Vous êtes sur la page 1sur 53

0

Felisberto Zacarias Namuizai

A Existência Humana na Perspectiva de Karl Theodor Jaspers

Licenciatura em Ensino de Filosofia com Habilitação em Ensino de História

Universidade Pedagógica
Maputo
Setembro, 2016
1

Felisberto Zacarias Namuizai

A Existência Humana na Perspectiva de Karl Theodor Jaspers

Licenciatura em Ensino de Filosofia com Habilitação em Ensino de História

Monografia Científica a ser apresentada a


Faculdade de Ciências Sociais e
Filosóficas, Departamento de Filosofia, UP-
Sede, como requisito parcial de avaliação
para obtenção de grau de licenciatura em
Ensino de Filosofia com Habilitação em
Ensino de História.

Supervisor: Mestre Alfredo Chafunha Ramijo.

Universidade Pedagógica
Maputo
Setembro, 2016
2

Índice

Declaração......................................................................................................................................iv
Agradecimentos..............................................................................................................................v
Dedicatória......................................................................................................................................vi
Resumo..........................................................................................................................................vii
Abstract.........................................................................................................................................viii

Introdução........................................................................................................................................9

I. CAPÍTULO: VIDA, OBRA, INFLUÊNCIAS DE KARL JASPERS, O CONTEXTO DO


SURGIMENTO DO EXISTENCIALISMO E SEUS EXPOENTES...........................................11
1.1. Vida........................................................................................................................................11
1.2. Obras.......................................................................................................................................13
1.3. Influências de Karl Jaspers.....................................................................................................14
1.4. O Contexto do surgimento do Existencialismo e seus expoentes...........................................16

II. CAPÍTULO: CONCEITOS E AS FORMAS DE EXISTÊNCIA HUMANA EM


JASPERS.......................................................................................................................................20
2.1. Conceitos: Dasein (ser-em-situação) e Existenz (existência) segundo Jaspers......................20
2.1.1. Dasein (ser-em-situação).....................................................................................................20
2.1.2. Existenz (Existência)...........................................................................................................20
2. 2. O Homem é um ser do mundo e no mundo (distinção entre Dasein e Existenz)...................21
2.2.1 O Ser-em-Situação................................................................................................................22
2.2.2 A inquietação existencial e as situações-limites................................................................24
2.2.3 Os perigos da Existência Humana em Jaspers......................................................................26
2.2.4 A Filosofia de Jaspers como pressuposto da liberdade.........................................................27
2.2.5 A Existência Consciente.......................................................................................................29
2.3 As formas da exitência.............................................................................................................31

III. CAPÍTULO: O DESTINO TRANSCEDENTE DO HOMEM E O SER HUMANO NA


BUSCA DO SENTIDO DE EXISTÊNCIA HOJE........................................................................33
3.1 Destino transcendente do homem ...........................................................................................33
3

3.1.1 O Fracasso...........................................................................................................................34
3.1.2 Entre o Mundo e a Transcendência.....................................................................................36
3.3 O ser humano na busca do sentido de existência hoje.............................................................40
3.3.1 «Conhece-te a ti mesmo»......................................................................................................43
3.3.2 A fé filosófica.......................................................................................................................44
3.3.3 Origem, natureza, orientação e fim do homem.....................................................................45
Conclusão .....................................................................................................................................49
Bibliografia....................................................................................................................................52
4

Declaração

Eu, Felisberto Zacarias Namuizai, declaro por minha honra que, a presente Monografia
Científica é fruto da minha autoria e das orientações do meu Supervisor (Alfredo Chafunha
Ramijo). Declaro ainda que, nunca foi apresentada em qualquer Universidade para obtenção
de algum grau académico, por ser verdade, assino por baixo:

________________________________________
(Felisberto Zacarias Namuizai)

Maputo, aos______/______/_______
5

Agradecimentos

Cumpre-me agradecer, no contexto deste trabalho, a todos quantos me apoiaram e incentivaram


na sua concretização. Muito especialmente à meu supervisor, Mestre Alfredo Chafunha Ramijo,
pela orientação dedicada, solicitude permanente e sábios conselhos. O que Jaspers me mostrou
em sua “Filosofia da Existência”: a capacidade inerente ao ser humano de superar-se no
confronto com situações-limite, na escolha e na decisão.Pois, o homem será aquilo que escolher
ser.

Aos docentes da Universidade Pedagógica em geral, e em especial, a todos aqueles da Faculdade


de Ciências Sociais e Filosóficas, Departamento de Filosofia (Professor Doutor Bento Rupia,
Professor Doutor Guilherme Basílio; Professor Doutor Rufino Adriano; Mestre Bernardino;
Mestre Choma, Mestra Rosa Mechiço, Mestre Alfredo Chafunha Ramijo, Mestre Felisberto
Eduardo Buanaissa, Mestre Desidério Lino, Mestre António X. Tomo, Mestre Mário Viegas,
Mestre Escandação Armando Tivane, Mestre Joaquim Huo, Doutor José Cossa, Mestre
Waquissone Majenda, Mestre Luís Cipriano, entre outros), pela sua prontidão e simpatia
permanentes; a todos os meus colegas e amigos, pelas palavras de incentivo e pela compreensão
do meu afastamento temporário.

Aos meus pais, vão os meus votos profundos e sinceros de agradecimentos pelo amor, carinho,
afecto, cuidado que tanto fizeram para que o filho torna-se uma realidade e tivesse uma
existência autêntica. Sem merecer deram uma educação até tornar-se homem. À minha madrinha
Maria da Cruz Pinga que tanto incentivou-me e ajudou-me nos estudos e para a realização deste
trabalho. À minha querida Abiba Justino que tanto me cativou afectivamente, moralmente para
efectivação do trabalho. Família esta que jamais deixou de acreditar que este trabalho seria
possível.

Por último, agradeço a todos os seres vivos e não vivos que não arrancam nenhum obrigado a
ninguém, de modo particular, as escadas da Universidade Pedagógica, o troço Jardim-
Universidade Pedagógica-Campus Lhanguene, o meu muito obrigado! Koxukhuro e
Khanimambo!
6

Dedicatória

Dedico esta monografia Científica aos meus Pais: Zacarias Namuizai e Fátima Saide; ao meu tio
Marcelino Saide, aos meus irmãos Romoaldo, Cacilda, Hermínio, Cecília, Florêncio e Telmina.
E à minha madrinha Maria da Cruz Pinga.
7

Resumo

Identificar e delimitar o estatuto filosófico da existência humana no pensamento de Karl Jaspers


é o objetivo deste trabalho. Para realizar tal empreendimento intelectual partimos do pressuposto
de que a sua filosofia se desenvolve em três fases interdependentes: a orientação no mundo, o
esclarecimento da existência e o movimento de transcendência. Estas fases não estão expostas de
maneira isolada no interior de sua filosofia, porém, quer-se mostrar que a investigação jasperiana
em torno da transcendência avança sobre estas três dimensões. Isso porque a reflexão que o
nosso autor estabelece em torno da existência humana mostra que a abertura para a
transcendência ocorre no momento em que se vincula a existência ao horizonte do fracasso
e da sua possível superação. A filosofia nasce como libertação pelo logos, pela utilização da
razão. A grande epopéia da humanidade é a descoberta e o uso da razão. Portanto, o sentido da
filosofia é o de servir de base à vida humana ou a existência humana.

Palavras-Chave: Karl Jaspers, Existenz e Dasein, Razão, Liberdade, Decisão e Escolha.


8

Abstract

Identify and define the philosophical status of human existence in the thought of Karl Jaspers is
the objective of this work. To achieve this intellectual enterprise we assume that his philosophy
is developed in three interdependent phases: orientation in the world, the clarification of
existence and transcendence movement. These stages are not exposed in isolation within his
philosophy, however, want to show that jasperiana research around the transcendence advances
on these three dimensions. This is because the reflection that our author establishes around the
human existence shows that openness to transcendence occurs at the time is linked to the
existence horizon of failure and its possible evolution. The philosophy is born as release the
logos, the use of reason. The great epic of mankind's discovery and the use of reason. Therefore,
the sense of philosophy is to provide the basis for human life and human existence.

Keywords: Karl Jaspers, Existenz and Dasein, Reason, Freedom, Decision and Choice.

Introdução

O trabalho que nos propusemos abordar está intitulado: A Existência Humana na Perspectiva de
Karl Theodor Jaspers. E tem os seguintes objectivos: duma forma geral, visa compreender a
existência humana na perspectiva de Karl Jaspers. E, especificamente, explicar a origem e as
características do existencialismo; distinguir as formas de existência, identificando os aspectos
fundamentais da existência humana em Jaspers; esclarecer a essência do Homem, propondo os
mecanismos para o sentido da existência humana.

Desde os filósofos colocaram questões que dizem respeito à existência do homem: quem sou eu?
De onde venho e para onde vou? Existirá vida após a morte? O que é o homem e quem é o
homem? Nesta perspectiva, parece que no coração da Filosofia está sempre o Homem porque no
coração do Homem está sempre a Filosofia. Pois a filosofia procura compreender o ser humano na
sua pluridimensionalidade e a partir das situações concretas da sua vida.
9

A existência apresentou-se e apresenta-se até hoje como um problema gigantesco ao homem. O


autor constatou que o homem é uma realidade imperfeita e aberta, que sente a necessidade
constante de descobrir quem é, e porque é que vive, questiona-se sempre: será que a vida tem
sentido? Como estamos no mundo? De onde Viemos? Quem somos? Além disso, grande parte dos
homens vivem sem saber qual é o sentido da vida, existem, sem saber o que é a existência. É nesse
sentido em que emergiu este problema. O homem não consegue decidir sobre si mesmo, muitas
vezes por medo e, está sempre inseguro e desesperado. Na verdade, estamos perante um drama da
existência humana. Portanto, seguindo este fio de pensamento, levantamos as seguintes
problemáticas que norterão o nosso trabalho: Qual é a concepção da existência humana em
Jaspers? Como superar as situações-limite? O que é que o homem deve fazer para que tenha uma
existência autêntica?

A escolha desta temática justifica-se pela razão crítica de que o homem hodierno vê-se numa
constante incerteza naquilo que faz temendo consequências graves, instabilidade e desorientação
total, visto que não consegue encontrar parâmetros profundos que possam sustentar a sua
existência. O homem não consegue distinguir entre o bem e o mal, o decente e o inconveniente e
sente mais insegurança por não ter algum ponto de apoio, ficando sempre angustiado. É facto
evidente que o drama da existência humana se nota nitidamente nos actos concretos do seu
quotidiano. É neste sentido, que o autor motivado com esse espírito de compreender o drama da
existência humana escolheu este tema para a sua pesquisa.

Para a materialização deste trabalho usamos a metodologia qualitativa de natureza descritiva;


métodos de hermenéutica (leitura e interpretação) e análise-síntese de obras que versam sobre a
matéria. Nesta óptica, debruçar-nos-emos no presente trabalho sobre a existência humana à luz de
Jaspers, a partir de uma leitura filosófica dos livros: “Filosofia da Existência” (1938), no qual
apresenta o homem como ser-no-mundo e ser-em-situação; “Introdução ao Pensamento
Filosófico” (1965), onde aborda vários temas que vão desde a Iª Guerra Mundial e suas
consequências sociais, psicologias, etc; “Filosofia” consta de três volumes (1932) neste, foca sobre
a orientação filosófica no mundo, explicação da Existência e metafísica e; “Razão e Contra-razão
no nosso tempo” (1950), Jaspers afirma neste que o estado racional determina o nível existencial
do homem. O que implica diferenças existenciais. Portanto, para Jaspers não há razão sem
existência e vice-versa.
10

Quanto a estrutura, o trabalho comporta três capítulos. No primeiro capítulo, focamos da vida,
das obras e as influências sofridas pelo Jaspers para fundamentar o seu pensamento. Ainda no
mesmo capítulo, frisamos sobre o contexto em que emergiu ou surgiu a corrente do
existencialismo e destacamos os representantes proeminentes.
No segundo capítulo, procuramos numa primeira fase, conceptualizar os termos-chave (Dasein e
Existenz) que servirão de suporte para a compreensão e aprofundamento do nosso trabalho. Na
segunda, abordamos sobre o Homem como um-ser-do-mundo e ser-no-mundo, estabelecendo
distinção entre Dasein (ser-em-situação) e Existenz (Existência) segundo Jaspers. E, na terceira,
destacamos as formas da existência humana em Jaspers.
No terceiro e último capítulo deste trabalho, cabe-nos falar, primeiro, sobre o destino
transcendente do homem, onde fazemos referência do fracasso, entre mundo e transcendência.
Segundo, explicamos acerca do sentido da existência hoje, que tem como base a fé filosófica;
falamos igualmente da origem, natureza, orientação e fim do homem. Nesta, evocamos a máxima
socrática “conhece-te a ti mesmo”. Esta máxima é, ainda hoje, a regra mínima na orientação da
vida para todo o homem.
Finalmente, apresentamos a conclusão do trabalho e a respectiva bibliografia.
I. CAPÍTULO: VIDA, OBRAS, INFLUÊNCIAS DE KARL JASPERS, O CONTEXTO DO
SURGIMENTO DO EXISTENCIALISMO E SEUS EXPOENTES

Neste primeiro capítilo do nosso trabalho, prentendemos trazer a tona a vida, as obras e as
influências sofridas pelo nosso autor. Pensamos nós, serem necessários esses elementos para a
compreensão da estrutura do seu pensamento. Ainda no mesmo capítulo, frisamos o contexto em
que emergiu ou surgiu a corrente do existencialismo e destacamos os proeminentes
representantes. De acordo com Jaspers, “a filosofia busca tornar a existência transparente a ela
mesma” (JASPERS, 1965, p. 70). Filosofar é estar a caminho! Esta é máxima filosófica de
Jaspers!

