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Aliny Lamoglia Volume 2

Volume 2
Mara Monteiro da Cruz

ISBN 978-85-7648-782-1

9 788576 487821 Psicopedagogia

Psicopedagogia
Psicopedagogia
Volume 2 Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz

Apoio:
Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
Rua da Ajuda, 5 – Centro – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20040-000
Tel.: (21) 2333-1112 Fax: (21) 2333-1116

Presidente
Carlos Eduardo Bielschowsky

Vice-presidente
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Coordenação do Curso de Pedagogia para as Séries Iniciais do Ensino Fundamental


UNIRIO - Leila Medeiros
UERJ - Rosana de Oliveira

Material Didático
ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO Departamento de Produção
Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz EDITOR DIRETOR DE ARTE
Fábio Rapello Alencar Alexandre d'Oliveira
COORDENAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO
INSTRUCIONAL COORDENAÇÃO DE PROGRAMAÇÃO VISUAL
Cristine Costa Barreto REVISÃO Alexandre d'Oliveira
Cristina Freixinho
SUPERVISÃO DE DESENVOLVIMENTO ILUSTRAÇÃO
INSTRUCIONAL REVISÃO TIPOGRÁFICA Alessandra Nogueira
Miguel Siano da Cunha Cristina Freixinho
CAPA
Elaine Bayma
DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL Alessandra Nogueira
E REVISÃO Renata Lauria
Thelenayce Ribeiro PRODUÇÃO GRÁFICA
Anna Maria Osborne
Verônica Paranhos
COORDENAÇÃO DE
AVALIAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO
PRODUÇÃO
Thaïs de Siervi
Ronaldo d'Aguiar Silva

Copyright © 2011, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj


Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio
eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação.

M233
Lamoglia, Aliny
Psicopedagogia. v. 2. / Aliny Lamoglia, Mara Monteiro da Cruz. -
Rio de Janeiro : Fundação CECIERJ, 2012.
166 p. ; 19 x 26,5 cm.

ISBN 978-85-7648-782-1

1. Psicopedagogia. 2. Aprendizagem. 3. Afetividade. I. Cruz,


Mara Monteiro. II. Título.

2012.2/2013.1 CDD 372.21


Referências Bibliográficas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT.
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Governo do Estado do Rio de Janeiro

Governador
Sérgio Cabral Filho

Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia


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NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO RIO DE JANEIRO
Reitor: Silvério de Paiva Freitas Reitor: Carlos Levi

UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL


RIO DE JANEIRO DO RIO DE JANEIRO
Reitor: Ricardo Vieiralves de Castro Reitor: Ricardo Motta Miranda

UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO


Reitor: Roberto de Souza Salles DO RIO DE JANEIRO
Reitor: Luiz Pedro San Gil Jutuca
Psicopedagogia Volume 2

SUMÁRIO Aula 9 – A aprendizagem da leitura e da escrita ________________________ 7


Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz

Aula 10 – Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico _____________ 29


Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz

Aula 11 – A queixa sobre a aprendizagem na escola


e na clínica – a visão interacionista ________________________ 45
Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz

Aula 12 – Distúrbios que afetam a aprendizagem _____________________ 63


Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz

Aula 13 – Deficiência intelectual – como esses alunos aprendem __________ 81


Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz

Aula 14 – Educação especializada para surdos ______________________ 103


Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz

Aula 15 – Deficiência motora e acessibilidade ao currículo ______________ 123


Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz

Aula 16 – Atualidades sobre altas habilidades _____________________ 139


Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz

Referências _______________________________________________ 155


A aprendizagem da leitura e da

AULA
escrita
Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz

Metas da aula
Explicitar o conceito de alfabetização e apresen-
tar duas abordagens que se contrapõem.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja


capaz de:
1. definir alfabetização;
2. reconhecer que a alfabetização possui caráter
processual;
3. reconhecer as abordagens global e fônica em
alfabetização;
4. identificar dificuldades no processo de
alfabetização.
Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita

INTRODUÇÃO Você faz ideia de há quanto tempo o homem tem registrado, por meio de
símbolos, suas ideias e os acontecimentos do cotidiano? Há cerca de vinte e
cinco mil anos, o homem primitivo já fazia desenhos nas cavernas e gravações
nas rochas das margens dos rios.
No Brasil, há registros de pinturas deste tipo, chamadas “rupestres”, locali-
zados no Rio Grande do Norte e em outros estados.

Figura 9.1: Pinturas rupestres encontradas no Brasil.


Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=11176

As primeiras escritas, bem diferentes do que conhecemos hoje por este termo,
foram desenvolvidas pelo povo sumério, que viveu na Mesopotâmia entre
3500 e 2000 a.C., coincidindo com o surgimento das primeiras civilizações
urbanas, organizadas à volta de cidades como Ur, Uruk, Lagash e Nippur.
Como a economia desta região não era mais exclusivamente agrícola, os
registros escritos serviam ao sistema de tributação, para registrar a quantidade
de sacos de cereais que se produzia ou as cabeças de gado que se possuía.
Esses registros eram feitos com um pequeno estilete de metal, osso ou mar-
fim, em placas de argila úmida que eram, depois, secas ao sol. Esse sistema
é designado pictográfico, pois os seus símbolos eram desenhos (pictus) que
representavam o que se queria escrever.
Com o tempo, esses desenhos foram simplificados, dando origem à escrita
cuneiforme (os símbolos eram feitos em forma de cunha, em diferentes
tamanhos e orientações). Tratava-se de uma escrita ideográfica, ou seja, que
representava ideias, não os sons da linguagem oral.
Na mesma época, os egípcios inventaram os hieróglifos (“escrita dos deuses”,
em grego), um sistema complexo, ao mesmo tempo ideográfico, pictográfico
e fonográfico, ou seja, esse sistema escrito possuía signos para representar
ideias, objetos e sons. Além de fazer registros nas paredes dos túmulos e

8 CEDERJ
templos, os egípcios foram os primeiros a usar uma espécie de papel (o papiro),

9
AULA
caneta e tinta. Os rolos de papiro são considerados os primeiros livros de que
se tem notícia. Alguns continham ilustrações, além de texto.

Figura 9.2: Alguns signos da escrita egípcia.


Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=21392

A passagem dos ideogramas para os sistemas silábicos aconteceu devido à


necessidade de se representarem elementos da língua falada, como o esta-
belecimento de relações gramaticais, que não podiam ser representados por
ideogramas. Desta forma, os sinais passaram a representar os sons, e não
mais os objetos em si (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2000).
O alfabeto fonético foi inventado pelos fenícios. O registro mais antigo
corresponde a inscrições em um sarcófago, onde foram utilizados apenas
vinte e dois sinais diferentes. Esses sinais representavam os sons da fala
e constituíam um sistema muito mais simples para a aprendizagem, se o
compararmos com as escritas anteriores, ou até mesmo com os cinquenta
mil signos da escrita chinesa.

CEDERJ 9
Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita

Assista a um vídeo sobre a evolução da escrita:


http://www.youtube.com/watch?v=AVKOCSU8zqI&feature=r
elated%20historia%20da%20escrita%20parte%201

Os fenícios, que eram navegadores e comerciantes, percorreram o Mediter-


râneo levando seu sistema de escrita. Os gregos fizeram adaptações, acres-
centando as vogais. Quando os romanos conquistaram a Grécia, no século I
a.C., adotaram o alfabeto grego, fazendo modificações na forma de muitas
letras, introduzindo novas e eliminando as que não serviam para sua língua
(ROTH; ROCHA, 1992).

Nosso alfabeto atual vem do romano, com alterações como a introdução


de algumas letras, como o J, o V e o W, mas o sistema continua o mesmo
desde a invenção pelos fenícios.

A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA – A VISÃO


CONSTRUTIVISTA

Piaget (citado por MIRANDA, 1999) defende, a partir de suas


pesquisas, que ao longo do seu desenvolvimento cognitivo (do nascimento
à idade adulta), o homem recapitula as etapas pelas quais, historicamen-
te, passou o pensamento humano até chegar ao que é hoje. Em suma, a
ontogênese recapitularia a filogênese.
Ferreiro e Teberosky (1985) chegaram à mesma conclusão com
relação ao desenvolvimento da linguagem escrita, em pesquisas realiza-
das com crianças de 4 a 6 anos de idade, que frequentavam o ambiente
escolar:

É extremamente surpreendente ver como a progressão de hipó-


teses sobre a escrita reproduz algumas das etapas-chaves da
evolução da história da escrita na humanidade, apesar de que
nossas crianças estejam expostas a um único sistema de escrita. A
linha de desenvolvimento histórico vai do pictograma estilizado
à escrita de palavras (logografia), à introdução posterior de um
princípio de “fonetização”, que evolui paulatinamente até as

10 CEDERJ
escritas silábicas e, depois de uma complexa etapa de transição,

9
culmina no sistema puramente alfabético dos gregos (FERREIRO;

AULA
TEBEROSKY, 1991, p. 279).

A Psicogênese da Língua Escrita, teoria desenvolvida por estas


autoras, considera a língua escrita como um sistema de representação, e
não como código. Elas entendem que o aluno que aprende é um sujeito
cognoscente que, em contato com o mundo letrado, desenvolve suas
próprias hipóteses sobre a escrita, mesmo antes do ensino formal. A
alfabetização é, então, concebida como uma aprendizagem conceitual,
e não como técnica.
Pesquisando a aprendizagem da língua escrita, Ferreiro identificou
três períodos principais:
• O primeiro período caracteriza-se pela busca de parâmetros de
diferenciação entre as marcas figurativas e as marcas gráficas, não
figurativas, assim como pela formação de séries de letras como
objetos substitutos, e pela busca das condições de interpretação
desses objetos substitutos. A criança começa a diferenciar a escrita de
outros sistemas de representação, como o desenho. Suas produções
demonstram esta tentativa de estabelecer a diferença entre as marcas
icônicas (que possuem relação com o objeto que representam) e as
não icônicas (arbitrárias).
• O segundo período é caracterizado pela construção de modos de
diferenciação entre os encadeamentos de letras, baseando-se alterna-
damente em eixos de diferenciação qualitativos e quantitativos.
Neste período, denominado pré-silábico, a criança formula hipó-
teses sobre o sistema de representação da escrita. Para que algo seja
legível, ou para ler coisas diferentes, é preciso encontrar diferenças nos
dois textos. Essas diferenças correspondem a dois eixos: o quantitativo
(a criança pensa que para produzir escrita é necessária uma quantidade
mínima de caracteres) e o qualitativo (deve haver uma variedade destes
caracteres).

• O terceiro período é o que corresponde à fonetização da escrita, que


começa por um período silábico e culmina no período alfabético.
A fonetização da escrita se inicia quando a criança começa a iden-
tificar os grupos de sons que compõem as palavras e tenta, de alguma
forma, representá-los na escrita, estabelecendo, a princípio, relações de

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Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita

quantidade, com a correspondência termo a termo (nível silábico). Neste


nível, a escrita apresenta diferenças no eixo quantitativo (representa cada
sílaba da palavra falada com um caracter na escrita) e no qualitativo
(começa a empregar letras similares para emissões sonoras parecidas).
Sempre em contato com a língua escrita, produzindo seus próprios
textos, tentando ler, quando vê os adultos escreverem ou ainda quando
leem para ela, “a criança abandona a hipótese silábica [...] devido ao
conflito entre a hipótese silábica e a exigência de quantidade mínima
de grafias e o conflito entre as formas gráficas que o meio lhe propõe e
a leitura dessas formas em termos de hipótese silábica” (FERREIRO;
TEBEROSKY, 1991, p. 196). Assim, a criança entra em conflito cogni-
tivo toda vez que compara a escrita que vê no meio em que vive (livros,
jornais) e a escrita tal como pensa (hipótese silábica). De modo geral,
há mais letras na escrita social que na sua individual.
A passagem para o nível alfabético se dá gradativamente, carac-
terizando um período híbrido, o silábico-alfabético, em que a criança
representa parte das palavras silabicamente, e parte alfabeticamente, até
que, finalmente, produza a escrita alfabética, escrevendo, sistematica-
mente, uma letra para cada som da fala.
A aprendizagem da escrita, assim como da leitura, envolve com-
plexos processos cognitivos. Ao alfabetizar-se, a criança recria a escrita,
tornando-a um sistema seu; desenvolve um outro tipo de linguagem com
características muito diferentes da linguagem oral, cuja aprendizagem
prescinde de ensino formal. No entanto, deve ser considerado que exis-
tem diferenças significativas entre os processos de leitura e escrita, que
se desenvolvem de forma relacionada, porém não condicionada.
Goodman (1987) refere-se à leitura como “um processo em que
pensamento e linguagem estão involucrados em contínuas transações,
quando o leitor busca obter sentido a partir do texto impresso” (p. 11).
Como o leitor tem por objetivo obter o sentido do texto, o foco de sua
atenção só se voltaria para aspectos como as letras, palavras ou a pró-
pria gramática quando este tivesse dificuldade em obter o significado
de maneira global. Assim, “aquilo que acreditamos ver é, em sua maior
parte, o que esperamos ver” (op. cit., p. 18), uma vez que o cérebro guia
os olhos em busca do sentido que espera encontrar.

12 CEDERJ
Em suma, ao privilegiar a busca pelo sentido, Goodman descreve

9
AULA
a leitura como um sistema de antecipação semântica – em suas palavras,
um jogo de adivinhação psicolinguístico (citado por HOUT, 2001).
As diversas teorias sobre a construção de sentido a partir da leitu-
ra, tais como as de Partz (2001), Morton e Petterson (1980, citados por
HOUT, 2001), e o amplo debate acerca do processo de leitura confir-
mam a complexidade do mesmo. Sternberg (2000) ressalta que a leitura
envolve, no mínimo, linguagem, memória, pensamento e inteligência. As
pessoas que têm dificuldades em dominar estes processos “podem sofrer
intensamente em uma sociedade que coloca um prêmio alto na leitura
fluente” (p. 136).

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 1

1. Pensando no processo de alfabetização, responda: ensinar a escrever


apenas propondo cópias do quadro seria um método válido? Justifique a
sua resposta.

RESPOSTA COMENTADA
Não seria válido em hipótese alguma. A aprendizagem da escrita,
assim como da leitura, envolve complexos processos cognitivos.
Alfabetizar-se significa desenvolver a capacidade de “desmantelar”
a língua, analisá-la em suas unidades mínimas e ser capaz de mani-
pular estas unidades em dois âmbitos: a decodificação, no caso da
leitura, e a codificação, no caso da escrita. Para ser capaz de executar
todas essas operações, a criança deve possuir o que chamamos
“consciência fonológica”, ou seja, a capacidade de pensar nos sons
que formam a língua. Esta capacidade depende, na grande maioria
das vezes, do ensino formal para ser desenvolvida.

CEDERJ 13
Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita

A ALFABETIZAÇÃO INFORMADA PELA NEUROPSICOLOGIA


– A VISÃO FÔNICA

Apresentaremos um breve histórico do Núcleo de Educação Inclu-


siva da Unirio (www.nucleoeducacaoinclusiva.com.br) para contextuali-
zar a discussão sobre alfabetização na abordagem fônica ou cognitivista
que se seguirá. Iniciamos as atividades do Núcleo de Educação Inclusiva
(NEI) da Unirio em março de 2009, com o apoio do Programa Incluir
da Secretaria de Educação Superior do MEC. Dentre as ações do Núcleo
estão a capacitação de alunos do curso de Pedagogia, a realização de
pesquisa e o trabalho de extensão (neste caso, a oferta de atendimento
psicopedagógico a crianças da rede pública de ensino do município do
Rio de Janeiro). Para divulgarmos o Serviço de Psicopedagogia, entra-
mos em contato com escolas da rede pública e oferecemos vagas para
atendimento de alunos da Educação Infantil (EI), uma vez que o objetivo
era (e continua sendo) acompanhar crianças que ainda não fracassaram
no processo de alfabetização, caracterizando, desta forma, um trabalho
preventivo. Isto se deve ao fato de acreditarmos que vários indícios de
dificuldades no processo de aprendizagem podem ser identificados antes
do início do período formal (e obrigatório) de ensino.
Invariavelmente, ouvíamos das coordenadoras e orientadoras
das escolas de EI que não havia queixas de aprendizagem neste nível
de escolaridade, mas que se o Núcleo acompanhasse também crianças
matriculadas a partir do primeiro ano do Ensino Fundamental (EFI)
haveria uma infindável lista de crianças a serem encaminhadas.
Começamos, então, a acompanhar dezesseis crianças, com média
de idade de oito anos. Distanciamo-nos, portanto, do trabalho preventivo
que pretendíamos fazer e atualmente caracterizamos o trabalho, para a
maioria das crianças acompanhadas, como um resgate do processo de
alfabetização que, pelos motivos que veremos adiante, não foi possível
que a escola, responsável oficial por realizar este processo, assim o fizesse.

14 CEDERJ
ATIVIDADE

9
AULA
Atende ao Objetivo 2

2. A que você poderia atribuir o fato de os profissionais que trabalham


com Educação Infantil não identificarem as dificuldades no processo de
alfabetização antes de as crianças fracassarem na tentativa formal de alfa-
betização, ou seja, antes do primeiro ou do segundo ano de escolaridade?

RESPOSTA COMENTADA
Muitos professores desconhecem os precursores da alfabetização. O
principal deles é o domínio da língua falada. Por isto as atividades
linguísticas realizadas na Educação Infantil (EI) são tão importantes.
A criança precisa, ainda no período da EI, dominar funções como
narrar, descrever, recontar, descontextualizar a língua. Todas estas
habilidades a levarão a compreender que se pode desenhar não só
o que se vê, mas também aquilo que se ouve (VYGOTSKY, 1994).

Os métodos de alfabetização

Ainda de forma tímida, o Brasil inicia a discussão sobre os métodos


de alfabetização. Curiosamente, os resultados apresentados pelo Brasil
nas avaliações internacionais de proficiência de leitura e escrita ainda
não orientam de forma relevante os estudos, pesquisas e práticas de
alfabetizadores e professores que atuam na formação de professores do
ciclo básico de ensino. Vivemos, no Brasil, desde os anos de 1980, um
fenômeno que chamamos aqui “adesão ao construtivismo”. Em nome
desta forma de compreender o desenvolvimento infantil, traçaram-se
parâmetros que nunca foram anunciados por Piaget. Muito antes, pelo
contrário, Piaget enfatizou sempre que foi possível que sua alçada era
a epistemologia e que cabia aos pedagogos e aos psicólogos pensarem
em metodologias e estratégias de ensino e de aprendizagem. Em suas
palavras:

CEDERJ 15
Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita

É um problema de pedagogia experimental decidir se a maneira


de aprender a ler consiste em começar pelas letras, passando em
seguida às palavras e finalmente às frases segundo preceitua o
método clássico chamado “analítico” ou se é melhor proceder na
ordem inversa, como recomenda o método “global” de Decroly
(...). [Para a pedagogia experimental] completar suas averiguações
por meio de interpretações causais ou "explicações", é evidente
que precisa recorrer a uma psicologia precisa, e não simplesmente
àquela do senso comum (PIAGET, 1969, p. 29-32).

A psicologia precisa a que Piaget se referia pode, nos dias de hoje,


ser identificada com uma vertente da psicologia denominada neuropsi-
cologia cognitiva, que estuda os processos do conhecimento humano à
luz das descobertas da neurociência cognitiva.

Para saber mais sobre a neuropsicologia cognitiva e sobre


alfabetização, visite o site:
http://www.nucleoeducacaoinclusiva.com.br/metodo_foni-
co_capovilla_parte1.pdf

Em outros países como Inglaterra, França e Estados Unidos, a


queda no nível de proficiência em leitura e escrita das crianças à época do
“construtivismo” levou os governos a discutirem em que medida os parâ-
metros que orientavam os currículos se relacionavam aos quadros que se
configuravam no âmbito da educação básica. A partir das descobertas
que fizeram, os governos destes países redirecionaram os parâmetros e
as práticas em alfabetização, como veremos adiante.

Métodos sintéticos e métodos analíticos

A diferença essencial entre eles é simples. O método global – ou


sintético – acredita que a alfabetização deve ser realizada a partir de
textos, que devem ser introduzidos logo no início da alfabetização, antes
que a criança aprenda a decodificar (ler) e a codificar (escrever), sendo
que não há um ensino deliberado e sistemático das correspondências
letra-som (ou grafema-fonema), pois se espera que a criança perceba
sozinha tais relações (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2007). Já o método
fônico – ou analítico – afirma que o texto deve ser introduzido de modo

16 CEDERJ
gradual, com complexidade crescente, e à medida que a criança for

9
AULA
adquirindo uma boa habilidade de fazer decodificação grafofonêmica
fluente, ou seja,

Depois que ela tiver recebido instruções explícitas e sistemáticas


de consciência fonológica e de correspondências entre grafemas e
fonemas. Até os anos 1990, o método global era adotado em gran-
de parte dos países. Porém, a queda sistemática no desempenho
da população escolar desses países produziu enorme e crescente
insatisfação entre os educadores sensíveis à involução e fracasso
progressivo das crianças, o que produziu a grande controvérsia
conhecida como A Guerra da Leitura (The Reading Wars, Lemann,
6, 1997) e forçou as autoridades a buscar evidências sólidas de
pesquisa experimental para poder fazer uma opção oficial por um
ou outro método (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2007).

No método fônico, a alfabetização se dá através da associação entre


símbolo e som. Para que a criança se torne capaz de decifrar milhares de
palavras, ela aprende a reconhecer o som de cada letra. De outra forma,
ela teria que memorizar visualmente todo o léxico, algo ineficiente do
ponto de vista dos defensores do método fônico. O método parte da
regra para a exceção.
Fonte: http://espacoeducar-liza.blogspot.com/2009/01/o-mtodo-fnico-de-alfabe-
tizao.html

No Brasil, vemos muitos alfabetizadores que optam pelo ensino


assistemático da leitura e da escrita em nome de uma metodologia atri-
buída a Piaget, mas sobre a qual, conforme demonstrado aqui, o autor
nunca enunciou. Além disto, muitos professores atribuem o fracasso em
massa das crianças brasileiras na alfabetização à situação socioeconômica
de suas famílias, quase nunca a uma questão metodológica.
O que temos visto na prática do Núcleo de Educação Inclusiva,
em relação a boa parte das crianças que chegam com queixa na apren-
dizagem da leitura e da escrita, após dois ou três anos de tentativas sis-
temáticas de alfabetização, é que a elas faltam conhecimentos explícitos
de consciência fonológica. Iniciamos, então, este processo e orientamos
as famílias a sistematizarem também em casa – a partir de instruções
objetivas – as atividades que ajudarão estas crianças a associarem grafe-
mas a fonemas. Uma das atividades consiste em escolher com a criança

CEDERJ 17
Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita

uma lista de palavras de alta frequência, isto é, palavras com as quais


ela tem contato na modalidade escrita desde muito cedo, e solicitar
que alguém em casa leia as palavras para a criança e solicite que ela as
soletre. Gradativamente a lista é acrescida de novas palavras, até que a
soletração se torne fluente e sem esforço.

Por que os pressupostos teóricos são fundamentais? O exemplo


dos países que transformaram suas abordagens em alfabetização

Os documentos dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França


descrevem as lições que a guerra contra o analfabetismo funcional deixou
nestes países. Nas palavras de Capovilla e Capovilla (2007): “O que
distingue autoridades governamentais respeitáveis de nações desenvolvi-
das na área de educação é a seriedade com que tomam decisões a partir
de evidência científica sólida quando se trata de decidir o futuro de suas
crianças.” Por exemplo, o Congresso dos Estados Unidos realizou uma
pesquisa para avaliar os resultados de mais de 100 mil estudos científicos
conduzidos sobre a eficácia de diferentes métodos de alfabetização. Esta
pesquisa demonstrou a superioridade do método fônico e levou o Con-
gresso dos Estados Unidos a estabelecer oficialmente o método fônico
como o método mais eficaz para a alfabetização. Outros países, como a
Inglaterra e a França, também empreenderam suas pesquisas e chegaram
à mesma conclusão. E, depois de assistirem aos índices de proficiência em
leitura e escrita de suas crianças decaindo, obtiveram excelentes posições
entre os primeiros do mundo em competência de leitura.

Os resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de


Alunos) deixam claro que os países que adotam ensino fônico
produzem jovens com maior competência de leitura (como a
Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos), seguidos pelos
países que adotam métodos não puramente fônicos, mas mistos
(como Itália e Alemanha), e finalmente, nas últimas posições, os
países que teimam em seguir o construtivismo (como Portugal,
México e Brasil) ainda que em detrimento da educação de seus
jovens (Op. cit.).

18 CEDERJ
9
Sobre o Pisa, visite a página do Inep (Instituto Nacional de Estudos e

AULA
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira):
http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/

Vamos avaliar o que aconteceu particularmente com a Inglaterra.


Em meados dos anos 1990, o governo britânico, preocupado com os
índices em declínio de alfabetização de suas crianças, ensinadas a partir
do método global ideovisual, sem um período preparatório de instruções
fônicas e metafonológicas, criou a “força-tarefa” denominada “The
Literacy Task Force”. Esta iniciativa determinava que um levantamento
deveria ser realizado para averiguar as causas do declínio da proficiência
da leitura e da escrita das crianças que concluíam os primeiros anos do
ensino básico, quando, então, deveriam saber ler e escrever um comu-
nicado simples. Esta definição de alfabetização – saber escrever uma
mensagem simples – é a adotada pela OMS.
Os estudos realizados por Capovilla e Capovilla (2000) com crian-
ças disléxicas demonstraram que é necessário levá-las à conscientização
da existência dos segmentos da fala e à possibilidade de manipulá-los
para que possam ser alfabetizadas. Se esta hipótese é verdadeira para
aquelas crianças que apresentam um funcionamento cerebral específico
para grafemas e fonemas – apesar de ouvirem perfeitamente –, como é
o caso da dislexia, o mesmo deverá valer para aqueles que não possuem
transtorno fonológico.
Outros países, como a França e os Estados Unidos, também
vivenciaram situações semelhantes. Na França, foi criado o Observatório
Nacional de Leitura, e os Estados Unidos empreenderam cerca de 115
mil estudos sobre alfabetização. Invariavelmente, estes países investiram
em capacitação profissional para os professores alfabetizadores, que
foram orientados a transformar as suas práticas em alfabetização, antes
“construtivistas”, para “fônicas”.
Os autores consideram que os Parâmetros Curriculares Nacionais
brasileiros encontram-se na contramão da História, já que o Brasil registra
de 89% a 96% de fracasso no Ensino Fundamental, segundo o Sistema
de Avaliação da Educação Básica, e um dos recordes mundiais de incom-
petência em leitura. Segundo dados da Organização para Cooperação e

CEDERJ 19
Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita

Desenvolvimento Econômicos – OCDE –, divulgados em dezembro de


2010, o Brasil está na 53ª colocação entre os 65 países pesquisados, à
frente apenas de países como Colômbia, Argentina, Cazaquistão, Tunísia,
Indonésia, Albânia, Catar, Azerbaijão, Panamá, Peru e Quirguistão.

O Brasil não possui testes padronizados de avaliação da alfabetização que


atinjam toda a população de crianças matriculadas no primeiro segui-
mento do Ensino Fundamental. Recentemente, foram selecionados 6 mil
alunos de 262 turmas de escolas municipais, estaduais e particulares de
todas as capitais do país para participar da prova ABC. Para mais informa-
ções visite: http://maisbrasilia.com/mb2011/noticias/conteudo/2889/Prova_
detectar%C3%A1_n%C3%ADvel_de_alfabetiza%C3%A7%C3%A3o_no_
in%C3%ADcio_do_fundamental.html

Algumas secretarias municipais de educação ou instituições de


ensino superior utilizam testes não padronizados para avaliar localmente
e acabam por caracterizar iniciativas isoladas de investigação, sem con-
seguirem mapear a real situação da alfabetização no Brasil.
Um dos problemas decorrentes desta ausência de sistematização é a
falta de uma definição clara de alfabetização. Capovilla & Capovilla (2007)
afirmam que os PCN brasileiros confundem leitura com compreensão e
escrita com produção de texto e tomam como base de referência para
tal afirmação publicações como, por exemplo, o National Reading Panel
Report (NATIONAL READING PANEL, 2000), o National Literacy
Strategy (OFFICE FOR STANDARDS IN EDUCATION, 2000) ou o
Apprendre à Lire (FRANCE, 1998), que são formalmente equivalentes
aos PCN brasileiros.
Depois de realizar a atividade, você vai encontrar as definições
de leitura e compreensão de texto, já que, reunidas, estas habilidades
constituem o que chamamos alfabetização.

20 CEDERJ
ATIVIDADE

9
AULA
Atende ao Objetivo 3

3. Quais são as principais diferenças entre o método global e o método


fônico de alfabetização?

RESPOSTA COMENTADA
No método global não há instruções explícitas de consciência fono-
lógica, isto é, a criança não é incentivada a pensar nos sons das
letras e das palavras de forma sistemática. O texto (ou a frase) é
apresentado como uma unidade mínima sobre a qual a criança deve
aprender a pensar desde muito cedo, antes ainda de ter o conheci-
mento sobre as partes que o compõem. Em contrapartida, o método
fônico propõe que, inicialmente, as letras sejam apresentadas para
as crianças uma a uma, pontuando as possíveis irregularidades
entre os diferentes sons que as letras podem adquirir umas ao lado
das outras, como é o caso do “c”, por exemplo, que pode ser o de
“casa” e o de “cinto”.

