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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Direito e Ciências do Estado

Igor Campos Viana

A EXPERIÊNCIA DA ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL EM


BELO HORIZONTE: SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UM ESPAÇO
COMUM DA POLÍTICA

BELO HORIZONTE – MG
2016

1
IGOR CAMPOS VIANA

A EXPERIÊNCIA DA ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL EM


BELO HORIZONTE: SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UM ESPAÇO
COMUM DA POLÍTICA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Colegiado de Graduação da
Faculdade de Direito e Ciências do Estado
da Universidade Federal de Minas Gerais
como requisito à obtenção do grau de
bacharel em Direito, sob orientação do
Prof. Dr. Rodolfo Viana Pereira.

BELO HORIZONTE – MG
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Faculdade de Direito e Ciências do Estado

O trabalho de conclusão de curso intitulado A EXPERIÊNCIA DA ASSEMBLEIA


POPULAR HORIZONTAL EM BELO HORIZONTE: SOBRE A CONSTRUÇÃO DE
UM ESPAÇO COMUM DA POLÍTICA, elaborado por Igor Campos Viana, foi avaliado
como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito, tendo sido
_____________________, com a nota ______________________.

____________________________________________________
Prof. Dr. Rodolfo Viana Pereira
Orientador

____________________________________________________
Prof. Dr. Andityas Soares de Moura Costa Matos

____________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira

BELO HORIZONTE – MG
2016
Para Jéssica, a flor de jabuticaba mais bela.
O que quer dizer

O que quer dizer diz.


Não fica fazendo
o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo,
coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
um dia, vai ser feliz.

Paulo Leminski
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7
1 REVISITANDO O MARCO TEÓRICO 9
2 MÉTODO 17
3 NASCEDOURO: O JUNHO BRASILEIRO 20
4 PRINCÍPIOS FUNDANTES DA ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL 23
4.1 PRINCÍPIO DA CONSTRUÇÃO POPULAR DIRETA 24
4.2 PRINCÍPIO DA HORIZONTALIDADE 26
5 A ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL NA PRÁTICA 30
5.1 PRIMEIRA SESSÃO 30
5.2 SEGUNDA SESSÃO 33
5.3 TERCEIRA SESSÃO 35
5.4 QUARTA SESSÃO 35
5.5 OCUPAÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL 36
5.6 REUNIÃO COM O GOVERNADOR ANASTASIA E DEMAIS AÇÕES 39
CONCLUSÃO: SERÁ A APH DE FATO PROFANADORA? 40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 44
APÊNDICE 48
ANEXO I 58
ANEXO II 59
A EXPERIÊNCIA DA ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL EM BELO
HORIZONTE: SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UM ESPAÇO COMUM DA
POLÍTICA1

INTRODUÇÃO

O espaço da rua não deve ser perdido, essa é a possibilidade de real


transformação. (Paulo Rocha, integrante da APH-BH)

A História, compreendida pela semântica da modernidade, não se escreve de


forma linear e o passado não mais pode ser assimilado enquanto eterno condicionante
do futuro (KOSELLECK, 2006, pp. 41-60). As manifestações de junho de 2013 talvez
apontem para essa não linearidade da história, ninguém em maio daquele ano poderia
prever que as ruas do país seriam tomadas por manifestações multitudinárias. Este
movimento inaugurou algo novo na temporalidade brasileira, depois dele tudo se tornou
possível, abriu-se um campo de indeterminação, um campo de latência da possibilidade
política (VIANA e MAIA, 2015, p. 284).
As cidades do século XXI transformaram-se em verdadeiros territórios de
exceção jurídico-política, apesar de aparentemente manterem uma estrutura estatal
democrática. No Brasil, esse processo não foi diferente, sendo especialmente
intensificado pelos megaeventos como a Copa das Confederações em 2013 e a Copa do
Mundo em 2014. O capitalismo financeiro ganha novos contornos e percebe na
metrópole o seu locus de exploração e lucro, a imagem da fábrica como local de ação do
capitalismo do século XIX é substituída pela ideia das “cidades-empresas” como
verdadeiros espaços de ação dessa nova configuração do capital (VAINER, 2013, pp.
37-39). Mas é também nas ruas da cidade que a sociedade pode buscar sua redenção,
assim como vivemos nas manifestações de junho de 2013.
Segundo Boaventura, a democracia representativa ou liberal apresenta sinais de
derrota perante o domínio do capital (SANTOS, 2013) e a crise de representatividade

1
A presente monografia é resultado de releituras, práticas e adequações desenvolvidas a partir da
pesquisa realizada no âmbito do Programa de Iniciação Científica Voluntária da UFMG sob a orientação
do Professor Dr. Rodolfo Viana Pereira, durante o período de fevereiro de 2014 a janeiro de 2015,
intitulada “A Experiência da Assembleia Popular Horizontal em Belo Horizonte ”.

7
atinge níveis alarmantes. Grande parte da população vive à margem desse sistema
político posto e não se vê representada pelo aparato institucional do poder, talvez
porque a própria lógica da representação não lhe diga respeito. Vivemos o tempo da
democracia direta do capital, as decisões políticas tornaram-se reféns dos mandos e
desmandos do poder econômico e a democracia liberal sobrevive por quanto o
capitalismo global puder dela servir-se (SANTOS, 2013).
Nesse contexto, os movimentos de junho demonstram um forte caráter
instituinte. As respostas governamentais tais como: fóruns de deliberação de políticas
públicas, conselhos municipais e orçamento participativo, todas baseadas em uma
lógica de controle enquanto elemento justificador da democracia e fundante da
constituição moderna (PEREIRA, 2010, pp. 5 -36)2, não mais dão conta de suprir as
necessidades destes novos movimentos populares. Faz-se necessário pensar processos
realmente autônomos e autogestacionais de construção do poder e é exatamente neste
cenário que surge em Belo Horizonte a Assembleia Popular Horizontal (APH).
Talvez um dos maiores legados das manifestações de junho para a capital
mineira tenha sido o surgimento desse espaço de encontro e articulação dos indivíduos e
coletivos entorno das pautas públicas da cidade. A APH constitui-se um espaço e não
um movimento que tenha pautas pré-definidas, assim, a semântica desse locus político
encontra-se em constante disputa. As falas de dois de seus integrantes, que serão agora
apresentadas, representam de forma clara esta disputa de horizontes de sentidos que se
desenvolveu no seio da assembleia desde o seu início, servindo, portanto, de eixo de
análise para todo o trabalho:

Fala 1: A APH é (...) um espaço em que as pessoas vão atuar em


comum para retirar o poder das organizações institucionais,
instituições burocráticas como a Câmara e a Assembleia, visamos uma
verdadeira democracia direta. (OMMAR, 2014)

2
Em seu livro Direito constitucional democrático: controle e participação como elementos fundantes e
garantidores da constitucionalidade, o professor Rodolfo Viana Pereira nos apresenta uma complexa
teoria de fundamentação e reinterpretação do controle enquanto elemento legitimador da democracia
constitucional, senão vejamos: “Em síntese, pode-se afirmar que a função democrática de legitimação
realiza-se, sobretudo, através do controle constitucional em sua dimensão fundante, ou seja, enquanto
sistema que tem por objetivo controlar as condições de existência normativa de uma determinada
comunidade política através da criação de procedimentos e regras habilitadoras da gestão e da tomada de
decisão em assuntos de relevância pública. Por outro lado, nota-se que a função democrática de controle
afirma-se, nomeadamente, através da reposição de sua compatibilidade normativa em face de tais
procedimentos e regras habilitadoras”. (PEREIRA, 2010, pp. 33)

8
Fala 2: É um espaço de exercício da democracia (...) a partir da
participação na APH nós aprendemos a intervir melhor junto à
Câmara de Vereadores, Deputados, a questionar melhor o papel do
executivo e as suas normas, então esse é um exercício fundamental.
(ALCÂNTARA, 2014)

Essas falas trazem à tona significações bastante distintas sobre o sentido de


existência da APH, a primeira apresenta uma total descrença nas instituições políticas
da modernidade, fundamentando-se, como veremos posteriormente, numa rejeição ao
próprio Direito, já a segunda apresenta uma crença – ainda que reformista - nessas
instituições que se desenvolve na defesa do aperfeiçoamento democrático do próprio
Estado Democrático de Direito. Assim, resta-nos uma pergunta: a APH representa uma
ruptura com as estruturas políticas postas ou uma possibilidade de aperfeiçoamento
dessas instituições? A partir do marco teórico da ideia de “profanações” trabalhada por
Giorgio Agamben iremos problematizar a questão ao longo do presente trabalho.

1 REVISITANDO O MARCO TEÓRICO3

Da mesma forma que a religio não mais observada, mas jogada, abre
a porta para o uso, assim também as potências da economia, do
direito e da política, desativadas em jogo, tornam-se a porta de uma
nova felicidade. (Giorgio Agamben)

“Profanar significa abrir a possibilidade de uma forma especial de negligência,


que ignora a separação, ou melhor, faz dela um uso particular” (AGAMBEN, 2007, p.
66). A profanação é tratada por Agamben no final do seu ensaio dedicado ao tema,
publicado originalmente em 2004, enquanto a tarefa política da geração que vem.

3
A presente monografia apresenta de forma concisa seu marco teórico enquanto verdadeira lente de
leitura dos fenômenos sociais observados. Ressalta-se que não se desconsidera as diversas possibilidades
teóricas distintas de leitura, nem as inter-relações existentes entre o presente marco teórico e as diferentes
chaves de leitura possíveis. Entretanto, delimita-se, diante à vasta literatura existente, a análise das
profanações enquanto aparato teórico interessante para o objetivo do trabalho e sua relação com as
compreensões do “estado de exceção” e do “Estado Democrático de Direito” subjacentes às diversas falas
dos integrantes da APH. Buscou-se recorrer às fontes originais dos pensamentos, o que por sua própria
complexidade nos exigiu diversas citações diretas para trabalharmos de modo fidedigno as ideias dos
autores, que ao longo da monografia são recuperadas e reconstruídas na análise dos casos concretos.

9
Através da profanação pode se resistir a tudo, inventar uma nova política, uma nova
economia, um novo direito, enfim uma nova comunidade.
Agamben resgata a ideia romana sobre a profanação, profanar seria restituir o
que antes tornou-se sagrado para o uso comum. Sagrado era quilo que pertencia aos
deuses, ou seja, era separado do livre uso dos homens. A religião por meio de seus
rituais de consagração – sacrifícios - separava, subtraia do uso comum os objetos,
animais, lugares e pessoas, transferindo-os para a esfera do sagrado. Entretanto, o
caminho inverso também era possível, uma das formas mais comuns era o “contágio
profano”, o próprio ato de tocar a coisa sagrada era capaz de resgatá-la ao uso comum.
Dessa forma, Agamben busca o conceito de religio não em religare, mas em
relegere, a religião não se baseia na ligação entre o humano e o divino, mas justamente
na manutenção de sua separação. Por isso que para o jusfilósofo italiano o que se opõe à
religião não seria a incredulidade, mas sim a “negligência”, que seria “uma atitude livre
e distraída – ou seja, desvinculada da religio das normas – diante das coisas e do seu
uso, diante das formas de separação e de seu significado. ” (AGAMBEN, 2007, p. 66).
Assim, profanar é antes de tudo negligenciar o que está posto, não o esquecendo, mas
dando-lhe um novo sentido, um novo uso.
A paródia e o jogo seriam duas formas possíveis de profanação, pois eles
podem conceder à coisa um uso completamente incongruente com o seu uso sagrado,
seja por meio de um novo mito (narrativa sagrada) ou de um novo rito (concretização da
narrativa), quebrando a unidade do sagrado. A criança que brinca com um objeto
sagrado – das mais diversas esferas, seja religiosa, política ou econômica - negligencia a
sua sacralidade concedendo-lhe um novo uso, um uso de potencialidade profana,
transformando-lhe em brinquedo. Assim como o gato que brinca com um novelo de lã
como se um rato fosse, utiliza-se de suas habilidades predatórias para um novo fim, sua
recreação. Dessa forma, concluímos que tanto uma nova ação pode ressignificar um
objeto sacralizado, como um novo objeto pode ressignificar uma ação sacralizada.
Andityas Matos, importante interlocutor de Giorgio Agamben no campo da Filosofia do
Direito no Brasil, em seu livro Filosofia radical e utopia: inapropriabilidade, an-
arquia, a-nomia, também nos chama a atenção para a feição lúdica da profanação:

Assim, um discurso sobre a radicalidade da filosofia exige a


capacidade de produzi-la sob o signo da diferença e da vacuidade

10
originária do sentido, assumindo sua feição contrafática e até mesmo
lúdica. Para exemplificar tal projeto, pode-se evocar a ideia de
profanação do direito proposta por Agamben. Profanar significa retirar
da esfera do sagrado aquilo que lá foi abandonado, reintegrá-lo ao
mundo dos gestos humanos para que, no caso do direito, a violência
fundadora não se converta – como hoje acontece de maneira imediata
– em violência fundamental. Um direito desativado de sua função
violenta, entregue ao gesto, sobrevivente na dimensão do jogo ou do
estudo – como no Novo Advogado (De Neue Advokat) de Kafka -, é
um direito pronto para assumir sua tarefa revolucionária,
reconvertendo – sempre de maneira precária – dever-ser em ser, ideal
em real, jamais o contrário. (MATOS, 2014, pp. 36-37)

Profanar exige a neutralização daquilo que se profana, desativando os


mecanismos de poder e resgatando ao uso comum o que pela separação lhe foi retirado,
mais do que o deslocamento do locus de exercício de poder, profanar é a restituição ao
uso comum através de um novo uso:

Profanar não significa simplesmente abolir e cancelar as separações,


mas aprender a fazer um novo uso, a brincar com elas. A sociedade
sem classes não é uma sociedade que aboliu e perdeu toda a memória
das diferenças de classe, mas uma sociedade que soube desativar seus
dispositivos, a fim de tornar possível um novo uso, para transformá-
las em meios puros. (AGAMBEN, 2007, p. 75)