1.1. Vida

Karl Theodor Jaspers nasceu de pais protestantes em Oldenburg, Alemanha aos 23 de Fevereiro
de 1883. Filho de uma família abastada, Karl Jaspers pensou primeiramente em seguir a carreira
de seu pai, que era jurista. Matriculou-se na faculdade de Direito, mas em 1902 transferiu-se para
11

o curso de Medicina. Tendo estudado Direito e Medicina, dedicou-se aos estudos filosóficos e
veio a doutorar-se em 1909 (MONDIN, 1987, p. 94). Assim, pode-se afirmar que, parte
integrante deste percurso académcio foi igualmente este Doutoramento que se referiu, pois, o
revelou como um investigador de alto mérito e contribuiu bastante para a abertura de novos
caminhos nesse percurso intelectual.

Em 1921, depois de se ter dedicado inicialmente à psiquiatria, área, segundo ele, “incapaz de
satisfazer às grandes verdades da humanidade: a existência da humanidade e a sua própria
existência” (GIORDANI, 1976, p. 51) abandonou-a. Porque a psiquiatria não satisfazia as
grandes verdades da humanidade, abandonou-a e foi abraçar a Filosofia para poder evidenciar
problemas que apoquentavam e apoquentam o homem enquanto ser existente.

A partir do mesmo ano (1921), foi professor de Filosofia em Heidelberg onde veio a afirmar que
a “Filosofia e a Ciência não são possíveis uma sem a outra” (REALE, 1991, p. 598). Demitido
por razões políticas em 1937 e por casar-se com uma judia em que foi obrigado a devorciar-se,
mas Jaspers recusou devorciar-se, continuou a sua profissão de docência, após o fim do nazismo,
em 1945. Morreu em Basília, Suíça em 1969.
Jaspers foi um “filósofo contemporâneo Alemão cuja vida pessoal, bem como o percurso
intelectual, foram vividos na dependência da debilidade física que o caracterizou desde criança”
(JASPERS, 1969, p. 168). Entretanto, às êstases brônquicas, que o enfraqueceram desde tenra
idade, viria mais tarde acrescentar-se uma insuficiência cardíaca secundária que contribuiria para
o arrastamento irreversível da doença por toda a sua vida.

Como afirmamos de antemão, Jaspers viveu a sua vida, de acordo com o que escreveu na sua
autobiografia como um “destino” (JASPERS, 1969, p. 169). Não obstante, por um lado, a sua
cogitação evidencia, uma pessoa que viveu toda a vida em função de uma consciência profunda
dos seus limites e, por outro lado, de uma pessoa que lutou constantemente na tentativa de os
superar. Assim, a consciência profunda dos limites é o fundamento do pensamento de Jaspers.
Portanto, o homem deve viver consciente dos seus limites e deve lutar para os superar.

Segundo PERDIGÃO (2001, p. 540) o ponto de partida da sua cogitação acabou por ser o centro
da sua reflexão e discurso filosóficos: “o ser-no-mundo enquanto ser-em-situação”. Todavia,
12

essa situação cujo seu sentido está estritamente ligado embrionariamente a todos os temas que
giram em torno da existência humana como o são, à título de exemplo, a temporalidade, a
historicidade, a liberdade, a finitude, o sofrimento, o medo, o naufrágio, a morte, a
transcendência, etc.

Ademais PERDIGÃO (2001, p. 540) assevera subjacente à obra jasperiana que teve sempre a
tentativa contínua de, através de um discurso existencial, “compreender o vivido a partir de
dentro e acompanhar o fluxo da própria vida no seu sentido humano”. Seguindo este fio de
pensamento e compreendendo bem a vida do filósofo Jaspers, percebemos que o nosso autor
estava preocupado em reflectir sobre a vida humana e compreender o seu sentido.

Assim, a sua obra foi amadurecendo na vivência da proximidade simultânea do fracasso e das
possibilidades da sua superação. A seu modo, deu conteúdo e sentido às palavras de
(ABBAGNANO S/d.: 46) segundo as quais:
“(...) existir significa, pura e simplesmente, filosofar, se bem que filosofar nem sempre
signifique fazer filosofia. Com efeito, filosofar significa para o homem, antes de mais,
defrontar, com olhos bem abertos, o seu destino e a si mesmo pôr, com clareza, os
problemas que resultam da justa relação consigo próprio, com os outros homens e com o
mundo. Significa não já limitar-se a elaborar conceitos, a idear sistemas, mas escolher,
decidir, empenhar-se, apaixonar-se; em suma, viver autenticamente e ser autenticamente
ele próprio”.

Segundo Jaspers existir significa filosofar e filosofar não implica necessariamente fazer um curso
de filosofia. Quando o homem filosofa, defronta com uma visão aberta o seu destino, procura
pessoalmente clarificar os problemas com que se relaciona consigo mesmo, com outrem e com o
mundo. Se assim, o homem proceder durante a sua vida vai conquistar a autonomia e terá uma
existência autêntica e histórica, pois filosofa quem tem a consciência da sua existência.

1.2. Obras

Karl Theodor Jaspers, escreveu inúmeras obras, dentre as quais destacamos a proeminentes que
servirão de fundamentação teórica deste trabalho. São as seguintes:
13

“Filosofia”, escrita em 1932 consta de três volumes (nesta, foca-se sobre a orientação Filosófica
do Mundo, Explicação da Existência e Metafísica) e;
“Filosofia da Existência”, publicada em 1938. Nesta obra Jaspers debruça-se sobre a existência
humana. Ele, nessa obra analisa a existência humana e destaca as particularidades da filosofia da
existência;
“Razão e Contra-razão no Nosso Tempo”, escrita em 1950. Nesta, Jaspers advoga que o estado
racional determina o nível existencial do homem, o que implica diferenças existenciais. Portanto,
não há Razão sem Existência nem Existência sem Razão;
“Introdução ao Pensamento Filosófico”, escrita em 1965. Esta obra aborda vários temas que vão
desde a Iª Guerra Mundial e suas consequências sociais, psicológicas, etc; fazendo um roteiro
onde são colocadas situações do dia-a-dia que nos afectam de forma positiva ou negativa e que
muitas vezes não percebemos. É necessário que se faça filosofia diariamente, com os
acontecimentos do dia-a-dia, em todas as situações que nos rodeiam, para que tenhamos uma
visão crítica e clara de tudo o que é possível, para nos conduzir da melhor maneira na vida.

Também escreveu bastante sobre a ameaça que as ciências e as instituições políticas e


económicas associavam à consecução da liberdade humana. Ei-las em lista: “Psicopatologia
Geral” (1913); “Psicologia das Intuições do Mundo” (1919); “A Situação espiritual do nosso
tempo” (1931); “Max Weber” (1932); “Nietzsche” (1936); “Descartes e a Filosofia” (1937); “A
Culpa da Alemanha” (obra profundamente política 1946); “O Vivo da universidade” (1946);
“Sobre a Verdade” (1947); “A Fé Filosófica” escrita em 1948; “A origem e o fim da história”
(1950); “Guia de filosofia” (1950); “Discursos e ensaios” (1951); “O problema da
desmistificação” (1954); “ Os grandes filósofos” (1957); “A bomba atómica e o futuro dos
homens” (1958); “Filosofia e Mundo” (1958); “Razão e Liberdade” (1959); “A ideia da
universidade” (1961); “Os vários aspectos da fé filosófica na revelação” (1962); etc.

1.3. Influências de Karl Jaspers

Afirma-se que a humanidade e a autenticidade condicionaram e influenciaram grandemente a


filosofia de Jaspers e ficaram também a dever-se à influência exercida por outros factores. São
exemplos disso, a educação de amor, razão, rectidão e fidelidade que recebeu; a experiência de
solidão vivida durante o liceu e desencadeada por um meio social formalista e estratificado; as
14

leituras que Jaspers foi fazendo a partir dos dezassete anos, nomeadamente das obras dos
filósofos do passado, tais como Platão, Plotino em companhia; os mestres que teve, com
destaque para Max Weber (PERDIGÃO, 2001, p. 539). Como se pode notar, o pensamento de
Jaspers se fundamenta no amor como sentido da existência.

A pesquisa filosófica de Jaspers começa no início do século XX e tem como referência básica a
filosofia de Kierkegaard. Com efeito, a existência é um termo empregue pelo filósofo para
designar a “realidade humana” segundo o acento que deu Kierkegaard. Essa influência pode
ser mostrada principalmente quando assevera a necessidade de “recolocar” a questão da verdade
a partir do processo da existência. Jaspers salienta, sob uma forte influência de Kierkegaard:
“tudo o que é real existe para mim só enquanto eu sou eu mesmo” (JASPERS, 1965, p. 34).

Isso evidencia que, no mesmo caminho de Kierkegaard, Jaspers pensa a existência como
pressuposto fundamental para se entender a realidade. Em outras palavras, não podemos perceber
a realidade sem a existência.

Contudo, queremos salientar que, apesar de se pautarem determinados elementos do pensamento


kierkegaardiano, Jaspers se distingue dele de forma decisiva. É possível dizer que a diferença
pontual entre Kierkegaard e Jaspers reside, efectivamente, em que o primeiro (Kierkegaard)
fazer uma escolha, escolha essa pautada no reconhecimento de um “Deus dos cristãos”.
Entretanto, Jaspers pensa numa transcendência que está além da possibilidade da consciência e
do que ela nomeia como ser. Isso evidencia que os dois pensadores se encontram numa íntima
relação com âmbito que ultrapassa o homem, mas seguem caminhos díspares na compreensão
desse horizonte.

Para além dos estudos kierkegaardianos, Jaspers dedicou-se igualmente à leitura das obras de
Platão, Plotino, Nicolau de Cusa, Girodano Bruno, Schelling e Nietzsche, influências essas que
tiveram grande impacto e foram decisivas na estruturação do seu pensamento filosófico.
Podemos citar também Goethe, que, segundo Jaspers, lhe proporcionou a atmosfera da
“Humanitas e da ausência de prejuízo” (JASPERS, 1950, p. 251). Com estas figuras aqui citadas,
que tanto influenciaram o pensamento de Jaspers, mostramos que nenhum homem cogita ou
pensa a partir do nada. Existe sempre uma alavanca que serve de ponto de partida.
15

Entre os contemporâneos de Jaspers, podemos destacar claras referências a Max Weber, que
revela, como ele mesmo afirma, “a grandeza humana” (JASPERS, 1950, p. 252)1.

O contacto com a filosofia de Husserl, por sua vez, pode ser visto por duas vertentes: numa
primeira vertente, Jaspers explica que a sua fenomenologia e a aplicabilidade desse método
proporcionou um campo próprio para as suas investigações psicológicas, principalmente para
descrever a vivência dos doentes mentais. Numa segunda vertente, afirma que o encontro com
Husserl, em 1913, provocou a decepção diante da possibilidade de pensá-lo como grande
filósofo. Esse encontro é relatado por Jaspers na obra Balance y perspectiva da seguinte forma:

“Perguntei para ele (Husserl) que era realmente a fenomenologia, pois eu não sabia com
clareza. Ele respondeu: você já faz excelente fenomenologia em seus escritos. Você não
necessita saber o que é quando já o sabe fazer tão bem. E seguiu dizendo como o
deprimia que o comparasse com Schelling, pois Schelling não era um filósofo para ser
tomado a sério. Me calei e mais tarde pensei: este homem maravilhoso sabe tão pouco o
que é filosofia que sente uma ofensa que se lhe compare com um grande filósofo”
(JASPERS, 1953, p. 241).

Por conseguinte, pode-se asseverar que a filosofia de Kant mostra-se, de grosso modo, decisiva
na estruturação do pensamento de Karl Jaspers. Segundo o nosso autor, Kant percebe e
estabelece as grandes questões da humanidade, a saber: Que posso saber? Que devo fazer?
Que posso esperar? Em seu pensamento filosófico, Jaspers apreende e desenvolve essas
questões, mas sob uma outra perspectiva existencialista. Assim, Jaspers recolocou-as da seguinte
forma: “como estamos no mundo? De onde viemos? Quem somos”? (JASPERS, 1950, p. 256). O
filósofo explica que essa reformulação procede da vida mesma, da nossa circunstância actual, daí
a necessidade de se estabelecer uma outra abordagem.

Queremos ressaltar que, na óptica de Jaspers, a pergunta pelo “ser” do homem se faz mais
proeminente do que nunca. Por isso, ele salienta que já não basta perguntar como Kant,
transcendendo de si mesmo, que posso saber?, que devo fazer? e que posso esperar?, mas antes,
o homem sente-se mais decisivamente voltado para uma certeza que lhe falta, a certeza da sua
1
JASPERS, Karl. Balance e perspectiva: discursos y ensayos: In Mi camino a la filosofia. Madrid: in Revista de
ocidente 1953- trad. Fernando de Araújo Melo.
16

existência num mundo fragmentado. Portanto, Jaspers explica que por causa dessas questões, nos
colocamos no caminho da busca. Contudo, o homem e a transcendência é o objecto dessa busca.

