Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Group process and psychologist work in primary health care Journal of Human Growth and Development 2012; 22(3): 388-395
2012; 22(3): 388-395 ORIGINAL RESEARCH
RESUMO:
Este artigo tem por objetivo discutir a atuação do psicólogo na atenção primária à saúde a partir da
proposição de processos grupais alternativos às práticas individualistas. Essas práticas mantêm
tradições de hierarquia profissional-usuário e modelos de normatização e medicalização da vida.
Inspirados na perspectiva construcionista social, abordamos alguns dos pressupostos que inspiram
essa proposta, tais como: (1) processo grupal como alternativa à noção de grupo como uma entidade
autocontida, (2) relações colaborativas profissional-usuário com a constante negociação sobre a
modalidade de atendimento oferecida e (3) auto-reflexividade para compreensão de seus potenciais
e limites. Acreditamos que essa forma de assistência pode inspirar outras práticas grupais que
possibilitem consolidar os princípios do Sistema Único de Saúde Brasileiro e que se aproximem do
ideal de formação profissional em Psicologia preconizado para o trabalho em políticas públicas de
saúde.
ABSTRACT:
This article aims to discuss the role of psychologists in primary health care from the proposition of
group processes alternatively to individualist practices. Those practices keep traditions of hierarchy
and user-professional models of normalization and medicalization. Inspired by social constructionist
epistemology, group process is discussed as an alternative to individualist practices that maintain
traditions of hierarchy between user-professional and to models of normalization and medicalization.
Inspired by the social constructionist perspective, we discuss some of the assumptions that inspire
this proposal of group process, such as: (1) group process as an alternative to the notion of group
as self-contained, (2) user-professional collaborative relationships with the constant negotiation
about the type of care offered and (3) self-reflexivity to understand its potential and limits. We
believe that this form of assistance can inspire other group practices that can implement the principles
of the Brazilian Unified Health System and the ideal of professional training in psychology recommended
for working with public health policies.
1 Professor of the Department of Developmental, Educational and Work Psychology of the Triângulo Mineiro Federal University (Univer-
sidade Federal do Triângulo Mineiro). E-mail: lauravilelasouza@gmail.com.br
2 Associate Professor of the Psychology Post-graduate Program of the Faculty of Philosophy, Sciences and Languages of Ribeirão Preto,
University of São Paulo (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo). Support: National
Council for Scientific and Technological Development – CNPq. E-mail: masantos@ffclrp.usp.br
Corresponding author: lauravilelasouza@gmail.com.br
Suggested citation: Souza LV, et al, dos Santos MA. Group process and psychologist work in primary health care. 2012; 22(3):
388-395
Manuscript submitted Dec 08 2011, accepted for publication Feb 10 2012.
–1-
Group process and psychologist work in primary health care Journal of Human Growth and Development 2012; 22(3): 388-395
–2-
Group process and psychologist work in primary health care Journal of Human Growth and Development 2012; 22(3): 388-395
–3-
Group process and psychologist work in primary health care Journal of Human Growth and Development 2012; 22(3): 388-395
–4-
Group process and psychologist work in primary health care Journal of Human Growth and Development 2012; 22(3): 388-395
–5-
Group process and psychologist work in primary health care Journal of Human Growth and Development 2012; 22(3): 388-395
antes de um processo grupal ser proposto, haja o considera que de melhor você pode oferecer para
compartilhamento de sentidos sobre esse proces- nosso trabalho? O que você precisaria que a gente
so entre as pessoas que compõem a instituição de fizesse para te ajudar a oferecer esse seu melhor?