Iremos problematizar na monografia o potencial profanador da Assembleia


Popular Horizontal de Belo Horizonte em relação à consagrada estrutura político-
jurídica moderna da democracia representativa. Ao trabalhar com o comum e com as
ações diretas, a APH reinventa as possibilidades políticas da ação através de um caráter
intrinsecamente instituinte frente ao imobilismo das instituições. Como nos lembra
Agamben a potência não se encerra no ato, o poder constituinte se preserva no poder
constituído e assim como o pianista que executa uma partitura de Chopin eleva sua
potência através do ato de executá-la, as ações da APH também elevam a potência da
transformação política.
Interessante notar que ao longo do trabalho, sob o pano de fundo da discussão
sobre as “profanações”, existe uma disputa latente entre duas formas de compreensão do
Direito na modernidade. A primeira marcada pela concepção do “estado de exceção”
nos termos trabalhados pelo próprio Agamben ao tomá-lo enquanto paradigma de
governo (AGAMBEN, 2004, pp. 9-49). E a segunda enquanto uma compreensão
lançada por Jürgen Habermas no final do século passado sobre o paradigma

11
procedimentalista do Estado Democrático de Direito (HABERMAS, 1998, pp. 469-
532).
Giorgio Agamben inicia o primeiro capítulo do seu livro Estado de Exceção,
publicado originalmente em 2003, recuperando as discussões existentes sobre o
paradigma da exceção no direito moderno. Ocupante de um incômodo e instável lugar
entre uma questão jurídica e uma questão de fato, a exceção apresenta-se como a “forma
legal daquilo que não pode ter forma legal” (AGAMBEN, 2004, p. 12), pois não pode
ser compreendido meramente no plano do direito. Este seria um instituto que guarda
uma estreita relação com a guerra civil, a insurreição e a resistência como pôde-se
observar ao longo da história. Agamben chama a atenção para alguns exemplos neste
capítulo: o Decreto para a proteção do povo e do Estado de 28 de fevereiro de 1933
que suspendia garantias fundamentais do cidadão na Constituição de Weimar para
assegurar a segurança do povo alemão contra a ameaça comunista, permanecendo em
vigor pelos 12 anos do Terceiro Reich; a promulgação da “military order” em 13 de
novembro de 2001 nos Estados Unidos; o “USA Patriot Act”4 de 26 de outubro de 2001
e a própria manutenção de Guantánamo, exemplos claros de suspensões das garantias
fundamentais dos indivíduos, justificadas pela ideia da segurança nacional, são
demonstrações de como a exceção – no limiar entre democracia e absolutismo – vem
tornando-se uma técnica contemporânea de governo. Conforme o próprio autor:

O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a


instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal
que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas
também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão,
pareçam não integráveis ao sistema político. Desde então a criação
voluntária de um estado de emergência permanente (ainda que,
eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das
práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos
chamados democráticos. (AGAMBEN, 2004, p. 13)

A exceção vai se afirmando na deterioração da separação dos poderes,


impondo uma lógica “temporária” na qual já não mais é possível distinguir poder
legislativo, executivo e judiciário. Nesse sentido, o estado de exceção ocuparia um locus
que não é nem interior, nem exterior ao ordenamento jurídico, mas um espaço da
indiferença, um locus onde “o dentro e o fora” não se excluíssem, mas se

4
Substituído em 2 de junho de 2015 pelo USA Freedom Act.

12
indeterminassem. A exceção caracteriza-se pela suspensão da norma e instauração de
uma zona de anomia, o que não significa abolição da norma, nem a destituição de
qualquer relação com a ordem jurídica, tratando-se, pois, de uma questão de limites do
próprio ordenamento jurídico. O autor retomará esta ideia da zona de
indeterminabilidade5 na discussão do espaço ocupado pela ideia da necessidade no
direito:

O status necessitas apresenta-se, assim tanto sob forma do estado de


exceção quanto sob a forma da revolução, como uma zona ambígua e
incerta onde procedimentos de fato, em si extra ou antijurídicos,
transformam-se em direito e onde as normas jurídicas se
indeterminam em mero fato; um limiar portanto, onde fato e direito
parecem tornar-se indiscerníveis. Se é exato, como se disse, no estado
de exceção, o fato se transforma em direito (...), o contrário também é
igualmente verdadeiro, ou seja, produz-se nele um movimento
inverso, pelo qual o direito é suspenso e eliminado de fato. O
essencial, em todo caso, é a produção de um patamar de
indiscernibilidade em que factum e ius se atenuam um ao outro.
(AGAMBEN, 2004, pp.45-46)

Por fim, Agamben conclui o seu capítulo sobre “O estado de exceção como
paradigma de governo” discordando da ideia de que o estado exceção ou necessidade
significasse uma lacuna normativa, ou seja, interna ao próprio ordenamento jurídico.
Pelo contrário, o autor defende a ideia de uma “abertura de lacuna fictícia” que não diz
respeito à lei, mas à sua possibilidade de aplicação, ou seja, à sua relação com a
realidade, apresentando-se como possibilidade de salvaguardar a existência da norma e
de sua aplicabilidade nas situações de normalidade. Seria uma “fratura essencial” ao
direito que existe justamente para garantir sua perenidade. Entre o estabelecimento da
norma e sua aplicação encontra-se o estado de exceção, área de suspenção da aplicação,
mas de manutenção da lei enquanto norma em vigor.

5
Importante ressaltar que o autor também retoma esta ideia de indeterminabilidade ao final do livro
através dos conceitos de auctoritas (elemento anômico e metajurídico que remete às prerrogativas do
Senado Romano no direito público e à propriedade do auctor no direito privado) e potestas (elemento
normativo e jurídico em sentido estrito que remete ao poder juridicamente regulamentado dos
magistrados e do povo). Partindo da concepção de que o sistema jurídico do ocidente é estruturado por
esses dois elementos, o autor nos diz que “O Estado de Exceção é o dispositivo que deve, em última
instância, articular e manter juntos os dois aspectos da máquina jurídico-política, instituindo umlimiar de
indecidibilidade entre anomia e nomos, entre vida e direito, entre autorictas e postesta. ” (AGAMBEN,
2004, p. 130)

13
Já Jürgen Habermas parte de uma compreensão completamente distinta da
função do Direito para construir sua teoria do paradigma procedimentalista do Estado
Democrático de Direito. Em seu livro Direito e democracia: entre facticidade e
validade, publicado originalmente em 1992, Habermas sustenta a tese de que o direito
se torna um importante medium de legitimação do poder na modernidade. A sociedade
moderna passa por um processo de secularização das suas estruturas estatais e de
refundação da legitimidade do poder, antes residente na tradição, no sagrado e na
autoridade, passa a residir em um direito que seja radicalmente democrático. Partindo
de uma compreensão pós-metafísica, o autor defende uma legitimidade do poder
discursivamente construída de forma inter-relacional e que respeita a perspectiva dos
agentes diretamente inseridos na dinâmica de produção da sua própria normatividade.
No capítulo sobre os “Paradigmas do Direito”, Habermas recupera a
compreensão da lógica de produção do direito que não se encerra no locus estatal, mas
possui uma intensa relação de comunicação entre as esferas pública e privada,
alimentando-se das comunicações de uma esfera pública política “não transmitida por
herança e enraizada nos núcleos privados do mundo da vida através de instituições da
sociedade civil” (HABERMAS, 2003, p. 146). A esfera pública não mais é
compreendida com espaço exclusivo do Estado, mas sim como um amplo espaço social
de construção política que se relaciona dinamicamente com a esfera privada, que
também não mais é compreendida enquanto espaço exclusivo da família e do mercado,
mas como um amplo espaço de organização da sociedade civil em suas mais diversas
facetas, movimentos e associações (CATTONI DE OLIVEIRA, 2014, pp. 34-38).
Assim, cabe ao direito criar procedimentos democráticos de institucionalização da
formação da vontade e da opinião dos atores sociais através das várias formas de
comunicação, considerando o igual respeito e consideração entre os participantes como
nos ensina Habermas:

A teoria do discurso explica a legitimidade do direito com o auxílio de


processos e pressupostos da comunicação – que são
institucionalizados juridicamente – os quais permitem levantar a
suposição de que os processos de criação e de aplicação do direito
levam a resultados racionais. Do ponto de vista do conteúdo, as
normas emitidas pelo legislador político e os direitos reconhecidos
pela justiça são racionais pelo fato de os destinatários serem tratados
como membros livres e iguais de uma comunidade de sujeitos de

14
direito, ou seja, em síntese: sua racionalidade resulta do tratamento
igual das pessoas jurídicas protegidas em sua integridade. Essa
consequência se expressa juridicamente através da exigência de
igualdade de tratamento, a qual inclui a igualdade de aplicação do
direito, isto é, a igualdade das pessoas perante a lei; mas equivale
também ao princípio amplo da igualdade do conteúdo do direito,
segundo a qual aquilo que é igual sob aspectos relevantes deve ser
tratado de modo igual e aquilo que não é igual deve ser tratado de
modo não-igual. Por isso Alexy interpreta a proposição da igualdade
no sentido de uma regra do peso da argumentação (para discursos de
fundamentação e de aplicação). Os argumentos ou são por si mesmo
de natureza normativa ou se apoiam noutros argumentos normativos.
Eles podem ser tidos como bons argumentos ou como argumentos
“que possuem peso”, quando “contam” entre as condições do discurso
e são aceitáveis em última instância, pelo público dos cidadãos
enquanto autores da ordem jurídica. O direito legítimo fecha, pois, o
círculo entre autonomia pública dos cidadãos, os quais têm que decidir
(em última instância) e enquanto autores da ordem jurídica, iguais em
direito, sobre os critérios de igualdade de tratamento. (HABERMAS,
2003, pp. 153-154)

Da mesma forma em que as esferas pública e privada relacionam-se


dinamicamente, também há uma relação de coesão interna entre autonomia pública e
privada que devem ser compreendidas enquanto co-originárias e equiprimordiais. Não
há possibilidade do exercício da autonomia pública se não são garantidos aos cidadãos
um amplo sistema de direitos humanos que garanta suas autonomias privadas e o
pluralismo de concepções acerca do mundo da vida, assim como não é possível o
exercício da autonomia privada se não são garantidos aos cidadãos as condições de
participação em igualdade de tratamento na construção da soberania popular, ou seja,
autonomia pública e privada no paradigma procedimentalista do Estado Democrático de
Direito se pressupõem originariamente. É justamente neste ponto que reside a crítica de
Habermas aos paradigmas do Estado Liberal e do Estado Social, pois não é possível
garantir a autonomia do cidadão, seja pela centralidade nos direitos da liberdade ou na
outorga de benefícios sociais, se não se leva a sério: a) o caráter inter-relacional da
construção das normas pelos diretamente afetados e b) a coesão interna entre as
autonomias pública e privada, como podemos observar no seguinte trecho:

O paradigma do direito centrado no Estado social gira em torno do


problema da distribuição justa de chances de vida geradas
socialmente. No entanto, ao reduzir a justiça à justiça distributiva, ele
não consegue atingir o sentido dos direitos legítimos que garantem a
liberdade, pois o sistema dos direitos apenas interpreta aquilo que os

15
participantes da prática de auto-organização de uma sociedade de
parceiros do direito, livres e iguais, têm que pressupor implicitamente.
A ideia de uma sociedade justa implica a promessa de emancipação e
de dignidade humana. Pois o aspecto distributivo da igualdade de
status e de tratamento, garantido pelo direito, resulta do sentido
universalista do direito, que deve garantir a liberdade e a integridade
de cada um. Por isso, na sua respectiva comunidade jurídica, ninguém
é livre enquanto a sua liberdade implicar a opressão do outro. Pois a
distribuição simétrica dos direitos resulta do reconhecimento de todos
como membros livres e iguais. Esse aspecto do respeito igual alimenta
a pretensão dos sujeitos a iguais direitos. O erro do paradigma jurídico
liberal consiste em reduzir a justiça a uma distribuição igual de
direitos, isto é, em assimilar direitos a bens que podem ser possuídos e
distribuídos. No entanto, os direitos não são bens coletivos
consumíveis comunitariamente, pois só podemos “gozá-los”
exercitando-os. Ao passo que a autodeterminação individual constitui-
se através do exercício de direitos que se deduzem de normas
produzidas legitimamente. Por isso a distribuição equitativa de
direitos subjetivos não pode ser dissociada da autonomia pública dos
cidadãos, a ser exercitada em comum, na medida em que participam
da prática de legislação. (HABERMAS, 2003, p. 159)

Ainda no capítulo sobre os “Paradigmas do Direito”, Habermas propõe uma


reflexão sobre o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito através da análise
histórica da construção de políticas feministas que visam a igualdade entre os sexos,
reconhecendo o papel fundamental de participação das mulheres na construção das
normas que diretamente lhes dizem respeito. Os paradigmas, nesse sentido, são tomados
pelo autor enquanto chaves de leitura que abrem perspectivas de interpretações e
“iluminam o horizonte de determinada sociedade, tendo em vista a realização do
sistema de direitos” (HABERMAS, 2003, p. 181). Assim o paradigma
procedimentalista pressupõe elementos normativos e descritivos que: a) pela teoria do
direito entende o papel de institucionalização da formação discursiva da opinião e da
vontade através do medium do direito que possibilita o exercício democrático da
soberania popular que legitima a criação do próprio direito e b) pela teoria da sociedade
fundada na comunicação entende o sistema político como um sistema de ação entre
outros, responsável pela integração na sociedade global, proporcionando a
modificabilidade do direito institucionalizado pelo constante contato com
“comunicações públicas informais” lastreadas na sociedade civil (HABERMAS, 2003,
p. 181). Portanto, através da relação entre a abordagem normativa e empírica funda-se a
compreensão procedimentalista do Estado Democrático de Direito. Marcelo Cattoni,
importante interlocutor de Habermas no campo da Filosofia do Direito e da Teoria da
16
Constituição no Brasil, destaca o caráter reflexivo e inter-relacional dessas distintas
abordagens em seu livro Teoria da Constituição:

Com base numa Teoria Discursiva do Direito e da Democracia - que


não se deixa vincular a um único ponto de vista disciplinar, mas pelo
contrário, permanece aberta a diferentes pontos de vista
metodológicos (participante x observador), a diferentes objetivos
teóricos (explicação interpretativa e análise conceitual x descrição e
explicação empírica), a diferentes papéis sociais (do juiz, dos
políticos, dos legisladores, dos clientes e dos cidadãos) e a diferentes
atitudes pragmáticas de pesquisa (hermenêutica, críticas, analíticas,
etc.) a fim de que uma abordagem normativa não perca seu contato
com a realidade, nem uma abordagem objetiva exclua qualquer
aspecto normativo, mas permaneçam em tensão - a perspectiva da
Teoria do Direito e da Constituição que privilegia o aspecto normativo
deverá passar por um giro reconstrutivo, se quiser levar a sério a
tensão presente no Direito entre facticidade e validade, assim como o
papel desempenhado pelo Direito nos processos de integração social.
(CATTONI DE OLIVEIRA, 2014, p.42)

Por fim, acreditamos que a exposição da ideia de “profanações” enquanto


tarefa política de geração que vem e a exposição das duas possíveis compreensões
paradigmáticas do Direito na modernidade - “estado de exceção” e “Estado
Democrático de Direito”- possam servir de luz para a leitura de um embate tensional de
significação que ocorre no interior da própria Assembleia Popular Horizontal de Belo
Horizonte. Ao longo da monografia analisaremos a disputa semântica entorno da APH
enquanto espaço desisntituinte ou enquanto espaço de aperfeiçoamento institucional
refletida nas falas e ações concretas dos indivíduos que constroem esse locus político.