Do exposto acima, podemos concluir que, diante disso, importa salientar que apesar dessa
confluência de idéias, Jaspers estabelece um projecto singular, que o diferencia de outros
filósofos. Pois, pode-se observar, no conjunto de sua obra, que o filósofo oferece uma chave
hermenêutica ou interpretativa para as várias oscilações que ocorrem entre Existenz e Dasein,
homem e transcendência, ciência e filosofia, fé filosófica, etc. É, portanto, a partir da articulação
desses elementos que devemos pensar sobre a Filosofia da Existência de Karl Jaspers.

1.4. O Contexto do surgimento do Existencialismo e seus expoentes

Definir o que é o “existencialismo não é facílimo porque, em primeiro lugar, tal filosofia nada
mais é senão o repúdio das essências” (WAHL, 1962, p. 10), se reparte em diversas correntes e
reveste diferentes formas. Como escreve Wahl: “Misticismo religioso e ateísmo declarado,
irracionalismo e apelo à razão, nihilismo desesperado e confiança serena nas possibilidades do
homem, tudo isto se encontra, e não por mero acaso, na filosofia da existência” (Ibidem).
Não pode negar que, apesar das diferenças entre as várias correntes do existencialismo, existam
semelhanças, “a inspiração comum de que todas partem”: o clima histórico (idem, p. 11). Esta
filosofia é situável entre as duas grandes guerras mundiais e que a inspiram por muito.

O existencialismo é uma doutrina filosófica que concebe a especulação filosófica como análise e
descrição minuciosa da existência humana concreta em todos os seus aspectos, tais como:
teóricos, práticos, individuais, sociais, instintivos, intencionais, mas sobretudo nos aspectos
irracionais da existência humana (AA. VV., 1991, p. 345). Assim, o existencialismo ou filosofia
da existência é caracterizado pelo facto de questionar o modo de ser do homem e do próprio
mundo. É uma análise da experiência quotidiana em todos os seus aspectos teóricos e práticos,
individuais, sociais, etc.

Através das ideologias dos filósofos alemães (Husserl, Heidegger, Jaspers), sentem-se os
primeiros ecos do existencialismo, a partir da Iª Guerra Mundial, e atinge o seu apogeu nos anos
de 1950 e 1960. Na sequência da IIª Guerra Mundial e do clima que se fazia sentir, os temas em
debate na época eram, evidentemente, próprios à difusão e popularidade do existencialismo,
17

sobretudo entre os jovens universitários e os intelectuais (Ibidem). Neste contexto, o


existencialismo aparece como fruto da perda de valores e imperativa necessidade de reordenação
do ser humano no universo.

O existencialismo emerge por iniciativa do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-
1980), considerado o seu principal representante. A publicação da obra “Ser e Nada” (1943) e as
suas posições filosóficas, demonstram que este estatuto de fundador lhe assenta na perfeição. O
pensador, influenciado por Heidegger, faz da existência uma finitude radical ao asseverar que “a
existência precede a essência” (LALANDE, S/d., p. 431).

Este pensamento o levou a sustentar que o ser humano é liberdade absoluta no sentido em que,
enquanto ser pensante, se vai construindo a si mesmo, portanto, o homem já não tem uma
essência que o delimite. Estamos perante um existencialismo ateu de que foi o mais conhecido
defensor.

Em âmbitos diferentes surge o filósofo Gabriel Marcel (1889-1973), por sua vez representante do
existencialismo cristão, sobretudo a partir da publicação do artigo Existência e Objectividade,
consolidando-se a sua doutrina em obras ulteriores como Ser e Ter (1935) e Homo Viator (1945)
(RICHARD, 1978, p. 109).
Assim, podemos perceber que a tese principal de Marcel consiste na ideia de que existir é ter em
conta o mistério, o transcendente.

Numa perspectiva filosófica talvez seja preferível frisar-se em filosofias da existência. Aquilo a
que chamamos “existencialismo” aparece de uma forma de doutrinas revestidas de
conceptualizações profundas e íntimas, à título de exemplo, no “sentido da angústia existencial”
de Kierkegaard, filósofo considerado como seu percursor. Pode ainda, entender-se como uma
corrente que tem como objecto o esclarecimento das questões existenciais da vida humana, como
afirma Karl Jaspers.

Então, será conveniente falar em filosofias da existência ao existencialismo, porque alguns dos
filósofos mais proeminentes da filosofia do século XX, como Heidegger e Jaspers não aceitam
ser qualificados de meros existencialistas, pela suspeita de este ser um termo reducionista.
Assim, o termo Filosofias da Existência, usado no plural, transparece alguma abertura, uma vez
18

que se trata de pensamentos que analisam a existência enquanto realidade ou existência humana.
Deste modo, todo o existencialismo será filosofia da existência, mas nem toda a filosofia da
existência é existencialismo2.

Para Jaspers e Heidegger o existencialismo não deixa de ser uma doutrina e as doutrinas
estabilizadas são a morte da própria filosofia (Ibidem). Todavia, o termo existencialismo coloca
em relevo as características irredutíveis da existência humana. Contudo, é um regresso à
existência tal como é vivida e nisto assemelha-se à filosofia existencial.

Em que medida? Na medida em que esta corrente coloca a realidade como uma espécie de
objecto que, na presença de um sujeito com existência, tenderá a que este participe na realidade
com as suas reacções sentimentais e passionais face às coisas. Portanto, sempre remte-nos ao
homem concreto, do homem sujeito à morte, nas suas relações com o mundo e com os outros,
buscando um sentido para a sua existência.

Do excerto acima, podemos inferir que o existencialismo é uma doutrina filosófica que concebe
a especulação filosófica como análise e descrição minuciosa da existência humana concreta em
todos os seus aspectos: teóricos, práticos, individuais, sociais, instintivos, intencionais, mas
sobretudo nos aspectos irracionais da existência humana.

Todavia, o termo existencialismo coloca em relevo as características irredutíveis da existência


humana. A razão que leva Heidegger e Jaspers a não aceitar serem chamados de meros
existencialistas, é que este termo é reducionista, na óptica deles. Eles preferem falar de
“filosofias da existência” que se caracteriza pelo facto de questionar o modo de ser do homem e
do próprio mundo, visto que este homem não se sente seguro e está sempre angustiado por causa
do drama da existência humana. Assim, o termo “Filosofias da Existência”, usado no plural,
transparece alguma abertura, uma vez que se trata de pensamentos que analisam a existência
enquanto realidade ou existência humana.

2
Cf: WAHL, Jean, As Filosofias da Existência, trad. I. Lobato e A. Torres, Lisboa, publicacão Europa-América,
1962:10.
19

II. CAPÍTULO: CONCEITOS E AS FORMAS DE EXISTÊNCIA HUMANA EM JASPERS

Neste capítulo, procuramos na primeira instância, conceptualizar os termos-chave que servirão


de suporte para a compreensão e aprofundamento do nosso trabalho. Na segunda instância,
vamos abordar sobre o Homem como um ser do mundo e no mundo, estabelecendo distinção
entre Dasein (ser-em-situação) e Existenz (Existência) segundo Jaspers. E na terceira instância,
destacamos as formas de existência humana em Jaspers.

2.1. Conceitos: Dasein (ser-em-situação) e Existenz (existência) segundo Jaspers

Os termos que a seguir definimos são indispensáveis para o nosso trabalho e constituem o centro
do nosso debate. Neste sentido, começamos por definir Dasein e depois Existenz.

2.1.1. Dasein (ser-em-situação)

Na sua obra “Filosofia da Existência” Jaspers afirma que, o “Dasein diz respeito ao homem, aos
objectos, ao mundo, considerados na perspectiva da objectividade. O Dasein é o mundo como
ser-aí (ou presença), é o homem na sua vida vulgar” (JASPERS, 1938, p. 541).
20

Nesta linha de pensamento, podemos inferir que, enquanto Dasein, o sujeito está ao nível da vida
e só pelo conjunto da vida consegue explicar a si próprio que vive e morre porque está ligado a
um corpo. Ou seja, existe unidade mas não existe identidade entre o eu e o seu corpo, sob pena
de não haver eu ou de reduzir o Dasein a um fenómeno da natureza.

2.1.2. Existenz (Existência)

É indispensável salientar a dificuldade de encontrar a definição de existência (Existenz) na obra


de Jaspes. Ele assevera a impossibilidade de desenvolver tal definição, em parte pela ausência de
um objecto o qual se referir.

No entender deste filósofo alemão,

“Existenz-Existência é uma realidade inobjectiva, oscila entre a subjectividade e a


objectividade e manifesta-se como Dasein. O sujeito vive nela e é dela que tira todas as
suas possibilidades, mesmo sem poder apreendê-la ou ver o seu próprio eu” (JASPERS,
1938, p. 543).

Jaspers fala da dificuldade de definição do termo existência, pois existência é uma realidade que
não é objectiva e manisfesta-se como Dasein. Na sua obra “Filosofia”, Jaspers afirma ainda que:

“existência é o que nunca é objecto; é a origem, a partir da qual eu penso e actuo, sobre
a qual falo em pensamentos que não são conhecimentos de algo; existência é o que se
refere e se relaciona consigo mesmo e, ao fazê-lo, com própria transcendência”
(JASPERS, 1932, p. 14).

Percebemos que a existência não é uma propriedade do homem, uma posse e algo do qual
poderia dispor. Pelo contrário, ela apresenta-se constantemente como uma possibilidade a ser
conquistada. Jaspers realça a importância de não confundir nem fazer equivaler a inobjectividade
da existência com a objectividade do Dasein e do mundo, reflecte-se no modo como fundamenta
o esclarecimento da própria existência. Mas o que quer dizer esclarecer?

Na visão jasperiana, esclarecer equivale ao acto de manifestar, aclarar, revelar, ou seja, viver
autenticamente a Existência. Ademais, quer dizer escolhê-la, encará-la e percorrer o seu sentido
21

(Ibidem). O nosso autor faz a distinção entre Dasein e Existenz. É o iten que vamo-nos ocupar a
seguir.

2. 2. O Homem é um ser do mundo e no mundo (distinção entre Dasein e Existenz)

Na sua reflexão filosófica, Jaspers dedicou-se fundamentalmente a estabelecer a distinção entre


“ser-em-situação” (Dasein) e “Existência” (Existenz). Se ser-em-situação é a realidade empírica
que se mostra e se impõe a toda realidade, humana ou mundana, física ou psíquica; a existência
seria o transcender, estar fora ou para além da situação (MONDIN, 1987, p. 194).

Aclarando a distinção entre Dasein e Existenz, Jaspers, na sua obra “Introdução ao Pensamento
Filosófico” afirma que:

“enquanto existência possível (Existenz) somos liberdade. Em sua liberdade a existência


sabe-se em relação com a transcendência pela qual se oferece a si mesma. A realidade
de nossa existência é o eu em seu devir temporal. Está em nosso amor, fala e é nossa
consciência; põe-nos em relação com os outros e é a nossa razão. Em suma, somos devir
em relação à transcendência, no fundo das coisas. Ao passo que, enquanto existente
(Dasein), ser objectivo, nós somos a diversidade dos seres individuais afirmando-se a si
próprios” (JASPERS, 1965, p. 29).

Nesta obra, Jaspers advoga que não há existência sem Dasein, mas o Dasein não é Existência.
Este é o verdadeiro valor ou o significado existêncial da tensão perpétua que os implicam
mutuamente sem que possam unir-se ou separar-se. Neste sentido, podemos afirmar que, por um
lado, a existência dá sentido os modos do abrangente e matêm-os unidos a seu serviço. Por outro,
se esses modos não servem a existência desagregam-se e assumem pseudo-autonomia a serviço
de singulares solicitações da vida.

Todavia, é “no mundo, mais do que o mundo. É, na história, mais do que a história. Aquilo que
cada sujeito pode ser, mas não o é, enquanto manifestação empírica do Dasein, só o será
enquanto existência” (JASPERS 1938, p. 542).

Para Jaspers, o Dasein está no mundo, mas não se reflecte a si próprio enquanto presença no
mundo. Falta-lhe o que lhe faculta estabelecer um horizonte de significação com o mundo e
22

reconhecer-se interiormente na qualidade de outro em relação ao próprio mundo: a consciência.


Efectivamente, é no plano da consciência em geral que, por meio do esclarecimento da existência
se supera o Dasein. A realidade deixa de ser o mundo para ser a própria realidade do existir. Ora,
o homem como ser-em-situação ou Dasein está constantemente a procura de superar tais
situações-limite.

2.2.1 O Ser-em-Situação

O ser-em-situação do homem pertence à mesma ordem do ser-em-situação universal, isto é, está


no mesmo nível das coisas no mundo, mas o ser-em-situação não é o seu verdadeiro ser; o
homem se encontra sistematicamente fora de si, além de si mesmo.