saúde na qual este vai ser realizado. É importante O que você precisa para se sentir confortável nesse
ouvir todas as pessoas envolvidas sobre o que en- trabalho conjunto? De que forma você poderia nos
tendem e esperam do atendimento. Aqui estamos ajudar a saber quando você não estiver se sentin-
falando da gerência, dos profissionais que coorde- do confortável? O que, para você, precisaria acon-
narão o processo grupal, dos demais profissionais tecer na nossa prática para que você sentisse que
da instituição, do pessoal da limpeza, da portaria, está fazendo um bom trabalho ou para sentir que
da segurança e de outros serviços vinculados à ins- pôde atender de forma eficaz aos usuários? Essa
tituição. Esse compartilhamento encoraja essas conversa leva as pessoas a perceberem que, mui-
pessoas a produzirem sentidos sobre o atendimen- tas vezes, desentendimentos entre colegas de tra-
to que permitirão que esse espaço seja valorizado balho acontecem por tomarmos como óbvio aquilo
no serviço, que as pessoas saibam fazer boas indi- que o outro precisa ou deve fazer. Ao perguntar
cações de participantes, que possam motivar os para o outro como ele vai me indicar que não está
usuários a participarem, que se sintam à vontade satisfeito com algo que estou fazendo, estou impli-
para solicitarem mais informações sobre essa prá- cando o outro no alcance do sucesso de nossa rela-
tica, que negociem e respeitem os limites de horá- ção. As respostas a essas perguntas mostram que,
rio e uso de sala para o processo grupal acontecer. em muitos momentos, as pessoas podem divergir
A integração desse atendimento com as de- com relação ao seu modo de entender o ser huma-
mais estratégias oferecidas pela instituição de saúde no, mas podem ter interesses comuns em relação
depende, de acordo com nossa experiência, da aber- ao que desejam para os usuários. Nesse sentido,
tura da coordenação em contar para as pessoas deixa de ser importante qual a técnica que vai ser
sobre o que está sendo proposto, incentivá-las a utilizada para movimentar o processo grupal, mas
fazerem perguntas sobre esse espaço e permitir sim se ela permite alcançar objetivos comuns.
parcerias com outros profissionais do serviço. Mui- Nesse momento, também é importante a
tas vezes o atendimento psicológico nas UBS é si- exploração de como cada participante entende o
nônimo de mistério, com o psicólogo falando pouco que é grupo ou processo grupal. Se processo grupal
de seu trabalho com os demais trabalhadores da for entendido como uma reunião semanal em um
instituição, funcionando de acordo com uma lógica espaço delimitado, por exemplo, outras possibili-
privatista de atendimento. dades, tais como se mover com os participantes
Além do necessário compartilhamento de para outros ambientes e realizar outras atividades
sentidos, consideramos rica a possibilidade de o no espaço externo à UBS, ficam de fora. Esses di-
processo grupal ser conduzido por uma equipe de ferentes formatos possíveis para o processo grupal
trabalho e não apenas por um coordenador. Quan- e sua maleabilidade dizem muito dos sentidos so-
do nos propomos a trabalhar com a valorização de cialmente disponibilizados sobre o que é grupo e
lógicas distintas em saúde, o coletivo multidiscipli- sobre como ele deve ser feito. Quanto mais a pro-
nar é importante também para o trabalho profis- posta da prática grupal estiver alinhada às expec-
sional, com a garantia de trocas sobre como o aten- tativas locais de gestores, profissionais, coordena-
dimento pode ser feito. A elevada demanda por dores e usuários, maior a probabilidade de ela ser
atendimento psicológico nas instituições públicas exitosa.
de saúde muitas vezes inibe esse trabalho Em relação à crítica apontada por Ferreira
colaborativo. Todavia, percebemos que muitas ve- Neto e Kind7 acerca da ênfase na doença, no caso
zes essas parcerias não acontecem pelo fato de o de grupos homogêneos por diagnóstico, entende-
psicólogo temer trabalhar com colegas que mos que muitas vezes o agrupamento de pessoas
direcionam suas práticas a partir de teorias distin- que aguardam atendimento psicológico nas UBS é
tas das suas. Considerando-se o discurso feito de forma a considerar ou a psicopatologia,
construcionista social, as teorias psicológicas pas- quando um psicodiagnóstico foi realizado, e/ou o
sam a ser vistas não como a representação fiel de desejo do usuário de participar de atendimento
como as coisas são, mas como opções discursivas, grupal, e/ou a avaliação da capacidade do usuário
com diferentes potenciais para construção de ações de se adequar a um atendimento desse tipo. No
em saúde. último caso, usualmente leva-se em conta o grau
Algumas estratégias podem ser úteis para se de introversão da pessoa e seu momento de vida,
“trabalhar na diferença”. Uma delas é promover analisando se ela tem possibilidade de escuta dos
rodadas de conversa entre as pessoas da equipe demais participantes, entre outros critérios men-
de coordenação dos processos grupais sobre o que cionados na literatura da área com relação à sele-
elas esperam sobre esse atendimento e sobre as ção e composição grupal, tais como grau de orga-
relações que elas estabelecem umas com as ou- nização mental e a presença de psicopatologia
tras. Algumas perguntas podem ajudar nas con- grave23. Cada critério utilizado construirá um pro-
versas entre os membros da equipe antes de ini- cesso grupal distinto, com potenciais e limites es-
ciar os atendimentos aos usuários, com cada uma pecíficos. Nos atendimentos dos psicólogos em UBS,
das pessoas refletindo e respondendo: O que você o diagnóstico se faz presente por demanda das
–6-
Group process and psychologist work in primary health care Journal of Human Growth and Development 2012; 22(3): 388-395
–7-
Group process and psychologist work in primary health care Journal of Human Growth and Development 2012; 22(3): 388-395
grupal, número máximo de participantes que a sala lhor avaliadas pelos usuários e coordenadores. O
comporta) ou a preferências e necessidades pes- que não significa dizer que o profissional não possa
soais ou da equipe – por exemplo, em relação a trazer para as conversas em grupo suas verdades
como os coordenadores gostariam de ser chama- em saúde, mas que, por ser posicionado muitas
dos ou o que precisa acontecer para se sentirem vezes como figura de autoridade, a forma de colocá-
mais confortáveis na escuta dos participantes). las deve ser pensada para que se utrapasse o mo-
Uma vez estabelecido o contrato, iniciam-se delo educativo em saúde6-7.
