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Lucila Pesce; Claudia Barcelos de Moura Abreu

PESQUISA QUALITATIVA: CONSIDERAÇÕES SOBRE AS BASES


FILOSÓFICAS E OS PRINCÍPIOS NORTEADORES

Lucila Pesce ∗
Claudia Barcelos de Moura Abreu ∗∗

RESUMO

O presente estudo bibliográfico busca dar sua parcela de contribuição para a


discussão dos princípios norteadores da pesquisa qualitativa. Nesse movimento, tece
considerações acerca do conhecimento científico, percebido como construção histórica,
e enfatiza as bases filosóficas da pesquisa qualitativa e os princípios que integram os
estudos e pesquisas classificados nessa abordagem metodológica. A discussão dos
resultados deste estudo bibliográfico aponta a Fenomenologia e a Dialética como as
grandes bases filosóficas da pesquisa qualitativa.
Palavras-Chave: Bases filosóficas da pesquisa qualitativa. Princípios da pesquisa
qualitativa. Fenomenologia e Dialética.

ABSTRACT

QUALITATIVE RESEARCH: PHILOSOPHICAL FOUNDATIONS AND


GUIDING PRINCIPLES CONSIDERATIONS
This literature search aims to contribute to the discussion of the guiding principles
of qualitative research. With this move, we bring some scientific knowledge
considerations, which are considered as a historical construction, and we emphasize
the philosophical foundations of qualitative research and its guiding principles
according to studies into this methodological approach. The results of this literature
search highlights Phenomenology and Dialectic as the main foundations of qualitative
research.
Keywords: Philosophical foundations of qualitative research. Principles of qualitative
research. Phenomenology and Dialectic.

* Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós-doutora em Filosofia e História da
Educação pela Universidade de Campinas (Unicamp). Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unifesp. Endereço para correspondência:
Estrada do Caminho Velho, 333. Bairro dos Pimentas – Guarulhos – São Paulo. CEP: 07252-312. lucila.pesce@uniesp.br /
lucilapesce@gmail.com
** Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professora do Departamento de Educa-
ção da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIFESP.
Endereço para correspondência: Estrada do Caminho Velho, 333. Bairro dos Pimentas – Guarulhos – São Paulo. CEP: 07252-
312. claudia.abreu@unifesp.br / claudia.bar.moura@gmail.com

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 22, n. 40, p. 19-29, jul./dez. 2013 19
Pesquisa qualitativa: considerações sobre as bases filosóficas e os princípios norteadores

Introdução compreender o mundo e a si mesmo; é possível


identificar, também, como marca comum aos di-
No presente estudo bibliográfico, buscamos ferentes momentos do processo de construção do
contribuir para a discussão dos princípios que nor- conhecimento científico, a inter-relação entre as ne-
teiam a pesquisa qualitativa, nas ciências humanas cessidades humanas e o conhecimento produzido:
e sociais e, em especial, na área da Educação. Nesse ao mesmo tempo em que atuam como geradoras e
movimento tecemos considerações acerca do co- ideias de explicações, as necessidades humanas vão
nhecimento científico, concebido como construção se transformando a partir, entre outros fatores, do
histórica. É dado destaque à inexistência de uma conhecimento produzido (ANDERY et al., 2007).
verdade única. A seguir, procuramos refletir sobre No campo científico encontramos as ciências
as bases filosóficas da pesquisa qualitativa, das formais (afeitas aos estudos da Lógica e da Ma-
quais emergem os princípios norteadores dos estu- temática) e as ciências factuais, que se subdivi-
dos desenvolvidos nessa abordagem metodológica. dem em naturais e sociais. As ciências naturais
abrangem as pesquisas da Física, da Química e da
Conhecimento científico: uma Biologia. As ciências sociais, como o Direito, a
construção histórica Sociologia e a Psicologia, dentre outras, têm como
De acordo com Souza (1995), na Antiguidade, objeto de estudo os fatos sociais. A Educação, por
o filósofo era matemático em virtude do fato de sua vez, é um campo do conhecimento que se vale
que ambos os campos do saber integravam-se. Na da Filosofia e de distintas ciências factuais. Desse
Modernidade, Filosofia e Ciência ganharam, cada modo, a Sociologia, a Antropologia, a História e a
qual, um estatuto próprio. Contudo, a despeito de Psicologia integram, com a Filosofia, o que habitu-
cada uma das aludidas áreas terem ganhado esta- almente se denomina “Fundamentos da Educação”.
tuto próprio, as duas são consideradas construções Por fim, vale a pena reiterar a ideia de que as
históricas. “A ciência é uma das formas de conhe- áreas do conhecimento científico devem ser conce-
cimento que o homem produziu no transcurso de bidas como construção histórica, posto que este tipo
sua história, com o intuito de entender e explicar de conhecimento situa-se como uma das práticas
racional e objetivamente o mundo para nele poder sociais da humanidade.
intervir” (SOUZA, 1995, p. 59). As considerações
da autora tornam clara a ideia de que o conheci- Refutação à verdade única
mento científico consubstancia-se como construção
histórica, como tantas outras práticas sociais. Por No campo da Ciência há distintos modos de
essa razão há diversos tipos de conhecimento que desenvolver pesquisa científica, mormente as
integram os saberes da humanidade, que refletem pesquisas cujo objeto são os fenômenos sociais.
condições materiais de um dado momento históri- Corroborando este entendimento, Severino (1996)
co, como o conhecimento artístico, o filosófico, o salienta que há vários processos de levantamento
teológico, o estético e o conhecimento advindo do de dados empíricos e de interpretação lógica destes
senso comum (ANDERY et al., 2007). dados. Ao fazê-lo, o estudioso ratifica a ideia de
Dentre os diversos tipos de conhecimento que há diversos métodos epistemológicos válidos
destacamos, neste estudo bibliográfico, o conheci- à compreensão dos dados da investigação, de modo
mento científico, por ter como objeto os fenômenos, a esclarecer a inexistência de uma verdade única no
naturais ou sociais, e como método a empiria. seio da Ciência. Em seu dizer: “A multiplicidade
Entretanto vale ressaltar que a produção do co- de aspectos pelos quais a realidade se manifesta
nhecimento científico não é exclusiva do momento abre igualmente uma multiplicidade de métodos
contemporâneo (ANDERY et al., 2007). de configuração dos dados fenomenais bem como
Quer nas primeiras formas de organização uma multiplicidade de métodos epistemológicos.”
social, quer nas sociedades atuais, é possível (SEVERINO, 1996, p. 118). Chizzotti (2006, p. 24)
identificar a constante tentativa do homem para converge para esse entendimento:

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É ilusória a pretensão de validade, objetividade e (1987, p. 51), o materialismo histórico consubstancia-


verdade das teorias científicas. A crítica radical de -se como “[...] a ciência filosófica do marxismo que
Feyerabend pretende liquidar com ilusória presun- estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da
ção dos epistemólogos em acreditar que algumas sociedade, de sua evolução histórica e da prática social
normas simplificadas possam captar o universo de
dos homens, no desenvolvimento da humanidade”.
significados da realidade [...]
A dialética hegeliana, de base idealista, ampara-
Ao apontarem que o método científico é his- -se na análise das contradições para compreender a
toricamente determinado e, como tal, deve ser essência de um dado fenômeno. Essa busca é feita
compreendido sempre a partir deste ponto de vista, por meio da tríade tese – antítese – síntese, que se
Andery et al. (2007) corroboram a compreensão de volta à compreensão dos contrários, imanentes ao
que, no campo da Ciência, não há verdade absoluta. fenômeno humano. Por sua vez, a vertente dialética
Apoiadas na perspectiva dialética, salientam que de base materialista procura compreender as leis
a multiplicidade do método deriva das condições sociológicas, sua evolução histórica e a prática
materiais do momento histórico da construção do social, no transcurso do seu desenvolvimento.
conhecimento, ao mesmo tempo em que este conhe- Na perspectiva marxiana, conhecimento e teoria
cimento interfere nas aludidas condições históricas. do conhecimento são expressões históricas. Ao
As autoras também observam que além dos defender a ideia de que a consciência humana
métodos científicos transformarem-se no decorrer imbrica-se à sua materialidade histórica, Marx e
do tempo, em um mesmo momento histórico coe- Engels sinalizam que a essência do fenômeno pode
xistem diferentes abordagens metodológicas, ema- ser compreendida por intermédio da análise das
nadas de distintas concepções de ser humano, de suas contradições, capturadas na sua materialidade
natureza e de conhecimento. As distintas vertentes histórica. Dessa forma, a ênfase na materialidade
metodológicas manifestam-se nas características histórica é o que diferencia a dialética marxiana da
da pesquisa científica. É oportuno observar que dialética hegeliana.
as características da pesquisa qualitativa provêm Enquanto perspectiva ontológica (conjunto de
de bases filosóficas. Dentre elas destacam-se a leis que governam a realidade social) e epistemoló-
Dialética e a Fenomenologia, que questionam os gica (método científico), a Dialética marxiana não
princípios do Positivismo, como veremos a seguir. pode ser restritamente compreendida como lógica
ou como método de pesquisa. A Dialética marxiana
percebe o conhecimento e as teorias do conhecimen-
Investigação qualitativa: bases to como expressões históricas e se ampara em três
filosóficas princípios: a contradição, a tensão e a superação. O
primeiro expressa a ideia de que a luta dos contrários
Grosso modo, as bases filosóficas da investi-
é imanente à identidade dos fenômenos. O segundo
gação qualitativa amparam-se em duas correntes:
assevera que entre qualquer forma e o que ela é, há
a Dialética e a Fenomenologia. As considerações também o devir. E é na perspectiva do devir que a
sobre Dialética tecidas no presente artigo têm Dialética marxiana defende a relatividade do conhe-
por base os estudos de Triviños (1987), Sanfelice cimento, uma vez que este se constitui em parte de
(2005), Guba e Lincoln (1994), a partir das ideias um todo em movimento. O terceiro princípio – o da
de Engels (1985). As reflexões sobre Fenomenolo- superação – fundamenta-se na ideia de que a evolu-
gia partem dos estudos de Moreira (2002), Masini ção emana de uma fase anterior menos desenvolvida
(1994) e Triviños (1987), com base nas ideias de e que a superação resulta da contradição.
Husserl (1982) e Merleau-Ponty (1999). Matéria, consciência e prática social são ca-
tegorias muito relevantes na Dialética marxiana,
Dialética posto que a matéria é percebida sempre a partir
de sistemas concretos. A consciência está inti-
A pesquisa com base na Dialética tem como mamente implicada na reflexão sobre a realidade
fundamento o materialismo histórico. Para Triviños objetiva. Nesse sentido, o trabalho e a linguagem