Do mesmo modo que para Heidegger, também para Jaspers o aspecto relevante e característico
da existência é ser sempre uma existência no mundo; ou seja, ligado a uma situação de facto que
a delimita e caracteriza de uma maneira específica. A existência não se apresenta como algo
acabado; “Ela ainda não é, mas pode e deve ser; se ela atinge o ser ou falha, é resultado da
escolha, da decisão, não se dá existência senão como liberdade” (MONDIN, 1987, p. 195).

JASPERS citado por MONDIN, ainda afirma que:


“(...) a existência tem no ser-em-situação o seu ponto de apoio, seus instrumentos de
acção, a sua manifestação forçada. A existência é uma abertura através da realidade
empírica do mundo. E, no entanto, esta abertura não conduz para fora do mundo: ela se
realiza no mundo; se ela quisesse sair dele, cairia no vazio” (Ibidem).

Nesta perspectiva, a existência é busca do ser. Nós podemos procurar o ser ou no mundo das
coisas que nos circulam ou em nós próprios. Porém, o primeiro momento da filosofia é
constituído pela orientação em face do mundo, como mero estar-ai, (Dasein) e como uma coisa
do mundo juntamente com outras coisas do mundo. Deste modo, a investigação do ser é
concebida como “orientação no mundo”, só se pode realizar no mundo; pretender sair dele,
corre-se o risco de cair no vazio. É uma investigação que não tem fim, que passa de uma coisa a
outra, de um termo a outro, até ao infinito, mas que não encontra nem pode encontrar mais do
que coisas no mundo.
23

Escreve Jaspers: “Chama-se orientação porque, continuamente inconclusa permanece como


processo infinito. E se chama orientação no mundo porque se constitui como o saber acerca de
determinado ser, e precisamente aquele que está no mundo”, e continua: “nenhum ser conhecido
é O Ser; Se eu quiser captar o ser enquanto Ser, estou irremediavelmente destinado ao naufrágio”
(REALE, 1991, p. 597). Ao ser autêntico Jaspers chama de o todo abrangente, que é, portanto, o
que sempre e continuamente se anuncia a nós, mas que nunca se anuncia dando-se ele próprio,
acabado; senão sendo a fonte de toda outra coisa, outro ser.

O autor frisa que o homem se sente livre somente em relação com a transcendência. E quando
começa a reflectir, ele toma consciência de que não tem certeza nem apoio. O autor adverte que é
preciso que nós, homens, tenhamos coragem quando estamos a reflectir sobre a vida (JASPERS,
1965, p. 38). De salienatar que a coragem engendra a esperança e sem ela não há vida. Portanto,
assevera Jaspers que “onde há vida, há sempre um mínimo de esperança, que brota da coragem”
(Ibidem). Pois, a esperança só tem sentido em relação ao existente (homem).
2.2.2 A inquietação existencial e as situações-limite

Apesar das diferenças que estiveram na génese do tronco de natureza triádica 3 em que se
classificam, de um modo geral, as diferentes Filosofias da Existência, todas elas estão
profundamente aglutinadas entre si pelo pressuposto teórico que partilham4.

Ora, no pensar de Jaspers, as coordenadas existenciais através das quais pensou o existir humano
são a confirmação inequívoca desse pressuposto: a Existência é no mundo; a Existência jorra do
seio da sua liberdade; a Existência é como outro. A tematização destes pressupostos conduziu
este defensor da “Existenzphilosophie 5 ” à fundamentação de dois dos seus conceitos mais
peculiares e característicos, a saber, o de inquietação existencial e o de situações-limite.

O primeiro (o de inquietação existencial) enraíza-se no desejo contínuo do sujeito ser ele mesmo
e de se compreender na intimidade do ser. Assim, na qualidade de desejo existencial que é,
corresponde apenas a insatisfação estrutural do Dasein, limitado à sua facticidade. Por sua vez,
esta insatisfação é “uma luta que afirma e nega, que oprime e liberta simultaneamente. No

3
Um tronco em cujos ramos representam um existencialismo teísta, místico e ateu.
4
A existência precede a essência (por exemplo: Wall, 1962; Heidegger, 1984; Sartre & Ferreira, 1978).
5
Existenzphilosophie-significa “Filosofia da Existência”.
24

coração da Existência, ela nasce da luta contra o ser-do-mundo e da luta pelo Mundo a que aspira
dentro do seu próprio (Scheitern)6 fracasso” (PERDIGÃO, 2001, p. 545).

Por outras palavras, por um lado, a Existência instala o sujeito em situações concretas e
contingentes timbradas pela presença contínua dos seus limites e da sua impotência face a elas,
simultaneamente. E, por outro lado, igualmente o ensina a ler os caminhos e os sinais dos tempos
que podem conduzir o existente à Verdade da Existência e, por fim, à Verdade da
Transcendência onde todas as possibilidades são possíveis (Ibidem).

O segundo (o de situações-limite) é, por diferentes razões, um dos conceitos mais característicos


e importantes da filosofia existencial de Karl Jaspers. É importante pela sua novidade, mas
também pelo conjunto quase ilimitado de ramificações que a sua tematização consente e, acima
de tudo, por ser o conceito que permite aclarar ou esclarecer o Todo da Existência.

Quase todos os momentos da vida do sujeito evidenciam o carácter inefável da Existência, que é
o fruto mais explícito e inequívoco da co-existência do homem e da Transcendência. Entretanto,
“essa evidência, essa inefabilidade e essa co-existência estão presentes ao homem através dos
índices ou marcas da Existência, através das cifras ou sinais da Transcendência e através das
situações-limite” (Ibidem).

A compreensão deste último conceito, Jaspers explica claramente fazendo a distinção entre os
conceitos de situação e de situações-limite, apesar do seu entrelaçamento e da sua
complementaridade. É importante salientar que, para Jaspers:

“a situação não se refere aos factos (cujo valor reside precisamente na sua opacidade e
no seu acabamento); nem à rede de determinações objectivas que agem sobre o
indivíduo (e que é o modo como a ciência costuma tratar a situação); mas também não
se refere ao modo como as outras filosofias habitualmente a tratam. Ao nível da
Existência, a presença (o Dasein) é um existir em situação. Não é o estar-aí, mas o ser-aí
do sujeito que transforma um facto ou um acontecimento em situação dando-lhe
conteúdo e significação, inserindo-a num horizonte de historicidade. A situação não vale
pelo seu fora, mas pelo seu dentro. O valor existencial da situação não reside naquilo

6
Scheitern-significa fracasso.
25

que lhe é exterior, como os factos e os acontecimentos que a envolvem, por exemplo, mas
naquilo que a faz existir como situação: o sujeito, o eu. E o sujeito ou o eu está sempre
em situação” (JASPERS apud PERDIGÃO, 2001, p.545).

Nesta distinção que o nosso autor faz, podemos levantar a seguinte problemática: o que falta
então à situação para que ela seja situação-limite? Um salto, um salto qualitativo. Através deste
salto qualitativo permite ao sujeito confrontar, até a si mesmo na medida em que é o sujeito
próprio, como se estivesse fora da sua vida existente e entra no mundo para orientar-se nele.

No nosso entender, estes são os primeiros passos autênticos no caminho da realização do sentido
mais íntimo da liberdade existencial do indivíduo. Tendo o sujeito superado o Dasein, porém não
negado, por meio do salto e pela via reflexiva, conquista o seu próprio poder, o poder de se ver a
si mesmo projectado na existência, o poder da distância especular através da qual a Existência
ganha conteúdo, profundidade, tempo e historicidade. Assim, o sujeito escolheu-se como
liberdade, decidiu-se pela sua própria independência. Transformou o ser-do-mundo (próprio do
Dasein) em ser-no-mundo (próprio da Existência autêntica) (idem, p. 546 ).

Como podemos notar, um dos pressupostos cruciais da “Filosofia da Existência” de Jaspers,


assenta no facto de esta situação-limite ser fundamental para desvendar todas as outras. E é nela
onde se enraizam as outras situações-limites que afectam a Existência do sujeito, tais como: a
luta, a culpabilidade, a morte e o sofrimento. Estas têm origem na própria liberdade que, por ser
(na existência) tendência para o absoluto e para o incondicionado, acaba por querer o impossível.
A liberdade é luta e conflito, a culpa é inevitável, aliás, a culpabilidade é inerente à própria
liberdade e à própria existência. Embora as situações-limite sejam, por um lado, marcas
profundas e autênticas da presença da transcendência na imanência, por outro, a existência vive-
se, perante elas, no seu próprio limite. Ora, face a este limite, o desespero e a angústia invadem-
nos com frequência.

Para explicitar melhor, Jaspers afirma na sua obra “Filosofia da Existência” que:

“encarar as situaçãoes-limites sem fugir e sem as negar, é o único modo que o sujeito
tem de poder decifrar ou ver o que está para além delas. Porque elas estão lá, sem que
sejam previsíveis nem superáveis (...) , explicadas e modificadas. Não é possível
26

estruturar uma teoria geral das situações-limite. É precisamente nisso que reside a sua
grandeza. Assumir livremente a sua ruína é a única forma de o homem descobrir que
essa ruína não é o fim, mas um novo princípio e um novo começo” (JASPERS, 1938, p.
145).

Neste sentido, o desespero e angústia não surgem simplesmente da possibilidade de vivermos


uma determinada situação como limite dessa mesma situação. Surgem igualmente da nossa
liberdade de decisão que torna o sujeito responsável pela sua Existência e pelo seu futuro
consoante a sua escolha como liberdade ou Dasein. Na existência o homem corre alguns perigos
mortais. Tais perigos falamos no iten a seguir.

2.2.3 Os perigos da existência humana em Jaspers

Nesta investigação ou busca do ser, segundo Jaspers, o homem corre dois “perigos mortais” para
a existência. São os seguintes:
i. o primeiro é o perigo de “dissolver-se, identificar-se em absoluto com o ser-em-situação
como se ele fosse o verdadeiro ser” – é o caso dos que amam excessivamente as coisas
sensíveis, assumindo-as como sua própria vida ou como única fonte da força vital;
ii. o segundo perigo é “comportar-se como se o ser-em-situação não existisse, como se ele
não tivesse nenhuma importância, nenhum significado”, ou seja, como se as coisas do
mundo não significassem absolutamente nada (MONDIN, 1987, p. 195).

Na sua obra “Filosofia” Jaspers explicita o ser-em-situação por duas perspectivas. Por um lado,
“o ser-em-situação, em si mesmo, isolado da existência, é uma coisa essencialmente incompleta,
relativa, é “nula”. Por outro lado, premido pelo ser pessoal, o ser-em-situação adquire peso,
valor absoluto, importância infinita. Apropriando-se dele livremente, a existência faz dele algo
próprio”, (JASPERS, 1932, pp. 122-123) tornando-se uma coisa só com ele.

Só podemos sair desta “prisão do Dasein” desvinculando-nos da consideração objectivante, para


a qual nós mesmos somos uma realidade objectiva do mundo, e colocando-nos no plano da
consideração existencial, para a qual nós nunca somos objecto a nós mesmos. A imagem
formada neste plano não é acidental e não se pode mudar arbitrariamente; o homem é a própria
intuição do mundo e a própria situação do mundo enquanto origem do filosofar.
27

No plano central do seu filosofar, Jaspers identifica a situação exterior ao próprio homem:
“como parte de mim mesmo, a minha situação não pode ser objectivada ou considerada a partir
do exterior, é idêntica a mim mesmo” (ABAGNANO, s/d., p. 70). Está no seu interior e, por
isso, é a consciência que conduz o homem a escolhar de forma liberal e autónomo o que quiser
ser.

2.2.4 A Filosofia de Jaspers como pressuposto da liberdade

À primeira vista a filosofia de Jaspers é uma filosofia de liberdade, pois afirma que o homem é o
que ele mesmo escolhe ser; a sua escolha é que constitui o seu ser e ele não é senão enquanto
escolhe. “A escolha de mim mesmo é a liberdade originária, aquela liberdade sem a qual eu não
sou eu mesmo” (Ibidem). Mas o eu que se escolhe é a própria situação no mundo, situação
historicamente determinada, objectiva, particular, e a sua escolha autoconstitutiva não é mais do
que tomar consciência desta situação do mundo. Isto significa que a escolha, radicando numa
situação determinada, não pode escolher senão o que já foi escolhido e constituído numa situação
de facto.

Para consubstanciar esse pensamento, Jaspers escreve o seguinte: “eu não posso refazer-me
radicalmente e escolher entre ser eu mesmo e não ser eu mesmo, como se a liberdade estivesse
diante de mim apenas como um instrumento. Mas enquanto escolho eu sou, se não sou não
escolho” (JASPERS apud ABAGNANO, s/d., p. 71). Quer isto dizer que perante a escolha
nunca se oferecem alternativas diferentes. Não há meio termo logicamente falando. Ou é aquilo
que é ou não é.

A escolha do ser nunca é um comparar, um separar, um seleccionar mas é sempre e unicamente o


reconhecimento e aceitação daquela única possibilidade implícita na situação de facto que
constitui o meu eu. Jaspers a firma ainda que “eu estou numa situação histórica se me identifico
com uma realidade e com a sua tarefa imensa (...) eu somente posso pertencer a um único povo,
posso ter apenas estes pais e não outros, posso amar somente uma única mulher; mas eu posso,
em todo caso, trair” (Ibidem). Admitir que podemos recorrer àquelas possibilidades sempre
28

novas de que a vida está repleta, significa para Jaspers trairmo-nos a nós mesmos já que somos a
nossa situação e essa é a realidade intranscendível.

