornar-se rapace, não se
importando de incorrer na fama de miserável,
porque esse é um daqueles defeitos que o fazem
reinar. (cap. XVI)

O príncipe, contudo, deve ser lento no crer e no


agir, não se alarmar por si mesmo e proceder por
forma equilibrada, com prudência e humanidade,
buscando evitar que a excessiva confiança o
torne incauto e a demasiada desconfiança o faça
intolerável. (cap. XVII)

Odioso o tornará, acima de tudo, como já disse, o


ser rapace e usurpador dos bens e das mulheres
dos súditos, do que se deve abster; e, desde que
não se tirem nem os bens nem a honra à

caius_c 26
universalidade dos homens, estes vivem felizes e
somente se terá de combater a ambição de
poucos, o que se refreia por muitos modos e com
facilidade. Desprezível o torna ser considerado
volúvel, leviano, efeminado, pusilânime,
irresoluto, do que um príncipe deve guardar-se
como de um escolho, empenhando-se para que
nas suas ações se reconheça grandeza,
coragem, gravidade e fortaleza; com relação às
ações privadas dos súditos, deve querer que a
sua sentença seja irrevogável; deve manter-se
em tal conceito que ninguém possa pensar em
enganá-lo ou traí-lo. (cap. XIX)

Moral

A moral está relacionada com a virtú, a


capacidade do príncipe em frente a cada situação. Por
causa disso, a moral é relativizada. Ter uma forma única
de agir ou de pensar implica em perda do poder em
situações diferentes daquelas em que se está. Deve-se
ser cruel ou não, deve-se ser liberal ou não, de acordo
com cada situação.

Penso que isto resulte das crueldades serem mal


ou bem usadas. Bem usadas pode-se dizer
serem aquelas (se do mal for lícito falar bem) que
se fazem instantaneamente pela necessidade do
firmar-se e, depois, nelas não se insiste mas sim
se as transforma no máximo possível de utilidade
para os súditos; mal usadas são aquelas que,
mesmo poucas a princípio, com o decorrer do

caius_c 27
tempo aumentam ao invés de se extinguirem.
Aqueles que observam o primeiro modo de agir,
podem remediar sua situação com apoio de Deus
e dos homens, como ocorreu com Agátocles; aos
outros torna-se impossível a continuidade no
poder. (cap. VIII)

Por isso é de notar-se que, ao ocupar um Estado,


deve o conquistador exercer todas aquelas
ofensas que se lhe tornem necessárias, fazendo-
as todas a um tempo só para não precisar
renová-las a cada dia e poder, assim, dar
segurança aos homens e conquistá-los com
benefícios, (cap. VIII)

Portanto, as ofensas devem ser feitas todas de


uma só vez, a fim de que, pouco degustadas,
ofendam menos, ao passo que os benefícios
devem ser feitos aos poucos, para que sejam
melhor apreciados. Acima de tudo, um príncipe
deve viver com seus súditos de modo que
nenhum acidente, bom ou mau, o faça variar:
porque, surgindo pelos tempos adversos a
necessidade, não estarás em tempo de fazer o
mal, e o bem que tu fizeres não te será útil eis
que, julgado forçado, não trará gratidão. (cap.
VIII)

Donde é necessário, a um príncipe que queira se


manter, aprender a poder não ser bom e usar ou
não da bondade, segundo a necessidade. (cap.
XV)

caius_c 28
Um príncipe não deve, pois, temer a má fama de
cruel, desde que por ela mantenha seus súditos
unidos e leais, pois que, com mui poucos
exemplos, ele será mais piedoso do que aqueles
que, por excessiva piedade, deixam acontecer as
desordens das quais resultam assassínios ou
rapinagens: porque estes costumam prejudicar a
comunidade inteira, enquanto aquelas execuções
que emanam do príncipe atingem apenas um
indivíduo. (cap. XVII)

É muito mais seguro ser temido do que amado.


Isso porque dos homens pode-se dizer,
geralmente, que são ingratos, volúveis,
simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de
ganho; e, enquanto lhes fizeres bem, são todos
teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a
vida, os filhos, desde que, como se disse acima, a
necessidade esteja longe de ti; quando esta se
avizinha, porém, revoltam-se. E o príncipe que
confiou inteiramente em suas palavras,
encontrando-se destituído de outros meios de
defesa, está perdido: as amizades que se
adquirem por dinheiro, e não pela grandeza e
nobreza de alma, são compradas mas com elas
não se pode contar e, no momento oportuno, não
se torna possível utilizá-las. (cap. XVII)

Mas quando o príncipe está à frente de seus


exércitos e tem sob seu comando uma multidão
de soldados, então é de todo necessário não se
importar com a fama de cruel, eis que, sem ela,

caius_c 29
jamais se conservará exército unido e disposto a
alguma empresa. (cap. XVII)

Logo, um senhor prudente não pode nem deve


guardar sua palavra, quando isso seja prejudicial
aos seus interesses e quando desapareceram as
causas que o levaram a empenhá-la. Se todos os
homens fossem bons, este preceito seria mau;
mas, porque são maus e não observariam a sua
fé a teu respeito, não há razão para que a
cumpras para com eles. (cap. XVIII)

Leis

A lei é outra forma de dominância. Quando boas


e bem usadas, elas dão segurança aos cidadãos e
resguardam o príncipe de revoltas.

