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AS LETRAS ESCARLATES:
REPRESENTAÇÕES E HISTÓRIAS DE SUICÍDIO EM BELÉM DO PARÁ: 1891-1920
BELÉM – PA
2012
MARCELO JOSÉ PEREIRA CARVALHO
AS LETRAS ESCARLATES:
REPRESENTAÇÕES E HISTÓRIAS DE SUICÍDIO EM BELÉM DO PARÁ: 1891-1920.
BELÉM – PA
2012
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)
AS LETRAS ESCARLATES:
REPRESENTAÇÕES E HISTÓRIAS DE SUICÍDIO EM BELÉM DO PARÁ: 1891-1920.
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Dr. Aldrin Moura de Figueiredo (orientador)
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Dr. Márcio Couto Henrique (FAHIS/IFCH/UFPA)
_________________________________
Dra. Valéria Augusti (FALE/ILC/UFPA)
AGRADECIMENTOS
The newspapers were the main way to divulge the suicides committed in Belém, state of Pará,
in the turn of the nineteenth century to the twentieth century. For reasons related to the proper
business view which had a special place in the press of Belém, the daily and newsy papers
gave visibility to the occurrence of suicides, and they appropriated the voluntary death as a
theme to various purposes: politics, business and others. The official registers hid the
occurrence of suicides in the city because of the taboo which, along centuries, existed in the
act of suicide and against the person who practiced it. Because of this, this research used the
newspapers as the main source, with the pre-determined goal, to study the historicity of the
suicide in Belém between 1891 and 1920, in the level of its representations as well as in the
construction of another memory that permits to identify the aspects which characterize the
manners, the causes and the space of committing suicide in an Amazonian city. This memory,
compared to one solidified by the historiography in the mythical times of belle époque, also
opens perspectives of future analysis about a historical period that still needs to be discussed a
lot. The results of this research reveal the co-existence of the beliefs and the disbeliefs in the
same progress and in the paths of the civilization, having the First World War (1914-1918) as
the greatest break of paradigms. Looking into the public and private spaces of the city, it has
noticed that, in Belém at that time (belle époque), it was also possible to observe the presence
of the desperates among the people, the ones whose identity and personal drama were
published in the newspapers read by everybody and their will of killing themselves worried
and challenged the medical, judicial and religious authorities.
Keywords: Belém, Press, Suicide
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Era a manhã de 3 de outubro de 1900, a poucos meses da mudança do século XIX para
o XX. Os principais jornais diários de Belém do Pará estavam à venda nas ruas da cidade, por
menores jornaleiros com seus pregões sobre os recentes fatos que chamariam a atenção do
público leitor local. Os jornais também podiam ser adquiridos nas suas próprias redações, ou
serem enviados diretamente às residencias daqueles com quem mantinham o velho sistema de
assinaturas. Naquele dia em especial, certamente deve ter causado sensação a todos o caso
ocorrido no decorrer dos dois dias anteriores, de um duplo suicídio na capital, que tanto a
Folha do Norte como A Província do Pará – os maiores (e rivais) jornais diários1 que traziam
notícias variadas sobre o cotidiano da cidade – não tardaram em publicar, pelos padrões de
rapidez da época. O casal de espanhóis Henrique Bosch y Barras e Julia Gonzales, chegados a
Belém há apenas três meses, cumpriram pacto de morte. Não encontrando o sucesso
financeiro que almejavam, e por contraírem dívida – mesmo que de pequena monta – junto à
hospedagem em que se achavam instalados, eles tanto premeditaram como colocaram em
prática o seu plano suicida. Na noite de 1º de outubro de 1900, ambos se lançaram às águas da
Baia do Guajará, que banham a costa oeste da capital paraense, amarrados um ao outro.
Notícias como essa não eram estranhas às folhas diárias dos jornais de Belém naquela
transição de séculos, como também as de outras capitais e cidades brasileiras. No caso
específico da tragédia local desse casal de espanhóis, ressalta-se que pequena nota, a ela
alusiva, também foi registrada na primeira página do jornal paulistano O Diario Popular, de
22 de outubro de 1900. Esse fato fornece dois indícios: a circulação das notícias entre os
jornais, possível em nível nacional; e, principalmente, a recorrência do tema do suicídio como
objeto de leitura diária nas cidades brasileiras.
A comunicação entre as redações dos jornais era facilitada pelas melhorias técnicas de
comunicação operadas ao longo do século XIX, dentro do processo maior de “circulação
1
A Provincia do Pará (1876-1900 e 1901-1912, as duas primeiras fases) e a Folha do Norte (1896-1974)
mantiveram relações amistosas até o rompimento entre o Partido Republicano e o Partido Republicano Federal
a partir de 1899, já endurecendo os embates no ano seguinte pelas eleições para a sucessão do governo
estadual. Desde então, os grupos políticos se polarizaram: os lauristas, tendo à frente o senador Lauro Sodré
chefiando o Partido Republicano Federal, e representados na imprensa pela Folha do Norte; e os lemistas,
liderados pelo então intendente de Belém, senador Antônio José de Lemos, figura de proa do Partido
Republicano, e representados por A Provincia do Pará. Na década de 1910, com a deposição de Lemos da
intendência da capital, a perda do poder político dos lemistas e o incêndio que paralisou as atividades de A
Provincia do Pará por quase oito anos (tudo em agosto de 1912), a rivalidade política passou a ser travada
entre a Folha do Norte, fiel aos ideais lauristas e o recém fundado Estado do Pará (1911-1961), que apoiava o
governo estadual de 1913-1916 de Enéas Martins (BORGES, 1986; ROCQUE, 1968).
11
mundial dos impressos”, que Abreu (2011, p. 115) também chamou de “globalização da
cultura”. Nele, o telefone e o telégrafo, em especial, colocavam-se ao lado das tradicionais
correspondências, a serviço de um novo modelo de imprensa, cujo caráter empresarial já
ganhava contornos bem definidos. Os jornais de Belém deixavam de ser apenas as folhas
comerciais ou a panfletagem política do período imperial, conforme testemunho prestado por
Paulino de Brito (1900). As novas tecnologias de impressão, cuja melhor representação era
expressa pela aquisição das máquinas rotativas Marinoni2, facilitou o barateamento do custo
dos exemplares, aliado à própria mudança na logística de sua distribuição diária. O preço do
exemplar diário avulso indicava não somente a sua venda nas ruas da cidade, como também a
abertura dos jornais locais ao grande público.
No novo ambiente das prensas diárias, em especial na virada do século XIX para o XX,
em que Meyer (1996, p. 98) identificou a formação de um “novo jornalismo de massa”, o
suicídio se constituiu em um dos objetos prediletos para servir de mote ao noticiário impresso.
Momento esse em que os dramas do cotidiano – ou o universo de certo submundo citadino –
passaram a ser expostos com mais intensidade ao leitor comum, para lhes dizer “como eram
os lugares e gentes que [em princípio] ele não freqüentava”, porém de um modo
completamente estetizado (PESAVENTO, 2010, p. 448). As notícias sobre os atos suicidas,
ocorridos na Belém da época, transformavam-se em relatos do extraordinário, marcados por
um profundo sentido moralizante, em que os valores da época eram expressos para indicar ao
leitor o limite entre o certo e o errado.
Em termos de se trabalhar com o tema da morte voluntária, como objeto histórico no
final do século XIX e no início do XX, recorrer às páginas desses velhos jornais se torna, para
além de uma possibilidade, quase que um imperativo, diante dos problemas de ordem
metodológica que se impõem. Para Semler (1998, f. 21), “a ‘realidade’ histórica do suicídio
[...] constitui terreno bastante escorregadio para o historiador”. Acompanhando o estigma
secular que recai sobre o suicídio, as fontes possíveis que lhe dizem respeito se restringem. A
própria Semler (1998, f. 20) toca no ponto central desse problema: sendo “tabu supremo da
civilização ocidental”, os sobreviventes do ato3 procuravam (como ainda procuram) ocultar da
2
O tipógrafo francês Hippolyte Marinori, diretor do famoso jornal noticioso francês Le Petit Journal, em 1883
aperfeiçoou as rotativas, então existentes, para um novo maquinário que aumentou o número das tiragens
diárias a um baixo custo (MEYER, 1998). Na imprensa belenense, foi a redação de A Província do Pará quem
teria introduzido o uso das máquinas Marinori (PARÁ, 1908a), sendo paulatinamente seguida pelos demais
jornais da cidade.
3
O termo “sobreviventes” será usado intencionalmente neste trabalho, embora anacrônico, para designar as
pessoas com quem o suicida se relacionava em vida, e as testemunhas do ato suicida. Esse termo é aplicado
nas discussões psiquiátricas contemporâneas sobre o suicídio, no tocante ao processo de “elaboração do luto”
após a ocorrência do fato (CASSORLA, 1998, p. 23-24).
12
4
Esse montante foi calculado com base nos catálogos organizados por Manoel Cardozo Barata (para os anos de
1822 a 1908), e por Theodoro Braga (para os anos de 1908 a 1918), respectivamente publicados na Revista do
Instituto Historico e Geographico Brazileiro de 1908, e na Revista do Instituto Historico e Geographico do
Pará de 1920.
13
trezentos e trinta e um periódicos vieram à luz em Belém no período de 1908 a 1918. Tais
números são indicativos certos da efervescência presente no meio jornalístico paraense,
mesmo com o início da crise da economia gomífera sofrida à época, e também sinalizam para
a importância que a população de Belém dava “à informação e aos debates veiculados na
imprensa” (FIGUEIREDO, 2005, p. 248).
Desse modo, reconhece-se o necessário recurso aos periódicos, da mesma forma que à
literatura e às memórias, os chamados “traços indiretos” do suicídio (SEMLER, 1998, f. 21).
Por outro lado, essa opção pelo uso dos jornais, como fonte privilegiada ao estudo do suicídio,
não se deu exclusivamente por tais razões de ordem metodológica. Em hipótese alguma os
mesmos foram considerados fontes residuais (as que restaram para se trabalhar). Antes,
reconheceu-se a riqueza e o valor das histórias e das representações neles contidas que, desse
modo, colocam-se à disposição para pesquisas que se abrem a novas perspectivas e
possibilidades.
Considerações especiais devem ser feitas quanto ao uso proveitoso dos jornais
(periódicos no geral) como fonte histórica. Há muito que os historiadores deixaram de encarar
as notícias neles impressas como simples “imagens parciais, distorcidas e subjetivas” na busca
necessária pelo real (LUCA, 2010, p. 112). Em se tratando do suicídio, aliás, não há como
exigir objetividade absoluta em qualquer das fontes disponíveis, conforme já visto. Por outro
lado, os jornais não podem ser tomados como “meros receptáculos de informações” a serem
manipulados como a confirmar hipóteses levantadas em pesquisa (LUCA, 2010, p. 116). Os
vários sentidos e significados com que a prática do suicídio se mostra nas notícias e nos
artigos dos jornais analisados – da condenação à pretensa apologia; da tragédia lamentada à
possibilidade de redenção (para os tipos desviantes da sociedade) – indicam o quanto essas
representações devem ser problematizadas ao invés de apresentar certezas.
Os trabalhos acadêmicos produzidos nacionalmente5 demonstram que as abordagens
historiográficas sobre o suicídio vêm se firmando no ambiente das Universidades brasileiras.
Muitas dessas produções também sinalizam que o uso dos jornais e da literatura, como fontes
históricas, propiciou chegar a tais abordagens: Fabio Lopes, com os jornais campineiros do
século XIX; Susan Semler, com a literatura naturalista norte-americana do século XIX; e
Valéria Guimarães, com o jornal paulistano O Estado de São Paulo da década de 1910.
5
Referem-se, principalmente, à dissertação de mestrado e à tese de doutorado de Fábio Henrique Lopes, pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); à dissertação de mestrado de Jackson André da Silva Ferreira
(2004), pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); e às teses de doutorado de Susan Anne Semler (1998) e
de Valéria dos Santos Guimarães (2004), ambas pela Universidade de São Paulo (USP).
14
Nessas experiências, evidencia-se o forte debate, presente nesses impressos (na busca de
referências), com tradições filosóficas e teológicas, e com saberes e práticas científicas, em
especial, as ciências médicas e suas especializações (como a psiquiatria), que ganhavam corpo
na sociedade e espaço nos jornais, definindo os limites da normalidade. Figueiredo (2005, p.
246) também observou o inevitável diálogo das redações dos jornais com a sociedade em que
estavam inseridos, o que garante a cada edição diária de jornal, a cada notícia publicada,
historicidade e “significados e sentidos próprios”.
Esse diálogo, por sua vez, fazia-se à maneira própria do corpo de redatores. Entre eles,
havia profissionais liberais que faziam dos blocos de papéis e das prensas tipográficas a sua
segunda ocupação, e também se identificaram os literatos6. O uso de referências a cânones da
literatura ocidental era frequente, como o “monstro dos olhos verdes” que designou o móvel
da tentativa de suicídio da popular Francisca Maria do Nascimento, conforme notícia da
Folha do Norte de 5 de dezembro de 1905, e serviu de condutor de tantos outros dramas
passionais publicados no mesmo jornal do período (ENVENENADA..., 1905, p. 1)7.
As notícias que levavam ao conhecimento público os casos de suicídios exploravam o
sensacional não apenas pelo tema escolhido, mas pelas formas e pelos recursos narrativos
então empregados. O termo francês fait divers (fatos diversos) acabou sendo aplicado a
designar essas narrativas no geral, e remete ao “relato romanceado do cotidiano real”
(MEYER, 1996, p. 94). Observa-se que as notícias sobre as ocorrências de suicídio não se
tratavam de descrições frias e diretas dos fatos ocorridos – como hoje se pretende atribuir ao
discurso e à técnica jornalísticos. Eram, na sua maioria, narrativas carregadas de efeitos
melodramáticos e de tons coloquiais – que garantiam a sua fácil compreensão e rápida leitura
–, mas marcadas por um fundo moralizante. Algumas dessas notícias assumiam mesmo a
estrutura de fábulas. Os fait divers se prestavam a elevar à potência máxima o absurdo e o
extraordinário de ocorrências trágicas ou que deveriam estar longe da ordem estabelecida,
como o suicídio, à maneira dos velhos folhetins.
Segundo Meyer (1996, p. 100), o uso dessas formas narrativas visava aproximar, ou
melhor, envolver o leitor na própria tragédia descrita. Não de outro modo, percebe-se o grau
de pormenorização com que se revestiam as notícias sobre práticas de suicídio,
principalmente quanto aos que seriam os últimos momentos de vida do suicida. Essa
6
Jornais da época, como a Folha do Norte, contavam com escritores vindo de associações literárias locais como
a Sociedade Mina Literária (1895–1899) (AZEVEDO, 1918).
7
Referência ao diálogo entre os personagens shakespearianos Iago e Otelo sobre o poder do ciúmes: Iago
declarou ao protagonista: “Ó meu senhor, tomai cuidado com o ciúme! É o monstro de olhos verdes que se
diverte com a comida que o alimenta!” (SHAKESPEARE, 1995, p. 745).
15
estratégia narrativa acabou por dar a essas notícias interessante tom ficcional, principalmente
quando o ato era praticado, na maioria das vezes, sem a presença declarada de testemunhas.
Nesse sentido, percebe-se que os fait divers já eram reconhecidos no próprio universo da
imprensa no início do século XX, como estilo de produzir notícias que se vulgarizou, e
justamente no limite entre o fato real e o ficcional. Questões ligadas à própria verossimilhança
e à credibilidade das notícias de sensação publicadas eram postas em debate. Afranio Peixoto,
de modo provocativo, inverteu os papéis entre a realidade e a ficção, segundo artigo publicado
no carioca O Jornal, de 15 de junho de 1929, declarando que:
assegurou que “a imprensa periódica seleciona, ordena, estrutura e narra, de uma determinada
forma, aquilo que se elegeu como digno de chegar até o público”. Essas questões, portanto,
relacionadas ao que se tornou notícia e ao destaque que lhe foi conferido no corpo dos jornais,
proporcionaram às notícias de sensação pesos e sentidos diferenciados. Do mesmo modo,
lançam-se possíveis interpretações de análise quanto às intenções e às intervenções de ordem
editorial dos jornais belenenses da época, que acabaram construindo dada representação sobre
a competência e as expectativas, sejam sociais ou estéticas, esperadas do seu respectivo
público leitor (CHARTIER, 1995).
As notícias sobre os suicídios praticados não somente em Belém, mas em qualquer parte
do mundo, não foram postas à leitura naturalmente, assim como todo texto não existe por si,
como abstração. Essa constatação, um tanto quanto óbvia, foi necessária para desenvolver a
pesquisa. Segundo Chartier (2010), qualquer texto não reflete imediatamente a sua própria
realidade social, pois cada obra, impressa ou manuscrita, foi concebida com regras,
referências, modelos e intenções que a regulam. Essa preocupação em discutir a materialidade
dos suportes dos textos, leva ao reconhecimento, no caso dos jornais, do “lugar social da
imprensa”, que não pode ser desprezado (LUCA, 2010, p. 132). Para a diagramação e a
dimensão próprias de cada jornal de Belém da virada do século XIX para o XX, até mesmo
para a qualidade (ou a falta desta) do papel utilizado e de sua impressão, houve práticas
diferenciadas de leitura, o que implicou na produção dos sentidos sobre as representações
construídas.
O reconhecimento de que as mesmas notícias sobre suicídio podiam ser apropriadas por
vários segmentos sociais, principalmente em se tratando de jornais em circulação pública8, faz
partir dos textos para se chegar às possíveis “comunidades de leitores”, que não passam pela
simples clivagem em função da renda – ou mesmo do nível geral de alfabetização9 –, mas de
outras diferenciações sociais válidas (CHARTIER, 1991, p. 180-181). Compreender a
diversidade, no conjunto maior dos leitores de Belém, ajuda a identificar diferentes formas de
interação com todas essas notícias sobre o suicídio, entre os médicos, os religiosos, os
8
Em relação a esse aspecto, é interessante observar dada representação, presente em pequena nota do Diario de
Noticias de 7 de junho de 1891, sobre a forma de circulação dos jornais entre a população de Belém ao final do
século XIX, em que, à base também de empréstimos, as folhas diárias chegavam a um horizonte mais amplo
de leitores: “um assignante, verbi gratia, dá jornal para 20 ou 40 pessoas lerem. Este facto da filagem é muito
commum entre nós.” (É..., 1891, p. 2, grifo do autor).
9
Segundo Meyer (2005, p. 55), ainda no início do século XX persistiam “situações comunitárias de leitura” para
o proveito geral de “um público só em parte alfabetizado”. A pesquisa não trabalhou com os indicadores
relativos às taxas de alfabetização do período, por entender que, por si só, são insuficientes para compreender
as competências de leitura dos habitantes de Belém.
17
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No Arquivo Público do Estado do Pará, encontra-se depositada a ocorrência policial – permanência de 4 para
5 de dezembro de 1905 –, em que se registrou o suicídio de David Pereira Barros, e que corrobora as
informações presentes na respectiva notícia publicada na Folha do Norte.
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11
Dos jornais em circulação na Belém entre os anos de 1891 a 1920, a pesquisa trabalhou basicamente com A
Provincia do Pará (1876-1912, 1920-2001), o Diario de Noticias (1880-1898), O Binoculo (1896-1908), a
Folha do Norte (1896-1974), O Jornal (1905-1908) e o Estado do Pará (1911-1961).
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12
Segundo consta em observações presentes ao final do Boletim Mensal de Estatistica demographo-sanitaria da
cidade de Belém, de dezembro de 1905, o trabalho regular e sistemático do governo estadual em produzir e em
publicar dados estatísticos-sociais começou em 1905, substituindo algumas iniciativas esparsas, as quais não
havia sido dada a devida continuidade: “Dos trabalhos anteriores, a maior parte deixou de ser aproveitada,
extraviando-se naturalmente os mappas, pois foi improficuo o tentamem de reunir o que devera existir.”
(PARÁ, 1905L, p. 247).
13
Os dados relativos ao período de 1896-1908 estão agrupados na tabela de Mortalidade Geral na cidade de
Belém, presente no Boletim Mensal de Estatistica demographo-sanitaria da cidade de Belém, de dezembro de
1908 (n. 12). Os dados relativos ao decênio de 1902-1911 se encontram condensados em tabela do Boletim
Mensal de Estatistica demographo-sanitaria da cidade de Belém, de dezembro de 1911 (n. 12).
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dezesseis casos, assim distribuídos: cinco em 190514; três em 1906; e oito em 1907. Para
efeito de comparação, o total das mortes gerais, registradas nesses três respectivos anos, foi da
ordem de quatro mil e cem; de três mil e quinhentos e noventa e três; e de três mil e
setecentos e quarenta e um. Desse modo, esses casos de suicídios corresponderam à razão
pouquíssimo representativa, ficando bem abaixo da média dos 0,50% (cinquenta centésimos
por cento) do total da mortalidade anual.
No Boletim Mensal de Estatística da Cidade de Belém de março de 1916, ainda sob o
encargo da Diretoria do Serviço Sanitário do Pará, constam dois casos de mortes por suicídio
naquele mês, frente ao total mensal de trezentos e noventa e cinco mortes. Isso corresponde a
0,51% (cinquenta e um centésimos por cento) do total da mortalidade mensal. A despeito
desses reduzidos números, havia, nesses boletins, dentro do item das “mortes violentas”,
subitem dedicado ao registro dos suicídios (sendo estes, em algumas tabelas, até classificados
pelos principais meios de morte empregados), como Causas dos Óbitos. Isso já sinaliza o
interesse crescente das autoridades públicas sanitárias em quantificar e em dimensionar o
acontecimento desse fenômeno no espaço urbano de Belém no decorrer das duas primeiras
décadas do século XX. Essa mesma preocupação não foi verificada no Boletim de Estatística
demographo-sanitario relativo ao primeiro trimestre de 1900, em que o item das “mortes
violentas” não fora detalhado. Nesse sentido e na mensagem enviada ao Congresso
Legislativo do Pará em 7 de setembro de 1905, Augusto Montenegro, então governador do
Estado, colocou os trabalhos da estatística demografo-sanitária como política pública
prioritária, incluindo a publicação dos boletins mensais, cada um a servir como “repositorio
de informações uteis, para a administração e para os que quizerem estudar os assumptos que
se prendem à constituição medica de nossa capital.” (PARÁ, 1905L, p. 247).
Semler (1998, f. 49) analisou como as estatísticas sociais se desenvolveram ao longo do
século XIX e passaram a nortear todos os aspectos da vida citadina – dos nascimentos às
mortes de seus habitantes –, sendo postas a serviço das políticas públicas para melhor
ordenamento do espaço urbano: “guiando-se pela idéia progressista de que a moralidade de
uma sociedade podia ser medida [...], catalogaram e analisaram todas as facetas da existência
humana”.
14
Esse montante não se sustenta, se se considerarem os próprios registros constantes em cada um dos doze
volumes do Boletim Mensal de Estatistica demographo-sanitaria da cidade de Belém, correspondentes a 1905.
O conjunto destes apontam um total de seis casos de suicídios naquele ano, assim distribuídos: em janeiro de
1905, um caso por envenenamento; em maio de 1905, um caso por estrangulamento; em agosto de 1905, um
caso por disparo de arma de fogo; em outubro de 1905, um caso por enforcamento ou estrangulamento; e em
dezembro de 1905, dois casos por “outros meios”.
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15
Ressalta-se que a imprensa de Belém, entre os anos de 1914 a 1918, deu imenso destaque aos acontecimentos
externos que se relacionavam ao que então era chamado de “deflagração europea”, seja em editoriais ou em
seções especialmente criadas para essa finalidade, e com expressivo uso de imagens (clichés) das principais
personalidades envolvidas no conflito, e até dos campos de guerra.
16
Observaram-se as Estatísticas da Mortalidade no jornal Folha do Norte ao longo das duas primeiras décadas
do século XX.
24
rápido crescimento das mortes voluntárias na capital do Reich alemão, apenas na primeira
quinzena de julho daquele ano, chegando à marca de cento e quarenta e sete ocorrências,
tendo-lhe sido atribuída, como causa primeira, a incidência dos casos de alcoolismo entre os
berlinenses ([NOTA...], 1891, p. 3). Passados quase nove anos, o mesmo jornal publicou, em
primeira página, o alarmante número de cinco mil e novecentos e vinte suicídios na nação
norte-americana ao longo de 1898, distribuídos entre homens e mulheres, e entre algumas
ocupações e profissões de fé. Dentre as principais causas alegadas, destacavam-se os suicídios
motivados por loucura, com quinhentos e trinta e oito casos, e os por dificuldades financeiras,
com cento e sessenta e oito casos ([NOTA...], 1899).
A Folha do Norte, na seção Echos do Mundo de 8 de dezembro de 1903, publicou artigo
em que se sustentou que o suicídio “dá se muito bem” no longínquo Japão, tendo em vista
dados estatísticos em que oito mil e quinhentos e oitenta e dois japoneses “atiraram com a
vida para as regiões do Nada, no decorrer dum anno!”, motivados principalmente por questões
culturais: a valorização do suicídio, no universo mental nipônico, como sinal de manutenção
da honra e da dignidade ([NOTA...], 1903, p.1). Em 28 de junho de 1913, o Estado do Pará
fez publicar ligeira nota telegráfica, vinda do exterior, dando conta da cifra significativa de
duzentos e noventa e sete suicídios e de duzentas e oitenta e uma tentativas de suicídio, na
capital argentina durante 1912 (OS DESCONTENTES..., 1913).
Assim, seja partindo de um nível maior ou menor de refinamento estatístico e de
detalhes jornalísticos, percebe-se como tais notícias evidenciavam certos aspectos de outros
povos e sociedades, demarcando-os através da presença de práticas suicidas, como também,
na medida do possível, alertavam o leitor belenense para pontos do próprio cotidiano da
cidade que precisavam ser discutidos ou mesmo combatidos, como o alcoolismo17 e a crise
financeira, que veio com o colapso da economia da borracha já ao final da primeira década do
século XX.
No que tange aos registros mantidos pela Diretoria do Serviço Sanitário Estadual,
percebem-se informações contraditórias em cada um dos boletins mensais de estatísticas
17
Observou-se a apropriação do suicídio, pela imprensa belenense na virada do século XIX para o XX, na
proposta de prevenção contra o uso abusivo de bebidas alcoólicas. Nas notícias em que se vinculavam alguns
casos de suicídio ao alcoolismo, utilizou-se do discurso moral em que a condição de alcóolatra do suicida era
mais destacada – e condenada – que o próprio suicídio. Este era representado como uma das resoluções, finais
e possíveis, de uma vida desviante e degenerada, que tangenciava os limiares da alienação mental. Nesse
sentido, ver: CARVALHO, Marcelo José. Cachaça e vontade de morrer: embriaguez e suicídio nas notícias
impressas nos jornais belenenses: 1891-1908. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH-
RIO, 14., 2010, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos... Rio de Janeiro: NUMEM, 2010. Disponível em: <http://
www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276708290_ARQUIVO_Artigo_Anpuh_Rio_Marcelo_Ca
rvalho.pdf>. Acesso em: 18 out. 2010.
25
18
Na edição de 18 de fevereiro de 1908, a Folha do Norte publicou a tentativa de suicídio de João Climaco
Coelho (no que posteriormente resultou em sua morte), através de envenenamento por pastilhas de sublimado
corrosivo, sendo o suicida encaminhado ao hospital da Santa Casa de Misericórdia (OS DESESPERADOS...,
1908). Pelo Diccionario de medicina popular e das sciencias accessorias..., de Pedro Chernoviz (1890), as
pastilhas de sublimados corrosivos se obtinham da combinação entre as substâncias químicas cloro e mercúrio.
26
circunstâncias mais evidentes para determinadas mortes no rol das estatísticas oficiais, o que,
no caso de ter sido suicídio, justifica-se pelo tabu secular que paira sobre o assunto19
(ALVAREZ, 1999). Esse mesmo problema metodológico, no tratamento das fontes, foi
enfrentado por Alain Corbin na análise sobre os suicídios franceses do século XIX, conforme
já visto na parte introdutória deste trabalho. O historiador berlinense Peter Gay (2001, p. 215)
também apresentou reservas em relação às estatísticas europeias sobre suicídios no século
XIX, pois podiam ser “equivocadas e fragmentárias”, assim como inadequados os critérios
adotados para “distinguir a morte deliberada da acidental”.
No contexto de Belém, algo semelhante parece ter se desenhado na passagem do século
XIX para o XX, conforme se observa do modo como foi considerada, oficialmente, a morte
do seringueiro judeu-venezuelano Isaac Belichá a 22 de março de 1908. Pela Folha do Norte
do dia posterior, noticiou-se, em primeira página, que Belichá se suicidara com tiro de
revólver, em um dos quartos do Universal Hotel, localizado no então centro comercial de
Belém. Na relação dos exames cadavéricos, presente no Boletim Mensal de Estatistica
demographo-sanitaria da cidade de Belém de março de 1908, não consta que a morte de Isaac
Belichá se tratasse de um suicídio, havendo apenas a descrição técnica dos efeitos produzidos
pela detonação da arma: “hemorrhagia consecutiva a ferimento penetrante do craneo, por
projectil de arma de fogo” (PARÁ, 1908b, p. 71). Em outros casos, a própria descrição
técnica da causa mortis do falecido não deixa dúvidas de outro tipo de morte que não seja a
produzida por suicídio. Em outubro de 1908, atestou-se que José Gonçalves Vieira Vianna
morrera em decorrência de “asphyxia por enforcamento”, na casa à travessa Campos Sales,
n.73 (PARÁ, 1908c, p. 238). Tanto nessa situação, como na de Isaac Belichá, não foi
registrado nenhum caso de suicídio nos respectivos meses.
