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Journal of Human Growth and Development

Group process and psychologist work in primary health care Journal of Human Growth and Development 2012; 22(3): 388-395
2012; 22(3): 388-395 ORIGINAL RESEARCH

PROCESSO GRUPAL E ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ATENÇÃO


PRIMÁRIA À SAÚDE

GROUP PROCESS AND PSYCHOLOGIST WORK IN


PRIMARY HEALTH CARE
Laura Vilela e Souza1, Manoel Antônio dos Santos2

RESUMO:

Este artigo tem por objetivo discutir a atuação do psicólogo na atenção primária à saúde a partir da
proposição de processos grupais alternativos às práticas individualistas. Essas práticas mantêm
tradições de hierarquia profissional-usuário e modelos de normatização e medicalização da vida.
Inspirados na perspectiva construcionista social, abordamos alguns dos pressupostos que inspiram
essa proposta, tais como: (1) processo grupal como alternativa à noção de grupo como uma entidade
autocontida, (2) relações colaborativas profissional-usuário com a constante negociação sobre a
modalidade de atendimento oferecida e (3) auto-reflexividade para compreensão de seus potenciais
e limites. Acreditamos que essa forma de assistência pode inspirar outras práticas grupais que
possibilitem consolidar os princípios do Sistema Único de Saúde Brasileiro e que se aproximem do
ideal de formação profissional em Psicologia preconizado para o trabalho em políticas públicas de
saúde.

Palavras-chave: prática de grupo; atenção primária à saúde; psicologia.

ABSTRACT:

This article aims to discuss the role of psychologists in primary health care from the proposition of
group processes alternatively to individualist practices. Those practices keep traditions of hierarchy
and user-professional models of normalization and medicalization. Inspired by social constructionist
epistemology, group process is discussed as an alternative to individualist practices that maintain
traditions of hierarchy between user-professional and to models of normalization and medicalization.
Inspired by the social constructionist perspective, we discuss some of the assumptions that inspire
this proposal of group process, such as: (1) group process as an alternative to the notion of group
as self-contained, (2) user-professional collaborative relationships with the constant negotiation
about the type of care offered and (3) self-reflexivity to understand its potential and limits. We
believe that this form of assistance can inspire other group practices that can implement the principles
of the Brazilian Unified Health System and the ideal of professional training in psychology recommended
for working with public health policies.

Key words: group practice; primary health care; psychology.

1 Professor of the Department of Developmental, Educational and Work Psychology of the Triângulo Mineiro Federal University (Univer-
sidade Federal do Triângulo Mineiro). E-mail: lauravilelasouza@gmail.com.br
2 Associate Professor of the Psychology Post-graduate Program of the Faculty of Philosophy, Sciences and Languages of Ribeirão Preto,
University of São Paulo (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo). Support: National
Council for Scientific and Technological Development – CNPq. E-mail: masantos@ffclrp.usp.br
Corresponding author: lauravilelasouza@gmail.com.br

Suggested citation: Souza LV, et al, dos Santos MA. Group process and psychologist work in primary health care. 2012; 22(3):
388-395
Manuscript submitted Dec 08 2011, accepted for publication Feb 10 2012.

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INTRODUÇÃO como decorrência das características da população