DO QUE UMA CRIANÇA PRECISA PARA APRENDER A LER E


ESCREVER

Ler não significa, apenas, a capacidade de identificar automati-


camente as palavras. Escrever não consiste, apenas, em transcrever os
sons da fala. Ambos envolvem a capacidade de decodificar fonemas em
grafemas e vice-versa, mas o objetivo de ler é compreender, e o objetivo
de escrever é comunicar. Aprender a ler e escrever envolve três níveis de
competência: memória, consciência fonológica e vocabulário.
Ensinar essas competências em níveis progressivamente mais
elaborados constitui o cerne do programa de ensino e do “processo” de
alfabetização de praticamente todos os países do mundo que possuem
um sistema alfabético de escrita, como o nosso.

CEDERJ 21
Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita

O processo de alfabetização tem princípio, meio e fim, e seu fim


ocorre quando o aluno adquire o nível de fluência necessário para ter
um mínimo de autonomia na leitura e escrita.
O ensino dessas competências antecede, acompanha e sucede o
processo de alfabetização, mas é independente delas. As pessoas com-
preendem antes de saber ler e são capazes de contar histórias, fazer
descrições ou relatar notícias antes de saber escrever.
No caso da leitura, é necessária uma fluência mínima para que
haja compreensão. No caso da escrita, a fluência mínima para o aluno
enfrentar os desafios do 2º ano de escolaridade é próxima ao ritmo da
fala pausada do professor que dita, por exemplo, uma tarefa de casa.
Testes adequados de alfabetização devem levar em conta a mensu-
ração da fluência de leitura e escrita de textos, e não apenas de palavras.
Saber escrever palavras, ainda que uma grande lista delas, não torna
alguém capaz de produzir um texto.
Professores da série seguinte à alfabetização são os melhores juízes
para avaliar se o aluno está ou não alfabetizado: o aluno que não lê o
texto do livro não copia o que precisa copiar no tempo adequado e, se
não toma notas de forma definida, não tem funcionalidade. Portanto, é
um “analfabeto funcional escolarizado” (CAPOVILLA; CAPOVILLA,
2007).
Para avaliar a fluência de leitura, instrumentos mais robustos e
sofisticados devem incluir:
• um texto que o aluno não tenha lido, de estrutura morfossintática
compatível com a idade e com o nível de desenvolvimento dele;
• uma leitura cronometrada (pois se for rápida demais ou lenta demais
pode comprometer a compreensão do texto);
• contagem de erros (gaguejar, parar, silabar, “adivinhar” a palavra).
Para avaliar a capacidade de escrita, o ditado é um instrumento
que apresenta um elevado grau de validade, e normalmente é avaliado
levando em conta:
• a fluência, ou seja, o tempo necessário para escrever;
• a legibilidade;
• o nível de correção ortográfica;
• o atendimento a regras básicas de pontuação e uso de maiúsculas;
• a disposição da escrita no papel, de acordo com a natureza da mensagem.

22 CEDERJ
Um aluno pode ser considerado alfabetizado quando domina

9
AULA
essas competências.
Os termos transparente e opaco são usados na literatura especia-
lizada para indicar o grau de maior ou menor proximidade entre os sons
da fala e sua representação gráfica. Essa propriedade da língua faz com
que a alfabetização se realize em um ano em países como a Finlândia
ou a Itália, mas leve cerca de dois anos em países francófonos e cerca de
três anos nos países de língua inglesa.
De acordo com o Instituto Paulo Montenegro (ligado ao Ibope),
54% dos alunos que estudaram até a 4a série chegaram apenas ao nível
rudimentar de alfabetismo (10% continuaram analfabetos absolutos).
Vinte e quatro por cento dos alunos que cursaram entre o 6º e o 9º anos
do Ensino Fundamental ainda permaneceram no nível rudimentar. Dos
que cursaram alguma série ou completaram o Ensino Médio, quando
se esperava que todos os alunos estivessem plenamente alfabetizados,
ainda assim, apenas 38% atingiram o nível pleno de alfabetismo (http://
www.ipm.org.br/).
Resultados de estudos realizados no Brasil (CAPOVILLA; GÜTS-
CHOW; CAPOVILLA, 1997) e em outros países que possuem sistemas
linguísticos grafofonêmicos como o nosso corroboram a hipótese do défi-
cit fonológico, segundo a qual os distúrbios de processamento fonológico
são a principal causa dos problemas de leitura e escrita das crianças que
fracassam na escola após os primeiros anos de tentativas de alfabetiza-
ção. Tais problemas parecem estar bem menos relacionados à posterior
alfabetização do que às questões fonológicas. Tais dados replicam, para
a aquisição de leitura e escrita no português brasileiro, os achados de
Demont (1997) quanto à aquisição de leitura e escrita em francês.

CONCLUSÃO

A despeito de toda a complexa discussão que existe quando tra-


tamos do tema “inteligência”, há um parâmetro relativamente simples
a ser considerado, que é o tempo. Vejamos: quando dizemos que uma
criança de quatro anos aprendeu a ler e escrever, consideramos que ela
é precoce. Quando, por outro lado, dizemos que uma criança de dez
anos aprendeu a ler e escrever consideramos que ela está atrasada em
seu processo de aprendizagem. Por que isto acontece? Isto se dá devido

CEDERJ 23
Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita

ao parâmetro de normalidade, que nos informa que uma criança deve


aprender a ler e escrever por volta dos seis ou sete anos de idade. É assim
na nossa cultura e em muitas outras. Como já foi dito anteriormente,
para considerarmos uma criança alfabetizada temos que avaliar se ela
é capaz de ter em mente um texto e conseguir colocá-lo no papel para,
assim, transmitir uma mensagem e se ela é capaz de compreender uma
mensagem que outra pessoa escreveu. Se ambas as habilidades estão
presentes, dificilmente estaremos diante de uma pessoa com um rebai-
xamento cognitivo significativo.
Considere o exemplo de um jovem de quinze anos que é capaz de
escrever corretamente palavras como estrela, ventilador e conspiração
em um ditado, mas quando solicitado a escrever livremente sua produ-
ção mostra um texto incoerente que não permite ao leitor identificar a
mensagem que pretendia enunciar.
Se apenas 14,5% dos habitantes do planeta são acometidos de
alguma deficiência (dado da OMS), não podemos atribuir os índices de
fracasso na alfabetização que temos a questões orgânicas das crianças.
Há que se ter outra forma de explicar o fracasso. Há que se pensar na
questão metodológica.
Para aqueles que não apresentam dificuldade alguma de aprendiza-
gem, o método utilizado pode não ser muito relevante, pois a criança terá
subsídios para lançar mão das mediações assistemáticas que o contexto
de interação do qual participa lhe oferece. Por isto temos a impressão de
que algumas crianças, muitas vezes, “aprendem sozinhas”. Na verdade,
elas não aprendem sozinhas, o que acontece é que o próprio contexto
letrado do qual ela faz parte se encarrega de fornecer as “pistas” de que
ela precisa para deduzir o funcionamento do código alfabético. Mas, ao
contrário, para crianças que, por qualquer motivo, apresentam alguma
dificuldade de se beneficiar do contexto de interação é necessária uma
“intervenção deliberada”, lembrando aqui, mais uma vez, Vygotsky. É
certo que as pessoas não aprendem exatamente da mesma forma, cada
uma se utiliza de estratégias e recursos diferenciados para se apropriar
de determinados conhecimentos.

24 CEDERJ
O que a neurociência contemporaneamente tem procurado fazer é

9
AULA
encontrar alguns caminhos para explicar a “uniformidade que marca uma
grande parte do repertório de comportamentos humanos” (DAMÁSIO,
2010, p. 343) e, assim, se soubermos como alguns processos humanos
acontecem, poderemos pensar em estratégias que melhor nos ajudem a
alcançá-los.

ATIVIDADE FINAL
Atende aos Objetivos 1, 2, 3 e 4

Figura 9.3: Charge "Paulo Freire: alfabetização de


adultos".
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A9todo_Paulo_
Freire

Comente a seguinte citação de Paulo Freire, relacionando-a ao conteúdo da aula:


alfabetização – dificuldades – diferentes abordagens:

CEDERJ 25
Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita

Eu colocaria mais um condimento no pedagógico – a capacidade amorosa da

educadora. [...] É preciso, porém, saber amar. O fato de só amar não basta.

Para amar como educadora você precisa cientificamente saber como amar,

saber como você pode fazer-se mais eficaz e tornar seu amor mais eficaz

para que ele seja meio de libertação e não prática de opressão (FREIRE apud

ZACCUR, 1999, p. 19).

RESPOSTA COMENTADA
Paulo Freire alerta para a necessidade de estudos científicos acerca da alfabetização,
sobre como se aprende, para que se possa ensinar melhor, ou, diríamos, ensinar
adequadamente, utilizando uma abordagem que identifique a alfabetização como
um instrumento de autonomia.
Provavelmente, como vimos na aula, grande parte das dificuldades na alfabetiza-
ção deve-se à utilização de metodologias inadequadas, desenvolvidas a partir de
abordagens que consideram a linguagem escrita meramente como um código a
ser decifrado pelo aluno.
Freire referia-se à opressão em um contexto político bastante amplo, da ditadura
militar. No entanto, podemos afirmar que nos dias atuais, na sociedade democráti-
ca, o analfabetismo é, certamente, motivo de opressão, pois impede ou dificulta a
realização de inúmeras atividades do cotidiano do mundo letrado.

26 CEDERJ
9
RESUMO

AULA
O caráter processual da escrita e da leitura é um processo que se inicia muito
precocemente na vida da criança, quando ela ainda é um bebê e vai, aos poucos,
se apropriando da língua dos seus cuidadores, de forma a se tornar também uma
usuária da língua. A língua oral é, portanto, a precursora da língua escrita. Se a
criança faz uso da língua em sua modalidade oral de forma funcional, tudo nos
leva a crer que será capaz de se apropriar do código escrito. Outro importante
precursor da língua escrita é o desenho. Repetindo as palavras de Vygotsky, deve-
mos explorar a expressão da criança através do desenho, de forma a esgotá-lo,
para que ela perceba que é possível desenhar não só o que ela vê, mas também
o que ouve.
Encontramos diferentes abordagens em alfabetização a fim de que todos vocês
possam, diante de uma prática, identificar qual a metodologia aplicada.
Existem,ainda, alguns entraves no processo de aprendizagem da leitura e da
escrita, com destaque para a dificuldade dos profissionais que atuam nos anos
iniciais da infância em identificar precocemente os indicadores de problemas na
alfabetização.

CEDERJ 27
Ludicidade e interação –

10
AULA
o olhar psicopedagógico
Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz

Meta da aula
Valorizar a atividade lúdica no contexto educacio-
nal, relacionando-a à ampliação de possibilidades
de interação do ser humano com o meio, favore-
cendo seu desenvolvimento nas dimensões da lin-
guagem moral, cognitiva, afetiva e físico-motora.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja


capaz de:
1. classificar os jogos, segundo a teoria de Piaget;
2. reconhecer a importância do lúdico para o
desenvolvimento do ser humano;
3. identificar recursos lúdicos que podem ser
utilizados na escola.
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico

INTRODUÇÃO Na Aula 9, vimos como é importante o desenvolvimento da linguagem,


que possibilita a comunicação entre as pessoas e organiza o pensamento,
favorecendo a aprendizagem. Você deve estar se perguntando como esti-
mular a comunicação e a interação, ampliando, assim, as possibilidades de
aprendizagem na escola. Nesta aula, perceberemos que as atividades lúdicas
proporcionam momentos de interação fundamentais para o processo edu-
cacional. A psicopedagogia se utiliza destes recursos em diversas situações,
como, por exemplo, na avaliação de alunos com dificuldades no processo
de aprendizagem. A escola também deve se apropriar destas atividades para
tornar o processo de ensino-aprendizagem mais prazeroso e produtivo, res-
peitando o estágio de desenvolvimento das crianças.

BRINCAR... POR QUÊ?

O adjetivo lúdico é derivado do substantivo ludus, em latim, que


significa “jogo” e está relacionado a entretenimento, passatempo e diver-
são. Entretanto, segundo Brougère, na Antiguidade, gregos e romanos
utilizavam a palavra ludus tanto para designar a atividade livre e espon-
tânea, quanto a atividade imposta que caracterizava a escola e os treinos
dos gladiadores, por exemplo. Isso significa que escola era sinônimo de
treino e exercícios. Esta definição não parece atual se considerarmos
algumas escolas da atualidade?
Segundo Winnicott (1975), a brincadeira é universal e própria
da saúde, facilita o crescimento e conduz aos relacionamentos grupais.
Vygotsky afirma que a atividade imaginativa e o jogo de faz de
conta ou jogo dramático são muito importantes para o desenvolvimento
da criança. Através do brinquedo ou da brincadeira, a criança experi-
menta as regras, ao vivenciar os papéis que representa. Por exemplo, na
escola, na Educação Infantil, você já deve ter visto crianças brincando
de casinha, quando representam cenas do cotidiano familiar. Por outro
lado, em casa, algumas crianças costumam brincar de escolinha, imitando
a professora e reproduzindo cenas que vivenciaram na escola.

30 CEDERJ
Daniel Andres Forero

10
AULA
Figura 10.1: Crianças brincando de casinha.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1148550

No contexto da atividade lúdica, a criança também busca a rea-


lização de seus desejos e necessidades no seu universo do faz de conta.
Assim, a imaginação teria origem na ação da criança bem pequena, evo-
luindo ao longo de sua vida. Segundo Vygotsky (1989): “O velho adágio
de que o brincar da criança é a imaginação em ação deve ser invertido;
podemos dizer que a imaginação nos adolescentes e nos adultos é o
brinquedo sem ação” (p. 122).
Vygotsky observou que a brincadeira infantil proporciona intensa
atividade simbólica. Assim, transformando caixas em carrinhos e cabos de
vassoura em cavalos, a criança experimenta a ação regida por regras e deter-
minada pelas ideias, não pelos objetos em si. Conceição (2010) ressalta que:

A intensa elaboração imaginativa, a motivação para a realização e/


ou supressão do desejo/necessidades, a habilidade em ressignificar
objetos, bem como o desenvolvimento de regras, permite, por
meio das atividades lúdicas, o desenvolvimento da criança (p. 37).

Este exercício da imaginação que reelabora a realidade percebida


cria, segundo Vygotsky (1994), uma zona de desenvolvimento proximal,
ou seja, um espaço do desenvolvimento onde é possível interferir e provo-
car transformações/aprendizagens, favorecendo, assim, a internalização
de conceitos e o desenvolvimento das funções psíquicas, porque:

CEDERJ 31
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico

No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comporta-


mento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário;
no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade.
Como foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas
as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo,
ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento (p. 134).

Na Aula 5, vimos que zona de desenvolvimento proximal corresponde


à distância entre aquilo que a criança faz sozinha e o que ela é capaz
de fazer com a intervenção de um adulto; é uma potencialidade para
aprender, que não é a mesma para todas as pessoas, ou seja, consiste
na distância entre o nível de desenvolvimento real (onde se localizam as
aprendizagens consolidadas) e o potencial (as aprendizagens futuras).

Piaget afirma que, no brincar, a aprendizagem ocorre através


dos processos de assimilação e acomodação dos conteúdos vivenciados
(reveja estes conceitos na Aula 4) e relaciona os tipos de jogos ao estágio
de desenvolvimento da criança, classificando-os desta forma:
– Jogos de exercício
Atividade presente no desenvolvimento infantil até 18 meses, estes
jogos reaparecem, depois, em outras situações. Consistem em uma longa
repetição motora que dá prazer. É provável que você já tenha visto um
bebê lançar um objeto ao chão repetidas vezes, parecendo divertir-se ao
ver que o adulto sempre o pega de volta. Da mesma forma, a criança de
3 ou 4 anos que pergunta “por quê” inúmeras vezes está mais interessada
no jogo de repetição do que propriamente nas respostas.
– Jogo simbólico
Possível a partir da formação do símbolo na criança, do desen-
volvimento da linguagem, começa aproximadamente aos 2 anos de idade
e corresponde à brincadeira de “faz de conta”. A criança brinca com
bonecos, miniaturas que representam objetos de seu cotidiano, como
panelinhas, móveis, eletrodomésticos etc. ou transforma objetos, imagi-
nando serem outros instrumentos, como, por exemplo, cantar utilizando
uma escova como microfone.

Quando utilizam a linguagem do faz-de-conta, as crianças enri-


quecem sua identidade, porque podem experimentar outras for-
mas de ser e pensar, ampliando suas concepções sobre as coisas e

32 CEDERJ
pessoas ao desempenhar vários papéis sociais ou personagens. Na

10
brincadeira, vivenciam concretamente a elaboração e negociação

AULA
de regras de convivência, assim como a elaboração de um sistema
de representação dos diversos sentimentos, das emoções e das
construções humanas (BRASIL, 1998).

– Jogos sociais (ou de regras)


O interesse por estes jogos surge aos 7 anos, aproximadamente.
Podem ser desportivos, cooperativos, de tabuleiro, jogos de rua etc. Nos
dias atuais, principalmente nos grandes centros urbanos, a escola é a
grande responsável pela realização dos jogos de regras. Nestas regiões,
as crianças não podem mais brincar nas ruas e o apelo dos videogames
é muito forte.

Horton Group

Figura 10.2: Crianças brincando na rua – jogo de regras.


Fonte: http://www.sxc.hu/photo/909359

CEDERJ 33
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico

Veja crianças brincando na rua em Belo Horizonte nos anos


1950, acessando:
http://www.youtube.com/watch?v=a2Fd6Gn88-c&feature=fvsr

– Jogos de construção
É o meio termo entre trabalho e jogo. Busca-se manipular objetos
ou elementos do espaço na construção de um novo ambiente. Consiste
na utilização de brinquedos, como blocos, quebra-cabeças e jogos de
encaixe, por exemplo.

Anissa Thompson

Figura 10.3: Criança brincando com jogo de encaixe.


Fonte: http://www.sxc.hu/photo/472031

34 CEDERJ
10
Kishimoto (2009) acrescenta, como tipos de brincadeiras infantis,
o jogo educativo e as brincadeiras tradicionais.

AULA
O jogo educativo tem por objetivo ensinar conceitos escolares.
O uso do jogo potencializa as situações de aprendizagem, desde que
sejam respeitadas as condições para a expressão do jogo, ou seja, a ação
intencional da criança para brincar. A autora ressalta, portanto, que, se
uma criança empilha as peças de um quebra-cabeça para construir um
castelo, em vez de uni-las para aprender a nomear cores, como havia sido
planejado pelo professor, jamais deve ser corrigida ou reprimida. Neste
caso, ela não atingirá o objetivo proposto, mas vivenciará o lúdico, o
faz de conta, a criatividade e a habilidade para empilhar as peças, o que
também deve ser valorizado.
As brincadeiras tradicionais infantis são folclóricas, transmitidas
de pai para filho e têm a função de desenvolver formas de convivência
social e permitir o prazer de brincar. Como exemplos destas brincadeiras,
podemos citar as brincadeiras de roda e outras, como passa-anel.

Michael Lorenzo

Figura 10.4: Criança soltando pipa.


Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1040395

CEDERJ 35
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 1

1. Observando o quadro Jogos e brinquedos infantis, pintado por Pieter


Brueghel, identifique três brincadeiras, classificando-as de acordo com a
teoria de Piaget.

Figura 10.5: Jogos e brinquedos infantis, 1560. Obra de Pieter Brueghel que
retrata crianças brincando em uma aldeia medieval.
Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=5331

RESPOSTA COMENTADA
Jogo simbólico: crianças brincando de cavalinho na cerca.
Jogos sociais: três-marias, rodar pião, corrida de aro, bolinhas de
gude, carniça.

36 CEDERJ
Christie (1991, citada por KISHIMOTO, 2009, p. 25) relaciona

10
as seguintes características dos jogos:

AULA
1. Não literalidade: as situações de brincadeira caracterizam-se por um
quadro no qual a realidade interna predomina sobre a externa. Novos
sentidos são criados (não literais) para substituir os sentidos habituais.
O ursinho de pelúcia servir como filhinho é exemplo de uma situação
em que o sentido não é literal.
2. Efeito positivo: brincar gera prazer e alegria. Quando brinca livremente
e se satisfaz, isso confere efeitos positivos aos aspectos corporal, moral
e social da criança.
3. Flexibilidade: as crianças estão mais dispostas a ensaiar novas combi-
nações de ideias e de comportamentos em situações de brincadeira que
em outras atividades não recreativas. Brincar leva a criança a tornar-se
mais flexível e buscar alternativas de ação para as situações-problema.
4. Prioridade do processo de brincar: enquanto a criança brinca, sua
atenção está concentrada na atividade em si e não em seus resultados
ou efeitos. O objetivo do jogo deve ser somente este: brincar.
5. Livre escolha: o jogo infantil só pode ser chamado jogo se for escolhido
espontânea e livremente pela criança.
6. Controle interno: são os próprios jogadores que determinam o desen-
volvimento dos acontecimentos.

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 2

2. Leia a citação a seguir e comente-a, abordando a importância da atividade


lúdica para o desenvolvimento humano: “Brincar não é perder tempo, é
ganhá-lo. É triste ter meninos sem escola, mas mais triste é vê-los enfilei-
rados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação
humana” (Carlos Drummond de Andrade).

CEDERJ 37
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico

RESPOSTA COMENTADA
Carlos Drummond de Andrade faz uma crítica à escola que não
considera os interesses e características das crianças, oferecendo
exercícios descontextualizados, sem valor para sua formação. Ao
afirmar que “brincar não é perder tempo”, aponta para o valor da
brincadeira para a aprendizagem. De acordo com Vygotsky, no
contexto da atividade lúdica, a criança busca a realização de seus
desejos e necessidades no seu universo do faz de conta. Brincar
favorece a aprendizagem e o desenvolvimento, criando zonas de
desenvolvimento proximal. Por este motivo, o brincar deve ser valo-
rizado principalmente na educação de crianças.

O BRINCAR E O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Para trabalhar com crianças, é preciso apren-

der a jogar com elas antes de interpretar

E. Pavlovsky

No contexto psicopedagógico, o brincar é um importante recurso


de avaliação e de intervenção nos casos de dificuldades no processo de
aprendizagem. Paín (1992) descreve a Hora do Jogo como primeira
ferramenta utilizada para este fim. Utilizada com crianças de até 9 anos,
aproximadamente, tem por objetivo descobrir como a criança brinca e
em que condições é capaz de brincar. Fernandez (1991) também utiliza a
Hora do Jogo Pedagógico como estratégia de avaliação. Em suas palavras:

O saber se constrói fazendo próprio o conhecimento do outro,


e a operação de fazer próprio o conhecimento do outro só se
pode fazer jogando. Aí encontramos uma das interseções entre o
aprender e o jogar (PAÍN, 1992, p. 165).

A terapeuta apresenta à criança, dentro de uma caixa fechada,


elementos com as seguintes características: para desenhar, para recortar,

38 CEDERJ
para pegar, para costurar, para olhar, para ler, para escrever, para guardar

10
(caixinhas de diferentes tamanhos que possam ser colocadas umas dentro

AULA
das outras), para modelar, para juntar... Também elementos diferentes
com a mesma ação (como cola e fita adesiva, por exemplo).
Enquanto a criança brinca com os materiais da caixa, a terapeuta
observa e faz registros. A análise destes dados pode revelar analogias
com a forma de aprender daquela criança, observando-se como ela se
comporta em relação à terapeuta e à utilização do material. A criança
tenta classificar o material disponível antes de utilizá-lo (faz um inventário
experimentando ou simplesmente olhando)? A criança utiliza o material
em função de uma organização simbólica e se “apropria dele” – relaciona
seus elementos, levanta hipóteses, propõe um jogo?
A criança que tem um problema de aprendizagem devido a uma
inibição cognitiva não consegue se organizar nesta atividade, apresen-
tando dificuldades no inventário, na organização e/ou na apropriação
dos materiais.
Na sala de aula, o professor também pode organizar espaços com
diferentes materiais para que o aluno escolha e utilize como quiser, em
algum momento livre, como, por exemplo, ao concluir uma tarefa antes
do restante da turma.
Os jogos devem ser utilizados como privilegiados recursos de
estimulação da aprendizagem, tanto na clínica psicopedagógica quanto
no ambiente educacional escolar. Educadores como Fröebel e Montessori
abordaram, em seus trabalhos, a importância do aprender brincando.
Atualmente, com tantos recursos que seduzem a criança fora da escola,
como os brinquedos tecnológicos, é cada vez mais necessário valorizar
o lúdico e resgatar o prazer de aprender.
Friedmann (1996), baseando-se nos estudos de Piaget, afirma que
a atividade lúdica favorece o desenvolvimento humano nas seguintes
dimensões:
• linguagem: o jogo funciona como um canal de comunicação de pen-
samentos e sentimentos;
• moral: nas atividades lúdicas, se evidencia o processo de construção
de regras, o que deve acontecer numa relação de confiança e respeito.
A criança pequena tem dificuldade em aceitar perder o jogo, devido
ao egocentrismo intelectual. No entanto, vivenciando os momentos de
ganhos e perdas, e evoluindo cognitivamente, torna-se naturalmente

CEDERJ 39
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico

capaz de lidar com estas situações, o que não acontecerá se sempre


for protegida das frustrações, o que ocorre em muitas famílias em que
os pais nunca deixam as crianças perderem nos jogos. Estas crianças
tendem a ter dificuldades em lidar com regras, mesmo quando já se
encontram em estágios de desenvolvimento cognitivo que não justifi-
cam mais tais dificuldades;
• cognitiva: o jogo favorece o acesso a novas informações, que podem
originar novos conhecimentos;
• afetiva: a atividade lúdica pode facilitar a expressão dos sentimentos
e emoções;
• físico-motora: esta dimensão será contemplada nas atividades em que
a criança explora o corpo e o espaço, interagindo com o meio, como
nos jogos desportivos ou nas brincadeiras de rua.

Julien/Tromeur

Figura 10.6: Menino jogando bola.


Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1159097

40 CEDERJ
As atividades lúdicas podem ser livres ou dirigidas. No ambiente

10
educacional, o professor deve utilizar estes momentos para observar e

AULA
conhecer melhor seus alunos. Nas atividades dirigidas, deve colocar-se
como mediador, propondo desafios e enriquecendo o ambiente para
favorecer a construção de conhecimentos.

O professor não educa sozinho. Pais, profissionais, outras crian-


ças e a comunidade, todos fazem parte deste conjunto de atores
responsáveis pela educação. O primeiro passo da educação é a
descoberta do que a criança gosta, seus interesses, o que já sabe e
o que gostaria de saber. O brincar é excelente recurso para obser-
vação dos interesses e ações da criança. Pelo brincar, a criança
evidencia saberes e interesses, além de propiciar condições para
aprendizagens incidentais (KISHIMOTO, 2011).

Kishimoto (2011) dá algumas sugestões para a utilização de jogos


e brinquedos na sala de aula:

1. Necessidade de escolher os brinquedos. Não se pode utilizar


brinquedos destinados ao consumo familiar, de uso individualizado
de uma criança, para uso institucional. Os brinquedos destinados
ao uso coletivo devem ser seguros, ter durabilidade e resistência.
Pratos e xícaras não podem ser de miniatura e de plástico pouco
resistente. Melhor os de tamanho normal, feitos de material resis-
tente. As panelas devem ser de alumínio e as conchas de madeira.
2. Ao selecionar e organizar os brinquedos nas salas é necessário
pensar nas temáticas simbólicas significativas no contexto em
que a criança vive, sem fazer distinções de gênero, classe social
ou etnia. Verificar a faixa etária das crianças para selecionar tais
brinquedos. [...] 3. Verificar a utilidade do brinquedo ou objeto
colocado na área da brincadeira, questionando qual o uso que a
criança fará, que tipo de experiência poderá adquirir com o objeto.
Pensar nas experiências significativas das crianças para a seleção
dos brinquedos. 4. Separar os brinquedos em áreas ou setores de
modo que a criança possa utilizá-los sem se desorganizar. Se o
brinquedo serve para construir é preciso que estejam disponíveis
em áreas em que a construção seja possível. Se os brinquedos se
destinam ao faz de conta é preciso que estejam juntos para faci-
litar o aparecimento de temáticas simbólicas. Se o brincar requer
uso de água ou terra é preciso providenciar espaço e materiais.
Brinquedos misturados, quebrados e mal conservados dentro de
caixas não auxiliam o desenvolvimento do imaginário das crianças
5. É importante dar opções de brincadeiras coletivas e individuais
que representem a diversidade da cultura lúdica do país. 6. Toda

CEDERJ 41
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico

criança deve ter o direito ao brinquedo e brincadeira independente


de questões de gênero, etnia e classe social, o que equivale dizer
que não se pode separar os brinquedos para meninos e meninas
ou pobres e ricos. A diversidade cultural brasileira deve ser con-
templada na inserção de brincadeiras dos segmentos culturais aos
quais pertencem as crianças. 7. Os brinquedos devem ser organi-
zados em ambientes que favoreçam o uso autônomo da criança,
junto a mobiliário na altura da criança para que favoreça o uso
e a guarda do material.

CONCLUSÃO

Além de ser um momento propício à aprendizagem e ao desenvolvi-


mento, a atividade lúdica precisa ser respeitada, porque é inerente à natu-
reza da criança, e preservada. Em tempos de computador e videogame, que
estimulam o desenvolvimento de algumas habilidades, mas muitas vezes
favorecem o isolamento social, e da violência que impede a brincadeira
de rua, se os profissionais da educação não se responsabilizarem por
oferecer este tipo de atividade à criança, correm o risco de se extinguir
tanto a riqueza cultural dos brinquedos e brincadeiras infantis quanto
a condição saudável do desenvolvimento da criança que se descobre
descobrindo o mundo de forma livre, espontânea e natural.