Frente ao exposto, fica patente o duplo movimento dos órgãos oficiais em relação aos
dados estatísticos do suicídio: se a sua ocorrência era aceita como um aspecto a ser
computado do mundo civilizado20 – nesse sentido, tem-se a inserção de itens próprios para
quantificar os prováveis casos de suicídios nas tabelas mortuárias dos boletins mensais da
Diretoria do Serviço Sanitário do Pará –; esse reconhecimento não se fez sem reservas ou sem
constrangimentos: as representações da época (fortemente influenciadas pelo discurso médico
e científico) retratavam os suicidas como degenerados, como elementos a serem segregados
19
Secularmente, em maior ou menor grau, a prática do suicídio é estigmatizada, no universo cultural cristão e
ocidental, seja como pecado, como delito ou como antinatural e patológico, sendo que essa última
representação teve contornos mais definidos ao longo do século XIX.
20
Em tópico próprio reservado ao termo “suicídio”, no Diccionario de medicina popular e das sciencias
accessorias para uso das familias..., de Chernoviz (1890c, p. 1015), afirmou-se que as práticas suicidas se
tornam mais frequentes, “quanto mais os povos são civilizados”.
27
do ambiente ideal e higienizado, projetado para as cidades (LOPES, 2007). Quando muito, a
existência dessa categoria era encoberta pela oficialidade, pois iria depor contra as próprias
políticas públicas de ordenamento desses espaços urbanos. Essas subnotificações oficiais dos
casos de suicídio ocorridos em Belém, principalmente na primeira década do século XX,
ficam evidentes quando confrontadas com as publicações dos jornais locais a respeito da
regularidade das práticas suicidas. Apenas em 1905, a Folha do Norte noticiou vinte casos de
suicídio que se consumaram, ocorridos expressamente nos limites da capital paraense (ou às
suas proximidades), enquanto que, como já citado, os registros oficiais notificaram apenas
seis ocorrências naquele ano.
Se o suicídio despontava como preocupação de registro e de quantificação nas tabelas
oficiais do governo – mesmo que precariamente –, por outro lado ganhava força como objeto
de leitura recorrente nos jornais diários de Belém, fazendo-se presente nas notícias que
informavam sobre práticas suicidas na capital paraense e em outros locais, inclusive fora do
Estado e, mesmo, fora do País. Também não deixou de ser comentado em editoriais, em
crônicas e em artigos, sob diversos pontos de vistas e linhas argumentativas, algumas
preponderantes. De igual modo, sua evocação inspirou algumas obras poéticas ou ligeiros
contos publicados nesses jornais, e mesmo prosaicos anúncios dos mais diversos produtos e
serviços. E, como já mencionado, sempre quando permitido, os jornais também publicavam as
taxas de suicídio, o que, por si só, já contribuiu para torná-lo “mais perceptível, enquanto
prática coletiva” (SEMLER, 1998, f. 51).
As intenções de ordem editorial, por parte dos jornais belenenses, eram a de atrair
público leitor e aumentar a vendas dos exemplares, explorando o caráter sensacional de que se
revestiu (e ainda se reveste) o suicídio. Construiu-se a representação de que esses leitores
eram ávidos pelas notícias de sensação, escritas em fait divers. Segundo Guimarães (2004, f.
24-25) o perfil do leitor que “se formou” (e procurava se informar) por ocasião da
consolidação do caráter industrial da imprensa brasileira, já ao fim do século XIX, era aquele
atraído “por temas comuns da cultura popular”, dentre os quais se destacavam os dramas de
sangue (como os assassinatos e os suicídios), e “por uma estrutura inovadora, que combinava
escrita e fórmulas orais, permitindo o acesso à leitura por quem não tinha grande intimidade
com a cultura do impresso”. Assim, “a narrativa escabrosa, a tratar de lugares, personagens e
comportamentos malditos”, tornou-se garantia de sucesso de vendas dos jornais
(PESAVENTO, 2010, p. 448), e a imprensa belenense, uma grande divulgadora do suicídio
junto ao público leigo. Os periódicos circulavam nas ruas da cidade, para além dos gabinetes e
28
dos restritos espaços dos debates acadêmicos, científicos e jurídicos; capazes, portanto, de
fomentar o processo de construção de uma opinião pública sobre o assunto.
21
Segundo Helder Lima (2006), Sganarello era o pseudônimo de Antônio de Pádua Carvalho, jornalista e
também folclorista de destaque na Belém do final do século XIX.
29
A presença dos jornais no cotidiano dos centros urbanos também figurou como
elemento de composição na obra Cena de café (s/d), pequena aquarela pintada por Rodolfo
Amoedo22. Podendo ser observada pela Imagem 1, o quadro representa um típico café
parisiense (denunciado pela presença dos cartazes afixados na vidraçaria do local, escritos em
francês). As folhas do jornal matutino, de grandes dimensões, destacam-se na composição
cromática – pelo efeito produzido pela grande mancha de diluição entre branco e cinza – da
obra. O jornal figura entre os dois únicos personagens de cena (possivelmente um casal), a
lhes marcar a ausência de comunicação. Apesar de sentados próximos, eles se mantem
distantes em suas próprias temporalidades, e o homem, com trajes burgueses, parece,
justamente, absorto na sua leitura das notícias diárias sob a claridade da manhã.
A relação entre o suicídio e a imprensa diária não era nova, ou típica da virada do século
XIX para o XX. Minois (1998, p. 227) analisou a grande visibilidade dada aos casos de
suicídio na Inglaterra ao longo dos séculos XVII e XVIII: “todos estes suicídios, que foram
largamente difundidos e comentados pela imprensa, provocam uma forte impressão”. Além de
publicarem regularmente os números dos suicídios registrados na bills of mortality, os
periódicos ingleses também difundiam e comentavam os casos mais célebres de suicídio no
reino (em especial os envolvendo autoridades leigas e eclesiais), ou aqueles que viessem a
despertar o interesse público em razão das próprias circunstâncias que os envolviam, e que
emprestavam carga emotiva à narração dos fatos, como o duplo suicídio do casal Smith23.
Para Dapieve (2007), a divulgação, detalhada e abundante, dos casos de suicídio contribuiu, à
sua maneira, para a secularização do fenômeno, mais notadamente a partir do século XVIII,
quando se estabeleceu a pauta de debates pela liberdade individual do homem, inclusive do
direito de se dispor da própria vida. Isso contribuiu para humanizar o ato suicida, retirando-o
do domínio da culpa cristã ou do crime social: “as próprias necessidades intrínsecas ao
moderno texto jornalístico [de imprimir veracidade] facilitavam a compreensão da morte
voluntária e de sua frequência dentro da sociedade.” (DAPIEVE, 2007, p. 87). O fato de os
22
Rodolfo Amoedo (1857-1941), pintor baiano, ingressou na então Academia Imperial de Belas Artes, onde se
instruiu nas bases da pintura academicista. Foi também aluno da École Nationale des Beaux Arts em Paris
durante boa parte da década de 1880 (possivelmente Cena de café seja dessa época). Expondo em salões
oficiais e trabalhando em encomendas oficiais, Amoedo manteve-se firme nos padrões academicistas. Cena de
café, pela pincelada diluída da aquarela, de certo modo se distingue do restante de sua produção pictórica,
marcada pelo “desenho grave, de construção vigorosa” (CAMPOFIORITO, 1983, p. 42).
23
Citado ainda por Dapieve (2007, p. 55-57), o suicídio do casal de operários ingleses Smith, publicado em abril
de 1732, ficou célebre por causar comoção pública à época, não apenas em razão das circunstâncias em que se
deu o fato em si – antes de cumprirem seu pacto de morte, assassinaram o filho pequeno –, mas pelo modo
como foi trabalhada a publicação das cartas de despedida, em que se representou o casal de suicidas, nas
páginas dos jornais, “como seres complexos e contraditórios”, mais dignos de simpatia que condenação.
30
jornais passarem a descrever os casos de suicídio mais pitorescos, quando não eram
censurados, detalhando-lhes as circunstâncias e causas, contribuiu para que o público leitor se
familiarizasse com o tema.
1.2 Suicídios para fazer rir e para vender: A morte voluntária tratada sob a perspectiva
do humor e a sua relação com os anúncios de publicidade
24
Ressalva-se que Possenti trabalha o sentido do humor (nas piadas) no contexto mais contemporâneo.
25
Há um exemplar (parcialmente danificado) de O Fogo-Fatuo no setor de Obras Raras da Fundação Biblioteca
Nacional (Rio de Janeiro). Constitui-se de um fascículo, de apenas duas folhas, datado de 3 de julho de 1898.
Possui seções típicas dos jornais diários da época, como um editorial, Obituario e Telegrammas; não há
indicação de preço ou de ter circulado em edições regulares; e possui detalhes tipográficos que fogem ao
convencional, como toda a sua impressão feita em letras escarlates.
31
A despeito dessa representação do lúgubre e do grotesco logo no seu início, todo o resto
do impresso se caracteriza pela fina ironia ou pelo puro deboche. Elaborado aos moldes dos
jornais de cunho noticioso e cotidiano da época (no aspecto de sua diagramação), O Fogo-
Fatuo usou o humor como estratégia para criticar aspectos sociais, econômicos e políticos de
Santos, ambientando-os em um universo próprio (os subterrâneos da cidade), construído a
partir do tema do suicídio. Nesse mundo particular criado pelo humor, as almas dos suicidas
não padeciam de castigos eternos, mas transitavam livremente entre a realidade e a ficção, e
também elegiam seus elementos indesejáveis:
26
Possível referência a François de Salignac de La Mothe, o duque de Fénelon (1651-1715), teólogo católico,
escritor e pedagogo francês. Para Minois (1998, p. 256-257), Fénelon defendia uma espiritualidade pautada no
total abandono, despojamento de si, em uma espécie de aniquilamento espiritual. Na sua obra Diálogos dos
Mortos (Dialogues des morts), enaltece os suicídios bíblicos e clássicos e o martirológico dos protocristãos.
32
27
Não há identificação possível para o articulista que escrevia sob o pseudônimo de João Choroso, que também
assinava crônicas humorísticas do Diario de Noticias em 1891.
28
Não há identificação possível para o articulista que escrevia sob o pseudônimo de Bolótas, apenas observando
que o mesmo era frequente colaborador da Folha do Norte na virada do século XIX para o XX.
33
“Se formos a nos suicidar por todas as desgraças que nos acontecem, matar-nos-emos mais de
dez vezes por dia!” (BOLÓTAS, 1903, p. 2).
No inquérito policial instaurado, em janeiro de 1902, para apurar o suicídio do preso
Braz Pereira da Silva por enforcamento, o depoimento dado à polícia pelo popular Joaquim
Adelino Ferreira da Costa, alfaite português, é revelador nesse sentido. Indagado sobre o que
sabia a respeito, Joaquim pouco informara, dizendo apenas que vira “grande quantidades [sic]
de povo que se iam [sic] aproximando d’ali [do local do suicídio], sahiu incontinenti para a
casa da sua rezidencia, para almoçar” (PARÁ, 1902, não paginado). O modo quase indiferente
de se tratar o suicídio, presente nessas passagens, revela muito do seu grau de inserção no
cotidiano dos jornais e das ruas de Belém.
Esse mesmo processo de familiarização do público leitor de Belém com o suicídio
atingiu seu ápice, na imprensa, por meio dos anúncios de publicidade, muito presentes em
todos os jornais diários de Belém no final do século XIX e no início do XX. Os anúncios
chegavam a ocupar, no mínimo, o espaço de metade da diagramação de uma edição diária,
principalmente nas duas últimas páginas. Em alguns casos, preenchiam quase totalidade do
jornal, restando pouco para publicação das notícias e dos artigos, como se observa no Diario
de Noticias de 1891. Tal profusão de anúncios evidencia não somente os principais meios de
financiamento dos próprios jornais, como o próprio contexto de crescimento urbano de
Belém, em que havia grande circulação de dinheiro, impulsionada pela economia gomífera.
Materialização impressa da criação das necessidades de consumo (especialmente na ordem
doméstica), os anúncios sugerem o projeto de civilização que se queria implementar para a
cidade (COSTA; SCHWARCZ, 2000). De acordo com Sant’Anna (1997, p. 101), “através
desses anúncios, encontramos [...] a cidade que os constitui”. Da publicidade do Leite Moça
(da fábrica Nestlé) à da máquina de costura Singer, anunciavam-se produtos destinados aos
cuidados do ambiente doméstico e da saúde particular do leitor. Os medicamentos de toda
ordem – aqui compreendidos tanto as drogas reconhecidas como remédios, como outros bens
de consumo com pretensões terapêuticas – sobressaíam-se. Segundo Ramos (1987 apud
SANT’ANNA, 1997), já ao final do século XIX, os fabricantes de remédios constituíam parte
significativa dos anunciantes dos jornais. Nesse contexto, alguns produtos, e mesmo serviços
outros, apresentavam-se enquanto cura ou substituto do suicídio.
Nos anúncios das casas de venda de bilhetes de loterias, observa-se a estratégia de
publicidade em associar a “sorte grande” com grandes ou recorrentes acontecimentos do
momento. Uma maneira, um tanto simples, de prender a atenção do leitor até às últimas linhas
do anúncio, quando, enfim, tentava-se convencê-lo a fazer a aposta no sorteio, mudando
34
Tratava-se de números de acrobacia da companhia Shipp & Feltus Circus, que estava a
excursionar pela cidade. Nesse caso, a publicidade positivava o suicídio, associando-o ao
heroísmo e à virilidade, na forma das exclamações: “Audacia! Arrojo! Sangue frio!
Coragem!” ([O HOMEM...], 1919, p. 3).
certo Queiroz Coruja, para quem a esperança cedeu lugar ao desespero, levando-o a clamar:
“Oh! morte vem, minha amiga,/ Terminar o meu viver” (CORUJA, 1900a, p. 4).
Esse desejo de fuga dos sofrimentos se faz presente em tantos outros anúncios, muitos
com o sentido do próprio aniquilamento do corpo físico. Em suma, seguia-se uma lógica
simples em que a vontade de morrer se associava ao estado de doença ou de dor insuportáveis.
A suposta eficácia de cura dos remédios era contraposta ao estado de desânimo e ao desejo do
suicídio. Tratava-se de medicamentos que se propunham a curar uma série indistinta de males
a um só tempo e, assim, servir a Nação brasileira, como se faz presente nos anúncios do Elixir
Nogueira, publicados na Folha do Norte em distintos (e distantes) períodos: em abril de 1907
– “mais um descrente da vida / mais um cidadão útil á sociedade” (20..., 1907, p. 2) –; em
abril de 1908 – “Mais um desgraçado! Mais um que a sociedade aproveita!” (MAIS..., 1908,
p. 3) –; e em abril de 1911 – “Dez annos de soffrimentos horrorosos! Parecia um degolado!
Supportava a vida para não ser um suicida!!” (DEZ..., 1911, p. 3).
Observa-se, sobretudo, que os anúncios não se sustentavam apenas na crença do efetivo
poder de cura desses rémedios, mas no valor da responsabilidade da própria ciência em cuidar
da vida do indivíduo. Conforme analisou Sant’Anna (1997, p. 104), tais anúncios de remédios
chegavam a ratificar certa “ignorância” do público leitor (potenciais doentes), “na medida em
que prometiam, sozinhos, realizar toda a cura”.
Alguns bens de consumo se propunham a acabar, eles próprios, com a chamada mania
do suicídio29. Cabe observar que a associação da mente do suicida com as manifestações da
loucura se fortaleceu ao longo do século XIX, juntamente com o aprimoramento das
especialidades psiquiátricas da medicina30. Nesse mesmo período, o saber médico-científico,
em geral, firmava-se como o definidor dos contornos da normalidade e passava a ditar as
regras de conduta das pessoas (LOPES, 1998)31. Paralelamente, ainda se sustentavam teorias
médicas que, apressadamente, alegavam razões bem práticas e fisiológicas para a ocorrência
do suicídio, e que foram apropriadas pelos jornais diários para fins comerciais. Relacionavam
29
Segundo o Grande Diccionario Portuguez (Thesouro da Lingua Portugueza), de 1873, “mania” foi o termo
que, vindo da própria Medicina, significava, na acepção originária, “alienação caracterisada por um delirio
geral com agitação, irascibilidade, furor”, ou “gosto elevado até ao excesso”, daí entrando no vocabulário
leigo como sinônimo de “doudice, desvio de espírito; delírio insensato” (VIEIRA, 1873, p. 101).
30
No início do século XX, o ramo médico da psiquiatria era relativamente novo no Brasil, no que se refere à sua
institucionalização e à sua profissionalização: as cátedras de psiquiatria foram criadas nas faculdades de
Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia no início da década de 1880 (RUSSO, 2002).
31
Segundo Lopes (1998, p. 31), ainda nos dias atuais, são os agentes das áreas médicas quem, dominantemente,
criam “sentidos, imagens e referências ao suicídio e ao sujeito que o pratica”, embora sob outras perspectivas
e “relações de poder”, diferentes dos seus congêneres do século XIX: “os discursos e o saber [médico e
científico] também são históricos”.
37
32
Ressalta-se que o mesmo anúncio da água Superaris – Combate ao Suicidio – foi republicado nas edições da
Folha do Norte de 14 e 15 de maio de 1905. Já n’O Jornal, essa publicidade chegou a ser publicada também
nas edições de 14 de maio, e de 12 e 14 de junho de 1905.
33
Imagem gentilmente cedida pelo M. Raimundo Nonato de Castro.
38
Nota-se, ainda, que não havia ineditismo de tal abordagem no quadro geral dos anúncios
publicado nos jornais da época. Já em 19 de maio de 1899, A Província do Pará fizera
publicar, em segunda página, anúncio bem mais modesto. Também associando as
indisposições provocadas por distúrbios digestivos às ideias de suicídio, o licor Paraense,
produzido pela firma Rodrigues Vidigal & C.ª, propunha-se eficaz no combate ao mesmo mal
do que viria a pregar, depois, a água Superaris. Bastar-se-ia tomar um só vidro do elixir para
salvar o suicida irremediavelmente do mal que o acometia. Nesse caso, o suicida seria todo
aquele que sofre de “febres palustres, perniciosas, sezões e inflammação do figado e baço”
(SUICIDA, 1899, p. 2).
39
34
Possivelmente, a película do cineasta Giuseppe de Liguoro (original de 1911) tratou-se da mesma obra
cinematográfica exibida nos cinemas Olympia e Rio Branco, de Belém, na “Semana Santa” de 1916. No aviso
contido no próprio anúncio, alertou-se o público para não comparecerem “crianças e senhorinhas” em virtude
“das trágicas scenas” e do “realismo de que elle se reveste” ([CINEMA...], 1916, p. 4).
40
de galhos secos, presos a árvores estéreis fincadas em solo árido, entre as quais correm corpos
humanos na humilhação de sua nudez (INFERNO, 2006). A cada galho quebrado, jorra
“imundo sangue”, e as almas dos suicidas – fustigadas por seres monstro-mitológicos, como
as harpias ou “negras cadelas ávidas” – aguardam, nesse martírio do além, a chegada do juízo,
quando dependurarão sobre seus ramos, os corpos daqueles que, um dia, foram em vida, à
semelhança dos corpos dos suicidas enforcados (DANTE ALIGHIERE, 2011, p. 131).
Entretanto, quando Dante, guiado pelo latino Virgílio, sai dos abismos do Inferno e
alcança o portão do Purgatório – ponte segura para os campos verdejantes do Paraíso –, eis
que se lhe mostra Catão35, como velho – em respeito aos “seus austeros costumes” (ZILLER,
2011, p. 363) – e de aparência “de amor tão digno e tanta reverência” (DANTE ALIGHIERE,
2011, p. 232). Mesmo tendo sido pagão e suicida, o derradeiro ato de Catão será, para os
tempos futuros, sempre tema de intensos debates e controvérsias, em que não lhe faltarão as
indulgências ou mesmo os louvores que visavam reabilitá-lo (MINOIS, 1998).
Trata-se de considerações de outras temporalidades, mas que se podem aplicar ao
contexto de Belém da virada do século XIX para o XX, para entender a diferenciação feita
entre os suicidas pelos jornais que circulavam na cidade. Entre 7 e 10 de maio de 1908, a
Folha do Norte deu ampla publicidade ao suicídio do comerciante português João Pereira da
Silva Tavares, no seu escritório comercial, por conta da ingestão letal de estricnina. O motivo
residia no fato de não conseguir resolver as dificuldades financeiras que enfrentava em
35
Catão de Útica, célebre romano que, perdendo embate político com o imperador Júlio César, suicidara-se por
honra no ano 46 a.C. Dilacerou-lhe as entranhas, depois de se auto apunhalar, ao temer seu destino perante as
novas circunstâncias que se lhe apresentavam (MINOIS, 1998; ZILLER, 2011).
41
decorrência da crise no comércio local, o que foi agravado com a decisão judicial de arresto
dos bens do escritório como garantia.
Na publicação da Folha do Norte, utilizaram-se termos que enfatizavam a honra do
suicida, no sentido de fazer dessa tragédia algo que pertencesse à cidade, pois a crise (em
decorrência do declínio da economia da borracha) atingia a todos – reafirmado pela alegação
de que sua morte “causou a mais dolorosa impressão no espírito público” (OS QUE SE
MATAM..., 1908b, p. 1). Apesar de se ter noticiado que João Tavares mantivera o tóxico
guardado em seu cofre há três anos – o que não afasta a possibilidade da premeditação do ato
e o seu reconhecimento como manifestação de loucura –, enalteceu-se a probidade e o caráter
laborioso do comerciante, reconhecido como imigrante atuante na praça de Belém há mais de
quarenta anos. O articulista da Folha do Norte teceu a seguinte consideração: “O acto de João
Tavares põe de relevo a nobreza de seus sentimentos” (OS QUE SE MATAM..., 1908b, p. 1).
Por fim, descreveu-se a sua morte (após a ingestão do veneno), como a de uma serenidade
digna de se equiparar ao símbolo grego do suicídio honrado, o do filósofo grego Sócrates 36.
Do outro extremo da cidade, tanto física como socialmente, e ainda não passado um mês
do suicídio do comerciante português, a mesma Folha do Norte publicou certa tentativa de
suicídio do pardo Joaquim dos Santos Virgolino. Morador de uma barraca “que occupa no
logar Escondido, proximo do telegrapho sem fios”, Santos Virgolino, alcóolatra inveterado,
naquele dia andava a vagar pelas ruas e a pedir dinheiro para comprar bebida. Encontrando-se
em tal estado, rogou “ao Divino que espancasse para sempre a macaca que lhe amargurava a
existencia”. Reclamando de sua miserável vida sem recursos, por fim, atirou-se às águas do
igarapé das Almas37, no meio da noite (INTEMPERANÇA..., 1908, p. 1). Como se pode
supor, a partir dos termos irônicos com o que essa tentativa de suicídio foi trabalhada pelo
jornal, o mesmo não se concretizou, tendo a água fria recobrado a consciência do suicida,
antes perdida pelos efeitos do álcool. Nesse caso, o suicídio é descrito no nível do ridículo,
verificado em tantas outras notícias do gênero, em que a condição social do suicida assim o
permitia. O ato de Santos Virgolino foi reprovado, sobretudo por ser consequência natural de
uma Intemperança perigosa, título com o qual fora noticiado.
36
Sócrates (470?-399a.C.), em vida, condenava a morte voluntária, como ato de vontade humana, respaldando-se
nos pitagóricos, segundo diálogo presente no Fédon (entre 387 e 361 a.C.), de Platão (427?-347a.C.). Porém,
condenado a beber cicuta por um tribunal de cidadãos atenienses, aceitou o destino que lhe fora imposto com
serenidade, como se fora sinal dos deuses. A sua morte acabou se tornando verdadeiro mito suicida para a
posteridade (ALVAREZ, 1999; BROWN, 2001; MINOIS, 1998; PUENTE, 2008).
37
Atual avenida Souza Franco, na cidade de Belém, após os trabalhos de urbanização e de asfaltamento.
42
Pelos próprios termos que intitulavam os vários relatos de casos de suicídio ocorridos,
tanto em Belém como em outros lugares, observa-se o tipo de valoração do ato suicida que
norteará toda a narrativa subsequente. Em muitos casos, reflete-se o contexto do mundo dos
vivos. Percebe-se que, geralmente, utilizavam-se determinados qualificativos para designar os
suicidas, pelos quais se sabia, de antemão, tratar-se de uma notícia sobre suicídio. Havia
títulos como Os vencidos da vida – presente na Folha do Norte de 26 de abril de 1912 –
relativo à notícia da morte do marinheiro que ingeriu ácido fênico a bordo do vapor “Justo
Chermont”; ou Os Fracos – no Estado do Pará, de 18 de janeiro de 1919 –, que abordou não
somente o suicídio de um lavrador em Barcarena, por disparo de arma de fogo no ouvido,
como o de uma prostituta desprezada pelo amante.
Se o filósofo e crítico literário alemão Walter Benjamin (1975) percebia a íntima
relação entre os suicídios e o “heroísmo” das classes trabalhadoras na modernidade da
primeira metade do século XX, as considerações feitas pelos articulistas dos jornais de Belém
do início desse século demonstram como se podia compreender o suicídio, para além de um
estado de fraqueza humana, como o processo natural de exclusão passiva das categorias
sociais que não estariam aptas a vivenciar o processo civilizatório que se almejava, em uma
espécie de darwinismo social38, então em voga.
Jackson Ferreira (2004) identificou como esse derivativo das ideias originais de
Spencer, aplicado aos debates acadêmicos brasileiros, contribuiu na formulação de dada linha
argumentativa que julgava ser o suicídio decorrente da hereditariedade. Para tanto, citou
trechos da tese de Antonio de Paiva Sarmento (1919, p. 8), defendida na Faculdade de
Medicina da Bahia, em que se atribuiu “papel saliente” aos fatores hereditários até na
determinação “das varias perturbações psychicas”, a ponto de iniciar a sua discussão médica
sobre o suicídio justamente por esse aspecto. Segundo ainda o médico baiano, “encontramos
varios membros d’uma mesma familia, que se entregam á morte, todos elles ligados á um
mesmo principio, isto é, a herança.” (SARMENTO, 1919, p. 8-9).
A extensão dessas ideias, no entanto, ultrapassou o âmbito familiar da linha hereditária,
para considerar o suicida como a expressão acabada da degeneração de determinadas raças,
38
O termo “darwinismo social” se refere à apropriação, pelas ciências sociais, da teoria sobre a evolução das
espécies animais, aplicadas pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), no âmbito da ecologia em
meados do século XIX. Segundo Darwin, a constituição atual dos seres vivos seria decorrente do lento
processo de adaptação ao meio ambiente e da luta pela sobrevivência, em que as espécies mais aptas tendiam
a se perpetuar. As ideias do pensador inglês Herbert Spencer (1820-1903), por sua vez, influenciaram no
surgimento do darwinismo social, que transferiu os conceitos de evolução e de adaptação para a compreensão
das culturas, e desenvolveu “a ideia de que algumas sociedades e civilizações eram dotadas de valores que as
colocavam em condição superior às demais” (SOUSA, 2012).
43
que seriam mais predispostas à prática do suicídio. Esse darwinismo social chegou a
direcionar os estudos sobre o suicídio por um viés racial, habilitando-se os brancos ao
processo civilizatório, em detrimento dos negros e dos mestiços, ou seja, de grande parcela da
população brasileira (FERREIRA, 2004).
A “hereditariedade mórbida”, conceito que se refinou e se difundiu ao longo do século
XIX (CORBIN, 2003, p. 566), tornou-se elemento importante na compreensão do suicídio. O
desejo de se matar, que seria adquirido hereditariamente39, serviu como viés explicativo para
o irromper da loucura, como predisposição inoculada no indivíduo, a brotar por ocasião de
qualquer causa determinante ou ocasional. O temor provocado por essa ideia de degeneração
latente, esse “fundo de perversidade oculto” (GAY, 1990, p. 140) – que aproximava o homem
da bestialidade original –, mostra-se perceptível nas páginas dos jornais belenenses da virada
do século XIX para o XX, nas muitas notícias sobre casos de suicídio ou de loucura. Como
fundo explicativo dessas notícias, observa-se implícito o mesmo conceito de “família
patológica”, empregado por Corbin (2003, p. 565), para tratar da sensibilidade burguesa do
século XIX.
Na extensa notícia publicada a 18 de julho de 1900, na Folha do Norte, sobre os
pormenores envolvendo o suicídio do maranhense Origenes Marques Coqueiro, no bairro da
Pedreira, em Belém, um dado, adicionado ao seu final, não parece ocasional: “um primo de
Origenes, ha dous annos, suicidou-se em Maranhão, ingerindo veneno” (A AGONIA..., 1900,
p. 2). Também ao término da notícia publicada na Folha do Norte de 13 de maio de 1908,
sobre a tentativa de suicídio do prático Fábio Maia da Costa, por ingestão de verde-Paris, há a
informação de que o tio do suicida, o despenseiro Antonino Maia, também havia se
envenenado, em outros tempos, inclusive pelo mesmo tóxico (UM PRATICO..., 1908). Como
se observa nessas duas situações, essa busca pelo passado familiar do suicida, introduzida nos
textos pelos articulistas, parece funcionar como chave explicativa para o ato praticado,
conspirando o suicida contra o próprio “capital genético da família” (CORBIN, 2003, p. 599),
mesmo que, no caso específico de Fábio Costa, tenha sido identificado o fato de ter sido
despejado do lugar em que costumava frequentar, como causa imediata de sua tentativa de
suicídio.