as negociações sobre os objetivos do processo Uma forma útil de apresentar o conhecimen-
grupal, ou seja, a definição do para que ele está to do coordenador no grupo sem sua imposição é
sendo proposto. É no microcosmo dessas conver- oferecê-lo no formato de sugestões, esclarecendo
sações que será definido aquilo que será tomado porque essas sugestões lhe parecem interessantes
como problema, como desafio e como desejo. Todo e como imagina que possam ser úteis. Ao deixar
processo conduzido até então de co-responsabili- claro o que se busca com aquilo que está sendo
zação profissional-usuário pode garantir, nesse sugerido, o usuário pode responder com uma ideia
momento, que os participantes definam objetivos diferente sobre como chegar ao mesmo objetivo
que impliquem a todos, saindo de uma lógica de almejado pelo profissional. Outra forma é a coor-
atendimento individual em grupo. A postura da co- denação não se colocar em uma posição de certeza
ordenação de ajudar os participantes a definirem sobre a condução do grupo, podendo conversar
seus objetivos, de forma a transformá-los em ob- entre si, na frente dos participantes, sobre suas
jetivos comuns a todos, permite que as redes so- dúvidas com relação ao caminho que o grupo está
ciais de apoio sejam construídas. Temas para con- seguindo. Para os participantes, ouvir essa conver-
versas futuras podem ser elencados. O processo sa é a possibilidade de se expor a modelos de con-
grupal como espaço para se conversar sobre como dução de atendimentos nos quais há espaço para
é possível adquirir e manter uma boa condição de esquecimentos, incertezas, dúvidas, mudanças,
saúde deve valorizar a troca de sentidos entre to- reformulações de combinados e trocas entre pro-
dos os envolvidos sobre o que é saúde e como é fissionais.
possível promovê-la. Outros aspectos a serem ne- A reflexividade, nesse cenário relacional, de-
gociados: a frequência dos encontros do processo verá servir para que a coordenação possa constan-
grupal, os locais desses encontros, o número de temente colocar em avaliação o trabalho realizado,
encontros, se será um processo grupal aberto à convidando também os usuários para essa meta-
entrada de novas pessoas, se é problema as pes- análise. Essa postura auto-reflexiva da coordena-
soas não virem em todos os encontros, qual o limi- ção pode acontecer durante os encontros grupais,
te de tolerância para os atrasos, se o processo com a equipe trocando, de forma transparente,
grupal deve sempre ser coordenado por um profis- opiniões sobre os encontros propostos. Comumen-
sional, entre outros aspectos. Ao longo do tempo, te, os usuários entendem esses momentos de con-
todos esses aspectos podem ser renegociados. versa da equipe como um cuidado em relação ao
Uma ressalva deve ser feita. Em muitos mo- atendimento proposto e revelam que tal forma de
mentos estamos falando de processo grupal a par- relacionamento foi um dos aspectos que os fizeram
tir de categorias que são embasadas por algumas manter a motivação para frequentar os encontros.