42 CEDERJ
Thomas Aceytuno

10
AULA
Figura 10.7: Criança brincando com bolinha de sabão.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/781028

ATIVIDADE FINAL
Atende ao Objetivo 3

A partir das teorias estudadas nesta aula, imagine que você precisa providenciar
recursos lúdicos para uma turma de crianças de três anos de idade. Que recursos
você adquiriria? Justifique sua resposta.

CEDERJ 43
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico

RESPOSTA COMENTADA
A criança de três anos de idade precisa ter garantido o espaço do jogo simbólico,
que pode ser estimulado com um espaço, na sala de aula, com roupas e acessórios
(para brincar de faz de conta), ou com bonecos e miniaturas de móveis e utensílios
(para brincar de casinha). Uma caixa com sucata (limpa e que não ofereça riscos
à criança) também pode servir para este fim. Também são importantes jogos de
construção, com peças grandes (blocos, jogos de encaixe), para que experimen-
tem diferentes combinações e formas de encaixe. Brinquedos e jogos educativos
adequados a esta faixa etária também são interessantes e podem ser encontrados
no mercado.

RESUMO

As atividades lúdicas proporcionam momentos de interação fundamentais para


o processo educacional. Autores como Winnicott, Vygotsky e Piaget descrevem
a importância de jogos e brincadeiras para o desenvolvimento da criança, nas
dimensões da linguagem, moral, cognitiva, afetiva e físico-motora.
Piaget afirma que, no brincar, a aprendizagem ocorre através dos processos de
assimilação e acomodação dos conteúdos vivenciados e relaciona os tipos de
jogos ao estágio de desenvolvimento da criança, classificando-os como jogos
de exercício, jogo simbólico, jogos sociais (ou de regras) e jogos de construção.
Kishimoto acrescenta, como tipos de brincadeiras infantis, o jogo educativo e as
brincadeiras tradicionais.
No contexto psicopedagógico, o brincar é importante recurso de avaliação e de
intervenção nos casos de dificuldades no processo de aprendizagem.
As atividades lúdicas podem ser livres ou dirigidas. No ambiente educacional, o
professor deve utilizar estes momentos para observar e conhecer melhor seus
alunos. Nas atividades dirigidas, deve se colocar como mediador, propondo desa-
fios e enriquecendo o ambiente para favorecer a construção de conhecimentos.

44 CEDERJ
11
A queixa sobre a
aprendizagem na
escola e na clínica –

AULA
a visão interacionista
Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz

Meta da aula
Apresentar os grandes grupos de transtornos na
aprendizagem e algumas intervenções psicope-
dagógicas possíveis para cada um deles, a saber:
deficiência intelectual, dificuldade de aprendizagem
e doença mental.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja


capaz de:
1. identificar as diferenças entre deficiência
intelectual, dificuldade de aprendizagem e
doença mental;
2. reconhecer algumas propostas psicopedagógicas
para atender as necessidades deste aluno em
sala de aula.
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista

INTRODUÇÃO Como já vimos em aulas anteriores, “aprender envolve a simultaneidade da


integridade neurobiológica e a presença de um contexto social facilitador”
(FONSECA, 2009, p. 66). Veremos, nesta aula, em que consiste “integridade
neurobiológica” e um ambiente facilitador. Para este fim, abordaremos os
tipos de problemas (as etiologias) que impedem ou dificultam que o organismo
mantenha a sua funcionalidade, bem como algumas formas de avaliar e intervir
junto às dificuldades ou mesmo os impedimentos a alguns tipos de aprendi-
zagem trazidos pelo contexto de interação no qual a criança se desenvolve.
Cabe lembrar que, para a concepção interacionista de desenvolvimento que
adotamos neste curso, desenvolvimento intelectual e desenvolvimento linguístico
se confundem e podem mesmo ser considerados um só, tal como postulado por
Vygotsky (1993-1994).

O ORGANISMO QUE APRENDE

Antes de tudo, é importante discriminar os três grandes grupos


de problemas que podem afetar a aprendizagem:
– a deficiência intelectual;
– a dificuldade de aprendizagem;
– a doença mental.
Abordaremos cada um separadamente para que as aproximações
e as diferenças entre eles possam ficar claras.

A deficiência intelectual

Muitos termos são utilizados para nos referirmos a pessoas que


possuem funcionamento intelectual abaixo do que é considerado a média
de inteligência normal. Entre eles estão: rebaixamento cognitivo; déficit
cognitivo; deficiência mental; déficit intelectual; inteligência limítrofe;
retardo mental.
Ressaltamos, no entanto, que, desde 2001, na Conferência Interna-
cional sobre Deficiência Intelectual, no Canadá, vem sendo recomendado
o uso da expressão “deficiência intelectual”, oficialmente adotada em
2010 pela American Association on Mental Retardation (AAMR) ou,
em Língua Portuguesa, Associação Americana de Retardo Mental, que
passou, por este motivo, a chamar-se Associação Americana de Deficiência
Intelectual e Desenvolvimento (AADID). Todas as diretrizes políticas
atuais, no Brasil, têm adotado esta nomenclatura.

46 CEDERJ
São características da deficiência intelectual:

11
• Organicidade.

AULA
• Permanência.
• Comprometimento da inteligência.
• Prejuízo global do desenvolvimento.

Por organicidade, entendemos que existe uma disfunção ou


transtorno do organismo, algo que, mesmo que não possa ser mapeado
ou visível, existe e impede o organismo de funcionar em sua plenitude.
Logo, todas as causas de deficiência intelectual possuem algum corres-
pondente no organismo.
Esta condição é permanente, ou seja, uma criança que é diag-
nosticada com deficiência intelectual aos quatro ou cinco anos de idade
tenderá a ter a mesma condição aos doze ou aos vinte anos. Isto significa
que a interferência do ambiente – como estímulos, escola especializada,
acompanhamentos clínicos especializados – não é capaz de reverter o
diagnóstico.
Em outras palavras, interação com o grupo social, escolarida-
de, apoios terapêuticos favorecem sobremaneira o desenvolvimento,
mas este será sempre limitado, em função da organicidade (grau de
comprometimento).
A deficiência intelectual na perspectiva da AADID refere-se a
limitações substanciais no funcionamento atual. Caracteriza-se por
um funcionamento intelectual significativamente abaixo da média, que
geralmente coexiste com limitações em duas ou mais das seguintes áreas
de competências adaptativas (LUCKASSON, 1992):
– comunicação;
– cuidado pessoal;
– atividades domésticas;
– competências sociais;
– utilização dos serviços da comunidade;
– autodeterminação;
– saúde e segurança;
– competências acadêmicas funcionais;
– lazer;
– trabalho.

CEDERJ 47
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista

Note-se que todas as capacidades citadas, quando preservadas,


dizem respeito a uma pessoa que, na idade adulta, é capaz de gerenciar
sua vida com autonomia. Isto é o que se espera de qualquer indivíduo
que se desenvolve em condições adequadas. Esta definição de Luckasson
et al. (1992) implica ainda que sejam respeitados os seguintes princípios:
1. A avaliação tem de ter em conta a diversidade cultural e linguística e
as diferenças entre diferentes grupos nos aspectos da comunicação e
do comportamento.
2. A determinação de limitações em competência adaptativas tem de
respeitar as características do contexto comunitário de que a criança
faz parte e os apoios ou oportunidades de aprendizagem que lhe foram
proporcionados.
3. Muito frequentemente, pode acontecer que, a par de limitações adap-
tativas específicas, existam potencialidades em outras áreas adaptativas
ou capacidades pessoais.
4. Geralmente, o funcionamento da pessoa com deficiência intelectual
melhora se lhe forem proporcionados apoios adequados durante um
período de tempo continuado.
É importante apontarmos, no entanto, que a deficiência intelectual
diz respeito a um tipo de funcionamento intelectual. Não se trata apenas
de uma necessidade maior de tempo para que a criança “cumpra” deter-
minados conteúdos acadêmicos ou não. Se fosse apenas uma questão de
tempo de aprendizagem, seria possível para todas as pessoas com defici-
ência intelectual chegar à faculdade levando apenas mais anos para isso.
Acontece que, em casos de deficiência intelectual, estão comprometidas,
em maior ou menor grau, dependendo do caso, as estruturas cognitivas
que dão sustentação para as aprendizagens.
Para citar um exemplo, aprender a falar, apesar de ser visto como
algo “natural”, para o que basta estar em contato com sujeitos falantes,
requer habilidades como generalização (compreensão de que inicial-
mente todos os bichos são “auau”, mas com o tempo os nomes vão se
diferenciar), simbolização (ideia de que uma palavra pode substituir a
presença do objeto), classificação, compreensão do contexto de interação
(significado), articulação dos fonemas corretos na sequência correta,
reação adequada ao uso que outras pessoas fazem das palavras, uso
correto das palavras e, por fim, definição de palavras. Como se pode ver,

48 CEDERJ
muitas habilidades estão em jogo quando nos referimos ao “simples”

11
ato de aprender a falar. O mesmo acontece com outras capacidades emi-

AULA
nentemente humanas, como aprender a ler e escrever, realizar cálculos,
articular fatos históricos, compreender leis da Física etc.
Todas estas aquisições requerem um organismo intacto, como
foi dito antes, e determinados obstáculos para o desenvolvimento típi-
co podem dificultar ou mesmo impedir alguns tipos de aprendizagem
considerados complexos em relação ao comprometimento apresentado
pelo sujeito.
Na visão interacionista, deve-se considerar o grau de comprome-
timento intelectual, os tipos de suportes e escolarização disponibilizados
para cada caso. É importante lembrar que não há um sujeito igual ao
outro, ainda que acometidos pela mesma síndrome ou deficiência. Na
Aula 14, aprofundaremos nossos estudos sobre esta deficiência.

Se você quer saber mais sobre o assunto, visite o site


http://www.eduinclusivapesq-uerj.pro.br/

O diagnóstico de deficiência intelectual é feito por equipe multi-


disciplinar. O psicólogo aplica testes padronizados e avalia se o prejuízo
se dá em todas as esferas da vida da criança, quais sejam: socialização (se
tem amigos da mesma idade); escolaridade (se acompanha os conteúdos
da série escolar para a sua idade); cognição (se brinca adequadamente,
com brinquedos e brincadeiras adequadas à sua idade); língua (se o
desenvolvimento da fala está adequado ao esperado para a sua idade
cronológica) e outras.

CEDERJ 49
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista

No filme Uma lição de amor (I am Sam, 2001), Sam Dawson


(Sean Penn) é um homem com deficiência intelectual que cria
sua filha Lucy (Dakota Fanning) com uma grande ajuda de
seus amigos. Porém, assim que faz sete anos, Lucy começa a
ultrapassar intelectualmente seu pai, e esta situação chama a
atenção de uma assistente social que quer Lucy internada em
um orfanato. A partir de então, Sam enfrenta um caso virtual-
mente impossível de ser vencido por ele, contando para isso
com a ajuda da advogada Rita Harrison (Michelle Pfeiffer), que
aceita o caso como um desafio com seus colegas de profissão.

A dificuldade de aprendizagem

Atualmente, em nossas escolas, temos observado um aumento de


casos nos quais o aluno não apresenta deficiência e, apesar disso, não
alcança os objetivos escolares. Nestes casos, podemos estar diante de uma
dificuldade de aprendizagem, que apresenta as seguintes características:
• pressupõe inteligência normal ou acima da média;
• pode ou não apresentar organicidade;
• tem caráter transitório;
• afeta apenas uma das áreas do desenvolvimento.
Ao contrário do que acontece nos casos de deficiência intelectual,
os casos de dificuldades na aprendizagem pressupõem inteligência nor-
mal ou acima da média. Há casos de dificuldades de aprendizagem que
apresentam algum tipo de organicidade, como é o caso, por exemplo,
da dislexia, considerada atualmente como uma disfunção específica do
cérebro para o processamento de grafemas e fonemas (estudaremos
sobre dislexia na Aula 12). E há casos em que não é possível encontrar

50 CEDERJ
nenhuma correspondência orgânica para a dificuldade. Isto não significa

11
que não exista uma questão orgânica; significa, simplesmente, que nossos

AULA
recursos diagnósticos ainda não nos permitem visualizá-la.
No caso de uma criança disléxica, por exemplo, o transtorno
pode dificultar ou mesmo impedir a apropriação do código fonológico
na modalidade escrita, mas todas as suas capacidades de aprender estão
intactas. Então, esta criança poderá conversar sobre assuntos adequados
à sua faixa etária, ter amigos da mesma idade, interessar-se pelas mesmas
coisas que outras crianças que não apresentam dislexia.
Há também situações em que a dificuldade é causada por questões
emocionais ou conjunturais, como morte de um ente querido, separação
de um dos pais ou de ambos, timidez extrema etc.
A transitoriedade refere-se ao fato de a dificuldade de aprendiza-
gem ser receptiva à intervenção, isto é, uma vez que haja uma interferência
adequada no processo de aprendizagem da criança, o problema tenderá
a ser sanado. Comparativamente falando, o mesmo não acontece com os
casos de rebaixamento intelectual, nos quais a intervenção não é capaz
de promover a mudança da condição da pessoa afetada.
A dificuldade de aprendizagem é pontual, ou seja, afeta apenas
uma das áreas da vida da criança. Todas as demais seguem o curso típico
de desenvolvimento, fazendo com que esta criança se pareça “global-
mente” com uma criança sem dificuldade de aprendizagem.
Para avaliarmos – de forma assistemática – a capacidade cognitiva
de uma criança que, por exemplo, apresenta resultados insatisfatórios no
ensino formal, é necessário nos aproximarmos e verificarmos como se
comporta nas capacidades (ou competências) adaptativas listadas antes.
Em outras palavras, é necessário sabermos do que esta criança gosta,
com o que brinca, se possui amigos da mesma idade, se suas atividades
de lazer são semelhantes às da maioria das crianças da sua idade, se o
uso da língua está adequado etc. Se todos estes itens forem considerados
positivamente, é muito provável que estejamos diante de uma criança
com uma dificuldade de aprendizagem.

CEDERJ 51
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista

Michael Pohl
Figura 11.1: Crianças brincando.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1103342

A doença mental

As doenças mentais são também chamadas “doenças do pensa-


mento”. Não se trata, nesse caso, de uma questão de quantidade de inte-
ligência, mas sim da qualidade do pensamento, que está comprometida.
Para compreender melhor do que estamos tratando, imagine
que você está assistindo a uma aula e o professor se dirige à porta da
sala por imaginar que há alguém a observá-lo. Ao verificar que não há
ninguém atrás da porta, ele volta à sua explanação e continua a aula.
Cinco minutos depois, ele volta a repetir o mesmo comportamento por-
que aquele pensamento de que há alguém atrás da porta a observá-lo
recorre na sua cabeça. Ele volta a olhar atrás da porta e, de novo, não
há ninguém. Se este comportamento se repete outras tantas vezes, isto
irá, certamente, atrapalhar o seu desempenho como professor, além, é
claro, de afetar a sua imagem perante os alunos. A partir deste exem-
plo, percebe-se que um transtorno psíquico (ou doença mental) é algo
que afeta o comportamento social da pessoa. Se há qualquer alteração
significativa do pensamento sem que esta interfira no comportamento
humano, não se pode falar de um transtorno psiquiátrico.

52 CEDERJ
11
As principais características da doença mental são:
• doença do pensamento;

AULA
• comprometimento do curso, conteúdo ou forma;
• concorre com inteligência normal na maior parte dos casos;
• pode apresentar comorbidades.
O comprometimento no curso do pensamento pode ser exempli-
ficado por:
1. Lentidão: muitas vezes é acompanhado de lentidão no uso da língua
(fala), é característico de estados depressivos.
2. Aceleração: o uso da língua (fala) também fica acelerado, é caracte-
rístico de estados maníacos.
3. Interrupção: bloqueio do pensamento e, portanto, da fala. A pessoa
deixa a frase pela metade e/ou roubo do pensamento (quando quer
pensar, algo lhe “rouba”, “puxa” o pensamento).
O comprometimento na forma do pensamento pode ser exem-
plificado por:
1. Descarrilamento: mudança súbita de uma ideia para outra. Em casos
graves ocorre a "salada de palavras" (falar muitas palavras mistura-
das).
2. Publicação: o paciente acredita que os outros podem ler o seu pensa-
mento ou que os seus pensamentos saem da cabeça em voz alta.
3. Leitura: o paciente acredita que pode ler o pensamento dos outros.
O comprometimento no conteúdo do pensamento pode ser exem-
plificado por:
1. Ideias sobrevaloradas: são ideias falsas consideradas verdadeiras pelo
fato de a personalidade se identificar com a ideia, e pela situação do
indivíduo. Um exemplo pode ser um homem ciumento casado com
mulher atraente e que, por esta ter amigos e usar roupas decotadas,
acredita estar sendo traído.
2. Ideias deliroides: são exacerbações de pensamentos. Por exemplo,
um paciente deprimido pode achar que o mundo vai acabar ou um
paciente com humor exaltado pode acreditar que é o presidente dos
Estados Unidos.
3. Ideias delirantes: caracterizam-se pela ininfluenciabilidade, ou seja, nada
que o outro diz, por mais razoável que seja, faz sentido ou influencia a
pessoa, e pela irredutibilidade, quando ninguém consegue demover o
paciente de uma ideia absurda (DALGALARRONDO, 2000).

CEDERJ 53
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista

No filme Melhor é impossível (As good as it gets, 1997), um


escritor antissocial entra em crise depois de aceitar cuidar
do cachorrinho de um vizinho doente e gay, e sentir-se apai-
xonado por uma garçonete. Pouco a pouco, ele, que tem
características de transtorno obsessivo compulsivo, sente-se
desafiado a mudar seu comportamento francamente agressivo
para conviver com estas pessoas.

As doenças mentais não comprometem a capacidade cognitiva da


pessoa afetada. Atribui-se a Freud a frase “Não é psicótico quem quer,
mas quem pode”. A exemplo disto, vê-se nos ambulatórios psiquiátricos
que há sempre pacientes com as mais diversas formações acadêmicas.
A incidência de doenças mentais em crianças não é tão signifi-
cativa quanto a incidência das dificuldades de aprendizagem ou a das
deficiências intelectuais.
Alguns exemplos de doença mental
Esquizofrenia – doença psiquiátrica caracterizada pela dissocia-
ção (afastamento da realidade) e presença de produções fantasmáticas
(LAPLANCHE; PONTALIS, 1986).
Depressão – condição de tristeza patológica com reações psicofi-
siológicas, como rebaixamento do humor, inapetência, sonolência, etc.
Fobia – é considerada por Freud como uma histeria de angústia
e seu principal sintoma é um medo infundado.
Transtorno obsessivo compulsivo (TOC) – caracteriza-se por
ideias obsidiantes, compulsão a realizar atos indesejáveis, rituais, etc.
(LAPLANCHE; PONTALIS, 1986).

54 CEDERJ
11
Psicose – abrange uma gama de doenças mentais que apresentam,
em comum, a construção delirante (idem, ibidem).

AULA
Perversão – conjunto de comportamentos psicossexuais que apre-
sentam atipias na obtenção do prazer sexual (LAPLANCHE; PONTALIS,
1986). Os serial killers seriam exemplos de perversos.
Síndrome do pânico – condição mental psiquiátrica que faz com
que o indivíduo tenha ataques de pânico esporádicos, intensos e muitas
vezes recorrentes. Pode ser controlada com medicação e psicoterapia. É
importante ressaltar que um ataque de pânico pode não constituir doença
(se isolado) ou ser secundário a outro transtorno mental. (Fonte: http://
pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_do_pânico)
Transtorno bipolar – é uma forma de transtorno de humor
caracterizado pela variação extrema do humor entre uma fase maníaca
com hiperatividade e grande imaginação e uma fase de depressão com
lentidão para conceber e realizar ideias, ansiedade ou tristeza. (Fonte:
http://pt.eikipedia.org/wiki/Transtorno_bipolar)

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 1

1. Aponte duas diferenças entre uma criança com dificuldade de aprendi-


zagem, uma criança com deficiência intelectual e outra com uma doença
mental.

CEDERJ 55
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista

RESPOSTA COMENTADA
A criança com dificuldade de aprendizagem tem a inteligência
normal ou acima da média e geralmente apresenta dificuldade em
apenas uma das áreas do desenvolvimento.
A criança com deficiência intelectual apresenta déficit cognitivo com
limitações em duas ou mais das competências adaptativas (comuni-
cação, cuidado pessoal, atividades domésticas, competências sociais,
utilização dos serviços da comunidade, autodeterminação, saúde e
segurança, competências acadêmicas funcionais).
Na criança com doença mental, o pensamento pode estar compro-
metido em seu curso, conteúdo ou forma, com inteligência normal
na maior parte dos casos.

ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA NAS DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM

Passaremos agora a apresentar algumas intervenções possíveis de


serem feitas pela escola quando for constatada alguma intercorrência no
processo de aprendizagem da criança.
De acordo com Weiss e Cruz (2007), principalmente em se tra-
tando de alunos com dificuldades no processo de aprendizagem, inde-
pendentemente da causa, três palavras de ordem se impõem:

O processo de avaliação, que deve ser contínuo, será ainda melhor


se contar com a contribuição de equipe multidisciplinar de profissio-
nais que atendem a criança fora da escola (psicólogo, psicopedagogo,
fonoaudiólogo, neurologista, psiquiatra etc.), mas sabemos que esta não
é a realidade da maioria dos nossos alunos da rede pública. De qualquer
forma, a avaliação pedagógica deve ser processual, detalhada e incluir não
somente o que ele não sabe, suas dificuldades, mas levantar dados que nos
ajudem a encontrar caminhos para o seu aprender, como por exemplo:
suas preferências, seus pontos fortes, as áreas em que se sente valorizado.

56 CEDERJ
11
Contextualizar significa ajudar a estabelecer relações entre antigos
e novos conhecimentos, partir do que é conhecido para o aluno. O tra-

AULA
balho por projetos, em pequenos grupos, pode ser uma boa alternativa
para a construção de uma proposta de trabalho significativo para o aluno
com dificuldades de aprendizagem.

Para saber mais sobre a pedagogia de projetos, acesse


http://vicenteoficina.blogspot.com/2007/12/trabalhando-com-
-projetos-globalizao_04.html

Diversificar é oferecer opções, surpreender, favorecer a estimulação


de diferentes áreas cerebrais, com atividades que possuem sons, imagens,
movimentos, despertam sentimentos, favorecem a reflexão. Os alunos
devem, sempre que possível, experimentar, vivenciar uma situação para
depois sistematizar um conceito. Daí a importância do uso de recursos
concretos tanto na clínica quanto na escola, como Cuisenaire, blocos
lógicos, material dourado, alfabeto móvel.

Figura 11.2: Cuisenaire e material dourado.


Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=22785

CEDERJ 57
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista

Para o aluno com deficiência intelectual, por exemplo, cuja estru-


tura do pensamento lógico torna as operações abstratas difíceis – ou
impossíveis, dependendo do grau de deficiência –, este tipo de recurso
é fundamental.
Outro ponto importante é que os alunos com dificuldades no pro-
cesso de aprendizagem devem estar inseridos em grupos heterogêneos,
onde possam aprender com os colegas, e não somente com o professor,
e ensinar, também, é claro – é importante permitir que descubram uma
área em que são bons, seja um esporte, uma habilidade artística ou social.
Um conceito vygotskiano nos lembra que a boa aprendizagem é
aquela que se adianta ao desenvolvimento. Isto pode impelir o professor
a ampliar a interação do aluno com o objeto de conhecimento a fim de
que, antes mesmo que ele possa aprender assistematicamente, a mediação
efetuada pelo professor surta efeito e a aprendizagem aconteça.

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 2

2. Imagine que há alunos com dificuldades de aprendizagem em uma turma


na qual você dará uma aula sobre problemas com frações. Seu objetivo é
ensiná-los a resolver problemas que envolvam compor uma quantidade a
partir de utilização de frações de uso social, como meio quilo, um quilo e
meio. Que flexibilizações você faria para atender as necessidades destes
alunos?

RESPOSTA COMENTADA
Medir/pesar alimentos em sala de aula, levantar hipóteses, fazer
comparações, registrar, desenhar no quadro as diferentes quantida-
des (1/2 kg, 1 kg, 1 ½ kg), pesquisar, em encartes de supermerca-
dos, fotos de produtos vendidos em embalagens de 1kg, ½ kg etc.

58 CEDERJ
CONCLUSÃO

11
AULA
Os casos de problemas que afetam a aprendizagem infelizmente
são mais comuns do que imaginamos. As questões apresentadas nesta
aula – deficiência intelectual, dificuldade de aprendizagem e doença men-
tal – dizem respeito a uma enorme parcela de alunos que não conseguem
experimentar o sucesso acadêmico e que, quando não são acolhidos em
suas necessidades, podem acabar abandonando a escola.
Os conhecimentos da psicopedagogia podem ajudar a conhecer
este alunado, bem como favorecer o desenvolvimento de atividades mais
adequadas ao seu modo de aprender.
A tradicional aula em que o professor só fala e os alunos só
escutam certamente reduz significativamente qualquer possibilidade
de aprendizagem dos alunos que possuem dificuldades. Por tudo isto,
é importante repensarmos o papel da escola. Se, há alguns séculos, as
pessoas com deficiências não possuíam o direito de viver, hoje elas têm o
direito de estar aqui, o direito de participar da vida da sua comunidade.
A escola faz parte da vida, tal como organizamos a sociedade para todos.

ATIVIDADE FINAL
Atende ao Objetivo 2

Leia o caso a seguir, extraído de Weiss (2006, p. 79), que descreve um aluno com
dificuldade de aprendizagem. Elabore algumas estratégias psicopedagógicas para
atender as necessidades deste aluno em sala de aula.

O diagnóstico de Pedro (6 anos, C. A.) foi conduzido de forma lúdica, mas


com interferências propositais da terapeuta, a fim de verificar sua reação a
propostas específicas. A queixa da escola era de que ele não participava das
atividades solicitadas, sobretudo as que remetiam aos registros gráficos e à
leitura. Afirmava frequentemente que não queria aprender a ler e escrever.
A escola preocupava-se com esta conduta, pois já iniciara o trabalho de
alfabetização no presente ano e porque ele repetira a classe maternal por
“imaturidade”. Os pais tinham dúvida se ele não aprendia mesmo ou se
apenas não queria mostrar o que sabia.

CEDERJ 59
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista

RESPOSTA COMENTADA
No caso descrito, em que a dificuldade de aprendizagem foi diagnosticada e a
criança está sendo acompanhada por um profissional (no caso, o psicopedagogo), é
muito importante a escola estabelecer contato com este profissional, que certamente
poderá oferecer orientações importantes.
A escola deve avaliar continuamente esta criança, não somente em termos de
desenvolvimento escolar, mas também descobrir seus temas de interesse, suas
preferências, as áreas em que se sente valorizado ou o que consegue fazer bem.
Estas informações costumam mostrar possibilidades, ajudam a elaborar estratégias
para favorecer o processo de aprendizagem destes alunos. Tais estratégias devem
ajudar o aluno a estabelecer relações entre antigos e novos conhecimentos.
Por fim, devem ser utilizadas estratégias psicopedagógicas, como o trabalho contex-
tualizado por projetos, em pequenos grupos heterogêneos, a atividade diversificada,
bem como a utilização de materiais concretos e recursos que propiciem a construção
de uma proposta de trabalho significativo para este aluno.

60 CEDERJ
11
RESUMO

AULA
É evidente que há diferenças entre os conceitos de deficiência intelectual (diminui-
ção do quantitativo de inteligência), dificuldade de aprendizagem (impedimento
provisório no aprender) e doença mental (doença do pensamento).
A deficiência intelectual apresenta, como características: organicidade, perma-
nência, comprometimento da inteligência e prejuízo global do desenvolvimento.
A doença mental afeta o curso, conteúdo ou forma do pensamento, pode apre-
sentar comorbidades, mas ocorre em pessoas cuja inteligência é normal na maior
parte dos casos.
A dificuldade de aprendizagem afeta apenas uma das áreas do desenvolvimento
e pressupõe inteligência normal ou acima da média; pode ou não apresentar
organicidade e tem caráter transitório.
No cotidiano escolar, os professores, em contato com uma criança que apresente
sintomas de qualquer uma dessas problemáticas, além de fazer os encaminhamentos
para avaliação profissional (psicólogo, psiquiatra, psicopedagogo, fonoaudiólogo)
para a obtenção do diagnóstico e acompanhamento, se for o caso, deve planejar
o trabalho pedagógico de forma a atender as demandas que a criança apresentar.

CEDERJ 61
Distúrbios que afetam a

12
AULA
aprendizagem
Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz

Meta da aula
Apresentar os distúrbios que afetam o processo de
aprendizagem, como a dislexia, a disgrafia, a discal-
culia e outros transtornos, como o déficit de atenção
e o transtorno global do desenvolvimento.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja


capaz de:
1. reconhecer as definições dos principais distúrbios
que afetam a aprendizagem das crianças;
2. identificar algumas atividades e/ou estratégias
pedagógicas que auxiliam as crianças com os
transtornos de aprendizagem na escola.
Psicopedagogia | Distúrbios que afetam a aprendizagem

INTRODUÇÃO Na aula anterior, estudamos alguns tipos de problemas causados pela doença
mental e pela deficiência intelectual. Estudamos, também, as dificuldades de
aprendizagem, que possuem caráter transitório. Autores como Ciasca (2003)
e Fonseca (1995) diferenciam, dentro dos problemas de aprendizagem, outros
transtornos, que denominam como distúrbios ou transtornos da aprendiza-
gem, incluindo, neste grupo, a dislexia, a discalculia, a disgrafia etc. Este é
o tema da presente aula.
Os requisitos para o diagnóstico de distúrbio de aprendizagem, segundo a
Organização Mundial de Saúde (1993), são:
– deve haver um grau clinicamente significativo de comprometimento na
habilidade escolar específica;
– não é explicado unicamente por deficiência mental ou comprometimentos
menores na inteligência global;
– deve estar presente durante os primeiros anos de escolaridade e não ser
adquirido mais tarde no processo educacional;
– não deve haver fatores externos que possam fornecer uma razão suficiente
para as dificuldades escolares;
– não deve ser diretamente decorrente de problemas visuais ou auditivos
não corrigidos.