Enquanto ainda vigorava a crença no autoaniquilamento inato de algumas categorias
sociais ou etnias, outro tipo de percepção – e mesmo de preocupação – sobre o suicídio se
39
Segundo Erwin Stengel (1980), a discussão envolvendo suicídio e hereditariedade evoluiu no século XX,
para, na década de 1970, pesquisas apontarem a vinculação do suicídio à formação de determinados genes,
embora sem muito embasamento científico.
44
40
Os traumas psicológicos, decorrentes da guerra européia de 1914-1918, foram representados, na própria
literatura, em associação ao suicídio. O romance Mrs. Dalloway (1925), da escritora inglesa Virginia Woolf
(1882-1941) – marcante pela sua estrutura narrativa fragmentada (em diálogo com a recém linguagem
cinematográfica) – retrata, dentre outros aspectos e personagens, os últimos momentos do jovem e “pálido”
Septimus Warren Smith, ex-combatente no front de batalha italiano, que se suicida, atormentado pelas
recordações da guerra. Na apresentação desse personagem, traçou-se o sentimento que lhe atormentava e o
levaria ao salto mortal de que morreu ao final (Septimus se jogou da janela do prédio): “O mundo alçara seu
látego; sobre que se abateria?” (WOOLF, 1980, p. 17).
45
belenense só pode ser avaliado se se considerar o contexto histórico em que foi publicada. Em
1918 ainda não havia a “saturação” de imagens típica da sociedade atual (com o seu arsenal
de novas tecnologias), ou seja, tratava-se de um tempo passado em que “os jornais ainda não
traziam muitas fotos” (SONTAG, 2005, p. 90)41, especialmente em Belém. Ao mesmo tempo,
deve-se dimensionar a ampliação do alcance da leitura dos jornais, trazida com esses novos
recursos visuais, perante um público leitor que passou a se apegar às imagens, com valor
semântico (LESSA; MENEZES, 2009).
Naqueles tempos, esteve em pauta, nas redações dos jornais de Belém, informar sobre a
guerra e, principalmente, mostrá-la, enquanto realidade mais palpável, na mesma urgência
com que a mesma foi deflagrada e as tropas beligerantes, mobilizadas. Já em fins de 1914,
podiam-se perceber as preocupações a respeito do destino do mundo civilizado, diante da falta
de boas perspectivas de uma solução rápida ao problema. Com os acirramentos dos conflitos e
o total fracasso da diplomacia, não se conseguia manter a esperança no futuro: “o inquietador
ponto de interrrogação mantem-se [...]” (ALMEIDA, 1917c, p. 1). Em especial, indagava-se
41
A ensaísta norte-americana Susan Sontag (1933-2004) questiona se muito da força de uma imagem está
relacionada “pela maneira como é usada, pelos lugares onde é vista e pela freqüência com que é vista”, e traz
importantes pontos de reflexão sobre a premissa dos críticos da banalização das imagens de violência, de que
a mesma acaba por reduzir a capacidade de reação a elas (SONTAG, 2005, p. 88).
46
42
Ao longo de 1913, jornais de Belém, como o Estado do Pará, publicavam notas acerca da “Guerra dos
Balkans”, envolvendo os Estados da Sérvia, da Bulgária, da Grécia e da Turquia. Em algumas dessas notícias,
já se manifestava a preocupação com um conflito de maiores proporções: “A tranquillidade européa ainda é
duvidosa [...]. A Europa continúa a atravessar momentos de verdadeira angustia, devido aos acontecimentos
desenrolados na peninsula balkanica.” (ITALIA, 1913, p. 1).
43
Virginia de Castro e Almeida, jornalista, romancista e educadora portuguesa, passou a colaborar com a Folha
do Norte, como correspondente, a partir da edição de 13 de maio de 1911 (AZEVEDO, 1911). Nesse jornal,
assinava as Cartas, geralmente publicadas em primeira página (no espaço da diagramação reservado aos
editoriais), ao longo da década de 1910. Nessa coluna, Vírginia Almeida opinava sobre o que se passava no
continente europeu. Escreveu livros infantis e manuais de moral, como A fada tentadora, Céo aberto, Como
devemos crear e educar os nossos filhos e Educação de raparigas (AZEVEDO, 1911).
47
44
Segundo Propp (1992, p. 131), o efeito possível do riso, provocado pelo uso do trocadilho, está na razão do
jogo polissêmico entre o sentido amplo ou geral do termo compreendido por um dos interlocutores, e o
sentido mais restrito ou literal, substituído pelo outro.
48
próprio combate em seu campo de batalha pessoal, em detrimento do conflito mundial que
seria mais digno de luta. Por causa de um amor não correspondido, Silvino Silva “quis [...]
alistar-se na vasta legião de voluntariosos candidatos á cóva, que ultimamente têm
apparecido em Belém” (UM SUICIDA..., 1915, p. 1, grifo nosso).
Mesmo com a assinatura do armistício europeu em 11 de novembro de 1918, o tempo
em Belém não estava somente para o restabelecimento da confiança no futuro da humanidade.
O fim da guerra trouxe também o surto epidêmico de gripe espanhola, que atingiu o solo
belenense em 191845. O impacto dos números dos infectados na cidade foi de tal ordem46, que
até os suicídios – já associados à gama das patologias mentais –, chegaram a ser representados
com alguns dos sintomas típicos de um diagnóstico de influenza. Desse modo, com descrições
de acessos de febre, os casos de suicídio em Belém disputaram o espaço das notícias dos
jornais com o alarmante número de casos registrados da gripe. Na Folha do Norte de 12 de
novembro de 1918, foi publicada a notícia do suicídio do vendedor ambulante Manoel
Barbosa, que “delirando pela febre”, saiu do prédio do hospital da Beneficente Portuguesa e
se lançou às “rodas de um trem” (DESTINO..., 1918, p. 1). Apenas um dia depois, a mesma
Folha do Norte publicou outra notícia sobre suicídio ocorrido na cidade. Dessa vez, fora a do
soldado da brigada militar do Estado, o sergipano Secundino Rosa que, “tomado de febre
alta”, ingeriu grande dose de fenol (UM INFORTUNADO, 1918, p. 2).
Por outro lado, nota-se como o suicídio também era usado, pelas nações beligerantes,
como instrumento simbólico na disputa pela informação nos jornais, através dos telegramas
que eram, neles, publicados. Nesses casos, apropriavam-se do suicídio “para desconsiderar o
adversário” (MINOIS, 1998, p. 108). Da França, veio a nota telegráfica comunicando o
suicídio de um oficial grego da guarnição de Kavalla (FRANÇA, 1917). Já de Londres,
transmitiu-se a nota sobre o suicídio do general austríaco Picker, “atacado de neurasthenia”
(NOVAS..., 1915, p. 1). Essas notícias ligeiras dando conta do suicídio dos atores do teatro da
guerra – das altas patentes militares aos soldados das trincheiras, de um lado e de outro das
45
A gripe espanhola – derivado mortal da influenza – tornou-se verdadeira pandemia, ultrapassando o espaço
europeu, especialmente no segundo semestre de 1918, em função dos quatro anos seguidos de guerra, que
facilitaram sua rápida propagação: pelos “movimentos maciços de pessoas através dos continentes”, e pelas
condições precárias de saúde e de higiene (WILLMOTT, 2008, p. 287). Há o registro, na Folha do Norte de 6
de dezembro de 1918, de quatrocentos e setenta e nove óbitos decorrentes só de gripe, e de oitenta e sete, de
pneumonia, apenas para novembro de 1918 em Belém (A MORTALIDADE..., 1918). Segundo as estatísticas
oficiais, publicadas no periódico Pará-Medico..., a gripe ocupou o primeiro lugar em causa mortis no segundo
semestre de 1918, com quinhentos e setenta e quatro casos de mortes provocadas (ESTATISTICA..., 1919, p.
153).
46
São sintomáticos desse período de grande mortandade pela gripe espanhola, os anúncios que passaram a ser
publicados em jornais, como a Folha do Norte: a casa comercial A Restauração ofereceu ao grande público o
seu “mais completo sortimento em artigos para LUCTO [...]” ([A RESTAURAÇÃO...], 1918, p. 2).
49
linhas de frente – traduziam a guerra travada para além dos campos europeus de batalha, no
imaginário dos leitores de jornais de Belém.
No período estudado, houve também, em Belém, quem, com preocupação, percebia
tamanha presença da morte voluntária, enquanto temática, a correr livre pelos jornais da
capital, e que, sentindo-se incomodado, foi aos mesmos jornais argumentar contrariamente à
prática de suicídios. O cônego José de Andrade Pinheiro47 escreveu, em A Província do Pará
de 23 de maio de 1908, no lugar do editorial, artigo em que reafirmava o posicionamento
milenar da doutrina cristã, condenatório da prática do suicídio. Sua argumentação situou-se,
primordialmente, em bases morais e teológicas.
Na Imagem 7, observa-se Andrade Pinheiro em fotografia posada de estúdio, publicada
em 1898. A simplicidade do cenário e a austeridade da pose, presentes na fotografia,
referenciam-se nas posições firmes e conservadoras do representado. Andrade Pinheiro fez
pousar, sob a mão direita, exemplar da obra Cancioneiro de Leão XIII48. Assim, representou-
se a figura do cônego, sugerindo-o como escritor que era, ligado ao mundo das letras líricas e,
ao mesmo tempo, alinhado ao programa doutrinário do pontificado. Como agente da
romanização em terras amazônicas49, estreitamente ligado ao bispado – e, a partir de 1906, ao
arcebispado – local, Andrade Pinheiro se mostrou ferrenho defensor da moral e da doutrina
cristãs. Como diretor do colégio São José em Belém, o cônego vigiava o comportamento dos
seus internos, reprimindo, com castigos físicos, práticas consideradas desviantes, como as
onanistas e as homoeróticas, tal como notado em pesquisa realizada pela historiadora Cristina
Cancela (2006). Como jornalista, Andrade Pinheiro participou ativamente dos debates
ocorridos nos jornais belenenses – espaços propícios tanto para a defesa dos ideais
romanizados, como para as críticas liberais na virada do século XIX para o XX (MAUÉS,
1994) – e escolhera o suicídio, dentre outros temas candentes, como uma de suas frentes de
combate.
47
José de Andrade Pinheiro, sacerdote secular da Sé de Belém, também foi educador, tendo sido diretor do
colégio São José. Há tempos militava na imprensa cotidiana de Belém, tendo participado do corpo redacional
de A Boa Nova, jornal católico lançado em 1871, e se alinhava ao “discurso conservador da Cúria local”
(FIGUEIREDO, 2005, p. 249). Também escrevia artigos sobre assuntos políticos locais.
48
O papa Leão XIII exerceu a posição de sumo pontífice católico no período de 1878 a 1903.
49
Segundo Maués (1994), o movimento de reforma do Catolicismo no Brasil, operado a partir da segunda
metade do século XIX e conhecido por “romanização”, teve o seu clímax no Pará durante o bispado de D.
Macedo Costa (1850-1890). Visando uma aproximação maior com o pontificado romano, esses bispos
reformadores e seus agentes defendiam “uma ideologia extremamente conservadora” e centralizadora, também
chamada de ultramontana.
50
Treze anos antes dessa publicação n’A Provincia do Pará, Andrade Pinheiro já havia
exposto ideias contrárias ao suicídio, em outro artigo publicado no Diario de Noticias, de 8 de
fevereiro de 189550. Em ambas as ocasiões, o padre não deixou de manifestar sua total ojeriza
ao próprio termo “suicidio”: “basta o pronuncial-o para que tenhamos o espirito como em
sobressalto e assombrado!” (PINHEIRO, 1908, p. 1). No artigo publicado no Diario de
Noticias, recorreu aos dicionários para, de modo didático, definir o objeto do seu
descontentamento: “Que é o suicidio? = Acção d’aquelle que se mata á si mesmo”
(PINHEIRO, 1895, p. 1). Também buscou a definição de suicida, como sendo “a pessôa que
dá a morte á si mesmo”51, levando o leitor a refletir sobre a “temeridade da pessôa, que o
practica” (PINHEIRO, 1895, p. 1).
O recurso de Andrade Pinheiro aos dicionários de sua época revela, de sua parte, certo
incômodo ou dificuldade em assimilar tais palavras no léxico nacional, embora não se
tratassem de nenhum neologismo ao final do século XIX. O termo “suicídio”, na realidade, só
50
O artigo de José de Andrade Pinheiro, publicado no Diario de Noticias de 8 de fevereiro de 1895, depois foi
coligido com outros escritos do cônego, para compor o seu livro Ensaios religiosos e litterarios, de 1898.
51
No Grande diccionario portuguez, edição de 1874, os conceitos de suicídio e de suicida correspondem
exatamente ao informado pelo cônego Andrade Pinheiro, no artigo publicado no Diario de Noticias de 8 de
fevereiro de 1895.
51
passou a ser usado na língua portuguesa ainda no século XVIII, derivado do inglês suicide52
(DAUBE, 1972 apud MINOIS, 1998), para substituir termos combinativos ou perífrases como
“morte voluntária” ou “assassínio de si”. Afirma-se que o verbete “suicídio” é, acima de tudo,
construção moderna, a ponto de revelar a “evolução do pensamento e da crescente frequência
dos debates sobre este assunto” (MINOIS, 1998, p. 228). Segundo Veneu (1994, p. 14), a
introdução desse novo termo nos léxicos nacionais sinalizou a própria “construção da
subjetividade” nas atitudes coletivas frente à morte voluntária: admitiram-se a possibilidade
do autoaniquilamento e a vontade própria para cometer o ato. Tornou-se preciso garantir-lhe
uma designação própria, uma condição autônoma que lhe retirasse o caráter de
excepcionalidade e de dependência com relação às formas usuais de homicídio, tanto
condenadas pela tradição cristã como endossadas pela interpretação elástica de santo
Agostinho (354-430) em relação ao quinto dos mandamentos judaicos-cristãos: “Não matarás
pessoa alguma nem mesmo a ti. Com efeito, quem se mata não é matador de homem?”
(AGOSTINHO, 1990, p. 51, grifo do autor).
Essa nova terminologia, amparada na base latina sui (de si) e caedes (crime), também
aproximou a prática suicida ao sentido nobre do “suicidium pagão de Catão”, por muitos – e
em determinadas épocas – considerado mais aceitável (MINOIS, 1998, p. 228, grifo do autor).
Por outro lado, a ação do suicida ainda se expressa, na língua portuguesa, pelo verbo reflexivo
(não menos redundante) “suicidar-se”53. Para Minois (1998, p. 229), esse fato demonstra que
a ideia sobre o suicídio ainda não conseguiu totalmente se desvincular da “de crime contra si
mesmo”, no contexto cultural luso-brasileiro.
O cônego Andrade Pinheiro não estava sozinho no seu combate contra o suicídio.
Paulino de Brito54 também emitiu considerações a respeito na sua coluna Repercussões, do
Estado do Pará de 18 de março de1919. Nela, o professor amazonense remontou às teses
fundantes da interdição cristã ao suicídio, e retomou algumas das premissas levantadas por
santo Agostinho (1990, p. 46), manifestadas, sobretudo, em A cidade de Deus: “Se a ninguém
é permitido matar, por sua própria vontade [...], pois nenhuma lei concede semelhante direito
52
O termo suicide foi um latinismo empregado, pela primeira vez, na obra Religio Medici, do inglês sir Thomas
Browne, publicada ainda na primeira metade do século XVII, impondo-se o seu uso mais corrente apenas cem
anos depois (ALVAREZ, 1999, p. 63-64).
53
A forma verbal “suicidar-se” também consta no Grande diccionario portuguez, de 1874.
54
Paulino de Brito foi escritor, professor e filólogo amazonense, colaborador de vários jornais diários de Belém,
como A Província do Pará e o Estado do Pará, principalmente com artigos sobre o ensino da língua
portuguesa (DINIZ, 2004). Clóvis Rego (1997, p. 72) descreveu-o como “tímido, místico, modesto por
temperamento e pelos recursos materiais”. Paulino de Brito faleceu a 16 de setembro de 1919, portanto quase
seis meses após a publicação do seu artigo Ladrões de Deus no Estado do Pará.
52
a quem quer que seja, toda pessoa que se mata é homicida, mais culpado, matando-se [...]”55.
Na edição de 7 de julho de 1880 do jornal A Boa Nova – órgão divulgador dos ideais católicos
–, a alusão à doutrina agostiniana havia sido ainda mais explícita: “O mesmo Doutor [santo
Agostinho] [...] refuta as razões e causas, pelas quaes, alguns pensavam falsamente que era
licito matar-se á si proprio” (O SUICIDIO, 1880, p.1)56.
Desse modo, reintroduziu-se, no debate local dos jornais de Belém, o argumento de não
se poder dispor da própria vida, pois a mesma pertenceria à divindade superior: “nada ha que
seja tão alheio como essa consignação [a vida], da qual teremos de prestar severas contas”
(BRITO, 1919b, p. 1); ou mesmo à sociedade na qual se vive: “Todo homem é parte da
communidade, e pertence-lhe como a parte ao todo” (O SUICIDIO, 1880, p. 1). Na sua Suma
Teológica, são Tomás de Aquino (1225-1274) também atribuiu somente a Deus a decisão
final sobre a vida humana: “[...] a passagem desta vida para uma outra mais feliz não depende
do livre arbítrio do homem e sim do poder divino” (AQUINO, 2008, p. 79).
Mesmo após o lento processo, iniciado a partir do século XVIII, de menosprezar ou
atenuar os aspectos morais e teológicos da discussão sobre o suicídio na cultura ocidental,
Paulino de Brito se sustentou na noção implícita de pecado e relegou os suicidas à mísera
condição de “ladrões de Deus”. Para Gay (2001, p. 212-213), o deslocamento da discussão
sobre o suicídio, das esferas estritamente moral e teológica para a civil e médica, não se deu
sem conflitos ou sem recuos, já que os oitocentistas não se viram, de todo, livres da “sombra
da religião”.
Por outro lado e retornando a 1895, a visão mais humanizada do suicídio já ganhava
terreno nas próprias instituições públicas da recém-proclamada República. No final de século
XIX, com a dissolução do regime do padroado régio, afastou-se o então poder legal exercido
pela Igreja Católica nas questões relacionadas à vida civil, como o casamento e o
sepultamento dos mortos (SILVA, 2003). No tocante à descriminalização do suicídio, no
curso do século XIX, o processo gradual da desculpabilização da pessoa do suicida57 começou
a estabelecer pontos de diferenciação entre os conceitos de pecado e de delito, e de “clamar
por uma interpretação exclusivamente civil das leis”58 (ANDRÉS, 2003, p. 294, tradução
nossa). Esse gradual afrouxamento moral em relação ao suicídio, em muito, deveu-se às
55
Segundo Minois (1998), santo Agostinho fora influenciado pela corrente neoplatônica de seu tempo.
56
Indicação de leitura fornecida pelo Dr. Marcio Couto Henrique no decorrer da pesquisa.
57
Como bem salientou Ramón Andrés (2003, p. 297) – ao analisar o debate em torno dos direitos do homem e
do cidadão ao longo do século XVIII –, o suicídio, enquanto prática, todavia não conseguiu a dignidade de ser
declarado como direito civil, pois que o mesmo deve garantir ao homem o seu próprio “futuro” (potestad), e
não o seu fim mais imediato.
58
Do original espanhol: “[...] apelar a una interpretación exclusivamente civil de las leyes”.
53
próprias redefinições que o ato suicida sofrera ao longo dos Oitocentos: primeiro como
exemplo prático de “desarranjos mentais”; depois, como verdadeiro “problema social” (GAY,
2001, p. 214).
Minois (1998, p. 175) observa como o movimento de apropriação do suicídio pelo saber
e discurso médicos, em um nível somático, acabou avançando “no sentido da [própria]
irresponsabilidade daqueles que se suicidam”. Mesmo o cônego Andrade Pinheiro já
reconhecia o fato de o suicídio ter deixado de ser criminalizado pela nova legislação. O
recém-promulgado código penal republicano fora publicado no Diario de Noticias, em série,
ao longo de fevereiro de 189159. Em seu artigo 299, a norma dispôs sobre as penas aplicáveis
apenas a quem induzisse ou ajudasse alguém na prática do suicídio (CODIGO..., 1891).
Em sua interpretação a esse novo código, o advogado e deputado João Vieira de
Araújo60(1901, p. 27), embasando-se no princípio do relativismo no campo jurídico – “nada
ha de [direito] absoluto; ao contrario, tudo é relativo” –, chegou a argumentar que “o direito á
vida é renunciavel e abdicavel por parte de quem é o sujeito delle e assim o homem, como
tem – direito de viver, tem o direito de morrer”. Vieira de Araújo (1901, p. 26) analisou o
suicídio sob a ótica da relação jurídica que se estabelece “pela trama da vida individual no
ambiente social”. Refutou, também, a ideia de o direito da sociedade prevalecer sobre a
existência do indivíduo: “É certo que o individuo tem deveres juridicos para com a sociedade,
mas sómente emquanto vive” (ARAÚJO, 1901, p. 28, grifo do autor). Estava longe, portanto,
o tempo em que o direito civil e o criminal aplicavam sanções ao cadáver e à memória dos
suicidas (ALVAREZ, 1999). Ao problematizar o suicídio do ponto de vista “anthropologico-
juridico” (ARAÚJO, 1901, p. 23), o parlamentar afirmava o Direito como ciência que se
pretendia autônoma, discutida em suas próprias bases.
Nos autos de diligências policiais dos anos iniciais do século XX61, constituídos para
apurar os fatos envolvendo suicídios em Belém, observa-se que os mesmos nunca chegaram a
se constituir em processos judiciais. A decisão final dos juízes era, geralmente, pelo
arquivamento desses feitos, acatando requerimento do promotor público estadual, já que se
constatava o óbito por meio de suicídio, sem a concorrência de terceiros. Nas diligências
abertas para investigar o suposto suicídio de Manoel Octaviano Lennoff de Brito, o despacho
59
O primeiro código penal republicano fora promulgado pelo Decreto federal nº847, de 11 de outubro de 1890.
60
João Vieira de Araújo formou-se na Faculdade de Direito do Recife. Exerceu o mandato de deputado federal,
pelo Estado de Pernambuco, no Congresso Constituinte da primeira Constituição republicana, de 1891
(BRASIL, [20--]).
61
Referem-se aos processos e demais documentos que compõem o arquivo permanente do Tribunal de Justiça do
Estado do Pará, relativos ao século XIX e à parte do século XX. Essa documentação ora se encontra sob
custódia do Centro de Memória da Amazônia (CMA), pertencente à Universidade Federal do Pará (UFPA).
54
62
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia tratam da sistematização dos diversos preceitos cristãos
em normas canônicas aprovadas em sínodo de 12 de junho de 1707, presidido pelo então arcebispo da Bahia,
dom Sebastião Monteiro da Vide. Com declarada inspiração tridentina, as Constituições foram, em princípio,
aplicáveis às paróquias no âmbito do arcebispado da Bahia – depois extensivas às demais dioceses brasileiras
à medida em que estas foram sendo constituídas posteriormentes – para “direcção dos costumes, extirpação
dos vicios, e abusos, moderação dos crimes, e recta administração da Justiça” (VIDE, 1853, não paginado).
55
também admitidas (implicitamente) por esse conjunto de normas. Em seu item 857, inciso III,
assim dispõem: “[Será negada a sepultura eclesiástica] aos que estando em seu juizo perfeito
por desesperação, ou ira voluntariamente se matarem, [...] morrendo tambem sem signaes de
arrependimento.” (VIDE, 1853, p. 300)63.
Essas excepcionalidades no trato ao suicida, presentes no seio da própria doutrina
católica, permitem compreender porque o jovem Marciano de Mello Rodrigues, em 14 de
agosto de 1905, após ingerir grande dose de verde-Paris na cidade de Cametá (interior do
Pará), “já nas vascas da morte, pediu que lhe fossem chamar um padre afim de confessar-se,
no que foi satisfeito [...]” (ENVENENAMENTO..., 1905, p. 1). Antes, a Folha do Norte
publicara, em 28 de abril de 1901, o fato de ser celebrada missa, na “igreja de Nazareth” 64, em
memória de Pedro Maciel de Athayde, praticante de escrivão no vapor “Aripuanã” e
“estimado no seio de seus companheiros de bordo” (SUICIDIO..., 1901, p. 1). Pedro Athayde
se suicidara, lançando-se ao rio nas proximidades de Anajás (baixo Amazonas), quando
apresentava sinais de alienação mental. A referida missa ficou “a expensas do commandante e
officiaes do Aripuanã.” (SUICIDIO..., 1901, p. 1, grifo do autor).
Quinze anos depois, em 14 de março de 1916, o Estado do Pará publicou o anúncio
pago do convite para a missa rezada em favor da alma do comerciante João Martins de
Oliveira, a ser celebrada na mesma “egreja de Nazareth”, conforme Imagem 8. Nela, destaca-
se a presença do símbolo cristão da cruz. Este, mais do que se tratar de recurso tipográfico
recorrente em anúncios dessa ordem, representou a inserção simbólica do morto no universo
do seu próprio credo, mesmo que João de Oliveira tenha se matado, após se lançar do telhado
do hospício de alienados, onde se encontrava internado por “accesso de psychose maniaca
depressiva” (TRISTE..., 1916, p. 2).
Contudo, no início da era republicana, aquela premissa de criação de um estado laico
ainda não tinha sido capaz de abalar o que, segundo Nicolau Sevcenko (2004, p.19),
compreenderia o conjunto das “crenças mais íntimas e sublimes” da maioria da população,
entre as quais a sacralização dos cemitérios. Portanto, houve mesmo autoridade policial a
negar sepultamento ao corpo do suicida Felippe Floriano da Trindade, no cemitério do então
distrito de Bujarú, em agosto de 1899. Trindade, “caboclo, solteiro e lavrador”, matara-se
“disparando uma arma de fogo no peito, [...] sendo o cadaver sepultado fóra do cemiterio.”
63
Ao pesquisar os suicídios cometidos na Bahia oitocentista, Jackson Ferreira (2004) identificou a possibilidade
do perdão clerical ao suicida que manifestasse sinais de arrependimento pelo ato cometido, ou que não
apresentasse sinais de seu juízo perfeito.
64
Atualmente, Basílica-santuário de Nossa Senhora de Nazaré, centro local de devoção católica-mariana.
56
(SUICIDIO, 1899, p. 2). A autoridade que lhe negara sepultura fora a mesma que antes havia
realizado o devido exame de corpo de delito. Nessa localidade do interior do Pará,
recuperaram-se as velhas práticas de condenação infligidas ao corpo do suicida, contra as
quais tanto Montesquieu e Voltaire se revoltaram no século XVIII (MINOIS, 1998).
Por outro lado, houve registros (embora raros) em que a adjetivação do suicida passava
ao largo dos tradicionais termos a ele empregados, como “vencido”, “desesperado” ou
“louco”. No Diario de Noticias, em 1º de março de 1894, referiram-se ao suicida Raymundo
Rodrigues – cujo corpo fora encontrado enforcado em uma árvore na vila de Ourém, no
interior do Estado – como “cidadão” (ENFORCADO, 1894a, p. 1). Nos primórdios do regime
republicano brasileiro, garantiu-se a cidadania ao morto na descrição daquilo que se tornou o
seu derradeiro ato em vida.
Qualificar um suicida como cidadão seria imperceptível, se comparado ao extenso artigo
publicado na Folha do Norte, em primeira página, de 24 de março de 1905. Através dele,
observa-se que os articulistas dos jornais belenenses buscavam referências em tradições
filosóficas para desenvolver suspeitas apologias do ato suicida em contraposição aos
57
65
Nesse sentido, emprega-se o que Linda Hutcheon (2000, p. 50) considerou como o caráter transideológico da
ironia, que serve “para minar ou para reforçar ambas as posições conservadora e radical”. Quanto ao uso do
conceito de natureza “transideológica”, Hutcheon se referencia em Hayden White (1973, p. 38).
66
Obtiveram-se poucas informações a respeito de Aristides Borba. Joseni Pereira Meira Reis (2010) identificou
Aristides Borba no grupo que criou o Grêmio Literário Plínio de Lima em Caetité, município do alto sertão
baiano em 1898.
67
É possível que o pseudônimo P. tenha sido usado pelo jornalista Paulo Maranhão (João Paulo de Albuquerque
Maranhão), que, antes de ser o diretor-proprietário da Folha do Norte e um dos fundadores da Academia
Paraense de Letras (REGO, 2005), já atuava na imprensa local, escrevendo folhetins para o Diário de
Notícias, de onde era secretário da redação no começo da década de 1890 ([NOTAS...], 1891, p. 2) .
58
abreviar e anniquilar a vida que lhes pertence [...]?”68 (P., 1905, p. 1, grifo do
autor).