O único modo de se ser si mesmo, a única escolha autêntica é a que aceita incondicionalmente a
situação de facto à qual se pertence; “O meu eu é idêntico ao lugar da realidade em que me
encontro” (JASPERS, 1932, p. 134). E dado que a escolha é originariamente comunicativa e a
escolha de si é sempre, ao mesmo tempo, escolha dos outros, nem mesmo a escolha dos outros é
um seleccionar, mas apenas a decisão originária de uma comunicação incondicionada com
aqueles com que me encontro como comigo mesmo.

A identificação do eu com a situação aparece, para Jaspers, como a culpa originária e inevitável,
que é o fundamento de toda a culpa particular. Na vida e em vida muitos homens não assumem
as culpas, lançam-as para os outros, afirmando “ eu não sou culpado”. O reconhecimento e a
aceitação da situação, elimina da realidade as culpas evitáveis, a traição para consigo mesmo,
mas permite reconhecer, na sua verdadeira natureza, a culpa originária e inevitável, o não poder
não estar em situação (Ibidem).
A culpa inevitável é a limitação necessária do eu na situação; a culpa evitável é o
desconhecimento, a inexistente ou débil aceitação da própria situação e, por conseguinte, a
renúncia de si mesmo mas, mesmo assim, a identidade do eu com a situação acontece, mesmo
sem ser reconhecida e aceite. A escolha só oferece ao homem a alternativa do reconhecimento;
da aceitação da situação originária, de maneira que mesmo que o homem possa escolher o seu
ser, só é possível “chegar a ser o que se é” (ABAGNANO, s/d., p. 72). Todavia, podemos
concluir que na vida humana, tanto o triunfo como a queda surgem pela mão do sujeito pessoal,
livre e são fruto da sua escolha e decisão.

2.2.5 Existência consciente

Perante a impossibilidade de atingir o ser através da orientação no mundo, convêm procurar


captá-lo em nós mesmos por meio de um processo de clarificação da existência por obra da
razão.
29

Na sua obra “Razão contra-Razão no nosso Tempo”, Jaspers determina os “pólos do nosso ser”.
Disse ele que a razão é presente como intelecto à consciência em geral, como vida ou totalidade
de ideias ao espírito e como razão esclarecedora à própria existência. Não a razão abstracta das
ciências ou a idealista senão a razão existentiva, individualizada, pessoal e polarmente ligada a
existência; pois, “se a existência atinge a clareza só pela razão, a razão tem um conteúdo só
através da existência” (WAHL,1962, p. 52).

É à razão que Jaspers confia aquela iluminação da existência em que consiste a filosofia. Ela
“cria e determina para mim o fundo claro da minha autoconsciência” (Ibidem). A existência é
sempre a minha existência, singular e inconfundível; como afirmaram Kierkegaard (em nome da
fé) e Nietzsche (em nome de um homem novo); para os quais “compreender a si mesmo (...) é o
caminho para a verdadeira existência” ( REALE, 1991, p. 600).

A existência é inobjectivável, é “uma questão pessoal”, ou melhor, não é algo que possamos
colocar diante de nós como um objecto e com o qual possamos pôr-nos em relação. Assevera
Jaspers “eu sou existência enquanto não me torno objecto. Nela, eu me sinto independente, sem
poder intuir o que sou. Vivo de sua possibilidade, mas só não realizá-la sou eu” (idem, p. 601).

Assim sendo, que dizer dos tolos, os doentes mentais vulgo malucos, que vagueiam desnorteados
buscando pura e simplesmente satisfazer necessidades imediatas?, pode-se destes afirmar que
existem? Claro que sim, esta gente existe porque “na existência, a razão é a própria acção de
existir”; os tolos existem sim, no entanto, a sua é uma existência diferente mas a única possível;
dada a sua natureza é uma “existência cega e violenta”, típica dos impulsos dos sentimentos,
vividos sem iluminação racional (ABAGNANO, s/d., p. 94).

Portanto, podemos concluir que a existência e razão devem, pois, se interpenetrar para construir
a “razão autêntica ou a existência autêntica”; e só com a sua penetração recíproca é que a
existência se abre à verdade, isto é, à comunicação com os outros. A tentativa de surpreender
todo o ser no ser que nós somos está destinada ao fracasso, vemo-nos sempre longe de o
alcançar. Como escreve Jaspers: “a existência torna-se manifesta a si mesma e, portanto, real se
com uma outra existência e através dela, se alcança a si própria” (REALE, 1991, p. 603).
30

No plano da existência, a razão atinge o absoluto. Mas a existência não é todo o ser; podemos
alargar o horizonte de nossas experiências de forma coerente e unitária mas, jamais atingiremos a
absoluta unidade do ser, a sua totalidade (WAHL, 1962, p. 53). Com efeito, se o alcançasse
destruir-se-ia a justificação do homem, na medida em que este se torna ele próprio sempre e
apenas na comunicação. Substancialmente a existência alheia não é oposta à minha, mas uma
outra única e singular que, juntamente com a minha, procura aquela única existência que está
além de todas existências.

No pensamento de Jaspers o conceito de comunicação tem uma importância central. Segundo ele
a razão só pode explicar-se através da linguagem e, esta pressupõe a comunicação entre os
homens. A comunicação é constitutiva do nosso ser e indispensável na pesquisa da verdade;
“uma pessoa singular não pode nunca, por si só, tornar-se homem ” (idem, p. 54).
Jaspers reconhece a necessidade e o valor positivo da vida social – “fora da sociedade não há
existência; ao indivíduo não resta outra escolha: Ou reduz-se ao nada, fechando-se na sua
subjectividade, ou desenvolve-se na objectividade, entrando nela” (idem, p. 55). A sociedade
assegura a cada homem o espaço da sua existência. Ela torna-se necessária pela vocação própria
do homem como Dasein, para o domínio, propriedade e ordem.

A vontade de domínio é consequência da sua imperfeição, da sua incapacidade, e constitui o


único modo de estar-aí. Por virtude da vontade de domínio, sem a sociedade a existência não
seria possível. É ainda a sociedade que garante, a cada homem, um certo poder de disposição e
estabilidade à vida humana – a propriedade; através dela, os homens vivem uma perspectiva
histórica; isto porque ela consente aos filhos herdarem os frutos do trabalho dos pais e assim por
todas gerações. Por sua vez, a propriedade requer a existência de uma ordem que a garanta. E
não pode haver ordem fora de uma sociedade que assegure a observância das leis e o respeito
mútuo dos homens e das instituições (id. pp. 55-56). Isso será possível se o homem entrar em
comunicação. Por isso, ele salienta ainda que:

“na comunicação cada um, manifestando-se aos outros, revela-se a si próprio, pois que
esta revelação não se realiza totalmente em uma existência isolada, mas só em conjunto
com outros. Uma comunicação autêntica exige uma pergunta e um responder sem fim –
uma verdadeira luta em comum para a conquista do ser. Na comunicação existencial, e
31

através dela, o eu, revelando-se ao outro, toma consciência de si próprio; pondo-se a


disponibilidade de outros, dilata a sua própria personalidade” (idem, p. 60).

Podemos ilaçar que para Jaspers, a comunicação é um índice da existência porque o sujeito, por
si só, nunca é aquilo que é. Precisa sempre do outro para poder vir a ser aquilo que é. Ao passo
que, a historicidade existencial diz respeito à história íntima do ser-no-mundo através da qual a
existência se revela simultaneamente temporal e eterna, necessária e livre. Diz respeito à história
fundamental e autêntica que se constrói dentro do tempo e do espaço humanos. Pois, não há
existência sem liberdade, e a existência possível corresponde ao possível vivido, aquele que o
sujeito escolhe (na sua acção), então existir é ir sendo pela escolha e pela decisão.

2.3 As formas de existência

A existência é o que dignifica o nosso ser e vai sendo orientado a uma lógica de capacidade de
escolher algo ou aquilo que cada um escolher ser na vida. A estrutura relacional é que dignifica a
existência. Existir é estar no mundo exterior e em relação imediata com os outros; é estar virado
para o futuro tendo em conta o passado; é, portanto, preocupação e temporalidade; é ter
consciência da morte como impossibilidade do possível e do fracasso da liberdade.

No pensar de Jaspers, apenas uma pequena minoria se pode considerar que vive
verdadeiramente, isto é, existe, ao passo que a grande maioria simplesmente “é”, ou melhor, ao
invés de existirem (existência autêntica) apenas dispersam-se entre as coisas (existência
inautêntica) (JASPERS, 1932, p. 538). Assim, o autor afirma que existem duas formas de
existência, a saber: existência autêntica e inautêntica.

O homem não deve permitir que a sua singularidade seja apagada pela onda da massa, esse
Dasein não deve fazer as coisas simplesmente porque a sociedade assim as faz, nem pensar
como pensa a massa, nem dizer as coisas como as diz a gente; assim o homem se circunscreve no
que faz a multidão porque lhe é a maneira correcta de proceder (idem, p. 539). Esta é a existência
banal. E não deveria ser assim.

O homem deve transcender do ser simplesmente, questionando-se a si mesmo, o ser para o


existir autenticamente (estar-aí). Domina então a angústia. O Dasein ganha consciência da sua
finitude, da sua temporalidade e para mais, projecta-se para um possível futuro e, felizmente,
32

aceita a morte, admite a verdade que não deveria temê-la segundo a qual ele é “ser-para-a-morte”
conquistando a liberdade, pois é “livre para a morte” (JASPERS,1938, p. 548).

Sendo verdade e natural que o homem é um “estar-no-mundo” o Dasein deve libertar-se do


comum da mundanidade que equivale à existência inautêntica para conquistar o modo autêntico
do existir saindo e mantendo-se diferente da multidão. O que existe autenticamente deve não se
identificar com a multidão, isto é, deve ser radicalmente exclusivo, não obstante o modo normal
do estar-aí é “estar-em-conjunto” do qual se assemelha.

Fazendo o desfecho do capítulo, podemos concluir que há, portanto, na concepção de Jaspers,
duas formas de existência: uma existência instintiva típica dos homens inconscientes (existência
inautêntica) da sua própria existência e que vivem ao sabor do “deus dará” – este tipo de
existência é um desvio. A segunda forma de existência é aquela cujos homens estão conscientes
dela e pelo uso da razão perspectivam o seu destino e comunicam sua existência com outras
existências e juntos buscam afirmar uma existência histórica – é a existência autêntica.
III. CAPÍTULO: O DESTINO TRANSCEDENTE DO HOMEM E O SER HUMANO NA
BUSCA DO SENTIDO DE EXISTÊNCIA HOJE

Neste terceiro capítulo e último deste trabalho, vamo-nos debruçar, numa primeira fase, sobre o
destino transcendente do homem, onde focamos do fracasso, do mundo e da transcendência. Na
segunda fase, ocupamo-nos a explicar acerca do sentido da existência hoje. Nesta, evocamos a
máxima socrática “conhece-te a ti mesmo”. Esta máxima é, ainda hoje, a regra mínima na
orientação da vida para todo o homem. Por fim, abordamos sobre a origem, natureza, a
orientação e o fim do homem.

3.1 Destino transcendente do homem

O ser embora constitutivo da existência, infinitamente a transcende. A existência é ao mesmo


tempo, para Jaspers, a impossibilidade radical da existência. Desta impossibilidade radical
aborda na obra “Filosofia III” ou Metafísica; onde se pode constatar que todo o esforço humano
para ultrapassar o mundo da experiência só pode conseguir imitar este mesmo mundo,
produzindo uma cópia do ser-em-situação e projectando-a no além: “A razão não pode pensar a
transcendência a não ser como Dasein no próprio plano do mundo (...) A transcendência é então
33

o outro Dasein, o do além, o que não se acha aqui” (JASPERS, 1932, p. 196). Por isso, “A
existência é busca do ser; mas o ser não é uma possibilidade da existência” (ABAGNANO, s/d.,
p. 73). O ser é transcendente e, como tal, só pode ter uma e única característica possível de se
manifestar ao homem; precisamente a impossibilidade de o alcançar.

A transcendência pode ser exprimida como realmente presente à existência humana como uma
cifra, símbolo e, dado que os símbolos não valem como tal, necessitando infalivelmente de uma
interpretação que, feita por homens, não pode prescindir daquilo que o próprio homem é; “toda a
cifra ou símbolo interpretado pela existência é uma confirmação de que a existência não pode ser
senão o que é” (Ibidem).

A transcendência revela-se naquilo a que Jaspers denomina de situação-limite; isto é, situações


imutáveis, definitivas, intransponíveis; frente às quais toda a rebelião humana é insensata: o
homem mais nada de racional pode fazer senão tomar consciência delas e torná-las esclarecidas.
Assim,
“abrir-se para a transcendência quer dizer superar continuamente os nossos horizontes
limitados para conquistar novos e mais amplos, nos quais possa encontrar sempre maior
satisfação a nossa ânsia de verdade. Tal esforço está destinado ao fracasso mas, este
fracasso torna-se constitutivo da nossa existência, que se torna quotidiana conquista de
uma verdade sempre mais compreensiva e mais alta” (WAHL,2001, p. 54).