ASPECTOS LEGAIS

De acordo com a resolução CNE/CEB 2/2001, no artigo 5º,


consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os
que, durante o processo educacional, apresentarem:
I - Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no
processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das
atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou
deficiências.
Na atual política de educação especial (2008), os alunos com
dificuldades acentuadas no processo de aprendizagem já não são con-
siderados alunos com necessidades educacionais especiais. Os alunos
considerados público-alvo da educação especial são aqueles com defi-
ciência, transtornos globais de desenvolvimento e com altas habilidades/
superdotação.

64 CEDERJ
VAMOS ÀS DEFINIÇÕES

12
AULA
Dislexia

A dislexia é um transtorno neurobiológico específico da leitura,


de origem constitucional, caracterizada por dificuldades na decodifi-
cação de palavras isoladas, normalmente causadas por insuficiência
do processamento fonológico (MOUSINHO em LAMOGLIA, 2009).
Processamento fonológico, por sua vez, é a capacidade de reconhecer
os sons da fala e associá-los aos signos da escrita. Em todas as línguas
grafofonêmicas como a nossa, a consciência fonológica é essencial para
o processamento da alfabetização.

Figura 12.1: Relógio analógico que apre-


senta todos os números em posições troca-
das. O ponteiro menor aponta para onde
seria o 12 e há um 6, e o ponteiro pequeno
aponta para onde seria o quatro e há um
8. Desta forma, não há como ler a infor-
mação da hora, pois não se sabe se é para
compreender o que se leria em um relógio
convencional ou o que dizem os números.
Fonte: http://www.dislexia.org.br/abd/dislexia.
html

CEDERJ 65
Psicopedagogia | Distúrbios que afetam a aprendizagem

Figura 12.2: Capa do livro da Associação


Brasileira de Dislexia que traz as palavras
“dislexia”, “bislexia” e “aixelsid”.

Para saber mais sobre dislexia, visite o site www.nucleoeducacaoinclusiva.


com.br, clique em “O livro” no menu à esquerda e faça o download de
Temas em inclusão: saberes e práticas (Lamoglia (Org.), 2009). O capítulo
11, de autoria da professora Renata Mousinho, é sobre dislexia e inclusão.

As intervenções metodológicas devem considerar:


– o desmembramento de atividades longas em subitens que não excedam
vinte minutos de realização;
– o uso de muitos recursos visuais que auxiliem a memorização;
– a permissão para que a criança utilize recursos de áudio na sala de aula;
– adaptações curriculares no sentido da temporalidade (aumentar o
tempo de prova, por exemplo);
– adaptações curriculares no sentido da avaliação (realização de provas
orais em substituição às provas escritas ou uma pessoa que possa ler
a prova para o aluno disléxico);
– explicitação, para o grupo de alunos, sobre a dificuldade, a fim de que
não haja prejuízo social para a criança;

66 CEDERJ
– interferência do(da) professor(a) na formação dos grupos de trabalhos,

12
entre outras adaptações que podem ser demandadas por cada criança

AULA
especificamente (MOUSINHO, 2009).

Assista ao filme Como estrelas na Terra (Taare Zameen Par)


em http://www.youtube.com/watch?v=3TfKyMtcPJE&featu
re=related
Sinopse: Taare Zameen Par, filme da produção de Bollywood,
conta a história de uma criança que apresenta dislexia e custa
a ser compreendida. Ishaan Awasthi, de 9 anos, já repetiu
uma vez o terceiro período (no sistema educacional indiano)
e corre o risco de repetir de novo. As letras dançam em sua
frente, como diz, e não consegue acompanhar as aulas nem
focar sua atenção. Seu pai acredita apenas na hipótese de falta
de disciplina e trata Ishaan com muita severidade e falta de
sensibilidade. Após serem chamados na escola para falar com
a diretora, o pai do garoto decide levá-lo a um internato, sem
que a mãe possa dar opinião alguma. Tal atitude só faz regre-
dir em Ishaan a vontade de aprender. Ele visivelmente entra
em depressão, sentindo falta da mãe, do irmão mais velho,
da vida… e a filosofia do internato é a de total disciplina.
Inesperadamente, um professor substituto de artes entra em
cena e logo percebe que algo de errado acontece com Ishaan.
Não demorou para que o diagnóstico de dislexia ficasse claro
para o professor, o que o leva a pôr em prática um ambicioso
plano de resgatar aquele garoto que havia perdido sua luz
e vontade de viver. O filme é uma obra-prima do produtor
Aamir Khan, que também interpreta o professor de Ishaan.

Disgrafia

Estamos diante de um caso de disgrafia quando o desenvolvi-


mento visomotor, ou seja, a capacidade de coordenar mão e visão na
realização do registro gráfico, encontra-se prejudicado ou impedido. A
forma específica de cada letra exige um movimento fino da mão, também
específico. Quando há algum problema nesta capacidade, denominada
grafomotora, a forma das letras não coincide com a forma convencional
do signo linguístico e a escrita não pode ser recuperada nem mesmo pela
pessoa que escreve. Isto se dá independentemente da capacidade de ler,
e não devido à deficiência intelectual. Este último ponto é importante
porque se houver interferências na aprendizagem da leitura e da escrita
devido à deficiência intelectual, não será possível atribuir o prejuízo,
simplesmente, a uma causa motora.

CEDERJ 67
Psicopedagogia | Distúrbios que afetam a aprendizagem

O diagnóstico diferencial é realizado por fonoaudiólogo através


de um teste grafomotor e a intervenção deve levar a criança a discriminar
visualmente a escrita correta dos signos linguísticos, a partir de exercícios
que envolvam a comparação dos signos convencionados com aqueles
que são produzidos pela criança.
Apesar de ser um problema especificamente motor, o aluno pode
ser prejudicado por escrever de forma não legível, trazendo problemas
para seu relacionamento com a escola. Imagine a situação em que a pro-
fessora corrige uma prova onde não consegue decifrar o que está escrito?

Figura 12.3: Escrita disgráfica.


Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/buscaGeral.html?pv=false&busca=disgrafia&listarJ
ornal=true&listarRecurso=true&listarCurso=true&listarMaterial=true&listarInteracaoColabora
cao=true&listarLink=true&listarEquipe=true&listarUsuario=true&x=14&y=11

Disortografia

A disortografia, ao contrário da disgrafia, não diz respeito à forma


da letra, mas à troca de signos linguísticos que se parecem no som. É o que
chamamos, comumente, erro ortográfico. A intervenção, neste caso, deve
priorizar a produção textual e a autocorreção. Uma palavra considerada
de alta frequência será mais facilmente corrigida pela criança do que uma
palavra pouco familiar, para a qual talvez precise de ajuda para corrigir.
Uma técnica interessante pode ser sinalizar a palavra que foi escrita de
forma incorreta (sublinhando-a, por exemplo) para que a criança encontre
o erro. Quando isto não é possível, deve-se informar qual é a letra errada
e, se esta informação ainda não for suficiente para a criança corrigir a

68 CEDERJ
palavra, deve-se mostrar a grafia correta da palavra e pedir que a criança

12
copie. Afinal, uma palavra só se tornará de alta frequência para a criança

AULA
se for visualizada o maior número de vezes possível.

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 1

1. Diante das terminologias apresentadas, descreva sucintamente o que


diferencia a dislexia, a disgrafia e a disortografia.

RESPOSTA COMENTADA
A dislexia é um transtorno neurobiológico que pode dificultar ou,
nos casos mais graves, impedir a associação dos fonemas com os
grafemas, necessária à aprendizagem da leitura e da escrita de lín-
guas alfabéticas como a nossa. A disgrafia é um problema na forma
da letra, que algumas vezes é tão diferente da forma convencional
que dificulta a recuperação (leitura) até mesmo para quem escreve
e a disortografia é a constante troca de letras que possuem sons
parecidos, como por exemplo, escrever “asar” com “s” e não com “z”.

De volta às definições...

Transtorno fonológico

Conhecido no passado como “dislalia”, o transtorno fonológico


é a patologia da fala atribuída ao Cebolinha da Turma da Mônica.
Cebolinha, o garoto esperto, de cabelos espetados, que troca o “r” pelo
“l”, é o personagem criado em 1960 pelo cartunista Mauricio de Sousa.
Ele apresenta sintomas de meninos e meninas que possuem um dos
transtornos de linguagem mais comuns entre crianças, a dislalia, mais
recentemente denominada transtorno fonológico.

CEDERJ 69
Psicopedagogia | Distúrbios que afetam a aprendizagem

Dislalia: uma linguagem “difelente”...

Figura 12.4: Personagem Cebolinha, da Turma da Mônica.


Fonte: http://www.crianca.pb.gov.br/site/?p=4438

Normalmente, este transtorno é causado por pequenas disfunções


articulatórias que, com a intervenção adequada de um fonoaudiólogo,
em poucos meses é solucionado. Apesar de não ser um problema de
aprendizagem, e sim de fala, a tendência da criança que pronuncia
incorretamente as palavras é escrevê-las desta forma.

Transtornos globais do desenvolvimento

O que caracteriza um TGD, como é atualmente denominado este


tipo de transtorno neurobiológico, é o comprometimento de três áreas do
desenvolvimento: a comunicação recíproca, a interação e a imaginação.

70 CEDERJ
De acordo com o DSM IV-TR (2002) os transtornos globais ou invasivos

12
do desenvolvimento se dividem em:

AULA
1- Síndrome do autismo, o mais conhecido, que trataremos a seguir:
– Síndrome de Rett – que se caracteriza por desenvolvimento pré-natal e
perinatal aparentemente normal; desenvolvimento psicomotor aparen-
temente normal durante os primeiros cinco meses de vida; perímetro
cefálico normal ao nascer; início de todas as seguintes características
após o período normal de desenvolvimento: desaceleração do cres-
cimento cefálico entre a idade de 5 a 48 meses; perda de habilidades
manuais voluntárias anteriormente adquiridas entre a idade de cinco
e trinta meses, com o desenvolvimento subsequente de movimentos
estereotipados das mãos (por exemplo, gestos como torcer ou lavar as
mãos); perda do envolvimento social no início do transtorno (embora
em geral a interação se desenvolva posteriormente); incoordenação da
marcha ou dos movimentos do tronco; desenvolvimento das lingua-
gens expressiva ou receptiva severamente comprometido, com severo
retardo psicomotor (SCHWARTZMAN, 2003).
2- Transtorno desintegrativo da infância (síndrome de Heller) – os diag-
nósticos diferenciais incluem os transtornos metabólicos e condições
neurológicas. A linguagem é muito mais afetada do que nos relatos
de TID. Deve também ser diferenciada do autismo em que se observa
um desenvolvimento próximo do normal até o segundo ano de vida
em 30% dos casos (MERCADANTE et al., 2006).
3- Síndrome de Asperger – chamada também transtorno de Asperger
ou desordem de Asperger. Diferencia-se do autismo clássico por não
apresentar atraso significativo no desenvolvimento cognitivo/linguís-
tico do indivíduo. A validade do diagnóstico de síndrome de Asperger
como condição distinta do autismo é discutível, tendo sido proposta a
sua eliminação do “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais” (DSM), para ser fundida com o autismo.
4- Transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, que
inclui (ou também é conhecido como) autismo atípico.

CEDERJ 71
Psicopedagogia | Distúrbios que afetam a aprendizagem

Estudo aponta novo método de diagnóstico de autismo


Pais e Filhos
A disfunção de comportamento caracterizada pela inabilidade de comu-
nicação, de estabelecer relacionamentos e de responder apropriadamente
ao ambiente é caracterizada pelo autismo. Um estudo americano pubica-
do na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences
constatou que pelos sons emitidos pelo bebê podem ser diagnosticados
alguns sinais da doença.
Participaram da pesquisa 20.232 crianças, entre os dez meses e os quatro
anos de idade. Foram realizadas cerca de 1,5 mil gravações através de
aparelhos fixos na roupa de bebês. Foram observados os parâmetros de
normalidade do desenvolvimento da fala e deram especial atenção à
capacidade da criança em emitir sílabas bem formadas a partir de movi-
mentos rápidos da mandíbula e da língua.
O pesquisador Steve Warren defende que “Esta tecnologia poderia ajudar
pediatras a fazerem testes de autismo para determinar se o bebê deve
ser examinado por um especialista para diagnóstico”.
Fonte: http://www.crianca.pb.gov.br/site/?p=5283

Nos casos mais brandos de autismo, denominados, como vimos


anteriormente, síndrome de Asperger, pode não haver comprometimento
da inteligência, uma vez que a aprendizagem da língua foi mantida, mas
haverá comprometimentos nas esferas da vida da criança que dependerem
de comunicação recíproca, interação ou imaginação. Esses casos são
chamados também autistas verbais ou autistas com alto funcionamento
intelectual. Como exemplo, podemos citar a situação de uma adolescente
com uma forma branda de autismo que frequenta o Ensino Médio em
uma escola regular, vai e volta sozinha da escola, participa de comuni-
dades em sites de relacionamento como qualquer menina da sua idade,
mas não é capaz de iniciar uma conversação espontaneamente.
Nos casos mais graves, quando a interação recíproca, ou seja,
a capacidade de aprender com o outro os conceitos da cultura, está
muito – ou totalmente – comprometida, temos o autismo típico ou não
verbal. Devido à ausência da língua, instala-se um quadro de deficiência
intelectual circunstancial. A esta amplitude de gravidade do autismo,
denominamos “espectro autístico”.

72 CEDERJ
12
AULA
Figura 12.5: Inscritas em formato de leque, todas as gradações do autismo: autis-
mo não especificado, síndrome de Asperger, autismo verbal, autismo ecolálico e
autismo não verbal.
Fonte: Gikovate em Lamoglia, 2009.

Déficit específico de linguagem – DEL

O déficit específico de linguagem deveria, na verdade, se chamar


“déficit específico de língua”, pois não é de qualquer linguagem que fala-
mos quando estamos diante de um caso de DEL. O que está prejudicado
são os três níveis da aprendizagem da língua, isto é, a sintaxe (a forma
como a criança ordena os sons da língua); a semântica (o conteúdo,
o significado daquilo que se quer expressar) e a pragmática (a forma
como emprega, usa socialmente a língua). Neste caso, a orientação
para pais e profissionais, além do encaminhamento para uma avaliação
fonoaudiológica, é o que costumamos chamar “overdose” de língua, ou
seja, muito estímulo linguístico, contato com pessoas que falem com a
criança todo o tempo, que perguntem, solicitem a sua participação nas
conversações, questionem etc. Desta forma, a criança vai internalizar de
forma mais sistemática a língua de sua comunidade para poder assim,
fazer generalizações e organizar o mundo em palavras.

Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade – TDAH

Este transtorno é caracterizado por dois grandes grupos de sinais:


os sinais de desatenção e os sinais de hiperatividade/impulsividade.

CEDERJ 73
Psicopedagogia | Distúrbios que afetam a aprendizagem

Figura 12.6: Criança que possui três pares de braços e mãos e segura, ao mesmo
tempo, uma gaivota de papel, uma folha em branco, um celular, uma bola de papel,
um lápis e um carrinho.
Fonte: http://www.crianca.pb.gov.br/site/?p=500

De acordo com Barbirato e Dias (2009), no primeiro grupo

A criança não repara os detalhes ou comete erros por descuido;


parece não ouvir quando lhe dirigem a palavra; não segue ins-
truções e não termina os deveres escolares e as tarefas rotineiras;
apresenta dificuldade com organização; evita dedicar-se a tarefas
que exijam esforço mental constante; perde objetos necessários às
tarefas ou atividades; distrai-se facilmente com estímulos externos;
esquece as atividades diárias (p. 164).

Este grupo é tipicamente “desatento”. Já no segundo grupo,


encontram-se as crianças consideradas normalmente “a mil por hora”
ou “ligadas na tomada”, como se diz coloquialmente. A seguir, também
de acordo com os autores já citados, estão os sinais de hiperatividade/
impulsividade:

A criança é inquieta com as mãos, com os pés, ou fica se reme-


xendo na cadeira: levanta-se da cadeira em situações em que se
esperaria que ficasse sentada; corre ou pula excessivamente em
situações inapropriadas (em adolescentes, essa característica
limita-se a uma sensação subjetiva de inquietude; é barulhenta nos
jogos ou nas atividades de lazer; (...) fala em excesso; responde

74 CEDERJ
às perguntas antes delas terem sido terminadas; tem dificuldade

12
em aguardar a sua vez; interrompe a fala dos outros; suas birras

AULA
são exageradas; é mais intolerante às frustrações (principalmente
os meninos) (p. 165).

Há atualmente uma discussão sobre o caráter contextual do


transtorno de déficit de atenção, uma vez que, dependendo do ambiente
no qual a criança está inserida – mais restritivo ou mais permissivo – as
características da criança serão vistas ou não como sintomas do transtor-
no. Há também casos de adultos com TDA/H que conseguem, ao longo
da sua vida, canalizar a agitação psicomotora e a hipervigilância para
a produção e a consecução de objetivos, como é o caso da professora
que ouve música, participa atentamente de uma reunião de trabalho e
elabora o resumo de um texto – tudo ao mesmo tempo.
Outros problemas que também podem aparecer na infância são
os transtornos de humor e os transtornos de ansiedade, frequentemente
atribuídos a adultos devido à baixa incidência em crianças.
Diante de uma situação em que haja dúvida sobre o diagnóstico
diferencial deve-se encaminhar a criança para uma avaliação de um
psiquiatra infantil ou um neuropediatra.

Discalculia do desenvolvimento ou transtorno da matemática

Refere-se a uma dificuldade de aprendizagem específica que não


deve ser confundida com a dificuldade comum que muitos estudantes
têm frente à matemática. A discalculia afeta de forma importante a
aprendizagem das habilidades matemáticas iniciais. Caracteriza-se por
um desempenho na aritmética muito abaixo do esperado para a idade
em crianças com inteligência normal.
Mais uma vez, aqui, nota-se que a avaliação cognitiva da criança
é imprescindível para um diagnóstico diferencial preciso que deve ser
realizado por psicólogo, levando em consideração não só a abordagem
quantitativa da inteligência (QI) como também as habilidades adapta-
tivas da criança.
Algumas intervenções psicopedagógicas são: a verbalização de
conceitos aritméticos, processos e operações e, levando em consideração
as dificuldades acentuadas em cálculo e o avanço em outras áreas formais
do conhecimento, o uso de calculadora ou de tabuada pode diminuir as
dificuldades da criança (SANTOS, SILVA, 2009, p. 19-33).

CEDERJ 75
Psicopedagogia | Distúrbios que afetam a aprendizagem

Weiss e Cruz (2007) salientam, ainda, que o professor desses alunos


também pode utilizar o ábaco, blocos lógicos ou material dourado para
favorecer a realização de operações e a construção de conceitos matemá-
ticos. Para lidar com as dificuldades de orientação espacial em efetuar as
operações, é interessante armar as contas no caderno quadriculado.

Mattia Pasetti

Figura 12.7: Calculadora.


Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1266781

Em relação às atividades de resolução de problemas, estes podem


ser dramatizados em um primeiro momento, utilizando material concre-
to, para facilitar a interpretação. Em seguida, pode-se apresentar o texto
escrito de forma que as informações estejam dispostas separadamente,
para facilitar a interpretação.

Seu Luís tinha 500 abacaxis para vender na feira.


Na terça-feira, ele vendeu 120 abacaxis.
Na quarta-feira, ele vendeu 205 abacaxis.
Na quinta-feira, ele vendeu 140 abacaxis.
Quantos abacaxis Seu Luís vendeu nestes três dias?
Quantos abacaxis sobraram? (WEISS; CRUZ, 2007, p. 76)

76 CEDERJ
ATIVIDADE

12
AULA
Atende ao Objetivo 1

1. Escolha dois dos transtornos de aprendizagem que foram trabalhados


nesta aula, defina-os e elabore atividades que possam ser realizadas em
sala de aula para auxiliar as crianças a vencerem as suas dificuldades.

RESPOSTA COMENTADA
Vamos supor que você tenha escolhido dislexia e TDA/H. O primeiro
refere-se a um distúrbio neurobiológico que pode comprometer ou
mesmo impedir a leitura e a escrita alfabética. Trata-se de um fun-
cionamento particular do cérebro para o processamento de signos
linguísticos. A dislexia concorre com inteligência normal ou acima da
média. Uma adaptação curricular que pode ajudar muito a criança
com dislexia é a aplicação de avaliações orais.
O TDA/H caracteriza-se por uma dificuldade de autorregulação do
comportamento e da motilidade, ou seja, a criança não consegue
sozinha controlar os seus movimentos e a sua atenção. Uma estra-
tégia pedagógica que poderia auxiliar esta criança seria planejar
atividades com, no máximo, vinte minutos de duração, para possibi-
litar que ela fique atenta durante o maior tempo possível e consiga
começar e terminar a atividade.

CONCLUSÃO

Nesta aula, apresentamos um panorama sobre a situação das crian-


ças que apresentam dificuldades de aprendizagem. A organização da escola
que temos hoje muitas vezes coloca o(a) professor(a) em contato com um
ou com vários desses problemas em uma mesma sala de aula. Caberá a ele
(ela) a identificação primeira do que atrapalha a aprendizagem da criança
para, só então, encaminhar tanto no âmbito “administrativo” da escola,

CEDERJ 77
Psicopedagogia | Distúrbios que afetam a aprendizagem

isto é, na parceria com a equipe técnica responsável pelos encaminha-


mentos, quanto no âmbito propriamente pedagógico, a fim de elaborar as
adaptações curriculares que serão necessárias para cada aluno(a).

ATIVIDADE FINAL
Atende ao Objetivo 2

Em http://www.abcdislexia.com.br/dislexia/dislexia-presente.htm encontramos o
depoimento de um disléxico. Ele questiona a perspectiva – bastante comum – de
considerar a dislexia como um presente. Talvez porque vários disléxicos foram
considerados também os mais brilhantes cientistas, inventores e, até mesmo,
escritores. Isto, porém, não invalida nas histórias de vida dessas pessoas, o esforço
que realizaram para superar as dificuldades trazidas pela dislexia. Após ler, no site
indicado, o depoimento e as informações sobre a dislexia, elabore um plano de
atividade que auxilie uma criança disléxica na produção de um texto.

RESPOSTA COMENTADA
Em um primeiro momento seria lido um texto informativo sobre o assunto que se
quer enfocar. A seguir, seria realizada a recontagem oral do mesmo, abordando
os pontos principais. Seria, então, elaborado um roteiro com os principais tópicos
a serem tratados e a criança tentaria desenvolvê-los com a menor interferência
possível do adulto. Finalmente, o texto produzido seria lido para verificar se todos
os tópicos foram contemplados.

78 CEDERJ
12
RESUMO

AULA
Os distúrbios de aprendizagem, segundo a Organização Mundial de Saúde, com-
prometem em um grau clinicamente significativo uma habilidade escolar específica.
Não são explicados por deficiência mental ou comprometimentos menores na
inteligência global e apresentam-se durante os primeiros anos de escolaridade,
não sendo adquiridos mais tarde no processo educacional. Ainda de acordo com
a OMS, tais distúrbios não são diretamente decorrentes de problemas visuais ou
auditivos não corrigidos e não se relacionam a fatores externos que possam for-
necer uma razão suficiente para as dificuldades escolares.
Dentre os transtornos que afetam a aprendizagem, podemos citar: a dislexia,
a disgrafia, a disortografia, o transtorno fonológico, os transtornos globais do
desenvolvimento, o déficit específico de linguagem, o transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH) e a discalculia do desenvolvimento.
Apesar de não serem considerados alunos com necessidades educativas especiais
pela atual Política Nacional de educação especial na perspectiva da educação
inclusiva (BRASIL, 2008), consideramos que o processo de ensino-aprendizagem
deve prever adaptações e estratégias que favoreçam sua aprendizagem, tendo
em vista minimizar as dificuldades apresentadas.
Após uma cuidadosa avaliação pedagógica, bem como encaminhamento para
avaliação de outros profissionais, se for o caso, deve-se elaborar estratégias que
possam ser úteis, como a realização oral de atividades, a utilização de recursos,
como calculadora e ábaco, e o planejamento de atividades de curta duração.

CEDERJ 79
13
Deficiência intelectual –
como esses alunos

AULA
aprendem
Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz

Metas da aula
Apresentar pesquisas sobre a aprendizagem de pes-
soas com deficiência intelectual e demonstrar que,
mesmo considerando as limitações causadas pela
deficiência, é preciso conhecer as peculiaridades de
cada aluno a fim de elaborar estratégias adequadas
e garantir o direito legal de escolarização.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja


capaz de:
1. identificar as diferentes abordagens na educação
de pessoas com deficiência (visão assistencialista,
médico-pegagógica e educacional);
2. identificar características do processo de
desenvolvimento e aprendizagem dos alunos
com deficiência intelectual;
3. analisar algumas estratégias do processo de
ensino-aprendizagem voltado para esses alunos.
Psicopedagogia | Deficiência intelectual – como esses alunos aprendem

INTRODUÇÃO Nas aulas anteriores, abordamos o tema das dificuldades no processo de


aprendizagem escolar. Vimos que a deficiência intelectual é uma condição
permanente, que prejudica a interação do sujeito com o meio, por causar
limitações em duas ou mais das seguintes áreas: comunicação, cuidado
pessoal, atividades domésticas, competências sociais, utilização dos serviços
da comunidade, autodeterminação, saúde e segurança, competências aca-
dêmicas funcionais, lazer e trabalho (LUCKASSON et. al., 1992).
Nesta aula, vamos aprofundar um pouco o estudo sobre esta deficiência, consi-
derando que é missão da psicopedagogia construir conhecimentos sobre como
as pessoas aprendem e identificar meios para favorecer a aprendizagem em
diferentes contextos.
Acreditamos que a educação formal é um direito de todos, conforme consta na
Declaração dos Direitos Humanos, documento assinado pela ONU em 1948. No
entanto, para que estes alunos aprendam, não basta terem a matrícula escolar
garantida. Nestes casos, especialmente, é preciso saber a quem se ensina, como
se ensina e o que é possível ensinar.
Salientamos, no entanto, que para responder à pergunta “quem é este aluno
com deficiência intelectual”, não basta consultar manuais médicos ou listas
de dificuldades causadas por esta condição. Todas estas informações somen-
te serão realmente úteis se colocarmos em primeiro lugar o conhecimento
sobre o sujeito em questão, sua história, seu contexto social, seus interesses
e seus particularidades.

DIFERENTES ABORDAGENS DO ATENDIMENTO ÀS


PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

A questão das possibilidades de aprendizagem por parte destes


alunos pertence a uma área de estudos relativamente nova. Até o século
XVIII acreditava-se que estas pessoas eram incapazes de aprender e até
mesmo de conviver em sociedade, por isso eram enviadas para asilos.
As ações voltadas para atender às necessidades destas pessoas eram
caritativas e assistencialistas.
As descobertas das ciências físicas e naturais ocorridas a partir
da era do Renascimento permitiram identificar as causas dos distúrbios
no aparelho biológico dos sujeitos, originando a visão organicista da
deficiência, para o que antes era considerado um castigo de Deus.

82 CEDERJ
13
Com a construção, pela sociedade, de conceitos como infância,
família e escola ocorreram importantes modificações nas ciências e nas

AULA
organizações sociais. A criança começou a ter tratamento diferenciado
do adulto, assumindo uma posição central na família, que passou a
ser entendida como lugar de afeição. A responsabilidade de transmitir
valores e conhecimento deveria ser dividida com a escola, instituição
voltada para a educação.
O primeiro relato de atendimento a uma criança com deficiência
foi o do menino Victor de Aveyron, encontrado na França em 1799,
abandonado nas florestas. O Dr. Itard não permitiu que Victor fosse
encaminhado para um asilo, como era o costume na época, e desenvol-
veu estratégias com o objetivo de educá-lo. Reveja o relato deste caso
na Aula 1.
Este fato alimentou a discussão dos empiristas ingleses, que acre-
ditavam que o conhecimento é fruto da experiência, em oposição à visão
racionalista francesa vigente na época (reveja estes conceitos na Aula 1).
Admitindo, de forma inédita na História, a influência do meio
(neste caso, da experiência) na aprendizagem, começaram a ser desen-
volvidos os primeiros trabalhos voltados para a educação de pessoas
com deficiência intelectual.
O período de pós-guerra, com o desenvolvimento de ciências como
a neurologia, trouxe novos e significativos dados para a compreensão
desta deficiência. Especialmente após a Segunda Guerra Mundial, pesqui-
sas na área da psicologia da aprendizagem, da linguística e outras ciências
afins orientaram os projetos educacionais para crianças com deficiência.
As contribuições de Binet e Simon, com o conceito de idade mental,
vieram trazer novos enfoques à questão, favorecendo a compreensão
e a educação da criança na época chamada deficiente, dentro de uma
visão clínica.