teorias sobre dinâmica de grupo que indicam a ne- Diferentes atividades avaliativas podem ser
cessidade de uma coordenação, seleção de partici- propostas. Quanto mais a coordenação aposta em
pantes, definição de setting, papéis diferenciados uma parceria com os usuários, mais o jogo de po-
dentro do grupo, entre outros requisitos. Todavia, sicionamento profissional-especialista/usuário-alvo
incentivamos a exploração de outros formatos de de cuidado se transforma. Assim, é possível perce-
processos grupais que possam ir além e desconstruir ber a riqueza das conversas nas quais os usuários
essas categorias, caso essa desconstrução possa são convidados a delinearem os atendimentos fu-
responder de forma mais adequada às demandas turos, não delegando apenas aos profissionais essa
locais de cada comunidade. função. Avaliar, dessa forma, não é apenas pergun-
Outra ressalva importante é a de que todo o tar para o usuário o que ele gostou ou não gostou,
processo de negociação não acontece à parte das mas convidá-lo a participar da tomada de decisão
tradições em saúde anteriormente mencionadas. e legitimar sua opinião na estruturação das ações
Entendemos que abrir a negociação com os usuá- a serem propostas por aquela instituição de saúde.
rios é uma postura que só se sustenta se estiver Nesse ponto, o conceito de autonomia está sendo
endossada por uma crença do profissional de que o tomado não como uma qualidade que o usuário pode
saber da comunidade é tão legítimo quanto o cien- ou não possuir, dependendo do profissional para
tífico. A epistemologia construcionista social nos reconhecer sua existência, mas como a possibili-
ajuda a apostar nessa produção conjunta, espe- dade do usuário participar da construção de sua
cialmente nos momentos nos quais as propostas saúde, em diálogo com o profissional, a partir de
dos usuários são distintas daquilo que tomamos sua própria avaliação sobre sua possibilidade de
como necessário para promoção de saúde. E essas engajar-se nessa tarefa.
apostas têm nos mostrado que as intervenções co- Com relação à tradição da neutralidade afetiva
produzidas geralmente têm maior êxito e são me- do profissional, as teorias psicológicas modernas em
–8-
Group process and psychologist work in primary health care Journal of Human Growth and Development 2012; 22(3): 388-395
muito contribuíram para defesa de uma distância recursos e ideias sobre como conduzir processos
ótima entre psicólogo e usuário. Na proposta dos grupais, abrindo a conversa para se pensar proces-
processos grupais informada pela perspectiva so grupal e identidade como construções sociais.
construcionista social, distância ou proximidade Acreditamos que a proposta de trabalho con-
afetiva no relacionamento psicológo-usuário não são junto na coordenação de processos grupais pode
julgadas a priori, mas avaliadas a partir de seus efei- colaborar na superação do sentimento de impotên-
tos para construção de um relacionamento positivo cia dos psicólogos que atuam nas UBS com relação
entre ambos. Fica claro que o critério não é mais o aos resultados de seu trabalho, de modo a encon-
da validação científica que atestaria qual a melhor trarem apoio e aprendizagem mútua. Além disso, a
forma do psicólogo se posicionar, mas a utilidade proposta de práticas grupais abertas para a nego-
que esses posicionamentos podem ter para a cons- ciação constante da própria intervenção, em nosso
trução de encontros relacionais profícuos. entender, vai ao encontro de modos de envolvimen-
Finalizando, neste estudo buscamos estabe- to profissional-usuário com privilégio na qualidade
lecer um diálogo entre a literatura construcionista dos vínculos estabelecidos e que respondam as de-
social sobre práticas grupais (e facilitação de diálo- mandas específicas de cada contexto.
go) e a filosofia do SUS, visando à proposição de O foco apreciativo, a postura reflexiva e a
processos grupais na APS que busquem responder abertura à participação dos usuários são táticas que
às críticas e desafios desse campo de atuação do podem contribuir para estruturar os processos gru-
psicólogo. As análises tecidas contribuem para pen- pais não por meio de psicodiagnósticos, mas sim a
sar a atuação de psicólogos (assim como, de certo partir dos recursos que coordenação e usuários têm
modo, outros profissionais da saúde) na proposta a oferecer para que o trabalho possa acontecer.
de processos grupais. Todavia, de maneira especí- Pesquisas futuras certamente reportarão outras
fica, problematizam o uso das teorias psicológicas possibilidades de configurações de processos gru-
sobre grupo e sobre psicopatologia, refletindo so- pais ainda mais permeáveis aos saberes populares
bre seus efeitos para a essencialização de um modo e independentes do saber biomédico para a cons-
cristalizado de se fazer grupo e de compreender trução da saúde da população. Nesse contexto, os
seus participantes. Em uma tentativa de apontar psicólogos serão convidados a transformarem não
um caminho para a superação dessa apenas suas práticas, mas seu modo de olhar para
essencialização, propusemos algumas ferramentas, sua função na produção do bem-estar alheio.
–9-
Group process and psychologist work in primary health care Journal of Human Growth and Development 2012; 22(3): 388-395
– 10 -