2 MÉTODO

A complexidade da análise da dinâmica da participação política nos


movimentos sociais, marcada pela necessidade de se pensar tanto fatores
estruturais e conjunturais quanto fatores psicossociais, exigem desenhos
metodológicos múltiplos. (Frederico Alves Costa1; Frederico Viana Machado
e Marco Aurélio Maximo Prado)

A Assembleia Popular Horizontal surge em 2013 como algo extremamente


novo para a cidade de Belo Horizonte, em nada comparado com as tradicionais
experiências das assembleias de bairros, a APH fundava-se sob novos princípios,
17
horizontal, autônoma, autogestionada e crítica aos poderes instituídos. Reunira em seus
maiores encontros mais de mil participantes, algo surpreendente para a história da
capital mineira. Buscando compreender um fenômeno tão recente para a cidade foi
preciso pensar metodologias de investigação e participação: próprias e múltiplas.
Mais do que um investigador, tornei-me um sujeito ativo na construção do meu
suposto “objeto” de pesquisa. Participei das manifestações de junho na cidade, marchei
em protesto rumo ao Estádio Governador Magalhães Pinto (Mineirão) junto aos
integrantes do Centro Acadêmico Afonso Pena 6 (CAAP) e a milhares de manifestantes,
mas minha primeira participação em uma reunião da APH ocorreu somente no início de
2014. De fato, a partir de então, imergi na dinâmica da assembleia e meus estudos se
conectaram com a minha participação e desejo de construção daquele espaço onde
percebia a possibilidade da democracia real e da profanação das instituições políticas
postas, como nos diz Frederico Machado:

Reconhecer a interpenetração e interdependência entre estrutura e


significados nos leva a revelar que, uma vez que é impossível
alcançarmos uma ciência neutra, somos obrigados a incluirmos o
observador como parte integrante dos dados. Nesse sentido, qualquer
forma de análise é tomada como um diálogo, uma significação
possível da realidade pesquisada e nunca como uma objetividade dada
a priori. (MACHADO, 2007, p. 36)

Assim, reconhecendo a impossibilidade de uma pesquisa neutra e de uma real


captação dos sentidos e significados da APH sem uma verdadeira imersão em sua
dinâmica cotidiana de funcionamento, partimos para a compreensão da assembleia
numa perspectiva “interna”. Podemos dizer que essa monografia se enquadra, portanto,
na vertente teórico-metodológica qualificada pelas autoras Miracy Gustin e Maria
Tereza Dias como jurídico-sociológica, analisando o direito em seu contexto maior,
como uma variável da sociedade. Mais especificamente, trata-se de uma pesquisa de
campo também qualificada como pesquisa-ação, que conforme as autoras, tem como
pressupostos:

6
Entidade representativa do corpo discente da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais. Fundada em 1908, possui uma história de intensa participação na construção política do país,
destacando-se na campanha o “Petróleo é Nosso” e na luta contra a ditadura empresarial-militar no Brasil.

18
a) a existência de um problema coletivo (de uma instituição,
associação, empresa, comunidade, etc.); b) o envolvimento solidário e
dialógico de todos os participantes; c) a participação na investigação
como sujeitos e não só como informantes (GUSTIN e DIAS, 2013, p.
90).

A pesquisa-ação envolve “o inter-relacionamento permanente das atividades de


pesquisa e de ação” (GUSTIN e DIAS, 2013, p. 88), o investigador torna-se um sujeito
ativo de sua pesquisa e contribui para a transformação daquela determinada realidade. A
pesquisa-ação apresenta-se como um método que possibilita a emancipação social não
somente do investigador, mas também da comunidade com a qual ele se relaciona,
cumprindo o papel da Universidade em dialogar com a sociedade.
A compreensão da dinâmica da APH não envolvia apenas a compreensão de
suas estruturas de organização, mas abarcava o entendimento dos elementos subjetivos
complexos, aspectos psicossociais, algo impossível de ser assimilado por uma
observação completamente distanciada do seu objeto. Assim, a metodologia da
pesquisa-ação (GUSTIN e DIAS, 2013, pp. 88-90) fornece ao pesquisador um múltiplo
arsenal de ferramentas e métodos de assimilação da realidade social, tais como: a
observação pessoal (análise do cotidiano), conversa com os integrantes da comunidade,
ação participante, entrevistas e a análise de documentos formulados.
A APH utilizou-se de uma página wiki7 de construção coletiva e interligada em
uma estrutura rizomática de organização para a divulgação das informações. Esse locus
virtual tornou-se uma importante fonte de pesquisa, especialmente sobre os aspectos
estruturais e principiológicos da assembleia, contando com uma apresentação inicial,
agenda de eventos, atas de reuniões, artigos, depoimentos, fotos e vídeos. Interessante
notar que a própria página refletia a forma de funcionamento e organização da
assembleia: horizontal, autônoma e autogestionada.
O presente trabalho também se utilizou do método qualitativo de entrevistas
semiestruturadas a fim de trazer a vivência de alguns membros da assembleia para a
construção do artigo. A entrevista semiestruturada parte de questionamentos básicos que
são apoiados nas teorias e hipóteses que sustentam a pesquisa, abrindo espaço para
perguntas espontâneas do investigador e possibilitando sua presença consciente e ativa
na coleta de informações (MANZINI, 2004). O objetivo da entrevista era identificar a

7
http://aph-bh.wikidot.com/. Acesso em 04/07/2016.

19
semântica pessoal da APH nas narrativas de alguns de seus integrantes mais antigos. Os
três entrevistados foram selecionados pelo critério objetivo de estarem presentes desde a
primeira reunião da APH e pelo critério subjetivo da observação daqueles que eram os
integrantes mais envolvidos na construção do espaço. Todos entrevistados foram
informados dos objetivos da pesquisa e consentiram em fornecer seus relatos. Após a
transcrição dos áudios, as entrevistas redigidas foram enviadas aos entrevistados, que
consentiram expressamente com sua publicação, ressaltando que um deles solicitou a
utilização de um codinome.
As entrevistas foram realizadas no dia 17/06/2014 em Belo Horizonte durante a
manifestação contra a Copa do Mundo convocada pela Assembleia Popular Horizontal
na Savassi, momento em que ocorria o jogo entre as seleções da Bélgica e Argélia no
Mineirão. As três perguntas básicas da entrevista foram: 1) O que é a Assembleia
Popular Horizontal (APH)? 2) Quando surgiu a ideia de organizar uma APH em Belo
Horizonte? 3) Como a APH continuou os trabalhos após as manifestações de junho de
2013?. Outras perguntas ocorreram ao longo de cada entrevista conforme as respostas
dos entrevistados e as instigações que surgiam no pesquisador. Vale notar que as
entrevistas semiestruturadas também trouxeram o elemento da análise intersubjetiva
para o artigo, uma vez que as narrativas coletadas foram muito distintas, afirmando a
tese da APH como um espaço, um espaço de construção de semânticas em disputa e um
espaço de potencial profanador. Todas as entrevistas na íntegra seguem no apêndice
desta monografia.

3 NASCEDOURO: O JUNHO BRASILEIRO

Eram muitas manifestações em uma única Ágora. (Rudá Ricci e


Patrick Arley)

As manifestações de junho de 2013 celebraram um daqueles momentos fora da


curva da história de um país, centenas de milhares de pessoas vão às ruas por todo o
Brasil. O movimento não se fiava por uma ordem racional, porque era multifacetado,
cada manifestante levantava o seu próprio cartaz. As reinvindicações eram as mais
diversas possíveis, tratando tanto de temáticas genéricas sobre saúde e educação quanto

20
de temas mais específicos como a Proposta de Emenda Constitucional 37/2011 8 e a
retirada do deputado federal Marco Feliciano (PSC/SP) da presidência da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Vale destacar que o “junho brasileiro” não é um movimento isolado do
contexto internacional de manifestações de ruas, que para o sociólogo Rudá Ricci e para
o antropólogo Patrick Arley é responsável por inaugurar o século XXI no mundo
(RICCI e ARLEY, 2014, pp. 81-84). Nesse contexto inserimos movimentos como a
Revolução das Panelas na Islândia (2008), o “Occupy” nos Estados Unidos (2011), os
Indignados na Espanha (2011) e a Primavera Árabe que se inicia no final de 2010 e se
espalha pelo Magrebe africano e por países do Oriente Médio.
No Brasil, as manifestações se iniciam9 no dia 3 de junho na cidade de São
Paulo, supostamente em decorrência do aumento de vinte centavos no preço da
passagem do ônibus e do metrô. A princípio foram convocadas pelo MPL (Movimento
Passe Livre), mas em pouco tempo extrapolaram a sua pauta sobre mobilidade urbana e
ganharam proporções maiores e mais difusas, marcadas por uma forte carga de
insatisfação política, insurgiram-se em diversas regiões e cidades do Brasil.
Em Belo Horizonte, no dia 13 de junho, uma concentração convocada pelas
redes sociais na Praça Sete de Setembro, região central da cidade, reúne por volta de 7
(sete) mil manifestantes, conforme dados da Polícia Militar de Minas Gerais, marcando
o início das mobilizações de junho na capital mineira. Belo Horizonte de maneira
especial, apesar das disputas concretas, manteve um eixo organizacional das
manifestações formado por forças sociais que se auto definem como a esquerda do
espectro político nacional como: as Brigadas Populares, o Comitê de Atingidos pela
Copa (COPAC), o Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB), a Liga
Estratégica Revolucionária (LER-QI), o Coletivo Margarida Alves, o Instituto Helena
Greco de Direitos Humanos e Cidadania, o SindUTE, a Assembleia Nacional dos
Estudantes Livres (ANEL), além de partidos como o PSOL, PCR, PSTU e PCB (RICCI
e ARLEY, 2014, pp. 131-132).

8
Proposta que visava acrescentar o § 10 ao art. 144 da Constituição Federal para definir a competência
para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.
9
Adota-se um marco temporal formal para os eventos das chamadas manifestações junho, mas é claro
que essas manifestações têm acúmulos de anos anteriores de construção, que podem nos remeter ao
Fórum Mundial Social realizado em Porto Alegre em 2005 que constitui o Movimento Passe Livre (MPL)
ou à “Revolta do Buzu”, que se desenrolou em agosto de 2003 em Salvador.

21
Nesse contexto, o COPAC-BH, formado em 2010 pelo Encontro de
Comunidades de Resistência10, decide, em uma de suas reuniões realizadas no Território
Livre José Carlos da Mata Machado na Faculdade de Direito da UFMG, convocar para
o dia 15 de junho o seu tradicional evento “copelada” seguido de uma reunião para
discutir o aumento do preço da passagem de ônibus em Belo Horizonte. O evento
ocorreria na Praça da Savassi, região centro-sul da cidade, durante a primeira partida da
Copa das Confederações, jogo ocorrido em Brasília entre as seleções do Brasil e do
Japão. A “copelada” visava ocupar os espaços públicos da cidade com partidas de
futebol abertas à participação popular, criticando o caráter economicamente excludente
da realização de megaeventos não acessíveis a maior parcela da população brasileira. O
surpreendente foi que o evento reuniu um público muito maior do que o esperado,
transformando-se em um ato que resolveu caminhar em direção à Praça da Estação onde
acontecia a Fun Fest- BH11. O ato, contando com milhares de pessoas (OMMAR, 2014)
postou-se contra a lógica de exceção e segregação dos megaeventos.
No dia 16 de junho, um dia após o ato em frente à Fun Fest-BH, em uma
reunião integrada, convocada pelo COPAC, realizada na sede do SindUTE com a
presença dos diversos coletivos de esquerda de Belo Horizonte (ROCHA, 2014),
discutiu-se a necessidade de uma maior articulação desses movimentos. Tendo em vista
a repressão policial que já era intensa em todo o país e a necessidade de discutir as
temáticas políticas da cidade de forma conjunta, foi problematizada a urgência do
estabelecimento de uma agenda coletiva de deliberação. Assim, os grupos anarquistas e
autonomistas apresentaram a proposta de convocar uma assembleia geral aberta, ampla
e em espaços públicos, a exemplo das que ocorreram na Espanha e nos Estados Unidos
em 2011. A proposta foi aprovada na reunião e a 1ª Assembleia Popular Horizontal de
Belo Horizonte foi convocada para o dia 18 de junho, às 18 horas, debaixo do Viaduto
Santa Tereza, região conhecida como “baixo centro”.
Na manifestação do dia 17 de junho, mais de 30 mil pessoas vão às ruas, a
concentração iniciou-se às 10h na Praça Sete de Setembro e uma marcha partiu ao longo
da tarde rumo ao Mineirão, estádio onde ocorria o jogo da Copa das Confederações

10
Organizado pelas Brigadas Populares, Projeto Pólos de Cidadania e Movimento da População de Rua e
núcleos de sem teto.
11
Evento oficial da organização da Copa do Mundo no Brasil para que as pessoas pudessem assistir às
partidas através de telões, além de contarem com shows musicais.