atendida, que não entenderia o benefício do aten-
A partir da década de 1970, os psicólogos dimento oferecido ou sua finalidade. Antes de en-
viram emergir no campo da assistência pública em tendermos esse abandono como resultado da difi-
saúde uma importante área de atuação profissio- culdade dos usuários, correndo o risco de
nal. Essa abertura aconteceu, segundo Dimenstein1, incorrermos em uma análise reducionista da ques-
influenciada pelo investimento do Estado na pro- tão, devemos analisar quais são os possíveis cená-
posição de mudanças nas políticas públicas em saú- rios relacionais a partir dos quais essa não adesão
de, pela crise econômica no país, que fez diminuir acontece4.
os atendimentos particulares, pelo esforço das ca- Esses cenários envolvem aspectos micro e
tegorias de representação dos psicológos de macrossociais, tais como a insatisfação dos usuá-
explicitarem a importância social de seu trabalho e rios com as propostas de atendimento oferecidas;
pelo maior conhecimento das teorias psicológicas a impotência do psicólogo que não se sente prepa-
por parte das pessoas leigas. A atuação profissio- rado para desenvolver seu trabalho nesse contex-
nal na área da saúde foi marcada por transforma- to; o pouco espaço oferecido na formação profis-
ções, sobretudo a partir de acordos internacionais sional dos graduandos em Psicologia para o
que definiram novos paradigmas para a assistência conhecimento e atuação na APS; a falta de reco-
em saúde. nhecimento dos dirigentes das instituições de saú-
A Declaração de Alma-Ata (1978) e a Carta de em relação à importância do trabalho do psicó-
de Ottawa (1986) foram dois importantes documen- logo nas unidades básicas de saúde; a alta demanda
tos que ampliaram o conceito de saúde e redefiniram combinada com baixa oferta de psicólogos qualifi-
seus níveis de atenção. No Brasil, essas discussões cados e a falta de incentivo à capacitação2,5-8.
culminaram na Lei 8.080 de 1990 que propôs o Sis- Com todos esses desafios a serem supera-
tema Único de Saúde (SUS), um sistema descen- dos, mantém-se a defesa por um atendimento
tralizado, setorizado e hierarquizado. Especialmen- relacional, processual, intersetorial e integralizado,
te, esse novo sistema respondeu às críticas da como apontado por Andrade e Simon2. Essa forma
hegemonia do modelo biomédico e do foco exclusi- de assistência, segundo as autoras, tem como foco
vo no tratamento de doenças. Começou-se a se a valorização dos recursos dos usuários, a constru-
priorizar a prevenção e promoção de saúde. Para ção de redes sociais de apoio, a crítica do profissio-
tanto, os diferentes níveis de atenção à saúde fo- nal sobre o caráter histórico de suas práticas e os
ram organizados em: primário, secundário e limites de sua atuação. Como enfatizado pelas pes-
terciário. quisadoras, uma das formas de alcançar esses ob-
Como afirmam Andrade e Simon2, a atenção jetivos é a proposição de formas de atendimento
primária à saúde (APS) é a porta de entrada das com foco coletivo e não individual, daí a priorização
pessoas no sistema de saúde, sendo o nível de aten- das práticas grupais para promoção da saúde na
ção no qual os profissionais têm maior possibilida- APS.
de de se aproximar do contexto sociocultural do Este artigo tem por objetivo discutir a atua-
usuário, conhecer suas famílias, o local onde resi- ção do psicólogo na atenção primária à saúde a
dem, podendo manter contato com essas pessoas partir da proposição de processos grupais alterna-
não apenas nas situações de doença. Daí a possibi- tivos às práticas individualistas, com foco no indi-
lidade de esse nível de atenção oferecer estraté- víduo e ênfase na busca de soluções para os pro-
gias de prevenção e promoção de saúde em decor- blemas ao invés do desenvolvimento de recursos
rência de sua proximidade com a comunidade local. para lidar com as situações adversas.
O termo atenção primária à saúde tem sido utiliza-
do no contexto brasileiro, muitas vezes, como si-
nônimo de atenção básica à saúde. Todavia, o en- MÉTODO
tendimento predominante em nossa cultura é o da
atenção primária à saúde como o conjunto de ser- Trata-se de um estudo teórico que buscou
viços da atenção básica à saúde, ou seja, da aten- articular a literatura construcionista social sobre
ção primária como a porta de entrada no sistema práticas grupais e facilitação de diálogos com a fi-
de saúde. As unidades básicas de saúde são, en- losofia do SUS sobre a APS. Tomamos
tão, o local de operacionalização desse nível de aten- construcionismo social como uma postura filosófi-
ção3. ca em relação a todo conhecimento produzido, in-
O início dos atendimentos psicológicos nas clusive o científico9. Definida dessa forma, a pers-
unidades básicas de saúde aconteceu com algumas pectiva construcionista social não é uma teoria strito
dificuldades. Muitos usuários abandonavam os aten- sensu, ou seja, não informa como as coisas são na
dimentos, tinham faltas e atrasos, e não avaliavam realidade, mas entende ontologias como relacionais,
positivamente o cuidado oferecido. Além disso, os como opções discursivas.
psicológos reclamavam da dificuldade em partici- Para alcançarmos o objetivo proposto neste
parem das equipes multiprofissionais1. Segundo estudo, realizamos uma breve revisão da literatura
esta autora, o abandono do atendimento é toma- sobre práticas grupais, promoção de saúde e APS.
do, muitas vezes, como algo natural ao processo, Em seguida, destacamos as principais tradições que

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podem dificultar a proposição de práticas grupais trevistados afirmaram que os atendimentos em