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Pesquisa qualitativa: considerações sobre as bases filosóficas e os princípios norteadores

são elementos basilares ao desenvolvimento da Ao constatar o caráter neoliberal e neoconserva-


consciência. Para a Dialética marxiana, a prática dor das reformas educacionais latino-americanas, a
social situa-se como processo objetivo de produção pesquisadora anuncia o acento de tais reformas em
material. Daí o estatuto de instância primordial da indicadores como eficiência, eficácia e produtivi-
vida humana e da transformação do mundo. Por dade, em busca da inserção da educação dos países
isso, a prática social pode ser considerada critério latinos na lógica da competitividade do mundo glo-
de verdade na teoria do conhecimento que se vale balizado. Ao fazê-lo, Candau analisa o fenômeno
do materialismo histórico. observado – as reformas educacionais da América
Na Dialética, o investigador parte dessas Latina –, tensionando, com categorias dialetiza-
premissas anunciadas para dar início à pesquisa, das, a bipolaridade dessas reformas curriculares.
com a contemplação viva do fenômeno, buscando Com a categoria de análise “descentralização-
perceber sua singularidade e delimitar suas carac- -centralizadora”, a pesquisadora desvela o forte
terísticas majoritárias. Analisa o fenômeno, obser- acento das aludidas reformas educacionais sobre
vando os elementos que o integram, procurando a municipalização do ensino. Com a categoria de
estabelecer relações sociais e históricas. Quando análise “centralização-descentralizada”, a estudiosa
necessário, vale-se de dados quantitativos do fe- deflagra a tônica de tais reformas na implantação
nômeno. Por fim, procura caracterizar os aspectos de sistemas nacionais de avaliação e de conteúdos
fundamentais do fenômeno, sua realidade concreta, básicos do currículo nacional (como as diretrizes e
por intermédio de estudos das informações e ob- os referenciais) aliados a estratégias centralizadas
servações, fazendo uso de descrição, classificação, de formação de professores.
análise das contradições do fenômeno em tela e Fica evidente como a pesquisadora analisa o
síntese do observado a analisado. fenômeno em tela – as reformas educacionais na
Para tornar mais claro o movimento da in- América Latina – levantando suas principais ca-
vestigação desenvolvida com base na Dialética racterísticas e buscando estabelecer as relações que
marxiana, trazemos à baila a pesquisa de Vera este fenômeno apresenta com suas circunstâncias
Candau (1999) intitulada “Reformas Educacionais sociais e históricas. É oportuno observar o movi-
na América Latina”. Ao focalizar as aludidas re- mento de síntese da pesquisadora, ao delinear os
formas, a pesquisadora procura destacar os pontos aspectos fundamentais do fenômeno observado à
centrais do discurso que as justifica, seus principais luz das contradições que lhes são inerentes.
atores, sua aproximação com o projeto neoliberal
hegemônico, assim como as estratégias utilizadas Fenomenologia
em sua implantação. Nesse panorama, inclui as
reformas curriculares desenvolvidas em diversos A Fenomenologia foi fundada por Edmund
países latino-americanos. Defende a necessidade Husserl (1859-1938): matemático e filósofo que
de outros enfoques, ressaltando a importância de salientava que o conhecimento deve ser sempre
os países se unirem no esforço de promover outra questionado. Nesse movimento, Husserl advoga
reforma, que emane das bases e esteja voltada às a ideia de que a base filosófica para a lógica e a
reais demandas dos educadores. Em seu dizer, uma matemática deve iniciar-se com uma análise da
reforma que se preocupe com “questões relativas experiência que precede o pensamento formal.
à identidade, às condições de trabalho, ao status Outro grande representante da Fenomenologia é o
econômico e social e à profissionalização dos pro- filósofo francês Merleau-Ponty (1908-1961). Para
fessores” (CANDAU, 1999, p. 41). Merleau-Ponty, o conhecimento do fenômeno é
Nesse movimento de análise, a pesquisadora gerado em torno do próprio fenômeno e o ser hu-
propõe como um dos desafios dos educadores des- mano assume a centralidade da discussão acerca do
mistificar a aura de novidade e de avanço que cerca conhecimento, posto que o conhecimento emana e
as reformas educacionais, de modo a percebê-las se realiza na sua corporeidade.
como instrumento que legitima o projeto socio- A pesquisa com base fenomenológica busca
político hegemônico do atual momento histórico. empreender investigações acerca de fenômenos