22
entre as seleções da Nigéria e do Taiti. Os integrantes dos coletivos participantes da
reunião do dia anterior no Sind-UTE aproveitaram o ato para divulgarem a Assembleia
Popular Horizontal, utilizando de carros de som e panfletos, convidaram todos os
manifestantes a participarem. Um cordão de isolamento foi formado pela polícia militar
na Avenida Antônio Carlos, próximo à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
impedindo a marcha de se aproximar do perímetro de segurança estabelecido pela
Fédération Internationale de Football Assciation (FIFA), o que ocasionou o primeiro
grande confronto entre policiais e manifestantes na capital mineira 12.
É no dia 18 de junho, terça-feira, debaixo do Viaduto Santa Tereza, que ocorre,
com a participação de mais de 500 pessoas, a primeira reunião 13 da Assembleia Popular
Horizontal em Belo Horizonte, a cidade foi pioneira durante as manifestações a utilizar
deste modelo de reunião popular auto gestacional que posteriormente espalha-se pelas
demais capitais brasileiras. Este talvez tenha sido um dos maiores legados das
manifestações de junho, um “empoderamento” e emancipação popular frente às
discussões sobre as políticas públicas das cidades, um ganho de consciência do cidadão
em relação a sua importância diante à participação e controle do espaço público. A
experiência da APH encontra-se latente na historicidade belo-horizontina, tendo sido
convocada por diversas vezes após junho de 2013 e constituindo-se um aparato
organizacional sempre disponível para os movimentos sociais.

4 PRINCÍPIOS FUNDANTES DA ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL14

Somos todos líderes de sua luta, de sua própria voz. (Frase repetida
pelos membros da APH)

A Assembleia Popular Horizontal funda-se em dois princípios estruturantes


que justificam a sua nomenclatura: construção popular direta e horizontalidade.
Ambos podem ser compreendidos em sua dimensão objetiva (estrutural) e subjetiva

12
Relatos sobre as manifestações em Belo Horizonte no dia 17 de junho podem ser encontrados no blog
de Rudá Ricci disponível em ou em: http://rudaricci.blogspot.com.br/. Acesso em 09 de julho de 2014.
13
As atas das primeiras reuniões da Assembleia Popular Horizontal de Belo Horizonte encontram-se em
anexo ao artigo.
14
Busca-se neste capítulo realizar uma reconstrução normativa da Assembleia Popular Horizontal de Belo
Horizonte a partir da observação participante, das entrevistas colhidas e das próprias informações
divulgadas no site da APH.

23
(psicológica). Na dimensão objetiva encontramos aspectos procedimentais que
estruturam e promovem a concretização desses princípios, já na dimensão subjetiva
discutimos a importância da ação do sujeito na sua consecução de modo a efetivá-los.
Vale destacar que esses princípios não são assimilados de forma pacífica, senão em uma
concretude de contradições e aprendizados, assim, servem de norte para a condução das
reuniões.

4.1 PRINCÍPIO DA CONSTRUÇÃO POPULAR DIRETA

O princípio da construção popular direta pressupõe canais abertos, amplos e


irrestritos à construção de qualquer cidadão interessado na temática discutida pela APH.
Nas reuniões ocorridas em Belo Horizonte, observou-se a integração dos mais diversos
setores da população. Estavam presentes estudantes, população em situação de rua,
dramaturgos, performistas, rappers, médicos, skatistas, jornalistas, pichadores,
escritores, vendedores ambulantes, advogados, membros de partidos políticos que se
autodenominam de esquerda, ativistas das mais diversas causas sociais, muitos
participantes não partidários, anarquistas, autonomistas, enfim, um amplo espectro de
participação social (MAYER e RENA, 2015, p.62).
A dimensão estrutural desse princípio fundante da APH pressupõe dois
elementos que intitularemos de: geográfico e comunicacional.
O elemento geográfico diz respeito à realização de reuniões em espaços
públicos abertos como praças, parques e ruas da cidade, além da escolha de locais
centrais e de fácil acesso por meio do transporte público. Em Belo Horizonte as
reuniões ocorreram via de regra na região denominada “baixo centro”, embaixo do
Viaduto Santa Tereza ou na Praça da Estação, locais centrais, o que facilitava o acesso
dos participantes da APH. Essa preocupação geográfica contribui para uma verdadeira
efetivação do princípio da construção popular direta, facilitando o acesso dos cidadãos
às reuniões e dando uma maior visibilidade à assembleia.
Outro elemento da dimensão estrutural seria a questão comunicacional dessas
reuniões. As convocações das assembleias foram realizadas basicamente pelos meios
virtuais, especialmente, pela página da APH no facebook. Os novos meios de
comunicação virtual (ÁLVARES, 2015, p.97) permitiram uma troca fluida – não

24
regulada pelas tradicionais corporações comunicativas televisiva e jornalística - de
informações relativas à vida pública do país, impulsionando a organização popular e a
concretização de ações nas ruas e praças da cidade. À semelhança das redes virtuais, a
assembleia organizou-se de forma rizomática através da ramificação e multiplicação em
diversos grupos de trabalho, permitindo uma maior dinamização da ação popular e o
alcance dos mais diversos públicos.
Já a dimensão subjetiva do princípio da construção popular direta pressupõe
outros dois elementos: a empatia coletiva e a não discriminação.
A construção direta não depende apenas de mecanismos objetivos que a
estimulem, mas também de um interesse por uma construção coletiva transformadora da
realidade social. Vários integrantes da APH participaram de diversas reuniões sem
nunca se manifestarem verbalmente ou assumirem qualquer tarefa proposta em
assembleia. Nesse sentido, entendemos que as estruturas criam possibilidades e
estímulos, mas a concretização da participação e da ação direta irá sempre depender
também da formação de um sentimento de empatia coletiva que impulsione a ocupação
de um locus ativo na construção do espaço público da cidade. A potência de ação do
indivíduo é um elemento fundamental na construção da sua própria história, que estará
sempre aberta às diferentes possibilidades de construções sociais.
Ademais, toda participação que se pretende popular e emancipadora não pode
ser discriminatória. A discriminação impede a própria formação de uma empatia
coletiva que se dá através da valorização da diversidade enquanto possibilidade de
emancipação e integração social harmônica. Nesse sentido, Paulo Rocha, integrante da
APH entrevistado, afirma a importância do elemento da não discriminação:

Ela é popular pois pretende não ser preconceituosa, racista


lesbofóbica, transfóbica e nesse aspecto a própria metodologia da
assembleia visa encaminhar para isso, pensar na assembleia para além
de ser um palco onde as pessoas sobem e falam, mas pensar as fatias,
grupos menores, o que estimula que pessoas diferentes possam falar e
não sempre as mesmas habituadas a falarem para grandes públicos.
(ROCHA, 2014)

A liberdade de participação não pode ser confundida com liberdade para a


opressão, dessa forma, todos os discursos ou atos que manifestem qualquer tipo de
discriminação, inferiorização, intolerância ou não reconhecimento do outro são vedados

25
pela APH. A participação no espaço assembleário também contribui para a construção
de uma consciência social aberta à pluralidade de projetos de vida e inclusiva em
relação à diversidade presente na comunidade. A diversidade não é apenas respeitada,
mas admirada e impulsionada enquanto diferentes possibilidades de realização humana
que enriquecem ainda mais a experiência da própria assembleia.
Assim, entendemos que a construção popular direta se realiza através de
elementos estruturais e subjetivos que permitam o livre acesso; a visibilidade
rizomática; a formação de um sentimento de coletividade e a admiração à diversidade,
elementos que encaminham para ações de transformação concretas da realidade social.
Não apenas a construção, mas a própria ação da APH se manifestava de forma direta ao
convocar e realizar as diversas marchas e ocupações na cidade. Esses apontamentos nos
remetem à centralidade do desejo de criação de uma democracia radical que
contribuísse para o processo de emancipação popular sintetizada no canto da APH:
“Poder! Poder! Poder para o povo. E o poder do povo, vai fazer um mundo novo! ”.

4.2 PRINCÍPIO DA HORIZONTALIDADE

No tocante ao princípio estruturante da horizontalidade, temos que o espaço


assembleário deve garantir iguais oportunidades de participação e o mesmo peso na
tomada de decisões para os diversos membros da assembleia. Nas reuniões realizadas
em Belo Horizonte, a horizontalidade era um ideal sempre almejado pelos seus
integrantes, não havia espaço formal para lideranças ou hierarquizações, a participação
e a construção se davam de maneira conjunta e colaborativa. A organização em grupos
de trabalho temáticos possibilitava espaços de fala a um maior número de pessoas e
visava concretizar o ideal de uma organização horizontal em rede, muito inspirado nas
redes sociais virtuais.
O princípio da horizontalidade em seu aspecto estruturante também pode ser
dividido em dois elementos: metodológico e experimental.
A metodologia pensada para uma assembleia é condição de viabilidade de sua
horizontalidade. A premissa de inexistência formal de cargos de liderança é primária
para consecução desse objetivo, pois possibilita que todos possam exercer diferentes
funções em diferentes momentos na assembleia, garantindo a dinamicidade

26
característica das organizações horizontais do século XXI e essa foi uma grande
preocupação de seus integrantes desde sua origem:

E na verdade, não houve ninguém que puxasse a APH, o que houve


foi uma necessidade popular de se auto organizar sob uma tendência
horizontal, sem lideranças ou hierarquias, sem nenhum partido puxar
nada. Ninguém puxou, se alguém falar que puxou, ele está errado,
pois está descumprindo um princípio da horizontalidade, ninguém
puxa, simplesmente surgiu. (OMMAR, 2014)

A valorização: a) dos espaços de fala; b) de estruturas flexíveis de organização;


c) da proposta de consenso; d) de alternativas randômicas de delegação do poder; e) da
transparência e f) de espaços menores e específicos para as discussões temáticas são
alguns mecanismos de colaboração para consolidação desse elemento metodológico. As
funções exercidas na assembleia eram sempre rotativas, o método do sorteio era muito
utilizado e a assembleia costumava dividir-se em grupos de trabalhos, especialmente,
nas maiores reuniões. Por fim, vale destacar a fala de um dos entrevistados sobre o
papel do voto na assembleia:

O voto funciona como a última alternativa, o ideal é sempre buscar o


consenso, para algumas pessoas isso é mais fácil, para outras não, mas
eu particularmente penso que tem posições que são inconciliáveis e eu
não tenho que sofrer por isso e ninguém tem que sofrer por isso, se
não tem o consenso tem-se que encaminhar e votar. Entretanto, o que
se deve buscar é o método mais horizontal possível, isso quer dizer
que se as pessoas sentem que a votação não foi ilegítima elas podem
interceder, é claro que isso é difícil porque entra novamente em uma
negociação e é claro que aí entra num ideal quase habermasiano que
eu detesto, que a gente deve levar em consideração de que outro está
intercedendo não para desmontar uma decisão, mas porque de fato
certas posições não foram levadas a cabo. Por isso a questão da
democracia direta e não do voto puro e simples coloca mais
empecilhos do que resoluções e as pessoas devem ter um voluntarismo
muito forte. (ROCHA, 2014)

Já o elemento experimental remete à autocriticidade da assembleia que deve


discutir e (re)pensar sua metodologia de organização a todo momento, visando a
formulação de espaços verdadeiramente horizontais, que estimulem a participação dos
seus diversos integrantes como nos conta um dos entrevistados:

27
Ela é horizontal porque você não precisa de lastro, não precisa de
representatividade, de participar de outro grupo, não importa se é a
primeira vez que você está ali ou a décima primeira, ou a trigésima
quinta, o tempo de fala e o respeito pela fala é soberano dentro da
assembleia, por isso entendemos que é necessário sempre rever a
metodologia para que não se caia em vícios que prejudiquem a
horizontalidade. (ROCHA, 2014)

A APH é um processo contínuo de experimentação, de construções dinâmicas e


reflexivas em constante diálogo e abertura ao poder instituinte, portanto, marcadamente
desapegada de poderes e conjunturas que a instituíram no passado. Isso não significa
dizer que o seu passado ou história eram ignorados, mas não detinham o condão de
determinação e contensão do futuro, ou pelo menos esse condão era bastante
enfraquecido. Assim, uma hora antes do início de cada assembleia os integrantes eram
convocados a pensar, com base na reunião anterior, as metodologias mais democráticas
de construção do espaço, portanto, a APH de (re)inventava a cada nova reunião.
Por fim, em sua dimensão subjetiva, o princípio da horizontalidade pode ser
compreendido em seus seguintes elementos: autonomia e autogestão.
A autonomia apresenta-se como possibilidade de reconhecimento. A liberdade
de ação, compreendida nesse contexto como esfera de realização social e não
meramente individual, permite a constante oxigenação dos ideais e da organização da
assembleia, sempre aberta ao porvir da sociedade. Assim, o respeito à busca da decisão
mais consensual era prática constante, mas nunca se rendia à ideia da consensualidade
absoluta, uma vez que a assembleia se baseia na ideia de uma construção e ação direta
que nem sempre é plenamente consensual. Os próprios membros eram autônomos para
discordarem das decisões da APH e decidirem por participar ou não dos atos e das
intervenções por ela convocados, a sua legitimidade não se dava por um mito
fundacional apriorístico, mas por uma construção democrática de autolegitimação
diária. Ommar, entrevistado nesta monografia, nos diz sobre as limitações de alcance da
APH e destaca a necessidade de sua multiplicação pela cidade em respeito ao próprio
elemento da autonomia:

A APH-BH nunca teve a pretensão de penetrar em todas as demandas


da cidade, mas foi única assembleia possível naquele momento,
entretanto, entendemos a necessidade da descentralização para que
cada região e cada bairro possam tratar de suas especificidades de
maneira mais próxima e autônoma. (OMMAR, 2014)

28
A autogestão é o elemento que permite e materializa uma construção
verdadeiramente autônoma da APH. Remete diretamente ao caráter instituinte da
assembleia que é constantemente gerenciada pelos seus integrantes, não se
subordinando ao interesse de nenhuma instituição externa de poder. Através das
decisões tomadas seja nas reuniões gerais, seja nos grupos de trabalho, os indivíduos
que a compõe determinam seu destino coletivo e ao mesmo tempo se autodeterminam.
Pelo elemento da autogestão a assembleia é inteiramente autofinanciada, não admitindo
qualquer forma de financiamento externo e se posicionando criticamente à atual
subordinação da política ao poder do capital. A autogestão resgata a política para o
espaço comum, o espaço de todos, profanando a lógica da atual organização
institucional da política representativa, sacralizada e afastada do espaço realmente
público.
Assim, entendemos que a horizontalidade se realiza através de elementos
estruturais e subjetivos que permitam metodologias experimentais de incentivo ao poder
popular na construção diária da assembleia, requerendo o respeito à autonomia de seus
integrantes – enquanto reconhecimento destes – e exigindo a autogestão do espaço que
não deve se subordinar aos interesses de instituições externas. A horizontalidade,
princípio fundante da APH, intercruza diversas das falas de seus integrantes, mostrando-
se presente em todas reuniões, sendo invocada, inclusive, para lançar luz às próprias
contradições concretas da assembleia. “Horizontalidade” é uma palavra que contém
toda potência de radicalidade desse espaço e que não deve ser compreendida pela ótica
do mero individualismo, mas sim pela ótica do reconhecimento do outro em suas
singularidades que possibilitam a construção de um real espaço comum da política.
Símbolo dessa compreensão é a frase repetida como mantra pelos seus integrantes:
“Somos todos líderes de sua luta, de sua própria voz”.