em saúde com foco no coletivo e valorização do grupo possibilitam melhor escuta, reflexão e diálo-
conhecimento produzido pelo usuário. Por fim, ins- go entre profissional e usuário do que ocorre nos
pirados nos estudos de autores que dialogam com atendimentos individuais. Outro benefício da pro-
a proposta construcionista social9-15, tecemos uma posta de grupos para promoção de saúde é evitar
proposta de processos grupais colaborativos na APS, que a necessidade de detecção de uma doença seja
com foco na co-participação profissional-usuário- a única forma das pessoas receberem cuidado. Sen-
comunidade. do assim, nos grupos, as pessoas não precisam
tecer narrativas de problemas para terem espaços
de acolhimento, suporte, convivência e sociabilida-
RESULTADOS de. Por fim, os grupos mais destacados positiva-
mente foram aqueles que mantinham uma atitude
Considerando-se a literatura revisada sobre avaliativa com relação ao seu trabalho.
práticas grupais e sobre práticas colaborativas Importantes questionamentos têm sido levan-
construcionistas sociais, apresentaremos em segui- tados sobre a prática grupal e APS7. O primeiro de-
da: (1) as práticas grupais que têm sido realizadas les é: como superar o foco na patologia com a pro-
na APS por psicólogos, (2) as tradições em saúde posição de grupos homogêneos? Nessa pergunta,
que precisam ser superadas para a proposição de os autores convidam à reflexão sobre a composição
processos grupais alternativos aos modelos indivi- grupal, mostrando que, muitas vezes, os grupos
dualistas e guiados pelo saber biomédico, e (3) os homogêneos não apenas mantêm formatos
recursos e ferramentas para conversas dialógicas prescritivos, como servem para diminuir a demanda
que podem inspirar esses processos grupais. e otimizar os atendimentos. Nesse sentido, a apos-
ta não é no potencial das trocas estabelecidas entre
(1) Práticas grupais e atenção primária coordenador e participantes para co-construção da
à saúde saúde. O atendimento permanece focado em “indi-
Como alternativa à oferta de atendimento na víduos em grupo”, com orientações em massa.
modalidade de psicoterapia individual, os espaços Outro questionamento é sobre a garantia do
grupais de assistência têm sido incentivados na APS. potencial participativo em um grupo, o que os au-
Todavia, em muitos casos, repetem-se, nos gru- tores chamam de protagonismo autogestivo dos
pos, algumas posturas criticadas pela filosofia do usuários das instituições de saúde. Em seu estudo,
sistema de saúde. Psicólogos de todo o país menci- os referidos pesquisadores perceberam elementos
onam, em estudo realizado pelo Conselho Federal de sujeição nos grupos realizados no âmbito da Es-
de Psicologia6, que os grupos realizados na APS tratégia Saúde da Família (ESF). Como enfatizam
terminam, muitas vezes, sendo espaço para os autores, o termo participação muitas vezes é
detecção de doenças e para orientação dos usuá- pensado como apenas a postura do coordenador
rios sobre como eles devem viver suas vidas para de convidar os usuários a falarem sobre os atendi-
manterem-se saudáveis, mantendo-se a tradição mentos oferecidos, em uma atitude paternalista.
de medicalização da saúde. O atendimento em gru- Diferentes graus de co-condução dos grupos na ESF
po é positivamente avaliado pelos psicólogos parti- são identificados, com a convivência da valoriza-
cipantes do estudo no que concerne à possibilida- ção do saber técnico especializado e a abertura às
de de envolvimento dos usuários e de integração decisões comunitárias. Os coordenadores entrevis-
com os profissionais de saúde. tados acreditam que as práticas poderiam ser mais
Ferreira Neto e Kind7, em seu estudo sobre participativas, considerando que os usuários têm
práticas grupais e promoção da saúde, apontam a muito a ensinar aos profissionais. Já os usuários
relevância do investimento em grupos que se dis- mencionaram que participar das decisões é impor-
tanciem do modelo de normatização em saúde, com tante, mas que também desejam receber informa-
abertura para o trabalho coletivo. Os autores des- ções dos profissionais.
tacam como positivos os grupos que ultrapassam o O terceiro questionamento levantando é so-
formato educativo e que não trazem orientações bre como evitar uma noção de autonomia individu-
prontas sobre como as pessoas devem ser ou agir, alista, ou seja, como evitar que o grupo seja espa-
com pouco espaço para acolher os saberes popula- ço para controle sobre a vida das pessoas? O desafio
res. Em sua pesquisa, os referidos pesquisadores aqui é o reconhecimento do saber popular, do em-
perceberam que os grupos com avaliação satisfa- poderamento do usuário e da superação da depen-
tória de seus coordenadores e participantes são dência do saber técnico. Por exemplo, alguns psi-
aqueles que foram construídos em respostas às cólogos entrevistados mencionaram ter dificuldade
demandas locais dos usuários, deixando para se- em validarem os grupos de convivência e ativida-
gundo plano as referências teóricas e técnicas no des físicas, dando maior valor aos grupos com foco
campo da dinâmica de grupo. Muitos profissionais na palavra, como as terapias de grupo, ainda que a
entrevistados afirmaram que estar em grupo com população atendida mencionasse maiores ganhos
os usuários do serviço permite uma maior aproxi- com outras modalidades grupais que, em alguns
mação com a sua vida cotidiana, fortalecendo vín- casos, inclusive, prescindiam da presença de um
culos instituição-comunidade. Além disso, os en- profissional na coordenação.

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Pensar novas propostas de grupos em saúde da sensibilidade e do esforço de todos os agentes