Você deve estar questionando qual a forma adequada de se referir a uma


pessoa com deficiência, já que é comum ouvirmos expressões diferentes,
como “pessoa deficiente” e “portadora de deficiência”.
Sassaki (online) aborda esta questão demonstrando que as formas de cha-
mar estas pessoas mudam de acordo com os conceitos vigentes na época.
Os termos “o deficiente, o defeituoso, o excepcional”, usados como
substantivo eram comumente usados por volta dos anos 1960 a 1980

CEDERJ 83
Psicopedagogia | Deficiência intelectual – como esses alunos aprendem

e expressavam a crença de que estas pessoas deveriam ser vistas como


diferentes, focalizando a deficiência em si e não o que as pessoas não
conseguiam fazer em função dela.
A partir de 1981 começou a ser utilizada a expressão “pessoa deficiente”,
com o objetivo de destacar o ser humano e a igualdade de direitos e
dignidade com qualquer outro.
Por volta de 1988, devido a críticas ao adjetivo “deficiente”, que referia-se
à pessoa como sendo inteiramente deficiente, foi proposto o termo
“pessoa portadora de deficiência”. “Portar uma deficiência” era com-
preendido como uma entre várias outras características.
Por volta de 1990 começou a ser utilizada a expressão “pessoa com defici-
ência”, aceito e sugerido oficialmente por grupos de pessoas com defici-
ência no maior encontro nacional ocorrido em Recife, em 2000. De acordo
com estas pessoas, este é o termo mais adequado porque não esconde
ou camufla a deficiência, mostrando esta realidade com dignidade. Eles
ressaltam que neologismos como “pessoas com capacidades especiais” ou
“pessoas especiais” tendem a diluir as diferenças, o que não é adequado,
pois é fundamental identificar, não ignorar, as diferenças a fim de que
seja possível atender às diferenças individuais e necessidades especiais.

No Brasil, na segunda metade do século XIX, começaram a surgir


as primeiras instituições públicas e privadas especializadas no atendi-
mento assistencialista às crianças com deficiências; no entanto, segundo
Borba (1978), somente a partir de 1929 é que realmente teve início o
atendimento às pessoas com deficiência intelectual, quando Helena
Antipoff lançou, em Minas Gerais, as bases da Sociedade Pestalozzi e
em alguns estados criaram-se serviços particulares ou pavilhões especiais
nos hospitais psiquiátricos. Em escolas regulares, estas crianças não eram
aceitas, e os especialistas (psicólogos, fonoaudiólogos, neurologistas)
não tinham, em sua formação acadêmica, informações suficientes sobre
a deficiência.
Em torno dos anos 1960, as crianças com deficiência, de manei-
ra geral, eram atendidas em escolas e classes especiais, além de serem
submetidas a tratamentos e terapias, a maior parte fundamentada à luz
de teorias empiristas, com o objetivo de “tratar” os distúrbios. Vários
artigos e trabalhos científicos sobre a educação de pessoas com deficiência
intelectual foram publicados, caracterizando a era “médico-pedagógica”.
Nos anos 1970 foi implantado o modelo educacional de aten-
dimento a estas pessoas. Segundo Glat (2000, p. 17), a segregação das
escolas e classes especiais começou a ser contestada a partir de movi-
mentos internacionais de direitos humanos que lutavam pela integração

84 CEDERJ
social de minorias e grupos marginalizados. Desta forma, a integração

13
educacional e social das pessoas com deficiências passou a ser a proposta

AULA
no mundo todo, o que se refletiu, mais tarde, nas leis brasileiras, como as
diretrizes do MEC de 1994 para a Educação Especial (BRASIL, 1996).
O movimento de integração baseava-se no chamado Princípio de
Normalização. Em suma, os processos educacionais deveriam preparar o
sujeito com deficiência para ter uma vida o mais normal possível. Desta
forma, estaria sendo incentivada sua plena participação na sociedade,
respeitando-se os seus direitos, entre eles o de frequentar uma escola
regular, ainda que em uma classe especial.
De acordo com Borba (1978, p. 31), tais processos baseavam-se
no princípio de individualização e similaridade, segundo os quais:
- a educação deveria atender às necessidades individuais, uma vez
que dois indivíduos não são iguais, apesar de, eventualmente, obterem
resultados semelhantes em escalas de testes a que forem submetidos;
- para tornar um indivíduo “educado”, suas habilidades sociais
deveriam ser desenvolvidas, permitindo-lhe, desta forma, minimizar as
diferenças e maximizar as semelhanças.
A Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em
1990, em Jomtien, Tailândia, convocada pela Unesco, Unicef, PNUD
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e Banco
Mundial, preconizou a ampliação de oportunidades educacionais para
crianças, jovens e adultos, independentemente de suas condições
biopsicossociais.
Em 1994 foi aprovada a Declaração de Salamanca na Conferência
Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada na Espanha,
com o objetivo de promover a Educação para Todos, estabelecendo
diretrizes para a elaboração de políticas que democratizem a educação,
favorecendo a construção de um mundo inclusivo. Esta declaração tem
por princípios: o reconhecimento das diferenças, o atendimento às neces-
sidades de cada um, a promoção da aprendizagem, o reconhecimento
da importância de “escolas para todos” e a formação de professores.
A Educação inclusiva, ao contrário do movimento pela integração,
que se baseava no Princípio da Normalização, pressupõe uma socie-
dade ativa, que procura alternativas para favorecer a inclusão, como
fundamento e prática da cidadania, em conformidade com os ideais
democráticos.

CEDERJ 85
Psicopedagogia | Deficiência intelectual – como esses alunos aprendem

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96)


oferece respaldo legal à prática educacional inclusiva, mas, para que esta
inclusão seja viável, prevê, no artigo 58º, parágrafo primeiro, serviços
de apoio especializado na escola regular para atender às necessidades
educativas especiais dos educandos, caso seja necessário. O atendimento
em classes, escolas ou serviços especializados só será feito caso não seja
possível a integração do aluno nas classes comuns de ensino regular
(art. 58, § 2º).
Ainda de acordo com a Declaração de Salamanca (1994), que se
refere à necessidade de os sistemas de ensino assegurarem aos alunos
portadores de necessidades especiais “currículos, métodos, técnicas,
recursos educativos e organização específicos para atender às suas
necessidades, além de professores capacitados para a integração desses
alunos nas classes comuns”, foi instituída, em 11 de setembro de 2001, a
Resolução CNE/CEB nº 2, com as Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica.
A atual Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) recomenda para estes alunos o
atendimento educacional especializado (AEE), uma complementação
das atividades realizadas na classe regular, em horários distintos des-
sas aulas, com outros objetivos, metas e procedimentos educacionais
(BRASIL, 2006).
A título de conclusão de nosso breve relato histórico, apesar da
narrativa linear em que foram descritas as várias abordagens no atendi-
mento de pessoas com deficiência (visão assistencialista, médico-pegagó-
gica e educacional), vale ressaltar que, segundo Mazzota (1996), todos
os modelos descritos coexistem até hoje.

86 CEDERJ
ATIVIDADE

13
AULA
Atende ao Objetivo 1

1. Elabore uma lista com as principais características das abordagens no


atendimento a pessoas com deficiência (modelo assistencialista, médi-
co-pedagógico e educacional).

RESPOSTA COMENTADA
Modelo assistencialista: é baseado na crença de que as pessoas
com deficiência são incapazes de aprender e conviver em socie-
dade. O atendimento é feito em instituições como asilos. As ações
são caritativas.
Médico-pedagógico: buscam-se, no organismo do sujeito, as causas
da deficiência, que são consideradas as únicas explicações para as
dificuldades apresentadas. São elaborados programas de treinamen-
to, com o objetivo de diminuir os efeitos da deficiência.
Modelo educacional: teve início com o movimento pela integração,
que se baseava no princípio da Normalização. Atualmente, discute-se
o processo de inclusão educacional. Acredita-se que a sociedade
deve se organizar para atender às necessidades das pessoas com
deficiência. Defende-se a escolaridade em escola regular, sempre
que possível, com complementação do atendimento educacional
especializado.

CEDERJ 87
Psicopedagogia | Deficiência intelectual – como esses alunos aprendem

A APRENDIZAGEM DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA


INTELECTUAL – ENTRELAÇANDO TEORIA E PRÁTICA

Jenny Erickson
Figura 13.1: Pessoa com síndrome de Down.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/188045

Educar um aluno com deficiência intelectual é um dos maiores


desafios da escola. Apesar de terem a matrícula escolar garantida por lei,
estes educandos não têm sido beneficiados adequadamente pela educação
formal, nos moldes em que se apresenta atualmente, incrementando as
estatísticas de evasão e fracasso nas escolas regulares ou permanecendo
por toda a vida adulta nas instituições de educação especial.

As outras deficiências não abalam tanto a escola comum, pois não


tocam no cerne e no motivo da sua urgente transformação: consi-
derar a aprendizagem e a construção do conhecimento acadêmico
como uma conquista individual e intransferível do aprendiz, que
não cabe em padrões e modelos idealizados (BRASIL, 2006, p. 16).

88 CEDERJ
Para conhecermos os estudos sobre os processos de aprendizagem

13
das pessoas com deficiência intelectual, utilizaremos como ponto de

AULA
partida teorias já estudadas em aulas anteriores e faremos alguns relatos
de pesquisas realizadas no Brasil.
Na Aula 4 vimos que, para Piaget, as estruturas da inteligência não
são herdadas “prontas” (como querem os racionalistas), nem constituem
uma “folha em branco” a ser preenchida pelos condicionamentos (como
diz a teoria empirista). Herdamos um organismo formado por uma série
de estruturas biológicas e neurológicas que vão dar lugar ao surgimento
de certas estruturas mentais (FERREIRA, 1998, p. 28).
Estudiosos concluíram que as crianças com deficiência intelectual
possuem estruturas cognitivas semelhantes às da criança cujo desenvol-
vimento é normal, mas que apresentam peculiaridades em sua funcio-
nalidade e desenvolvimento.
Inhelder (1971, p. 271) afirmou que enquanto a criança normal
passa, em um ritmo relativamente rápido, por vários estágios sucessivos,
desprendendo-se, depois de um período de oscilação, das formas ante-
riores de seu raciocínio, a que tem deficiência intelectual prossegue este
mesmo desenvolvimento em um ritmo mais lento. Além disso, quando
chega a seu limite superior, seu pensamento conserva muitas vezes o elo
dos níveis anteriores.
Essa dificuldade de desprender-se das etapas vivenciadas anterior-
mente foi chamada pela autora de “viscosidade genética”. Ela ressalta,
portanto, que a lentificação do processo de desenvolvimento cognitivo
e a viscosidade genética são características do desenvolvimento cog-
nitivo das pessoas com deficiência intelectual.
Piaget (citado por INHELDER, 1971) afirmou que estas pessoas
também possuem uma estrutura lógico-matemática, isto é, são pessoas
capazes de pensar logicamente, embora em nível concreto, ou seja, seu
pensamento operatório está subordinado à presença do objeto.
Inhelder constatou que o desenvolvimento cognitivo das crian-
ças com esta deficiência vai se tornando cada vez menos dinâmico, ao
contrário do que acontece com a criança comum, que até o final da
adolescência evolui cada vez mais rapidamente, em função do exercício
das operações construídas através do pensamento operatório. Na defi-
ciência intelectual, esta estrutura não atingiria os níveis mais avançados,
permanecendo como uma construção inacabada.

CEDERJ 89
Psicopedagogia | Deficiência intelectual – como esses alunos aprendem

Poder-se-ia inclusive dizer que, na criança normal, os passos


sucessivos de um nível ao seguinte se efetuam de modo cada vez
mais rápido até o final da adolescência, em virtude da mobilidade
crescente do pensamento operatório. Nos débeis observa-se o
contrário: a diminuição gradual do ritmo de desenvolvimento, que
desemboca em um estado estacionário. Enquanto o pensamento
normal evolui no sentido de uma equilibração progressiva das
operações definidas pela mobilidade e pela estabilidade crescentes
do pensamento, o pensamento do débil parece chegar a um falso
equilíbrio caracterizado por uma certa viscosidade de raciocínio
(INHELDER, 1971, p. 271).

Luria e Yudovich (1985) relatam que os estudos de psicólogos


soviéticos, como Vygotsky, relacionam intimamente o desenvolvimento
mental com o desenvolvimento da linguagem. Segundo os autores, “a
participação direta da própria fala da criança no processo de elabo-
ração de novas conexões já está bem estabelecida na criança de cinco
a seis anos” (p. 14). No entanto, na criança que apresenta deficiência
intelectual, os processos da atividade nervosa superior e a própria fala
encontram-se prejudicados, impossibilitando a participação da linguagem
na formação de novas conexões. Assim, as novas conexões “se fazem
sem a necessária participação da função abstrativa e generalizadora da
linguagem” (p. 14).
Segundo Peña-Casanova (1997), estas crianças, não raramente,
apresentam dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita, provavel-
mente causadas por “dificuldade em relacionar conceitos e, em última
instância, em utilizar processos de cima para baixo que facilitem a
antecipação da compreensão e da expressão” (p. 199).
Ainda de acordo com o autor, as associações tornam-se preju-
dicadas pela pouca habilidade conceitual, assim como os processos de
generalização, favorecendo a assimilação em detrimento da acomodação.
A memória também pode estar afetada, devido à dificuldade em codifi-
car o que é apreendido pela atividade sensorial. A ação exploratória do
ambiente torna-se reduzida ou estereotipada, afetando o desenvolvimento
das funções intelectivas em geral.
Estas características orgânicas têm causado equívocos na elabora-
ção de estratégias para ensinar a estes alunos. Vygotsky utilizou o conceito
de zona de desenvolvimento proximal para apontar a incoerência dos
programas educacionais que utilizavam testes para determinar o nível de

90 CEDERJ
desenvolvimento mental cujo limite, quando diagnosticado, não deveria

13
ser ultrapassado. Como estes só mediam os estágios completados, ou

AULA
seja, o que a criança conseguia fazer sem ajuda, o ensino era baseado
somente em atividades concretas, do tipo “observar e fazer”, orientando
o aprendizado em direção ao desenvolvimento de ontem, aos estágios de
desenvolvimento já completados (VYGOTSKY, 1998, p. 116).
Relembrando esta teoria que estudamos na Aula 5, para Vygotsky
o aprendizado gera processos internos de desenvolvimento, que só podem
operar quando a criança interage com o outro, mais capaz. Quando o
processo é internalizado, torna-se parte do nível de desenvolvimento real.
O autor considera que cabe à escola elaborar programas com o
objetivo de desenvolver o que está intrinsecamente faltando no desen-
volvimento dos alunos, utilizando o concreto como um ponto de apoio
necessário e inevitável para o desenvolvimento do pensamento abstrato,
já que estas crianças não desenvolverão, espontaneamente, formas bem
elaboradas de pensamento abstrato. Desta forma, “o ‘bom aprendizado’
é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento” (idem, p. 117).
Esta lei do desenvolvimento também fundamenta o trabalho na
sala de aula inclusiva: “É sumamente importante não isolar essas crianças
em grupos fechados especiais, mas exercitar o mais amplamente possível
sua comunicação com os demais” (VYGOTSKY, 2003, p. 262).
Anissa Thompson

Figura 13.2: Crianças em sala de aula.


http://www.sxc.hu/photo/412041

CEDERJ 91
Psicopedagogia | Deficiência intelectual – como esses alunos aprendem

Pletsch (2009), porém, observou durante dois anos letivos quatro


crianças em situação de inclusão escolar em escolas públicas do município
do Rio de Janeiro e constatou que, em determinada escola, a professora
organizava a turma em três grupos: 1) aqueles que sabiam ler e escrever;
2) aqueles que sabiam um pouquinho; 3) aqueles que não sabiam nada
(onde ficava o aluno Maciel, de 11 anos, com deficiência intelectual)
(p. 154). Além disso, as atividades propostas para os alunos que “não
sabiam nada” eram descontextualizadas e pouco motivadoras, logo,
pouco produtivas no sentido de provocar reflexão e desenvolvimento de
processos mais complexos necessários para a elaboração de conceitos.

Muitas vezes os alunos entre 10 e 14 anos de idade faziam ativi-


dades com objetivos elementares como recortar, ligar as figuras
às palavras, bem como atividades do tipo: ligue a vogal com a
sua letra inicial, cubra, envolva e escreva a letra (PLETSCH,
2009, p. 155).

Os novos exames neurológicos também têm trazido importantes


contribuições para a compreensão da deficiência intelectual. Pesquisas
feitas em São Paulo com 146 crianças com esta deficiência (ROCHA
et al., 2006) demonstraram que cerca de 51,4% dessas crianças apre-
sentaram, na ressonância magnética, diversos tipos de lesões cerebrais,
enquanto os outras tinham uma estrutura macroscópica normal. Já o
estudo eletroencefalográfico (ROCHA, 2000) evidenciou, em muitas
dessas crianças, uma disfunção funcional caracterizada, principalmente,
pela pouca ativação de algumas áreas cerebrais, ou por associações mal
caracterizadas de neurônios.

92 CEDERJ
Hidden

13
AULA
Figura 13.3: Charge – engrena-
gens no lugar do cérebro.
Fonte: http://www.sxc.hu/
photo/987763

Assim como observado por outros pesquisadores em crianças


cujo desenvolvimento é considerado normal, as crianças com deficiência
intelectual apresentaram melhores desempenhos em alguns testes, além
de maior adequação na atividade cerebral à medida que aumentava o
tempo de escolaridade.
Evidenciam-se, assim, os conceitos de deficiência primária e secun-
dária, utilizados por Vygotsky (1997) para descrever a constituição das
pessoas com deficiência intelectual. A deficiência primária está relacio-
nada às características orgânicas que influenciam o comportamento dos
indivíduos. A deficiência secundária corresponde a limitações advindas
desta condição e refere-se à leitura social que é feita pelo grupo, ao com-
parar esta pessoa com as outras que não têm deficiência. Nas palavras
do autor:

As causas orgânicas inatas não atuam por si mesmas (...) não


diretamente, mas de forma indireta por meio da redução da posi-
ção social da criança que elas provocam. (...) a criança não sente
diretamente sua deficiência. Percebe as dificuldades que derivam
da mesma. A conseqüência direta do defeito [lê-se deficiência] é
o rebaixamento da posição social da criança; o defeito se realiza
como desvio social (VYGOTSKY, 1997, p. 18).

CEDERJ 93
Psicopedagogia | Deficiência intelectual – como esses alunos aprendem

Torna-se, então, necessário e urgente questionar quantas de suas


limitações são naturais e quantas são condicionamentos socialmente insti-
tuídos em função de preconceitos. A deficiência precisa deixar de ser vista
como um estigma inerente ao indivíduo, passando a ser entendida como
um modo de funcionamento próprio, enfatizando, também, a influência
do ambiente neste processo, justificando a escolarização precoce, bem
como maiores investimentos em uma escolarização adequada, a fim de
estimular o desenvolvimento e aumentar as possibilidades de interação
da criança com o meio. Carneiro (1997) defende que os alunos devem
ser considerados a partir de suas potencialidades de aprendizagem.

Sobre esse aspecto é facilmente compreensível que a escola não


tenha de consertar o defeito, valorizando as habilidades que o defi-
ciente não possui, mas, ao contrário, trabalhar sua potencialidade,
com vistas ao seu desenvolvimento (CARNEIRO, 1997, p. 33).

A falta de conhecimento na área e o fato de considerar, a priori,


este aluno como um “aluno-problema”, restringe a atuação do professor,
limitando o oferecimento de atividades coerentes e desafiadoras, impres-
cindíveis para estimular o desenvolvimento deste educando. O pouco
investimento nas possibilidades de interação deste aluno colabora para
a produção social da deficiência, agravando suas condições orgânicas.
A este respeito Pletsch (2009) afirma que:

(...) deve-se levar em conta que a criança com deficiência mental


tem alterações nos processos mentais que interferem na aquisi-
ção da leitura, dos conceitos lógico-matemáticos, na realização
das atividades da vida diária, no desempenho social, entre
outras habilidades. Contudo, novamente ressaltamos que essas
alterações não são determinantes por si só para o processo de
ensino-aprendizagem e consequentemente do desenvolvimento.
Para Ferreira (2003), estes aspectos podem se tornar ainda mais
deficitários, na medida em que se destina para estes alunos expe-
riências de aprendizagem “que mobilizam basicamente as funções
psicológicas elementares com um significativo distanciamento da
cultura” (p. 136) (PLETSCH, 2009, p. 90).

Cruz (2004) analisou o processo de desenvolvimento da linguagem


escrita de alunos com deficiência intelectual em um programa desen-
volvido com a utilização do computador, com atividades propostas no
aplicativo Power Point. Os alunos foram indicados pelos professores da
instituição, que escolheram jovens e adultos não alfabetizados para par-

94 CEDERJ
ticipar da pesquisa. Observou-se que os recursos multimídia favoreceram

13
as associações lógicas e o desenvolvimento da linguagem escrita. Além

AULA
disso, a utilização do teclado facilitou o processo de produção da escrita.

Com relação à escrita linear no computador, foi verificado que


envolve áreas cerebrais diferentes da escrita manuscrita. Enquanto
que, para escrever manualmente, são ativadas duas representações
internas das letras, uma visual e outra motora, ao escrever com
o teclado, utiliza-se apenas a representação visual (FREITAS,
2003). Conclui-se, pois, que digitar é uma tarefa mais simples que
escrever “desenhando” letras. Assim como os recursos multimídia
disponibilizados pelo computador, a simplificação do trabalho
motor favorece a auto-expressão (CRUZ, 2004, p. 33).

A pesquisa demonstrou que o trabalho do professor-mediador,


planejando, acompanhando, avaliando continuamente o processo edu-
cativo, considerando as diferenças individuais, foi fundamental para que
o computador pudesse atuar como “potencializador” do pensamento
humano (FERREIRA; CRUZ; WEISS, 2002), favorecendo que se atingis-
sem os objetivos do programa, o que se refletiu no cotidiano dos alunos,
conforme se vê no relato deles próprios:

“É diferente, sim, pra fazer os nomes... (...) A gente sabe bem o


que está escrevendo. [...] Eu entendo diferente. (...) Antes, eu não fazia
comida. Agora, eu leio receita. (...) antes eu só arrumava a casa, lavava
roupa, lavava banheiro, cozinha, deixava tudo arrumado, nada bagun-
çado.” (F., 24 anos)
“É melhor, a gente entende bem, entende as letras, as palavras...
(...) Pensar... primeiro pensa. Primeiro pensa e depois escreve no com-
putador.” (A. F., 28 anos)
“(o computador) Ajuda a aprender as letras, fazer as letras... (...)
Lá em casa não tem computador.
Se tivesse, eu não tava parado. Tava mexendo, escrevendo.” (P.,
26 anos)
“Tô diferente escrever. Chego na sala, o que é que eu faço? Escrevo.
Escrevo, aí depois boto a data. (...) É melhor de escrever (no computador).
Gosto de escrever meu nome.” (Ro, 19 anos)

CEDERJ 95
Psicopedagogia | Deficiência intelectual – como esses alunos aprendem

“Um domingo, eu fui na ABBR e li o papel lá. Tô escrevendo


melhor. [...] A gente faz aqueles trabalhos, aí vem um monte de coisa na
cabeça. Tem que pensar para fazer os trabalhos.[...] Na rua, tá diferente
quando eu pego o ônibus. Eu não via os números e as letras do ônibus.
Agora eu vejo.” (J.C., 38 anos)
“Eu vejo tudo na rua: as placas da rua... eu li! Eu sei ver a placa
que não pode botar carros na esquina – aí multa.” (Ci., 26 anos)

Shimazaki (2006) comparou o grau de letramento, o nível de


compreensão de leitura e produção de escrita de adultos com deficiência
intelectual, considerados alfabetizados, antes e depois de um programa
de práticas de letramento. Foram planejados encontros com atividades
que envolviam o uso e as práticas sociais da leitura e da escrita com
o objetivo de que os alunos avançassem no processo de letramento e
iniciassem a construção de habilidades necessárias à participação social.
A pesquisadora concluiu que, por meio da mediação pedagógica,
houve o desenvolvimento de uma postura mais reflexiva sobre a leitura
e a escrita, observando-se algumas mudanças na realidade dos sujeitos
participantes, o que tornou possível demonstrar que a educação formal
contribui para a formação social da mente.

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 2

2. Leia o relato de Cruz (2004) sobre uma atividade realizada com um


grupo de alunos jovens utilizando o computador e comente a situação
descrita, identificando uma possível característica de seu processo de
desenvolvimento e aprendizagem.

Ri., Bi. e Ro. estavam trabalhando em um único computador. Já haviam


escrito o nome do colega (inteiro e dividido em sílabas) com ajuda da
professora. Aproximei-me e disse-lhes que queria ver o que tinham feito.
Bi. visivelmente se destacava no grupo, tomando a iniciativa na maior parte
das vezes enquanto os rapazes olhavam. Ela fez surgir o nome “ARILSON”.
Ela e Ri. leram corretamente. Ro. só observou. Depois, ao surgir sílaba por
sílaba, eles leram da seguinte forma:

A: leram ‘A’.

RIL: leram ‘RIL-SON’.

96 CEDERJ
13
Perguntei se estava igual ao nome completo, que estava em cima na tela.

AULA
Observaram e disseram que não. Perguntei o que estava faltando. Não sou-
beram responder. Pedi que descobrissem o que estava faltando. Apertaram
a tecla da setinha para a direita, que fazia cada sílaba aparecer na tela.
Quando apareceu a última sílaba, disseram que estava escrito “Arilson”.
Perguntei o que estava escrito antes e retirei o “SON”, apertando a setinha
para a esquerda. Olharam e não responderam. Repeti a operação, dizendo:

– Olhem. Aqui está escrito Arilson. Se eu tirar o SON fica o quê? (e retirei)

Ri. respondeu: Fica mudo.

Bi. discordou:

– Não, fica “Aril”.

(22/10/2002)

RESPOSTA COMENTADA
Os alunos, não alfabetizados, ainda não compreendiam que as
palavras eram formadas por sílabas, o que consiste em uma apren-
dizagem conceitual relativamente complexa. Com exceção da aluna
Bi., os demais alunos apenas tinham a noção da escrita do nome
como um bloco, que memorizavam através da percepção visual, por
isso só conseguiam ler o nome completo. Quando a pesquisadora
perguntou “se tirar o SON, fica o quê?”, o aluno Ri. fez uma associa-
ção lógica e respondeu “mudo”, mas demonstrou não ter realizado
as aprendizagens necessárias para resolver a questão proposta.
Somente Bi. percebeu que, sem a sílaba SON, estava escrita ARIL,
indicando que já havia adquirido este conhecimento.

CEDERJ 97
Psicopedagogia | Deficiência intelectual – como esses alunos aprendem

CONCLUSÃO

O processo de ensino-aprendizagem das pessoas com deficiência


intelectual ainda carece de muitos estudos, principalmente em relação aos
aspectos metodológicos. Estudos de teóricos como Vygotsky e colabora-
dores nos oferecem uma boa base teórica, que vem sendo comprovada
através dos modernos exames de neuroimagem; mas, além de saber como
estes alunos aprendem, é fundamental planejar estratégias e oferecer
recursos que atendam às necessidades educativas especiais destes alunos.
Para tanto, é necessário investir na formação docente e reestruturar a
instituição escolar que, atualmente, de acordo com indicadores nacionais
e internacionais, não vem obtendo resultados satisfatórios até mesmo
com alunos sem deficiência.

ATIVIDADE FINAL
Atende ao Objetivo 3

Pletsch (2009, p. 160) entrevistou a professora de Maciel (que, como já dissemos,


tinha 11 anos e deficiência intelectual quando foi encaminhado para o 3º ano do
primeiro ciclo) e a professora de Luciana (aluna com 8 anos e síndrome de Down,
matriculada na Educação Infantil). Compare os dois relatos, reproduzidos a seguir,
e escreva suas conclusões sobre as estratégias utilizadas pelas professoras para
ensinar a estes alunos.

Relato 1

Para a avaliação de Maciel eu tentei fazer da seguinte maneira: Sentei ao lado dele
e lia e relia cada parte do texto e fazia as perguntas oralmente. E, aí conforme ele
ia respondendo, eu escrevia para mostrar a ele o que ele estava me dizendo. Ele
tem muita vontade de aprender, porém a gente sabe das limitações dele, inclusive
com relação ao espaço que ele ainda não consegue trabalhar bem, os tamanhos
das letras, as linhas, a organização do caderno, então muitas vezes eu trago uma
atividade paralela e ele fica chateado porque ele quer fazer as atividades que a
turma inteira está fazendo. Embora para ele, às vezes copiar o texto seja muito
difícil e então eu dou o texto pronto para ele, mas ele fica com essa sensação
que está fora do grupo, ele quer mesmo copiar mesmo que ele não termine.
Normalmente o que ele começa não consegue concluir porque se dispersa com
muita facilidade. Mas para ele é muito importante que ele faça o mesmo que todo

98 CEDERJ
mundo. Outra coisa que faço quando estou corrigindo os cadernos ou fazendo

13
alguma coisa, eu peço para os que estão melhores que vão ajudar àqueles que

AULA
estão com maior dificuldade. Dou essa liberdade a eles para que eles possam ver
quem precisa de ajuda, quem precisa de apoio e explico que está ali para ajudar e
não está ali para atrapalhar o outro. O aluno explicar para o outro é uma coisa. Ele
escuta diferente. Então eles fazem isso, inclusive com os livros quando eles pegam
os livros para ler, o Maciel sempre pede o apoio de algum colega para poder ler
para ele e ali ele vai acompanhando a figura e o colega vai lendo o texto. Assim,
ele consegue entender o livro que ele pegou para levar para casa, por exemplo.