Os principais fundamentos que os Estados têm,


tanto os novos como os velhos ou os mistos, são
as boas leis e as boas armas. E, como não pode
haver boas leis onde não existam boas armas e
onde existam boas armas convém que haja boas
leis, deixarei de falar das leis e me reportarei
apenas às armas. (cap. XII)

Deveis saber, então, que existem dois modos de


combater: um com as leis, o outro com a força. O
primeiro é próprio do homem, o segundo, dos
animais; mas, como o primeiro modo muitas
vezes não é suficiente, convém recorrer ao
segundo. (cap. XVIII)

caius_c 30
Conclusão

Maquiavel nos surpreende pela sua lógica em


uma região que os homens costumam negar por parecer
contrário às suas crenças. Sua escrita seca e precisa
nos ofende e abala nossa credibilidade em nossa
espécie. No entanto, existem centenas de outros
escritos, arrazoados de formas diferentes, que fornecem
a mesma visão. Talvez temamos mais sua forma crua
de escrever do que suas idéias. Qualquer político ou
empresário dos dias atuais age de acordo com aquilo
que ele nos mostra em seu livro. Os grandes best-
sellers dos executivos são aqueles que mostram as
mesmas formas de dominação. A mídia conduz o povo
da mesma forma que ele descreve. Sua forma de ver o
homem nos assusta porque nos mostra aquela face que
não queremos ver em nós próprios.

caius_c 31
NIETSCHE

“Para alem do bem e do mal.

Prelúdio a uma filosofia do futuro”

caius_c 32
O Homem

Friedrich Nietzsche nasceu numa família luterana


em 1844, sendo destinado a ser pastor como seu pai,
que morre jovem em 1849 aos 36 anos, junto com seu
avô, também pastor luterano. Entretanto, Nietzsche
perde a fé durante sua adolescência, e os seus estudos
de filologia afastam-no da teologia

Durante os seus estudos na universidade de


Leipzig, a leitura de Schopenhauer (O Mundo como
Vontade e Representação, 1818) vai constituir as
premissas da sua vocação filosófica. Aluno brilhante,
dotado de sólida formação clássica, Nietzsche é
nomeado aos 25 anos professor de Filologia na
universidade de Basiléia. Adota então a nacionalidade
suíça. Desenvolve durante dez anos a sua acuidade
filosófica no contacto com pensamento grego antigo -
com predileção para os pré-socráticos, em especial para
Heráclito e Empédocles. Durante os seus anos de
ensino, torna-se amigo de Jacob Burckhardt e Richard
Wagner. Em 1870, compromete-se como voluntário
(enfermeiro) na guerra franco-prussiana. A experiência
da violência e o sofrimento chocam-no profundamente.

Em 1879 seu estado de saúde obriga-o a deixar o


posto de professor. Em 1882, ele encontra Paul Rée e
Lou Andreas-Salomé, a quem pede em casamento. Ela
recusa, após ter-lhe feito esperar sentimentos
recíprocos. No mesmo ano, começa a escrever o Assim
Falou Zaratustra, quando de uma estada em Nice.
Nietzsche não cessa de escrever com um ritmo

caius_c 33
crescente. Este período termina brutalmente em 3 de
Janeiro de 1889 com uma "crise de loucura" que,
durando até a sua morte, coloca-o sob a tutela da sua
mãe e sua irmã. No início desta loucura, Nietzsche
encarna alternativamente as figuras míticas de Dionísio
e Cristo, expressa em bizarras cartas, afundando depois
em um silêncio quase completo até a sua morte.

Sua irmã falseou seus escritos após a sua morte


para apoiar uma causa anti-semita. Falácia, tendo em
vista a repulsa de Nietzsche ao anti-semitismo em seus
escritos. Entretanto, sua irmã morre confortavelmente
sob a tutela nazista.