68
Observam-se, nessas linhas, vagas referências à parte do romance epistolar Júlia ou A nova Heloísa, do
filósofo genebrês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), em que se representam os sofrimentos da vida como
incômodo, ou como a relação de desvantagem entre força e o peso do fardo. O personagem Saint-Preux trava
um debate sobre o valor da vida e da morte voluntária com o seu conselheiro, milorde Eduardo, através de
cartas: “Sim, Milorde, é verdade, minha alma está oprimida pelo peso da vida. Há muito tempo ela me pesa;
perdi tudo o que podia ma tornar cara, só me restam desgotos.” (ROUSSEAU, 1994, p. 331). Em certo
momento, referenciou-se no Fédon de Platão, e fez a seguinte analogia: “[...] Se sobrecarregas teu escravo
com um vestuário que o incomoda no serviço que te deve, puni-lo-ás por ter abandonado essa roupa para
melhor realizar seu serviço? [...] quando abandonamos nosso corpo, não fazemos mais do que retirar uma
vestimenta incômoda.” (ROUSSEAU, 1994, p. 333). É interessante observar que, nessa obra, Rousseau não
fez apologia conclusiva da morte voluntária, apenas compilou as diversas linhas de pensamento a favor ou
contrárias, existentes na época. Ao final, Saint-Preux pondera sobre seus próprios argumentos e desiste da
ideia do suicídio.
69
No capítulo dedicado ao suicídio, do tratado Sistema da Natureza, publicado originalmente em 1770, Holbach
(1723-1789) utilizou-se de princípios materialistas e contratualistas para criticar as razões, de ordem religiosa,
que condenavam o suicídio. O filósofo franco-alemão, que duvidava da eternidade da alma (MINOIS, 1998),
propôs o suicídio como meio de dissolução do contrato estabelecido entre o homem e a sociedade, quando
esse mesmo pacto não trouxesse mais vantagens ao indivíduo, como parte contratante.
59
arma é o único amigo, o único consolo que resta ao desgraçado.”70. Outros contemporâneos,
porém, como Montesquieu (1689-1755), criticavam mais as penalidades impostas ao corpo e
à memória dos suicidas – como exposto na famosa passagem das Cartas Persas (publicadas
originalmente em 1721) – “As leis da Europa são terríveis contra aqueles que se matam [...].
Parece-me, Iben, que tais leis são contrárias à justiça.”71 (MONTESQUIEU, 1994, p. 113) –,
do que terem sido amplamente favoráveis à prática do suicídio em si (MINOIS, 1998).
A ambiguidade parece ter permeado a discussão em torno do suicídio ao longo dos
séculos, como prova o quão controverso se tornou o tema. Conforme já mencionado, essa foi
também a marca presente no conjunto do material impresso nos jornais de Belém, se
analisado pela perspectiva da duração de três décadas (1891 a 1920). O cônego Andrade
Pinheiro, por sinal, apesar dos seus recorrentes ataques à morte voluntária, também
manifestava visão pouco positiva em relação à vida terrena. Algo parecido a determinadas
vivências místicas e espirituais, introduzidas na esteira da reforma católica ao longo do século
XVII, que Minois (1998, p. 206) considerou como “verdadeiro suicídio espiritual”, pelo
desprendimento em relação às coisas terrenas e aos cuidados com o próprio corpo. Em artigo
publicado por ocasião da celebração do dia de finados, no Estado do Pará de 2 de novembro
de 1915, Andrade Pinheiro analisou a importância do viver a partir da inexorável certeza da
morte: “Está ella [a morte] em nós, dentro de nós, no íntimo do nosso ser, parece que na vida
a vamos acalentando todos os dias.” (PINHEIRO, 1915, p. 2). Para afastar do público leitor o
temor pela morte e enaltecer o “culto das almas”, o cônego até considerou ser esse um tema
que se vulgarizou pela sua pertinência, mas que, pelo contrário, não lhe causava o assombro
provocado pela mesma divulgação que tinha o suicídio:
70
Do espanhol: “La muerte es el único remedio para la desesperación; es entonces cuando un arma es el único
amigo, el único consuelo que le queda ao desgraciado.”.
71
Do espanhol: “Las leyes de Europa son terribles contra los que se dan la muerte a sí mismos [...]. Paréceme,
Iben, que son contrarias a la justicia las tales leyes.”.
60
companheira”, e no pensamento paulino: “De facto, segundo a doutrina catholica, este corpo,
na phrase do apostolo das gentes [Paulo], é o carcere da alma, a qual, com a chegada da
morte, se liberta e vae comparecer ao throno do Altissimo[...]”. Dois meses depois, por
ocasião da passagem de ano, publicou-se outro artigo de Andrade Pinheiro, no Estado do
Pará de 1º de janeiro de 1916. Nele, o cônego ponderou sobre as festas de final de ano e a
esperança que as pessoas devotavam a esse novo ciclo de vida que se iniciava, apesar do
desenrolar da guerra na Europa. Contrabalançando o otimismo presente, Andrade Pinheiro
novamente se mostrou cético em relação à vida passada no plano físico:
Os dias felizes da vida são poucos comparados com os dias infelizes, que são
em muito maior escala. A alegria de hoje parece que nunca vem só, ella
mesma já é nuncia da tristeza de amanhã. O anno bom e suas festivas
demonstrações nos lançam o pregão, que a vida tem o seu grande lado
incerto, jungido ao seu lado certo. O que ha mais certo para o homem é o
trabalho, é a pena, é a dôr, é a magua, é a contrariedade; o que ha incerto,
mas muito incerto, é a sua felicidade no descanso. (PINHEIRO, 1916, p. 3).
Nesse artigo, Andrade Pinheiro reuniu elementos possíveis para fazer de sua escrita uma
própria apologia à morte voluntária, tal como presente em tantas argumentações levantadas
em séculos de debate ocidental. Faltou-lhe apenas realizar a defesa aberta do suicídio, o que
não fez. Pelo contrário, o cônego exortou os seus leitores cristãos a “dar graças e pedir
graças” à divindade, e a se resignarem com sua condição de humanos.
A morte do futuro, da Folha do Norte de 24 de março de 1905, por sua vez, pode não ter
passado de pura sátira (embutida de crítica) à defesa do suicídio. Do sentido dúbio que pode
ser atribuído ao título, conforme já citado, ao fato de a palavra “suicídio” aparecer apenas uma
única vez ao final de toda a argumentação desenvolvida, há a possibilidade de que o
articulista P. (1905, p. 1) quisesse alertar o público leitor de Belém para a vulgarização do
suicídio, estampada nas próprias páginas da Folha do Norte: “O homem preparar-se-á para a
morte como agora se apercebe para um passeio [...]”.
Em todo o caso, se P. restringiu seu artigo ao âmbito da discussão sobre a racionalidade
e o direito individual do homem, valendo-se, dentre outros, dos argumentos provenientes das
ideias filosóficas iluministas. Na cultura ocidental, o suicídio passou a ser tratado,
paulatinamente, como derivado dos estados de alienação mental, enquanto deliberação interna
da pessoa que o cometia, já na primeira metade do século XIX. De acordo com Minois (1998,
p. 393), a medicina, através de suas correntes psiquiátricas, fez do suicídio uma “doença
vergonhosa”. Na altura da publicação de A morte do futuro, o suicídio chegou redefinido
61
como exemplo de “agressão patológica”, que o ligava a questões diversas do ponto de vista
meramente moral, “na medida em que implicaram debates sobre julgamentos éticos,
entendimento científico e políticas sociais” (GAY, 2001, p. 212). Segundo Brown (2001, p.
158, tradução nossa), iniciado o século XX, profunda mudança havia sido operada no modo
como o homem ocidental compreendia o fenômeno do suicídio: o “que, antes considerado
como algo heróico, passou a se identificar com o irracional e o patológico”72. Nada mais
contundente do que o afirmado por Minois (1998, p. 396): “no século XIX, o debate está
encerrado: ser ou não ser é uma questão desnecessária, incongruente e chocante. Portanto,
impõe-se silêncio”. A apropriação do suicídio como objeto de estudo pela psiquiatria moderna
estabeleceu novos parâmetros para a sua discussão. O suicídio não deixou de ser evitado e
condenado, mas passou a ser abordado no sentido de sua prevenção (ALVAREZ, 1999).
72
Do espanhol: “[el concepto de suicidio] que, de ser considerado como algo heroico, pasó a identificarse con lo
irracional y patológico”.
73
Pedro Luiz Napoleão Chernoviz (1812-1881) nasceu em território da atual Polônia (Leste europeu). Formou-
se médico pela Academia francesa e transferiu-se ao Brasil no início da década de 1840, onde permaneceu até
1855. Nesse curto período de tempo em terras brasileiras, atuou em principais instituições médicas da Corte,
como a Academia Imperial de Medicina. O Diccionario de medicina popular e das sciencias accessorias para
uso das familias... tornou-se obra de referência médica e de grande circulação na segunda metade do século
XIX. Lançada em 1842, já contava na sexta edição em 1890, nove anos após a morte do seu autor (RIBEIRO,
[200-?]). Indicação de leitura proposta pelo Dr. Márcio Couto Henrique, por ocasião da qualificação.
62
74
Arthur Octavio Nobre Vianna (1873-1911), tendo cursado farmácia em Belém, mudou-se para a Capital
Federal a fim de estudar Medicina. Porém, lá veio a falecer aos 38 anos, em 14 de setembro de 1911, portanto
meses após ter o seu artigo sobre suicídio publicado na Folha do Norte. Arthur Vianna foi, no período de
1899 a 1907, diretor da Biblioteca e Arquivo Público do Estado do Pará (FUNDAÇÃO CULTURAL DO
PARÁ TANCREDO NEVES, 2012).
63
Leocadio Guerreiro75(1908, p. 1): “[...] Dos que vão para a morte, heroicos ou vencidos,/ os
cerebros a arder nas febres de loucura/ ou, então, por uma bala, os cerebros partidos!”.
Em todas essas representações, demarcavam-se os campos possíveis de existência e de
discussão do suicídio, como prática associada a várias causas ocasionais ou predisponentes,
como a loucura, as paixões (também doentias), ou mesmo as condutas desviantes, a exemplo
do alcoolismo. Há de se lembrar, por exemplo, dos dados estatísticos que, publicados em A
Província do Pará de 23 de agosto de 1891, associavam a alta taxa de suicídios em Berlim ao
grande consumo de bebidas alcóolicas. As causas do suicídio seriam, assim, marcadas pelo
sentido da patologia, da degeneração da espécie, em que se percebem as variáveis naturais
sendo também consideradas.
Nesse sentido, coube ao saber médico definir o que estaria nos limites da normalidade
nas práticas suicidas, e estabelecer parâmetros pelos quais se poderia atribuir a culpa e a
responsabilidade ao suicida (LOPES, 2007). Minois (1998) conseguiu catalogar diversos
casos observados nos tribunais europeus, em que a alegação de insanidade mental do suicida
foi utilizada para evitar as penas, tanto civis como eclesiásticas, aplicadas contra o corpo e a
memória do suicida e a seus familiares. Ao mesmo tempo (em uma possibilidade que não
pode ser descartada), ao atribuir a insanidade mental ao suicida, também se eximia a
responsabilidade moral dos sobreviventes ao ato suicida – dos parentes do morto à sociedade
em geral.
A mínima evidência de perturbação da ordem do cotidiano podia ser sinal para alarme.
No inquérito policial aberto para apurar as circunstâncias do suicídio de Manoel Octaviano
Lennof de Brito, secretário de inspetoria da Alfândega, o depoimento de sua esposa aponta
nesse sentido: considerando que o caráter do marido era “concentrado, no seu natural, [...]
notou entretanto que de uns dias a esta parte elle parecia muito aprehensivo e triste” (PARÁ,
1903a, f. 5). Por outro lado, em outros autos de diligência policial, os respectivos depoimentos
prestados ao escrivão pela viúva e pelo amigo advogado de Hamilton de Moura Ferro – que se
suicidou por ingestão de ácido fênico – dão conta de que, momentos antes do ocorrido, o
suicida se encontrava “calmo o que concorreo para que suspeita alguma lhe inspirasse” ou que
não se encontrava “nada de anormal [no comportamento do suicida] que prenunciasse o
desenlace fatal de que foi quasi testemunha” (PARÁ, 1903b, f. 5-7). O cotidiano de Hamilton
75
Leocadio Guerreiro, pseudônimo de Nogueira de Faria: escritor e jornalista. Tendo nascido em 1884, atuou em
A Província do Pará e também colaborou na Folha do Norte no início do século XX. Adepto do kardecismo,
nos primórdios do desenvolvimento da doutrina espírita no Pará, fez textos críticos ao Catolicismo
(AZEVEDO, 1918). Ainda segundo Rego (2005), Nogueira de Faria também possuía o título de
desembargador.
64
76
Deve-se registrar que o acadêmico baiano Quintino Castellar da Costa se manifestou, favoravelmente, à
doutrina espírita em sua tese, citando termos próprios como “encarnação” ou “espírito obssessor”, associando
loucura com possessão, e mesmo transcrevendo mensagens psicografadas como elementos válidos para
defender suas argumentações. Dessa filiação religiosa, crê-se que advém o seu posicionamento quanto à
separação entre espírito e corpo.
77
Armindo Ferreira Brandão viria a falecer dias após, conforme noticiado na Folha do Norte de 17 de dezembro
de 1907, em decorrência do veneno ingerido. Entretanto, erroneamente, o nome do suicida foi trocado para
“Armindo Ferreira Gomes” (HOSPITAL..., 1907, p. 2).
65
(ALVAREZ, 1999, p. 211). Já no século XX, a relação entre os fatores climáticos e o desejo
do autoaniquilamento perdera muito da sua força. Quintino Costa (1927, p. 9), apenas se
reportou a estudos anteriores, reproduzindo a tese de que “as temperaturas extremas têm sido
incriminadas de despertarem nos individuos certas tendencias ao crime, como ao suicídio.”.
Seraine (1936, p. 11), por sua vez, considerava que a temperatura e o clima desempenhavam
apenas “um papel adjuvante na gênese do áto”, respaldando-se em resultados contraditórios
obtidos por métodos estatísticos.
No século XIX, o ambiente rural se contrapôs, física e moralmente, às cidades no
imaginário ocidental, especificamente no que dizia respeito à superpopulação, à vida agitada e
à insalubridade desses centros urbanos. Thomas (1988, p. 293) assim se referiu como “a
convenção clássica segundo a qual os moradores do campo eram não apenas mais saudáveis,
porém moralmente mais admiráveis que os habitantes da cidade [...]”. Em teses acadêmicas e
em outras obras médicas de referência, observam-se propostas profiláticas e terapêuticas de
contenção do suicídio, mais elaboradas que aquela sugerida nos anúncios comerciais da água
Superaris, de 1905.
O recolhimento asilar dos diagnosticados loucos consolidou-se a partir do século XIX,
com os estabelecimentos das clínicas e dos centros de internação. Paralelamente a esse
aspecto da intervenção médica, também se aprimorou “uma medicina natural despertada por
um projeto ecológico ainda pouco explícito” (CORBIN, 2003, p. 599), voltando-se o olhar
terapêutico ao cultivo de um tempo livre das atividades do cotidiano, mas ao mesmo tempo
ocupado por outras tarefas, que iam dos exercícios físicos ao deslocamento e ao isolamento no
campo. Nas teses de Quintino Costa (1927) e de Seraine (1936), percebe-se a preocupação em
disciplinar o corpo e os hábitos cotidianos para prevenir – ou, ao menos, retardar – o despertar
da mania suicida inoculada nos predispostos, com ênfase nas leituras ou em outras práticas
culturais (dança, teatro, cinema), desde que devidamente filtradas e controladas. Isso em
alternativa aos tratamentos médicos por meio do isolamento, da vigilância constante, da dieta
apropriada, dos banhos prolongados, de alguns tratamentos medicamentosos, e até mesmo da
intervenção psicanalítica (SERAINE, 1936). Nesse sentido, também se empregaram as
variáveis naturais.
Ao lado do fortalecimento da instrução moral (incluindo a valorização das formas
tradicionais de arranjos familiares) e da propaganda contra o alcoolismo e outros vícios,
prescreveram-se, em especial, a higiene corporal, o exercício físico regulado, além do contato
direto com a natureza. Portanto, o deslocamento do doente para outro ambiente, mesmo que
seja para a sua terra natal, fazia parte dessa terapêutica, tal como acontecera ao suicida
66
Armindo Ferreira Brandão, que vinha de uma estadia em um hospital português (OS
DESESPERADOS..., 1907, p. 1). Segundo Glaura Lima (2006, p. 243): “Aliada aos fatores
climáticos, a variação de lugar, alterando hábitos ou incorporando outros, tornava-se vital ao
alívio do ritmo em crescente tensão nos centros urbanos”78.
O exercício regular da imprensa, um dos símbolos da modernização das grandes
cidades, também foi alvo de algumas das propostas de combate ao suicídio. Estas tinham por
suporte a concepção de que era necessário selecionar o que deveria ser lido pelas pessoas,
para a boa concentração das suas energias. Essa leitura selecionada passava, primeiramente,
por critérios mais rigorosos quanto ao que se podia publicar nos jornais e nos romances, em
especial no que dizia respeito à divulgação dos suicídios ocorridos. Segundo Seraine (1936, p.
67), devia-se “evitar o conhecimento de fatos, lançados ao público através da imprensa. Não
consentir na leitura de obras literárias em que seja feita, embora discretamente, a apologia do
suicídio.”. A percepção, na virada do século XIX para o XX, de que os jornais diários haviam
se tornado meios preferenciais de divulgação do suicídio para o público em geral, fez com que
se estabelecesse a vigilância sobre o conteúdo das notícias que divulgavam tais práticas.
Como já observado por Minois (1998), a ordem era encerrar o debate sobre o suicídio:
enquanto sua prática estivesse contida na ordem do privado, melhor seria para a eficácia do
combate proposto pelas autoridades médicas. Sevcenko (2004, p. 30-39) observou que a
expansão crescente da imprensa contribuiu para a formação de uma “consistente esfera
pública”, que necessitava ser disciplinada, tendo o jornal se constituído, antes do advento das
mídias de maior alcance (como a rádio e a televisão), no espaço e no momento de se
“compartilhar simultaneamente as mesmas notícias [...]”.
A maior das críticas feitas à imprensa estava no fato de o suicídio ser levado à esfera
pública, através do estilo fait divers das notícias dos jornais, naquilo que havia de mais
privado: a descrição dos locais em que se encontravam os corpos dos suicidas, bem como o
que se imaginava passar em suas mentes por ocasião do ato. Em contrapartida, observa-se
que, nos trabalhos acadêmicos ou nas obras médicas do mesmo período, o suicídio foi tratado,
geralmente, no seu sentido mais abstrato, e os exemplos, retirados de números estatísticos e de
casos ocorridos no exterior, em especial na França e na Itália, de onde vinha a maior parte da
literatura médica a respeito.
78
Glaura Teixeira Nogueira Lima estudou as novas dinâmicas sociais em pequenas cidades do interior mineiro,
com a proliferação de estâncias hidrominerais na primeira metade do século XX no Brasil.
67
Assim, a partir do momento em que o suicídio é levado a essa esfera pública pelos
relatos pormenorizados e constantes dos periódicos diários, teorias ligadas à ideia de contágio
alertaram as autoridades e as instituições médicas de Belém para uma tentativa de intervenção
nas redações dos jornais79. A Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará, recém-criada em 191480,
estabelecera que as notícias de sensação publicadas sobre toda sorte de fatos agressivos –
dentre os quais se incluíam os casos de suicídios – deviam compor parte das suas
preocupações pela saúde social de Belém. Esse projeto de intervenção se concretizou em
janeiro de 1918: aquela associação fez publicar, nos dois principais jornais diários à época – o
Estado do Pará e a Folha do Norte –, proposta aprovada em reunião interna de requerer à
Associação da Imprensa do Pará a sua colaboração no sentido de persuadir os noticiaristas dos
jornais para “a modificação no relato [pormenorizado] dos mesmos factos [criminais], que
continuando a ser feito pela forma actual, vem attentar contra os mais comezinhos principios
de prophylaxia social.” (OLIVEIRA, 1918 apud MAGALHÃES, 1918, p. 1; SOCIEDADE...,
1918a, p. 2)81. Os facultativos de Belém percebiam a cidade a partir de seus próprios
referenciais, e clamavam para que a imprensa local não concorresse ao “desenvolvimento da
nevrose passional e do crime, que tanto infelicita as sociedades modernas” (MAGALHÃES,
1918, p. 1).
A influência dos jornais e da literatura podia acionar o “fundo de perversidade” presente
em cada indivíduo, ideia essa que perpassara as concepções médicas ao longo do século XIX
(GAY, 1990, p. 140). Em artigo publicado na revista Pará-Medico, órgão de divulgação da
referida Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará, o médico Castro Valente (1919, p. 67) alertou
seus leitores ao conteúdo de determinadas leituras, e respaldando-se, genericamente, em séries
estatísticas estrangeiras82, indagou o que, na verdade, era a própria afirmativa de seu
convencimento sobre o influência da imprensa: “as notícias dos jornaes sobre [...] suicidios,
79
Nos dias atuais, ainda se considera a publicidade sensacionalista de suicídios como um dos “fatores” que
podem levar a mais práticas suicidas, conforme documento produzido pela Organização Mundial da Saúde –
que faz parte do sistema das Nações Unidas – em 2000, na forma de um manual para prevenção do suicídio
(Suicide Prevention Program), especificamente destinado aos profissionais da mídia: “o relato de suicídios de
uma maneira apropriada, acurada e cuidadosa, por meios de comunicação esclarecidos, pode prevenir perdas
trágicas de vidas” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000, não paginado).
80
Fundada a 12 de julho de 1914, a Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará foi oficialmente inaugurada em 15 de
agosto de 1914, em solenidade ocorrida no salão nobre da Santa Casa de Misericórdia de Belém, e divulgada
nos jornais locais (SOCIEDADE..., 1914).
81
Trata-se de trecho da proposta assinada pelo médico Porto de Oliveira, em 16 de janeiro de 1918, e enviada à
Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará, em reunião ordinária realizada nessa mesma data. Esclarece-se que não
se encontrou o original ou a cópia desse manuscrito, tão apenas a sua transcrição nos jornais de Belém.
82
Lopes (2007, p. 143), ao analisar os trabalhos científicos sobre o suicídio desenvolvidos no Brasil oitocentista,
observou que “os médicos brasileiros no século XIX não utilizavam dados estatísticos em suas teses. Isso só
aconteceu no século XX, talvez por influência do estudo de Durkheim”.
68
[...] já não foram, ha muito, condemnadas pelos psychologos e sociologos como nocivas e
anti-hygienicas á saude espiritual dos leitores?”. Dezessete anos depois, no Ceará, Florival
Seraine reforçou o mesmo argumento da sugestão literária para a prática do suicídio. Também
lançou críticas contundentes às notícias de suicídio publicadas nos jornais, pois as relacionara
ao leitor mediano, que passaria a ser indiferente a tais notícias pela formação de certo hábito
de leitura. Por outro lado, reconheceu que havia, justamente, demanda do público para a
criação dessas notícias:
83
O cônego Andrade Pinheiro (1916, p. 2), de fato, reconhecia a grande influência exercida pela imprensa, e
reclamava maior responsabilidade das redações dos jornais, conforme publicado no Estado do Pará, de 13 de
junho de 1916: “Nesse rico pedaço do Brasil [Belém] vae ella [a imprensa] exercitando a sua elevadissima
missão, e pois não de balde [sic] se lhe dá também o formoso apellido de missionaria das idéas e dos
pensamentos”.
84
Ressalta-se, conforme já citado, que o cônego Andrade Pinheiro fazia parte do corpo editorial de A Boa Nova,
conforme se observa na sua edição n.50, de 7 de julho de 1880.
69
85
Lopes (1998) citou os discursos dos médicos James Ferraz Alvim e Alfredo Ellis Junior, pronunciados à Liga
Paulista de Higiene Mental na sessão de 6 de agosto de 1927, em que foi reprovada a prática jornalística de
noticiar casos de suicídio, então sendo solicitado às Sociedades de Medicina e Cirurgia e de Biologia e
Higiene que oficiassem os jornais de São Paulo para cessarem tais publicações.
86
Crê-se que se trata do filho (homônimo) do parlamentar, jurista, escritor e jornalista paraense Tito Franco de
Almeida, posto que este último falecera em 1899, e em cuja homenagem mudou-se a denominação da antiga
“Estrada de Bragança”, hoje avenida Almirante Barroso, principal saída rodoviária de Belém (BORGES,
1986, p. 128). Tito Franco de Almeida, o filho, considerado por Ricardo Borges (1986, p. 128) de “fulgurante
talento e invulgar cultura”, foi advogado, magistrado e redator-chefe do Estado do Pará, morrendo,
prematuramente, aos 39 anos, a 10 de março de 1918 (DR TITO..., 1918, p. 2), portanto quase dois meses
após ter publicado a sua carta-apelo contra as notícias sensacionalistas dos jornais belenenses.
70
Essa manifestação de Tito Franco, que não se fez isolada87, também serve para
problematizar as próprias representações construídas a partir das estratégias editoriais dos
jornais belenenses do período em publicarem os fait divers sobre os dramas de sangue da
cidade. Essas notícias não foram unanimidades de aceitação, fora do circuito acadêmico dos
médicos. Nesse sentido, interessante se tornar reportar novamente a Paulino de Brito que, em
artigo publicado em 10 de junho de 1919, no mesmo Estado do Pará, expressou a sua
reprovação pela leitura diária do gênero:
87
Em 13 de janeiro de 1918, publicou-se no Estado do Pará, em primeira página, carta de apoio à iniciativa de
Tito Franco, assinada pelo desembargador Alfredo R. Barradas, em que o mesmo manifesta não se tratar de
um anseio isolado, mas de interesse “COMMUM” a todos.
88
Pseudônimo mais conhecido de José Eustachio de Azevedo, escritor, crítico literário e jornalista paraense.
Atuou na redação da Folha do Norte. Ao final do século XIX, foi a figura central em torno da qual circulavam
os literatos locais que fundaram a Mina Literária (1895-1899). Nela, o “mineiro” José Eustachio de Azevedo
tinha o pseudônimo de Muriato. Foi o autor da obra de referência sobre a literatura paraense do período:
Anthologia Amazônica: poetas paraenses, cuja primeira edição é de 1904 (REGO, 1997, 2005). O artigo de
Jacques Rolla, publicado na Folha do Norte de 18 de abril de 1911, depois foi coligido com outros escritos do
cronista, para compor a sua obra Vindimas, de 1913.
89
Ao longo do século XIX, uma série de processos judiciais foi instaurada nos tribunais europeus contra os
romances julgados perniciosos à formação do caráter dos seus leitores, naquilo que Gay (1990, p. 137)
considerou como a verdadeira “disputa entre os campos estético e ético”. Muitos moralistas do período
condenavam “a ficção de seu tempo como uma das causas mais importantes do sofrimento e do suicídio”
(GAY, 1990, p. 137). Caso clássico desse embate, o livro de Goethe fora acusado de ter desencadeado uma
série de suicídios na Europa, a partir da Prússia de fins do século XVIII. Mito esse presente até em
representações atuais, como a de Alvarez (1999, p. 208): “foi Werther quem fez o ato [do suicídio] parecer
realmente desejável para os jovens românticos de toda a Europa”.
71
Por outro lado, observa-se que a imprensa local mantinha relações em diversos níveis e
segmentos da sociedade belenense do período. Em relação à classe médica, não foi diferente.
Na própria sessão inaugural da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará, na noite de sábado de 15
de agosto de 1914, encontravam-se presentes os “representantes da Folha do Norte, Estado do
Pará, Correio de Belem e da ‘Imprensa’” (ACTA..., 1915, p. 4)91. Ao final, pelo que se
percebe nas notícias publicadas posteriormente pelos jornais belenenses, nada foi feito no
sentido de se atender ao apelo da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará92. Decorridos cinco
meses após a divulgação da proposta original do doutor Porto de Oliveira, tanto a Folha do
Norte como o Estado do Pará noticiaram, em 18 de maio de 1918, a reunião ocorrida na sede
daquela associação em 15 de maio de 1918. Nela, os médicos Porto de Oliveira, Cruz Moreira
e Penna de Carvalho lembraram da apresentação da referida proposta, constatando “que
infelizmente o apello [...] não tem sido comprehendido como devera ser” (SOCIEDADE...,
1918b, p. 1). Na mesma data, também se divulgou o recebimento, pela Associação de
Imprensa, do ofício expedido pela Sociedade Médico-Cirúrgica com a solicitação para
modificar as notícias “na ‘imprensa indigena’ sobre defloramentos e suicidios”
90
Utilizou-se, intencionalmente, termo empregado por Peter Gay (1990, p. 146).
91
Sobre a inauguração da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará, a imprensa local, aliás, teceu lisongeiras
considerações, positivando o evento como acontecimento social: “foi uma solennidade que deixou bem
patente o espirito de harmonia que ha de reinar sempre entre os associados da novel agremiação para a pratica
do bem e para a consecução dos fins altruisticos a que ella se destina.” (SOCIEDADE..., 1914, p. 2).
92
Segundo Fabio Henrique Lopes (1998), igual resultado acontecera com a proposição das Sociedades de
Medicina e Cirurgia e de Biologia e Higiene junto à imprensa de São Paulo.