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humanos. Nesse processo, o vivido e o experien- apreensão do fenômeno de segunda mão: os relatos
ciado assumem uma centralidade. As pesquisas dos sujeitos de pesquisa. À guisa de capturar, tanto
desenvolvidas com base na Fenomenologia estão quanto possível, a essência do fenômeno observa-
especialmente preocupadas com a análise dos re- do, o pesquisador fenomenológico lança mão do
latos e as descrições dos sujeitos que vivenciaram círculo hermenêutico (compreensão – interpreta-
o fenômeno em tela. A Fenomenologia questiona ção – nova compreensão) no momento da redução
a premissa positivista de que o pesquisador deve fenomenológica.
buscar a neutralidade, salientando que tal premissa Graças à redução fenomenológica, o pesquisa-
não considera as crenças e os valores presentes nos dor consegue aproximar-se, tanto quanto possível,
pensamentos e nas ações do investigador. da essência do fenômeno observado. A redução
É comum assumir a ideia de que o método feno- fenomenológica é desenvolvida por meio de duas
menológico é particularmente indicado nos casos etapas: a análise ideográfica e a análise nomotética,
em que o método científico clássico não consegue oriunda da rede de significados dos depoimentos
apreender o fenômeno, em toda sua complexidade analisados. Na análise ideográfica, o pesquisador
e inteireza. As pesquisas que contemplam a análise levanta as unidades de significado dos depoimentos
de fenômenos subjetivos têm como premissa a dos sujeitos de pesquisa e, consequentemente, as
ideia de que as verdades essenciais sobre uma dada asserções articuladas à linguagem desses sujeitos.
realidade amparam-se na experiência vivida. Por Na análise nomotética, o pesquisador elabora a
essa razão, é comum que as investigações desen- rede de significados, articulando as asserções de
volvidas com base na Fenomenologia voltem-se acordo com três indicadores: por convergência,
à análise dos relatos e das descrições dos sujeitos divergência e transcendência. Esse movimento
que vivenciaram o fenômeno. de análise possibilita ao pesquisador apreender a
Diferentemente das pesquisas positivistas, a parcela invariante da experiência vivida comum a
investigação com base na Fenomenologia não todos os sujeitos. Dessa apreensão, o pesquisador
lida com o conceito de hipóteses (que devem ser levanta as temáticas comuns aos participantes, que
verificadas), mas sim com o conceito de suposições podem ser tomadas como categorias de análise, e
(que devem ser respondidas, com base na análise os depoimentos singulares (idiossincráticos) dos
dos relatos dos sujeitos). sujeitos de pesquisa sobre o fenômeno.
A pesquisa desenvolvida com base na Feno- Feita a análise, o investigador parte, então,
menologia postula a existência de dois mundos: o para a coleta, reflexão e interpretação dos dados
mundo da aparência e o mundo da essência. O mun- do mundo vivido, procurando os significados ma-
do da aparência relaciona-se à dimensão objetiva, nifestos na situação de análise, sem lançar mão do
a qual se refere às manifestações dos sujeitos de seu marco teórico. Na Fenomenologia, tal atitude
pesquisa, ou seja, ao que eles fazem e dizem sobre é denominada status de suspensão ou epoqué. A
o fenômeno observado. Por essa razão, o mundo da epoqué advoga a ideia de que a compreensão do
aparência é passível de ser identificável pelo pesqui- fenômeno não emana dos fundamentos teóricos
sador (observador externo). Por sua vez, o mundo da preconcebidos pelo investigador sobre o fenômeno
essência refere-se à dimensão subjetiva, relacionada estudado; ao contrário, deve emergir da compre-
à experiência, às emoções, aos pensamentos, às ensão do pesquisador, conforme este vá imergindo
sensações. Por isso, para a Fenomenologia, o mundo no fenômeno observado. Por isso, o pesquisador
da essência – ou sentido – dos fenômenos pode ser que se vale da vertente fenomenológica busca
compreendido a partir do modo como ocorrem na colocar suas pressuposições entre parênteses. A
experiência. A essência mostra-se, até onde é pos- ação que advém do processo fenomenológico de
sível ao observador compreendê-la, no modo como investigação consubstancia-se como nova compre-
os fenômenos vividos se manifestam. Diante dessa ensão, revelada como proposta, em forma de novo
circunstância, o investigador fenomenológico busca questionamento.
ir além das aparências e se aproximar, tanto quanto As duas vertentes filosóficas da pesquisa quali-
possível, da essência do fenômeno, por meio da tativa – Dialética e Fenomenologia – consubstan-

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Pesquisa qualitativa: considerações sobre as bases filosóficas e os princípios norteadores

ciam-se como instâncias basilares dos princípios gação” (tradução livre do original “Basic Beliefs
desta abordagem metodológica. Corroborando (Metaphysics) of Alternative Inquiry Paradigms”)
este entendimento, o quadro de Guba e Lincoln – aponta a Dialética como uma das raízes de duas
(1994, p. 109) – intitulado “Crenças Básicas (Me- vertentes da pesquisa qualitativa: o Construtivismo
tafísicas) dos Paradigmas Alternativos de Investi- e a Teoria Crítica.