(Professora em entrevista, 15.5.07)

Relato 2

Quando vou passar trabalho geralmente eu passo diferente para a Luciana


porque ela ainda não tem o mesmo nível que as outras crianças, dou uma folha
diferente daqueles que os demais estão fazendo por que eles já começaram com
um conteúdo, a Luciana, não copia, agora até olha para o quadro e faz da forma
dela, mas antes não fazia nada, só dormia.

(Fala da professora registrada em diário de campo, 12.4.2006)

RESPOSTA COMENTADA
A professora de Maciel, considerando suas diferenças individuais, adaptou a avalia-
ção fazendo perguntas oralmente, já que o aluno não é alfabetizado. Apesar de se
preocupar em propiciar que ele realize a mesma atividade que o grupo, ela também

CEDERJ 99
Psicopedagogia | Deficiência intelectual – como esses alunos aprendem

oferece atividades diferenciadas e incentiva os colegas que sabem mais a ajudar


os que sabem menos (como proposto por Vygotsky através do conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal).
O mesmo não ocorre no caso de Luciana, que sempre faz atividades diferentes,
reduzindo suas possibilidades de interação com o grupo. Observa-se também que
a professora condiciona o trabalho “com conteúdo” ao desenvolvimento da habili-
dade de cópia, o que pode prejudicar ainda mais o desenvolvimento da aluna, pois
a escrita não é a única aprendizagem escolar, nem pré-requisito para as demais.

RESUMO

O atendimento às pessoas com deficiência tem se enquadrado em diferentes


modelos ao longo do tempo, mas que coexistem nos dias atuais. O modelo
assistencialista justificava-se pela crença de que estas pessoas eram incapazes de
aprender e até mesmo de conviver em sociedade, por isso eram enviadas para asilos
e instituições de caridade. Com a identificação das causas dos distúrbios no apare-
lho biológico dos sujeitos, originou-se a visão organicista da deficiência, segundo
a qual a deficiência e suas manifestações eram explicadas exclusivamente pelo
transtorno ou distúrbio que a causava. A abordagem médico-pedagógica começou
a ser desenvolvida pelos empiristas ingleses, que consideravam a experiência como
fonte de aprendizagem. Binet e Simon, vieram trazer novo enfoque à questão,
favorecendo a compreensão e a educação da criança dentro de uma visão clínica.
No Brasil, o modelo educacional de atendimento a estas pessoas foi implementado
nos anos 1970, como proposta do movimento de integração, que se baseava no
Princípio de Normalização, segundo o qual os processos educacionais deveriam
preparar o sujeito com deficiência para ter uma vida o mais normal possível.
A educação inclusiva, por sua vez, pressupõe uma sociedade ativa, que procura
alternativas para favorecer a inclusão, como fundamento e prática da cidadania,
em conformidade com os ideais democráticos.
Alunos com deficiência intelectual possuem estruturas cognitivas semelhantes às
da criança cujo desenvolvimento é normal, mas que apresentam peculiaridades
em sua funcionalidade e seu desenvolvimento, como a lentificação do processo

100 CEDERJ
13
AULA
de desenvolvimento cognitivo, a viscosidade genética e uma estrutura cognitiva
que não atinge os níveis mais avançados, permanecendo como uma construção
inacabada.
Vygotsky afirmou que cabe à escola elaborar programas com o objetivo de
desenvolver o que está faltando no desenvolvimento destes alunos, utilizando o
concreto como um ponto de apoio necessário e inevitável para o desenvolvimento
do pensamento abstrato, já que estas crianças não desenvolverão, espontanea-
mente, formas bem elaboradas deste tipo de pensamento. Além disso, ressaltou
a importância de garantir a convivência destes alunos com outros que não têm
deficiência, a fim de exercitar a comunicação e aprender com os colegas que, em
alguns aspectos, são mais capazes.
Pesquisas têm demonstrado que a utilização de recursos adequados e o planeja-
mento de atividades com mediação pedagógica favorecem a aprendizagem e o
desenvolvimento destes alunos.

CEDERJ 101
Educação especializada

14
AULA
para surdos
Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz

Meta da aula
Apresentar a problemática da educação de surdos
no Brasil à luz da abordagem interacionista, já
comentada em aulas anteriores.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja


capaz de:
1. reconhecer como língua e cognição se articulam
e as consequências da ausência de uma língua
para as crianças surdas que nascem em famílias
ouvintes;
2. reconhecer as consequências da oferta de
educação para ouvintes.
Psicopedagogia | Educação especializada para surdos

INTRODUÇÃO Nada é mais maravilhoso ou mais digno de

ser celebrado do que algo que vai desobstruir

a capacidade de uma pessoa e permitir-lhe

crescer e pensar.

Oliver Sacks

Procuraremos demonstrar como o acesso à língua de sinais proporcionado


pela escola às crianças surdas é determinante e, muitas vezes, a única forma
de liberdade de expressão que lhes é proporcionada. A escola é compreendida
como o contexto de interação capaz de promover a aprendizagem da língua
de sinais para crianças surdas que nascem em famílias ouvintes.
No âmbito da educação, liberdade de expressão forçosamente remete a
Freire (1997) que, em seus ensinamentos sobre os “saberes necessários à
prática educativa”, chama a atenção para dois pontos: “Ensinar exige risco,
aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação” e “Ensinar
exige liberdade e autoridade”.

Figura 14. 1: O educador Paulo


Freire.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/
wiki/Paulo_Freire

104 CEDERJ
Atualmente, discute-se em reuniões de reformulação dos currículos dos cur-

14
sos de Pedagogia das universidades brasileiras a situação da Libras (Língua

AULA
Brasileira de Sinais) como disciplina obrigatória. De acordo com o texto do
decreto que regulamenta a lei que dispõe sobre a Libras, Capítulo II, artigo 3º:

A LIBRAS deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos


cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em
nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições
de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos
sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
(BRASIL, 2005).

É, sem dúvida, um avanço considerar a Libras como uma disciplina obrigatória


nos cursos de formação de professores. Note-se, porém, que não é possível
aprender uma língua em uma disciplina com sessenta horas de aula, que é a
carga horária prevista para disciplinas obrigatórias em cursos de graduação
no Brasil. Além disto, quem ministrará estas aulas? A rigor, deveriam ser
surdos fluentes em Libras, mas, a rigor também, professores universitários
necessitam, no mínimo, ter cursado o mestrado. Cria-se, desta forma, um
impasse: encontrar surdos fluentes em Libras e com a formação acadêmica
compatível com a docência no Ensino Superior.
Está aí colocada uma “situação-limite”: uma discussão que envolve currículo,
o estatuto da Libras como uma língua de fato, a resistência de professores
frente ao novo/desconhecido, as concepções de língua e de linguagem, a
relação pensamento-língua etc. e, em meio a tudo isto, ainda temos de ouvir
argumentações como: “Mas se colocarmos Libras como disciplina obrigatória
teremos também de ensinar Braille?”, ratificando, uma vez mais, o desco-
nhecimento da diferença entre uma língua e uma notação gráfica.

Sobre a Língua Brasileira de Sinais, visite a página


http://www.acessobrasil.org.br/libras/

CEDERJ 105
Psicopedagogia | Educação especializada para surdos

Diz Freire (1997): Minha sensibilidade já me havia advertido quanto às


diferenças de linguagem, as diferenças sintáticas e semânticas, entre a dos
operários e operárias com quem trabalhava e a minha linguagem (p. 24).
Wittgenstein, por sua vez, dá ao contexto no qual as atividades de linguagem
se realizam importância sine qua non. Isto é, transformando-se o contexto
de interação transforma-se também o significado do que é dito. O contexto
do qual se trata aqui é o das práticas de linguagem e das formas de vida dos
usuários desta língua.
O direito à liberdade de ter uma determinada prática de linguagem está na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal como descrito nos artigos
a seguir:

Artigo 2º. Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as


liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma,
nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de
opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna,
de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disto, não será
feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou
internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja
este país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito
a alguma limitação de soberania. Artigo 19º. Todo o indivíduo tem
direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito
de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber
e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por
qualquer meio de expressão (DECLARAÇÃO..., 1948).

Ao compreender o processamento da aprendizagem de uma língua para


uma criança ouvinte, pode-se também compreender o que o impedimento
ocasionado pela surdez impõe a uma criança que nasce surda ou fica surda
nos primeiros anos de vida.

Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário,


não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se
fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que
aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com
eles (p. 127).

Escutar uma pessoa surda é compreendê-la como alguém que possui uma
experiência visual, diferente da minha, mas não menos complexa. Trabalhar
na perspectiva de uma escola especializada para surdos significa garantir que a

106 CEDERJ
função da escola, a saber, transmitir conhecimentos acumulados pela cultura,

14
seja alcançada. Em outras palavras, ensinar os conteúdos de cada série ou

AULA
ciclo precisa, necessariamente, ser o objetivo da educação especializada para
surdos. Não é função da escola oralizar crianças surdas. Isto cabe às famílias
e, a seguir, aos fonoaudiólogos especializados em surdez.
A seguir, apresentamos uma proposta de educação para crianças surdas que
considera a sua diferença linguística como fio condutor para a prática de
todos os profissionais envolvidos neste processo.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS QUE FUNDAMENTAM A


PROPOSTA DE EDUCAÇÃO DE SURDOS

Não reconhecer importantes “marcadores” do desenvolvimen-


to infantil considerados típicos, e, em particular, do desenvolvimento
linguístico de crianças surdas, pode induzir a alguns equívocos. Alguns
destes equívocos e suas consequências na educação de surdos serão
discutidos a seguir.
A diferença linguística imposta pela surdez será aprofundada
adiante, bem como os pressupostos teóricos envolvidos numa proposta,
de fato inclusiva, de educação de surdos. A defesa desta proposta como
uma prática de educação inclusiva apoia-se no fato de que, por inclusão
educacional, entende-se adequar o espaço da escola a toda criança com
necessidades educacionais especiais, tal como postulado na Declaração
de Salamanca.
A criança ouvinte quando ainda é pequena não busca explicações
sobre o uso das palavras, assim como também não sofre por desconhe-
cer a língua de seus pais. Ao contrário, cada aprendizagem é vivida
com satisfação pela criança, cada brincadeira envolvendo a linguagem
possui, tanto para a criança quanto para o adulto que interage com
ela, um caráter lúdico. As explicações das coisas do mundo são dadas
à criança o tempo todo, a cada vez que alguém se dirige a ela. É este o
contexto ao qual Wittgenstein se refere quando afirma que, a partir dele,
se constrói uma prática de linguagem. Os pressupostos filosóficos que
embasam as pesquisas em interação e intersubjetividade têm, portanto,
como prerrogativa, a atividade mediada e, como princípio, o uso das
palavras como uma prática social.

CEDERJ 107
Psicopedagogia | Educação especializada para surdos

Como dito anteriormente, o que os bebês ouvintes escutam desde


o berço são pedidos, ensinamentos, agrados, que a criança que nasce
surda ou perde a audição precocemente não pode ouvir. Já aí se instala
uma diferença na forma como surdos e ouvintes vivem as suas intera-
ções precoces. As mudanças de critérios, ou a arbitrariedade no uso
das palavras, “pedra angular” na teoria de Wittgenstein, parece ser um
obstáculo para o entendimento da pessoa surda que não pode, devido
a sua condição, participar do fluxo da língua oral. A explicação e a uti-
lização de um signo linguístico que, em determinado contexto, recebe
um significado diferente de seu significado “dicionarizado” traria, para
a pessoa surda, a necessidade de uma explicação ostensiva que o acom-
panhasse e isto, por sua vez, tornaria a comunicação se não impossível,
pelo menos fragmentada e pouco elucidativa.

Veja no site a seguir como os bebês interagem “conversando”, embora


ainda não saibam articular as palavras de forma convencional:
http://www.youtube.com/watch?v=Ub6H_UM7D08

Conceitos aparentemente simples como “mas”, “ontem”, “lá”,


“talvez” e tantos outros não podem ser definidos ostensivamente e, como
aponta Wittgenstein (1994), dependem de um contexto linguístico no
qual sejam utilizados plenos de significado para que possam ser com-
preendidos. Como ilustração, uma passagem da narrativa de Laborit
(1994), escritora surda, sobre a forma como os conceitos são veiculados
entre adultos e crianças:

Quando compreendi, com a ajuda dos sinais, que ontem estava


atrás de mim, e amanhã diante de mim, dei um salto fantástico.
Um progresso imenso, que os ouvintes tinham dificuldade em
entender, habituados que estão de ouvir desde o berço as palavras
e os conceitos repetidos incansavelmente, sem disto se darem conta
(LABORIT, 1994, p. 7).

108 CEDERJ
14
AULA
Figura 14.2: Emmanuelle
Laborit na capa do livro O
voo da gaivota, sinalizan-
do “integração”.

Ancora-se exatamente neste ponto a problemática da criança surda


que nasce em uma família ouvinte e que, muitas vezes, só terá acesso
sistemático à língua de sinais em uma instituição de ensino formal. Ao
se nomear, em uma língua oral, objetos, pessoas e eventos do mundo,
não se estabelece com a criança surda um contexto sentencial. Seria
necessário que tais nomeações acontecessem em um quadro de referên-
cia comum, que pudesse ser partilhado tanto pela pessoa ouvinte como
pela criança surda.
O esforço para compreender a língua oral ao qual se refere
Laborit (1994) pode ser análogo ao que faria uma pessoa ouvinte que
chegasse ao Japão, por exemplo, sem nenhum conhecimento prévio da
língua japonesa. A diferença, porém, reside no fato de que, em algum
tempo, o ouvinte que está no Japão vai compreender, por imersão
naquela língua, as suas regras e o seu uso. Já o surdo não se tornará
um falante da língua oral por estar em contato com os ouvintes.
Pode-se concluir, então, que ao mesmo tempo em que a criança
aprende a falar, aprende também a usar as palavras como ferramentas.
Desta forma, pensamento verbal e comportamento se fundem desde o
início do desenvolvimento da criança (VYGOTSKY, 1992).
Partilhar de uma visão interacionista de linguagem e, por sua vez,
de uma proposta interacionista de educação para crianças surdas leva
forçosamente a acreditar que a construção de uma língua para a criança
surda deve seguir o mesmo percurso da construção de uma língua para

CEDERJ 109
Psicopedagogia | Educação especializada para surdos

a criança ouvinte. Se para a criança ouvinte é o contexto no qual está


inserida e o contato com os adultos falantes que vão lhe garantir que
aprenda a usar a língua, o mesmo deverá acontecer para a criança surda.
Wood et al. (1986) em Sacks (1998) fazem algumas considerações
sobre a construção da partilha na díade mãe/bebê e, em seu estudo longi-
tudinal de crianças surdas, dão grande ênfase a isto. Os autores escrevem:

Imaginem um bebê surdo com pouca ou nenhuma consciência do


som (...) Quando olha para um objeto ou evento, não recebe nada
da “música de clima” que acompanha a experiência social do bebê
auditivo. Vamos supor que desvie os olhos de um objeto que atrai
sua atenção para um adulto que está “partilhando” a experiência
com ele, e o adulto fale sobre o que o bebê acabou de olhar. Será
que o bebê sequer percebe que está ocorrendo uma comunica-
ção? Para descobrir os relacionamentos entre uma palavra e seu
referente, o bebê precisa lembrar alguma coisa que acabou de
observar e relacionar esta lembrança com outra observação (...)
O bebê surdo tem de fazer muito mais, precisa “descobrir” os
relacionamentos entre duas experiências visuais muito diferentes
que estão deslocadas no tempo (SACKS, 1998, p. 79).

Isto demonstra que para a linguagem se estabelecer como um


comportamento social é necessário que haja um feedback, um retorno
repleto de significado. No caso dos bebês, um retorno da mãe frente a
suas iniciativas de comunicação.
Em observações assistemáticas observamos que mães ouvintes de
bebês surdos tendem a deixar de falar com eles de forma espontânea, seja
enfatizando algumas palavras (normalmente substantivos) em detrimento
de outras (normalmente verbos) ou falando de forma pausada e com
ritmo alterado. É comum também encontrar profissionais que repetem
de forma artificializada palavras e pequenas frases durante o trabalho
com crianças surdas.
Aguirre (2002) conclui em seu estudo sobre aquisição de linguagem
com díades mãe ouvinte/criança surda em situação de alimentação que,
quando não há sistematicidade na aprendizagem da língua de sinais,

O uso desta é praticamente inexistente. A língua de sinais marca


palavras soltas (...), na maioria das vezes são palavras-chaves
(mas) que pouco significam no contexto (...) Esta forma de uso
da língua de sinais pode ser reflexo também do modo como (as
mães) aprendem esta língua (AGUIRRE, 2002, p. 43).

110 CEDERJ
Isto ocorre porque é comum, em espaços públicos ou privados

14
de atenção à criança surda, que pais ouvintes tenham aulas de língua de

AULA
sinais, mas isto não significa haver um contexto, de fato, sinalizador,
sistemático e contínuo entre pais ouvintes e filhos surdos.
Koester, Karkowski e Traci (1998) desenvolveram estudo sobre
como mães ouvintes e mães surdas de crianças também ouvintes e surdas
recuperam o contato visual de seus filhos durante uma atividade. Os
resultados deste estudo indicaram uma maior confiança entre as mães
surdas nas estratégias visuais para recuperar a atenção da criança, e uma
maior ênfase nas vocalizações pelas mães ouvintes, independentemente
da condição de audição das crianças. O comportamento da criança de
dirigir o olhar foi identificado pelos autores como um importante com-
ponente na manutenção precoce das interações face a face, tal como
sugerido por Blehar, Lieberman e Ainsworth (1977).

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 1

1. Depois de ler sobre o papel da língua na constituição do sujeito, descre-


va o que acontece com a criança que nasce surda ou que fica surda nos
primeiros anos de vida, antes de ter aprendido uma língua.

CEDERJ 111
Psicopedagogia | Educação especializada para surdos

RESPOSTA COMENTADA
A surdez é vista como um “problema menor”, isto é, as famílias não
sabem e não têm como saber se não forem orientadas, quais os
prejuízos cognitivos que a ausência de uma língua nos primeiros anos
de vida pode causar. É comum ouvir dos pais de crianças surdas:
“Ele só não ouve, mas é uma criança normal.”
As famílias pobres não dispõem de recursos materiais para a pro-
moção do acompanhamento fonoaudiológico sistemático como deve
ser (se possível, diário) e da compra de próteses auditivas eficazes
A maioria das famílias pobres não tem acompanhamento pré-natal
capaz de identificar e prevenir algumas das afecções que provocam
a surdez congênita. Campanhas de erradicação da rubéola, maior
causadora de surdez congênita, têm sido timidamente realizadas no
Brasil. Portanto, diferentemente de uma síndrome genética como a
síndrome de Down, que se distribui de forma igualitária entre ricos
e pobres, a surdez no Brasil ainda está relacionada à pobreza
Somente à época da alfabetização, diante do fracasso da criança
surda, é que a família buscará atendimento especializado e, na
maioria das vezes, procurará, primeiramente, o caminho da orali-
zação e, anos depois, quando os pífios resultados deste processo
forem explicitados, é que lançarão mão da língua de sinais, aí sim,
como uma “tábua de salvação”, quando um enorme e inexorável
atraso cognitivo já se instaurou.

A ESCOLA COMO CONTEXTO DE INTERAÇÃO LINGUÍSTICA


PARA SURDOS

Argumentou-se a favor da importância da adoção de uma filosofia


educacional para surdos que considere, o mais cedo possível, o contato
sistemático com a língua de sinais no contexto de interação com adultos
fluentes em língua de sinais e também com outras crianças surdas. Agora
será discutido o papel da escola como contexto de interação linguística
para surdos e as evidências de estudos que se ancoram em uma abordagem
interacionista. Em consonância com esta forma de pensar a educação
de surdos, Behares (1993) apresenta a sua visão socioantropológica da
surdez e da escola como doadora universal de língua para os surdos.

112 CEDERJ
14
Veja o link de um programa de inclusão bilíngue para alunos
surdos:

AULA
http://www.fe.unicamp.br/falaoutraescola/resumos-palestran-
tes/CristinaLacerda.pdf

Por tudo isso, acreditamos, como professoras que somos, res-


ponsáveis pela formação de futuros professores e, quem sabe, futuros
professores de crianças surdas, no compromisso com a transformação
da realidade que, comumente, ainda vemos nas escolas brasileiras: crian-
ças surdas que frequentam escolas de ouvintes e são confundidas com
crianças com deficiência mental.
A proposta de uma educação bilíngue para surdos baseia-se no fato
de que trazer a língua de sinais para o âmbito da escola parece ter dado
margem a que profissionais pensassem que todos os problemas educacio-
nais das crianças surdas estariam resolvidos. Esquecem-se, porém, que:
1) Ao entrar em contato com a língua de sinais na escola, a criança
surda já apresenta um enorme atraso na aprendizagem de uma língua,
que dificilmente poderá ser totalmente transposto.
2) Não basta ensinar a língua de sinais. É necessário que todos os
conteúdos da escola sejam ministrados nesta língua. Nas sábias palavras
de Baptista (2008):

(...) o processo de construção do sistema linguístico que suporta


ao mesmo tempo a estrutura mental e intelectual do indivíduo se
desenvolve nos primeiros anos de vida e cada ano adiado, desde
o nascimento, representa uma perda irreparável (p. 163).

CEDERJ 113
Psicopedagogia | Educação especializada para surdos

Figura 14.3: José Afonso


Baptista (2009).

Muitas vezes, por serem ouvintes, as pessoas que estão à frente


da educação de surdos, o que usam sequer é, de fato, língua de sinais,
mas sim português sinalizado ou outras estratégias visuoespaciais. E
esquecem também o mais importante: a criança surda, filha de pais
ouvintes, na grande maioria dos casos, não conhece língua de sinais ao
entrar na escola.
Nem todos os estabelecimentos de ensino para surdos contam
com profissionais também surdos à frente da formulação e implantação
das práticas educacionais.
Diante dessa realidade, Souza (1998) discute a “produção do
fracasso escolar” do surdo ao apontar que, na grande maioria dos casos,
professora ouvinte e aluno surdo não dominam o mínimo necessário
para haver uma interação promotora de aprendizagem: a partilha de
uma língua comum. Isto é explicitado ao descrever a cena em que a
professora pergunta para um aluno surdo “Que palavra que te falta?”,
diante da impossibilidade de o aluno escrever um texto coerente em
Língua Portuguesa. A pergunta sugere que a professora sequer conse-
guiu compreender o que é “pensar com palavras”, assim como o aluno
poderia responder “Faltam-me todas as palavras, professora”, diante da
impossibilidade de usar a Língua Portuguesa.
O paradoxo que se coloca pode ter a sua origem ancorada em
uma ideia muito comum na qual se tende a minimizar o problema da
criança surda. Isto se reflete em frases do tipo “A criança é normal, só
não escuta”; “Ele entende tudo, só não fala”; ou ainda “Dos males, o
menor... ela só é surda”. Há, inclusive, quem acredite não ser necessá-

114 CEDERJ
14
ria nenhuma capacitação prévia do professor que trabalha com alunos
surdos, já que é preferível que não tenha qualquer contato com a Libras

AULA
para que não se veja diante de uma situação que se sinta tentado a usá-la.
Ora, existem situações pedagógicas que prescindam de uma língua
comum entre professor e aluno para que algum significado simbólico
possa se estabelecer?
Tais proferimentos deixam antever que não há entendimento sobre
o que a ausência de uma língua provoca na criança surda e, diante deste
desconhecimento, surgem práticas pedagógicas compensatórias, currí-
culos para surdos com ênfase na oralização e um quadro de fracasso
dos alunos surdos que dificilmente será revertido sem uma profunda
transformação dos paradigmas que sustentam as filosofias educacionais
para surdos.
A não apropriação dos conhecimentos sistematizados pela escola
por parte de alunos e a inadequação dos mecanismos de aprendizagem por
parte de professores geram um quadro assustador na educação de surdos
(BAPTISTA, 2008). Mesmo que professores de surdos chegassem à conclu-
são de que precisariam de língua de sinais, o que poderiam fazer, a curto
ou a médio prazo, para suprir esta necessidade? Alunos surdos não podem
aguardar que seus professores ouvintes aprendam a língua para, aí então,
lhes ensinarem os conteúdos que devem ser sistematizados pela escola. E
mesmo que estes professores aprendessem a Libras, não é possível utilizar,
ao mesmo tempo, duas línguas com estruturas tão diferentes como é o caso
da Língua Portuguesa e da Libras.
Skliar (1999) questiona ainda se o bilinguismo representa somente
uma substituição metodológica “conveniente”, na medida em que, muitas
vezes, assume o papel de um “atalho” para a aprendizagem da língua
oral. Neste caso, não haveria, de fato, a assunção da língua de sinais
como estruturante do pensamento da pessoa surda, mas seria entendida
como um recurso apenas que auxiliaria na aquisição da língua oral.
Tudo isto nos remete a uma outra questão: em uma situação de
ensino especializado para surdos considerada ideal, onde professores
surdos veiculam conteúdos em Libras para alunos surdos com profi-
ciência nesta língua, como será a avaliação? O que se vê comumente ainda
é a avaliação de alunos surdos sendo realizada em Língua Portuguesa,
provocando uma descontinuidade e uma incoerência diante de tudo
o que é realizado. Alguns professores relatam que seus alunos surdos

CEDERJ 115
Psicopedagogia | Educação especializada para surdos

demonstram domínio dos conteúdos trabalhados, mas não se saem bem


nas avaliações formais em Língua Portuguesa às quais são “obrigados”
a submetê-los.

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 2

2. Após a leitura desta aula, converse com seus colegas professores que já
receberam uma criança surda em sua sala de aula regular. Pergunte a eles
como se dava a interação dele e das demais crianças ouvintes com a crian-
ça surda. Que tipo de estratégias de comunicação eram utilizadas e como
eram os resultados apresentados por esta criança nas avaliações realizadas.

RESPOSTA COMENTADA
Relataremos aqui a experiência de uma aluna do curso de Pedago-
gia que já atua como professora em uma turma de primeiro ano de
escolaridade na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro e possui
um aluno surdo. Chama muito a atenção da professora o fato de
o aluno não ter consciência de que é surdo. Ele emite sons e faz
expressões, gestos e usa entonação típicos de quem usa uma língua
oral, mas os sons que produz se restringem a “qui-qui-qui-qui-qui...”,
quando é questionado sobre algo, “dá de ombros”, ao mesmo tempo
em que emite sons ininteligíveis, procurando, na nossa interpretação,
expressar que “não sabe”. Os alunos ouvintes também relatam que ele
emite sons ao “falar no ouvido” segredos ou fofocas, sons estes que
são incompreensíveis para os ouvintes. Estas situações demonstram
a inadequação e, consequentemente, o prejuízo social ao qual este
aluno está exposto ao frequentar a escola para ouvintes. A professora
admite, por fim, não saber o que fazer para ajudá-lo.
O encaminhamento deve se dar no sentido de mostrar à família
que a criança vai fracassar na alfabetização e em todo o percurso
acadêmico que se seguirá e incentivá-la a buscar a educação espe-
cializada para surdos.

116 CEDERJ
CONCLUSÃO

14
AULA
Considerou-se aqui a diferença linguística que a surdez impõe e
as questões políticas envolvidas no ensino de crianças surdas. Todo este
percurso objetivou apontar como um contexto educacional, ancorado
em pressupostos teóricos, pode interferir no uso da língua de sinais e,
consequentemente, no desenvolvimento das crianças surdas.
É comum ouvir de profissionais que trabalham em escolas especia-
lizadas para surdos que a permanência destas crianças nestas instituições
vai além de seu período de aula e, ao final do dia letivo, invariavelmente,
não querem ir para casa. Sacks (1998) aponta que a “troca simbólica” ou
a possibilidade de “permutar pensamentos” (p. 50), muitas vezes, tem o
seu início marcado pela entrada da criança na escola para surdos, onde o
livre trânsito de ideias pode acontecer graças à língua de sinais. O autor
relata a situação de Joseph, que ingressou em uma escola especializada
para surdos aos onze anos de idade, “sem língua de espécie alguma”:

Joseph estava então apenas começando a aprender um pouquinho


da língua de sinais, começando a ter alguma comunicação com os
outros. Isto (...) o deleitava; ele queria ficar na escola o dia inteiro,
o tempo todo. Dava muita pena ver sua aflição ao sair da escola,
pois ir para casa, para ele, significava voltar ao silêncio, retornar
a um vácuo de comunicação” (SACKS, 1998, p. 50-51).