72
(ASSOCIAÇÃO..., 1918, p. 1). Por essa época, observou-se que a própria Associação de
Imprensa estava mais interessada em festas cívicas, como as alusivas à batalha de Tuyuty,
para eternizar a Guerra do Paraguai na memória local (24..., 1918, p. 1). Na sessão ordinária
de 12 de fevereiro de 1919, o mesmo doutor Porto de Oliveira continuou a se insurgir contra
as publicações nos jornais locais. Agora, repudiava o fato de um repórter “estar exibindo uma
galeria de photographias de gatunos, em um dos matutinos d’esta capital, não obstante o voto
já emittido, por esta Sociedade relativamente a taes publicações [...]” (A SOCIEDADE...,
1919, p. 91). Entretanto, no início da década de 1910, houve quem entendesse que as notícias
impressas nos jornais não deveriam ser levadas a sério, pois tudo não passava de puro
entreternimento: “o jornal, na sua secção noticiosa, é uma industria, um commercio, não é um
tratado de moral [...]” (LIMA, 1911, p. 1).
A despeito desse ambiente de aparente embate entre os jornais locais e as autoridades
constituídas, sejam médicas ou eclesiásticas, é interessante observar que a própria imprensa
fez uma autorepresentação em que, ela mesma, também era vulnerável a um dos principais
combustíveis que abasteciam sua notícias explosivas: o suicídio. Afinal, a atividade de
jornalista na Belém daquela virada de séculos não devia ser fácil. Reproduzindo a transcrição
de uma (não menos) provável carta de despedida deixada por um suposto redator de jornal,
acabou-se por evidenciar as tensões gerais mantidas com o seu público leitor, que é o que
mais lhe interessava, conforme publicação no Diario de Noticias de 8 de janeiro de 1898:
Depois, como aconteceria em qualquer outro artigo ou notícia em que eram enumerados
desgostos diversos, apresentou-se uma das possibilidades narrativas de finalização do texto,
com o derradeiro ato do imaginário redator de jornal: “Suicido-me, pois, para libertar-me de
tantas calamidades.” (AS TORTURAS..., 1898, p. 1).
73
93
Antiga terminologia utilizada para designar quem escriturava a movimentação comercial e financeira de uma
empresa e que equivale, por aproximação, a quem hoje ocupa a função de contabilista (ACADEMIA
BRASILEIRA DE LETRAS, 2008).
94
Uma das formas depreciativas de se referir à prostituta na virada do século XIX para o XX nas notícias de
jornais, assim como “mundana” ou “horizontal”.
74
corpo para ser resgatado. Inscrevia-se, na imprensa local, mais um membro ao grupo dos
“vencidos da vida” (OS VENCIDOS..., 1919, p.4).
O uso de termos como “fraco” ou “vencido” denotavam certa representação da imprensa
local sobre a prática do suicídio e, em especial, sobre a própria pessoa do suicida – conforme
citado no Capítulo anterior –, ao lado de tantas outras como aquela que associava o suicídio às
patologias ou às degenerações do desenvolvimento mental. Assim, havia a possibilidade de se
perceber o ato de se infligir a própria morte como sentido de fraqueza suprema, de sucumbir
perante os obstáculos do mundo, e o suicida, como o perdedor no cotidiano struggle of life da
modernidade. Na década de 1910, a cidade de Belém sentia os efeitos negativos que se
abateram sobre sua vida econômica. Diversas publicações de leilões judiciais de massas
falidas e de liquidações de estoques de estabelecimentos comerciais passaram a ser comuns já
por volta de 1908, em jornais diários como a Folha do Norte. Tais anúncios oferecem bons
indícios sobre o impacto do colapso sofrido pela economia local, então baseada na extração
do látex, que perdeu espaço no mercado mundial frente à concorrência da produção da goma
elástica nas colônias britânicas do sudeste asiático.
Por outro lado, não se pode restringir as práticas de suicídio em Belém ao franco
declínio da economia da borracha e da mítica Belle Époque (período da fase áurea do seu
desenvolvimento). Pela análise dos jornais locais desde a última década do século XIX,
percebe-se que havia recorrentemente casos de suicidas a estamparem as suas primeiras
páginas, nas notícias de sensação. Por outro lado, basta se lembrar da crítica irônica à situação
de desgoverno e de corrupção dos Correios, na publicação da Folha do Norte de 10 de março
de 1900, em que “ainda ha de levar algum prejudicado, de animo fraco, ao suicidio...” (A
VERGONHEIRA..., 1900, p.1). A relação entre suicídio e fraqueza já se fazia presente
mesmo em outras épocas. Desse modo, torna-se interessante analisar a presença do suicídio
em um contexto histórico da cidade de Belém, cuja memória se cristalizou ao longo das
décadas posteriores, conhecido como a Belle Époque, em torno da virada do século XIX para
o XX. Em suma, perceber, no ambiente mítico de edênica prosperidade, a visibilidade de seus
suicidas, através das brechas abertas pela imprensa, tanto no nível local como nacional.
a 1910. Obras, como as de Carlos Rocque, Antônio Lemos e sua Época (1973); de Leandro
Tocantins, Santa Maria de Belém do Grão-Pará (1963); de Correa Pinto, Belém: Imagens e
Evocações (19??); e de Ernesto Cruz, História do Pará (1973), foram citadas e revisadas por
Maria de Nazaré Sarges em sua Belém: riquezas produzindo a Belle-Époque: 1870-1912
(2000), fruto de sua dissertação de mestrado (defendida em 1990). Na visão da historiadora
paraense, esses intelectuais acabaram por construir a memória da capacidade intelectual e
administrativa de Lemos em gerir as transformações urbanísticas pela qual Belém teria
passado, e que a transformariam na feliz expressão, em terras amazônicas, do ideal de
modernidade e de progresso à época em voga. Os estudos de Sarges, considerados por muitos
como pioneiros nos estudos sobre a cidade de Belém, serviram de referencial ao movimento
de revisão crítica local, nos últimos 25 anos, sobre esse período da Belle Époque em Belém.
A historiadora Franciane Lacerda (2010) estudou, dentre outros aspectos, as tensões
enfrentadas pelos migrantes nordestinos com a ordem pública estabelecida na cidade de
Belém no período da virada do século XIX para o XX, principalmente no que se refere à
adaptação dessa categoria social no espaço geográfica e culturalmente diferenciado como o
amazônico – nesse sentido, observa-se a presença de muitos estrangeiros no rol de suicidas ao
longo deste capítulo. Cristina Cancela (2008) analisou como a qualidade de vida trazida por
uma proclamada modernidade não se fez presente em toda a extensão do território da cidade
de Belém. Para Cancela, os benefícios, introduzidos no cotidiano da sociedade belenense,
restringiram-se a determinados segmento e espaço físico da cidade daquele período, em uma
espécie de cartografia da exclusão social. Se por um lado, Belém era inserida no “cenário das
urbes mais contemporâneas”, por outro, “a forma de uso e vivência desses serviços mostrava-
se diferenciado para os diversos segmentos sociais e estavam distantes do dia-a-dia de muita
gente” (CANCELA, 2008, p. 84-85).
Em suas pesquisas, a própria Sarges (2002, p. 142) já apresentava reflexões sobre as
ambiguidades e as contradições inerentes àqueles tempos de modernidade, lançando bases de
questionamento sobre como “as contradições sociais inerentes ao sistema capitalista
afloravam muito mais” naquela Belém da Belle Époque, já que o suposto desenvolvimento
local produzido pela economia gomífera “trazia em seu bojo o paradoxo do progresso, da
modernidade, onde convivem [...] toda uma gama enorme de desgraças sociais com o fausto e
o luxo de uma burguesia que consumia, fundamentalmente, o importado”. Partindo da leitura
dos próprios jornais – dentre os quais o Diário do Gram-Pará de meados do século XIX –,
Sarges (2002, p. 32) notou como a capital paraense “também viveu intensamente os conflitos
cotidianos e as tensões inerentes a uma sociedade que sofreu transformações econômicas”.
76
O outro lado da cristalização da memória sobre esse período da história de Belém está
na própria ação recente do poder governamental, cuja expressão mais acabada, do ponto de
vista tipográfico, está na produção de Belém da Saudade: A Memória da Belém do Início do
Século em Cartões-Postais (1996). Obra produzida pelo governo estadual, por meio de
projeto desenvolvido pela Secretaria de Estado da Cultura, a publicação fora concebida na
forma de um álbum de família. Nesse álbum, evocou-se a memória sobre o espaço urbano da
cidade nos anos iniciais do século XX, justamente no auge da fase da Belle Époque, pelas
imagens de espaços públicos e privados retratados em cartões-postais. O material selecionado
para compor a obra apresenta uma Belém valorizada positivamente e apropriada
simbolicamente pelo Estado, despertando, quase cem anos depois, o mais profundo
sentimento de nostalgia de uma época não vivida, mas sonhada, como revelam as palavras
iniciais do então Secretário de Estado da Cultura: “Nos últimos dias, revendo a belle époque
dos teus retratos, venho sonhando os teus sonhos de modernidade, os teus desenganos e, por
que não, o teu amanhã?” (FERNANDES, 1996, p. 7).
As representações dessa cidade idealizada já se construíam na própria virada do século
XIX para o XX, seja em razão dos fins ou do público a que se destinavam, ou mesmo em
função do viés pelo qual a cidade era apresentada aos olhos dos visitantes. Em seu primeiro
número de 29 de maio de 1898, o jornal L’Eco Del Pará95 descreve como seriam as noites
típicas do verão amazônico na capital paraense, em que os habitantes da cidade se voltavam
ao teatro urbano da exibição pública, nas suas avenidas recém-abertas, e na presença de
alguns dos elementos representativos do estilo de vida civilizado do burguês citadino: os
“simpáticos cafés” lotados; a “modernidade” bela e artística do Theatro da Paz; as centenas de
bicicletas a percorrer as calçadas e as praças; e estas, com a densidade verde adequada para
uma arborização domesticada. Para Mascarenhas Dias (2007, p. 119), ao analisar o caso
análogo de Manaus, a organização desses novos espaços urbanos tinha, para além da política
de projetar ao mundo a prosperidade local, o propósito bem específico de “impressionar e
atrair os investidores estrangeiros”. Nessa representação de Belém como cidade de “vida
elegante” e, portanto, atraente, o artigo de L’Eco Del Pará não deixou de notar os elementos
indesejáveis a esse convívio público, mas que eram inerentes ao próprio processo
95
O L’Eco Del Para se colocava como “Organo settimanale degl’interessi del Parà in Italia e di quelli italiani nel
Parà”: “órgão semanal dos interesses do Pará na Itália e dos italianos no Pará” (tradução nossa).
77
96
Do italiano: “Rivedremo, sfuggire celeramente dall’alto delle loro ‘macchine’ e riapparire, dopo pochi minuti,
vaghe signorine in toelette estive smagliantissime; i giovanotti che hanno in tutto il corso della giornata,
lavorato con tenacia britannica nei formidabili fondaci del quartiere commerciale; e fra le une e gli altri,
l’inevitabile gruppo mondano di sfaccendati, di buontemponi, di dilettanti e di dame galanti che sono la nota
perpetua de tutte le riunioni del genere, in tutti i paesi del mondo, alla fine del secolo.
Passano e s’incrociano i tramways sovraccarichi di passeggeti; ai tavolini, zeppi di consumatori, tutta una
varietà originale di tipi d’ogni foggia e d’ogni colore susurrano, parlano, gridano in tutte la lingue del mondo
com una nota vivacemente cosmopolitica che seduce ed incanta.”.
78
97
José Francisco da Rocha Pombo (1857-1933), poeta e escritor, nasceu na histórica cidade de Morretes, no
Paraná. Fora eleito membro da Academia Brasileira de Letras, mas não tomou posse, por falecer meses
depois. Lançou livros na área da historiografia como: História da América, História do Rio Grande do Norte,
e História do Paraná; além de Nossa Pátria, esta com mais de quarenta edições (ZEFERINO, 2006, p.17).
79
capital da Pará [sic] despertou-me um sentimento que é mais de orgulho que só de alegria”
(POMBO, 1918, p. 135). É no cerne da mítica imagem construída de uma Belém próspera,
civilizada e que sobrevivia ao declínio da economia da borracha, seja aos olhos do viajante
como da oficialidade, que se vê desenrolar narrativas as mais diversas sobre casos de suicídio
nas páginas diárias do jornais. No contexto da virada do século XIX para o XX, entretanto,
ocorrências de suicídio e civilização não eram incompatíveis entre si, muito embora essa
coexistência fosse problemática, para o temor das autoridades médicas, e em Belém não foi
diferente.
A associação existente, a partir do debate médico e sociológico, entre civilização e as
taxas de suicídio, foi incorporada aos jornais. Em certos discursos, o suicídio era tomado
como o melhor índice do grau de civilização, pois justamente estava em desacordo com o
mais natural dos instintos: o da autopreservação (ALVAREZ, 1999, p. 69). No artigo
publicado no Diário de Notícias de 8 de fevereiro de 1895, o cônego José de Andrade
Pinheiro reivindicava o fim do suicídio em favor da moralidade e do respeito à religião: “[o
suicidio] é ainda a prova de que elle [ o povo] está trabalhando pela descrença religiosa [...] de
que os vinculos das leis moraes estão profundamente frouxos”. Já no que foi posteriormente
impresso n’A Província do Pará de 23 de maio de 1908, o cônego atualizou as argumentações
para os novos tempos, de modo a aproximá-las do discurso científico. Não deixou de
reafirmar a posição da doutrina católica contrária à morte voluntária, na condição de pecado
desta, mas também estabeleceu a sua condenação sob o “ponto de vista natural, social e
civilizador” (PINHEIRO, 1908, p. 1).
“O que é contra a natureza é sempre mau e reprovado”. Sob essa premissa, Andrade
Pinheiro representou o suicídio como um câncer a ser extirpado da sociedade, muito embora
produzido pela própria civilização. O cônego buscou no ambiente da floresta – em
contraposição ao urbano – o exemplo maior de obediência às leis naturais na figura do
selvagem que, ao contrário do homem considerado civilizado, não havia perdido o amor à
vida: “ainda não ouvimos dizer que os selvagens se suicidem lá pelas brenhas, onde vivem
isolados do convivio social” (PINHEIRO, 1908, p.1).
Andrade Pinheiro questionava o quanto poderia ser considerada adiantada uma
sociedade que tolerava o suicídio. Assim, criticava duramente o fato de a civilização produzir
o seu próprio aniquilamento, o que não seria permitido mesmo pelos “filhos das selvas”. O
sacerdote, ao voltar seu olhar sobre o estado primitivo de certa natureza humana, percebeu o
sentido da recuperação da razão nos próprios animais, pela preservação do instinto de
sobrevivência que o homem perdera. “Se nos entes irracionaes, se nos bichos das mattas, ha o
80
natural instincto da conservação [...], como é que o homem não apprende esta lição dos entes,
cujos destinos são tão inferiores aos seus?!...” (PINHEIRO, 1908, p.1). Conforme esse
argumento, que não deixa de ser antropocêntrico, Andrade Pinheiro colocou os humanos em
condição vergonhosa no aprendizado edificante que se deve tomar junto aos animais98.
Segundo Minois (1998, p. 394), a associação entre o aumento das taxas de suicídio e o
progresso da civilização se tornou perceptível na metade do século XIX, com a obra De
l’influence de la civilisation sur le suicide (1855), de Brière de Boismont. A representação
segunda a qual o processo civilizatório trouxe, em seu bojo, sua parcela de irracionalidade –
mediante a proliferação dos vícios, ou a tolerância para com o suicídio –, verifica-se em obras
médicas brasileiras ainda na década de 1930. No Ceará, Seraine (1936, p. 15), considerou que,
com base em estatísticas e outros estudos, “as classes mais ilustradas e os povos mais cultos
contribuem com maior soma á morte voluntaria (...) a propria civilização é apontada como
determinante do fenomeno”. Por outro lado, denunciando a oferta dos vícios (como o álcool)
e a vida estressante nos populosos centros urbanos, a classe proletária também seria outra
vítima desse “Molóque autocída” (SERAINE, 1936, p. 17).
Essa face moderna do suicídio é tratada com fina ironia em uma das passagens de O
Martello, semanário de Belém, na sua edição de 20 de julho de 1913. Tratando da sensação de
“delírio de progredimento” que tomara de assalto a cidade, o articulista enumera os
acontecimentos que, recorrentemente, são postos à vista pública diariamente, nessa ordem:
“assassinatos, suicidios, gatunagens, esmagamentos por automoveis, defloramentos etc”
(HEBDOMADARIAS, 1913). Aqui, o recurso ao discurso irônico – dentre as suas várias
possibilidades semânticas – teve o efeito de desconstruir aquela mítica idealização de Belém
“como uma cidade ordenada e sem problemas”, ao expor as contrapartidas de seu processo de
urbanização (DIAS, 2007, p. 118). Certamente também desconcertara o leitor da época, na
medida em que desmascarou o seu próprio “mundo como uma ambiguidade” (KUNDERA,
1986, p. 134 apud HUTCHEON, 2000, p. 33)99. Assim, O Martello apresentou as práticas de
suicídio, juntamente com a própria proliferação de jornais e de revistas, ao lado das
construções de arquiteturas modernas e dos meetings a fervilhar em espaços públicos, como
elemento medidor do grau de civilização a que chegara Belém, como capital brasileira que
aspirava à modernidade.
98
Diferente das percepções tomadas na modernidade clássica inglesa, identificadas por Thomas (1988, p. 46),
nos artigos de Andrade Pinheiro o suicídio não foi representado como bestializado, mas como resultado da
corrupção do instinto de que seriam dotadas, naturalmente, todas as criaturas.
99
Hutcheon (2000) analisa como o texto irônico pode, ou não, ser usado como arma, já que dispõe de um caráter
próprio transideológico.
81
100
Robert Louis Stevenson (1850-1894), escritor escocês, autor de obras célebres, muitas voltadas para o público
infanto-juvenil, como A ilha do tesouro e O médico e o monstro (O estranho caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde).
101
Do inglês: “[I have contracted for a piece of ground near the Foundling-hospital, and procured credit with a
builder to erect] convenient apartments [for the reception of all such of the nobility, gentry, and others, as are
tired of life]”.
102
Do original inglês: “The receptacle for suicides.”.
103
Na edição portuguesa de História do Suicídio (1998), de Georges Minois, atribuiu-se a autoria das partes ora
transcritas a Edward Moore, no jornal World de 16 de setembro de 1756. Porém, checando a cópia
digitalizada da edição compilada (1823) do original, observa-se que o autor assina como John Anthony
Tristman, no World de 9 de setembro de 1756.
82
104
No ensaio sobre a representação da produção poética de Baudelaire – em Die Moderne –, Benjamin
descortina ao leitor a sua ideia sobre o sentido da modernidade.
83
citadino, que perpassaria ainda o século XX, Benjamin sugere a proeminência simbólica das
cores preta e cinza, a circular visualmente pelas vias públicas das cidades naquela virada de
séculos. Cores essas estampadas na “roupa do desespero” a homogeinizar a moda burguesa
dos ternos e das sobrecasacas (BENJAMIN, 1975, p. 14). Ainda nesse sentido, parafraseando
Pastoureau (1997), o preto e o cinza se constituíram nas cores preferenciais para representar
as vestes cotidianas dos habitantes das grandes cidades105, tal como presente no anúncio das
Casas Leão da América (Imagem 9, de f.77).
Aliás, é uma característica moderna, nas representações sobre o suicídio, sua acentuada
associação aos espaços urbanos, ao individualismo e, por assim dizer, à solidão. Porém, acima
de tudo, os espaços urbanos são compreendidos como locais em que “se produz a loucura
pública dos tempos modernos”106 (BROWN, 2001, p. 164, tradução nossa). Nas análises
desenvolvidas por Minois (1998, p. 233), constatou-se que “a maioria dos exemplos [de casos
de suicídios] relatados pelos jornais são urbanos”, na medida em que, nas cidades,
aglutinaram-se os elementos que favoreceram a desestruturação das “tradicionais formas de
solidariedade” e a constituição de um modelo nuclear de família. Ainda para Brown (2001, p.
163-164, tradução nossa), as iconografias do final do século XIX representam as cidades
como “um espaço caracterizado pela loucura” ou como a “própria loucura em si”, tal qual se
observa na tela O grito (1895), do pintor norueguês Edward Munch, como expressão máxima
“da personificação seminal da ansiedade, em uma ponte da qual se atiravam os suicidas”107.
Muitas foram as notícias publicadas nos jornais belenenses sobre os suicídios ocorridos,
especificamente, nos limites da capital paraense naquela virada do século XIX para o XX.
Pela amostragem relativa aos anos iniciais do século XX108, pode-se contar em torno de
105
Segundo Pastoureau (1997, p. 141), a cor preta é ambígua em relação aos significados que lhe são atribuídos
na cultura ocidental, pois ao mesmo tempo em que pode evocar a ideia de melancolia, de tristeza, ou mesma
da morte em si; pode também ser eleita a cor, por excelência, da modernidade, por emprestar ares de
refinamento e de elegância naquilo que cobre.
106
Do espanhol: “[la ciudad] donde se produce la locura pública de los tiempos modernos”.
107
Do espanhol: “personificación espermática de la ansiedad, en un puente desde el que se solían tirar los
suicidas”.
108
Para efeito dos números e das médias percentuais anuais, correspondentes aos anos iniciais do século XX,
conforme serão demonstradas ao longo deste Capítulo, tomaram-se por base as notícias sobre suicídios
ocorridos em Belém, publicadas na Folha do Norte para os anos completos de 1900, 1901, 1903, 1905 e
1907.
84
noventa e sete os casos noticiados, entre tentativas e atos consumados. Nessa relação de
suicidas estão presentes os habitantes da cidade e aqueles que nela estavam de passagem. Tais
suicidas pertenciam aos mais variados segmentos sociais: do juiz togado ao preso custodiado
da Justiça; de esposas de altos representantes da sociedade às prostitutas. Na estatística
divulgada por A Provincia do Pará de 23 de março de 1899, na coluna De toda a parte, sobre
o número de suicídios nos Estados Unidos da América em 1898, identificaram-se suicidas
pertencentes às variadas classes, entre homens e mulheres: médicos, banqueiros, jornalistas,
advogados, artistas e até em pastores. Mais que divulgar peculiaridades de outro país, nota-se
a intenção de informar que a assimilação da prática do suicídio estava “em toda a parte”.
Na dimensão da economia da borracha, até seus atores principais, seringueiros e
seringalistas, cometiam suicídios. Em alguns desses casos, percebem-se histórias pessoais
marcadas por dificuldades de vida, ou mesmo de adaptação às condições naturais da floresta,
no sentido de que não apenas o espaço da cidade abrigava as práticas suicidas. Sobretudo,
tratava-se de pôr termo a existências marcadas pelo signo da desilusão, de qualquer sorte,
diretamente ou não ligadas à sedução da prosperidade rápida pela extração da goma elástica.
Segundo Wolff (1999, p. 195), a violência, em si, atingia todos os níveis de relações sociais
nas áreas extrativistas de seringais nos rincões do Acre. Utilizada como “linguagem”
reconhecida nesse ambiente, essa violência marcou o cotidiano das relações entre seringalistas
e seringueiros, sendo utilizada por ambos os lados. Desse modo, reconhece-se o “suicídio
honroso” como um dos recursos empregados por seringueiros, com o sentido de libertação da
exploração sofrida, quando não podiam fugir das áreas de seringais para a floresta (WOLFF,
1999, p. 206).
Mesmo que tais dramas ocorressem fora do espaço urbano e com relativa distância da
capital paraense, chegavam ao conhecimento dos habitantes da cidade pelas publicações nos
jornais. Somente no primeiro semestre de 1908, a Folha do Norte noticiou cerca de quatro
casos – alguns em notas rápidas – sobre engenheiros, ou homens doentes de malária, que se
lançam ao rio, na altura do Madeira-Mamoré (no atual Estado de Rondônia), ou ainda sobre o
imigrante, de origem síria, Francisco Dib Haddad, que se mata com tiro de revólver em um
quarto de hotel em Xapuri, no Acre (A “MADEIRA-MAMORÉ”..., 1908; NO DELIRIO...,
1908; [SUICIDIO de um engenheiro...], 1908; [SUICIDIO de um syrio...], 1908). Por outras
vezes, um seringueiro se matava na própria Belém, o que ganhava certo destaque na imprensa.
85
109
Isaac Belichá fora o mesmo suicida, cujas circunstâncias da morte foram escamoteadas no relatório da
Diretoria do Serviço Sanitário estadual (na relação dos exames cadavéricos), presente no Boletim Mensal de
Estatística demographo-sanitaria da cidade de Belém, de março de 1908, citado no capítulo anterior.
86
pois que desgosto mais nenhum possuia”. Do mesmo modo, o advogado Laudelino Baptista,
amigo do suicida, reforçou a ideia de que causas externas concorreram exclusivamente para a
ocorrência do suicídio de Hamilton Ferro, precisamente os negócios comerciais mal-
sucedidos, em contraposição à harmonia do lar: “só motivos commerciaes de caracter
summariamente grave leval-o-hia a pratica do acto que commetteo” (PARÁ, 1903b, f. 6-8).
Em algumas notícias publicadas nos jornais, a própria existência de dificuldades
financeiras já era indicativo da ocorrência de suicídio, quando havia dúvidas a respeito da
verdadeira natureza da morte. Em 24 de janeiro de 1911, a Folha do Norte noticiou a morte
do imigrante português Manoel Valente, encontrado esmagado sobre os trilhos do trem. Dada
as circunstâncias misteriosas em que ocorreu o fato, a declaração prestada por um dos
conhecidos do morto foi a de que o mesmo “andava muito apprehensivo, por motivo de
embaraços nos seus negocios”, motivo suficiente para atribuir, como proposital, a morte de
Manoel Valente (MORTE..., 1911, p. 1). Cinco anos depois, o Estado do Pará de 20 de
fevereiro de 1916 dava a notícia do suicídio do pintor e decorador português Francisco da
Rocha Branco. Por se encontrar desempregado e sem condições de se manter com a
companheira Minervina de Oliveira, Rocha Branco disparou um tiro de revólver no ouvido,
em um dos quartos de aluguel em que residia à travessa de Santo Antônio, esquina com a rua
Paes de Carvalho (MATA-SE..., 1916, p. 4).
Segundo Minois (1998, p. 134) os motivos sócio-econômicos avançaram nas alegações
para os suicídios, na mesma medida da “escalada do capitalismo”, pois a própria essência do
sistema capitalista – que se pauta no individualismo, no risco e na concorrência –, acirrou os
sentimentos do homem moderno de vulnerabilidade e de fragilidade. Algumas representações
locais sobre os suicídios ligados a dificuldades econômicas chegavam a se circunscrever ao
universo masculino dos negócios e das ruas, o que não se diferenciava das ocidentais típicas
do século XIX, e que podem ser analisadas pela categoria de gênero: “o suicídio masculino
está relacionado com problemas econômicos e o feminino, com desenganos amorosos”
(BROWN, 2001, p. 160, tradução nossa)110.
Entretanto as notícias de jornais também demonstravam que os suicídios por questões
financeiras não eram apenas praticados por homens. Invertendo a lógica dos papéis de gênero
esperados, houve mulheres que procuraram se suicidar em função de se encontrarem em
situação financeira ruim. Entretanto, nesses casos, tratava-se de mulheres que eram
110
Do espanhol: “el suicidio masculino está relacionado con problemas económicos y el femenino con
desengaños amorosos”.
87
consideradas à margem da sociedade. Consuelo Alves das Flores tentara se matar, ingerindo
verde-Paris, conforme notícia da Folha do Norte de 29 de outubro de 1914. Havia deixado, há
poucos meses, o marido no Ceará e partira para Belém com “um individuo que a seduzira”.
Consuelo Flores passou a morar na rua Riachuelo, entre as travessas 1º de Março e 15 de
Agosto, à época já conhecido centro de meretrício (mesmo no centro da cidade). Abandonada
pelo novo amante, e passando “a viver uma vida cheia de privações”, a suicida foi retratada
como alguém guiada em um mundo essencialmente masculino: sem o amparo de nenhum
provedor, restou-lhe “um sentimento de tedio á vida” e a vontade de morrer (TENTATIVA...,
1914, p. 2). Apenas quatro dias após, o mesmo jornal noticiou, em 2 de novembro de 1914,
outro caso de tentativa de suicídio, embora com toques mais trágicos: o da prostituta Nila
Fabble. Moradora à travessa 1º de Março, portanto às proximidades da casa de Consuelo
Flores, Nila Fabble se mostrava cansada da exploração de seu “caften”, por sinal ex-
funcionário do consulado inglês em Belém. Pelo que foi noticiado, os “effeitos da crise”
também se faziam sentir no meio em que vivia a suicida, pois “Nila, de ha muito, vem
luctando com serias difficuldades para manter-se”. Desse modo, procurou se suicidar, ateando
fogo às suas roupas, valendo-se de “uma garrafa de petroleo” (EFFEITOS..., 1914, p. 2).