Quadro 1 – Crenças Básicas (Metafísicas) dos Paradigmas Alternativos de Investigação

Fonte: Guba; Lincoln (1994, p. 109).

Princípios da investigação qualitativa dia, auferir aos estudos de humanidades o status


de Ciência.
As considerações deste item fundamentam-se Olhar para o intento de Comte em auferir aos
em Bogdan e Biklen (1994), Chizzotti (1998), estudos em humanidades o status de Ciência, em
Triviños (1987) e Laville e Dionne (1999). uma época em que isso sequer era cogitado, explica
As raízes históricas da pesquisa em ciências a razão pela qual o Positivismo procura aproximar,
humanas nos remetem à importância de Comte em termos metodológicos, as ciências naturais e
(1978), o qual, no século XIX, buscou auferir aos as ciências sociais, partindo do pressuposto de que
estudos desta área o atributo de Ciência. Com esse ambas são regidas por leis invariáveis. Na vertente
intento, Comte procurou estabelecer uma íntima metodológica positivista, a objetividade científica
relação entre ciência e técnica, no campo das hu- fundamenta-se no tratamento estatístico dos dados.
manidades, em reação à Filosofia especulativa. Por A variável é, portanto, considerada elemento fulcral
essa razão, o Positivismo imprime suma importân- à quantificação dos fatos sociais. Por isso, o pes-
cia aos fatos e submete a imaginação à observação. quisador positivista deve medir relações entre os
Auguste Comte, no campo da Sociologia, e Stuart fenômenos, testar hipóteses e procurar estabelecer
Mill, no campo da Psicologia, são grandes nomes generalizações por intermédio de técnicas de amos-
do Positivismo. tragem, tratamentos estatísticos e estudos experimen-
Por mais que tenhamos consciência dos limites tais controlados e mensurados com absoluta precisão.
da vertente positivista para capturar os fenômenos A atitude positiva recai sobre a descoberta das
humanos, em sua inteireza e complexidade, não há relações entre as coisas. Nesse movimento, o pes-
como deixar de reconhecer a relevância de Augus- quisador, ao considerar os fatos como objeto da
te Comte para o recrudescimento da pesquisa no ciência, situa a causa como fato oculto que precisa
campo das humanidades. Auguste Comte exerceu ser descoberto para explicar o fato manifesto. Um
um papel primordial para que possamos, hoje em investigador adepto à vertente positivista subme-

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te um fato à experimentação, trabalhando com tais investigações seguem um padrão que se apoia
condições de controle, mensurando a constância na observação, na formulação e na verificação de
das incidências e das exceções. De acordo com hipótese, bem como na predição e na explicação
os pressupostos positivistas, tudo deve ser feito científica. Nesse intento, a pesquisa experimental
sem que o pesquisador influencie a realidade que lança mão da quantificação (quando estabelece
observa. Para o Positivismo, o conhecimento cien- frequência das ocorrências, por meio de tratamento
tífico caracteriza-se como o modo de conhecimento estatístico) para estabelecer o determinismo fun-
que não é imediatista, uma vez que nega qualquer cional. Essas pesquisas pressupõem um modelo
perspectiva de superficialidade. Ao mesmo tempo de investigação que emana das ciências naturais,
procura atender ao princípio da generalidade, de que segue a lógica indutiva para estabelecer leis,
forma que o resultado de uma pesquisa seja válido por intermédio de verificações objetivas que se
a distintas situações. Nessa perspectiva, o conheci- fundamentam na análise estatística.   
mento científico é autocrítico, pois a comunidade Entretanto, a complexidade do ser humano e das
científica julga suas próprias produções, já que não sociedades que o acolhem dificilmente é passível de
há conhecimento absoluto e definitivo. Por fim, ser plenamente analisada segundo os indicadores
caracteriza-se como atividade metódica, por meio positivistas. As particularidades humanas põem
da qual as ações poderão ser reproduzidas. às claras a inadequação, em boa parte das vezes,
Todavia, assumir o princípio de verificação dos pressupostos positivistas para o estudo dos fe-
como demonstração de verdade aparta das ciências nômenos sociais. Ao menos esse tem sido o cabal
humanas distintos conhecimentos que não podem argumento das duas grandes vertentes que põem em
ser comprovados pela via do experimento. Os cheque o Positivismo: a Dialética e a Fenomenolo-
diversos valores culturais e as distintas circunstân- gia. Com tal questionamento, essas correntes reivin-
cias sociais e históricas, a flexibilidade da conduta dicam um estatuto epistemológico e metodológico
humana, a impossibilidade de o investigador não próprio, considerando as especificidades do fenô-
influenciar o fenômeno que observa são fatores que meno humano como objeto de estudo das Ciências
inviabilizam a almejada objetividade positivista. Sociais. Como adverte Santos (1988), a ação huma-
De acordo com Santos (1988), as Ciências na é eivada de subjetividade; por essa razão não há
Sociais acolhem diversas tendências. A vertente como explicá-la, na sua completude, tão somente a
positivista busca tomar para si os pressupostos partir dos cânones positivistas, que se fundamentam
das ciências naturais. De acordo com o referido em características exteriores e objetiváveis. Razão
sociólogo, as pesquisas fundadas no Positivismo pela qual a pesquisa qualitativa ampara-se em outros
adotam um modelo que imprime ao conhecimento princípios, como a não neutralidade do observador,
um estatuto utilitário e funcional, por se apoiarem posto tratar-se de sujeito imerso em circunstâncias
em conceitos como: a) o rigor científico a ser aferido historicamente datadas. Bogdan e Biklen (1994, p.
pelas medições; b) a importância de o investigador 51) também chamam atenção para isso: “O processo
buscar a neutralidade, para não interferir no fenô- de condução da investigação qualitativa reflecte
meno que observa; c) a relevância de os resultados uma espécie de diálogo entre os investigadores e os
da investigação poderem ser generalizados para respectivos sujeitos, dado estes não serem abordados
distintas situações de análise; d) a importância da de forma neutra”.
coleta de dados ater-se à amostra estatística (igual ou A Ciência como prática social esclarece a ideia
superior a 10% do universo observado); e) a necessi- de que, na escolha do processo de pesquisa, a
dade de um dado trabalho ser desenvolvido com dois construção de conhecimento vale-se da compre-
grupos: o grupo controle e o grupo experimental. ensão e da interpretação dos significados cons-
Chizzotti (2006) lembra que as investigações no truídos socialmente pelo investigador. Ou seja, a
campo das ciências humanas desenvolvidas sob a construção do conhecimento ocorre em condições
lógica das ciências naturais têm sido genericamente historicamente datadas das teorias e métodos, assim
denominadas de pesquisas quantitativas, positi- como da temática de pesquisa. Em outros termos,
vistas ou experimentais. Segundo o pesquisador, o método científico é mais do que a descrição dos