Durante toda sua vida sempre tentou explicar o


insucesso de sua literatura, chegando à conclusão de
que nascera póstumo, para os leitores do porvir. O
sucesso de Nietzsche, entretanto, sobreveio quando um
professor dinamarquês leu a sua obra Assim Falou
Zaratustra e, por conseguinte, tratou de difundi-la, em
1888. Seu livro Ecce Homo é uma tentativa de
publicidade de seus livros. 4

A Terra

A língua alemã e o sentimento de pertença à


nação alemã existem há mais de mil anos, mas o país
conhecido agora como Alemanha só foi unificado em
1871 em Versalhes, quando o Império Alemão, dirigido
pela Prússia, foi constituído.
4
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nietzsche, 17 de fevereiro de
2008, 08:51

caius_c 34
O Sacro Império Romano Germânico, que existiu
desde o século VIII d.C. até 1806, é considerado o
primeiro Reich alemão (Reich = Império, em alemão,
termo usado para descrever os sucessivos períodos
históricos do povo alemão). No momento de maior
extensão territorial, o Império incluía o que são hoje a
Alemanha, a Áustria, a Eslovênia, a República Tcheca, o
oeste da Polônia, os Países Baixos, o leste da França, a
Suíça e partes da Itália central e setentrional. A partir de
meados do século XV, passou a ser conhecido como o
"Sacro Império Romano da Nação Germânica". O
Império Alemão de 1871-1918 é chamado de o Segundo
Reich, de modo a indicar a sua descendência do império
medieval. Segundo o mesmo raciocínio, Adolf Hitler
referia-se à Alemanha Nazista (1933-1945) como o
Terceiro Reich. 5

O tempo

O Príncipe Otto Leopold Eduard von Bismarck-


Schönhausen (Otto Leopold Eduard Fürst von Bismarck-
Schönhausen), Duque de Lauenburg (Schönhausen, 1
de Abril de 1815 — 30 de Julho de 1898) foi um dos
mais importantes líderes nacionais do século XIX;
enquanto primeiro-ministro do reino da Prússia (1862-
1890) unificou a Alemanha, depois de uma série de
guerras que levou a cabo com sucesso, tornando-se o
primeiro Chanceler (1871-1890) do Império Alemão.

5
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alemanha, 17 de Fevereiro de
2008, 10:50

caius_c 35
De início extremamente conservador, aristocrata,
e monarquista, Bismarck lutou contra o crescente
movimento social democrata na década de 1880 ao
tornar ilegais várias organizações e ao instituir, de forma
pragmática, a lei de acidentes de trabalho, o
reconhecimento dos sindicatos, o seguro de doença,
acidente ou invalidez entre outras, convencido de que só
com a ação do estado na resolução destes problemas
se poderia fazer frente às novas idéias políticas. Tornou-
se conhecido como o "Chanceler de Ferro" (Eiserner
Kanzler).

A política de Bismarck pautou-se pelo


nacionalismo e pelo militarismo. Face à aspiração das
forças democráticas alemãs (nomeadamente o
Parlamento) em ganhar representação no governo e
maiores poderes, Bismarck opôs-se ferozmente. A sua
solução foi jogar a carta do nacionalismo e do
militarismo para unir os alemães em torno de um
governo autoritário, quase mesmo uma ditadura. As
guerras com a Dinamarca e depois com a França foram
manobras que asseguraram a unificação da Alemanha
em torno de um regime militarista. O nacionalismo e o
militarismo alemães ganharam com Bismarck a
supremacia sobre as aspirações democráticas dos
alemães. Os alemães aprenderam com Bismarck a
renunciar à aspiração pela democracia em troca da
união política e a infiltração da disciplina militarista em
todas as esferas da vida. Não nos devemos pois
surpreender que a Alemanha não tenha uma longa
tradição democrática. A República de Weimar falhou
precisamente porque estes elementos e estrutura

caius_c 36
autoritários permaneceram intocados e só após a
Segunda Guerra Mundial é que se pode falar em
democracia na Alemanha. 6

A obra

Publicado em 1886, a obra “Para além do bem e


do mal” está eivada de influências relativas à sua época.
Percebe-se claramente que as teorias evolucionistas de
Charles Darwin (1809-1882), as percepções de Sigmund
Freud (1856-1939) e as crescentes reivindicações
feministas estão espalhadas em seus escritos. Embora
visionário, em alguns aspectos pode ser considerado
como retrógrado, principalmente no que concerne às
mulheres. Talvez esse sentimento tenha se derivado de
suas decepções amorosas, acrescido das idéias de
predominância masculina da época.

Crítico das idéias novas que permearam sua


época, era contrário aos ideais de democracia e
igualitarismo. Ele os considerava, assim com a
emancipação feminina, como fruto da decadência do
homem.

A falta de uma identidade alemã, produzida


apenas com a unificação da Alemanha por Bismarck,
gerou um sentimento muito forte. Em trechos do livro,
existe a impressão de que Nietzsche fala somente aos
alemães e que sua filosofia é uma tentativa à indução de
que eles caminhem em direção a isso.
6
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Otto_von_Bismarck, 17 de
fevereiro de 2008, 09:30

caius_c 37
O militarismo alemão de sua época explica,
talvez, suas assertivas contra a democracia e a
Revolução Industrial da Inglaterra provocou repúdios ao
capitalismo.

Suas investidas contra a aristocracia são por


conta da dominância que deveriam exercer mas,
segundo ele, o fazem de forma totalmente errada.