Minois (1998, p. 135) também observou outra característica do suicídio moderno, que
vem a ser a diversidade quanto aos motivos alegados: “o suicídio-chantagem, o suicídio
simulado, o suicídio-vingança, o suicídio-instrumento de astúcia”. Na Belém da virada do
século XIX para o XX, as causas de suicídio iam além da insolvência de dívidas ou da quebra
nos negócios. Na publicação d’A Provincia do Pará de 23 de março de 1899 (sobre as taxas
de suicídio nos Estados Unidos da América em 1898), elencaram-se alguns dos motivos que
levariam às pessoas a pensar em suicídio, e que não deixou de retratar a percepção local de
então. Além da miséria, figuravam a loucura, os amores não correspondidos, e até o próprio
“aborrecimento da vida” (ESTATÍSTICA..., 1899, p. 1). Esta última causa não se tratava de
fenômeno propriamente moderno, pois já se notava o desgosto pela vida como o suicídio
filosófico, verificado na antiguidade clássica com o questionamento sobre a validade no viver,
depois revalorizado pelos debates iluministas sobre o direito individual de dispor da própria
vida, no século XVIII (MINOIS, 1998).
Entretanto, como bem pondera Andrés (2003, p. 300-301, tradução nossa), a própria
descriminalização do suicídio foi, de certo modo, alcançada por meio de uma perspectiva
médica ao longo do século XIX: “foi a Medicina que justificou, com argumentos errôneos ou
não, o ato de acabar com a vida sob o pretexto da loucura ou de qualquer transtorno
88
mental”111. Assim, independente dos motivos que podiam ser alegados por testemunhas, pelas
autoridades policiais ou pelas notas dos repórteres, geralmente, ao final, as considerações
acerca dos suicidas recaia no nível da alienação mental. De acordo com os termos
qualificativos empregados nas respectivas notícias, tresloucados foram tanto o pintor
desempregado Rocha Branco, a cearense Consuelo Flores que abandonou o seu lar, como a
“horizontal” Nila Fabble, cansada de ser explorada (EFFEITOS..., 1914; MATA-SE..., 1916;
TENTATIVA..., 1914). Assim, observa-se que, na atribuição das causas desses suicídios, em
muito contribuíram as condições sociais dos suicidas, ou os papéis sociais que eles
desempenharam. Assim, levaram-se às narrativas sobre os suicídios as mesmas demarcações
sociais existentes no mundo dos viventes, do mesmo modo que se estabeleceram
diferenciações simbólicas entre os motivos alegados para se suicidar, sendo que “as causas
[consideradas] vulgares do suicídio nas classes médias e inferiores estão essencialmente
ligadas às vicissitudes de uma vida quotidiana bastante rude e implacável.” (MINOIS, 1998,
p. 355).
111
Do espanhol: “[...] fue la Medicina la que justificó, com argumentos erróneos o no, al que se quita la vida, so
pretexto dae locura o de cualquier trastorno mental”.
89
São Braz, n.78, o mesmo local que constava dos anúncios publicados nos jornais, oferecendo
os serviços prestados pelo médico, como publicado na Folha do Norte de 10 de julho de 1915,
segundo apresentado pela Imagem 10.
O caso de Raymundo Faria é interessante para identificar, nos jornais de Belém do
início do século XX, que as atitudes da sociedade belenense perante a morte voluntária
também se relacionavam à condição social do suicida mantida em vida. Diferente de suicidas
como David Pereira Barros – que a 4 de dezembro de 1905 matara-se com um tiro de
espingarda –, o médico não era, como este, “um desses obscuros filhos do povo que
conseguem, no trabalho, a dura codea de cada dia” (ACTO..., 1905, p. 1). A partir dessa
diferenciação social, estabeleceram-se as demarcações para construir as suas imagens
enquanto suicidas, e as representações de seus próprios suicídios pelos jornais. Não obstante o
suicídio de Raymundo Faria ter sido atribuído à existência de uma doença incurável – pelo
qual o médico havia, inclusive, premeditado o ato suicida –, em nenhum momento o suicídio
por ele praticado foi tratado no nível das discussões sobre as patologias mentais. Pelo
contrário, termos como “fatalidade” e “infortúnio” pontuaram a descrição da morte de
Raymundo Faria, conforme se pode observar a seguir, pelo impresso na Folha do Norte de 2
de julho de 1918:
Nessas notas, observa-se mesmo a recuperação de um princípio platônico, pelo qual não
se poderia reprovar o suicídio motivado pelo fato de o suicida sofrer de “doença bem dolorosa
e incurável” (MINOIS, 1998, p. 63). Nem o fato de Raymundo Faria ter morrido solteiro aos
46 anos foi cogitado como causa estimulante ao seu suicídio112. Valorizaram-se a sua
condição de filho legítimo de Agostinho Ignacio de Faria e de Senhorinha Maria da
Conceição Faria; de ter defendido brilhantemente sua tese de doutoramento na Alemanha; e,
especialmente, de ter sido membro da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará, e membro
112
Guimarães (2004, f. 85-86) citou trecho selecionado do Anuário Estatístico de Seção de Demografia (1904),
do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, em que se evidencia a representação que associava a instituição
do casamento – em oposição ao celibato e à viuvez – com a prevenção da loucura e do suicídio, tanto para os
homens como para as mulheres.
90
honorário do Supremo Conselho Geral da Ordem Maçônica do Brazil, além de outros títulos e
passagens por lojas maçônicas da Capital.
Enquanto a notícia da morte do médico foi encimada pelo título alusivo apenas ao
nome famoso do suicida – Dr. Raymundo Faria –, a que tratou do suicídio de David Barros
foi intitulada Acto de Loucura. E como louco, além de “desgraçado”, David foi representado.
Com 44 anos, vivendo da profissão de fogueteiro, amasiado com Maria do Ó (mas solteiro
civilmente), e pai de dois filhos menores de idade, David também premeditara o ato. O modo
como engatilhara a espingarda e a fez detonar “com o auxílio de um dos dedos do pé direito”,
demonstrou certo cálculo e meticulosidade em ritualizar o suicídio. Segundo a notícia
divulgada de sua morte, “o desventurado vivia dominado por uma profunda tristeza ficando
longo tempo pensativo e alliciado de tudo que o cercava”, além de frisar que o suicida estivera
internado no “asylo de alienados” em duas ocasiões anteriores e que, momentos antes de se
matar, demonstrava estar “num dos seus habituaes momentos de alteração mental” (ACTO...,
1905, p.1). Na ocorrência policial datada de 4 para 5 de dezembro de 1905, Virgilio da
Fonseca – proprietário da casa em que David Barros morava –, declarou que apenas
“difficuldades monetarias” teriam sido a causa do dito suicídio (PARÁ, 1905, v.57, f. 59).
Embora a alegação de insanidade mental, em momentos diversos da história do suicídio
no Ocidente, tenha sido reivindicada como estratégia para desculpabilizar o suicida, também
contribuiu para retirar do ato suicida qualquer valor de heroicidade. O que depois levou a
diferentes conformações da memória construída acerca desses dois suicidas: enquanto o nome
de David Pereira Barros restou grafado entre as inúmeras ocorrências policiais depositadas no
Arquivo Público do Estado do Pará, o de Raymundo Faria foi motivo de menção em sessão
ordinária da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará, decorridos apenas sete meses de sua morte.
Nesse último caso, para a construção da memória sobre o médico a partir da mais ressaltada
de suas qualidades, como homem das ciências: o seu gosto pelo conhecimento. Em fins de
janeiro de 1919, publicou-se, no Estado do Pará, que “o dr. Caribé da Rocha apresentou o
alvitre de compra, por parte da sociedade [Médico-Cirúrgica], da bibliotheca que pertenceu ao
dr.Raymundo Faria” (SOCIEDADE..., 1919, p. 1).
Esse não foi o único caso verificado nos jornais de Belém na virada do século XIX para
o XX, na tentativa de consagrar a memória de um suicida. Em primeira página da Folha do
Norte de 1º de outubro de 1901, publicou-se o artigo intitulado Manoel Ferreira Vasques.
Nesse caso, tratou-se de celebrizar uma efeméride peculiar e restrita: os dez anos do suicídio
do comerciante Manoel Ferreira Vasques. Descrito como “um perfeito intellectual”, Vasques,
que também pertencera à maçonaria, foi colaborador na imprensa belenense, além de
91
proprietário da firma M. F. Vasques & C.ª. É curioso observar que o ponto central do referido
artigo foi justamente o relato visualizante do suicídio de Manoel Vasques, valorizado
positivamente como um episódio marcante, em que não se observa uma palavra de
condenação ao ato por ele praticado. Pelo contrário, desde a descrição de cada gesto
empregado no ato do suicídio até às últimas palavras atribuídas ao suicida – “Os valentes que
me chamem covarde” –, construiu-se a imagem de Manoel Vasques como a do héroi que
sucumbe: “Cahira de costas, em frente de um grande espelho, diante do qual se collocara a
fim de melhor apontar para a região em que se queria ferir” (MANOEL..., 1901, p. 1). O
antigo comerciante se matara com dois tiros de arma de fogo.
Essa demarcação estabelecida em função da categoria social a que pertencia o suicida
não estava isenta, ela própria, das tensões e das intenções correspondentes ao tabu secular
imposto à prática do suicídio. Nos espaços próprios da diagramação dos jornais belenenses na
década de 1910, destinados à exposição dos acontecimentos ligados às personalidades e às
famílias abastadas da cidade – em uma espécie de protocolunismo social –, a mínima alusão
ao suicídio era interdita e literalmente colocada à margem. Sob o título Os que se matam, foi
divulgado o suicídio de Maria Vasconcelos Nogueira Lima aos 27 anos, exatamente ao lado
da coluna Dia Social, na segunda página do Estado do Pará de 31 de janeiro de 1913. Casada
com o oficial da marinha mercante Antonio Nogueira Lima, e cunhada do professor de
desenho do Instituto Lauro Sodré, Leonel Lima, Maria Lima ingeriu três pastilhas de
sublimado corrosivo. Um dos aspectos salientados por essa notícia foi o fato de o suicídio ter
ocorrido nos fundos “daquelle estabelecimento de ensino profissional, no Marco da Legua”
(OS QUE SE MATAM..., 1913, p. 2). Tratava-se do mesmo Instituto Lauro Sodré que
aparecera retratado no número especial da Revista da Semana do Jornal do Brasil (de 20 de
setembro de 1908), como símbolo do investimento governamental para o progresso de Belém
na área da educação. Na edição do dia seguinte, dentro da própria Dia Social, publicou-se
pequena nota sobre o sepultamento da suicida Maria Lima, enfatizando tão somente a sua
ligação com a alta sociedade local, silenciando-se sobre as circunstâncias em que se deu seu
óbito, conforme transcrição a seguir:
Decorridos exatos três anos desse episódio, situação semelhante ocorreu com o
conhecido livreiro Eduardo A. Fernandes, proprietário da Livraria Alfacinha113, situada na rua
Conselheiro João Alfredo, a “rua das livrarias”, próximo ao velho largo das Mercês (que fora
ajardinado na Intendência de Lemos), então o centro comercial da cidade (MACHADO, 2008,
p. 84). Popularizado “entre os homens de lettras e de estudo” pela alcunha de “Alfacinha”,
Eduardo Fernandes se lançou ao oceano Atlântico, estando a bordo do paquete Antony com
destino a Lisboa, Portugal, em janeiro de 1916 (O “ALFACINHA”, 1916, p. 1). A notícia,
que trouxe a público o seu suicídio, enfatizou o caráter empreendedor do morto, com o qual
elevou à fama ao seu estabelecimento comercial entre o meio intelectual da cidade.
113
Segundo Victorino Miranda (1996, p. 12), a Alfacinha era uma das grandes livrarias de Belém, ao lado da
Tavares Cardoso (Livraria Universal), e da Bittencourt, tendo nelas “o que de melhor se publicava na
Europa”.
93
114
A coluna Vida Mundana substituiu a Dia Social, no jornal Estado do Pará. O pseudônimo Sonia, com que se
assinava a coluna, reforçava a representação de que o espaço, destinado à divulgação dos acontecimentos
ligados à alta sociedade belenense, seria espaço próprio do feminino.
115
Édouard Manet (1832-1883), pintor francês que quebrou com algumas das convenções academicistas da
pintura, estabelecendo novas possibilidades estéticas, com o movimento impressionista em França, em que as
cores se sobrepunham, em grau de importância, ao desenho das formas (GOMBRICH, 1999). A tela Le
Suicidé, produzida em pequenas dimensões e nos últimos anos de vida do próprio Manet, representa o
suicídio de um “anônimo dândy”, cuja real identidade ainda intriga os especialistas (PARADIS, 2005). Para a
crítica de arte, Le Suicidé representa uma obra marginal, algo atípico no universo das demais produções de
Manet, pela “brutalidade gráfica” com que evoca a loucura e a desolação (PARADIS, 2005).
116
Do espanhol: “estudio del ‘hombre’ como ser físico, intelectual y social más que espiritual”.
94
1891 (TENTATIVA..., 1891). O português Américo Gomes Soeiro, após ter almoçado,
precipitadamente subiu aos seus aposentos e lá “desfechou um tiro sobre o parietal direito,
cahindo desamparadamente no meio do quarto, banhado em sangue”. O local do suicídio de
Américo Soeiro se situava no andar superior ao estabelecimento comercial em que o próprio
suicida trabalhava (e que pertencia a sua família), situado à rua João Alfredo, no centro
comercial da Capital, que logo foi invadido por “enorme massa de povo [...] attrahido pela
rapida divulgação do facto”117 (UM ACTO..., 1905, p. 1).
O comerciante português João Pereira Tavares (citado no capítulo anterior), por sua vez,
procurou dar cabo à existência em seu próprio escritório à travessa 7 de Setembro, também no
centro comercial de Belém. Por sinal, foi neste local em que se conservara guardado, por
anos, o vidro com a estricnina da qual se serviu depois. Apesar de ter escolhido o local de
trabalho para morrer – considerando que esse suicídio foi justificado por problemas
financeiros que, assim, ligava-se ao mundo público dos negócios – João Tavares ainda teve
forças para fazer o curto trajeto entre o escritório e sua residência, no largo de São João para
lá morrer abraçado à sua família, composta nuclearmente pela esposa e pelos filhos (OS QUE
SE MATAM..., 1908a).
O espaço da casa, local privilegiado do exercício da intimidade, não sem razão parecia
propício à ritualização do ato suicida, na medida em que quem o praticava o revestia de
cuidados. É interessante observar que, na divulgação do suicídio do espanhol Saforcada, a 13
de julho de 1900, o noticiarista da Folha do Norte registrou o zelo que o suicida devia ter
pensado para com o seu próprio corpo após sua morte, posto que “matou-se deitado, para
evitar, naturalmente, a quéda do côrpo” (UM DESGRAÇADO..., 1900, p. 2).
Do mesmo modo, a ritualização do suicídio podia servir a que o suicida atribuísse
significados para a sua morte, mesmo que perceptíveis apenas a si próprio. No depoimento
prestado pela viúva de Hamilton de Moura Ferro às autoridades policiais em 27 de novembro
de 1903, ela informara que, na noite em que o marido havia se suicidado com a ingestão de
ácido fênico, encontrara-o a passear, calmamente, na puxada da casa, “de onde lhe perguntou
se queria tomar um calise [sic] de vinho do Porto”. O fato de a mulher ter recusado a bebida,
já que “lhe faria mal”, sugere que não se tratava de um hábito cotidiano partilhado entre o
casal. Ao final, uma das filhas do casal acabou por partilhar com seu pai o vinho oferecido.
Horas depois, os moradores da casa foram acordados na madrugada com os gemidos do
117
Segundo Cancela (2008, p. 81) , nos espaços ainda nobres na cartografia da cidade no final do século XIX,
como o centro comercial, poder-se-iam encontrar indivíduos ou famílias inteiras, de relativa condição
econômica, morando em “hóteis, sobrados e no alto das lojas”.
97
Os suicídios praticados nos espaços dos quartos dos cortiços e das estâncias, por sua
vez, podiam não despertar tanto sentimento de compaixão por parte dos demais moradores.
Segundo Sevcenko (2004, p. 30), o “gozo da privacidade” ainda não era assegurado para todo
espaço privado, não estando ao alcance da grande parte da população que morava nas
habitações coletivas. Pelas notícias de suicídio publicadas nos jornais belenenses, em
ambientes de vida mais comunitária, a quebra dos laços de solidariedade interna, causada pela
vontade de alguém em se matar, podia despertar os sentimentos mais hostis. O imigrante
português Antonio Marques, morador de um dos quartos do cortiço localizado à rua
arcypreste Manoel Teodoro, tentou se enforcar uma vez que não era correspondido pela
“preta” Apollinaria. Ambos habitavam naquilo que o articulista da Folha do Norte de 26 de
abril de 1900 associou a uma “colméia”, dado o frenesi de movimentação de pessoas e a
98
disposição e as dimensões dos quartos que serviam de habitação. Como o suicida havia
apenas deixado a porta de seu quarto encostada, Felismina, outra moradora do local, atraída
pelo ruído que de dentro saía, resolveu empurrar a porta, e eis que “o espectaculo que se lhe
deparou deixou-a estarrecida [...]. O ar apatetado com que ella ficou na porta attrahiu os
outros habitantes do cortiço, que acudiram a ver o que era”. Estes não perdoaram o ato do
suicida: “todo o cortiço quis metter-lhe o páo, de raiva”; logo após ter sido salvo do
estrangulamento por sua vizinha curiosa (MAL..., 1900, p. 2).
Havia também outro espaço propício à prática do suicídio na Belém em fins do século
XIX e início do XX: os quartos de hotéis e de pensões. Apesar da movimentação de pessoas
nos corredores, nos seus interiores havia a privacidade necessária tanto para premeditar o ato
suicida como para praticá-lo. Na publicação da Folha do Norte de 29 de abril de 1907, sobre a
existência de um Instituto de Suicidio em Nova York, a citação, a seguir, evidencia a força
que os quartos de hotéis exerciam sobre certo imaginário do suicídio no início do século XX:
118
Atualmente, trata-se da rua Gaspar Vianna, no centro comercial de Belém, paralela ao boulevard Castilho
França.
99
Alarmaram-se os demais hóspedes que, “espantados, correram todos para aquelle sitio e ahi
chegando, arrombando a porta, viram Geehns empunhando um revólver na direcção da bôcca.
Nova detonação, e Geehns cahiu por terra banhado em sangue.” (OS QUE SE MATAM, 1901, p.
2). O seringueiro Isaac Belichá se matou em um dos quartos do Universal Hotel no centro
comercial de Belém, havendo rebuliço entre os que se encontravam lá hospedados, em virtude
do barulho provocado pela detonação da arma de fogo com que o suicida se matou (OS
VENCIDOS..., 1908).
A partir da utilização dos recursos da fotografia na construção da notícia pelos jornais –
verificada mais regularmente na imprensa belenense a partir da década de 1910 –, refinaram-
se as representações dos suicídios já originalmente construídas a partir das narrativas em fait
divers. Agora, o grande público poderia observar as imagens de cadáveres de suicidas em
primeira página. Segundo Brown (2001, p. 172-175), os primeiros usos da linguagem
fotográfica, em relação aos tradicionais relatos de suicídios nos jornais, podiam ter tirado o
próprio “valor do suicídio como notícia”, já que as fotografias de cadáveres de suicidas
resultavam, por demais, “chocantes”. Por outro lado, as imagens de suicidas também podiam
despertar qualquer ideia de ausência de virilidade, de falta de masculinidade 119, no sentido
mesmo daqueles que foram derrotados em vida, o que, ficando no âmbito apenas do “outro”
que se mata, confortaria o leitor atraído pela sua visualização.
O que se observa nos jornais belenenses que mais publicavam imagens de suicidas na
década de 1910 – como o Estado do Pará e A Província do Pará –, é que esses suicidas eram
retratados quando estavam vivos, tal como aquele clichê do livreiro Alfacinha (em pose de
estúdio), publicado no Estado do Pará de 25 de janeiro de 1916, ou em ângulos que não
permitiam a visualização dos corpos como objetos grotescos. O mesmo periódico estampara
anos antes, na primeira página da edição de 5 de junho de 1913, o clichê relativo aos corpos
dos suicidas portugueses Antônio Pinto de Mesquita e Berllamina Corrêa de Castro e Silva,
conforme Imagem 13. Nele, a iconografia substituiu o texto, quase por completo, para
descrever o duplo suicídio desse casal de amantes concretizado no quartel do 6º Regimento da
Infantaria do Porto, Portugal.
Na imagem dessa “photographia mostrando a posição em que os mesmos [os suicidas]
foram encontrados” (NO PORTO..., 1913, p. 1), pode-se analisar os corpos dos dois suicidas
sob a perspectiva da representação de gênero. A forma como eles se encontram distribuídos,
119
Brown (2001) analisa a iconografia produzida sobre o suicídio no século XIX, especialmente na perspectiva
de gênero, e de suas representações como ato vinculado ao feminino, ligado à fluidez das paixões e pouco
racional.
100
Os ambientes internos eram comumente relacionados a espaços que serviam “de teatro
à tragedia” (O MYSTERIO..., 1908, p. 893), termos geralmente utilizados nas notícias do
gênero. Nessa perspectiva, a cama aparece como ponto central de referência na cena descrita
ou retratada. Como símbolo da evocação do sono, ou do próprio leito de morte, a presença
desse mobiliário emprestava certa dignidade ao ato suicida. No entanto, nas notícias sobre
suicídios publicadas nos jornais belenenses no início do século XX, pode-se observar outro
elemento bastante usual na vida doméstica em uma cidade amazônica: a rede de dormir. Nela
101
foi encontrado o cadáver do espanhol Saforcada, com “as pernas e os braços pendentes e a
cabeça derreada um lado, quase pendente também” (UM DESGRAÇADO..., 1900, p. 2). Em
outro caso, uma mulher, tão misteriosa quanto incerto o seu verdadeiro nome, adentrou à casa
de Maria Felippa, na rua do Bailique, e desferiu vários golpes em seu próprio pescoço, o que
provocou sua morte na rede armada em um dos cômodos (DESESPERO..., 1905, p. 1).
Outros ambientes fechados, no entanto, eram representados como desprovidos de
dignidade, mesmo porque se representava o suicídio como expiação de culpa. Em uma cela
simples da estação de segurança pública localizada à rua de São Matheus 120, foi encontrado,
após a hora do almoço de 28 de janeiro de 1902, o corpo de Braz Pereira da Silva, suspenso,
pelo pescoço, por uma ceroula amarrada às grades da prisão, a modo de corda improvisada.
Preso há dois dias por acusação de assassinato de Ignez Gomes dos Santos – fato este já
motivo de notas de sensação em jornais como A Província do Pará – Braz Pereira se
encontrava na fase dos interrogatórios. O corpo frio do suicida comunicava à multidão que se
aglomerara à porta da cela toda a sua miserabilidade, estando quase suspenso, com os “pés já
rentes com o chão, ao que parece devido ao esticamento da ceroula” (PARÁ, 1902, não
paginado). Por fim, seu corpo foi retirado da posição em que se encontrava e estendido no
chão da cela, e ali exposto à curiosidade pública por um tempo, antes de ser transportado ao
necrotério, conforme noticiado por A Província do Pará de 29 de janeiro de 1902 (UM
CASO..., 1902).
Embora não muito frequentes, os suicídios também se davam em logradouros públicos
da cidade. Não se deve perder de vista a própria dimensão pública garantida pela visibilidade
dada aos os casos de suicídio nas notícias de sensação dos jornais belenenses na virada do
século XIX para o XX, que se “constituem formas e modos [peculiares] de exposição”
(JOSEPH, 1999, p. 13). Desse modo, os olhos dos leitores adentravam nos cômodos e nos
demais recantos da intimidade, sendo esta domiciliar ou não. Os suicídios cometidos em
locais públicos ganhavam outra dimensão, em razão do ordenamento imposto a esses espaços
em Belém, transformados por “uma nova concepção estética burguesa do urbano” (SARGES,
2002, p. 169). Na Folha de Norte de 18 de julho de 1900, a circunstanciada notícia do suicídio
de Orígenes Marques Coqueiro se inicia com a descrição detalhada do lugar em que o fato se
dera: um espaço público, então localizado em zona periférica da cidade. Nela, percebe-se que
o local ainda permanecia inalterado. Tratava-se de um espaço público sem urbanização,
apesar das reformas urbanísticas e sanitárias pelas quais a cidade vinha passando, como a
120
Atual travessa Padre Eutiquio, fazia a ligação entre o comércio e uma das zonas periféricas da cidade.
102
121
Termo tomado, por empréstimo, de Isaac Joseph. Para melhor compreensão da “filosofia da ação e da
linguagem comum”, empregados pelo autor na composição dos espaços públicos modernos, ver: JOSEPH,
Isaac. Paisagens urbanas, coisas públicas: Introdução. Tradução Regina Martins da Matta. Caderno CRH,
Salvador, n. 30/31, p. 11-40, jan./dez. 1999.
103
um suicídio. Assim, evidencia-se certa representação sobre a discrição, julgada esperada, para
a prática do ato suicida e que, provavelmente, também era requerida por Manoel Ribeiro de
Almeida. Esse português, de 28 anos de idade, casado e empregado no Hotel dos
Extrangeiros, “occultando-se numa mouta de arbustos” dos jardins da praça da República,
disparou contra si um tiro no ouvido direito, “cahindo no chao quase morto” na alvorada de
16 de janeiro de 1903 (SUICIDIO, 1903a, p. 1). Tendo sido encontrado por um guarda fiscal
que se encontrava de plantão naquela praça, Manoel Almeida não resistiu e morreu nas
escadarias da Santa Casa de Misericórdia, situação ideal para o desfecho de uma narrativa ao
estilo fait divers.
Quando o suicídio ocorria em locais públicos de grande visibilidade, estes chegavam a
requerer mais atenção que o próprio ato em si. Na Imagem 14 (montagem), o nome do
logradouro em que o suicida se matou ganhou destaque no título da própria notícia. José
Simões Pinto ingerira forte dose de verde-Paris “no parque Affonso Penna” na manhã de 16
de março de 1916 (NO PARQUE..., 1916, p. 2). O Parque Affonso Penna, por sinal, era a
nova denominação dada ao Largo da Independência em que Adelio tentara se suicidar122.
Situava-se em frente às sedes de dois poderes, o local (a Intendência Municipal) e o estadual
(o Palácio do Governo do Estado).
Fontes: No Parque Affonso Penna um popular suicida-se (1916, p. 2); Praça da Independência (Praça D. Pedro II)
(1996, p. 125)
122
Originalmente denominado de Largo do Palácio, o Parque Affonso Penna já fora também chamado de Largo
da Constituição e, depois, viria a ser a Praça da Independência (PARÁ, 1996, p. 124). Atualmente, atende
pelo nome de Praça Dom Pedro II, localizada no centro histórico da cidade, entre as docas do Ver-o-Peso e a
sede da Prefeitura Municipal de Belém e o antigo Palácio do Governo (atual Museu do Estado do Pará).
104
Conforme enfatiza o noticiarista, José Simões Pinto “vivia sempre a vagar pelas ruas
da cidade” e resolveu se recolher no próprio “edificio do palacete Municipal”, onde faleceu
sem elucidar ao público presente o motivo que o levara ao suicídio. No romance naturalista O
Missionário (1888), do paraense Inglez de Souza, o mesmo logradouro havia sido descrito
pelo seu espesso conjunto arbóreo: “Quase em frente ao Ver-o-Peso, [...] o velho casarão do
governo fechava a vasta praça verdejante” (SOUZA, [198-], p. 229). Possivelmente essas
características, ligadas à dimensão e à composição do local, tenham contribuído para que,
tanto José Pinto como Adelio de Mello, escolhessem o Parque Affonso Penna como cenário
ideal para seus suicídios. Na Imagem 14 (montagem), tem-se também a vista panorâmica
desse local (ainda com a denominação de Praça da Independência), tomada a partir de um dos
quartos do Hotel América, então localizado às proximidades: de um lado a outro, dois espaços
possíveis para se suicidar.
Dentro do ritualismo associado ao suicídio, a escolha do meio apropriado para dar fim à
própria vida reflete, em princípio, a personalidade de quem o pratica. Saber escolher o método
de suicídio que lhe seja próprio e, ao mesmo tempo, eficaz constitui uma das preocupações
maiores do suicida. Como se assinalou anteriormente, o comerciante João Pereira Tavares
guardara a estricnina – que depois ocasionou a sua morte em 1908 – em um cofre do seu
escritório por anos seguidos (OS QUE SE MATAM..., 1908). Os preparativos para o suicídio
podiam também ocorrer nos momentos imediatamente anteriores, como no caso de Maria
Epiphania do Amaral, que se matou com um tiro de revolver, na noite de 9 de julho de 1915.
Conforme a notícia que divulgou seu suicídio, este ocorreu após ela ter atentado contra a vida
do suposto amado. A moça havia comprado o revólver, do modelo Smith Wesson, no
comércio de Belém, na manhã do mesmo dia em que o utilizaria para efetuar os disparos
(DOLOROSO..., 1915). Em certos casos, o suicídio pode ter sido fruto de uma deliberação
precipitada, e de acordo com os recursos existentes no local (mesmo que parcos). Foi o caso
do preso Braz Pereira da Silva que, de sua própria ceroula, improvisou a corda com a qual se
enforcara na cela da prisão localizada a rua de São Matheus (UM CASO..., 1902).