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Pesquisa qualitativa: considerações sobre as bases filosóficas e os princípios norteadores

passos da pesquisa. Daí as escolhas no processo que é uma solução proposta para um problema. Fatos
de pesquisa emanarem de princípios ontológicos e levantados, dados descobertos por procedimentos de
epistemológicos do investigador e fundamentarem pesquisa e ideias avançadas, se articulam justamente
o modo pelo qual a pesquisa deverá ser desenvol- enquanto portadores de razões comprovadas daquilo
que se quer demonstrar. E é assim que a ciência se
vida. Ao falarmos da natureza do conhecimento
constrói e se desenvolve.
científico, devemos ter em mente que embora a
produção de conhecimento seja uma prática social No tocante ao rigor inerente a todo e qualquer
e histórica – fato que, a princípio, poderia indicar estudo científico aliado a aspectos éticos, Chizzotti
algumas tendências –, o que ocorre é a convivência, (2006, p. 58) acrescenta:
nem sempre pacífica, de distintas visões de ciência Cresce, porém, a consciência e o compromisso de
e de abordagens metodológicas. Ou seja, em um que a pesquisa é uma prática válida e necessária na
mesmo momento histórico, nem todos os investi- construção solidária da vida social, e os pesquisa-
gadores apoiam-se nos mesmos pressupostos, em dores que optaram pela pesquisa qualitativa, ao se
função de distintos modos e de diferentes aborda- decidirem pela descoberta de novas vias investiga-
gens de pesquisa, as quais, por sua vez, acolhem tivas, não pretenderam nem pretendem furtar-se ao
diferentes visões de sociedade, de ser humano e rigor e à objetividade, mas reconhecem que a expe-
de conhecimento. riência humana não pode ser confinada aos métodos
Por essa razão, os momentos preliminares de nomotéticos de analisá-la e descrevê-la.
uma investigação – em que o pesquisador traça o A seu turno, Severino (1996, p. 117), ao tecer
diagnóstico da realidade a ser observada, o modo considerações acerca da natureza do conhecimento
de organizar os dados coletados e a delimitação da científico, deflagra a relação dialética entre teoria
problemática de investigação – são feitos sempre a e dados empíricos:
partir da materialidade histórica do pesquisador e
Com efeito, a ciência depende da confluência dos
das suas escolhas teóricas e metodológicas. dois [movimento teórico e movimento empírico,
O que será pesquisado? Qual a relevância cien- grifo nosso] que, considerados isoladamente, só têm
tífica e/ou social do que será pesquisado? Onde a sentido formal. Só a teoria pode dar ‘valor’ científico
pesquisa será desenvolvida? Junto a quem? (quando a dados empíricos, mas, em compensação, ela só gera
a pesquisa envolve sujeitos)? De que modo (em ter- ciência se estiver em interação articulada com esses
mos de delineamento do método, de esclarecimento dados empíricos.
das fontes de informação, de instrumentos de coleta
Chizzotti (2006) sinaliza que a investigação
de dados e de perspectiva de análise e interpretação
científica é crivada pela combinação de várias
dos dados)? Essas são questões imanentes a todo
concepções de mundo e de distintos pressupostos
e qualquer trabalho científico. Todavia, os pressu-
teóricos, que se revelam no método escolhido pelo
postos teóricos e metodológicos variam, a depender
da cosmovisão do pesquisador. pesquisador. Entretanto, seja qual for a vertente
Vale destacar que, a despeito das diferentes adotada, a investigação científica ergue-se em
vertentes de pesquisa científica, todas se ancoram meio ao trabalho sistemático (definido segundo
na busca por rigor, por meio de estudo sistemático, critérios claros, bem estruturados e amparados
consistente, que procure plausibilidade e profundi- em uma vertente teórica e em uma perspectiva
dade, quando do ato de investigar. metodológica) de explicação ou compreensão dos
Em relação a isso, Severino (1996, p. 117) nos dados observados.
ensina: Até agora esclarecemos a existência de distintas
abordagens da pesquisa científica e consideramos
Mas, qualquer que seja a forma do trabalho cien-
sobre alguns indicadores da pesquisa positivista,
tífico, é preciso relembrar que todo trabalho desta
natureza tem por objetivo intrínseco a demonstra- também chamada de pesquisa quantitativa ou
ção, o desenvolvimento de um raciocínio lógico. experimental. Sabemos que grande parte das pes-
Ele assume sempre uma forma dissertativa, ou seja, quisas em ciências humanas e sociais, incluindo-se
busca demonstrar, mediante argumentos, uma tese, o campo da Educação, é desenvolvida sob a égide