Encontrar-se em situação-limite significa “não poder não”: não poder não sofrer, não poder não
lutar pela vida, não poder não viver na dor, não poder não morrer, etc., e, esta última, a morte é,
para Jaspers, a maior de todas e qualquer situação-limite; que ao distinguir entre situação-limite
geral e situação-limite especificamente individual, a morte compreendeu os dois níveis: ela é
uma situação-limite geral do mundo; ou seja, tudo o que é real no mundo é mortal, sem
excepção, e é ao mesmo tempo uma situação especificamente humana, isto é, atormenta todo o
homem e o corrói no seu íntimo logo que ele se constitui como autoconsciência pessoal.
Portanto, a situação-limite é a revelação mais clara da impossibilidade constitutiva da existência
em que o homem se encontra (MONDIN, 1987, pp.196-197).

O sinal mais evidente da transcendência é o fracasso que o homem sofre na tentativa de superar
ou compreender de alguma maneira a situação-limite; nem a razão mais esclarecida oferece
34

alguma prova de que o homem possa evitar tal situação. Neste fracasso, a própria transcendência
faz sentir a sua presença. Então, o que é fracasso?

3.1.1 O Fracasso

A questão principal que Jaspers levanta sobre o fracasso é:


“na multiplicidade do fracasso, todavia, fica a pergunta: se o fracasso é, em absoluto,
aniquilação, porque o que fracassa perece, com efeito, ou se, ao contrário, no fracasso
se patentiza um ser; se o fracasso pode não ser apenas um fracasso, mas movimento até
a eternidade” (JASPERS, 1932, p. 606).

A resposta àquela questão é, efectivamente, unívoca, mas tão diluída em sua obra quanto o
próprio fracasso. Assim, segundo a nossa análise, o fracasso que o homem experimenta nas
situações-limite não é simplesmente aniquilação. Por isso, nem tudo que está no mundo perece.
Para a Existenzphilosophie7, o fracasso é, por excelência, a cifra subjectiva. O fracasso é, de
facto, de entre todas as cifras, a cifra derradeira e inevitável. Todas as outras são verdadeiras e
culminam na cifra das cifras (que é o fracasso). Ele é a cifra que nos mostra o caminho da
transcendência do qual o homem deve precorrer para superar as situações-limite.

Assim, Jaspers advoga que o fracasso se revela não apenas como ruína e aniquilação, mas como
possível início de um processo em que se revela o ser e no qual se pode realizar um movimento
em relação ao infinito (transcendência). Caimos no fracasso quando queremos atingir o
impossível. De acordo com a “Filosofia da Existência” de Karl Jaspers, “o fracasso está em
toda a parte porque o Dasein está condenado à morte. Desta forma, tudo na vida do sujeito o
confronta com a experiência de que o ser morrerá” (JASPERS, 1938, p. 552).

O sujeito, por ser inacabado, vive um sentimento de culpa que surge da impossibilidade original
do Dasein que não se basta a si mesmo e deve morrer, por um lado, e da sua própria liberdade
por outro. Porque? Porque o sujeito contrai a culpa por querer o impossível, o inatingível, não
pode nem deve ser completamente o que quer.

7
ExistenzPhilosophie-significa Filosofia da Existência, p. 550.
35

Segundo Jaspers o fracasso surge da antinomia da liberdade, ou a liberdade entra em conflito


com a natureza e destrói o Dasein, ou ela identifica-se com a natureza aniquilando a “existência
enquanto liberdade” (JASPERS, 1938, p. 552).

Ora, se o sujeito se escolhe enquanto natureza, fracassa como existência; se ele se escolhe
enquanto existência, fracassa como Dasein. Podemos dizer que pela primeira via, o sujeito
encara tanto a ruína como a salvação que dizem respeito ao Dasein. E pela segunda, a existência
autêntica destruirá a sua consistência e a sua estabilidade porque a liberdade tem que fracassar
como liberdade e como Dasein. Assim tece-se o caminho ou a via para a transcendência.

Na mesma perspectiva, Jaspers assevera na sua obra “Filosofia” que “o fracasso não é a
“noite”, é o próprio caminho” (JASPERS, 1932, p. 130). Portanto, é um caminho que conduz o
homem para a transcendência. E o caminho a seguir é o da aceitação activa do fracasso.

Sumariamente, quanto ao destino transcendente do homem, inferimos que o ser embora


constitutivo da existência, infinitamente a transcende. Por isso, a razão não pode pensar a
transcendência a não ser como Dasein no próprio plano do mundo. Assim, a transcendência é
então o outro Dasein, o do além, o que não se acha aqui. O ser é transcendente e, como tal, só
pode ter uma e única característica possível de se manifestar ao homem; precisamente a
impossibilidade de o alcançar. E o sinal mais evidente da transcendência é o fracasso que o
homem sofre na tentativa de superar ou compreender de alguma forma a situação-limite.

Concernente ao fracasso, supera-se no acto da escolha na medida em que o sujeito opta


livremente pela existência. Na cifra das cifras, por meio da fé filosófica, o ser humano ou o
homem lê a transcendência e crê na existência. Assim, o sujeito regressa à consciência de si e da
sua historicidade livremente. Vemos as reacções ao fracasso que se experimentam nas situações-
limite, dentre as quais referenciamos o reconhecimento de si como existência. Esta dimensão
despertada pelo fracasso situa-se entre o mundo e a transcendência. A seguir tratamos disso.

3.1.2 Entre o mundo e a transcendência

Assim como não sou ser-aí sem mundo, igualmente não sou eu mesmo sem transcendência
(JASPERS, 1965, p. 28). A existência está entre o mundo e a transcendência. Entretanto, existir
36

não significa abandonar o mundo – a liberdade total é vazia, e a vida que rejeita o mundo em
nomenclatura da transcendência não é averso em relação com a transcendência.

Quando se fala da existência, refere-se à transcendência, porém não subsiste sem o mundo. Aliás,
como frisamos antes que o englobante abrange o ser que nos cerca: o mundo e a transcendência;
e o ser que nós somos: existência empírica, consciência em geral, espírito e existência –
articulam-se no plano do mundo. Por sua vez, a existência não se cinge ao domínio do mundo,
pois vive na tensão entre mundo e transcendência.

Para elucidar este pensamento, Jaspers escreve o seguinte:

“enquanto existente (Dasein), ser objecto, nós somos a diversidade dos seres individuais
afirmando-se a si próprios. Enquanto consciência absoluta, somos o único sujeito do
pensamento absoluto, sujeito presente em escala maior ou menor nas diversas
subjectividades de existentes. Enquanto espírito, somos imaginação presente nos grupos
de formas que chegam a nós por nossas criações. Enquanto existência (Existenz) somos
devir em relação à transcendência, no fundo das coisas” (idem, p. 29).

Antes de reconhecermo-nos como existência, referimo-nos simplesmente ao mundo. Como


realidade empírica, o homem é objecto no mundo, objecto de conhecimento para si mesmo, para
as Ciências Sociais, etc. Porém, como existência, escapa todo conhecimento objectivo. A
existência não se fixa simplesmente no mundo. Neste sentido, Jaspers advoga que sou existência
na medida em que reconheço a transcendência como o poder através do qual eu, genuinamente,
sou eu mesmo.

O homem existe como ser finito e individual, porém, simultaneamente, ganha consciência de
algo universal, de uma totalidade. Ora, sendo o homem um ser finito como se dá o encontro com
o infinito?

É verossimil que os modos do ser referidos ao mundo – existência empírica, consciência em


geral e espírito – não dá esse acesso. Contudo, o fracasso experimentado nas situações-limite, ao
revelarem os limites da existência empírica, da consciência em geral e do espírito, indicam algo
que está além dos limites – a transcendência. Só e somente como existência posso ter esse acesso
– a transcendência.
37

Enquanto a existência experimenta o mundo e a transcendência, vive entre dois pólos do ser, esta
somente pode ser experimentada pela existência. A existência é o único modo do ser que nós
somos que acessa a transcendência. “Enquanto existência possível (Existenz), somos liberdade e
em sua liberdade, a existência sabe-se em íntima relação com a transcendência pela qual se
oferece a si mesma” (JASPERS, 1965, p. 30).

Jaspers, na sua obra “Filosofia da Existência” chega a esta conclusão ao questionar o que é
realmente o abrangente – “atinjo essa experiência do real tão somente se me torno em mim
mesmo. A transcendência é inaudível como ser mundano experimentável, sua voz só é audível
pela existenz” (JASPERS, 1938, p. 45).

Mas o que é a transcendência? Apesar de sentirmo-nos mais seguros e mais familiares com a
ideia de mundo, o que Jaspers quer nos dizer com esse espaço?

Com certeza, apesar de desempenhar um papel importante em sua “Filosofia da Existência”, o


mundo não é algo seguro. Podemos asseverar algumas coisas acerca do mundo, a título de
exemplo, que ele não é uma coisa, nem o conjunto de todas as coisas, porém é o modo do
englobante do qual se origina ou encontra a sua génese toda objectividade e tudo o que é
concreto. Ademais, é de onde advém tudo que posso perceber sensorialmente, posso pensar e
fabricar com a minha imaginação. “O mundo é único, só e somente existe um mundo” (idem, p.
32).

Esse mundo não é cópia de um outro mundo ideal como advogara Platão. Esse mundo é
realidade, fenoménico. Contudo, o mundo é, acima de tudo, um lugar, lugar onde estamos e
vivemos. “Estamos sempre no mundo” (Ibidem). No entanto, o ser-no-mundo, na concepção de
Jaspers, possui um conteúdo lato, que contempla a constituição finita do homem, como um palco
infinito no qual a vida humana, limitada pela concepção e pela morte actua.

Para JASPERS apud PERDIGÃO (2001, p. 554),

“a afirmação da transcendência não equivale à negação de Deus. O que este filósofo


alemão rejeita é a ideia de um Deus-Causa-Primeira-do-mundo ou a ideia de um Deus
revelado, Criador e Providencial. Todas as manifestações históricas, incluindo a própria
38

Revelação, às quais o homem se tem agarrado por as considerar provas da existência ou


da inexistência de Deus, não passam, em seu entender, de cómodas idolatrias que apenas
favorecem a promulgação de dogmas”.

É indispensável sublinhar que se o homem pudesse provar, não precisava de crer ou acreditar.
Segundo Jaspers, essas provas não são elaboráveis e a Filosofia da Existência não se pode
acomodar.

“Qualquer verdade, desde a da ciência à da Existência, desde a da religião à da história,


ou até mesmo a verdade da poesia e a da filosofia, todas elas são simplesmente vias que
desembocam na Verdade que é a Transcendência, no encontro entre as liberdades e a
Liberdade” (Ibidem).

Como podemos notar, unificadora, a transcendência organiza, numa dialéctica perene de


dualidade e ambivalência, os temas mais diversos e polariza as existências finitas atirando-as
e/ou atraindo-as para o Infinito. É dela que, na totalidade, deriva a separação entre o sujeito e o
objecto, porque a diferença e a cisão constituem os seus modos fundamentais. Aqueles onde
colhe a capacidade de todas as determinações, aqueles que caminham para uma totalidade mais
ampla e mais fecunda.

Do ponto de vista humano, a transcendência apenas pode ser esclarecida, uma vez que é ela que
tudo esclarece (ANTUNES, 1973, apud PERDIGÃO, 2001, p. 555): “a razão e o entendimento,
a consciência e a existência, a liberdade e o valor, a comunicação e a solidão, o silêncio e a
linguagem, o ser e o tempo”.

Todavia, a transcendência já lá está, impelindo o homem que, por sua vez, transcende o mundo e
transcende-se a si mesmo como Dasein. É importante que distingamos os dois sentidos diferentes
e complementares da noção jasperiana de transcendência: ela não diz somente respeito ao
domínio do absoluto, mas concerne também ao movimento de transcendência que o sujeito
pessoal realiza incessantemente para ultrapassar-se a si mesmo. Assim como a verdade é o nosso
caminho, a transcendência é o sentido da existência.

No que diz respeito a transcendência, vale sublinhar que a todo momento, o pensamento de Karl
Jaspers se envolve com a questão do transcendente. Na pespectiva de esclarecer o sentido do
39

fracasso em sua “Filosofia da Existência”, a título de exemplo, a transcendência possui um papel


crucial.

Como afirmamos anteriormente, o sinal mais evidente da transcendência é o fracasso que o


homem sofre na tentativa de superar ou compreender de alguma maneira a situação-limite; nem
a razão mais esclarecida oferece alguma prova de que o homem possa evitar tal situação. E por
consequência, o homem sempre sente-se angustiado e inseguro. Neste fracasso, a própria
transcendência faz sentir a sua presença.

3.2 O ser humano na busca do sentido de existência hoje

Desde que o homem marcou a sua presença no mundo como existência empírica (Dasein),
deparou-se com limitações, sofrimentos, situações-limite, etc., que todos os dias da sua vida
aflingem-nos, angustia-nos, etc. Por tudo isso, o homem sente-se inseguro e pensa que a vida não
tem sentido. Ora, para que a vida ou a existência tenha sentido, é preciso que o ser humano lute,
batalhe até vencer as situações-limite.

A vida por si só, parece que não tem sentido, para ter sentido, é indispensável a cooperação do
homem, na medida em que transforma os sofrimentos, as tristezas, as angústias em vitórias e o
desespero em esperança. Com uso da razão o homem tem a certaza de que é possivel vencer tais
obstáculos, tais barreiras, e tornar a sua existência autêntica enquanto um ser em comunicação
com as outras existências (na colectividade) daí, construir uma existência histórica – existência
autêntica.