O livro é uma reflexão sobre a moral, sem,


contudo, dar uma definição clara sobre uma posição a
ser assumida. Ele não aponta caminhos, apenas critica
os de sua época, tentando motivar “os espíritos livres” a
encontrá-los. Não é um caminho para multidões. É a
senda para os homens solitários que devem
transformar-se e através de si provocar a mesma
mudança em outros.

Muitas vezes enigmático, outras quase


incompreensível, deixa um alento, uma forma para que
o ser humano tente uma escalada para a evolução. Ele
acreditava que seus textos não seriam compreendidos
pela sua geração. Ele preconiza “Nossas intuições mais
elevadas devem e hão de soar como loucuras, por
vezes mesmo como crimes, quando ilicitamente chegam
aos ouvidos daqueles que não foram feitos e nem
predestinados a ela”. (art. 30)

caius_c 38
Filosofia e os eruditos

No prefácio, Nietzsche sustenta que a luta contra


a opressão cristiano-eclesiástica foi a tensão que gerou
o espírito europeu. Essa tensão é como um arco que o
indivíduo deve ter para poder atirar sua flecha e, quem
sabe, atingir o alvo.

Para Nietzsche, a verdade e a moral são


relativas. A grande crítica aos filósofos é que a verdade
que eles apregoam deriva da verdade individual de cada
um e que eles julgam que seja a verdade de todos.

“Terá sido a questão da verdade que se


nos apresentou ou, pelo contrário, fomos
nós que nos apresentamos a ela? Qual de
nós aqui é Édipo? Quem a Esfinge?” (art.1)

“De leve fui descobrindo o que agora tem


sido toda grande filosofia. Nada mais que
uma autoconfissão do autor, uma espécie
de memórias involuntárias e
despercebidas” (art.6 )

O binômio resultado das oposições como bem-


mal, é apenas resultado de uma falta de pensar, visto
que deve existir algo além dessas posições.

Nietzsche acredita que a maior parte do


pensamento consciente deve ser incluída nas atividades
instintivas, na qual não excetua a meditação filosófica.
Não se trata apenas de um jogo pré-fabricado de onde

caius_c 39
as idéias sairiam naturalmente mas, envolveria uma pré-
disposição da própria pessoa ao livre pensar. O
pensamento de Kant, Platão, dos estóicos, dos
atomistas materialistas é sistematicamente
bombardeamento como falsos e, acima de tudo,
produtores de modos de vida e pensar que provocam
um deperecimento do ser humano. Chama Spinoza de
inconseqüente por considerar que o instinto de auto-
conservação de instinto fundamental do ser humano.
Para ele, a vontade de viver é a vontade de potência.

“E outros até pretendem que o mundo exterior


seja obra de nossos órgãos! Conseqüentemente,
nossos órgãos seriam obras deles próprios!”
(art.15)

Os sentidos do ser humano não devem ser


usados como base para sua vivência dentro de uma
moral. Uma filosofia não pode ser baseada em
sentimentos derivados de nossa percepção corporal do
mundo.

“Aquilo que se chama de livre-arbítrio é


essencialmente o afeto de superioridade em
relação àquele que deve obedecer.” (art.19)

O fato de ser livre implica em que outra pessoa


deve estar escravizada. O termo não se aplica à
concepção atual. Para Nietzsche, o livre-arbítrio é forma
que uma pessoa se conduz para conseguir seus
objetivos, obrigando que outras pessoas cumpram suas
ordens nesse sentido.

caius_c 40
“A força dos preconceitos morais penetrou
profundamente no mundo intelectualizado,
aparentemente mais frio, mais livre de
pressupostos e, como é evidente, teve os efeitos
mais perniciosos porque o entravou, cegou e
desnaturou.” (art.23)

Uma elite, no caso a dos filósofos ou de


condutores de pensamento, adquiriu para si uma moral
tão rígida que não permite que avancem além dela. A
moral para a qual atribuem virtudes que devem conduzir
o homem na sociedade, são consideradas como entrave
para o próprio desenvolvimento dele.

“Libertemo-nos de todos os senhores” – assim o


instinto plebeu almeja também aqui. Mas a
ciência, depois de se ter defendido com pleno
sucesso da teologia, a quem fora submissa
durante muito tempo, prepara-se agora com toda
a arrogância e incompreensão para ditar leis à
filosofia e fazer, por seu turno, o papel de senhor
– que digo eu – o papel de filósofo”. (art. 204)

A ciência não é o livre pensar do filósofo.


Nietzsche não aceita o papel de que a tecnologia ou os
novos conhecimentos conduzam o homem. Para ele, o
importante é estar totalmente distante das idéias que
forçam o homem para uma direção, para poder dar-lhe
outros rumos.

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Quando hoje se ouvir louvar alguém dizendo que
“vive como um sábio” ou como “um filósofo”, isso
quer dizer apenas que ele vive “prudentemente à
parte”. (art. 205)

Muito criticado em sua época por suas posições


radicais, ele critica os demais que são chamados ou se
auto-denominam de filósofos ou pensadores mas, que o
fazem apenas para próprio engrandecimento. Para
esses não interessa os frutos da filosofia mas, a posição
social ou o reconhecimento público daqueles que os
julgam apenas pelos seus conhecimentos.