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da pesquisa qualitativa. Diante disso perguntamo- Descrever significa assumir a ideia de que os
-nos sobre quais seriam as suas características dados são recolhidos em forma de palavras ou
fundamentais. Os autores acima citados anunciam imagens e não de números. Isso porque há dados,
que a pesquisa qualitativa abarca diversos tipos de como transcrições de entrevistas, notas de campo,
investigação, tal como a pesquisa bibliográfica, a fotografias, vídeos, documentos pessoais, me-
pesquisa documental, a pesquisa etnográfica, a morandos e outros registros oficiais, que não são
pesquisa histórica, a pesquisa ação, a pesquisa passíveis de serem reduzidos a símbolos numéricos.
participante, o estudo de caso e o estudo de campo, Esses dados devem ser analisados em toda a sua
dentre outros. complexidade e inteireza, considerando-se o modo
Chizzotti (2006, p. 28) refere-se às pesquisas como foram registrados ou transcritos. O relatório
designadas genericamente como qualitativas, ao de uma pesquisa qualitativa pode chegar a assumir
dizer que “[...] usando, ou não, quantificações, um caráter “anedótico”, quando a descrição e a
pretendem interpretar o sentido do evento a partir narração das situações são permeadas pela visão de
do significado que as pessoas atribuem ao que falam mundo do pesquisador e dos observados. Os autores
e fazem”. E ainda: lembram que a coleta dos dados descritivos deve
A pesquisa qualitativa abriga, deste modo, uma ser feita de forma minuciosa e o pesquisador deve
modulação semântica e atrai uma combinação de se mostrar sensível aos detalhes que observou, pois
tendências que se aglutinaram, genericamente, sob todos eles são importantes para uma compreensão
este termo: podem ser designadas pelas teorias que mais esclarecedora do objeto.
as fundamentam: fenomenológica, construtivista, • Os investigadores qualitativos interessam-
crítica, etnometodológica, interpretacionista, femi- -se mais pelo processo do que simplesmente
nista, pós-modernista. Pode, também, ser designada pelos resultados ou produtos.
pelo tipo de pesquisa: etnográfica, participativa,
pesquisa-ação, história de vida etc. (CHIZZOTTI, Para Bogdan e Biklen (1994) é primordial que o
2006, p. 30). investigador não se restrinja aos resultados obser-
Muitos são os estudiosos que se voltam ao vados, mas, ao contrário, esteja atento a questões
levantamento das características primordiais da estritamente relacionadas ao processo da pesquisa.
pesquisa qualitativa, dentre os quais destacamos Nesse sentido, investigar sobre como as pessoas
Bogdan e Biklen (1994), pelo foco na pesquisa significam um dado fenômeno ou sobre como de-
qualitativa em Educação, revelado no levantamento terminado assunto passa a integrar o senso comum
de cinco características: pode fazer uma diferença primordial no campo da
pesquisa qualitativa.
• Na investigação qualitativa a fonte direta de
dados é o ambiente natural, constituindo o • Os investigadores qualitativos tendem a
investigador o instrumento principal. analisar os seus dados de forma indutiva.