3.2.1 «Conhece-te a ti mesmo»

Ao longo dos séculos a humanidade encontrou-se e confrontou-se progressivamente com grandes


verdades do mundo e da vida no âmbito de autoconsciência pessoal na sua unicidade, tornando-
se sempre mais premente a questão do sentido das coisas e da sua própria existência.
40

A recomendação conhece-te a ti mesmo, embora já anciã (esta recomendação estava esculpida no


dintel do templo de Delfos), testemunha ainda hoje a regra mínima na orientação da vida para
todo o homem. Aliás, basta olhar na história as questões fundamentais que marcam o percurso da
existência naquela exigência de sentido que sempre urge nos homens: “Quem sou eu? Donde
venho e para onde vou? O que é que existirá depois desta vida? Ou existirá outra vida além
desta? Qual o princípio e fim do homem? Etc”8.

Da resposta a tais perguntas depende da orientação que se imprime à existência individual assim
como à colectiva. Por isso, é tarefa de cada homem como ser existente dotado da faculdade
racional fazer uma introspecção a tais questões levantadas desde os primeiros passos da
existência da humanidade. A razão é a característica típica do homem e através desta, ele está
consciente da sua morte. Este é aspecto que o diferencia dos outros seres vivos, tais como:
animais e plantas que não têm consciência da sua morte.

Jaspers na sua obra “Introdução ao Pensamento Filosófico” assevera o seguinte:

“a morte é o fim, como a vida é o começo da mainifestação temporal. A imortalidade,


entretanto, é sinónima de uma eternidade em que passado e futuro desaparecem. Apesar
de temporal, o momento, quando existencialmente realizado, participa da eternidade do
que abrange todos os tempos. A ideia de “eternidade do instante” é contraditória. Busca
exprimir a verdade em que a realidade do que é corporal no tempo se confunde com a
idealidade intemporal do essencial – eternidade do real” (JASPERS, 1965, p. 100).

Quer isto dizer que, a consciência vital da existência empírica não se confunde com a
consciência existencial do nosso eu. Ora, a existência só desperta quando o existente é sacudido
pela ideia da morte. Assim, a existência ou perde-se no desespero face ao nada ou revela-se a si
mesma na certeza de eternidade. Portanto, a vida real neste mundo ou deixa-se penetrar pela
consciência de eternidade ou é fútil. Pois, não se perde quando nossa existência empírica
naufraga.

8
Estas perguntas podem encontrar-se nos escritos sagrados de Israel; nos Vedas e nos Avestá; nos escritos de
Confúcio e Lao-Tze, na pregação de Tirtankara e de Buda. Achamo-los ainda nos poemas de Homero e nas
tragédias de Eurípides e Sófocles, assim como nos tratados filosóficos de Platão e Aristóteles (JOÃO PAULO II, na
Introdução da Enciclica Fides et Ratio, 1998).
41

Assim, Jaspers conclui que:

“somos mortais enquanto simples existentes, e imortais quando aparecemos no tempo


como o que é eterno. Somos mortais no desamor, imortais no amor. Somos mortais na
indecisão, imortais na decisão. Somos mortais enquanto natureza, imortais qunado
dados a nós mesmos em nossa liberdade” (Ibidem).

As ideologias filosóficas, tanto as puramente especulativas como as esclarecedoras da existência,


podem verificar sua significação degradar-se rapidamente. Ora, por termos a impressão de
conhecer de forma filosófica o que amamos 9 , queriamos, por assim dizer, de manter-lhe
firmemente a eternidade em nossas mãos. Contudo, como certeza, a imortalidade escapa na
mente. Certeza de imortalidade só é possível em relação com a existência.

A ideia de morte pode engendrar o termor de não viver em autenticidade a vida. Como muitos
afirmam da seguinte maneira: não posso fazer nada melhor, porque vou morrer brevemente; a
vida é tão breve e tão breve como um fechar e abrir dos olhos. As pessoas com tais alegações
vivem a vida como se não existissem, são pessoas com medo de reflexão, com medo de agir e
tornar a sua existência autêntica e não entram em intercâmbio, ou seja, a sua existência não
comunica com as demais existências. Pois, é no intercâmbio, na comunicação, na relação
recíproca com as outras existências, onde se pode construir a personalidade do homem.

Afirma Jaspers que “a dignidade do homem reside em perceber a verdade. Só a verdade o


liberta e só a liberdade o prepara, sem restrições, para a verdade” (JASPERS, 1965, p. 106).
Diante deste pensamento, levanta-se as seguintes questões: é a verdade o significado último para
o homem no mundo? É a veracidade o imperativo último? Acreditamos que sim, pois a
veracidade sem reservas, que não se perde em opiniões, coincide com o amor.

Torna-se mais clara do que nunca a questão que, desde o início, se pôs para o homem: o sim para
a vida! “O sim para a vida”, na óptica de Jaspers, é a grande e bela aventura, porque permite a
realização da razão, das faculdades cognitivas, da verdade e do amor” (ibidem).

9
Amor no sentido filosófico.
42

A filosofia destina-se ao homem enquanto homem ou simplesmente a uma elite fechada em si


mesma? Para Platão, poucos homens são aptos a filosofia e só adquirem tal aptidão após longa
propedêutica. Há dois tipos de vida na Terra, disse Plotino, um próprio dos sábios (os que têm
existência autêntica) e outro da massa dos homens (os que têm existência inautêntica, os que
temem reflectir, cogitar e expor as suas ideias).

Portanto, para que a existência individual possa tornar-se uma existência autêntica dentro da
colectividade, Jaspers propõe os seguintes elementos, a saber: escolha, decisão, liberdade,
comunicação, historicidade, amor, etc.

Segundo Jaspers, o homem é um ser inacabado que está em devir10. O homem é um projecto
ainda não acabado que durante a sua existência vai-se fazendo, vai-se construindo. Mas como?
Por outras palavras, o homem é um ser-aí que pode vir-a-ser aquilo que quiser ser pela sua
escolha e decisão de forma livre.

Nisto é indispensável a filosofia cuja tarefa é “permitir ao homem de tornar-se um ser racional,
um ser pensante, um ser livre (...) o fim é sempre a conquista e afirmação da autonomia do ser
humano individual” (Ibidem). Portanto, a filosofia dirige-se ao indivíduo de qualquer parte do
mundo, pois na reflexão sobre a vida a filosofia põe o homem em face de si próprio e a viver a fé
filosófica. Mas, o que será a fé filosófica? Tratamos disso a seguir.

3.2.2 A fé filosófica

De acordo com Jaspers, a fé é a expressão máxima da liberdade humana, o único caminho


conducente à certeza existencial e ao acto interior, pelo qual o sujeito encontra o Ser dos seres. É
o “único método válido” que leva à transcendência (JASPERS apud PERDIGÃO, 2001, p. 555).

A fé que o autor se refere neste trecho, não é a fé religiosa como tal, mas a fé filosófica.
Mediante a qual, o homem usando as suas capacidades cognitivas, ou seja, capacidades racionais
consegue ler e interpretar os sinais dos tempos, superar as situações-limite, etc., e conquistar a
sua autonomia. Este é o caminho que conduz a certeza existencial.

10
Devir termo usado pela primeira vez por Filósofo Heráclito quando explicitava o ser das coisas. Tudo está em
constantante mudança e não permanece (MONDIN, 1982, p. 26). Aqui usamos o termo devir, no sentido de que o
homem é ser inacabado, é um ser que pode vir-a-ser pela escolha e decisão deliberadamente.
43

Como podemos notar, a fé filosófica é um dos conceitos característicos do pensamento


jasperiano e um dos seus problemas fulcrais. Designa uma exigência natural do sujeito perante os
fracassos que lhe revelam que o mundo não é tudo e não está fundado em si mesmo. O eu
acredita que há algo a fazer, e por isso crê.

O ser humnano afirma que tudo não está fundado em si mesmo e há algo a fazer quando ganha
consciência dos seus limites e procura como superá-los de modo que a sua existência possa
tornar-se autêntica. Não constitui sequer uma analítica fenomenológico-existencial, nem um
irracionalismo puro e simples, nem uma ontologia totalitária e menos ainda uma teoria.
Karl Jaspers considera a fé filosófica e a crença religiosa como duas irmãs irreconciliáveis que se
combatem sem deixarem de ser irmãs. Nessa irreconciliação, apenas “a fé filosófica se constitui,
em seu entender, como método válido e coerente que liberta o homem, ao nível metafísico”
(Ibidem).

A religião permanece no âmbito da orientação do mundo (e, portanto, ao nível do Dasein)


porque, à semelhança do saber científico, mesmo quando se baseia em factos, é para os alicerçar
em regras fixas que irão sustentar o conforto dos dogmas de que vive e se alimenta (Ibidem). Por
esta razão, Jaspers pretende distanciar-se radicalmente da fé teológica cuja base é, ou a
revelação, ou a crença em dogmas.

Jaspers na sua obra “Filosofia da Existência” afirma que:

“o objecto, a intencionalidade e o élan da fé filosófica caminham para a transcendência


enquanto realidade absoluta. Atravessam as vias da revelação mas rejeitam-nas, sem
destruir o seu conteúdo ou as suas cifras. A transcendência, incognoscível, impensável e
inexprimível, está para além da linguagem humana. É a origem e o objecto da
Metafísica” (JASPERS, 1938, p. 48).

Na verdade, Jaspers considera as duas coisas, a fé filosófica é uma impulsão à transcendência,


uma vez que procura o que não pode ser objectivado, porém de alguma maneira “sabe” que está
ali. Contudo, a fé filosófica é igualmente dimensão do finito, a partir da historicidade do ser
humano. Diferentemente da fé religiosa, que concebe a condição de transcendência como certa,
44

algo cognoscível, garantida pela autoridade, mediada pelo mito e pela revelação, a fé filosófica,
por outro lado, tem seu fundamento na liberdade; mostra-se como possibilidade de abertura
transcendental em liberdade, pois “esta abertura faz-se pelo filosofar” (JASPERS, 1938, p. 45).

Portanto, fazer da transcendência o objecto de uma religião, ou mesmo de uma filosofia,


equivaleria à sua destruição. Só uma fé pura, isenta de experiência empírica, acima do
entendimento e distinta da fé teológica, terá a dignidade e o poder de elevação que a
transcendência requer.

De acordo com a “Filosofia da Existência” de Jaspers, o homem crê e na medida em que crê,
supera o seu fracasso. Somente “a fé filosófica o ajudará a ler a transcendência, a dar o salto pelo
qual a existência colhe todo o seu sentido e autenticidade” (Ibidem).

A credibilidade que Jaspers se refere no seu pensamento é, acima de tudo, racional. Homem que
crê racionalmente, ou seja, com a fé filosófica, liberta-se da fé teológica e ganha consciência de
que afinal de conta existe um e único mundo. Deve fazer alguma coisa para que não tenha uma
existência inautêntica “própria das massas”, mas “autêntica” conquistada pela superação do
fracasso, das situações-limite e alcançada pela escolha.

3.3.3 Origem, natureza, orientação e fim do homem

Até recentemente, antes da aceitação das teses evolucionistas e existencialistas, entendeu-se que
ao homem corresponde uma essência; uma natureza imutável, um ser. Trata-se da concepção
essencialista do homem numa base religiosa que admite mudanças em aspectos acidentais e
nunca nos essenciais. Mas uma visão agnóstica pode sustentar a mesma imutabilidade baseando-
se em experiências desprovidas de ensinamentos divinos.

Estas concepções divergem na origem e fim do homem: a concepção religiosa atribui a Deus a
sua criação, correspondendo-lhe logicamente um destino transcendente; depois da morte o
homem tenderá a uma continuidade de vida no além, dada por Deus como dom, cujo curso
dependerá do comportamento havido através da vida terrena (MARTINEZ,1995, p. 11). Os
agnósticos negam a origem divina e consequentemente o fim transcendente do homem,
esgotando-se tudo aqui na terra – trata-se de um existencialismo ateu que, defende somente uma
45

imutabilidade da natureza humana em aspectos físicos e comportamentais referentes à


conservação da própria vida, ao prazer, à dor, ao amor, ao ódio, à constante inquietação sobre o
futuro, (situações-limite), etc.

Porém, tal essência não é transcendente mas sim imanente, situada no plano de experiências
concretas, alheias à revelação. Para tais concepções “o homem é, sem se saber porquê; e também
não terá senão um destino definido e terreno” (idem, p. 12).

Contudo, face ao essencialismo do homem sem destino; cabe às sociedades, ao governo e ao


direito, respeitar a natureza, a essência do homem, experimentalmente fixada. A par dos
existencialismos fechados, alheios à essência do homem, está o existencialismo transcendente e o
existencialismo de Karl Jaspers e G. Marcel respectivamente11.

Todavia, diferentes categorias existenciais do homem levaram também a diferentes conclusões.