29
5 A ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL NA PRÁTICA

Por seu turno, o diálogo entre movimentos sociais e o campo institucional


vigente parece quase impossível nos tempos atuais. Talvez por se tratar de
instituições verticalizadas e burocráticas com comando central e
longevidade, opostas à fluidez e mutação permanente das comunidades e
redes sociais virtuais. (Rudá Ricci e Patrick Arley)

A prévia análise normativa da Assembleia Popular Horizontal deve ser


confrontada com a sua forma de organização e ação na materialidade histórica, ou seja,
na prática social de sua construção. Como dito anteriormente, os princípios não se
deram de forma absoluta, mas foram buscados em uma lógica concreta que muitas
vezes se manifestou de forma contraditória aos ideais propostos. Neste capítulo teremos
a oportunidade de analisar as primeiras ações da APH, especialmente, nos meses de
junho e julho de 2013.

5.1 PRIMEIRA SESSÃO

Na terça-feira, dia 18 de junho de 2013, ocorreu a primeira sessão da APH,


segundo ata disponibilizada na plataforma wiki (http://aph-bh.wikidot.com/), a
metodologia desta reunião foi encaminhada por consenso, mais de 100 pessoas falaram
com o tempo limite de 2 minutos por manifestação. Assim foram retiradas da discussão
cinco ações imediatas:

1. Agenda
 Quinta, 20/06, Ocupação Praça Sete às 17h em integração
aos atos espalhados pelo Brasil.
 Sábado, 22/06, Concentração Praça Sete às 10h em
mobilização pelo jogo da Copa.
 Domingo, 23/06, Segunda Assembleia Popular dos
manifestantes de Belo Horizonte às 15h.
2. Definição do Copac como CANAL DE REFERÊNCIA do
movimento para conseguirmos a unidade.
 Após discussão foi consenso que a atuação do Comitê
Popular dos Atingidos pela Copa seria responsável por
convocar os eventos nas redes sociais das marchas e

30
ocupações aprovadas em Assembleia, para assim não
pulverizar os atos e dissipar a já grande mobilização.
Destaca-se que todas as ações e discussões são coletivas,
horizontais e envolvem diversos indivíduos e movimentos
presentes nas Assembleias.
3. Formação de GRUPOS HORIZONTAIS E PERMANENTES
de articulação.
 COMUNICAÇÃO: estudantes e profissionais da área de
artes e design responsáveis por orientar a produção de
material (faixas, cartazes e bandeiras) para nossas
marchas e ocupações.
- SAÚDE: estudantes e profissionais da área da saúde
responsáveis por orientar o preparo dos manifestantes
para marchas e ocupações e a minimização da violência
policial contra a população (gases de efeito moral e
lacrimogêneo, spray de pimenta, balas de borracha, dentre
outras formas).
- JURÍDICO: estudantes e profissionais da área do direito
responsáveis por orientar e defender juridicamente todos
os manifestantes antes, durante e depois que qualquer ato.
Principalmente na busca e defesa dos presos políticos.
Interessados em voluntariar nesses grupos e em outros
possíveis devem procurar o Copac para melhor
entendimento.
4. EXIGIR da Prefeitura Municipal a redução da tarifa do
transporte “público”, a instalação do Passe Livre Estudantil e
auditoria dos contratos do transporte público, lutando pela
TARIFA ZERO.
5. Não deixar o movimento diluir caso alguma demanda inicial
seja aceita pela Prefeitura, tendo em vista o uso deste artifício
por parte do Poder Executivo de várias cidades tentando
minimizar a voz das ruas. (ASSEMBLEIA POPULAR
HORIZONTAL, 2016)

Além das pautas imediatas, aquela sessão discutiu temas municipais, regionais
e nacionais de resistências populares e avanços da democracia direta. Também foram
temas de pauta: a ampliação das linhas metroviárias em Belo Horizonte; a organização
de uma virada cultural com movimentos como o Duelo de MCs 15, Praia da Estação16,

15
Evento de arte urbana e difusão da cultura Hip Hop que ocorre desde 2007 debaixo do Viaduto Santa
Tereza em Belo Horizonte com a disputa musical-artística entre os MCs.
16
Movimento de ocupação da Praça da Estação e utilização de suas fontes de água para se banhar,
transformando a praça central da capital mineira em uma verdadeira “praia” ocupada por pessoas com
trajes de banho, vendedores ambulantes e às vezes até carros pipa que refrescam os presentes. Surgiu em
2010 em reação ao decreto nº 13.798 de 09 de dezembro de 2009 do prefeito Márcio Lacerda (PSB)
proibindo a realização de eventos de qualquer natureza no local pela dificuldade em limitar o número de
pessoas e garantir a segurança pública decorrente da concentração, além da possibilidade de depredação
do patrimônio público. Este decreto acabou sendo revogado em 04 de maio de 2010 e a “praia da estação”
tornou-se um evento cultural marcante da cidade.

31
Copelada 17e o Sarau Vira-Lata18; a revogação da Lei Geral da Copa e a transparência e
a auditoria imediata dos recursos públicos destinados às obras da Copa do Mundo de
2014.
Como proposto pela APH, o ato do final da tarde de quinta-feira, dia 20 de
junho, reuniu na região do hipercentro da capital mineira mais de 20 mil manifestantes
que seguiram em protesto rumo à Câmara dos Vereadores e retornaram por volta das 22
horas à Praça Sete. A força dos atos tornava-se cada vez maior por todo o Brasil, o ato
seguinte convocado pela APH para o sábado, dia 22 de junho, foi a maior manifestação
realizada em Belo Horizonte, reunindo mais de 100 mil manifestantes segundo
estimativa da Polícia Militar de Minas Gerais. A manifestação parte do centro e segue
em direção ao Estádio Governador Magalhães Pinto (Mineirão) onde ocorria o jogo da
Copa das Confederações entre as seleções do Japão e do México. Este ato é marcado
pela extrema violência da polícia militar que havia preparado um cerco na avenida
Abrahão Caram nas proximidades do Mineirão e repele a manifestação através de
cassetetes, balas de borracha e diversas bombas de gás lacrimogênio. Ao tentar escapar
do local, muitos manifestantes se depararam com a Força Nacional “acampada” dentro
das cercas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e são duramente
reprimidos. A partir de então o tema da violência policial ganha ainda mais centralidade
nas manifestações.
Segundo o comunicado oficial da reitoria da UFMG (ANEXO I) publicado
somente no dia 23 de junho, posteriormente ao ato, o Reitor Clélio Campolina e a Vice-
Reitora Rocksane Norton dizem que:

A Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012, a chamada “Lei Geral da


Copa”, determina, em seu artigo11, parágrafo 1º, que o perímetro de
até dois quilômetros ao redor dos estádios pode ser considerado área
de segurança, sujeita a restrições e controle de acesso e circulação de
veículos e pessoas. Com base nessas normas legais de observância
obrigatória, as autoridades públicas decidiram definir como área de
segurança em Belo Horizonte o perímetro de 700 metros em torno do
estádio Mineirão, o que incluiu o campus Pampulha da UFMG.

17
Ato de ocupação recreativa dos espaços públicos da cidade surgido na época da Copa das
Confederações em 2013 coma realização de partidas de futebol abertas à participação popular, criticando
o caráter economicamente excludente da realização de megaeventos não acessíveis a maior parcela da
população brasileira.
18
Movimento fundado em 2011 com o objetivo de disseminar poesia para todos cidadãos através da
valorização e reconhecimento da arte literária marginal. Os saraus são realizados em diversas praças
periféricas de Belo Horizonte.

32
Em entendimentos com os ministérios da Educação, da Justiça e da
Defesa e com o governo do Estado de Minas Gerais, ficou acertado
que UFMG abrigaria efetivos da Força Nacional de Segurança Pública
no campus Pampulha. Essa decisão atende os preceitos legais antes
mencionados e busca preservar a segurança pessoal e patrimonial na
UFMG, que é um bem público coletivo de toda a sociedade.

Ora, em defesa da segurança pessoal e patrimonial da UFMG, diversas alunas e


alunos desta mesma Universidade foram feridos com balas de borracha ao tentarem
adentrar ao campus universitário em fuga da reação violenta e ostensiva da polícia
militar contra os manifestantes. Ademais, o acordo firmado com o governo federal e
estadual para abrigar os efetivos da Força Nacional de Segurança Pública não havia sido
publicizado, nem debatido preteritamente com os diversos setores da universidade,
reforçando ainda mais o caráter autoritário da decisão tomada pela reitoria, que ao
esconder-se sob o manto de uma suposta legalidade, furtou-se ao debate público que o
junho de 2013 conclamava.

5.2 SEGUNDA SESSÃO

Também foi no dia 23 de junho, após a manifestação de força dos atos


convocados para os dias 20 e 22, que ocorreu a segunda sessão da APH, com o registro
na plataforma wiki (http://aph-bh.wikidot.com/). Neste dia deliberou-se dentre outras
questões a organização da assembleia em grupos de trabalho lastreados em eixos
temáticos. A ideia dessa divisão era propciar metodologicamente espaços que
estimulassem a autonomia e a autogestão dos indivíduos, dinamizando as falas e as
oportunidades de ação, que se tranformaram em diversas intervenções diretas. Desta
forma, a APH consolidou-se por uma organização através dos seguintes grupos de
trabalho: 1) Arte e Cultura; 2) Democratização da Mídia; 3) Educação; 4) FIFA e Mega
Eventos; 5) Meio Ambiente; 6) Mobilidade Urbana; 7) Reforma Política; 8) Reforma
Urbana; 9) Saúde; 10) Segurança Pública; 11) Direitos Humanos e 12) Permacultura,
além das comissões de comunicação e disseminação das assembleias. Ademais, nesta
segunda sessão encaminhou-se uma nova manifestação para o dia 26 de junho com as
seguintes pautas:

33
1. Transporte (REVOGAÇÃO DO AUMENTO, PASSE LIVRE,
TARIFA ZERO);
2. Copa e megaeventos (MENOS DINHEIRO PARA A COPA E
MAIS DINHEIRO PARA SAÚDE E EDUCAÇÃO);
3. Abaixo a Repressão Policial! (FORA A FORÇA DE
SEGURANÇA NACIONAL);
4. Fora Feliciano! (ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL,
2016).

Os atos convocados pela APH passam a repercutir intensamente nos


organismos políticos institucionais que percebem a necessidade de diálogo com os
integrantes da assembleia. Inicialmente foi convocada uma reunião no dia 25 de junho
pelo Governador de Estado, Antonio Augusto Junho Anastasia, com autoridades
públicas e membros do Comitê Popular de Atingidos pela Copa (COPAC) para
pensarem propostas que evitassem conflitos violentos no dia 26 de junho, quando
ocorreria o jogo entre as seleções do Brasil e do Uruguai. A ata (ANEXO II) desta
reunião apresenta dois encaminhamentos que já assinalam para o reconhecimento da
importância da APH:

 Será aberta uma mesa de negociação com as pautas reivindicatórias


deliberadas pela Assembleia Popular Horizontal onde serão
indicados um representante para cada plataforma de reivindicação;
 Está prevista nova reunião com o Governador e a mesma
composição desta, para apresentação das pautas levantadas pela
Assembleia Popular Horizontal;

Destaca-se que logo após esta reunião que também contou com a participação
do Reitor da UFMG, Clélio Campolina, foi decidida a retirada dos efetivos da Força
Nacional de Segurança Pública do campus universitário. Essa decisão representou um
símbolo claro da vitória da ação direta dos alunos que iniciaram uma ocupação da
reitoria ainda pela manhã daquele dia e da própria APH que tinha nesta uma de suas
pautas de ação política contra a violência policial. Vários integrantes da APH, muitos
deles do GT de Segurança Pública, passaram a defender o fim da polícia militar e a
identificar nesta instituição o caráter opressor do Direito, responsável – nessa
comprrensão – pela manutenção da segregação social e exploração do trabalhador.
Assim, ao defenderem o fim da polícia militar, muitos expressavam o desejo de
extinguir a própria estrutura jurídica de organização social que seria co-responsável

34
pela manutenção da dominação do capital, desvelando, portanto, através da violência
policial o “estado de exceção” que vivemos.