a partir desses questionamentos pode propiciar envolvidos na conversação.
práticas grupais em maior consonância com os prin- A t e r c e i ra t r a d i ç ã o é a d a r e l a ç ã o
cípios do SUS. Porém, para tanto, algumas tradi- hierarquizada entre profissional e usuário, em
ções em saúde precisam ser superadas. uma diferença de posições que garantiria o res-
peito à autoridade profissional. Nesse jogo de po-
(2) Da necessidade de superação de algumas sicionamentos, o profissional é quem, a priori,
tradições em saúde define as intervenções em saúde a serem imple-
A primeira tradição é a da especialidade pro- mentadas. Ainda que, na atualidade, muito se
fissional, que promove a valorização do conheci- discuta sobre a participação da população na cons-
mento científico especializado em detrimento do trução das políticas em saúde, com o advento do
conhecimento popular. Nessa tradição, o jogo de controle social, a noção de autonomia, da forma
posicionamento mais comum é do profissional de como muitas vezes é entendida nesse cenário,
saúde como aquele que detém o conhecimento e põe nas mãos do profissional a definição sobre
poder sobre o outro (usuário) e do usuário como quem é ou não autônomo na tomada de decisões
alguém passivo frente às decisões tomadas que em saúde 14. Especialmente, considerando-se o
o envolvem. Nessa tradição, o diálogo pode ser atendimento de pessoas diagnosticadas com
obstruído quando o profissional entende que exis- psicopatologias, essa abertura para co-condução
te apenas uma verdade sobre o que acontece com do tratamento pode ser ainda menor. Não são
o usuário – a verdade “científica”, e que, portan- poucos os desafios enfrentados por profissionais
to, qualquer entendimento que o usuário tiver para considerarem seriamente como propostas te-
sobre seu corpo e sua vida que seja distinto da rapêuticas alternativas mencionadas pelos usuá-
lógica científica deverá ser ignorado ou modifica- rios, quando elas diferem demais daquilo que o
do18. Importante ressaltar que não se trata de profissional aprendeu como o mais eficaz para o
má intenção do profissional, mas de entender que caso em questão11. A polêmica aqui guarda rela-
suas ações respondem a discursos em saúde que ção com a impossibilidade de convivência de
legitimam essa forma de agir como cuidado ao múltiplas realidades em saúde, sem que, com isso,
outro. Diferentes discursos sustentam diferentes se perca a importância do conhecimento profis-
práticas. A partir do discurso construcionista so- sional especializado18.
cial, saúde é considerada como construção so- As propostas propagadas pelas políticas pú-
cial, portanto, os sentidos sobre o que é saúde e blicas em saúde contemporâneas estão na contra-
como promovê-la, propagados pelos discursos mão dessas tradições. Elas preconizam a
científicos, não são tomados como a verdade úl- horizontalização e humanização das relações pro-
tima sobre como as coisas são, mas como produ- fissional-usuário, da possibilidade da comunidade
ções contextualizadas histórica e socialmente. participar da construção dessas políticas, via con-
Aqui, tomamos construção social como a matriz trole social. Acreditamos que alguns recursos e fer-
na qual a ideia de saúde é formada19, incluindo ramentas podem colaborar para a construção de
discursos, sentidos, instituições e condições ma- condições objetivas para a superação dessas tradi-
teriais de produção. ções. Dentre as alternativas, iremos considerar a
A segunda tradição é a da neutralidade afetiva potencialização dos processos grupais como ins-
do profissional, que entende que seu conhecimento trumental para a instauração de uma práxis trans-
técnico não deve ser influenciado por uma proximi- formadora.
dade afetiva com o usuário, o que o impediria de
formular julgamentos isentos e objetivos em relação (3) Recursos e ferramentas para conversas
à atenção oferecida. Na avaliação da promoção de dialógicas
práticas dialógicas, entende-se que é justamente a Ao pensarmos práticas grupais, partimos da
proximidade afetiva entre as pessoas que propicia crítica da noção de grupo, propagada tradicional-
uma escuta genuína10. Ao entrevistar usuários e co- mente pela literatura psicológica, como grupo-es-
ordenadores de grupo, estudo capturou relatos de sência ou grupo-unidade. Nessa concepção, grupo
como a afetividade promovida pelas interações e as é tomado tal qual um indivíduo, com fenômenos
aproximações entre profissional e usuário no grupo que se repetem no tempo e uma dinâmica particu-
favoreceram a eliminação das estereotipias no rela- lar20. Em nosso trabalho, tomamos o grupo como
cionamento e mudanças na forma de vida – tanto construção social13, ou seja, grupo como um pro-
dos usuários como dos profissionais7. Dada a tradi- cesso constante de transformação, definido e cons-
ção da neutralidade afetiva e da especialidade profis- tituído a partir das práticas discursivas que circuns-
sional, é praticamente tabu pensar um atendimento crevem o para que ele serve, como ele deve ser
em saúde a partir dos ganhos que ele pode oferecer feito, quem deve participar e como deve ser o pa-
ao profissional. Todavia, quem vive o cotidiano de pel do seu coordenador. Por entender grupo dessa
uma UBS sabe a importância que esses encontros maneira optamos, neste estudo, pelo uso do termo
afetivos têm para incrementar a sensação de potên- “processo grupal” ao invés de “grupo”, para evitar
cia e a motivação dos profissionais. No diálogo, sen- sua essencialização e enfatizar o acontecer grupal
tir-se ouvido é uma conquista relacional dependente em constante transformação e redefinição.

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Processos grupais em saúde são espaços de nhecimento16, para pensarmos a possibilidade de