Existencialistas como Kierkigaard e Nietzsche, viram no homem um devir de sucessivas
vivências na luta pela vida, onde no mundo há lugar só para os mais fortes, os mais poderosos,
etc. Tal existencialismo é também notável ao nível de dramas individuais característicos de
algumas sociedades contemporâneas. Particularmente, constatamos esta atitude nas sociedades
africanas e/ou moçambicanas, onde os menos desfavorecidos são considerados como se fossem
lixos, como se não existissem, mesmo que gritem de que maneira ninguém lhes oiçam. Mas,
esses desfavorecidos não são lixos, são pessoas com uma existência possível, portanto, mecerem
respeito e consideração porque gozam da dignidade humana.

“Sem origem reconhecida, sem destino, sem enquadramento, sem fé em qualquer


natureza, perdida a confiança e o respeito das instituições, numa fugaz atracção
hedonista, talvez mereçam compreensão as atitudes dos que se têm orientado para a
destruição. Sem excluir a auto-destruição relativamente lenta através dos excessos,
consumo de drogas e suicídio” (idem, p. 14).

11
Tais existencialismos, sem negarem a essência do homem, julgam possível dela ganhar melhor, mais perfeita,
percepção através das vivências existenciais, sem exclusão da tendência para o infinito. Mas se pode discutir se estes
existencialismos que não negam a essência do homem, se terão limitado a utilizar uma metodologia própria dos
existencialistas, orientada para os aspectos concretos das vivências humanas. O próprio KIERKIGAARD, que era
protestante, esboçou um existencialismo compatível com a essência do homem. Com efeito, é dele a afirmação de
que «l’homme religieux est, à mona vis, un sage» na Etaps sur le Chemin de la Vie, trad. franc., Paris, 1948. – pode
se conferir em (MARTINEZ, 1995, p. 14).
46

É oportuno dizer que tais atitudes suicidas são de sempre e que se manifestam em tempos
recentes pela contribuição do nihilismo e de um existencialismo comunicado a grandes massas
em termos precipitados e sincopados; foram fortemente combatidas pelas ordens sociais e pelo
hedonismo; para os quais o homem, mesmo julgando-se desprovido de essência; cônscio de que
a vida lhe reserva dores, sofrimentos, penas, etc., sabe também que dela pode colher satisfações,
prazeres; espera dela um salto benéfico e qualitativo. Em tal caso, esse homem quer viver e
reclama que os outros lhe respeitem e lhe considerem como ser humano.

Segundo Jaspers, só “no amor experimentamos a única certeza que nos leva à plenitude e nos
satisfaz. Só o amor é capaz de desvendar a verdade integral. Não se deixa ofuscar por qualquer
objecto de fé, nem por qualquer esperança em um mundo mais-além” (JASPERS, 1965, pp. 89-
90).

Esse amor se projecta no tempo como o clarão de um relâmpago que ninguém percebe. É
histórico amor enquanto fenómeno, porém sua história essencial não reside na categoria
temporal, mas na eternidade. Portanto, na perspectiva de Jaspers, esse amor, consciente de ser
uma presença na eternidade, altera a forma externa de sua realidade fundamentalmente imutável,
na medida em que são percorridos os estágios da vida, conscientemente, desde o nascimento até
a morte.

Jaspers afirma que “toda vida está posta entre dois parênteses: nascimento e morte. E só o
homem tem a consciência disso” (idem, p. 96). De todas as situações-limite a fundamental é a
morte. A este respeito, Jaspers distingue entre situação-limite geral do mundo e situação-limite
especificamente individual. A morte é, em primeiro lugar, uma situação-limite geral do mundo:
tudo o que é real é mortal, sem nenhuma excepção. Toda experiência, todo estado, todo
acontecimento imediatamente se desvanece, “e a série estende-se assim até à existência do nosso
planeta e prolonga-se infinitamente”; em segundo, a morte é uma situação-limite especificamente
humana: ela é o “limite-sempre-retornante” que atormenta o homem e o corrói no seu íntimo
logo que ele se constitui como auto-consciência pessoal (Ibidem).

Para Jaspers o aspecto relevante, característico da existência do homem é ser sempre uma
existência no mundo; um ser-em-situação. O homem, assim como todas as coisas, é definido
47

pelo seu universo, mas o ser-em-situação do homem não é o seu verdadeiro ser; o homem se
encontra sistematicamente fora de si, além de si mesmo, existe. A existência é busca do ser uma
“orientação no mundo” e somente nele; pretender ir além do mundo, corre-se o risco de cair no
vazio.

A luta pela vida continua. E considerando o existencialismo evolucionista e científico, tal luta
impõe às espécies, sobretudo à humana, cautelas constantes para a sua sobrevivência e
manutenção, implicando um permanente esforço físico, intelectual, filosófico, científico, técnico,
etc. Sem o qual o homem perderá a sua posição e o mundo se degradará. E entre os instrumentos
adequados a essa prossecução, contam-se as sociedades e tudo quanto implicam, incluindo o
direito e a moral.

Portanto, neste capítulo, podemos concluir que para Jaspers o aspecto relevante, característico da
existência do homem é ser sempre uma existência no mundo e um ser-em-situação. Somente a fé
filosófica o ajudará a ler a transcendência, a dar o salto pelo qual a existência colhe todo o seu
sentido e autenticidade. A recomendação conhece-te a ti mesmo, constitui ainda hoje a base
filosófica na orientação da vida para todo o homem.

Ora, diferentes categorias existenciais do homem levaram também a diferentes conclusões.


Existencialistas como Kierkigaard e Nietzsche, viram no homem um devir de sucessivas
vivências na luta pela vida, onde no mundo há lugar só para os mais fortes, os mais poderosos,
etc. Mas também os fracos são pessoas, é preciso respeitar porque eles também possuem uma
existência possível (empírica) como Dasein. Com efeito, esta é a tarefa do estado, e de toda
Sociedade.

Para que o homem possa ter uma existência autêntica é preciso que faça lucubrações,
investigações intensivas, acima de tudo, faça o exercício da racionalidade filosofando. Assim,
para que a existência individual possa tornar-se uma existência autêntica dentro da colectividade,
Jaspers propõe os seguintes pressupostos, a saber: escolha, decisão, liberdade, comunicação,
historicidade, amor, etc., pois com estes, segundo Jaspers, o homem torna-se imortal.
48

Conclusão

Depois da nossa pesquisa no que tange a existência em Jaspers, inferimos que o estatuto
relevante da Filosofia é o estatuto de Filosofia da Existência (Existenzphilosophie). Pois, é
imprescindível manter numa abertura constante e em permanente tensão os seus dois extremos: a
razão e a sua universalidade, a Existência e a sua singularidade incomunicável. Jaspers
reconhece que a vida humana identifica-se com as escolhas que o homem fizer.

Quanto ao espaço da filosofia, ele é o da verdade mais universal, do acolhimento mais amplo e
da decisão mais ousada, no sentido de tudo compreender e transcender, ou tudo compreender
transcendendo. Por último, o sentido da filosofia é o de servir de base à vida. Revela-se a todo e
a cada homem que nasceu para o descobrir e para decidir-se livremente, procurá-lo com um
coração puro e consciente de que esta é a única forma de o poder encontrar, uma vez que ele não
é constringente nem pode, ao contrário da verdade, ser universal.

Fiel à existência e ao seu pensamento, Karl Jaspers nunca aceitou a denominação de


“existencialista” porque nunca defendeu um “existencialismo”, o que equivaleria a reduzir tudo à
existência, transformando-a num valor absoluto e aniquilando desse modo o seu sentido. A
existência não é absoluta, é a existência possível. Uma superação constante de si mesma feita de
luta, fracasso, transcendência e fé filosófica.

Na concepção de Jaspers, há duas formas de existências: uma existência instintiva típica dos
homens inconscientes da sua própria existência e que vivem ao sabor do “deus dará” – este tipo
de existência é um desvio. A outra existência é aquela cujos homens estão conscientes dela e
49

pelo uso da razão perspectivam o seu destino e comunicam sua existência com outras existências
e juntos buscam afirmar uma existência histórica – é a existência autêntica.

A existência não é um valor nem um conceito, mas é liberdade, comunicação, historicidade: o


compromisso fundamental do eu consigo mesmo, com o(s) outro(s) e com o mundo. O
pensamento só tem sentido na fidelidade autêntica a essa existência que é, no seu âmago, cifra da
transcendência. O valor dessa fidelidade concentra-se na decisão constante pela escolha, apesar
do fracasso e da culpa. Uma fidelidade que se prolonga até à morte, onde se esgotam as
possibilidades do Dasein.
No seu conjunto, a obra “Filosofia da Existência”de Karl Jaspers dá-nos, pela sua autenticidade e
pela sua humanidade, uma chave hermenêutica para as várias oscilações do ser-no-mundo
enquanto projecto existencial. Dá-nos, acima de tudo, um caminho para a mudança de atitude
capaz de converter a derrota em vitória e de transformar a insuficiência e a decepção em élan e
em certeza existencial, de transformar a morte em vida. Contudo, a única faculdade humana
capaz de revelar o mistério da morte é, segundo Jaspers, o amor. Ele remove até a situação-limite
da morte e se põe em comunicação com quem está morto. Na perspectiva de Jaspers, esse amor,
consciente de ser uma presença na eternidade, altera a forma externa de sua realidade
fundamentalmente imutável, na medida em que são percorridos os estágios da vida desde o
nascimento até a morte.

Como podemos notar, diferentes categorias existenciais do homem levaram igualmente a


diversas conclusões. Existencialistas tais como Kierkigaard e Nietzsche, viram no homem um
devir de sucessivas vivências na luta pela vida, onde no mundo há lugar só para os mais fortes,
os mais poderosos, etc., mas não há espaço para os fracos. A questão que se coloca é: esses
fracos são não seres humanos?

Ao longo dos séculos a humanidade encontrou-se e confrontou-se progressivamente com grandes


verdades do mundo e da vida no âmbito de auto-consciência pessoal na sua unicidade, tornando-
se sempre mais premente a questão do sentido das coisas e da sua própria existência. Todavia, a
recomendação conhece-te a ti mesmo constitui, ainda hoje, a base na orientação da vida para
todo o homem.
50

Para que a vida ou a existência tenha sentido é indispensável a colaboração do homem na


construção de uma sociedade onde reina respeito, justiça, amor, consideração, direito, etc. Isso,
pode ser possível através da abertura pelo filosofar, pois a filosofia liberta o homem da
escravidão, ou seja, como afirmara Kant, a filosofia tira o homem da menoridade para a
maioridade. Então, só filosofando de forma sábia, o homem pode conquistar a autonomia e uma
existência historicamente autêntica.

Portanto, o drama da existência humana está em querer saber o fim supremo do homem e do seu
destino. Para tal, o fim supremo do homem é justamente ser homem, fazer-se homem. Trata-se
da realização da sua própria essência e da consumação da sua personalidade. Segundo Jaspers, a
morte é o fim, como a vida é o começo da manifestação temporal. A imortalidade, entretanto, é o
sinónima de uma eternidade em que o passado e o futuro desaparecem. Assim, apesar de
temporal, o momento, quando existencialmente realizado, participa da eternidade do que abrange
todos os tempos.
51

Bibliografia

ABAGNANO, N., (s.a.), História da Filosofia, Vol.12, Editorial Presença, Portugal, (s/d).
GIORDANI, M. C., Iniciação ao Existencialismo, Livraria Freitas Bastos, São Paulo, 1976.
JASPERS, K. T. Filosofia (3 Volumes), Berlim: Springer-Verlag, 1932.
_____________. Filosofia da Existência, Madrid: Aguilar, 1938.
_____________. Razão e Contra-razão no Nosso Tempo; Editorial MINOTAURO, Lda, 1950.
_____________. Balance e perspectiva: discursos y ensayos: In Mi camino a la filosofia. Madrid:
in Revista de ocidente – trad. Fernando de Araújo Melo1953.
_____________.Introdução ao Pensamento Filosófico, 3ª Edição, Editora Cultrix LTDA, Brasil,
1965.
_____________. Entre el ser y la vontad, Ediciones Guadarrama,trad. Fernando de Araújo Melo,
Madrid, 1969.

LALANDE,André, Vocabulário Técnico e Critico – Da Filosofia, Coordenação de António Manuel


Magalhães, Porto, Rés Editora, Vol. I, (S/d).
LOGOS: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Editorial Verbo; Vol. III, Lisboa/São Paulo,
1991.
MARTINEZ, T. C. & JUAN M. C. História de Filosofia Contemporânea, Vol.3, Edições 70, Lda,
Portugal, 1995.
MONDIN, B. Curso de Filosofia, Vol. 3, 3ª Edição, Edições Paulina, São Paulo, 1987 .
___________. Curso de Filosofia: Os Filósofos do Ocidente, Vol. 1, 7ª Edição, Edições Paulina,
Paulus, 1982.
52

PAULO II, João, Carta Encíclica Fides et Ratio, Roma, 1998.


REALE, G. História de Filosofia, Vol.3, Edições Paulina, São Paulo, 1991.
RICHARD, Michel, As Grandes Correntes do Pensamento Contemporâneo, Moraes Editores,
Lisboa, 1978.
WAHL, Jean, As Filosofias da Existência, Tradução de I. Lobato e A. Torres, Lisboa,
Publicações Europa - América, 1962.

Artigo:
PERDIGÃO Antónia Cristina, A filosofia existencial de Karl Jaspers, Análise Psicológica, 2001.

Vous aimerez peut-être aussi