5.3 TERCEIRA SESSÃO

Também é no dia 25 de junho que ocorreu a terceira sessão da APH já


funcionando através do desmembramento nos grupos de trabalho temáticos com a
discussão de eixos como: democratização da mídia, educação, meio ambiente, reforma
urbana, repressão policial e reforma política, conforme ata disponível na plataforma
wiki (http://aph-bh.wikidot.com/).
Na quarta-feira, dia 26 de junho, mais de 50 mil pessoas, conforme estimativa
da Polícia Militar de Minas Gerais, foram às ruas da capital mineira e marcharam até o
mineirão, quando depararam-se novamente com o cerco realizado pela PM na avernida
Abrahão Caram, desta vez havia grades de metal instaladas na avenida separando os
manifestantes do policiais como acordado na reunião do dia anterior com o governador
Anastasia. Entretanto, tal ação não foi suficiente para impedir a truculência e as reações
violentas. A polícia, contando com mecanismos de repressão muito mais eficientes,
dispersou a manifestação violentamente. Também é neste dia que se registrou a morte
do jovem Douglas Henrique, 21 anos, após cair do viaduto José de Alencar durante o
tumulto da manifestação e da repressão.

5.4 QUARTA SESSÃO

No dia 27 de junho, como de costume na arena do Viaduto Santa Tereza,


ocorreu a quarta sessão da APH com a seguinte pauta:

1. Definição de nova dinâmica para a Assembleia;


2. Análise do ato de 26/06;
3. Construção do próximo ato (Eixo, local e data/horário).
(ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL, 2016)

Diante da necessidade de rediscutir a metodologia da assembeia para torná-la o


mais democrática possível, os membros, após longo debate registrado em ata, decidiram

35
por estabelecer quatro funções rotativas na assembleia: coordenação; redação da ata;
controle do tempo; e realização das inscrições. Estas funções seriam sorteadas a cada
reunião caso houvesse mais de quatro candidatos e quem estivesse compondo a mesa
“não teria direito à fala para evitar qualquer tipo de manipulação” (ASSEMBLEIA
POPULAR HORIZONTAL, 2016). Naquela reunião houve 25 candidatos dos quais
foram sorteados 4 para comporem a mesa. Também é nesta reunião que se define um
novo ato para o sábado, dia 29 de junho, na Câmara Municipal às 7 horas da manhã com
os eixos de manifestação centrados no transporte e na repressão policial.

5.5 OCUPAÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL

Durante o dia 29 de junho ocorria na Câmara Municipal de Belo Horizonte


uma sessão extraordinária para a votação do projeto de lei 417/2013 de autoria do
prefeito Márcio Araújo de Lacerda que isentava as empresas concessionárias do
transporte público do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN),
reduzindo o preço da passagem do ônibus em R$0,05. Os integrantes da APH
manifestaram-se contra a aprovação de tal projeto de lei, pois além de não trazer uma
alteração valorativa muito relevante, não reduzia em nada o lucro das empresas
concessionárias do serviço de transporte público na capital, assim a proposta apenas
repassava o dinheiro público que poderia ser investido em outras demandas sociais para
a necessária amortização do preço da tarifa do transporte elevada em R$0,15 naquele
ano. Ademais a proposta de lei aprovada naquele sábado não determinava o repasse
imediato das desonerações dos impostos federais PIS/Confins já autorizado pelo
governo federal. Neste contexto, os integrantes da APH em manifestação à aprovação
em segundo turno do projeto de lei acabaram por entrar em confronto com a equipe de
segurança da câmara que repudiando a manifestação, tentaram expulsá-los do local.
Diante esta situação de completo desrespeito às liberdades democráticas, 300
manifestantes resolvem ocupar o saguão da Câmara Municipal de Belo Horizonte.
Durante os nove dias de ocupação ocorreram seis sessões19 da APH na Câmara
Municipal e foi decretado o imediato recesso das atividades legislativas pelos
vereadores. Os integrantes da APH exigiam diálogo com o prefeito Márcio Lacerda para
19
Não há registro publicizado das atas das reuniões ocorridas dentro da Câmara Municipal de Belo
Horizonte.

36
tratarem da demanda do transporte coletivo público ecoada nas manifestações de junho
de 2013. Já na segunda-feira, dia 1º de julho, é realizada a quinta sessão da APH que
destacou por consenso dez delegados populares para serem porta-vozes das
reivindicações imediatas aprovadas naquela sessão. Então no dia 03 de julho de 2013 a
APH divulga uma nota publicitando o agendamento da reunião com o prefeito:

Belo Horizonte, 03 de julho de 2013.


Às 22h45 do dia 02 de julho de 2013, recebemos um telefonema do
Dr. José Antônio Baeta Melo Cançado, promotor do Ministério
Público que intermediou as negociações entre os integrantes da
Assembleia Popular Horizontal e o prefeito Márcio Lacerda de
Araújo.
Durante a ligação, o promotor comunicou a disponibilidade do
prefeito em receber os delegados eleitos pela Assembleia Popular
Horizontal às 15:00 do dia 03 de julho, na sede da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte. Esclarecemos ainda, a inexistência de
qualquer vínculo condicionante à realização da negociação e encontro
com o prefeito, como desocupação prévia da Câmara Municipal de
Belo Horizonte veiculada em alguns canais de comunicação.
Agradecemos o apoio incondicional que temos recebido da população
de Belo Horizonte e esperamos fazer jus aos anseios e desejos da
população.
Assembleia Popular Horizontal (ASSEMBLEIA POPULAR
HORIZONTAL, 2016)

O resultado desta reunião não agradou os integrantes da APH, pois não houve
avanço concreto em nenhuma das pautas apresentadas ao prefeito. Márcio Lacerda
insistia em aguardar o andamento dos trabalhos da empresa Ernest & Young que presta
serviços de auditoria e fora contratada para auditar os contratos celebrados com
empresas concessionárias de transporte público e as informações prestadas. Fruto desta
reunião foi um documento assinado por todos os presentes nos seguintes termos:

Reivindicações e resposta do prefeito Márcio Lacerda discutidos em


reunião :

1. Reivindicação APH: Revogação da portaria da BHTRANS de 26 de


dezembro de 2012 que institui o aumento da tarifa de ônibus de
R$2,65 para R$2,80.

Resposta Marcio Lacerda : A revogação da portaria não é possível,


mas a prefeitura está buscando, outras formas de redução da tarifas.

2. Reivindicação APH: Incorporação imediata na redução do preço da


tarifa da desoneração da folha de pagamentos (vigente desde janeiro

37
de 2013) e do PIS COFINS (vigente desde maio de 2013):

Resposta Marcio Lacerda: Para no máximo dia 5 de Julho a respeito


do PIS COFINS e considerando os 30 dias de prazo para as empresas
concessionárias aplicarem o PIS COFINS.

3. Reivindicação APH: Divulgação pública dos dados contáveis


necessários para a realização de uma auditoria cidadã das empresas de
ônibus, com publicação dos produtos parciais previstos com a Ernest
Young.

Resposta Marcio Lacerda: A publicação será feita de acordo com a


orientação da Procuradoria e a Controladoria.

4. Reivindicação APH: Implementação do Passe Livre para todos os


estudantes e desempregados.

Resposta Marcio Lacerda: É impossível, não há recurso pra isso, pois


dependendo da sua extensão pode representar um custo que a
Prefeitura não tem condição de pagar.
O que podemos fazer é uma analise para a possível criação de uma
tarifa social.Não é uma prioridade da Prefeitura, mas o prefeito abre a
sugestão para a criação de um plebiscito para a população decidir se é
ou não prioridade.

5. Reivindicação APH: Agendamento de uma reunião com as


ocupações urbanas e o Conselho de Habitação.

Resposta Marcio Lacerda: O prefeito firmou esse compromisso.

6. Reivindicação APH: Agenda de reuniões com demais eixos


temáticos da Assembleia Popular Horizontal.

Resposta Marcio Lacerda: O prefeito firmou esse compromisso, de


acordo com a sua disponibilidade. (ASSEMBLEIA POPULAR
HORIZONTAL, 2016)

No dia 05 de julho de 2013 o prefeito Márcio Lacerda anunciou a redução do


preço da tarifa de ônibus de R$2,80 para R$2,65, preço anterior ao aumento relativo ao
ano de 2013 e que entraria em vigor no dia 10 daquele mês. Tal redução foi possível
com a manutenção da desoneração do ISSQN e a aplicação imediata do repasse da
desoneração do PIS/Confins exigida pela APH. O anúncio foi comemorado pelos
membros da APH que realizavam a ocupação da câmara, mas as críticas continuaram a
serem feitas, uma vez que a redução era oriunda de uma desoneração fiscal e não de
uma redução dos lucros das empresas. Neste mesmo dia a APH foi comunicada do
interesse do governador Antônio Anastasia em agendar um encontro para o dia 09 de

38
julho. A ocupação permaneceu durante a sexta-feira e foi convocada uma nova sessão
da assembleia para o dia 06 de junho às 17 horas.
Esta reunião do sábado, dia 06 de junho, deliberou pela desocupação da câmara
no dia seguinte que seria acompanhada pela atividade de vários movimentos culturais
da cidade. Assim, no domingo, dia 07 de junho, os manifestantes, em clima de
confraternização, desocuparam o prédio da câmara acompanhados pelos blocos de rua
da cidade: Pena de Pavão de Krishna e Chama o Síndico. A passeata seguiu até o centro
da capital mineira onde se dispersou em segurança, evitando qualquer perseguição pela
polícia militar.

5.6 REUNIÃO COM O GOVERNADOR ANASTASIA E DEMAIS AÇÕES

No dia 09 de julho ocorreu a reunião com o governador tendo como pauta


prioritária os temas: Reforma Urbana, Mobilidade Urbana, Educação, Saúde, Meio-
Ambiente, Copa e Grandes Eventos. Segundo relato de um dos integrantes da reunião,
disponibilizado na plataforma wiki da APH:

Chegando no Palácio da Liberdade fica claro um esquema de


segurança muito maior do que o da primeira vez, quando eramos
simples integrantes do COPAC e de uma Assembleia Popular ainda
incipiente na cidade. O Palácio da Liberdade, sempre me impressiona
como um espaço tipicamente fetichizado, fino, limpo e não utilizado.
Quadra, piscina, jardim que a população de BH nunca poderá usar…
(ROCHA, 2013).

A APH, visando a transparência do encontro, exigiu que a reunião fosse


também acompanhada pela imprensa livre, comunicadores autônomos que tiveram
grande importância no registro dos eventos de 2013 no Brasil. O governador não foi
objetivo nas principais reinvindicações levantadas pelos 15 delegados da APH, mas
assumiu o compromisso de: a) agendar uma reunião com os professores da educação
pública do Estado; b) propor uma solução para a situação dos feirantes e ambulantes do
Mineirão e Mineirinho que foram impedidos de trabalhar com a nova dinâmica
estabelecida para os estádios devido à realização dos megaeventos; c) a paridade no
Conselho de Transporte e o d) envio de uma sugestão à Prefeitura de Belo Horizonnte

39
para a mudança do nome do viaduto José de Alencar para Douglas Henrique, jovem
morto naquel viaduto durante as manifestações (ROCHA, 2013).
Atualmente a Assembleia Popular Horizontal continua seus trabalhos,
passando por momentos de maior e de menor mobilização, mas com certeza hoje
pertence àquilo que podemos chamar de historicidade do belo-horizontino, como um
espaço de articulação dos movimentos sociais para a emancipação social e profanação
política. Destacamos sete eventos que contaram com a importante participação da APH:
1) a ocupação da Prefeitura em final de julho de 2013 pelos movimentos de reforma
urbana como as comuniddades: Dandara, Eliana Silva, Camilo Torres, Irmã Dorothy,
Vila Cafezal, Rosa Leão, Guarani Kaiowá e Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e
Favelas (MLB) e Brigadas Populares; 2) formação do Tarifa Zero, oriundo do Grupo de
Trabalho em Mobilidade Urbana da APH, tornou-se um importante movimento de luta
por novos pradigmas de transporte público na capital mineira; 3) construção do Espaço
Comum Luiz Estrela em outubro de 2013 no local do antigo casarão abandonado pelo
governo do estado no bairro Santa Efigênia, agora regido por princípios da autogestão e
construção coletiva; 4) o movimento Viaduto Ocupado em fevereiro de 2014, quando da
interdição arbitrária pela Prefeitura de Belo Horizonte do Viaduto Santa Tereza para
fins de revitalização sem a consulta popular; 5) o movimento Resiste Izidora,
importante ocupação urbana da região metropolitana de Belo Horizonte que encontra-se
em frenquente situação de iminente despejo; 6) a nova ocupação da Câmara Munipal
em setembro de 2015 para discussão de temas relativos ao transporte público na cidade
e os elevados preços das tarifas e 7) por fim, a Marcha Antifacista de BH, autônoma,
popular, apartidária e anti-capitalista, realizada em 30 de abril de 2016.

CONCLUSÃO: SERÁ A APH DE FATO PROFANADORA?