Na virada do século XIX para o XX, os métodos utilizados para se cometer suicídio já
eram bem diversificados em relação aos recursos tradicionais. A partir do momento em que
novas tecnologias vinham sendo introduzidas para melhorar a vida dos vivos, os suicidas
105
percebiam novas formas de por em prática seu desejo de pôr fim à vida. Entretanto, ainda se
encontravam cristalizadas as figuras daqueles que: enforcavam-se, com as representações que
se sucederam a partir da passagem bíblica do arrependimento e morte de Judas Iscariotes 123;
golpeavam-se, com a espada ou o punhal, como os casos romanos de Catão e de Lucrécia124;
deixavam-se morrer pelo veneno da serpente, como a rainha egípcia Cleópatra; e ainda
lançavam-se de um penhasco, ou ao mar ou ao rio, como a shakesperiana Ofélia125. Desse
modo, observam-se as referências que ainda se faziam marcantes nos versos do poeta
piauiense Alcides Freitas126(2005), provavelmente escritos no início do século XX: “Onde um
recurso ao mal que me banha e transborda? / Minha dor é sem fim! Eu só tenho um remédio: /
O suicídio – uma bala... um punhal... uma corda!...”.
Além dessas referências clássicas, nas modernas representações do suicídio, passam a
coexistir as imagens daqueles que se colocavam sobre a linha férrea do trem; dos que se
precipitavam de altos edifícios; ou mesmo dos que experimentavam novas fórmulas de
tóxicos, como a morfina e a cocaína. Em relação a este último caso, é eloquente a descrição
resumida da fita muda O Sonho de Ópio, “empolgante trabalho da arrojada fabrica ‘Nordisk-
film’ de Copenhague”, cuja estreia se dera na casa de cinema Olympia, de Belém, a 19 de
junho de 1914. Nela, evidencia-se a preocupação com o advento das novas drogas: “são estes
os peiores vicios que levam as almas aos horripilantes crimes: é o opio, a morphina, a cocaina,
o ether, com que se viciam infelizes degenerados e que pelo abuso delles vêm a se tornar
criminosos, ou quando não, idiotas, loucos ou suicidas” ([CINEMA...], 1914, p. 4). Em suma,
123
O suicídio de Judas podia ser evocado por ocasião das celebrações anuais da Paixão de Cristo, como no artigo
A Consciência de Judas, publicado na Folha do Norte, de 21 de abril de 1905. Nele, fora representado como
libertação dos remorsos, expiação dos erros cometidos: “o esquecimento completo das torturas morais, a paz
absoluta do espírito e da matéria”. As referências utilizadas no seu enforcamento – a corda atada a um “ramo
de figueira brava” em uma estrada deserta – construíram a ambiência da solidão e do desespero (A
CONSCIENCIA..., 1905, p. 1).
124
O suicídio de Lucrécia – mulher da nobreza romana, que se apunhalou depois de ter sido violentada – foi
motivo de sucessivas representações na pintura ocidental do século XV. Nesse sentido, ver ANDRÉS,
Ramón. Historia del suicidio en Occidente. Barcelona: Ediciones Península, 2003. Segundo ainda Minois
(1998, p. 75) Lucrécia se tornara a referência de um suicídio à maneira clássica, em que “a aliança da beleza
do corpo feminino e do gesto de morte é uma das ambiguidades da nova era [o século XV da fase final
renascentista e do movimento protestante]”.
125
Personagem de Hamlet (1600), do dramaturgo William Shakespeare, ícone do teatro inglês do período
elisabetano (a virada dos séculos XVI e XVII). Ofélia se deixa afogar em um rio, sem que seja apresentado
um claro motivo ao leitor/espectador, a não ser por um “trágico desprezo” (MINOIS, 1998, p. 136) ou por
uma alegada “forma de loucura” (VENEU, 1994, p. 45-46). A temática do suicídio, aliás, mostra-se tão
frequente na obra do autor inglês – para Dapieve (2007, p. 79), “nas tragédias de Shakespeare, as pessoas se
suicidam de todas as formas e por todos os motivos” – e da própria dramaturgia inglesa, no geral, nesses
referidos anos elisabetanos, que se revela como uma espécie de catarse coletiva do público (MINOIS, 1998,
p. 140).
126
Alcides Freitas (1890-1912) nasceu em Teresina, Piauí. No mesmo ano de sua morte precoce, foi publicado
seu livro de poesias Alexandrinos (em parceria com o irmão Lucídio Freitas), e sua tese de doutorado em
fisiopsicopatologia, pela Faculdade de Medicina da Bahia (MIRANDA, A., 2005).
106
os meios encontrados para se dar à morte também evidenciam a sua própria disponibilização
no local em dado recorte temporal.
As estatísticas sociais, por outro lado, em muito colaboraram para o conhecimento de
novos métodos de suicídio. Nas tabelas presentes nos boletins de estatísticas demográficas e
sanitárias de Belém de 1905, os suicídios foram classificados em oito possíveis categorias dos
meios empregados de morte: por veneno; por asfixia; por estrangulamento, ou enforcamento;
por submersão; por armas de fogo; por instrumentos cortantes e perfurantes; por precipitação
de lugar elevado; e por esmagamento (PARÁ, 1905). Nos próprios jornais belenenses do
período, faziam-se presentes referências às estatísticas como meio formador das ideias sobre
os meios possíveis de se suicidar. A Província do Pará, em edição de 6 de maio de 1891,
transcreveu ligeiras passagens dos Annaes medico-psychologicos, recém-publicados pelo dr.
J. Moreau em França. Neles, o autor afirmou que os métodos de suicídio se agrupam em
“muitas categorias claramente determinadas por numerosas estatísticas” (OS SUICIDIOS,
1891, p. 3). Embasando-se em dados extraídos de levantamentos europeus, conclusões, como
as de Moreau, acabaram por formar as expectativas locais sobre os métodos empregados pelos
suicidas em Belém, como se pode notar nas categorias estabelecidas naqueles boletins
estatísticos de 1905:
127
Do inglês: “who have no taste for the genteeler exits”.
107
casa. Nessa relação, marcou-se a representação moderna dos recursos que seriam,
recorrentemente, utilizados pelos suicidas, mas também com acentuado sentido de clivagem
social. Na medida em que havia grande diferença de valores entre os supostos preços,
observa-se a demarcação entre os suicidas ricos e os pobres:
Quem não tem dinheiro não sabe nada, não brinca de bond electrico, não
anda nas ruas, não fuma, não bebe, não come...nem nada!
O proprio suicidio requer dinheiro para ser levado a cabo. (Z., 1907, p. 1).
128
A relação do suicídio com a elegância já se fazia presente mesmo na literatura europeia do século XVII,
segundo Bayet em sua tese de doutoramento O Suicidio e a Moral (1922 apud MINOIS, 1998, p. 278).
129
Esse artigo fora assinado sob o pseudônimo Z., que se julga ter pertencido a Humberto Gotuzo, “médico e
escritor, subscritor da Seção ‘Registro’, do ‘Jornal do Comércio’”, Rio de Janeiro, “sobre acontecimentos da
vida social” (REGO, 2005, p. 38).
108
130
Antônio Diogo da Silva Parreiras (Niterói, RJ, 1860-1937), pintor egresso da Academia Imperial de Belas
Artes, e que depois fez parte do chamado “Grupo Grimm”, alusivo às aulas de paisagem ao ar livre
ministradas pelo alemão Johann Grimm. Consagrando-se como paisagista, Parreiras também enveredou pelo
nu artístico e, especialmente, pela pintura histórica. Desta última, destaca-se a obra Conquista do Amazonas,
finalizada em 1907 como encomenda ao Governo do Estado do Pará (CAMPOFIORITO, 1983). Dois anos
antes, Parreiras realizara exposição individual de quarenta e uma telas a óleo na capital paraense (CASTRO,
2011). Desse modo, Fim de Romance foi produzido posteriormente a esse período de contato com Belém, e
hoje faz parte do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, vinda de transferência da Secretaria do
Interior paulista em 1915.
131
Antigo instrumento usado para laçar animais, as boleadeiras se constituem de três bolas forradas de couro e
presas à extremidade de tiras de couro (ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, 2008).
109
medida em que o sangue escoa da cabeça repousada. A pequena porção de vermelho, alusivo
ao fio de sangue, e de cinza, referente à cor da pistola, dão inteligibilidade à tela, dentro do
seu conjunto cromático, sobre o suicídio praticado pelo cavaleiro. O meio utilizado foi,
justamente, o disparo de bala no lado direito do crânio. Aliás, essa posição era recorrente nas
notícias sobre os suicídios praticados com arma de fogo na Belém na virada do século XIX
para o XX. O comerciante Américo Gomes Soeiro subira aos seus aposentos para também
desfechar, sobre o “parietal direito”132, o tiro que o fizera cair “banhado em sangue”(UM
ACTO..., 1905, p. 1).
132
Termo, empregado pela Anatomia, para se referir à região dos ossos da parede lateral do crânio (ACADEMIA
BRASILEIRA DE LETRAS, 2008).
110
Dessa sátira moderna, pode-se observar que, além da questão de gênero, havia também a
vinculação do suicídio pelo uso de armas com os segmentos sociais mais abastados.
Entretanto, na Belém do início do século XX, uma arma poderia estar à disposição de todos.
De fato, o percentual médio de casos de suicídios praticados com o uso de arma de fogo, e
noticiados nos jornais belenenses do período, foi de 20,10% (vinte e dez centésimos por
cento). O articulista P., em A Morte do Futuro – publicada na Folha do Norte de 24 de março
de 1905 –, ilustra a tese de que o suicídio é “o corollario logico do trabalho da razão agindo
tranquillamente”, com o exemplo de um homem pobre que, após tomar as atitudes
pragmáticas para não deixar sua mulher, futura viúva, totalmente desprovida de recursos,
planeja ritualizar o seu último ato do seguinte modo: “Pedirá á mulher o seu revolver Smith
Wesson, carregará o tambor da arma, fincará o cano, com calma, no ouvido direito, dará
tranquillamente ao gatilho e tudo estará acabado” (P., 1905, p. 1). Por outro lado, a relação de
gênero se mantem nesse artigo, ao atribuir lógica e racionalidade para o suicídio em função da
atitude e iniciativa masculinas de o praticar, o que legitimaria a tese então defendida.
Segundo Brown (2001), essa valorização do suicídio como ato racional, e mesmo viril,
em muito estava decaída ao iniciar o século XX ou, no limite, encontrava-se diluída ou
matizada. Deve-se o fato às várias representações, segundo as quais o suicídio passou a ser
debatido no nível da patologia e da fisiologia mentais: “ao longo do século XIX, a imagem
racional do suicídio se opunha à ideia do suicídio como produto de uma mente doentia”133
(BROWN, 2001, p. 158, tradução nossa). A Folha do Norte de 26 de fevereiro de 1914
noticiou o suicídio do “respeitado guarda-livros” da Companhia de Seguros Amazônia,
Joaquim Ildefonso da Matta Silveira, que havia desfechado tiro de revólver no próprio ouvido,
sendo que no anúncio da notícia, o seu suicídio foi tomado por “acto de loucura”. Convém se
lembrar dos qualitativos de “vencidos da vida”, atribuídos a vários suicidas de Belém, como o
que a mesma Folha do Norte, em 24 de abril de 1912, garantiu ao guarda-livros Francisco
Barata que, igual ao seu colega Joaquim Silveira, havia se suicidado com um tiro de revólver.
Por outro lado, ainda se permitia comparar certos suicídios, praticados por homens, com
determinadas referências a clássicos ou míticos suicídios heróicos. Esse “paralelismo” se
fundava na representação de “uma batalha perdida, ainda que neste caso se tratasse de uma
batalha contra forças econômicas, naturais, cruéis ou insurpotáveis”134 (BROWN, 2001, p.
133
Do espanhol: “A lo largo del siglo XIX se opuso la imagen racional del suicidio a la idea del suicidio como
producto de una mente enferma”.
134
Do espanhol: “[las muertes masculinas] que se representaba como una batalla perdida, aunque en este caso se
trataba una batalla contra unas fuerzas económicas, naturales, crueles o insoportables”.
111
159-160, tradução nossa). Foi nesse sentido, por exemplo, que a Folha do Norte de 13 de
julho de 1900 tratou a notícia da morte do espanhol Lourenço Saforcada, de 54 anos de idade,
que se matara, justamente, com um tiro de revólver na cabeça, como a um velho combatente
de guerra:
Tinha razão o pobre homem. A velhice não tem mais de onde tirar estímulos
para vencer a lucta pela existencia, maximé quando essa velhice, não
encontra no agreste desconforte da sua solidão, o balsamo de um conselho
amigo que lhe suavise as feridas da desdita. (UM DESGRAÇADO..., 1900, p.2).
O tema do homem vencido, nas batalhas contra as agruras da vida moderna, fez-se
recorrente nos poemas que se publicavam nos jornais belenenses daquele período. Na edição
de 21 de maio de 1891 de A Província do Pará, estampou-se na seção Accordes... o poema
assinado por M.A.N., com os seguintes versos:
A sigla, que se forma pelo pseudônimo adotado, faz clara referência à palavra inglesa
man, designativa do masculino. Sua presença completa o sentido que se atribui ao poema: é o
lamento do homem da cidade, perdido na busca por novos paradigmas que definam o seu
papel na nova ordem trazida pela égide do progresso e da civilização. Nesses versos, já se
prefiguram a aliança estabelecida entre dois elementos que, dezessete anos depois, vão nortear
os versos daquele poema Vencido, de Leocadio Guerreiro, que a Folha do Norte publicara, em
primeira página, a 9 de fevereiro de 1908: o desânimo e a vontade de morrer, mediados pela
presença impulsionadora de um revólver:
Por outro lado, as notícias publicadas nos jornais belenenses da época também se
referem a mulheres que chegavam ao ato violento do suicídio com armas de fogo, apesar de,
reconhecidamente, serem em número bastante inferior ao dos homens. Apenas em janeiro de
1905, a Folha do Norte registrou os casos de Maria da Cruz Pinheiro, que atentara contra a
própria vida com um tiro de revólver no ouvido, e de Altina Alves de Souza, que conseguiu se
matar com um “certeiro tiro de revólver no ouvido esquerdo” (O SUICIDIO..., 1905, p. 1).
Em ambas as notícias, circunstâncias semelhantes garantiam o retorno aos papéis de gênero
dos envolvidos, momentaneamente invertidos pelas atitudes de essas mulheres cometerem
suicídio de um modo externo e visualmente violento. Tanto a primeira – que morava em
Belém (à travessa de São Matheus, próximo à praça Batista Campos) –, como a segunda –
cujo suicídio ocorreu na cidade pernambucana do Recife – foram qualificadas como loucas:
Maria da Cruz sofreria de mania da perseguição, apresentado “melindroso estado de alteração
mental” (TENTATIVA..., 1905, p. 2), enquanto que Altina Souza, há meses que só “lhe
preoccupava o espirito a ideia do suicidio” (O SUICIDIO..., 1905, p. 1), fazendo com que
ambas vivessem sob constantes vigilância e cuidados de seus respectivos companheiros. As
representações construídas sobre essas mulheres mostram ao leitor duas personalidades à
sombra de homens. Entretanto, tais estados de guarda, sob o mando masculino, quebraram-se
com as detonações das armas que – como um dos símbolos domésticos do poder patriarcal –
pertenciam aos respectivos maridos, e que lhes foram subtraídas pelas duas suicidas no
momento em que os mesmos se encontravam fora de casa.
As notícias de jornais também informam sobre a relativa facilidade de se conseguir tais
instrumentos de morte. Ao que parece, homens e mulheres de Belém conseguiam comprar
seus revolveres no tradicional centro comercial da cidade. Cabe lembrar o caso de Maria
Epiphania do Amaral, que adquirira sua arma na manhã de 9 de julho de 1915
(DOLOROSO..., 1915, p. 1). Américo Rocha, o “imberbe maneco de 20 annos presumiveis”
adquirira seu revólver em um armazém de ferragens localizado no boulevard da República,
utilizando-o contra si mesmo logo depois (UM QUE..., 1901, p. 2). O caixeiro Antonio de
113
Britto Magno, de 17 anos de idade, comprou a arma com a qual se suicidou “para os lados do
Ver-o-Peso” (ACTO..., 1901, p. 2). Anúncios sobre comércio de armas de fogo portáteis –
inclusive de modelos importados – podiam ser encontrados nas seções comerciais dos
principais jornais diários de Belém no início do século XX, como nos constantes da Folha do
Norte de 2 de janeiro de 1914 e de 2 de fevereiro de 1914, apresentados pela Imagem 16
(montagem), demonstrando se constituir em produto de consumo urbano e doméstico.
Por outro lado, de todas as marcas de revólveres existentes à época, nenhuma outra
parece ter exercido tanto fascínio aos suicidas como a norte-americana Smith Wesson. De
modelos portáteis, portanto adequados ao manejo doméstico, foi com uma Smith Wesson que
o caixeiro Antonio de Britto Magno e Maria Epiphania do Amaral se suicidaram. Similares
também eram utilizadas para esse fim, desde que se mantivesse a evocação ao original: a arma
com que o guarda-livros Joaquim Ildefonso da Motta Silveira tentara contra si “é imitação
S.W. [iniciais de Smith Wesson]” (OS QUE ABORRECEM..., 1914, p. 1). Não se deve
esquecer que, no artigo A Morte do Futuro, da Folha do Norte de 24 de março de 1905, a
citação ao revólver Smith Wesson é utilizada para a leitura visualizante do ato suicida
exemplificado ao seu final.
O nível de inserção da marca de revólver Smith Wesson no universo suicida não se
restringia a Belém. Nas representações sobre os instrumentos para o suicídio, podem-se
encontrar referências ao Smith Wesson até mesmo no santista O Fogo-Fatuo (1898). Dentro
dos estilos de linguagem trabalhados pelos seus idealizadores, o Smith Wesson se personificou
114
Apesar do fascínio exercido pelas armas de fogo, foram os igualmente perigosos tóxicos
que constituíram, de sua parte, os instrumentos mais utilizados para os suicídios na Belém nos
anos iniciais do século XX. Nesse período, observou-se que a ingestão dos mais variados
tipos (ou combinações) de substâncias venenosas correspondeu à média anual de 41,36%
(quarenta e um e trinta e seis centésimos por cento) do total dos suicídios praticados.
Na memória construída sobre o universo do suicídio ao longo dos séculos, na cultura
ocidental, o recurso ao veneno, como meio de morte, equiparou-se ao uso das armas para fins
de se atribuir certa honradez ou dignidade ao ato suicida. O suicídio precoce (aos 17 anos) do
poeta inglês Thomas Chatterton, em 1770 – talvez “um dos ícones mais populares do seu
tempo”135 (BROWN, 2001, p. 161, tradução nossa) e referência à geração romântica que lhe
sucedeu – concretizou-se com a dose mortal de veneno tomada em seus aposentos.
Na Belém da virada do século XIX para o XX, observa-se que os venenos foram os
meios mais utilizados pelos chefes de família para se matarem e escaparem de dificuldades
financeiras. O comerciante Hamilton de Moura Ferro, por alegadas “infelicidades em
negocios”, envenenou-se em 26 de novembro de 1903 pela ingestão da mistura de vinho do
Porto com ácido fênico. Meses antes, a 30 de abril de 1903, o funcionário da alfândega local,
Manoel Octaviano Lennhoff Britto havia se envenenado com a combinação dos conteúdos de
135
Do espanhol: “[Chatterton] uno de los iconos más populares de su tiempo [...]”.
115
um frasco de láudano de Sydenham com de ácido oxalico, na varanda de sua casa à travessa
de Cintra, em tradicional bairro residencial da Cidade. O motivo para o seu suicídio residiria,
supostamente, em problemas enfrentados em seu local de trabalho. No depoimento à polícia
prestado por sua viúva, consta a descrição do ato que, horas depois, ela própria viria a
constatar ter sido a preparação do suicídio cometido pelo marido: “[ele] parecia estar
preparando uma bebida qualquer n’um copo que tendo elle demorado muito tempo em mecher
com uma colher [...]” (PARÁ, 1903, f. 5). Na notícia sobre o suicídio de Lennhoff Britto,
publicada na Folha do Norte, de 2 de maio de 1903, esses mesmos prosaicos utensílios
domésticos ganharam destaque na descrição dos acontecimentos: o copo, a colher e os frascos
vazios figuraram como importantes elementos de cena e como provas periciais – eram as
marcas visuais denunciadoras do suicídio que ali se havia executado.
Entretanto, nas referências gerais aos suicídios cometidos pelo uso de venenos, nas
páginas dos jornais de Belém do período, ainda havia forte marcação de gênero que o
vinculava a uma prática feminina, reforçada por dados estatísticos. Nesse sentido, Corbin
(2003, p. 593) identificou que, entre as suicidas francesas do século XIX, “é o veneno que,
depois do afogamento, parece a solução mais apropriada”. Na própria divulgação do nova-
iorquino Instituto de Suicídio (da Folha do Norte de 29 de abril de 1907), os exemplos
apresentados do que seriam os suicídios típicos diferenciavam os papéis de gênero. Neles, a
prática feminina do suicídio, fortemente vinculada à ingestão de veneno, ganhou conotações
de uma histeria patológica, e a própria motivação para o ato foi ridicularizada no nível do
patético: “Uma moça é infeliz nos seus amores. Vae a uma pharmacia e adquire um veneno,
toma-o mesmo na rua, grita horrivelmente, espanta toda a gente, fazendo uma scena
desagradavel” (INSTITUTO..., 1907, p. 1).
A associação dos suicídios por envenenamento com os referenciais femininos se
relacionava, sobretudo, a uma suposta carga reduzida de violência para com o corpo do
suicida, o que, de certo modo, deveu-se a um saber então recém-produzido pelas ciências
médicas ao longo dos Oitocentos. Lopes (2007) observou, no Dictionnaire Encyclopédique
des Sciences Médicales (1884), obra francesa de De Chambre, considerações pontuais sobre
algumas das diferenças de métodos de suicídio escolhidos por homens e por mulheres. Estas
últimas prefeririam os que as conduzissem a uma morte menos trágica, no sentido de não
produzirem marcas visualmente externas em seus corpos. Ao atribuir às mulheres essa
preocupação estética com o estado de beleza física no pós-morte, acabou-se por estabelecer
quais seriam aqueles métodos “próprios para elas” (DE CHAMBRE, 1884 apud LOPES,
2007, p. 148).
116
Por outro lado, algumas representações, contidas em notas dos jornais belenenses no
início do século XX, dão conta de que os envenenamentos, a seu modo, acarretavam certa
dose de violência ao suicida, muito embora não fosse aparente. Segundo o que fora publicado
na coluna Cartas do Rio, da Folha do Norte de 27 de fevereiro de 1905, ingerir “kerozene”
não era o meio mais prático de suicídio, “porquanto é de facil comprehensao os soffrimentos
terriveis que um desgraçado ha de passar, com as carnes carbonisadas e o corpo reduzido a
uma única chaga” (VARIAS, 1905, p. 1). Do mesmo modo, a notícia sobre o suicídio do
carregador Ignacio Barbosa, morador ao largo da Sé de Belém, na Folha do Norte de 13 de
abril de 1900, relatou os sofrimentos passados pelo mesmo, após sucessivas doses tomadas de
azebre às escondidas. Foram os seus vômitos que despertaram a desconfiança de seus
companheiros de moradia. Certa vez, não podendo mais esconder o fato, “o Barbosa cahiu,
começou a soffrer dolorosamente, e, então, confessou o que tinha feito” (SUICIDIO, 1900, p.
2). Do mesmo modo, os moradores da casa do sr. Rubim Guimarães só descobriram a
intenção de se suicidar da criada Philomena Maria da Conceição, quando encontraram esta
“em afflictivo estado”, “vomitando verde, em abundancia” (SUICIDIO, 1903, p. 1, grifo do
autor), decorrente da ingestão de grande quantidade de verde-Paris, conforme Folha do Norte,
de 11 de junho de 1903.
A grande violência produzida pelos venenos, no entanto, raramente eram relatadas nas
notícias dos jornais: os estragos produzidos nos órgãos internos dos corpos. Como essas
observações dependiam dos resultados finais das análises químicas a que eram submetidas as
vísceras retiradas dos suicidas – e que poderiam demorar dias após o ocorrido –, não
integravam a narração dos fait divers dos suicídios. É justamente nos processos de diligências
policiais, que se pode dimensionar a violência física interna provocada pelo ato suicida do
envenenamento. Na autópsia feita no cadáver de Lennhoff Britto, a 1º de maio de 1903, pelo
modo de responder aos quesitos formulados pela perícia médico-legal, há a descrição
vizualizante dos efeitos corrosivos sobre a carne, produzidos pela mistura de tóxicos que o
mesmo tomara:
Desse modo, é preciso ter a cautela necessária para analisar aquelas demarcações de
gêneros no tocante aos suicídios por envenenamento. Devem-se contrapor tais representações
com as práticas suicidas mais próximas da realidade, de que informam as notícias impressas
nos jornais belenenses na primeira década do século XX. Pela amostragem considerada dos
casos noticiados nesses periódicos, percebe-se que os homens correspondiam à média de
61,33% (sessenta e um e trinta e três centésimos por cento) do total dos suicidas que se
envenenavam na cidade. Assim, evidencia-se que o uso de venenos era muito fluído entre
homens e mulheres. Ambos lançavam mãos dos mais variados tóxicos – ou das misturas dos
mesmos – que se encontravam à disposição na cidade. Nesse ponto, é oportuno articular tal
observação com a constatação feita por Meyer (1996, p. 265), em relação à proliferação e à
diversidade dos tipos de venenos, presentes nos enredos, trágicos ou rocambolescos 136, dos
romances-folhetins que circulavam na imprensa ocidental no século XIX: com esse farto
material “poder-se-ia escrever verdadeiro tratado de toxicologia”. De todos os tóxicos
disponíveis em Belém, porém, pode-se destacar o uso mais frequente de dois: o próprio
querosene e o verde-Paris.
Em relação ao primeiro, havia mesmo representações dando conta de sua extrema
popularidade. Na Cartas do Rio, da Folha do Norte de 27 de fevereiro de 1905, tratou-se o
querosene como “o meio mais escolhido para dar cabo da existência” (VARIAS, 1905, p. 1).
Quando esse mesmo jornal diário havia noticiado a tentativa de suicídio do chefe de família
Manoel Xavier, que havia comprado certa dose de querosene para beber, ressaltou-se ser esse
“um dos vehiculos mais baratos de morte” (MAL..., 1900b, p. 2). O mesmo querosene podia
servir de base para misturas envolvendo outros tóxicos. O antigo oficial da fábrica de malas,
Manoel Seabra, encontrando-se sem emprego em razão da tuberculose pulmonar que o
vitimara há algum tempo, fez um preparado contendo querosene, vidro moído e certa dose do
próprio medicamento que o seu médico lhe havia prescrito para o tratamento da doença
(TENTATIVA..., 1901, p. 1).
136
Termo que passou a designar as narrativas pletoras de aventuras extraordinárias, suspense e reviravoltas. Faz
alusão ao personagem de sucesso Rocambole que, primeiramente, surgiu nos romances-folhetins do escritor
francês Ponson du Terrail (1829-1871) e, após a morte deste, foi adotado por outros folhetinistas (MEYER,
1996).
118
137
Estância era um tipo de moradia popular, coletiva, semelhante ao cortiço.
138
Segundo o Diccionario de medicina popular e das sciencias accessorias... de Chernoviz (1890), o sal de
azedas tem por nome científico “oxalato de potassa”. De cor branca e de sabor ácido, embora fosse
empregado em “pastilhas refrigerantes”, era utilizado para tirar manchas de tinta e de ferrugem nas roupas.
139
Cancela (2008), em seu trabalho sobre a cartografia traçada dos benefícios das novas tecnologias na vida
cotidiana do belenense no final do século XIX, observa o alto custo de aquisição dos itens que serviam à
iluminação elétrica.
140
O verde-Paris chegou a ser designado pelo termo arsenicato de cobre, ou verde de Scheele, conforme presente
no laudo pericial feito em 5 de junho de 1901, após análise química das vísceras da suicida Maria Luiza
(PARÁ, 1901).
119
solúvel em líquido, o que fazia com que os suicidas geralmente misturassem o tóxico em
água, ou em líquidos mais característicos da região, como o popular açaí. O embarcadiço
Antonio Marinho Maia, por exemplo, ingeriu grande quantidade do verde-Paris contido em
um copo de “assahy”, conforme noticiado pela Folha do Norte em 18 de setembro de 1905
(SUICIDIO, 1905, p. 2) Dez anos depois, o Estado do Pará noticiou sob o título de Um
suicida original, o drama do estivador Silvino Honorio Ferreira da Silva que, querendo
engendrar “um fim mais philosophico e elegante” – “para não morrer de modo trivial como os
outros, que só encontram creolina, lysol, acido phenico [...] e outros corrosivos baratos” –,
misturou “arseniato de cobre” com o “assahy” (UM SUICIDA..., 1915, p. 1).
A ingestão de verde-Paris, contudo, não se tratava de um fenômeno próprio a Belém no
universo suicida daquele início de século. Pequenas notas telegráficas também dão conta do
seu uso por suicidas do interior do Pará e até de outros Estados brasileiros. A Folha do Norte,
apenas no período aproximado de um mês, em 1903, fez publicar dois casos de suicídios – de
duas mulheres, sendo uma delas, prostituta – por envenenamento de verde-Paris em
Pernambuco (OS DESESPERADOS..., 1903; PERNAMBUCO, 1903). Nesse Estado, o
tóxico também possuía a denominação derivativa de “verde-francez” (PERNAMBUCO,
1903, p. 1). Já em 26 de outubro de 1905, a Folha do Norte noticiou o envenenamento, por
verde-Paris, de Armindo Antonio Rodrigues em Juçara, localidade do município de Cametá,
no baixo Tocantins, no Pará (UM MOÇO..., 1905).