A partir deste e de outros exemplos de surdos pré-linguísticos,


Sacks (1998) conclui que um pensamento sem língua pode impedir
“qualquer criança surda ou qualquer criança em geral, que não consiga
pleno acesso à língua” de ter acesso aos instrumentos e formas culturais
(p. 51). O autor relata ainda o contraste existente entre duas escolas
especializadas para surdos. A primeira, Braefield, uma escola primária
que apresenta “um quadro horrível” (nas palavras do autor, p. 122) no
que se refere ao aproveitamento dos alunos com surdez profunda que
ali ingressam e atribui esta situação ao atraso na aprendizagem de uma
língua a que as crianças foram submetidas. Curiosamente, anos mais
tarde, ao ingressarem em Lexington, uma escola secundária, alguns des-
tes alunos, já adolescentes, apresentam resultados melhores. A hipótese
levantada pelo autor para explicar esta diferença é a de que a descoberta
tardia da língua de sinais pode proporcionar uma “intimidade linguística”

CEDERJ 117
Psicopedagogia | Educação especializada para surdos

e um sentimento de “finalmente em casa” (p. 122) que compense, ao


menos parcialmente, o isolamento dos primeiros anos. Esta sugestão está
totalmente de acordo com a hipótese também defendida aqui.
Ao contrário do que acontece com a fala, bebês que nascem sur-
dos apresentam uma “inclinação imediata e acentuada para a língua de
sinais” (SACKS, 1998, p. 43). O autor atribui isto ao fato de que, sendo
uma língua visual, é totalmente acessível para essas pessoas. Crianças
surdas, filhas de pais surdos que usam a língua de sinais, executam seus
primeiros sinais aos seis meses de vida e adquirem considerável fluência
nesta língua por volta dos quinze meses.
De acordo com Sacks (1998), Sá (1997) afirma que

As crianças surdas que têm um ambiente linguístico adequado


ao seu desenvolvimento são as filhas de pais surdos usuários da
língua de sinais, no entanto, estas estão dentro do percentual de
apenas 6% dos surdos. Considerando que ninguém adquire uma
língua se não for exposto a ela num ambiente “natural”, fica
perfeitamente claro que a única possibilidade de aquisição de
uma língua espaço-visual para os surdos filhos de pais ouvintes
é num ambiente social; neste caso, a escola se apresenta como
um dos ambientes sociais mais adequados a este fim (SACKS,
(1998, p. 30).

Chega-se, nesse ponto, com Sá (op. cit.), a mais um argumento


favorável à educação especializada para surdos como uma possibilidade
de resgate da socialização e da possibilidade de usar uma língua, instân-
cias que, em uma visão sociopragmática, apresentam uma interdepen-
dência e até se confundem.
As escolas especializadas para surdos constituem, nas palavras de
Skliar (1997), um “microcosmo de emergência da identidade surda e
de aquisição da língua de sinais” (p. 30). O autor aponta que diante da
atual proposta de inclusão dos surdos nas escolas regulares, a proposta de
educação especializada para surdos pode parecer destoante. Acrescenta,
porém, que a própria lei apresenta precedentes que justificariam a manu-
tenção deste tipo de educação. Estes precedentes podem ser encontrados
em afirmações do tipo: “Organização de ambiente educacional o mais
favorável possível.” O mais favorável possível no caso da criança surda
é um ambiente educacional com língua de sinais, o que não pode ser
encontrado no ensino regular. Instaura-se aqui um paradoxo: a “Edu-
cação Para Todos”, símbolo máximo da democratização do ensino, não

118 CEDERJ
pode ser “Para Todos” se deixa de lado a especificidade linguística de

14
um grupo de pessoas. Em outras palavras, no caso de a criança surda

AULA
estar incluída em uma turma de ouvintes pode significar o que há de
mais segregador ou opressor, já que não há como transitar significados
num ambiente oral-auditivo. Lança-se mão, então, da possibilidade de
se trabalhar com intérpretes de língua de sinais, mas, de que adiantaria o
intérprete se a criança ou adolescente surdo não pôde aprender a língua
de sinais anteriormente?
Apesar de estar de acordo com as afirmações de Sá (1997) e Skliar
(1998), cabem algumas considerações acerca de sua posição, talvez
um pouco idealista, de que a língua de sinais adquirida precocemente,
ainda nos anos básicos da vida acadêmica, propiciará o domínio das
duas línguas para a perfeita inter-relação social do surdo (p. 77). Para
argumentar com os autores, é necessário explicitar aqui dois pontos: o
primeiro diz respeito ao fato de que a aprendizagem da língua de sinais
vai permitir ao surdo pensar e aprender, mas não vai lhe permitir ter
uma interação social com os ouvintes que, obviamente, na sua grande
maioria, não dominam a língua de sinais. Em segundo lugar, uma escola
bilíngue para surdos não vai ser a responsável pela aprendizagem da
língua oral para a criança surda. Esta não é uma das funções da escola.
A aprendizagem da língua oral em sua modalidade falada é de
competência da família, com o apoio sistemático de um fonoaudiólogo
e um extenuante trabalho de tentar contextualizar tudo, o tempo todo,
para esta criança, na língua oral. E a aprendizagem da língua oral em sua
modalidade escrita ainda é muito controversa. Acredito que a escola deve
ter, como para qualquer criança ouvinte, a responsabilidade de ensinar a
língua escrita, mas isto não pode se sobrepor a todos os outros conteúdos
que a escola tem a obrigação de sistematizar. Sendo assim, há que se
pensar a aprendizagem da língua escrita para a criança surda e, para isto,
é necessário “ouvir” os surdos, remontar trajetórias que transformaram
surdos adultos em leitores e escritores em uma língua oral. Sem esquecer
que, uma vez desobstruída a sua capacidade de crescer e pensar através
de uma língua visual, tal como nos diz Sacks (1998), todo e qualquer
conteúdo poderá ser significado e, portanto, aprendido. Ou ainda: se a
aprendizagem da leitura e da escrita em uma língua oral não se equipara
ao domínio que uma criança surda demonstra em uma língua visual, a
esta criança deve ser garantido o acesso ao currículo nesta língua visual.

CEDERJ 119
Psicopedagogia | Educação especializada para surdos

Diante de tudo o que foi dito, acredita-se que o contato sistemáti-


co, ainda que tardio, com uma língua estruturada é capaz de minimizar
os efeitos da exposição tardia aos jogos de linguagem a que as crianças
surdas estão expostas (WITTGENSTEIN, 1994).
A escola pode e deve ser o espaço para uma prática de linguagem
para a criança surda, tal como postulado na Declaração de Salamanca.
Nesta perspectiva, se não for possível ter professores surdos, é
necessário que um interlocutor surdo fluente em língua de sinais (moni-
tor) atue junto ao professor responsável pela turma de alunos surdos,
a exemplo do que acontece em escolas municipais no estado do Rio
de Janeiro. Lá, monitores surdos, em sua maioria alunos do segundo
segmento do Ensino Fundamental, participam de todos os momentos
pedagógicos junto às professoras ouvintes na Educação Infantil e no pri-
meiro segmento do Ensino Fundamental. Com isto, a Libras é o veículo
das interações envolvidas nos processos de aprendizagem das crianças
surdas. Não se trata, portanto, de ensinar sistematicamente a língua.
Trata-se, por sua vez, de ensinar os conteúdos do currículo oficial em uma
língua visual, à qual os alunos surdos têm livre acesso. Posteriormente,
quando os alunos já possuem proficiência em Libras, podem se beneficiar
da presença do intérprete de Libras nas séries seguintes, ou seja, do sexto
ao nono anos de escolaridade. Para a execução deste trabalho, conta-se
com a participação de uma pessoa surda que é, também, responsável
pelos cursos de Libras oferecidos aos professores que trabalham ou que
pretendem trabalhar com crianças surdas.

120 CEDERJ
ATIVIDADE FINAL

14
Atende aos Objetivos 1 e 2

AULA
Leia o trecho a seguir, dê a sua opinião e justifique.

O fracasso generalizado dos surdos exige uma explicação. Sem saber as


causas do seu péssimo desempenho acadêmico, não podemos definir as
políticas educacionais mais apropriadas, criar e projetar o melhor ambiente
e melhores estratégias de aprendizagem, criar as melhores condições para o
desenvolvimento pessoal e integração social (BAPTISTA, 2008).

RESPOSTA COMENTADA
Inúmeras pesquisas pelo mundo têm apontado que crianças surdas precisam de um
ambiente visual para que possam aprender. A escola pode ser o espaço privilegiado
onde esta aprendizagem ocorre. O exemplo de países que erradicaram o fracasso
do qual os surdos foram historicamente vítimas deve ser considerado e replicado.
As melhores condições para os surdos aprenderem são aquelas que, notadamente,
sistematizam um ambiente sinalizador como palco onde as trocas pedagógicas
podem ocorrer.

RESUMO

A escola é compreendida como o contexto de interação capaz de promover a


aprendizagem da língua de sinais para crianças surdas que nascem em famílias
ouvintes. O acesso à língua de sinais proporcionado pela escola às crianças surdas
é determinante para a sua aprendizagem.

CEDERJ 121
Psicopedagogia | Educação especializada para surdos

A língua de sinais (Libras) cumpre todas as funções de cognição e comunicação


das quais uma criança necessita para crescer e se desenvolver.
A surdez deve ser vista como uma diferença linguística e não como uma defi-
ciência e, assim sendo, a escola deve compreender a criança surda como capaz de
aprender os mesmos conteúdos que são ensinados às crianças ouvintes, só que
em língua de sinais.
Professor e aluno devem partilhar uma língua comum para que qualquer conteúdo
possa ser transmitido e aprendido.
Na literatura especializada, encontramos vários exemplos de pessoas surdas que
só tardiamente tiveram contato com a língua de sinais e de como esta experiência
transformou suas vidas e suas expectativas.
Quando as crianças surdas não têm acesso a uma língua visual, elas podem ser con-
fundidas com crianças com deficiência mental. A educação especializada para crian-
ças surdas tem como objetivo primordial impedir que isto continue acontecendo.

122 CEDERJ
Deficiência motora e

15
AULA
acessibilidade ao currículo
Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz

Metas da aula
Conceituar a deficiência motora e apresentar a
necessidade de adaptações curriculares e medidas
de acessibilidade ao currículo para estes alunos.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja


capaz de:
1. identificar a importância da escolarização,
preferencialmente em escola regular, para os
alunos com deficiência física;
2. reconhecer que a acessibilidade à escola, para
os alunos com deficiência, envolve remover
as barreiras urbanísticas nas edificações, nos
transportes ou nas comunicações e informações;
3. relacionar adaptações de acesso ao currículo.
Psicopedagogia | Deficiência motora e acessibilidade ao currículo

INTRODUÇÃO Na última aula, conhecemos aspectos importantes do processo de ensi-


noaprendizagem de alunos com surdez. Na presente aula, abordaremos o
tema da deficiência motora, que faz parte do quadro da deficiência física.
Segundo definição dos "Parâmetros Curriculares Nacionais": esta deficiência
corresponde a uma

Variedade de condições não sensoriais que afetam o indivíduo em


termos de mobilidade, de coordenação motora geral ou da fala, como
decorrência de lesões neurológicas, neuromusculares e ortopédicas,
ou, ainda, de malformações congênitas ou adquiridas (BRASIL, 1998).

Veremos que esta condição implica, algumas vezes, a necessidade de adap-


tações curriculares que favorecerão o acesso ao conhecimento, permitindo
que os alunos realizem as atividades juntamente com seus colegas de turma.

LESÕES CEREBRAIS E ALTERAÇÕES MOTORAS

É provável que você nunca tenha ouvido falar em “dismotria


cerebral ontogenética” (MAZZILLO, 2003) ou “encefalopatia crônica
da infância”, mas estes são os nomes científicos da paralisia cerebral,
que resulta de uma lesão no cérebro não progressiva, isto é, que não
evolui, acarretando alterações motoras evidentes em padrões anormais
de postura e movimento. As causas podem ser pré-natais (como doenças
infecto-contagiosas da gestante), perinatais (como anóxia, ou falta de
oxigênio no cérebro) ou pós-natais (como meningite ou convulsões).
Os casos de paralisia cerebral e alterações motoras envolvem diferentes
tipos e graus de comprometimento.

Para saber mais sobre a paralisia cerebral, sugerimos que aces-


se o informativo da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação:
http://www.sarah.br/paginas/doencas/po/p_01_paralisia_
cerebral.htm

124 CEDERJ
A paralisia cerebral geralmente está associada a problemas de

15
comunicação, pois as alterações no tônus muscular prejudicam os órgãos

AULA
fonoarticulatórios, tornando a fala difícil ou ausente. Este prejuízo na
comunicação traz dificuldades na expressão do potencial cognitivo destas
crianças, que, muitas vezes, são percebidas como deficientes intelectuais.
É importante ressaltar que a deficiência intelectual ou outros tipos de
problemas podem estar associados à paralisia cerebral, mas isto nem
sempre ocorre.
Atualmente, as políticas públicas no Brasil, procurando acompa-
nhar os avanços do conhecimento e das lutas sociais e visando promo-
ver uma educação de qualidade para todos os alunos, têm orientado a
organização das escolas de acordo com o paradigma da inclusão, que,
como vimos em aulas anteriores, consiste em

Um paradigma educacional fundamentado na concepção de


direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valo-
res indissociáveis, e que avança em direção à ideia de equidade
formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção
da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2007).

Além de ter direito de frequentar a escola comum, como as outras


crianças, a proposta da escola inclusiva beneficia especialmente o aluno
com paralisia cerebral, o que pode ser explicado pelo estudo da plasti-
cidade cerebral. Relvas (2004), citada por Fernandes e Correa (2007),
conceitua plasticidade cerebral como a capacidade de o sistema nervoso
alterar o funcionamento motor e perceptivo baseado nas mudanças
do ambiente, através da conexão e (re)conexão das sinapses nervosas,
organizando e (re)organizando as informações dos estímulos motores
e sensitivos.
O ambiente escolar, ao promover desafios de aprendizagem,
provoca a resposta dos indivíduos que, neste processo, podem desen-
volver habilidades que não desenvolveriam em um ambiente segregado
(SCHIRMER et al., 2007).
A atual política de educação especial na perspectiva da educação
inclusiva (BRASIL, 2008) ressalta a função da educação especial de rea-
lizar o atendimento educacional especializado (AEE) para alunos com
necessidades educacionais especiais, disponibilizando recursos e serviços
e orientando quanto à sua utilização no processo de ensino-aprendizagem
nas turmas comuns do ensino regular.

CEDERJ 125
Psicopedagogia | Deficiência motora e acessibilidade ao currículo

No caso dos alunos com paralisia cerebral e alterações motoras, o


AEE visa criar as condições adequadas à sua locomoção, comunicação,
conforto e segurança, além de realizar uma seleção de recursos e técnicas
adequados a cada tipo de comprometimento para o desempenho das
atividades escolares, visando melhorar sua comunicação e mobilidade
(BERSCH; MACHADO, 2007).
Esta proposta tem como função identificar, elaborar e organizar
recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras que
impedem ou dificultam que o aluno frequente a escola regular com pos-
sibilidades reais de aprendizagem e desenvolvimento. Para tanto, faz-se
uso de tecnologia assistiva, que são recursos utilizados para promover a
ampliação de habilidades prejudicadas ou para possibilitar a realização
de determinadas funções que o aluno tem dificuldade ou não consegue
realizar em função da deficiência.
Cook e Hussey (1995) acrescentam que, além de recursos, a
tecnologia assistiva utiliza serviços, estratégias e práticas. Deve-se,
portanto, estabelecer parcerias com os profissionais de outras áreas de
conhecimento, como arquitetos, engenheiros, fonoaudiólogos, terapeutas
ocupacionais, fisioterapeutas, para que se desenvolvam serviços e recursos
adequados a estes educandos.
Muitas vezes, é necessário, também, haver um acompanhante
para os alunos com graves comprometimentos, que inspiram cuidados
especiais na alimentação, na locomoção ou no uso de aparelhos ou equi-
pamentos médicos, para que possam dar apoio a estes alunos no período
em que frequentam a classe comum (BERSCH; MACHADO, 2007).
Em caso de afastamento temporário da escola por motivo de inter-
nação hospitalar ou outros cuidados de saúde, o professor especializado
deverá propor o atendimento educacional hospitalar ou domiciliar até
que este aluno possa retornar ao grupo escolar.
No que tange ao desafio da inclusão dos alunos com paralisia
cerebral e alterações motoras, o papel do professor, apoiado pelos ges-
tores da educação, é de suma importância. No entanto, vemos poucas
iniciativas de formação continuada para professores nesta área. A falta
de informação é uma poderosa fonte de fortalecimento dos preconceitos.
Observamos, no entanto, que a maioria dos sistemas educacionais
baseia-se na concepção médico-pedagógica da deficiência, centrada nas
características orgânicas do aluno, o que ressalta suas limitações e mini-

126 CEDERJ
miza a importância do fator social na origem e manutenção do estigma

15
que cerca essa população específica (BRASIL, 1998).

AULA
Crochik (2009) afirma que a escola inclusiva enfrenta diversos
obstáculos para sua implantação:

Os culturais, os ideológicos, os financeiros, os educacionais, os


institucionais e as possíveis resistências dos pais das crianças
sem deficiência, mas as atitudes, principalmente dos professores
e dos colegas sem deficiências, frente à inclusão das crianças com
deficiência na escola parecem também ser variáveis importantes
(p. 124).

Mazzillo (2003), em uma pesquisa com professores de escolas


regulares do segundo segmento do Ensino Fundamental, em escolas
municipais do Rio de Janeiro que realizam a inclusão de alunos com
paralisia cerebral, constatou que havia desconhecimento ou conheci-
mento incompleto sobre o que é a paralisia cerebral, bem como falta
de capacitação teórica para lidar com estes alunos. Além disso, alguns
professores relataram que consideravam a presença destes alunos em sala
de aula indesejável e tinham fracas expectativas de um futuro promissor
para eles.
Outra questão evidenciada pelo estudo foi a dificuldade destes
professores em lidar com formas mais flexíveis de avaliação, como a
observação diária, estando presos a modelos tradicionais de avaliação,
como provas e testes.
Em contrapartida, a pesquisadora também encontrou atitudes
favoráveis à inclusão destes alunos, como o relato de alguns professores,
que ressaltaram características positivas de seus alunos com paralisia
cerebral, como inteligência, força de vontade, responsabilidade e par-
ticipação. Ela observou também, em alguns casos, um envolvimento
afetivo positivo de professores com estes alunos e um olhar diferenciado
em relação à avaliação, apesar de não terem respaldo teórico no que
tange a este tipo de paralisia. Alguns professores também sinalizaram a
boa aceitação da turma em relação a estes alunos e afirmaram ver boas
perspectivas de futuro para eles.
Todos estes fatos nos mostram que o desafio da inclusão de alunos
com paralisia cerebral e alterações motoras só pode ser vencido com
formação, informação, cooperação e dedicação. A informação, princi-
palmente, é uma das maiores armas contra o preconceito.

CEDERJ 127
Psicopedagogia | Deficiência motora e acessibilidade ao currículo

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 1

1. Leia o seguinte diálogo entre o médico e o pai de uma criança com


paralisia cerebral descrito em Cadernos da TV Escola (BRASIL, 1998b) e
imagine que você, como professor, foi convidado a participar da conversa.
Que informações pedagógicas você daria a este pai?

Pai: O que o meu filho tem, realmente?

Médico: Ele é portador de paralisia cerebral, ou seja, algumas células do


cérebro dele morreram na hora do parto, em consequência da falta de
oxigênio.
Isso vai causar problemas motores. Crianças com déficit motor são defi-
cientes físicos.

[...]

Pai: Meu filho será inteligente?

Médico: Provavelmente sim, pois deficiência física é diferente de defici-


ência mental. Se a lesão atingir só a área motora do cérebro, aquela que
comanda os movimentos, a criança terá só limitações motoras. [...]

Pai: Então, ele pode ir para a escola, quando crescer?

Médico: Não só pode, como deve. A escola contribui muito para o desen-
volvimento de qualquer criança.

Pai: E o que eu tenho de fazer agora?

Médico: O senhor deve procurar um neurologista, que fará exames para


detectar em que medida o cérebro de seu filho foi atingido. E o especialista
irá orientá-lo em relação ao tratamento necessário.

128 CEDERJ
15
RESPOSTA COMENTADA

AULA
É importante informar a este pai que, ao atingir idade adequada para o
início da escolarização, seu filho será beneficiado ao estudar em escola
regular, junto com crianças sem deficiência. Neste ambiente, ele poderá
enfrentar desafios de aprendizagem que favoreçam o desenvolvimento
de habilidades que não ocorreria em um ambiente segregado.
Para que a criança possa ter sucesso em seu processo de escolari-
zação, a família deve exigir que a escola procure, através do atendi-
mento educacional especializado, criar condições adequadas à sua
locomoção, comunicação, conforto e segurança, além de realizar
uma seleção de recursos e técnicas adequados ao comprometimento
que apresenta, para o desempenho das atividades escolares, visando
melhorar sua comunicação e mobilidade.

Figura 15.1: Símbolo internacional


da acessibilidade.
Fonte: http://www.crea-pr.org.br/
acessibilidade/simbolos.htm

ACESSIBILIDADE E ADAPTAÇÕES CURRICULARES

Para que a escola tenha condições de proporcionar a vivência da diver-


sidade humana, respeitando e aceitando as pessoas como são, com pontos
fortes e fracos, com habilidades e limitações, é preciso tornar-se acessível.
Em 2004, o Decreto nº 5.296 definiu acessibilidade como

Condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou


assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das
edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas
e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de
deficiência ou com mobilidade reduzida.

CEDERJ 129
Psicopedagogia | Deficiência motora e acessibilidade ao currículo

Este decreto define como barreiras para a acessibilidade qualquer


entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de
movimento, a circulação com segurança e a possibilidade de as pessoas
se comunicarem ou terem acesso à informação.
As barreiras podem ser urbanísticas (como as existentes nas vias
públicas), nas edificações (como as existentes no interior das edificações),
nos transportes (como as existentes nos ônibus e trens), ou nas comuni-
cações e informações, entendidos como qualquer entrave ou obstáculo
que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensa-
gens por meio de dispositivos, meios ou sistemas de comunicação, bem
como aqueles que dificultem ou impossibilitem o acesso à informação
(BRASIL, 2004).

!
Não podemos sequer pensar em inclusão, seja social ou educacional, sem
providenciar prontamente a remoção destas barreiras!

Os recursos da informática têm ajudado a diminuir dificuldades


de acesso à comunicação e à informação. No entanto, esta ainda é uma
realidade de poucos privilegiados, principalmente nos municípios do
interior do país.
Em casos de grande dificuldade ou impossibilidade de comunica-
ção oral, por exemplo, a implementação da Comunicação Aumentativa
e Alternativa no espaço educacional, será de grande valia para o processo
de escolarização deste aluno. A Comunicação Aumentativa e Alternativa é
composta por recursos de baixa tecnologia, como pranchas de comunicação
construídas com simbologia gráfica ou de alta tecnologia, como vocalizadores
ou softwares específicos para a comunicação (SCHIRMER; BERSCH, 2007).

Vários podem ser os sistemas alternativos para comunicação.


A criança ou jovem pode usar um tabuleiro de comunicação que
contenha símbolos gráficos como fotos, figuras, desenhos, letras,
palavras e sentenças, e construir sentenças ao apontar para fotos,
desenhos ou figuras estampadas, de modo a se fazer entender no
ambiente escolar e social. Há ainda sistemas que utilizam tecno-
logia avançada, como os sistemas computadorizados e softwares
específicos (MANZINI; DELIBERATO, 2006).

130 CEDERJ
As modalidades de tecnologia assistiva mais utilizadas para

15
favorecer a realização de tarefas acadêmicas e a adequação do espaço

AULA
escolar são:
• a comunicação aumentativa e alternativa (para atender às necessidades
dos alunos com dificuldades de fala e de escrita);
• a adequação dos materiais didático-pedagógicos às necessidades dos
educandos (com o uso de engrossadores de lápis ou quadro magnético
com letras de ímã, por exemplo);
• o desenvolvimento de projetos em parceria com profissionais de outras
áreas, como a engenharia, para promover a acessibilidade arquitetô-
nica;
• a adequação de recursos da informática (como teclado, mouse, pro-
gramas especiais, acionadores etc.);
• o uso de mobiliário adequado, conforme especificações de especialistas.
Para possibilitar a escrita de alunos que não conseguem desenhar
letras, podem ser utilizados recursos como o uso de letras emborracha-
das ou de outros materiais, para que o aluno combine sobre a mesa, ou
ainda a prancha de letras, para que aponte. Pode ser utilizada, também,
a máquina de escrever ou o computador.

Figura 15.2: Caderno de madeira. Painel con-


feccionado em madeira resistente, medindo
40cm de largura por 60cm de comprimento.
Contém canaletas que representam as linhas
do caderno. O espaço entre as canaletas pode
ser variável dependendo da necessidade de
cada aluno. O caderno é acompanhado por
um abecedário de madeira possuindo letras
maiúsculas e minúsculas.
Fonte: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/
rec_adaptados.pdf

CEDERJ 131
Psicopedagogia | Deficiência motora e acessibilidade ao currículo

O Decreto 5.296/2004 recomenda que se incentive a pesquisa na


área das ajudas técnicas. Ajudas técnicas são definidas pela lei como:

Os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adapta-


dos ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade
da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida,
favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida (BRASIL 2004).

Esta lei é uma grande conquista na luta pela sociedade inclusiva.


Além de favorecer a criação de ambientes mais acessíveis, a recomenda-
ção da inclusão de conteúdos temáticos referentes à acessibilidade nas
diretrizes curriculares da educação profissional e tecnológica e do ensino
superior dos cursos de engenharia, arquitetura e correlatos, permitirá que
a formação destes profissionais seja contemplada com um olhar para a
diversidade e, consequentemente, favorecerá a formação de profissionais
mais conscientes de seu papel na sociedade inclusiva.
Manzini e Deliberato (2006) apresentam um esquema para ilustrar
o processo de elaboração de ajudas técnicas para alunos com deficiências:

Figura 15.3: Fluxograma para o desenvolvimento de ajudas técnicas.


Fonte: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/ajudas_tec.pdf

O fluxograma demonstra que a criação de ajudas técnicas deve


começar por observar a pessoa com deficiência, identificar seus desejos
e características, para, em seguida, pesquisar soluções, recursos, mate-
riais de apoio. Deve-se, então, experimentar o uso do objeto elaborado

132 CEDERJ
como ajuda técnica, avaliar se sua utilização atendeu às necessidades da

15
pessoa a quem se destinava e fazer o acompanhamento para verificar se

AULA
é preciso realizar alguma adaptação. Nesse processo, a participação da
família é fundamental, tanto para que se conheça melhor as necessidades
do aluno quanto para, na fase de acompanhamento, avaliar a efetividade
da ajuda técnica.
A remoção das barreiras que impedem ou dificultam a apren-
dizagem dos alunos com deficiência em ambiente escolar também está
relacionada às adaptações curriculares.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais: adaptações
curriculares (BRASIL, 1998a), a acessibilidade ao currículo depende de
adaptações, que podem ser de grande ou pequeno porte. As adaptações
de grande porte referem-se a mudanças ambientais arquitetônicas, e as
de pequeno porte incluem o uso de recursos didáticos específicos, ajudas
técnicas ou tecnologias assistivas.
Este documento recomenda que, a partir da avaliação das neces-
sidades educacionais especiais dos alunos com deficiência física, sejam
utilizados recursos de acesso ao currículo, como os citados a seguir:

Sistemas aumentativos ou alternativos de comunicação adaptados


às possibilidades do aluno impedido de falar: sistemas de símbolos
(baseados em elementos representativos, em desenhos lineares,
sistemas que combinam símbolos pictográficos, ideográficos e
arbitrários, sistemas baseados na ortografia tradicional, linguagem
codificada), auxílios físicos ou técnicos (tabuleiros de comunicação
ou sinalizadores mecânicos, tecnologia microeletrônica), comuni-
cação total e outros; adaptação dos elementos materiais: edifício
escolar (rampa deslizante, elevador, banheiro, pátio de recreio,
barras de apoio, alargamento de portas etc.); mobiliário (cadeiras,
mesas e carteiras); materiais de apoio (andador, coletes, abdutor de
pernas, faixas restringidoras etc.); materiais de apoio pedagógico
(tesoura, ponteiras, computadores que funcionam por contato,
por pressão ou outros tipos de adaptação etc.); deslocamento
de alunos que usam cadeira de rodas ou outros equipamentos,
facilitado pela remoção de barreiras arquitetônicas; utilização
de pranchas ou presilhas para não deslizar o papel, suporte para
lápis, presilha de braço, cobertura de teclado etc.; – textos escritos
complementados com elementos de outras linguagens e sistemas
de comunicação (BRASIL, 1998, p. 47-48).

CEDERJ 133
Psicopedagogia | Deficiência motora e acessibilidade ao currículo

Figura 15.4: Exemplo de


adaptação de elementos
materiais: bebedouro
adaptado.
Fonte: http://www.mp.sp.
gov.br/portal/page/por-
tal/Educacao/Doutrina/
Guia%20Acessbilidade%20-
-%20PJ%20Presidente%20
Prudente.pdf

Em relação ao currículo, o projeto pedagógico da escola deve


considerar:
• uma atitude favorável para diversificar e flexibilizar o processo de
ensino-aprendizagem, de modo a atender às diferenças individuais
dos alunos;
• a adoção de currículos abertos e propostas curriculares diversificadas,
em lugar de uma concepção uniforme e homogeneizadora de currículo;
• a flexibilidade quanto à organização e ao funcionamento da escola, para
atender à demanda diversificada dos alunos; a possibilidade de incluir
professores especializados, serviços de apoio e outros, não convencio-
nais, para favorecer o processo educacional (BRASIL, 1998, p. 32).
Sintetizando, as adaptações de grande porte requerem o envolvi-
mento da instituição como um todo, e as de pequeno porte são promo-
vidas pelo professor, em sala de aula, sem a necessidade de autorização
de qualquer outra instância política, técnica ou administrativa.

134 CEDERJ
ATIVIDADE

15
AULA
Atende ao Objetivo 2

2. Leia este trecho da matéria, publicada em 26 de abril de 2001 e comen-


te o que significa acessibilidade, em um sentido amplo, na escola. Cite
exemplos.