Acredito que se por um lado a Assembleia deve caminhar para uma


organização das lutas por outro não deve deixar de lado seu pendor e sua
busca de ação direta e radicalidade, e é nisso que me inspiro, a possibilidade
de que essa mediação não exista. O poder é do povo para o povo… (Paulo
Rocha, integrante da APH)

A política moderna apresenta-se através da ótica das democracias


representativas como um binômio conceitual indissolúvel. Entretanto, as noções de

40
democracia e representação são extremamente distintas. A primeira é oriunda da
antiguidade greco-romana, antes mesmo da era cristã. Já a segunda é fruto das
revoluções liberais do século XVIII, das quais destacam-se a Revolução Americana e
Francesa. Apesar de conceitos distintos, a democracia se consagra na modernidade por
meio da representação e por isso mesmo seria retirada do livre uso dos homens.
Profanar esta estrutura política posta significa negligenciar os espaços e as
regras políticas sacralizados concedendo-lhes um novo uso. A institucionalidade,
símbolo da separação do poder político que é reservado a alguns e retirado do uso
comum, não deve ser levada a sério, mas sim parodiada (AGAMBEN, 2007, pp. 37-48).
Nesse sentido, como afirmar ser a APH uma organização de fato profanadora? Qual dos
entrevistados teria razão: Ommar ao dizer que a APH é um espaço de atuação para a
retirada do poder institucional ou Alcântara que vê na assembleia um espaço de
aprendizado democrático e de constante interação com o poder instituído?
Entre o estado de exceção (AGAMBEN, 2004, pp. 9-49) e o Estado
Democrático de Direito (HABERMAS pp. 469-532) a APH foi tecendo sua história, às
vezes negando qualquer possibilidade de legitimidade à institucionalidade posta e
convocando ações diretas de desinstitucionalização do poder, por outras reconhecendo a
legitimidade dos órgãos políticos através dos canais de comunicação instaurados e das
negociações realizadas. Essa é uma tensão constante desde o surgimento da assembleia,
como não poderia ser diferente ao se tratar de um espaço em disputa e aberto às
constantes ressignificações e reinterpretações do mundo da vida e da política do
cotidiano.
Se por vários momentos a APH dialogou e negociou com os setores
governamentais institucionais, seja nas reuniões com o governador, seja nos encontros
com o prefeito e vereadores, contribuindo – em certa medida – para a legitimação, mas
também para a ressignificação dessas instituições, não podemos esquecer que as ações
da assembleia foram muito além. Tomada pela ação direta durante as manifestações e
ocupações, a profanação política ocorria e os ganhos mostravam-se reais. As ruas de
Belo Horizonte foram ressignificadas e tornaram-se – por um breve momento – espaço
comum do poder político, o movimento das ruas era em si instituinte, potência e ato
encontravam-se fora de qualquer normatização jurídica. A APH abriu-se para uma nova

41
construção política: direta e horizontal, possibilitando um “livre uso do mundo” como
se constata nas ideias de Agamben:

O que está realmente em questão é, na verdade, a possibilidade de


uma ação humana que se situe fora de toda relação com o direito, ação
que não ponha, que não execute ou que não transgrida simplesmente o
direito. Trata-se do que os franciscanos tinham em mente quando, em
sua luta contra a hierarquia eclesiástica, reivindicavam a possibilidade
de um uso de coisas que nunca advém direito, que nunca advém
propriedade. E talvez ‘política’ seja o nome desta dimensão que se
abre a partir de tal perspectiva, o nome do livre uso do mundo. Mas tal
uso não é algo como uma condição natural originária que se trata de
restaurar. Ela está mais perto de algo de novo, algo que é resultado de
um corpo-a-corpo com os dispositivos do poder que procuram
subjetivar, no direito, as ações humanas. (AGAMBEN, 2005)

Essa nova forma de construção política, talvez inaugurada pelos movimentos


do século XXI, com a Revolução das Panelas na Islândia (2008), o “Occupy” nos
Estados Unidos (2011), os Indignados na Espanha (2011) e o Junho brasileiro (2013),
nos apontem para novas formas de se pensar a relação entre política e direito plasmada
na constituição, não mais como um acoplamento de fechamento do sistema, mas de
evidência da constante tensão existente entre poder constituído e poder constituinte.
Talvez esses movimentos representem um chamado a repensarmos a fundação do
constitucionalismo na modernidade (VIANA, 2015) através de uma constituição que
realmente não se reduza ao poder constituído, mas que retenha o poder constituinte no
presente, no agora radicalmente democrático, numa temporalidade na qual a potência
não se encerre no ato, mas pelo contrário, nele se eleve (CHUEIRI, 2014), projetando-se
para um futuro sempre em aberto, uma temporalidade na qual o vazio é assimilado
enquanto afirmação da ausência (CATTONI DE OLIVEIRA, 2010).
Assim, como um espaço de organização política podemos dizer que a
assembleia detém a possibilidade da profanação através de suas ações diretas. Como
ação política em si, a própria dinâmica de funcionamento da APH mostra-se
profanadora de uma ordem política consagrada pela representação, uma vez que se
constrói a partir da ideia radical de horizontalidade. Esse espaço assembleário constitui
a historicidade belo-horizontina, possuindo uma importância estratégica na articulação
de ações voltadas para a retomada da política e a emancipação humana. A experiência

42
da Assembleia Popular Horizontal é a prova de que novas formas de política são
possíveis e sua concretização é tarefa que se coloca a esta geração.

43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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editorial 2004.
AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Trad.: Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo
editorial 2007.
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outubro de 2005.
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45
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científica da Faculdade de Direito da UFMG: “A Experiência da Assembleia Popular
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brasileiro. In: Copa do Mundo e Estado de Exceção: Desvio Autoritário e Resistências
Populares na Pátria de Chuteiras, organização de Andityas Soares de Moura Costa
Matos. Belo Horizonte: Initia Via, 2016.

47
APÊNDICE

ENTREVISTAS

O presente trabalho utilizou do método qualitativo de entrevistas


semiestruturadas a fim de trazer a vivência de alguns membros da assembleia para a
construção do artigo. A entrevista semiestruturada parte de questionamentos básicos que
são apoiados nas teorias e hipóteses que sustentam a pesquisa, abrindo espaço para
perguntas espontâneas do investigador e possibilitando sua presença consciente e ativa
na coleta de informações. O objetivo da entrevista foi o de identificar a semântica
pessoal da APH nas narrativas de alguns de seus integrantes mais antigos. Os três
entrevistados foram selecionados pelo critério objetivo de estarem presentes desde a
primeira reunião da APH e pelo critério subjetivo da observação daqueles que eram os
integrantes mais envolvidos na construção do espaço. Todos entrevistados foram
informados dos objetivos da pesquisa e consentiram em fornecer seus relatos. Após a
transcrição dos áudios, as entrevistas redigidas foram enviadas aos entrevistados, que
consentiram expressamente com sua publicação, ressaltando que um deles solicitou a
utilização de um codinome. As entrevistas foram realizadas no dia 17/06/2014 em Belo
Horizonte durante a manifestação contra a Copa do Mundo convocada pela Assembleia
Popular Horizontal na Savassi, momento em que ocorria o jogo entre as seleções da
Bélgica e Argélia no Mineirão. As três perguntas básicas da entrevista foram: 1) O que
é a Assembleia Popular Horizontal (APH)? 2) Quando surgiu a ideia de organizar uma
APH em Belo Horizonte? 3) Como a APH continuou os trabalhos após as manifestações
de junho de 2013? Outras perguntas ocorreram ao longo de cada entrevista conforme as
respostas dos entrevistados e as instigações que surgiam no pesquisador.

 ENTREVISTADO 1

NOME: Ommar (codinome adotado pelo entrevistado)


IDADE: 31 anos

48
ATIVIDADES: participa do movimento social da Frente Terra e Autonomia 20 (FTA)
com atuação na ocupação Guarani Kaiowá 21. Fez parte do movimento Ocupa BH22 e do
Tarifa Zero23. Participa do espaço da Assembleia Popular Horizontal.

PERGUNTAS:

1) O que é a APH?
A APH é um espaço e não um movimento, um espaço em que as pessoas vão atuar em
comum para retirar o poder das organizações institucionais, instituições burocráticas
como a Câmara e a Assembleia, visamos uma verdadeira democracia direta. O povo
deve se “empoderar” das decisões de participação e não deixar que essa
representatividade dos partidos, que na verdade representam as empresas que os
financiam, decidam sobre suas vidas. Então, a Assembleia Horizontal é uma forma de o
povo tomar o poder para si, se “empoderar”.

2) Quando surgiu a ideia de organizar uma Assembleia Popular Horizontal


em Belo Horizonte?

Os movimentos horizontais e a própria Assembleia Horizontal foram sendo construídos


por várias sementes. Os coletivos anarquistas de Belo Horizonte, o movimento Occupy
com o Ocupa BH e o próprio Fora Lacerda24, apesar de ter um viés eleitoral, teve essa

20
Conforme seu domínio virtual: “A FTA surge reivindicando sua breve bagagem de esforço de estudo e
prática emancipatória a partir de iniciativas em torno do tema da pedagogia libertária, refletindo seu
amadurecimento quando transversaliza sua orientação de atuação para a luta por moradia de um modo
geral na ocupação, não apenas no nível pedagógico.”. Disponível em <
http://www.frenteterraeautonomia.org/p/a-fta.html>.
21
Ocupação urbana no bairro Ressaca, município de Contagem, Minas Gerais.
22
Movimento político que surgiu em Belo Horizonte em 2013 e se intitula como apartidário e horizontal.
Organiza-se em assembleias para buscar alternativas a um sistema político-econômico que não os
representa. Foi inspirado em vários movimentos que ocorreram no globo no século XXI, como o Occupy
Wall Street.
23
Movimento social que surge do Grupo de Trabalho sobre Mobilidade Urbana da Assembleia Popular
Horizontal e tem como pauta a democratização do transporte público através do seu custeio integral pelos
recursos governamentais.
24
Conforme seu domínio virtual: “A articulação Fora Lacerda! é um movimento livre e apartidário que
reúne entidades, outros movimentos e cidadãos em torno da idéia de contestar a atual gestão da Prefeitura
de Belo Horizonte, em tudo aquilo em que ela está afetando a cidade e a população. Fazem parte dessa
articulação: ASSEAP (Feira Hippie de Belo Horizonte), a AMOREIRO (Associação de Moradores do
Cruzeiro), Rua Musas, IAB-MG (Instituto dos Arquitetos Brasileiros), Movimento Paz na Serra e estamos

49
característica. Esses coletivos foram se organizando de forma horizontal, acumulando
ideias e trocando informações, de repente surgiram as manifestações de junho, aquela
catarse, 150 mil pessoas nas ruas e foi preciso organizar-se. Com todo esse acúmulo de
organizações horizontais de Belo Horizonte, surge a ideia da Assembleia Popular
Horizontal. E na verdade, não houve ninguém que puxasse a APH, o que houve foi uma
necessidade popular de se auto organizar sob uma tendência horizontal, sem lideranças
ou hierarquias, sem nenhum partido puxar nada. Ninguém puxou, se alguém falar que
puxou, ele está errado, pois está descumprindo um princípio da horizontalidade,
ninguém puxa, simplesmente surgiu.

3) Como a APH continuou os trabalhos após as manifestações de junho de


2013?

Era previsto que aquele fluxo de 3 a 4 mil pessoas no auge das manifestações iria
diminuir. A APH continuou suas reuniões quinzenais, dando uma parada na época das
férias, mas voltando já no início de 2014 com uma reunião com o Comitê de Atingidos
pela Copa25 (COPAC) e com o Tarifa Zero, além convocarmos o “Viaduto Ocupado”
para discutir as ilegalidades das obras realizadas pela prefeitura de Belo Horizonte no
viaduto Santa Tereza, visando uma gestão coletiva.
Tentou-se fortalecer a metodologia com a descentralização, começou a se articular a
Assembleia Popular do Barreiro e estamos com a ideia de que no pós-Copa a APH-BH
passe a se chamar APH-baixo centro e estimule o surgimento de novas APHs em outros
bairros. A APH-BH nunca teve a pretensão de penetrar em todas as demandas da
cidade, mas foi única assembleia possível naquele momento, entretanto, entendemos a

abertos a todos os movimentos, grupos e indivíduos interessados.” Disponível em: <


http://foramarciolacerda.blogspot.com.br/ >. Acessado em 18/02/2015.
25
Conforme seu domínio virtual: “O COPAC – Comitê Popular dos Atingidos pela Copa 2014 BH – é
organizado por pessoas de diversos setores da sociedade que buscam discutir e entender os processos
ativados para a realização da Copa de 2014, atuando em Belo Horizonte, uma das cidades-sede desse
megaevento. Outros comitês populares foram organizados nas cidades-sede – Brasília, Cuiabá, Curitiba,
Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo – reforçando o
carácter nacional da causa.”.
25
Movimento dos Indignados na Espanha formado após a manifestação de 15 de maio de 2011 que
ocupou a praça “Puerta del Sol” em Madrid. O COPAC-BH realiza suas reuniões na Faculdade de Direito
da UFMG. Disponível em < https://atingidoscopa2014.wordpress.com/ >. Acessado em 18/02/2015.

50
necessidade da descentralização para que cada região e cada bairro possam tratar de
suas especificidades de maneira mais próxima e autônoma.

4) Quais meios foram utilizados para a comunicação sobre a APH?

Facebook, Wiki, panfletos...

5) Belo Horizonte foi a cidade pioneira no Brasil com a Assembleia Popular


Horizontal?

Não diria pioneira, até mesmo porque as ideias de assembleias não são tão novas assim,
vários são os exemplos até mesmo no mundo. Mas agora veio uma nova onda que vais
ser difícil segurar, porque ninguém mais quer aceitar ser mandado. A hierarquização, o
centralismo democrático e a ideia de que a maioria ganhou então você terá que fazer o
que ela determina vai contra a APH que sempre busca o consenso. Em Belo Horizonte
recentemente teve um encontro das assembleias, com a participação da APH-BH e
quatro assembleias do Rio de Janeiro. As outras assembleias não colocam a
Horizontalidade no nome, mas a adotam como princípio.

OMMAR. Entrevista realizada em 17 de junho de 2014. Entrevistador: Igor Campos


Viana. Belo Horizonte, 2014. Entrevista concedida para o projeto de iniciação científica
da Faculdade de Direito da UFMG: “A Experiência da Assembleia Popular Horizontal
na cidade de Belo Horizonte”.

 ENTREVISTADO 2

NOME: Paulo Rocha


IDADE: 26 anos.

51
ATIVIDADES: Se considera autonomista-anarquista. Mestrando em Filosofia da
UFMG. Participou de vários coletivos como o Conjunto Vazio 26 e participa de outras
movimentações da cidade como o COPAC, Tarifa Zero e do Espaço Estilingue 27.

1) O que é a APH?