constantes negociações entre coordenação e parti- adoção de uma postura auto-reflexiva dos coorde-
cipantes sobre como deve ser esse processo, ne- nadores na condução de práticas grupais.
gociações marcadas por circunscritores que incluem Reflexividade é a busca, por parte do coordenador,
aspectos da própria instituição e dos sentidos que de avaliar que sentidos sobre o mundo sustentam
coordenadores e participantes trazem sobre como sua prática, quais são os valores, crenças e formas
deve ser um atendimento desse tipo. A perspectiva de vida que ele prioriza e de que forma essa
construcionista social não informa uma técnica priorização fala de sua história de socialização, de
grupal a ser seguida, mas, a partir de seus pressu- pertença a grupos sociais específicos, de interações
postos, inspira a criação de recursos e ferramentas ao longo da vida, que vão oferecendo repertórios
que podem ser utilizados na busca de conversas discursivos específicos para definição de bem-es-
dialógicas. Consideramos um processo grupal tar e oferta de cuidado. Uma postura auto-reflexi-
dialógico aquele no qual duas ou mais pessoas se va permite a delimitação dos potenciais e das fra-
tornam responsivas ao que acontece entre elas na gilidades das ações em saúde. A partir da
conversa, de forma a permitir que a diferença apa- perspectiva construcionista social, essa avaliação
reça, seja legitimada a partir das lógicas discursi- sobre quem somos, sobre o para quem endereça-
vas que a sustentam e seja explorada com curiosi- mos nossas ações e sobre os contextos de produ-
dade9,21. ção de sentidos não é sinônimo de uma análise pre-
Uma ferramenta interessante é a das conver- cisa, verdadeira e final sobre os potenciais e limites
sas preparatórias pré-processo grupal. Essas con- da atuação profissional, mas a oportunidade de não
versas foram propostas para participantes que iri- se perder de vista a especificidade histórico-cultu-
am iniciar uma terapia de grupo12, todavia, tal ral de qualquer proposta de assistência.
recurso pode ser exportado para outros contextos. Por fim, outro recurso importante reside na
Nessas conversas o coordenador propõe que a pes- postura apreciativa dos coordenadores em relação
soa antecipe sua participação no espaço grupal pen- às qualidades dos usuários. A partir da perspectiva
sando sobre o que gostaria de conversar nesse es- construcionista social, práticas discursivas partici-
paço e como gostaria que esse processo grupal pam da construção de realidades, portanto, descri-
acontecesse. Entre outros aspectos, essas sessões ções problemáticas favorecem a produção de reali-
de preparação permitem, segundo os autores, an- dades problemáticas, podendo manter as pessoas
tecipar as possíveis dificuldades que o participante em um estado de impotência e desânimo em rela-
imagina que possa vivenciar ao estar em relação ção à sua situação de vida 17 . A perspectiva
com os demais participantes, pensando desde esse construcionista social propõe entendermos a iden-
momento inicial em possíveis estratégias para lidar tidade como fluida e não estável. Essa posição fa-
com elas. Permitem também que se estabeleçam vorece a exploração da multiplicidade de eus que
contratos de coresponsabilização sobre como deve constituem as pessoas, de modo a aproveitar cada
ser o processo grupal de forma a atender as expec- uma de suas habilidades para lidar com diferentes
tativas dos participantes. Dessa maneira, o partici- situações15. Não se está em pauta a pergunta so-
pante é tomado como copartícipe tanto dos suces- bre quem são realmente os participantes do grupo,
sos como dos eventuais fracassos do processo grupal. pois o real, nesse caso, depende das trocas discur-
Outra ferramenta útil para proposta de pro- sivas de definição dos eus dos participantes. A ên-
cessos grupais é a construção do contexto fase do coordenador está em quem os participan-
conversacional, que é a construção colaborativa do tes podem ser, como querem se colocar em suas
contrato grupal22. Nesse contrato são mencionados relações e o que querem produzir a partir delas.
os aspectos inegociáveis (por exemplo, possibilida- Especialmente em grupos formados por pessoas
des de local e horário para o encontro entre as pes- usualmente descritas nos serviços de saúde a par-
soas, número máximo de participantes, quem o co- tir de suas doenças, pensar o “eu” como múltiplo é
ordenará, entre outros circunscritores) e negociados apostar que no grupo possam aparecer as versões
os aspectos possíveis de serem ajustados (como os de si capazes de enfrentar desafios, de buscar so-
objetivos do processo grupal, o formato das conver- luções criativas, de criar bons relacionamentos e
sas, os temas que animarão os diálogos, entre ou- de se viver a vida de maneira positiva.
tros). Em cada processo grupal os aspectos
inegociáveis serão distintos, podendo haver maior
ou menor flexibilidade de negociação. Na constru- DISCUSSÃO
ção do contexto conversacional os participantes são
convidados a falarem sobre o que precisam para se Entendemos que o uso desses recursos e fer-
sentirem confortáveis nos encontros grupais, sobre ramentas na promoção de processos grupais em
quais são suas expectativas, qual seu papel em re- saúde pode favorecer a produção de relações mais
lação ao da coordenação e como poderão avaliar o horizontais entre profissional e usuário, com escu-
êxito do que estão produzindo juntos. ta generosa e valorização da multiplicidade de sen-
Um recurso considerado valioso para a pro- tidos sobre saúde. Além disso, pode estimular o
moção de processos grupais é a reflexividade, to- estabelecimento de boas relações profissional-pro-
mada do campo das teorias sobre produção de co- fissional e profissional-gerência. É interessante que,