Censo revela falta de acessibilidade na escola

Oferecer acessibilidade não é apenas construir uma rampa em frente ao


portão da escola. Incluir todos os alunos vai além disso. É providenciar
portas de sala mais largas, livros em braile, banheiros apropriados etc. O
Censo de 2010 trouxe números assustadores sobre acessibilidade nas ins-
tituições de ensino brasileiras. Apenas 18% dos prédios escolares da rede
pública têm vias de acesso e banheiros apropriados para alunos especiais.
Nas redes privadas, a realidade não é tão diferente, cerca de 32% dos esta-
belecimentos educacionais são considerados acessíveis aos alunos com
necessidades especiais.

Fonte: http://maringa.odiario.com/blogs/odiarionaescola/2011/04/26/censo-revela-
falta-de-acessibilidade-na-escola/

RESPOSTA COMENTADA
Acessibilidade, no ambiente escolar, significa remover todo e qual-
quer tipo de barreira. Na escola, podemos ter barreiras urbanísticas
(como escadas), nas edificações (como banheiros não acessíveis
a alguém que use cadeira de rodas) ou nas comunicações e infor-
mações (como oferecer lápis e canetas especiais para quem não
consegue fazer o movimento de preensão).
A acessibilidade nos transportes (como as existentes nos ônibus e
trens) também é importante para garantir que o aluno vá à escola.

CEDERJ 135
Psicopedagogia | Deficiência motora e acessibilidade ao currículo

Além disso, é preciso tornar o currículo acessível, através das adap-


tações de grande e pequeno porte.
São exemplos de adaptação de grande porte a construção de ram-
pas e bebedouros acessíveis e de adaptação de pequeno porte a
utilização de recursos de alta tecnologia (como softwares e teclados
adaptados) e de baixa tecnologia, como o uso de letras emborra-
chadas, painel de madeira para encaixar letras etc.

CONCLUSÃO

Vivemos, em nosso país, um momento onde há uma riqueza de


leis e uma profusão de discursos políticos que aparentemente vão ao
encontro dos ideais de liberdade e equidade defendidos pelos Direitos
Humanos. Esse é um resultado positivo de décadas de lutas das pessoas
com deficiência e suas famílias, mas é preciso manter um olhar crítico e
avaliar se as leis estão sendo, efetivamente, aplicadas.
Não basta, por exemplo, reformar a escola se o professor não
tem uma equipe de apoio, nem programas de formação continuada
para obter informações sobre como lidar com pessoas com deficiência
física e motora.
A inclusão educacional só será realidade quando, além de garantia
de matrícula, forem assegurados todos os recursos e estratégias a fim de
remover as barreiras que afastam os alunos com deficiência dos currícu-
los que, por sua vez, são tradicionais e apresentados por meio de aulas
expositivas, em salas de aula lotadas, onde as necessidades individuais
dificilmente podem ser percebidas.

136 CEDERJ
ATIVIDADE FINAL

15
Atende ao Objetivo 3

AULA
Veja em http://www.youtube.com/watch?v=aUAShQf3cLw a matéria sobre o
estudante Eduardo Purper, que tem paralisia cerebral e escreveu monografia
na área de jornalismo. Comente o vídeo, identificando as adaptações realizadas
pela universidade, bem como a ajuda da família, que favoreceram o sucesso do
estudante.

RESPOSTA COMENTADA
O aluno tem dificuldades motoras, além de não enxergar. Para compensar as
limitações, o aluno desenvolveu a memória auditiva, aprendendo a partir do que
ouvia na sala de aula. Seu pai também lia livros para ele, ajudando a sinalizar os
trechos mais importantes. Como adaptação curricular, a universidade permitiu que
a monografia fosse oral, não escrita.

RESUMO

A deficiência motora faz parte do quadro das deficiências físicas, que correspon-
dem a condições não sensoriais que afetam o indivíduo em termos de mobilidade,
de coordenação motora geral ou da fala, e são causadas por lesões neurológicas,
neuromusculares e ortopédicas, ou malformações congênitas ou adquiridas.
É recomendado, além de um direito conquistado, que estas crianças frequentem
as salas de aula comuns, para que possam vivenciar situações desafiadoras e
desenvolver habilidades que não desenvolveriam em um ambiente segregado.

CEDERJ 137
Psicopedagogia | Deficiência motora e acessibilidade ao currículo

Para que a escola possa oferecer efetivas condições de escolarização para estes
alunos, é preciso remover as barreiras que dificultam ou impedem este processo,
classificadas como urbanísticas, nas edificações, nos transportes, ou na comuni-
cação e informação. É necessário, também, realizar adaptações curriculares para
tornar o currículo acessível.

138 CEDERJ
Atualidades sobre altas

16
AULA
habilidades
Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz

Meta da aula
Apresentar a problemática da educação de crianças
que possuem inteligência acima da média, têm
alguma habilidade e, mesmo assim, fazem parte do
grupo de crianças que devem ser atendidas pela
educação especial.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja


capaz de:
1. reconhecer a terminologia e as características das
crianças com altas habilidades;
2. identificar como deve ser o trabalho com as
crianças com altas habilidades (AH) e reconhecer
as consequências da ausência de um trabalho
específico para elas;
3. reconhecer os diferentes programas para crianças
com altas habilidades existentes no Brasil.
Psicopedagogia | Atualidades sobre altas habilidades

INTRODUÇÃO Na aula anterior, abordamos a questão das deficiências física e motora e a


necessidade de elaboração de estratégias especiais para favorecer o processo
de aprendizagem destas crianças. Agora, conheceremos um pouco mais sobre
as altas habilidades, um tipo de necessidade educacional especial que, apesar
SALA DE
de não se tratar de uma deficiência, também costuma ser causa de proble-
RECURSOS
mas no processo de ensino-aprendizagem, caso estes alunos não recebam
É, prioritariamente,
a modalidade da atendimento educacional adequado.
educação especial
que prevê o atendi- Estimava-se que, em 1999, a população brasileira continha, aproximada-
mento individualiza-
do ou em pequenos
mente 38,75 milhões de indivíduos talentosos; 1,55 milhão de indivíduos
grupos para crianças superdotados; e 155 gênios (BRASIL, 1999). Estes dados, divulgados pelo
com necessidades
educacionais espe- Ministério da Educação (MEC) baseado em índices percentuais mundialmente
ciais que frequentam
o ensino regular. Em reconhecidos, consistem em índice que não são verificados e identificados em
alguns casos, as salas sua dimensão necessária para se reconhecerem e valorizarem tais potenciais
de recursos também
recebem crianças humanos, agentes de contribuição social (METTRAU; REIS, 2007).
muito comprome-
tidas, que não se Números muito diferentes dos descritos anteriormente são os dados oficiais
adaptam ao ensino
(MEC/2005) que demonstram que 1.928 alunos com altas habilidades esta-
regular.
vam matriculados em alguma modalidade de educação especial (S A L A DE

RECURSOS, ITINERÂNCIA ou P R O G R A M A S D E A C E L E R A Ç Ã O ). Noventa e três por

ITINERÂNCIA cento destes em escolas públicas e apenas 7% frequentavam escolas privadas.


É a modalidade da Se, em 2005, apenas cerca de dois mil desses estudantes estavam presentes
educação especial
que preconiza que nos registros do Ministério da Educação, depois do Censo Escolar 2009, esse
um profissional espe-
cializado faça visitas
número subiu para 5.186 (Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.
regulares às escolas asp?codigo=12976).
que possuam crian-
ças especiais matri- Acreditamos que esta discrepância nos números se deva ao fato de que este
culadas no ensino
regular. diagnóstico está sendo mais frequente, a partir da maior quantidade de
informação sobre esta condição veiculada na sociedade atual.

PROGRAMA DE
DEFINIÇÃO
ACELERAÇÃO

É aquele que pro- Independentemente do número exato de pessoas que apresentam


move a criança para
uma ou mais séries altas habilidades no Brasil, é necessário refletirmos sobre quem são
além daquela a que
pertence o seu grupo essas crianças e adolescentes, como podem ser identificados e quais os
de origem (por programas mais adequados para o trabalho com elas.
idade). Apresenta-
remos adiante este Para isso, é importante apresentarmos alguns tipos de inteligência
e outros programas
para crianças com ou de talentos que identificam as crianças com AH:
AH de forma mais
detida.

140 CEDERJ
a) Capacidade intelectual geral: envolve rapidez de pensamento, com-

16
preensão e memória elevadas, capacidade de pensamento abstrato,

AULA
curiosidade intelectual, poder excepcional de observação;
b) Aptidão acadêmica específica: envolve atenção, concentração, moti-
vação por disciplinas acadêmicas do seu interesse, capacidade de pro-
dução acadêmica, alta pontuação em testes acadêmicos e desempenho
excepcional na escola;
c) Pensamento criativo ou produtivo: refere-se à originalidade de pen-
samento, imaginação, capacidade de resolver problemas de forma
diferente e inovadora, capacidade de perceber um tópico de muitas
formas diferentes. Um exemplo deste tipo de mente é o professor
Stephen Hawking, catedrático em Física Teórica e Cosmologia na
Universidade de Cambridge.

Figura 16.1: O professor Stephen Hawking experienciou


a gravidade zero em 26/4/2007.
Fonte: http://www.hawking.org.uk/

d) Capacidade de liderança: refere-se à sensibilidade interpessoal, atitu-


de cooperativa, capacidade de resolver situações sociais complexas,
poder de persuasão e de influência no grupo, habilidade de desenvol-
ver uma interação produtiva com os demais. Um exemplo deste tipo
de habilidade é o Mahatma Gandhi. Ele ajudou a libertar a Índia do
governo britânico, inspirando outros povos coloniais a trabalhar pelas
suas próprias independências, para o desmantelamento do império
britânico e sua substituição pela comunidade britânica.
e) Talento especial para artes: envolve alto desempenho em artes plásticas,
musicais, dramáticas, literárias ou cênicas (por exemplo, facilidade para
expressar ideias visualmente; sensibilidade ao ritmo musical; facilidade
em usar gestos e expressão facial para comunicar sentimentos).

CEDERJ 141
Psicopedagogia | Atualidades sobre altas habilidades

O compositor Heitor Villa-Lobos é considerado “um gênio da


música”. Suas primeiras peças tiveram a influência decisiva de Stravinsky.
Apesar de suas obras terem aspectos da escrita europeia, Villa-Lobos
sempre fundia suas obras com aspectos da música realizada no Brasil,
utilizando sons da mata, de eventos indígenas, africanos, cantigas, choros,
sambas e outros gêneros muito utilizados no país.

Figura 16.2: O maestro Heitor


Villa-Lobos regendo.
Fonte: http://www.brasil.gov.br/sobre/cul-
tura/artistas-brasileiros/musica/heitor-villa-
-lobos-1887-1959/print

f) Capacidade psicomotora: refere-se ao desempenho superior em espor-


tes e atividades físicas, velocidade, agilidade de movimentos, força,
resistência, controle e coordenação motora fina e ampla.
Esta definição é vantajosa, uma vez que chama a atenção para
importantes aspectos, como:
(a) a pluralidade de áreas do conhecimento humano em que uma pessoa
possa se destacar, não se limitando à tradicional visão acadêmica da
superdotação;
(b) o entendimento de que as altas habilidades se relacionam tanto com
o desempenho demonstrado quanto com a potencialidade em vir a
demonstrar um notável desempenho;
(c) a percepção de que a superdotação se modifica no decurso do desen-
volvimento do indivíduo.

142 CEDERJ
Ressaltamos, ainda, que, para identificar os alunos com altas habilidades,

16
alguns marcadores são importantes (adaptados de RENZULLI, 1985):

AULA
– a inteligência acima da média, que permite, em uma idade precoce, levan-
tar uma hipótese sobre um fenômeno observado, testá-la e refutá-la ou
comprová-la;
– a forma como a criança se envolve com a tarefa à qual se dedica;
– a criatividade com que resolve os problemas daí advindos.

Conheça o material disponibilizado pela Seesp/MEC sobre


altas habilidades e superdotação:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/k/me004719.
pdf
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/altashab2.pdf

Vejamos agora o que significa possuir uma capacidade intelec-


tual geral acima da média. Para isso, apresentaremos, inicialmente, o
conceito de inteligência de Vygotsky. O autor afirma que inteligência é
a “capacidade de se beneficiar da instrução”, ou seja, é a capacidade de
se beneficiar do processo de mediação simbólica. Vygotsky afirma que
nós, seres humanos, aprendemos os conteúdos da nossa cultura de forma
mediada, e não de forma direta. Esta mediação pode se dar através do
outro, alguém que ensina, ou através de um produto cultural qualquer
(livros, mídia etc.). Nesse sentido, uma criança considerada com alta
habilidade seria aquela que aprende determinados conteúdos da cultura
de forma tão assistemática, fazendo uso das mediações simbólicas do
mundo de forma tão instantânea, que dá a impressão de que aprendeu
“sozinha”. Este é o caso, por exemplo, da criança que lê e escreve aos
três anos de idade, muito antes do início da aprendizagem formal ofe-
recida pela escola.
Vários autores parecem concordar que a inteligência refere-se a
um conjunto de características e comportamentos que podem e devem
ser aperfeiçoados na interação com o mundo e que se apresenta numa
variedade de combinatórias – Renzulli, Reis, Sternberg, Mettrau e outros.

CEDERJ 143
Psicopedagogia | Atualidades sobre altas habilidades

Figura 16.3: Apresentação do modelo triádico de superdotação


de Renzulli. Consiste em um triângulo equilátero que contém
as características “Envolvimento com a tarefa”, “Criatividade”
e “Capacidade acima da média” como círculos concêntricos no
contexto que apresenta a família, a escola e os companheiros.

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 1

1. Que tipos de inteligência ou talentos podem ser identificados? Escolha


um deles, defina-o e cite um exemplo.

RESPOSTA COMENTADA
Capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica específica, pensa-
mento criativo ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial
para artes, capacidade psicomotora.
A capacidade psicomotora se caracteriza pelo envolvimento da pessoa
com alguma atividade física que exige enorme esforço, concentração,
disciplina e desejo de superação. Como exemplo podemos citar o
nadador Phelps, que se tornou o maior atleta olímpico da história.
Veja a sua trajetória em http://veja.abril.com.br/cronologia/phelps/
index.html

144 CEDERJ
COMO IDENTIFICAR AS CRIANÇAS HABILIDOSAS/

16
TALENTOSAS

AULA
Já vimos que estas crianças são as que apresentam notável desem-
penho e elevada potencialidade em qualquer das seguintes áreas, isoladas
ou combinadas:
– capacidade intelectual geral;
– aptidão acadêmica específica;
– pensamento criativo ou produtivo;
– capacidade de liderança;
– talento especial para artes ou atividades físicas.

Para saber mais sobre a terminologia atribuída a estes alunos,


visite a página http://www.conexaoaluno.rj.gov.br e busque
o texto “O que é que o nerd tem”.

Veremos agora como o professor pode identificar essa criança em


meio à sua turma e também procuraremos desconstruir alguns equívocos
que comumente são veiculados sobre essas crianças. O professor pode:
• verificar a similitude com o desenvolvimento considerado típico. A
criança com altas habilidades não se parece com um “nerd”, no sentido
pejorativo do termo.
Se a criança parecer mais “estranha” do que propriamente uma
criança com comportamento típico, podemos estar diante de algum
outro quadro e não de um caso de AH.
• estar atento à forma como, às vezes, muito precocemente, essas crianças
começam a demonstrar/usar sua inteligência.
Como já foi dito anteriormente, crianças com altas habilidades podem
apresentar precocemente interesses e aprendizagens que comumente
são percebidas em crianças mais velhas. Aqui também, assim como
acontece na identificação da deficiência intelectual, há algo que se
encontra fora do padrão esperado de desenvolvimento. Para exem-
plificar vamos focar a leitura. No desenvolvimento típico, a leitura
(funcional) deve acontecer por volta dos sete anos de vida e um atraso

CEDERJ 145
Psicopedagogia | Atualidades sobre altas habilidades

importante neste processo pode significar um rebaixamento cognitivo.


Para uma criança com AH, a leitura pode acontecer aos quatro anos
de idade, ou seja, muito antes do previsto, sem que nenhum procedi-
mento formal de ensino tenha sido experimentado.
• Perceber a forma como a família e/ou profissionais acolhem essa
diferença será decisiva para o futuro dessa criança.
Há bem pouco tempo ouvimos o relato de uma professora ao afirmar
que tem um aluno de quatro anos – que a mãe acredita veementemente
apresentar AH – em sua turma de primeiro ano de escolaridade (as
crianças devem ter seis anos completos ao ingressarem nesta série). A
mãe do menino, porém, alega que os conteúdos deste ano de escola-
ridade ainda estão aquém do seu nível intelectual e reivindica que ele
seja promovido para o terceiro ano. Para não pairar aqui nenhuma
dúvida, consideramos contraindicado que uma criança tão pequena
seja promovida para um ano de escolaridade tão distante do seu grupo
de origem. É disso que tratamos ao discutir a forma como a família
acolhe esta diferença da criança com AH. Muitas vezes vemos pais e/
ou responsáveis por essas crianças que buscam, com a alta habilidade,
algum tipo de “promoção” ou “vantagem” que não é benéfica para a
criança. Esta “vantagem” pode ser, inclusive, mascarar alguma outra
diferença apresentada, como é o caso da síndrome de Asperger.
• Reconhecer a importância do diagnóstico diferencial com síndrome
de Asperger.
É muito comum que pais de crianças com síndrome de Asperger (sín-
drome do grupo de transtornos invasivos do desenvolvimento, mais
especificamente do espectro verbal do autismo, já abordada em nossa
aula sobre transtornos de aprendizagem) considerem que seus filhos
apresentam AH. O equívoco se dá por vários motivos: a criança com
síndrome de Asperger costuma apresentar uma “ilha de conhecimen-
to”, considerada pelos pais como uma alta habilidade. Normalmente
apresenta vocabulário amplo, incomum em crianças da mesma idade.
A criança apresenta traços antissociais que são vistos como intros-
pecção, característica comum em crianças muito inteligentes. Não há
atraso considerável da aprendizagem da língua e a criança apresenta
uma forma branda dos sintomas do autismo, às vezes imperceptíveis
até mesmo para profissionais da área médica, entre outros fatores.

146 CEDERJ
• Saber que a alta habilidade não é extensiva a outras áreas do

16
conhecimento.

AULA
É um engano pensar que crianças com AH são habilidosas em todos
os aspectos do desenvolvimento. Algumas vezes sequer apresentam o
mesmo rendimento em diferentes áreas do conhecimento formal, ou
seja, vão bem em algumas disciplinas, mas não em outras. Podem,
inclusive, se sair mal na escola e, ainda assim, apresentar funcionalida-
de acima do esperado para a sua idade naquilo pelo qual se interessa.
• Crianças com AH não devem ser vistas e/ou tratadas como gênio.
São crianças que têm todas as necessidades que qualquer criança
apresenta. Precisam de atenção individual e podem se sentir inseguras
diante de situações novas.
• Crença de que eles podem desenvolver sozinhos as suas habilidades.
Este talvez seja o maior dos equívocos sobre as crianças com AH, pois
elas precisam tanto de atenção e suporte quanto qualquer criança que
apresente outro tipo de diferença. O desconhecimento sobre o desen-
volvimento dessas crianças faz com que muitas pessoas questionem a
sua vinculação no grupo daqueles que fazem parte da educação especial.
• Refletir e buscar interlocutores para decidir qual deve ser o modelo
ou serviço indicado para cada criança com AH.
Deparamo-nos, algumas vezes, com a ideia de que a aceleração, ou seja,
a supressão de um ou mais anos de escolaridade, nunca é benéfica. Para
o sucesso de um programa de aceleração a uma criança é necessário que
a família, a escola e ela própria estejam envolvidas na discussão sobre o
melhor caminho a seguir. Se depois de uma detida avaliação socioafe-
tiva, verifica-se que a criança apresenta condições para ser promovida
e todos os envolvidos neste processo entenderem que a aceleração é o
melhor a fazer, esta pode ocorrer sem que traga prejuízos para a criança.
Também é importante lembrar que o(a) professor(a) deve trabalhar no
sentido de desfazer a crença (ou o estereótipo) de que a criança com
AH é sempre um menino franzino, “branquelo”, de óculos, que gosta
especialmente de ler e que tem maior predisposição em apresentar pro-
blemas emocionais que necessitem de intervenção especializada. Como
já foi dito anteriormente, crianças com AH devem parecer crianças
“normais” e podem precisar de atendimento psicológico especializado
tanto quanto qualquer pessoa que não apresenta AH. Quanto mais
inteligentes forem, mais adequadas ao seu meio elas desejarão ser.

CEDERJ 147
Psicopedagogia | Atualidades sobre altas habilidades

O que nos mostra a História?


O professor de música de Beethoven uma vez disse que, como compositor,
ele era “sem esperança”.
Isaac Newton, que desenvolveu a teoria da gravitação universal que
originou as três leis do movimento, tirava notas baixas na escola.
Albert Einstein tinha dificuldades de ler e soletrar e foi reprovado em
Matemática.
John Kennedy recebia em seus boletins constantes observações de “baixo
rendimento” e tinha dificuldades em soletrar.
Walt Disney foi despedido pelo editor de um jornal porque ele “não
tinha boas ideias e rabiscava demais”.
O Dr. Robert Jarvick foi rejeitado por 15 escolas americanas de Medicina.
Ele inventou o coração artificial.
Thomas Edison, que além da lâmpada elétrica inventou a locomotiva
elétrica, o fonógrafo (que virou o gravador), o telégrafo e o projetor
de cinema, foi um mau aluno, pouco assíduo e desinteressado. Saiu da
escola e foi alfabetizado pela mãe.
Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me004719.pdf

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 2

2. Imagine que você é professor(a) de uma turma de primeiro ano de


escolaridade e uma criança começa a apresentar sinais de altas habilida-
des. Descreva estes sinais e os procedimentos adotados para trabalhar
com esta criança.

RESPOSTA COMENTADA
Vejamos uma situação possível de acontecer.
A turma se encontra nas primeiras lições sistemáticas da alfabeti-
zação e a criança com AH já escreve textos nos quais é possível
antever o seu interesse pelos animais, em particular, e pela biologia,
em geral. Além disso, a sua linguagem verbal é rica, seu vocabulário

148 CEDERJ
16
é amplo e o interesse pelos livros e outros materiais da sala de aula

AULA
fazem com que passe parte do seu tempo livre na escola, como o
recreio ou após concluir suas atividades, lendo ou folheando enci-
clopédias ou revistas.
Para o trabalho com esta criança, uma proposta é a construção de
um livro no qual devem constar curiosidades sobre os animais. Talvez
seja necessário auxiliar a criança na configuração e na organização
do livro, uma vez que uma obra como esta possui características
(índice, paginação, referências etc.) que podem ainda ser desco-
nhecidas para uma criança tão pequena.
É provável que você tenha apresentado uma outra situação. Este é
só um dos muitos exemplos.

ESCOLARIZAÇÃO DA CRIANÇA COM AH

A seguir apresentamos alguns modelos de atendimento à criança


com altas habilidades.

Programas de enriquecimento

Os programas de enriquecimento podem ser de três tipos:


Tipo 1: Enriquecimento escolar propriamente dito. Este, por sua
vez, se divide em três subtipos:
a) Adequação curricular e metodológica a partir de algum interesse
manifestado pelo aluno.
b) Enriquecimento do espaço escolar com atividades ou experiências
incomuns no ensino regular.
c) Estimulação do interesse do aluno no ensino regular para que ele possa
participar de um programa de enriquecimento no contraturno.

Tipo 2: Enriquecimento a partir do estímulo à investigação.


Neste caso, o(a) professor(a) auxilia o aluno a buscar subsídios
para a consecução da investigação naquele campo de interesse manifes-
tado. O(a) professor(a) poderá trazer materiais (filmes, livros, periódicos,
sites) ou apresentar desafios que envolvam a temática.

CEDERJ 149
Psicopedagogia | Atualidades sobre altas habilidades

Tipo 3: Aprofundamento e ampliação dos conteúdos de interesse


do aluno a partir da aplicabilidade da habilidade manifestada para a
resolução de problemas. A partir de observações assistemáticas, acom-
panhamos o caso do aluno que vivia em uma região onde o verão era
muito intenso e, a partir do seu interesse por energia elétrica, foi capaz
de criar um equipamento que conectava um termostato a um espargidor
(instrumento que esguicha água enquanto gira). Este instrumento foi
instalado no telhado de uma casa e sempre que o termostato registrava
alta temperatura, automaticamente o espargidor era acionado. A água
lançada sobre o telhado fazia com que as telhas resfriassem e a tempe-
ratura no interior do imóvel abaixava. Esta casa ficou conhecida como
“a casa que chovia sozinha”.

Programas de aceleração

Existem dois tipos de aceleração propostos para crianças com AH:


1) A aceleração da escolaridade, propriamente dita, que consiste na
supressão de níveis de escolaridade. Neste caso, a criança é promovida
para séries seguintes e o que entra em jogo é a sua competência diante
dos conteúdos e não a idade regulamentar para cursar aquele ano de
escolaridade.
2) A compactação do currículo que consiste em fazer com que o aluno
com AH siga de forma mais rápida os conteúdos do seu ano de escolari-
dade, sem, no entanto, mudar de turma. O objetivo da compactação de
currículo é procurar eliminar da rotina escolar os exercícios “repetidos
desnecessariamente” (VIRGOLIM, 2007). Este modelo, entretanto,
traz uma questão importante: se os conteúdos são repetidos desne-
cessariamente, assim é também para os alunos que não apresentam
altas habilidades. Talvez fosse o caso de repensarmos toda a educação
e não somente aquela voltada para crianças com altas habilidades.

CONCLUSÃO

Para concluir, algumas palavras de Virgolim (2007),

Os alunos com altas habilidades necessitam de serviços educa-


cionais diferenciados que possam promover seu desenvolvimento
acadêmico, artístico, psicomotor e social, o que inclui métodos
de ensino adaptados às suas necessidades especiais. No contexto

150 CEDERJ
16
brasileiro atual, torna-se necessário que o país abra suas portas às
modernas evidências de pesquisa sobre o indivíduo portador de

AULA
altas habilidades, e que considere seu potencial como promotor
do desenvolvimento tecnológico, cultural e educacional da nossa
nação (p. 66).

Queremos registrar aqui que não se trata de discordar das palavras


de Virgolim, mas apenas apontar que os pressupostos de Piaget (1969-
1976) permanecem absolutamente atuais:

É inacreditável que (...) a pedagogia não organize experimentos


contínuos e metódicos, contentando-se apenas em resolver os
problemas por meio de opiniões, cujo “bom senso” encerra real-
mente mais afetividade do que razões efetivas.” (p. 15). Piaget
(1969/1976) continua: “Como se explica, então, que no campo
da pedagogia, onde o futuro das próximas gerações está em causa
num grau pelo menos igual ao do campo da saúde, as pesquisas
de base permaneçam tão pobres (p. 17).

Ainda lutamos, no Brasil, pela qualidade da educação básica para


os alunos que não fazem parte dos 14,5% de pessoas que possuem algum
tipo de “diferença”. Os números apresentados pelo Brasil em avaliações
oficiais (já abordados em aula anterior sobre alfabetização) nos mostram
que uma parcela muito maior de alunos fracassa nos primeiros anos do
Ensino Fundamental. O desafio que se coloca é pensar em estratégias para
o trabalho com crianças com AH em um contexto como o que temos.
Talvez esteja em evidência a necessidade de se repensar a escola
como instituição que constitui na interação com o aluno, em função de
suas necessidades educacionais, sejam elas especiais ou não.

CEDERJ 151
Psicopedagogia | Atualidades sobre altas habilidades

ATIVIDADE FINAL
Atende ao Objetivo 3

Qual você considera que seria o melhor programa de AH para uma criança que
apresenta conhecimentos avançados em Matemática e frequenta o sexto ano de
escolaridade em uma escola pública? Justifique a sua resposta.

RESPOSTA COMENTADA
Talvez fosse adequado aproveitar as habilidades desse aluno para criar uma oficina
de Matemática que pudesse atender outras crianças que apresentam dificuldades
na aprendizagem da disciplina. Esta oficina aconteceria no contraturno e caberia ao
professor auxiliar o aluno naquilo que se refere à didática do ensino da Matemática.
Esta proposta se enquadraria no programa de enriquecimento em que a ampliação
(no sentido de que não bastaria saber Matemática, seria necessário também saber
ensiná-la) e o aprofundamento estariam presentes.

RESUMO

O atendimento às pessoas com altas habilidades ainda é um tema pouco explo-


rado no Brasil.
A identificação das crianças que compõem este grupo, embora tenhamos mar-
cadores que podem ser considerados amplamente utilizados em outros países,
ainda é vista com parcimônia.
Existem, basicamente, duas formas de encaminhar pedagogicamente o trabalho
com estas crianças: os programas de aceleração (supressão de níveis de escolari-
dade ou de tarefas) e os programas de enriquecimento (manutenção da criança
no seu grupo de origem e trabalho em oficinas no contraturno).

152 CEDERJ
16
AULA
Pesquisas têm demonstrado que a utilização de recursos adequados e o planeja-
mento de atividades com mediação pedagógica adequada favorecem a aprendi-
zagem e o desenvolvimento destes alunos.

CEDERJ 153
Psicopedagogia

Referências
Aula 9

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Aliny Lamoglia Volume 2

Volume 2
Mara Monteiro da Cruz

ISBN 978-85-7648-782-1

9 788576 487821 Psicopedagogia

Psicopedagogia

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