Bogdan e Biklen (1994) destacam a importância Outra questão apontada por Bogdan e Biklen
(1994) é a tendência de os dados da investigação
de o investigador comparecer ao locus da investiga-
qualitativa serem analisados com enfoque indutivo.
ção, em tempo significativo, para de fato ser capaz
Na investigação qualitativa, o pesquisador não
de elucidar as questões de pesquisa. Nesse movi-
lida com hipóteses levantadas a priori, para serem
mento, a coleta dos dados “em situação” necessita
confirmadas, ou não. Na pesquisa qualitativa, o
ser complementada por informações obtidas por
pesquisador levanta suposições no decorrer da
intermédio do contato direto do investigador com
investigação. O enfoque indutivo realiza-se em um
a situação de análise. No tocante à compreensão
movimento em que as abstrações vão sendo cons-
do contexto, os autores asseveram que os locais
truídas à medida que os dados vão sendo coletados
devem ser compreendidos no contexto da história
e agrupados. Bogdan e Biklen (1994) amparam-se
das instituições a que pertencem.
no conceito de Teoria Fundamentada de Glaser e
• A investigação qualitativa é descritiva. Strauss (1967), em que as categorias de análise,

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Pesquisa qualitativa: considerações sobre as bases filosóficas e os princípios norteadores

ao invés de serem levantadas a priori, a partir do a amostra por saturação teórica, quando os dados
quadro teórico de referência, emergem da coleta coletados passam a apresentar redundâncias.
dos dados. Dito de outro modo, a categorização
ganha forma, na medida em que o pesquisador Considerações finais
coleta e examina os dados. No enfoque indutivo,
a análise inicia-se com um foco mais amplo e, no No presente estudo bibliográfico procuramos
transcurso da pesquisa, vai se tornando cada vez destacar a noção de que o conhecimento é uma
mais específico. construção histórica. A partir desse entendimento
trouxemos algumas considerações sobre o Positi-
• O significado é de importância vital na
vismo e sobre as principais bases filosóficas da pes-
abordagem qualitativa.
quisa qualitativa: a Dialética e a Fenomenologia.
Outro aspecto primordial, no campo da inves- Também buscamos evidenciar a inexistência de
tigação qualitativa, é a importância auferida ao uma verdade única, no âmbito da Ciência, mormen-
significado construído pelos sujeitos implicados te nas pesquisas em Ciências Humanas e Sociais.
no fenômeno em estudo. O investigador tem in- Com base nessa premissa, elencamos algumas
teresse particular sobre o modo como os sujeitos características do conhecimento científico, com
dão sentido ao fenômeno em tela. Em relação a atenção às especificidades da pesquisa qualitativa
isso, Bogdan e Biklen (1994) retomam as ideias de no campo da Educação. Salientamos a coexistência
Erickson (1986) e de Dobbert (1982), para quem de distintas abordagens metodológicas de pesquisa,
o investigador de uma pesquisa participante, ao em um mesmo momento histórico, a depender da
procurar apreender as perspectivas dos sujeitos cosmovisão do pesquisador.
envolvidos, deve atentar para a dinâmica interna da Essas breves linhas a respeito das bases filosófi-
situação pesquisada. Esse movimento de apreensão cas da investigação qualitativa e de seus princípios
é absolutamente distinto daquele em que o investi- têm o objetivo de melhor fundamentar o entendi-
gador recolhe os dados em uma situação pontual, mento da especificidade de boa parte das pesquisas
como observador externo à situação estudada. desenvolvidas na área de Educação. Como prática
A investigação qualitativa também se afasta da social, a investigação, no campo da Educação,
pesquisa quantitativa, no que se refere a outros dois conclama uma abordagem epistemológica que
tópicos: generalização e amostra. perceba, cientificamente, os fenômenos próprios da
A investigação quantitativa lida com o conceito Educação, considerando suas particularidades em
de generalização estatística, por meio da qual os relação aos demais campos das Ciências Humanas
resultados da pesquisa podem ser generalizados e, mais ainda, em relação às Ciências Naturais.
a outras situações. A investigação qualitativa, a A Educação, enquanto praxis, é constituída
seu turno, lida com o conceito de generalização de intencionalidade. Por esse motivo há muitas
naturalística. De acordo com a generalização pesquisas educacionais que se erguem em meio a
naturalística, o valor do produto da pesquisa é uma intervenção política, com o objetivo de con-
percebido unicamente como fruto do processo. Por tribuir para a constituição dos sujeitos envolvidos
isso, os achados da pesquisa são passíveis de serem no processo educacional.
generalizados tão somente a situações semelhan- A investigação no campo da Educação traz
tes à estudada. A pesquisa quantitativa lida com a para si elementos simbólicos que são mediados
amostra estatística, o que equivale a dizer que a pela cultura. Os atores do universo educacional,
amostra é significativa somente quando igual ou a despeito de serem submetidos a determinantes
superior a 10% do universo observado. A seu turno, circunstanciais, interagem todo momento com
a investigação qualitativa trabalha com a amostra tais determinantes. Nesse movimento, sujeitos e
não probabilística, na qual os depoimentos dos determinantes circunstanciais interatuam e se modi-
sujeitos são compreendidos como representantes ficam mutuamente. É preciso ter isso em mente, no
de um segmento de pertença (FONTANELLA et momento de se proceder às escolhas metodológicas
al., 2008). A pesquisa qualitativa também observa das pesquisas, na área educacional.

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Recebido em 25.05.2013
Aprovado em 28.07.2013

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