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antes de um processo grupal ser proposto, haja o considera que de melhor você pode oferecer para
compartilhamento de sentidos sobre esse proces- nosso trabalho? O que você precisaria que a gente
so entre as pessoas que compõem a instituição de fizesse para te ajudar a oferecer esse seu melhor?
saúde na qual este vai ser realizado. É importante O que você precisa para se sentir confortável nesse
ouvir todas as pessoas envolvidas sobre o que en- trabalho conjunto? De que forma você poderia nos
tendem e esperam do atendimento. Aqui estamos ajudar a saber quando você não estiver se sentin-
falando da gerência, dos profissionais que coorde- do confortável? O que, para você, precisaria acon-
narão o processo grupal, dos demais profissionais tecer na nossa prática para que você sentisse que
da instituição, do pessoal da limpeza, da portaria, está fazendo um bom trabalho ou para sentir que
da segurança e de outros serviços vinculados à ins- pôde atender de forma eficaz aos usuários? Essa
tituição. Esse compartilhamento encoraja essas conversa leva as pessoas a perceberem que, mui-
pessoas a produzirem sentidos sobre o atendimen- tas vezes, desentendimentos entre colegas de tra-
to que permitirão que esse espaço seja valorizado balho acontecem por tomarmos como óbvio aquilo
no serviço, que as pessoas saibam fazer boas indi- que o outro precisa ou deve fazer. Ao perguntar
cações de participantes, que possam motivar os para o outro como ele vai me indicar que não está
usuários a participarem, que se sintam à vontade satisfeito com algo que estou fazendo, estou impli-
para solicitarem mais informações sobre essa prá- cando o outro no alcance do sucesso de nossa rela-
tica, que negociem e respeitem os limites de horá- ção. As respostas a essas perguntas mostram que,
rio e uso de sala para o processo grupal acontecer. em muitos momentos, as pessoas podem divergir
A integração desse atendimento com as de- com relação ao seu modo de entender o ser huma-
mais estratégias oferecidas pela instituição de saúde no, mas podem ter interesses comuns em relação
depende, de acordo com nossa experiência, da aber- ao que desejam para os usuários. Nesse sentido,
tura da coordenação em contar para as pessoas deixa de ser importante qual a técnica que vai ser
sobre o que está sendo proposto, incentivá-las a utilizada para movimentar o processo grupal, mas
fazerem perguntas sobre esse espaço e permitir sim se ela permite alcançar objetivos comuns.
parcerias com outros profissionais do serviço. Mui- Nesse momento, também é importante a
tas vezes o atendimento psicológico nas UBS é si- exploração de como cada participante entende o
nônimo de mistério, com o psicólogo falando pouco que é grupo ou processo grupal. Se processo grupal
de seu trabalho com os demais trabalhadores da for entendido como uma reunião semanal em um
instituição, funcionando de acordo com uma lógica espaço delimitado, por exemplo, outras possibili-
privatista de atendimento. dades, tais como se mover com os participantes
Além do necessário compartilhamento de para outros ambientes e realizar outras atividades
sentidos, consideramos rica a possibilidade de o no espaço externo à UBS, ficam de fora. Esses di-
processo grupal ser conduzido por uma equipe de ferentes formatos possíveis para o processo grupal
trabalho e não apenas por um coordenador. Quan- e sua maleabilidade dizem muito dos sentidos so-
do nos propomos a trabalhar com a valorização de cialmente disponibilizados sobre o que é grupo e
lógicas distintas em saúde, o coletivo multidiscipli- sobre como ele deve ser feito. Quanto mais a pro-
nar é importante também para o trabalho profis- posta da prática grupal estiver alinhada às expec-
sional, com a garantia de trocas sobre como o aten- tativas locais de gestores, profissionais, coordena-
dimento pode ser feito. A elevada demanda por dores e usuários, maior a probabilidade de ela ser
atendimento psicológico nas instituições públicas exitosa.
de saúde muitas vezes inibe esse trabalho Em relação à crítica apontada por Ferreira
colaborativo. Todavia, percebemos que muitas ve- Neto e Kind7 acerca da ênfase na doença, no caso
zes essas parcerias não acontecem pelo fato de o de grupos homogêneos por diagnóstico, entende-
psicólogo temer trabalhar com colegas que mos que muitas vezes o agrupamento de pessoas
direcionam suas práticas a partir de teorias distin- que aguardam atendimento psicológico nas UBS é
tas das suas. Considerando-se o discurso feito de forma a considerar ou a psicopatologia,
construcionista social, as teorias psicológicas pas- quando um psicodiagnóstico foi realizado, e/ou o
sam a ser vistas não como a representação fiel de desejo do usuário de participar de atendimento
como as coisas são, mas como opções discursivas, grupal, e/ou a avaliação da capacidade do usuário
com diferentes potenciais para construção de ações de se adequar a um atendimento desse tipo. No
em saúde. último caso, usualmente leva-se em conta o grau
Algumas estratégias podem ser úteis para se de introversão da pessoa e seu momento de vida,
“trabalhar na diferença”. Uma delas é promover analisando se ela tem possibilidade de escuta dos
rodadas de conversa entre as pessoas da equipe demais participantes, entre outros critérios men-
de coordenação dos processos grupais sobre o que cionados na literatura da área com relação à sele-
elas esperam sobre esse atendimento e sobre as ção e composição grupal, tais como grau de orga-
relações que elas estabelecem umas com as ou- nização mental e a presença de psicopatologia
tras. Algumas perguntas podem ajudar nas con- grave23. Cada critério utilizado construirá um pro-
versas entre os membros da equipe antes de ini- cesso grupal distinto, com potenciais e limites es-
ciar os atendimentos aos usuários, com cada uma pecíficos. Nos atendimentos dos psicólogos em UBS,
das pessoas refletindo e respondendo: O que você o diagnóstico se faz presente por demanda das