O espírito livre

“Independência é algo para bem poucos – é


prerrogativa dos fortes.” (art.29)

“O que serve de alimento ou bálsamo para o tipo


superior de homem deve ser quase veneno para
um tipo diverso e menor”. (art. 30)

“Não existem fenômenos morais, apenas uma


interpretação moral dos fenômenos.” (art. 108)

“O que é considerado mau numa época é, em


geral, um resíduo desatualizado do que foi
considerado bom num passado mais distante – o
atavismo de um ideal envelhecido”. (art. 149)

Nietzsche destaca bem a forma como encara o


“espírito livre” que ele preconiza com os que se

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consideram como tal. A estes ele atribui apenas a
preguiça ou conformismo que os leva a considerarem os
atos sem avaliá-los corretamente.

Ele divide a moral em três períodos históricos:

a) Pré-moral, onde o valor do ato era sua


conseqüência.
b) Moral, onde o valor do ato era sua origem e
não sua conseqüência.
c) Extra-moral, onde a moral deveria ser
questionada a ponto de formar uma que
atendesse a um novo estágio evolutivo do
homem.

A segurança é o principal fator que move os


homens a adotar determinada filosofia ou modo de vida.
Mesmo não acreditando em uma doutrina que pretenda
torná-los felizes ou virtuosos, os homens ainda a
adotam. Dá-se o nome de “niveladores”, porque são
escravos facundos e plumitivos, do gosto democrático e
suas idéias modernas. (art. 44)

“Perante nós mesmos devemos prestar contas


para demonstrar que nascemos para a
independência e para o comando” (art. 41)

Existe uma aparente contradição na frase acima,


onde a independência (espírito livre) e o comando
(militarismo) parecem estar vinculados. Segundo
acredito, Nietzsche acha que os espíritos livres devem
fazer parte de uma elite que dissemine seus

caius_c 43
pensamentos, visto que os outros não podem fazê-lo. A
frase está imbuída de elitismo.

Os “filósofos do futuro”, que conseguem visualizar


uma moral alem do bem e do mal, formarão a elite que
predominará.

Religião

“Os livros de toda a gente são sempre livros


malcheirosos. Há neles o odor de gente miúda.
Por toda a parte onde o povo fala e bebe, mesmo
nos sítios onde venera, costuma cheirar mal. Não
se deve ir a igreja quando se quer respirar ar
puro”. (art. 30)

“Em qualquer lugar em que até agora se tenha


manifestado na terra a neurose religiosa, vamos
encontrá-la ligada a três perigosas prescrições
dietéticas: a solidão, o jejum e a castidade”. (art.
47)

“Os homens mais poderosos, até o momento,


inclinaram-se sempre com veneração diante do
santo, como ante o enigma do autodomínio e da
extrema e intencional renúncia. Por que fizeram
isso? Acharam que o santo tinha a força superior
que queria afirmar-se por tal domínio, a força de
vontade em que reconheciam e veneravam a sua
própria força e seu prazer de dominar”. (art. 51)

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“O amor destinado a um só é uma barbaridade,
porque se exerce às custas de todos os outros. O
mesmo quanto ao amor por Deus”. (art. 67)

“Os princípios tendem a tiranizar, justificar,


honrar, injuriar ou esconder os hábitos. Dos
homens com princípios iguais querem,
verdadeiramente, atingir algo de
fundamentalmente diferente, com base nesses
princípios.” (art. 77)

Nietzsche separa a religião em três períodos:

a) No primeiro período sacrificavam-se homens


ou aqueles a quem eles amavam, ao seu
deus.
b) No segundo período sacrificavam-se os
instintos, a natureza própria (moral) aos
deuses
c) No terceiro período, deve-se sacrificar o
próprio Deus ao Nada, tarefa das futuras
gerações.

A religião serve de varias formas aos dominados


e dominadores:

a) É uma forma de lavar a sujeira da política e


dar-lhe um aspecto sobrenatural que justifique
seus atos.
b) Serve de guia para uma parte dos dominados,
dando ocasião para se prepararem para
dominar as classes baixas.

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c) Serve de consolo para as classes dominadas,
ao dar-lhes o conformismo com sua situação.