Atualmente, nas artes plásticas, pode-se verificar sua utilização na pigmentação de óleos,
embora deva ser evitado (PRATA, [201-?]). No início do século XX, porém, havia outros
usos locais para o verde-Paris. A criada Philomena Maria da Conceição, por exemplo, havia
obtido “consideravel dóse” do verde-Paris, com que se matara a 9 de junho de 1903, junto à
sobra do material utilizado na pintura da casa dos patrões, e que “fôra deixado alli pelo
pedreiro” (SUICIDIO, 1903, p. 1). Do mesmo modo, até crianças podiam adquirir o tóxico no
comércio local. Nesse sentido, é digno de transcrição o trecho a seguir, tratando da notícia
sobre a tentativa de suicídio do menor Lauro Gomes de Oliveira, que tentara por termo à
existência por ter sido acusado, pela mãe, do sumiço de certa quantia de dinheiro em casa.
Nele, observam-se as estratégias utilizadas para ludibriar a fiscalização que, porventura,
viesse a existir:
[...] Lauro dirigiu-se á mercearia Sagica, que fica proximo de sua casa, e
pediu um pacote com 100 grammas de verde Paris mandando debital-o na
conta de seu pae.
O empregado da casa, não obstante nada ter desconfiado, perguntou-lhe para
que era o verde Paris, respondendo-lhe o menor ser para exterminar saúvas.
(OS BRIOS..., 1905, p. 1).
princípio ativo foi extraído] pela primeira vez em 1818 por 2 chimicos francezes [...]” (O
“STRICNOS”, 1894, p. 2).
Na Belém dos anos iniciais do século XX, os suicídios cometidos por asfixia (em
decorrência de enforcamento) não foram significativos, se comparados aos decorrentes de
ingestão de veneno, mas tampouco deixaram de ser percebidos. A média percentual anual
encontrada para os enforcamentos foi da ordem de 12,20% (doze e vinte centésimos por
cento), do total dos suicídios noticiados pela imprensa local. Entretanto, as representações
sobre esses suicídios na imprensa reproduziam, em muito, os estigmas construídos no próprio
universo suicida em relação a esse instrumento de morte.
Por séculos, a morte por enforcamento foi particularizada como o meio de suicídio mais
degradante e repudiado nos debates e nas referências. A morte voluntária, por enforcamento,
era geralmente representada como algo infame, desprezível ou covarde, e atribuída a práticas
das categorias inferiores do ordenamento social no caso inglês (MOORE, 1790 apud
MINOIS, 1998, p. 234-235). Entretanto, segundo Corbin (2003, p. 593), ainda havia um
sentido de virilidade no uso da corda “para o camponês e para o homem do povo” francês do
século XIX, justamente em razão da visualização externa das marcas da violência no corpo.
Assim, associados geralmente a motivações ligadas a um cotidiano de miséria e de
sofrimentos, os enforcamentos remontavam ao suicídio praticado pelos pobres. Esses
suicídios “populares” foram representados como os que “não provocam entusiasmo, porque
não são justificados pelas grandes ideias, não correspondem aos cânones do heroísmo e
recorrem quase sempre ao uso da corda” (MINOIS, 1998, p. 342).
Na Belém da virada do século XIX para o XX, pelo que se percebe das notícias
veiculadas na imprensa local, recorrer ao uso da corda estava no âmbito das possibilidades
daqueles suicidas que ocupavam a condição de empregados nas casas das grandes famílias da
cidade. Por essa perspectiva, os locais da ocorrência desses suicídios se davam nos espaços
das residências em que tais pessoas melhor se representavam, no plano do simbólico, dentro
desse universo doméstico. Em 12 de março de 1901, a esposa do senhor Cezar Augusto de
Andrade Pinheiro encontrou o corpo suspenso de Cyda Baré, estrangulada que estava por uma
corda americana atada ao pescoço “em duas voltas”, na sentina que ficava no quintal dos
fundos de sua residência, esta localizada à praça Baptista Campos. Ao olhar aterrorizado da
dona da casa, o cadáver se mostrou na grotesca composição do “rosto desfigurado, horrivel” e
dos “pés dentro do buraco da privada”. Na notícia, identificou-se Cyda Baré como indígena
122
da tribo dos Barés141, que há quatro anos vivia junto àquela família, “sempre alegre e
satisfeita”, pelo que o próprio noticiarista resumiu a resolução tomada pela suicida a “um acto
de loucura” (SUICIDA, 1901, p. 2). Entretanto, é possível articular esse caso com a análise
efetuada por Wolff (1999, p. 192-193) sobre a dimensão relacional não somente de gênero,
mas também de etnia. O ato derradeiro de Cyda Baré, incompreensível ao olhar da redação da
Folha do Norte, perfeitamente pode ter servido para estabelecer a comunicação que inexistia
quando em vida142, protestando contra as condições reais de existência a que estava submetida
e que não fora reproduzida (intencionalmente ou não) na notícia de sua morte. A índia baré,
com o corpo sobre a latrina, podia informar ao vivos a autonomia conquistada em decidir
sobre a própria morte.
Na valoração negativa atribuída ao uso da corda, também se construiu uma forte
imagem do enforcamento como meio de expiação de culpas. Minois (1998, p. 24) lembrou
dos afrescos medievais de Giotto, em que a Desperatio é retratada se enforcando. A
associação desse meio de suicídio com a passagem bíblica da morte do enforcamento do
discípulo Judas será sempre recorrente desde então, tornando-se a morte pela forca o
“merecido final da vida de um malvado”143 (BROWN, 2001, p. 181, tradução nossa). No
século XVIII, Denesle (1766, p. 459 apud MINOIS, 1998, p. 342, tradução do autor)
vaticinava que “a corda é um tipo de morte cuja infâmia é tão bem decidida que um homem
que a escolhesse no meio do desespero, a menos que não fosse da escória do povo, seria
irremediavelmente desonrado entre as pessoas honestas”144.
Foi por um extremo sentimento de culpa perante o patrão, o comandante Antonio
Gomes Bissau, que o amazonense Tarquinio Marques da Costa se enforcou em Belém na
madrugada de 28 de outubro de 1905, ao pensar ter traído a confiança de Bissau por
engravidar uma das “creadinhas” da casa em que trabalhava. Ele escolhera justamente o
banheiro da casa do patrão, sendo seu cadáver encontrado suspenso, “pendente de uma corda,
ao centro de um tanque que servia para tomar banho” (ENFORCADO, 1905, p. 1). Entretanto,
parecia haver um locus específico para a prática dos suicídios por enforcamento, e que melhor
141
Foi utilizado o termo “tribo”, tal como presente na notícia original da Folha do Norte de 13 de março de
1901.
142
Esse sentido do suicídio, como comunicação, foi aqui empregado a partir da visão metafórica de Rubem
Alves (1998, p. 11-12), para quem o suicídio é o “gesto” que externa o desejo interno do suicida, cujo corpo
funciona como o “término de uma melodia que vinha sendo preparada no silêncio do seu ser” e que, portanto,
necessita ser ouvida, ou a produção de um “texto para ser lido”.
143
Do espanhol: “Merecido final de la vida de un malvado”.
144
Do original francês: “[Aujourd’hui] c’est un genre de mort dont l’infamie est si bien décidée, qu’um homme
qui le choisitoit dans de désespoir, à moins qu’il ne fût de la lie du Peuple, seroit irrémissiblement deshonoré
parmi les honnêtes – gens”.
123
corpos de suicidas mortos por outros métodos, percebidas nas notícias impressas nos jornais
locais, o cadáver do enforcado assume, geralmente, uma postura ativa, como se vivo ainda
estivesse: as expressões dos músculos faciais e corporais, paralisadas no seu corpo gelado e
inerte, informam sobre a realidade da morte145.
No caso do enforcamento do detento Braz Pereira da Silva a 28 de janeiro de 1902,
Martinho Ribeiro Pinto, identificado como “reporter” de A Província do Pará, se encontrava
na estação de segurança, no momento exato em que o corpo do suicida fora encontrado em
uma das celas. Do seu depoimento prestado no inquérito policial aberto – no qual foi arrolado
como testemunha – naquele mesmo dia, para a notícia veiculada na edição do referido jornal
do dia seguinte, percebe-se a diferença na descrição sobre o mesmo fato, conforme as
respectivas transcrições a seguir. Tal diferença se explica pelas estratégias comuns
estabelecidas pelos noticiaristas da imprensa belenense da época, em provocar a sensibilidade
dos leitores, mobilizando as referências visuais abjetas do suicídio por enforcamento:
Preso pelo pescoço ás grades da prisão jazia um individuo, de côr preta que o
respondente reconheceu ser Braz Pereira da Silva, preso há dois dias atraz
por suspeita de ser o assassino de Ignez Gomes dos Santos; que na mesma
occasião o respondente tocou no corpo do individuo para ver se este já havia
morrido e verificou estar morto o mesmo pois que já o cadaver estava frio.
Nada mais tendo a fazer alli retirou-se para o interior da Estação, vindo
escrever as suas notas com relação ao suicidio que acabava de dar. (PARÁ,
1902, não paginado).
Do mesmo modo, e como parte dessa estratégia, as notícias que tratavam dos casos de
suicídio por enforcamento, geralmente, enfatizavam o meio de morte empregado, nos seus
respectivos títulos. Com Enforcado, a Folha do Norte publicou o suicídio de Tarquinio
145
Segundo Seligmann-Silva (2005, p. 39), é na exposição (sob qualquer forma visualizante) do cadáver que
está a “manifestação privilegiada” do abjeto. O conceito de abjeto se aplicou às artes em geral,
principalmente a partir da estética romântica no século XIX, como possibilidade de representação do real,
quando o “choque” passou a fazer parte da pauta cotidiana da vida moderna, e difere do conceito
renascentista do Belo como a necessária expressão do objeto no nível da idealização (SELIGMANN-SILVA,
2005). Respaldando-se na teoria psicanalítica de Julia Kristeva – expressa em Poderes do Horror, de 1980 –,
Seligmann-Silva (2005, p. 39-40) analisa as formas como esse Abjeto provoca a sensibilidade do seu
espectador (ou do seu leitor); ou seja, “abala-o” no sentido de ativar um “recalque originário”, anterior à
formação do “eu” psíquico, como manifestação sobretudo ligada a um sentimento de perda.
125
Por ser considerado uma prática infamante, o enforcamento também “manterá até à
época moderna uma conotação claramente pejorativa” (MINOIS, 1998, p. 66). Nesse sentido,
percebe-se até mesmo o uso político que o Estado do Pará, em edição de 6 de abril de 1912,
fez da imagem gráfica do enforcado para criticar a administração e a política do então
Intendente de Belém, o senador Antônio Lemos. Na charge impressa em primeira página,
observam-se múltiplas referências ao personagem-símbolo maior dos enforcados na cultura
126
cristã: Judas Iscariotes. Do “Sabbado de Alleluia” à figueira de ramos secos 146, passando
pelos urubus locais a servirem como aves de rapina147, essas referências se entrecruzam, para
vincular o velho político às ideias do erro, da culpa e da necessária punição, conforme
Imagem 18. Aqui, o enforcamento alegórico de Lemos representou suas práticas à frente de
seu grupo político que o conduziriam ao seu “suicídio” moral como homem público, no
sentido real de seu ocaso político; e prefigurou a sua eminente deposição, e o exílio que após
se sucedeu em agosto de 1912.
Havia diferenças entre o corpo suicida lançado com ou sem uma corda amarrada ao
pescoço, e que se tratavam mais do simples questão de método empregado. Os suicídios
cometidos por precipitação – em que o suicida se atirava de lugares altos ou se lançava às
águas do rio – também fizeram parte do universo suicida dentro dos limites da cidade de
Belém nos anos iniciais do século XX. Essa modalidade representou a média percentual anual
de 16,92% (dezesseis e noventa e dois centésimos por cento) dos casos relatados pelos jornais
locais no período, portanto acima dos casos de enforcamento. Entretanto, dessa média apenas
1,11% (um e onze centésimos por cento) corresponderam a suicidas que se lançaram ao solo
das janelas, dos telhados, das platibandas dos prédios e demais pontos elevados da cidade.
Constituindo-se num método de suicídio raro na Belém da virada do século XIX para o XX,
serve como indicativo da relação dos habitantes da cidade para com as suas edificações que,
no geral, ainda mantinham o padrão de pequeno a médio porte. Como citado em momento
anterior deste capítulo, nos sobrados ou nos compartimentos dos altos de estabelecimentos
comerciais, moravam determinadas categorias de profissionais autônomos, como caixeiros,
alfaiates, sapateiros, nos bairros de Nazaré e da Campina em Belém (CANCELA, 2008).
Nesse sentido, a Folha do Norte publicou em primeira página, a 9 de fevereiro de 1905,
o suicídio de Maria Augusta Vidal, companheira de José Nunes, ambos proprietários de uma
alfaiataria à rua 28 de Setembro, na Campina, região de comércio em Belém. O título da
notícia, De uma janella abaixo, destaca e antevê ao leitor a precipitação como o meio
empregado de morte. Segundo a publicação, Maria Vidal se lançara de “uma das janellas do
pavimento superior do prédio” em que funcionava a sapataria, “levada por um desejo
insoffrido de pôr termo á existencia”. Cansada de uma vida doméstica marcada pela violência,
146
Por outro lado, a imagem das ramagens secas também faz referência à representação dos suicidas presente em
O Inferno, de Dante Alighieri, conforme citado no Capítulo 1.
147
Podem-se observar os urubus a figurar como elemento de representação da cidade de Belém em O
Missionário (1888), como parte do cotidiano ligado ao entorno do tradicional mercado local: “Quase em
frente ao Ver-o-Peso, [...] o velho casarão do governo fechava a vasta praça verdejante [Praça da
Independencia], em que os sendeiros da polícia montada pastavam sossegados, sob o olhar cobiçoso de
numerosos urubus, empoleirados no alto do telhado do Palácio [...]” (SOUZA, [198-], p. 229-230).
127
148
A Fábrica Palmeira, estabelecimento fundado em 1892, produzia gêneros alimentícios, como pães e artigo
finos em biscoitos, doces e outros. O seu imponente prédio ocupava o espaço em torno de 15.000 m 2. Ponto
de referência da mítica belle époque de Belém, esse prédio não mais existe no espaço localizado, atualmente,
na rua Senador Manoel Barata, no centro comercial de Belém (FÁBRICA..., 1996).
149
Segundo Velloso (Nov. 2000/Feb. 2001), houve verdadeira “febre” na produção e na circulação de cartões-
postais nas primeiras décadas do século XX no Brasil, tornando-se, eles mesmos, um dos símbolos visuais do
que se entendia por modernidade, à medida em que passou a incorporar os elementos da fotografia “e os
processos de reprodução fotomecânicos sobre papel” em sua composição. Acima de tudo, os cartões-postais
foram eficazes instrumentos de divulgação dos ideais de progresso e de civilização. Tinham geralmente, por
temática, expor os “aspectos que compunham o cenário de uma cidade ‘higiênica e moderna’, com suas
avenidas, prédios em estilo eclético, parques, jardins e sua gente chique”.
128
Principal porta de entrada de Belém naquele início de século, a baía do Guajará ainda se
impunha à cidade, como referência, frente às construções edificadas. Foi a partir desse ponto
que, no romance naturalista O Missionário (1888), o personagem padre Antônio de Morais
viu a cidade de Belém pela primeira vez, com as linhas características das torres da Catedral e
da Igreja do Carmo a atravessarem o horizonte cortado pelo conjunto do “casario, sujo de pó
vermelho, aglomerado em ruas estreitas” na segunda metade do século XIX (SOUZA, [198-],
p. 229). Anos depois, o testemunho prestado por Rocha Pombo, nas Notas de Viagem (1918),
informa sobre as mudanças realizadas na cidade, em terra. Entretanto, ainda continuava sendo
a baía do Guajará o ponto referencial do primeiro olhar sobre a cidade. A bordo do vapor
Manáos, na entrada da baía, o escritor já prefigurava o que correspondia ser uma cidade-
monumento:
129
150
Acredita-se que o termo “vitoriano”, empregado por Ron Brown, restringiu-se ao universo cultural britânico
do século XIX. Entretanto, aqui foi empregado intencionalmente, tomando de empréstimo o seu sentido
generalizado, o mesmo adotado por Peter Gay (2002, p. 16-17): “em suma, o nome da soberana [Reinado da
rainha Vitória: 1837-1901] vem sendo aplicado de maneira ampla ao século XIX [...]”, embora, assim como
faz o mestre berlinense, deva-se “celebrar as diferenças”.
130
jornais como a Folha do Norte, no início do século XX, reforçavam tal associação dos
afogamentos a um determinado gênero feminino de suicídio:
rios da região serviam de cenário, ou melhor, de trampolim para que alguns de seus
passageiros se lançassem às águas.
Em 25 de novembro de 1902, instaurou-se inquérito policial para averiguar as condições
da morte do austríaco, naturalizado cidadão argentino, José Lauberer que, deliberadamente,
atirou-se à baía do Guajará do rebocador paraense Wanda, quando se finalizava o
procedimento de descarga do vapor Amazonas, da companhia alemã de navegação Sud-
Amerika Dienst, ali fundeado. Os depoimentos prestados no inquérito dão mostra, no mínimo,
da intensa circulação de estrangeiros na região naquele período. Compareceram: os suecos
Francisco Holmquist e Johannes Laison, respectivamente maquinista do rebocador Wanda, e
carpinteiro a bordo do Amazonas; os súditos alemães Carl Bär (da Saxônia) e Carlos Fuhrt (da
Prússia), nas respectivas funções de imediato e de contra-mestre do vapor Amazonas; o
paraibano Francisco Tavares da Costa, guarda da alfândega; e os paraenses Severino Pinto do
Carmo, guarda da alfândega, e Arthur Franklin de Mendonça, marítimo. Do conjunto dessas
declarações multilíngues e contraditórias, colocou-se em pauta o sentido atribuído ao ato
suicida e às águas da baía: José Lauberer procurava se libertar dos castigos sofridos enquanto
membro da tripulação do referido navio alemão. Na condição de fugitivo, preferiu deixar-se
afogar na agitação das águas do Guajará – recusando qualquer espécie de salva-vidas que lhe
atiravam – a voltar a bordo do Amazonas (PARÁ, 1902-1903).
Cinco anos após o trágico afogamento do austríaco Lauberer, a Folha do Norte publicou
denúncias que partiam de alguém que preservava a identidade através da alcunha “Um
Cearense”. Nas edições de 7, 10 e 12 de maio de 1907, aquele jornal noticiou a tentativa de
suicídio de um dos tripulantes do vapor Velhote Silva – então fundeado às imediações de
Belém –, que se lançara às águas. A Folha do Norte alimentou ligeiro debate junto a sua rival,
A Provincia do Pará, sobre as reais circunstâncias em que esse tripulante se atirara ao rio.
Com informes e declarações contraditórios, chegou-se a afirmar que o suicida sofria de
delírios da mania de perseguição (PELOS INFELIZES..., 1907a, 1907b, 1907c). Em uma das
versões, o referido tripulante, uma vez salvo, alegou fugir dos maus-tratos sofridos, a bordo,
pelo mesmo “individuo que o contractara para ir extrahir borracha no Amazonas” (PELOS
INFELIZES..., 1907c, p. 1). A partir daí, tal tentativa de suicídio serviu de mote para criticar a
prática de recrutamento de novos seringueiros nos estados vizinhos, e as condições precárias
de viagem e de vida a que depois eram submetidas essas pessoas. Transformou-se em
verdadeiro apelo às autoridades governamentais dos Estados vizinhos “onde são seduzidos os
nossos pobres patricios uma providencia para pôr paradeiro ao ignobil trafego de carne
humana” (PELOS INFELIZES..., 1907b, p. 1).
132
De todos os casos noticiados pela imprensa local naquela virada do século XIX para o
XX, o do pacto suicida firmado pelo casal de espanhóis, Henrique Bosch y Barras e Julia
Gonzalez, melhor representou a desilusão e o desânimo que marcaram o lado (mantido)
oculto do mundo propagado de progresso e civilização. Conforme citado na introdução, o
motivo desse duplo suicídio estava na situação de insolvência do espanhol para com os
credores, agravada ainda pelo fato de o mesmo se encontrar sem trabalho. Ambos procuraram,
na discrição garantida pela escuridão noturna, a solução para os seus problemas financeiros no
repouso final nas águas da baía do Guajará. Os dados pormenorizados, sobre os fatos que se
sucederam, chegaram a oscilar nas publicações da Folha do Norte e d’A Provincia do Pará.
As duas narrativas, entretanto, concordaram em afirmar que o casal ingerira certa quantidade
de tóxico, antes de rumarem em direção à baía, nas proximidades do matadouro público.
Chegando lá, lançaram-se às águas, amarrados um ao outro, “para que nas ancias da agonia da
morte que procuravam não pudessem separar-se” (LIGADOS...,1900, p. 2). O acaso, porém,
fez com que os dois suicidas, debatendo-se nas águas, ainda fossem descobertos por
moradores próximos e, por eles, resgatados. Henrique acabou morrendo afastado de Julia, em
um dos leitos da Santa Casa de Misericórdia, como bem ironizara o noticiarista da Folha do
Norte.
Os articulistas, em especial os da Folha do Norte, foram mais além na formação de
juízo de valor sobre o casal suicida. Com a dose necessária de dramaticidade, própria de um
fait divers, mobilizaram as representações sobre o masculino e o feminino, para provocar as
reações subjetivas e passionais esperadas do público leitor. Desse modo, embora estivessem
juntos e pactuados no mesmo ato, diferenciou-se Henrique Bosch y Barras de Julia Gonzalez.
Enquanto os jornais procuraram apenas enfatizar a beleza e a juventude da suicida,
informaram-se detalhes sobre a vida do suicida, a começar pelas suas ocupações nas oficinas
gráficas de Belém, nos poucos meses em que viveu na cidade, entre a sua chegada da Espanha
e a sua morte. Bosch y Barras ocupara o trabalho de “lytographo” e, no seu local de trabalho,
“muito boa conta o tinham seus collegas de officina” (LIGADOS..., 1900, p. 2). N’A
Provincia do Pará foi noticiado que o espanhol, “além de chromonista era photographo.”
(DUPLO..., 1900, p. 2). Na apresentação de ambos, observam-se as condições específicas
reservadas a cada um: ao homem, o papel de provedor da família e de estar inserido na esfera
masculina (e pública) do trabalho; à mulher, a preocupação maior em manter a formosura
jovial, no caso, mesmo após a morte.
Nessa mesma medida, a premeditação do suicídio dos dois espanhóis, uma vez que sua
motivação fora estabelecida no nível das preocupações financeiras, foi atribuída ao homem,
133
como elemento ativo no pacto suicida: “a idea de suicidio concebeu-a Bosch com o espirito
atribulado pela certeza de não poder remir a divida que contrahira” (LIGADOS..., 1900, p. 2).
Na Folha do Norte de 4 de outubro de 1900, atribuiu-se ao colaborador de nome Ulysses151,
as duras críticas feitas à solução, adotada por Bosch y Barras, para os seus problemas – em
total incompatibilidade com aqueles tempos “com excesso de luzes e de electricidade!” (O
SUICIDIO..., 1900, p. 1).
O julgamento mais severo, porém, foi feito à decisão tomada por Julia Gonzalez.
Melhor dizendo, à alegada falta de decisão da mesma, posto que teria sido levada apenas pela
vontade de suicídio do seu companheiro, sem questioná-lo, pois a ela caberia cumprir o único
papel possível de “amante fiel e toda devotada a quem a recebera como esposa diante de Deus”
(LIGADOS..., 1900, p. 2). Na carta enviada por Ulysses, Julia também é representada, na
condição de mulher, como destituída de qualquer poder decisório sobre a sua vida e a sua
morte. Movida unicamente pela paixão, e totalmente irresponsável, Julia “cheia de amôr,
quente e apaixonada até á loucura, vae com elle para a morte como se fossem para um pic-nic
d’amor” (O SUICIDIO..., 1900, p. 1). Como acontecia na maioria das notícias relacionadas a
casos de suicídios de fundo passional – em cuja esfera se vinculava, intimamente, a mulher –,
a participação de Julia Gonzalez no ato conjunto de suicídio foi representada como algo de
menor importância, beirando o nível da comicidade.
151
Não há identificação possível para quem escrevia sob o pseudônimo de Ulysses. Apenas se sabe que o mesmo
era frequente colaborador da Folha do Norte na virada do século XIX para o XX.
134
A pesquisa junto aos jornais que foram publicados e circularam na cidade de Belém,
entre os anos de 1891 a 1920, permitiu identificar as práticas de suicídios locais enquanto
fatos históricos. Ocultados pela historiografia que privilegiou apenas a face do progresso e das
melhorias urbanísticas por que passou a cidade nesse período, os suicidas estão presentes nas
folhas diárias daqueles periódicos, com suas razões particulares, e com seus meios e locais
escolhidos para decidirem quando, como e onde por termo às próprias existências. Como
resultado, percebeu-se um modo de se matar que, se não se pode atribuir como amazônico no
geral, caracterizou a Belém do período como uma cidade com projetos próprios de
modernização, mas que não perdia a sua ligação com a floresta que a circundava. Desse
modo, ao mesmo tempo em que suicidas belenenses também utilizavam a Smith Wesson para
detonar contra suas cabeças, houve quem não suportasse o gosto amargo da morte sem
misturá-lo ao açaí, e quem tomasse a decisão “ofeliana” de procurar, nas águas barrentas e
caudalosas do rio Pará (da baía do Guajará), a tranquilidade para seus tormentos íntimos.
Na historicidade dos suicídios cometidos nesse contexto, elementos desses dois espaços
– o natural e o construído – foram mobilizados no modo como os suicidas decidiram sobre
seu próprio destino, dependendo de quem vinha, de quem saía e de quem permanecia na
cidade. Em suma, ligava-se à adaptação, ou à falta desta, ao local e ao momento vivenciados,
no enfrentamento de um mundo que lhes era estranho e/ou hostil. Entre a indígena que foi
levada para a cidade a fim de trabalhar na casa de influente família da sociedade da borracha,
e o judeu venezuelano que teve sua saúde agravada pelas condições precárias vivenciadas nos
seringais acreanos, pessoas em circulação, ou mesmo “estrangeiras” em sua própria terra,
procuraram no suicídio o porto seguro ou o ponto final às instabilidades de suas vidas.
As notícias sobre os suicídios locais também explicitam o sentimento de desencanto de
parte dos habitantes da Belém para com o estado de coisas em que os benefícios do progresso
e os sucessos das ciências e das novas tecnologias não proporcionavam qualidade de vida a
todos os seus habitantes e o desenvolvimento da cidade fomentava a solidão, o individualismo
e a quebra dos laços de solidariedade. O escritor e crítico literário paraense José Veríssimo,
em artigo publicado na Folha do Norte de 21 de janeiro de 1899, demonstrou a frustação de
sua geração para com as potencialidades que não se cumpriam em favor do ser humano: “um
mal estar geral, um sentimento que não é inteiramente de triunfo [...] e com a vaga
consciencia de um successo incompleto”.
135
Por outro lado, reconhecem-se as limitações próprias dos periódicos enquanto fontes
históricas, observando que em cada notícia, em cada anúncio, em cada artigo havia
representações dos suicídios e dos próprios suicidas, segundo os valores morais dos
articulistas e dos anunciantes que, a seu modo, também dialogavam com seu próprio tempo.
Nesse sentido, parafraseando o historiador italiano Carlo Ginzburg (2007), essas publicações
foram trabalhadas como textos cheios de histórias. Histórias essas que evidenciam: o
fortalecimento de um saber e discurso médico nos debates locais sobre a prática suicida; a
permanência e endurecimento do discurso católico pela interdição da morte voluntária em
tempos de romanização; as atitudes ambivalentes perante o suicídio, reproduzindo nas
considerações sobre os suicidas as diferenciações sociais então presentes no universo dos
vivos; e a própria vulgarização das práticas do suicídio enquanto objeto corrente de leitura.
Apesar dessa vulgarização, não se pode afirmar que, no recorte temporal escolhido, o
número de suicídios praticados em Belém fosse extraordinário. A ponderação entre os limites
do ficcional e do real, presentes nas notícias dos jornais, teve de ser feita. Ademais, fez-se
necessário articular essa leitura dos jornais com a das fontes oficiais que se encontravam
disponíveis, da produção imagética (aí incluindo a incipiente arte cinematográfica) e de obras
médicas, jurídicas e religiosas do período, para perceber no mesmo movimento cambiante de
visibilidade e de ocultação do suicídio, as argumentações favoráveis e contrárias a essa
prática. Desse modo, pode-se mesmo afirmar que, em todas as épocas, o debate em torno da
morte voluntária está envolto em polêmicas e contradições. Se ficou patente a subnotificação
oficial dos casos de suicídio na cidade – conforme apurado nos dados estatísticos do início do
século XX mantidos pelo governo estadual –, a leitura dos jornais possibilitou compreender,
pelas representações neles presentes, o ato de se suicidar na mesma Belém da Belle Époque,
como a desvendar o lado oculto da lua, que não aparece refletido (e distorcido) nas águas da
Baía do Guajará, mas que está lá ...
136
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