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políticas atuais de assistência em saúde, podendo tempo, há falta de confiança em um profissional


ser algo que o psicólogo toma como um descritor que pergunta para o “doente” sobre o que ele pre-
de quem a pessoa é ou como uma nomeação, como cisa. Os coordenadores devem estar atentos a es-
tantas outras, que podem ser exploradas no pro- ses efeitos, sempre lembrando que lógicas contra-
cesso grupal. ditórias em saúde estão presentes no caminho da
Dessa forma, pensando o recurso da postura produção de uma participação comunitária mais
apreciativa, apostamos na condução de processos intensa. Em nossa prática, essas conversas, por
grupais com a exploração da multiplicidade de “eus” colocarem em pauta as preferências e dificuldades
dos participantes. Nesse caso, a coordenação não dos usuários em espaços grupais, aumentam sua
precisa tomar o diagnóstico como elemento confiança nos coordenadores e a possibilidade de
direcionador da seleção e composição grupal. A que eles venham para o primeiro encontro do pro-
composição grupal não necessita se basear em cri- cesso grupal.
térios estabelecidos a priori, mas pode ser um pro- A primeira sessão é fundamental na constru-
cesso ativo de produção de descrições sobre quem ção da adesão do usuário ao processo grupal, en-
são os participantes12. Essas descrições são produ- tendendo adesão como de responsabilidade de to-
zidas não apenas durante a seleção de participan- dos os envolvidos no processo4. A construção do
tes, mas durante todo o processo grupal, sendo contexto conversacional favorece que as pessoas
que a ênfase pode ser colocada sobre as descri- rapidamente se sintam à vontade no processo
ções de si positivas, ou seja, aquelas que remetem grupal, seguras para falar e empolgadas para
a seus potenciais, a suas qualidades e recursos para retornarem nos próximos encontros. Uma pergun-
lidarem com aquilo que em cada momento está ta importante a ser feita para cada participante é:
sendo tomado como dificuldade a ser superada. O que você precisa para se sentir confortável e
Essas descrições são produzidas pelos próprios tranquilo durante as nossas conversas? Essa per-
participantes ou pelos demais integrantes do pro- gunta permite que os usuários possam falar tanto
cesso grupal, a partir do que percebem de seus de aspectos concretos como: preciso sentar longe
colegas. do ventilador, gostaria de saber se tenho carona
Quanto às conversas preparatórias com os para ir embora quando estiver muito cansada, ne-
usuários, entendemos que são a oportunidade de cessito ter certeza de que todos vão guardar se-
negociação de como o processo grupal poderá se gredo do que eu revelar aqui, até aspectos relacio-
tornar satisfatório. O foco não é posto nas narrati- nados ao relacionamento com as demais pessoas
vas dos usuários sobre o que os fizeram buscar o no processo grupal: preciso que todos se coloquem
serviço (supondo-se que eles procuraram ou foram para que a gente possa ajudar um ao outro, desejo
encaminhados para atendimento psicológico), mas não ser chamado por tal nome de que não gosto,
sim o próprio processo grupal. Algumas perguntas preciso de um copo de água caso comece a me
que podem ser formuladas nesse momento: Você já sentir mal, e assim por diante. O efeito que essa
participou de algum processo grupal antes? Como pergunta costuma produzir no processo grupal é
foi? O que foi bom? O que a coordenação precisou das pessoas ficarem menos receosas de estarem
fazer para o processo ser bom? O que você precisou na presença de estranhos, estimulando assim que
fazer para que ele fosse bom? O que você imagina se instaure um clima de maior confiança e
que precisaria acontecer nesse processo grupal para descontração. Além disso, o feedback oferecido
que seu interesse em participar se mantivesse? O pelos usuários é o de terem se sentido, com esse
que poderia desestimular sua participação? Nesse tipo de questionamento, respeitados pelos profis-
caso, o que a coordenação poderia fazer para aju- sionais, por cuidarem de seu conforto e segurança
dar? O que os demais participantes poderiam fazer? no processo grupal.
O que de melhor você poderia oferecer aos demais Outra pergunta interessante de ser feita é:
participantes? O que você gostaria de receber de- O que precisa acontecer nos nossos encontros para
les? E da coordenação? Essas são algumas das per- você achar que valeu a pena ter vindo? Em respos-
guntas que convidam o usuário a explorar possíveis ta a essa pergunta é comum os usuários mencio-
preconceitos com relação a ser atendido em proces- narem, de maneira franca, experiências anteriores
so grupal, lembrando da tradição social de valoriza- nas quais não se sentiram ouvidos pelos profissio-
ção de espaços individualistas de atendimento. An- nais e como isso poderia ser evitado. Cabe aos co-
tecipam-se, assim, possíveis dificuldades que possam ordenadores conduzirem essa conversa em uma
ser vividas nesse atendimento. Além disso, usuário postura de não julgamento, acolhendo todos os
e coordenador se co-responsabilizam sobre possibi- pedidos como legítimos, ainda que eles possam ser
lidades de superá-las13. O que se busca aqui é uma negociados com todos, uma vez que o processo
alternativa à posição de passividade do usuário sus- grupal é dinâmico e contextualizado. Ou seja, o
tentada pela tradição do profissional como especia- contrato é feito considerando-se quem são as pes-
lista e autoridade em saúde7. soas em conversa e que momento elas estão vi-
Muitas vezes, o usuário se surpreende com vendo. Também é papel dos coordenadores
essa possibilidade de negociação. É comum a rea- explicitarem seus pedidos que, usualmente, estão
ção de alívio por poder ser ouvido naquilo que con- relacionados a aspectos inegociáveis da instituição
sidera a melhor forma de ser cuidado. Ao mesmo (tais como horário para realização do processo