A Moral

“Em toda ciência da moral, apresentada até hoje,


tem faltado ainda, por mais fantástico que isso
possa aparecer, o problema da próprio moral.”
(art. 186)

“Aquilo que os filósofos chamavam


“fundamentação da moral” e que se propunham
realizar era, encarado sob prisma adequado,
apenas uma forma erudita da cândida crença na
moral dominante” (art. 186)

“Qualquer moral, opostamente ao laisser aller, é


uma espécie de tirania contra a natureza e
também contra a razão”. (art. 188)

“No agir mal, a plebe só encara as más


conseqüências e, no íntimo, acha que é estúpido
agir mal. Mas admite, sem mais “bom” como
idêntico a útil e agradável”. (art. 190)

“Platão quis persuadir-se com toda a força – a


maior força desenvolvida até agora por um
filosofo – de que a razão e a instinto dirigem
espontaneamente para uma única meta – o bem,
“Deus”. (art. 191)

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“Entendendo que, desde que há homens tem
havido também rebanhos humanos sempre muito
obedientes, relativamente ao reduzido número de
mandatários”. (art. 199)

“Se a utilidade dominante nos juízos de valor


morais for apenas útil para o rebanho.....”. (art.
201)

“Importa muito que o menor número de pessoas


reflita sobre a moral” (art. 228)

Sendo relativa, a moral é utilizada em cada época


apenas para reforçar a dominância de uma elite sobre
os demais. A moral é classificada apenas como utilitária,
assim como a religião, onde o dominante se vale dela
para manter seu poderio e o dominado a usa apenas
para sentir-se conformado com sua sujeição. Ele chama
a “plebe” de rebanho humano, alguém que segue os
mandatários apenas por conveniência e falta de visão.

As virtudes

“No caso de alguém, pro exemplo, que estivesse


predestinado e feito para mandar, a autonegação
e a humilde retirada não seriam virtudes, mas o
desperdício de uma virtude – assim me parece a
mim” (art. 220)

“Há coisa mais bela do que procurar as suas


próprias virtudes?” (art. 214)

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As virtudes tradicionais como compaixão, piedade
e as derivadas do pensamento judaico-cristão podem
ser abandonadas quando o objetivo a ser alcançado
necessita de outras qualidades.

A procura da virtude é algo pessoal e depende do


que o indivíduo pretende conseguir.

Identidade alemã

No prefácio, existem referências com relação a


essa falta de identidade ou desprezo pela que existia em
sua época.

- Os alemães inventaram a pólvora – as minhas


felicitações! Mas depois estragaram tudo –
inventaram a imprensa! (prefácio)

Trata-se de apologia ao militarismo e às formas


autoritárias de governo. A pólvora representa a força e a
imprensa a democracia.

- Todavia, nós, que nem somos jesuítas, nem


democratas, nem mesmo suficientemente
alemães.....(prefácio)

“Sendo um povo da mais monstruosa mistura e


amalgama de raças, talvez até com
preponderância de elementos pré-arianos, como
povo do meio em todos os sentidos, os alemães
são mais incompreensíveis, mais complexos,
mais contraditórios, mais desconhecidos, mais

caius_c 48
incalculáveis, mais supreendentes, mesmo mais
terríveis do que outros povos são para si próprio.”
(art. 243)

“O alemão arrasta o peso de sua alma.” (art. 242)

“Eis que já estou a tocar o que para mim é serio,


no “problema europeu” conforme eu entendo, na
criação de uma nova raça que venha a governar
a Europa.” (art. 251)

Nietzsche despreza o alemão da sua época, que


não tem uma identidade própria, talvez fruto da própria
situação do país em sua época. Sem uma identidade
própria, ele acha que grande parte da falta de qualidade
do povo alemão deriva de uma mestiçagem ocorrida
durante séculos.

Misoginia

“As verdadeiras mulheres acham que a ciência é


um atentado ao pudor. Elas têm a sensação de
serem olhadas por debaixo da pele – pior ainda!
Por baixo de seus vestidos e adornos.” (art. 127)

“Na vingança e no amor, a mulher é mais bárbara


que o homem.” (art. 139)

Quando uma mulher demonstra inclinações


eruditas é porque há algo errado na sua
sexualidade. A esterilidade predispõe a uma certa
masculinidade de gosto. Pois o homem, com

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vossa licença, é de fato “o animal estéril”. (art.
144)

“Comparando em seu conjunto homem e mulher,


pode-se dizer: a mulher não teria arte para se
enfeitar se não pressentisse o papel secundário
que desempenha”. (art.95)

“A mulher quer emancipar-se. Para atingir esse


desiderato começa a esclarecer os homens sobre
a mulher em si. Sem dúvida que isso constitui um
dos piores progressos no sentido do geral
afeamento da Europa.” (art. 252)

“A mulher tem tanta razão para ficar


envergonhada! Há tanto pedantismo na mulher,
tanta superficialidade, doutrinarismo, presunção
mesquinha, pequenez desenfreada e imodesta.”
(art. 232)

Totalmente contrário às pretensões feministas da


época, que considera como degeneração do próprio
homem, Nietzsche demonstra uma impressionante
misoginia. Provavelmente, parte dela decorra de suas
poucas e infrutíferas relações amorosas.