A Assembleia não é um movimento social, mas um espaço de organização onde os


diversos indivíduos, grupos, coletivos e partidos podem se encontrar. Esse é o aspecto
que acho mais interessante, que essa miríade de ideologias e pessoas possam se
encontrar dentro de pressupostos como o da horizontalidade, que como anarquista e
autonomista me deixam muito feliz, mas só de ter um espaço onde esses grupos possam
se encontrar e mediar relações é um grande avanço. Porque na verdade o que a gente viu
é que os partidos, os indivíduos, coletivos têm pouco valor de chamamento em Belo
Horizonte, somos poucos, então é preciso ter essa mínima conversa e unir mesmo nas
divergências ideológicas, táticas e estratégicas. Ela é horizontal porque você não precisa
de lastro, não precisa de representatividade, de participar de outro grupo, não importa se
é a primeira vez que você está ali ou a décima primeira, ou a trigésima quinta, o tempo
de fala e o respeito pela fala é soberano dentro da assembleia, por isso entendemos que
é necessário sempre rever a metodologia para que não se caia em vícios que
prejudiquem a horizontalidade. Ela é popular pois pretende não ser preconceituosa,
racista lesbofóbica, transfóbica e nesse aspecto a própria metodologia da assembleia
visa encaminhar para isso, pensar na assembleia para além de ser um palco onde as
pessoas sobem e falam, mas pensar as fatias, grupos menores, o que estimula que

26
Se auto qualifica como: “um coletivo anticapitalista e não hierárquico/horizontal de anti-arte,
intervenção urbana, performance, negação prática, masturbação teórica e experimentos de estratégias para
charlatanismo crítico”. Disponível em: < https://comjuntovazio.wordpress.com/ >. Acessado em
18/02/2015.
27
Conforme seu domínio virtual: “O Estilingue constitui uma plataforma de interface para convergência
das ações de coletivos autônomos e redes de ação em Belo Horizonte, devotados à inovação tecno-
cultural e à democratização da mídia (para o "arremesso" dessas ações).
O funcionamento do Estilingue pretende propiciar o compartilhamento de recursos e conhecimentos e a
convergência de objetivos e métodos, ampliar a eficácia das ações das pessoas e organizações
participantes. Esses agentes se unem como umaConfederação de Grupos Autônomos interessados na
produção e troca de experiências e conhecimentos e que estejam de acordo com os princípios de
funcionamento do Estilingue. Esses princípios deverão ser atualizados pois o Estilingue deverá aderir
aos princípios dos Grupos e Mídias livres] (assim que eles estiverem mais estabilizados...).”. Disponível
em < https://estilingue.sarava.org/moin >. Acessado em 18/02/2015.

52
pessoas diferentes possam falar e não sempre as mesmas habituadas a falarem para
grandes públicos. A proposta é caminhar por duas vias, a auto-organização através dos
GTs, onde as pessoas possam se encontrar debater temas relevantes à cidade e levarem
para a assembleia onde as propostas serão encaminhadas; e a ação direta através de
protestos, ocupações, abaixo-assinados, intervenções midiáticas, pois o espaço da rua
não deve ser perdido, essa é a possibilidade de real transformação.

2) Quando surgiu a ideia de organizar uma Assembleia Popular Horizontal


em Belo Horizonte?

A ideia da APH veio de uma reunião dos anarquistas, autonomistas e libertários de Belo
Horizonte que se reuniram, um dia antes da primeira manifestação ir em direção ao
Mineirão chamada pelo COPAC. O primeiro ato, que ainda não era uma manifestação,
foi decorrente de uma “Copelada” na Savassi. Os anarquistas e autonomistas de Belo
Horizonte durante esse ato perceberam a necessidade de organizarem, porque o grande
o problema do anarquismo é que ele é muito perecível, as gerações são muito
perecíveis, como ele não tem uma inserção acadêmica e teórica forte, é difícil você
contatar as gerações e constatar os avanços. Percebemos o quanto seria importante que a
gente se reunisse para discutirmos como iríamos participar em bloco dessas
manifestações. Durante essa reunião percebeu-se que era necessário criar um espaço
assembleiário aberto e horizontal no espaço público, por que várias pessoas tinham
conhecimento e contato com outras assembleias que ocorriam pelo mundo, como os
indignados na Espanha, Occupy e a AGP (Ação Global dos Povos). Fui informado que
no dia seguinte haveria uma reunião integrada no Sindi-UTE convocada pelo COPAC,
só eu consegui acordar no dia seguinte para ir à reunião, estavam presentes a galera do
PCR, PSTU, PSOL, Brigadas Populares, COPAC, ANEL, independentes e sindicatos, o
pessoal basicamente me conhecia da época da Praia da Estação que veio de uma ação do
Conjunto Vazio e do Estiligue. A proposta da APH foi feita, de início a galera ficou um
pouco receosa, porque eles achavam que seria pouco organizativo e falaram para ser no
sindicato, mas eu insisti e a galera percebeu que seria uma boa fazer a reunião em um
espaço aberto. Tivemos a assembleia um dia depois do primeiro jogo em Belo
Horizonte, estávamos esperando aproximadamente duzentas pessoas e compareceram

53
quase 2 mil, 120 pessoas falaram, deu muito certo apesar de a gente não ter se
preparado de maneira nenhuma. Mas, ao longo do tempo a gente viu como seria
importante pensar a metodologia, porque as assembleias foram cada vez mais tomando
esse aspecto chamativo e na da terceira reunião surgiu a ideia de nos organizarmos em
grupos de trabalho.

3) Como a APH continuou os trabalhos após as manifestações de junho de


2013?

Teve o período em julho do qual a assembleia sai muito fortalecida, mas s partir de
então há um refluxo, a participação diminui, como legados temos o GT de Mobilidade
Urbana virou o Tarifa Zero e o GT de Reforma Urbana perdurou. Mesmo com a
redução no número de participantes, APH continuou ocorrendo, porque se descobriu
nela um espaço de interlocução entre os mais diversos movimentos e grupos políticos de
Belo Horizonte. O maior desejo é a descentralização, o fortalecimento das assembleias
de bairro, sempre tendo consciência da dificuldade e desafios da democracia direta.

4) Existe um GT de Reforma Política?

Esse GT começou, mas não caminhou, seu desdobramento foi no GT de Metodologia e


de Disseminação. Mas é inclusive um GT que devemos reativar para discutir textos
sobre democracia direta, aprender com as experiências assembleárias da Comuna de
Paris, dos Soviets e dos próprios Indignados na Espanha, para que a gente mesmo possa
ser um grupo de estudos e um grupo de experimentação.

5) Como funciona a dinâmica do voto na Assembleia?

O voto funciona como a última alternativa, o ideal é sempre buscar o consenso, para
algumas pessoas isso é mais fácil, para outras não, mas eu particularmente penso que
tem posições que são inconciliáveis e eu não tenho que sofrer por isso e ninguém tem
que sofrer por isso, se não tem o consenso tem-se que encaminhar e votar. Entretanto, o
que se deve buscar é o método mais horizontal possível, isso quer dizer que se as

54
pessoas sentem que a votação não foi ilegítima elas podem interceder, é claro que isso é
difícil porque entra novamente em uma negociação e é claro que aí entra num ideal
quase habermasiano, que eu detesto, que a gente deve levar em consideração de que
outro está intercedendo não para desmontar uma decisão, mas porque de fato certas
posições não foram levadas a cabo. Por isso a questão da democracia direta e não do
voto puro e simples coloca mais empecilhos do que resoluções e as pessoas devem ter
um voluntarismo muito forte.

ROCHA, Paulo. Entrevista realizada em 17 de junho de 2014. Entrevistador: Igor


Campos Viana. Belo Horizonte, 2014. Entrevista concedida para o projeto de iniciação
científica da Faculdade de Direito da UFMG: “A Experiência da Assembleia Popular
Horizontal na cidade de Belo Horizonte”.

 ENTRESVISTADO 3

NOME: Fidélis Alcântara


IDADE: 40 anos.
ATIVIDADES: Escritor. Participou do “Fora Lacerda” e “COPAC” (Comitê de
Atingidos pela Copa), mas encontra-se afastado devido à pré-candidatura ao governo de
Estado de Minas Gerais.

1) O que é a Assembleia Popular Horizontal (APH)?

É um espaço de exercício da democracia, aprendemos a escutar, a debater e a entender


que existe uma grande diferença entre discordar e não aceitar a ideia do outro. A gente
discorda e debate, aceita a diferença e a partir dela construímos novos debates e
consensos. Esse é um exercício muito importante para o crescimento de todo cidadão e
da participação democrática nas instituições oficiais também. A partir da participação
na APH nós aprendemos a intervir melhor junto à Câmara de Vereadores, Deputados, a
questionar melhor o papel do executivo e as suas normas, então esse é um exercício
fundamental.

55
2) Quando surgiu a ideia de organizar uma APH em Belo Horizonte?

Estava lá na primeira reunião no dia 18 de junho e foi algo muito bonito. Como já
existiam diversos movimentos em Belo Horizonte que já tinham certo diálogo,
percebemos a necessidade do estreitamento desse diálogo para o estabelecimento de
pautas conjuntas, especialmente durante as manifestações de junho, quando milhares de
pessoas foram às ruas, se indignaram, levantaram suas vozes, foi necessário a criação de
um espaço para que elas pudessem dialogar. Assim que surgiu a assembleia, em uma
convocação espontânea nos dias 16 e 17 de junho para sua realização no dia 18, debaixo
do viaduto Santa Tereza, com mais de duas mil pessoas, 130 falas. Contamos também
com o apoio do caminhão de som do Sindi-UTE para que todos pudessem escutar as
falas.

3) Como a APH continuou os trabalhos após as manifestações de junho de


2013?

Depois das manifestações ela passou a ter uma regularidade inicialmente semanal e aí
todo domingo nos reuníamos do lado do viaduto, pois o viaduto encontrava-se
interditado. Foram criados 12 Grupos de Trabalho com temáticas específicas como a
moradia, os direitos humanos, a desmilitarização, o meio ambiente, a mobilidade urbana
dentre outros. O GT de mobilidade urbana, talvez o de maior sucesso, transformou-se
no “Tarifa Zero” e o Comitê de Desmilitarização conseguiu fazer vários debates sobre o
tema e colocá-lo na pauta da discussão política da cidade, gerando acúmulos sobre a
violência policial especialmente nas periferias, contra a juventude negra e sobre a
organização da Polícia Militar mineira.

4) Quais meios foram utilizados para a comunicação sobre a APH?

Lembro que fizemos panfletos que foram distribuídos no dia 16 de junho e na


manifestação do dia 17. Também tivemos muitas ações na rede, inclusive com
transmissão ao vivo das reuniões.

56
5) A APH-BH foi pioneira no Brasil ou se inspirou em outras experiências?

A experiência da assembleia popular já existia em outros lugares do mundo, inspirado


muito no Movimento 15-M28, em países com a Grécia e o Egito. No Brasil elas
surgiram concomitantemente no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e outras
capitais.

6) Existe um GT de Reforma Política?

Existe, mas ele ficou parado por uma questão de foco e de mobilização, porque
conseguir o numero de pessoas suficientes para tocar um GT e participar de assembleias
que duram duas a três horas de debates é um grande exercício de paciência e de
aprendizado.

ALCANTÂRA, Fidélis. Entrevista realizada em 17 de junho de 2014. Entrevistador:


Igor Campos Viana. Belo Horizonte, 2014. Entrevista concedida para o projeto de
iniciação científica da Faculdade de Direito da UFMG: “A Experiência da Assembleia
Popular Horizontal na cidade de Belo Horizonte”.

28
Movimento dos Indignados na Espanha formado após a manifestação de 15 de maio de 2011 que
ocupou a praça “Puerta del Sol” em Madrid.

57
ANEXO I

COMUNICADO SOBRE MEDIDAS DE SEGURANÇA NA UFMG EM


DECORRÊNCIA DA COPA DAS CONFEDERAÇÕES DA FIFA BRASIL 2013

A Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012, a chamada “Lei Geral da Copa”, determina, em


seu artigo11, parágrafo 1º, que o perímetro de até dois quilômetros ao redor dos estádios
pode ser considerado área de segurança, sujeita a restrições e controle de acesso e
circulação de veículos e pessoas. Com base nessas normas legais de observância
obrigatória, as autoridades públicas decidiram definir como área de segurança em Belo
Horizonte o perímetro de 700 metros em torno do estádio Mineirão, o que incluiu o
campus Pampulha da UFMG.
Em entendimentos com os ministérios da Educação, da Justiça e da Defesa e com o
governo do Estado de Minas Gerais, ficou acertado que UFMG abrigaria efetivos da
Força Nacional de Segurança Pública no campus Pampulha. Essa decisão atende os
preceitos legais antes mencionados e busca preservar a segurança pessoal e patrimonial
na UFMG, que é um bem público coletivo de toda a sociedade.

Clélio Campolina Diniz (Reitor)


Rocksane de Carvalho Norton (Vice-Reitora)

58
ANEXO II
ATA DE REUNIÃO REALIZADA EM 25/06/2013 NO PALÁCIO DA
LIBERDADE ENTRE O GOVERNADOR DO ESTADO E MEMBROS DO
COMITÊ POPULAR DOS ATINGIDOS PELA COPA29

Da reunião foram tirados os seguintes encaminhamentos:

1) As manifestações devem ocorrer em clima pacífico;


2) A resposta da Polícia Militar deve se limitar àqueles que agredirem a Polícia;
3) Foi acordado que na Avenida Abrahão Caram, no local originalmente previsto como
ponto de bloqueio das manifestações, seja instalado apenas uma barreira física, sem a
presença de barreira humana (Policiais Militares ); os militares guardarão distância
considerável;
4) Para o ato do dia 26/06/2013 será criado uma comissão sintética de acompanhamento
das manifestações composta por um membro mediador da própria manifestação e um
membro da Polícia Militar;
5) O Governador se pronunciará garantindo o exercício da livre manifestação e a
segurança dos manifestantes;
6) Será aberta uma mesa de negociação com as pautas reivindicatórias deliberadas pela
Assembleia Popular Horizontal onde serão indicados um representante para cada
plataforma de reivindicação;
7) Está prevista nova reunião com o Governador e a mesma composição desta, para
apresentação das pautas levantadas pela Assembleia Popular Horizontal;

Governador Antonio Augusto Junho Anastasia; Amanda Couto de Medeiros; Rafael


Barros Gomes; Fidélis Oliveira Alcântara; Paulo Henrique Assunção Rocha; Leonardo
Péricles; Rafael R. Bitttencourt; Daniel Lages; Gladson David da Silva Reis; Thereza
Christina P. Marques; Isabella Gonçalves Miranda.

29
Disponível em http://www.agenciaminas.noticiasantigas.mg.gov.br/media/uploads/2013/06/28/ata.pdf,
acesso em 20/06/2016.

59

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