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grupal, número máximo de participantes que a sala lhor avaliadas pelos usuários e coordenadores. O
comporta) ou a preferências e necessidades pes- que não significa dizer que o profissional não possa
soais ou da equipe – por exemplo, em relação a trazer para as conversas em grupo suas verdades
como os coordenadores gostariam de ser chama- em saúde, mas que, por ser posicionado muitas
dos ou o que precisa acontecer para se sentirem vezes como figura de autoridade, a forma de colocá-
mais confortáveis na escuta dos participantes). las deve ser pensada para que se utrapasse o mo-
Uma vez estabelecido o contrato, iniciam-se delo educativo em saúde6-7.
as negociações sobre os objetivos do processo Uma forma útil de apresentar o conhecimen-
grupal, ou seja, a definição do para que ele está to do coordenador no grupo sem sua imposição é
sendo proposto. É no microcosmo dessas conver- oferecê-lo no formato de sugestões, esclarecendo
sações que será definido aquilo que será tomado porque essas sugestões lhe parecem interessantes
como problema, como desafio e como desejo. Todo e como imagina que possam ser úteis. Ao deixar
processo conduzido até então de co-responsabili- claro o que se busca com aquilo que está sendo
zação profissional-usuário pode garantir, nesse sugerido, o usuário pode responder com uma ideia
momento, que os participantes definam objetivos diferente sobre como chegar ao mesmo objetivo
que impliquem a todos, saindo de uma lógica de almejado pelo profissional. Outra forma é a coor-
atendimento individual em grupo. A postura da co- denação não se colocar em uma posição de certeza
ordenação de ajudar os participantes a definirem sobre a condução do grupo, podendo conversar
seus objetivos, de forma a transformá-los em ob- entre si, na frente dos participantes, sobre suas
jetivos comuns a todos, permite que as redes so- dúvidas com relação ao caminho que o grupo está
ciais de apoio sejam construídas. Temas para con- seguindo. Para os participantes, ouvir essa conver-
versas futuras podem ser elencados. O processo sa é a possibilidade de se expor a modelos de con-
grupal como espaço para se conversar sobre como dução de atendimentos nos quais há espaço para
é possível adquirir e manter uma boa condição de esquecimentos, incertezas, dúvidas, mudanças,
saúde deve valorizar a troca de sentidos entre to- reformulações de combinados e trocas entre pro-
dos os envolvidos sobre o que é saúde e como é fissionais.
possível promovê-la. Outros aspectos a serem ne- A reflexividade, nesse cenário relacional, de-
gociados: a frequência dos encontros do processo verá servir para que a coordenação possa constan-
grupal, os locais desses encontros, o número de temente colocar em avaliação o trabalho realizado,
encontros, se será um processo grupal aberto à convidando também os usuários para essa meta-
entrada de novas pessoas, se é problema as pes- análise. Essa postura auto-reflexiva da coordena-
soas não virem em todos os encontros, qual o limi- ção pode acontecer durante os encontros grupais,
te de tolerância para os atrasos, se o processo com a equipe trocando, de forma transparente,
grupal deve sempre ser coordenado por um profis- opiniões sobre os encontros propostos. Comumen-
sional, entre outros aspectos. Ao longo do tempo, te, os usuários entendem esses momentos de con-
todos esses aspectos podem ser renegociados. versa da equipe como um cuidado em relação ao
Uma ressalva deve ser feita. Em muitos mo- atendimento proposto e revelam que tal forma de
mentos estamos falando de processo grupal a par- relacionamento foi um dos aspectos que os fizeram
tir de categorias que são embasadas por algumas manter a motivação para frequentar os encontros.
teorias sobre dinâmica de grupo que indicam a ne- Diferentes atividades avaliativas podem ser
cessidade de uma coordenação, seleção de partici- propostas. Quanto mais a coordenação aposta em
pantes, definição de setting, papéis diferenciados uma parceria com os usuários, mais o jogo de po-
dentro do grupo, entre outros requisitos. Todavia, sicionamento profissional-especialista/usuário-alvo
incentivamos a exploração de outros formatos de de cuidado se transforma. Assim, é possível perce-
processos grupais que possam ir além e desconstruir ber a riqueza das conversas nas quais os usuários
essas categorias, caso essa desconstrução possa são convidados a delinearem os atendimentos fu-
responder de forma mais adequada às demandas turos, não delegando apenas aos profissionais essa
locais de cada comunidade. função. Avaliar, dessa forma, não é apenas pergun-
Outra ressalva importante é a de que todo o tar para o usuário o que ele gostou ou não gostou,
processo de negociação não acontece à parte das mas convidá-lo a participar da tomada de decisão
tradições em saúde anteriormente mencionadas. e legitimar sua opinião na estruturação das ações
Entendemos que abrir a negociação com os usuá- a serem propostas por aquela instituição de saúde.
rios é uma postura que só se sustenta se estiver Nesse ponto, o conceito de autonomia está sendo
endossada por uma crença do profissional de que o tomado não como uma qualidade que o usuário pode
saber da comunidade é tão legítimo quanto o cien- ou não possuir, dependendo do profissional para
tífico. A epistemologia construcionista social nos reconhecer sua existência, mas como a possibili-
ajuda a apostar nessa produção conjunta, espe- dade do usuário participar da construção de sua
cialmente nos momentos nos quais as propostas saúde, em diálogo com o profissional, a partir de
dos usuários são distintas daquilo que tomamos sua própria avaliação sobre sua possibilidade de
como necessário para promoção de saúde. E essas engajar-se nessa tarefa.
apostas têm nos mostrado que as intervenções co- Com relação à tradição da neutralidade afetiva
produzidas geralmente têm maior êxito e são me- do profissional, as teorias psicológicas modernas em

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muito contribuíram para defesa de uma distância recursos e ideias sobre como conduzir processos
ótima entre psicólogo e usuário. Na proposta dos grupais, abrindo a conversa para se pensar proces-
processos grupais informada pela perspectiva so grupal e identidade como construções sociais.
construcionista social, distância ou proximidade Acreditamos que a proposta de trabalho con-
afetiva no relacionamento psicológo-usuário não são junto na coordenação de processos grupais pode
julgadas a priori, mas avaliadas a partir de seus efei- colaborar na superação do sentimento de impotên-
tos para construção de um relacionamento positivo cia dos psicólogos que atuam nas UBS com relação
entre ambos. Fica claro que o critério não é mais o aos resultados de seu trabalho, de modo a encon-
da validação científica que atestaria qual a melhor trarem apoio e aprendizagem mútua. Além disso, a
forma do psicólogo se posicionar, mas a utilidade proposta de práticas grupais abertas para a nego-
que esses posicionamentos podem ter para a cons- ciação constante da própria intervenção, em nosso
trução de encontros relacionais profícuos. entender, vai ao encontro de modos de envolvimen-
Finalizando, neste estudo buscamos estabe- to profissional-usuário com privilégio na qualidade
lecer um diálogo entre a literatura construcionista dos vínculos estabelecidos e que respondam as de-
social sobre práticas grupais (e facilitação de diálo- mandas específicas de cada contexto.
go) e a filosofia do SUS, visando à proposição de O foco apreciativo, a postura reflexiva e a
processos grupais na APS que busquem responder abertura à participação dos usuários são táticas que
às críticas e desafios desse campo de atuação do podem contribuir para estruturar os processos gru-
psicólogo. As análises tecidas contribuem para pen- pais não por meio de psicodiagnósticos, mas sim a
sar a atuação de psicólogos (assim como, de certo partir dos recursos que coordenação e usuários têm
modo, outros profissionais da saúde) na proposta a oferecer para que o trabalho possa acontecer.
de processos grupais. Todavia, de maneira especí- Pesquisas futuras certamente reportarão outras
fica, problematizam o uso das teorias psicológicas possibilidades de configurações de processos gru-
sobre grupo e sobre psicopatologia, refletindo so- pais ainda mais permeáveis aos saberes populares
bre seus efeitos para a essencialização de um modo e independentes do saber biomédico para a cons-
cristalizado de se fazer grupo e de compreender trução da saúde da população. Nesse contexto, os
seus participantes. Em uma tentativa de apontar psicólogos serão convidados a transformarem não
um caminho para a superação dessa apenas suas práticas, mas seu modo de olhar para
essencialização, propusemos algumas ferramentas, sua função na produção do bem-estar alheio.

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