Em um trecho do livro, ele as chama até de más


cozinheiras, que se soubessem a química que existe por
trás da produção da comida seriam ótimas cientistas. A
falta de capacidade delas é demonstrada nisso, pois
como é de costume que as mulheres cozinhem á
séculos, não lhe cabe que elas não tenham descoberto

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a importância das transformações químicas que
produzem.

Racismo

“As raças trabalhadeiras encontram enorme


dificuldade em suportar a ociosidade”. (art. 189)

“E também que lhes é necessário desacreditar a


qualquer preço o homem tropical, quer como
manifestação de doença e degenerescência do
homem, quer como seu próprio inferno e próprio
suplício. Mas por quê? Em favor das zonas
temperadas? Em favor dos homens moderados?
Daqueles que tem moral? (art. 197)

Os homens de uma era de dissolução e


mestiçagem de raças traz em seu organismo,
exatamente por isso, a herança de uma
ascendência múltipla, ou seja, instintos e escalas
de valores opostos.” (art. 200)

“Nossa Europa de hoje, teatro de uma tentativa


disparatadamente súbita de misturar radicalmente
as classes e, conseqüentemente, as raças...” (art.
208)

“O europeu, que é um homem mestiço – em geral


um plebeu razoavelmente feio....” (art. 223)

Obcecado pela falta de identidade alemã e


imbuído das interpretações errôneas sobre as teorias de

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Darwin, ele acusa a falta de senso do europeu como
produto de uma mestiçagem. As idéias européias sobre
a imoralidade dos povos de outros continentes faz com
que ele pressuponha que somente possa existir uma
raça pura dentro da Europa.

Autoritarismo

“Nós que acreditamos de outra forma, nós, para


quem o movimento democrático não é apenas
uma forma de decadência da organização
política, mas uma forma de decadência, quer
dizer, uma diminuição do homem...”. (art. 203)

“A degenerescência global do homem até aquilo


que é considerado pelos cretinos e boçais
socialistas como seu “homem do futuro” - seu
ideal! – essa degenerescência e
amesquinhamento do homem até seu perfeito
animal de rebanho – ou, ou como eles diriam, até
ao homem da “sociedade livre”. (art. 203)

“.... e sobretudo a introdução do disparate


parlamentar, para alem da obrigação de toda
gente ler o seu jornal no pequeno almoço....(art.
208)

“O século que se anuncia já traz consigo a luta


pelo domínio da terra, a obrigatoriedade de
praticar uma política de respeito.” (art. 208)

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“A democratização da Europa é, ao mesmo
tempo, uma instituição involuntária para a criação
de tiranos, entendida essa palavra em todos os
sentidos, inclusive no mais espiritual”. (art. 242)

O processo democrático detonado pela


Revolução Francesa e a adesão de outros países a
esse sistema de governo horrorizava Nietzsche. A
democracia seria apenas uma forma de acrescentar
novos tiranos aos governos e as idéias de socialismo e
comunismo vigentes lhe pareciam contrárias à sua
percepção de que uma elite formada por filósofos, com
pureza racial, deveria dominar os demais.

Anti-semitismo

“O que a Europa deve aos judeus? Deve muito,


de bom e de ruim” (art. 250)

“Por mais categórica que seja a repulsa do anti-


semitismo propriamente dito por parte de todos os
cautelosos e políticos, tal cautela e tal política não
se dirigem porventura contra o próprio tipo de
sentimento, mas apenas contra sua própria
imoderação, em especial contra a expressão
insípida e vergonhosa desse sentimento
desmedido.” (art. 251)

“Que a Alemanha tem a quantidade suficiente de


judeus, que o estomago alemão, o sangue
alemão em dificuldade (e terão por muito tempo)
em digerir esse quantum de “judeu” – como fez o

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italiano, o inglês, graças a uma digestão mais
completa – é a nítida expressão e a linguagem de
um instinto geral que se deve escutar e de acordo
com o qual se deve agir. Não deixe entrar nem
mais um judeu! Principalmente fechem-lhes as
portas na fronteira do leste! Isso é o que ordena o
instinto de um povo cuja índole é ainda fraca e
indefinida, de forma que facilmente poderia
esbater-se, ser apagada por uma raça mais forte”
(art. 251)

“Os judeus são, indubitavelmente, a raça mais


forte, mais rija, mais pura que vive atualmente na
Europa.” (art. 251)

“Talvez para isso fosse útil e conveniente


expulsar do país os vociferadores anti-semitas.
Dever-se-ia acolher os judeus com toda a cautela,
com critério seletivo.” (art. 251)

Certa inveja dos judeus aparece em seu livro. Ele


os considera a única raça pura existente na Europa,
fruto de uma segregação imposta e auto-imposta. Os
próprios conceitos morais cristãos ele os atribui única e
exclusivamente aos judeus.

Ele os acha úteis para a Alemanha e acredita que


deveriam ser controlados por oficiais do exército
alemão, de origem prussiana, a quem julgava como os
mais puros alemães (os Marcas).

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Aristocracia

“A elevação maior do tipo “homem” foi até agora


obra de uma sociedade aristocrática”. (art. 257)

“O essencial numa aristocracia boa e sã, porem,


é que não se sinta como função, mas como seu
sentido e suprema justificativa – que aceite com
boa consciência o sacrifício de inúmeros homens,
que por sua causa, devem ser oprimidos e
reduzidos a seres incompletos, escravos,
instrumentos. “(art. 258 )

“De um lado a moral dos senhores e de outro a


moral de escravos”. (art. 260)

“Desde já, saliente-se que nessa primeira moral a


antinomia “bom” e “mau” significa o mesmo que
“nobre” e “desprezível”. (art. 260)

“A moral dos escravos é em essência uma moral


de utilidade. Aí temos o nascedouro dessa
celebre oposição “bom” e “maldoso”. No maldoso
sente-se o poder e a ameaça, uma certa
intimidação, força que o desprezo não deixa
surgir”. (art. 260)

“Toda moral aristocrática é intolerante.” (art. 262)

“Apenas os medíocres tem a possibilidade de


continuar a procriar. Eles são os homens do
futuro, os únicos sobreviventes.” (art. 262)

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“Mesmo correndo o risco de desgostar ouvidos
inocentes eu ouso afirmar: o egoísmo pertence à
natureza da alma aristocrática, isto é, a inabalável
fé segundo a qual a um ser como “nós somos”,
outros seres tem por natureza de sujeitar-se e
sacrificar-se-lhe.” (art. 265)

Notadamente com tendências a uma aristocracia


no poder, Nietzsche contrapõe-se àquela com quem
convivia, a quem julgava como inaptos para exercer o
poder. No entanto, ele acredita que seria a única forma
possível de governo, onde um grupo seleto (os filósofos)
determinaria os destinos dos demais.

A moral dos senhores e a moral dos escravos


encaixam-se perfeitamente nessa forma de governo.

Conclusão

Para se falar sobre qualquer livro de Nietzsche é


necessário escrever outro livro, tanto pela sua
profundidade como pelas suas contradições.

A sua busca pelo homem livre, pelo espírito livre,


depara-se com a consciência deste de que neste
estágio ele estaria apto para governar os demais. A
busca individual para se tornar seu “super-homem”
transformá-lo-ia em exemplo para que outros o
seguissem e assim formasse uma elite dominante. Seus
três estágios nessa busca, onde o homem deve tornar
uma criança, para poder aprender, em camelo para

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poder suportar e em leão para poder lutar, mostra que o
homem deve abnegar-se do que é para poder
transformar-se em um ser superior.

A moral é relativizada e deve servir para essa


dominância. Supondo que ela sempre foi usada dessa
forma, nada mais certo que fosse usada em outra forma
para a dominância. A moral seria única, interpretada de
duas formas pelas classes dominantes e dominadas.
Essa moral relativa pode ser vista também em
Machiavel.

A virtude é uma busca individual que não deve


ser confundida com as estabelecidas pela moral judaico-
cristã. A virtude é a busca de qualidades necessárias
para que se cumpra um intento. Ela não é um fim mas,
um meio para que o homem consiga seus intentos.

A religião deve ser descartada como prejudicial


ao homem. Ela paralisa o pensamento dos homens e
serve apenas como fator de dominância das classes
sacerdotais. Quase imutável, ao contrário da filosofia,
ela dita aos homens a impossibilidade de evolução e
transfere seus desejos para um mundo fora do real.

As formas de governo democráticas ou que


tenham o povo como base são degenerações do
homem. Esses tipos de governos dariam chances a
quem não estivesse preparado suficientemente para o
governo, que Nietzsche acredita que ser possível
apenas através de uma linhagem acostumada ao
mando.

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A mulher deve ser mantida em seu lugar nessa
sua sociedade, apenas para os fins que ele julga
adequados que seriam os da procriação e criação de
filhos. As demais atividades somente podem ser
exercidas pelos homens, que ele julga naturalmente
superiores. Essa forma de ver o sexo feminino é
coerente com as teorias evolutivas da predominância do
mais forte e apto e da mentalidade luterana e puritana
de sua época.

O que ele denomina de “vontade de potência” é a


decisão individual para a transformação. Tendo essa
vontade, os homens passam a assumir virtudes ou
qualidades que o transformam e fazem-nos atingirem os
objetivos. É a vontade que domina os homens depois
que ele próprio a domina.

Nietzsche não aponta uma saída além da


relativização da moral e da busca individual pela
evolução. Ele mais critica do que informa. Talvez ele
próprio não visse, em sua época, uma saída para as
formas que os homens se conduzem.

O mais brilhante nele, tirando suas conclusões


sobre assuntos de sua época, é sua preocupação com a
própria espécie humana, que ele julga que chegou a um
estágio máximo e que para passar para o próximo
estágio tem que evoluir. Quem não evolui perece, assim
dita as regras da evolução.

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