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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD


Sociologia da Educação – Profª. Ms. Claudete Camargo Pereira Basaglia

Meu nome é Claudete Camargo Pereira Basaglia e, como pro-


fissional, componho o universo de dezenas de milhares de pro-
fessores espalhados pelo Brasil afora. Sou graduada em Ciên-
cias Sociais e pós-graduada em Educação e, há algum tempo,
tenho-me empenhado em assegurar a graduandos um sólido
domínio de conteúdos como base para a formação científica e
profissional e em despertar a consciência crítica das tarefas so-
ciopolíticas e pedagógicas do ensino.
E-mail: claudete.sociologia@gmail.com

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Claudete Camargo Pereira Basaglia

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Caderno de Referência de Conteúdo

Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2012 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

370.19 B313s

Basaglia, Claudete Camargo Pereira


Sociologia da educação / Claudete Camargo Pereira Basaglia – Batatais, SP :
Claretiano, 2013.
174 p.

ISBN: 978-85-67425-76-4

1. Introdução à Sociologia. 2. Sociologia: a educação como objeto de


estudo da Sociologia. 3. Educação e sociedade: cultura escolar. 4.
Diversidade cultural e globalização. I. Sociologia da educação.

CDD 370.19

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional


Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Cecília Beatriz Alves Teixeira
Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
Patrícia Alves Veronez Montera Eduardo de Oliveira Azevedo
Rita Cristina Bartolomeu Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Simone Rodrigues de Oliveira Luis Antônio Guimarães Toloi
Raphael Fantacini de Oliveira
Bibliotecária Tamires Botta Murakami de Souza
Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Wagner Segato dos Santos

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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 9
2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO....................................................................... 11

Unidade 1 – BREVE INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA: EVOLUÇÃO


E MÉTODO
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 33
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 33
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 34
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 36
5 ORIGEM DA SOCIOLOGIA................................................................................. 38
6 SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA: "FILHA DA REVOLUÇÃO"................................ 40
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 47
8 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 48
9 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 49
10 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 49

Unidade 2 – EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: UM PONTO DE VISTA DOS


TEÓRICOS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 51
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 51
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 52
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 53
5 EDUCAÇÃO: UM OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA................................. 55
6 TRÊS CORRENTES SOCIOLÓGICAS SIGNIFICATIVAS PARA A
COMPREENSÃO DO FENÔMENO EDUCATIVO: MARX, DURKHEIM, WEBER......58
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 73
8 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 73
9 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 77
10 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 77

Unidade 3 – MODOS DE EDUCAR SEGUNDO DESMEMBRAMENTOS DO


PENSAMENTO CLÁSSICO: SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO NO
BRASIL
1 OBJETIVO........................................................................................................... 79
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 79
3 ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE.................................................. 79
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 80
5 ALGUNS REGISTROS SOBRE A SOCIOLOGIA NO BRASIL................................ 81
6 SOCIOLOGIA BRASILEIRA COMO UMA FORMA DE PENSAR A EDUCAÇÃO........87
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 96
8 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 96
9 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 97
10 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 98

Unidade 4 – EDUCAÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E CULTURA: ASPECTOS


DIFERENTES DE UM MESMO PROCESSO SOCIAL
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 99
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 99
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 100
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 101
5 SOCIALIZAÇÃO: CONDIÇÕES E RESULTADO DA VIDA SOCIAL........................ 103
6 CULTURAS: TRANSFORMAR E SIGNIFICAR O MUNDO PARA
TRANSFORMAR E SIGNIFICAR O SER HUMANO............................................. 111
7 EDUCAÇÃO ESCOLAR, SOCIALIZAÇÃO E CULTURA......................................... 118
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 123
9 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 123
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 125
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 125

Unidade 5 – DESCOBERTA PERMANENTE: UMA POSSÍVEL INTERFACE


ENTRE A DIVERSIDADE CULTURAL E O ESPAÇO ESCOLAR
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 127
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 127
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 128
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 130
5 CULTURA, DIVERSIDADE CULTURAL E EDUCAÇÃO ESCOLAR:
UMA REFLEXÃO SOBRE A PLURALIDADE CULTURAL...................................... 133
6 ESCOLA E DIVERSIDADE CULTURAL: UM DESAFIO PARA A EDUCAÇÃO....... 140
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 148
8 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 148
9 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 150
10 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 150
Unidade 6 – EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO: ARTICULAÇÕES E
ANTAGONISMOS
1 OBJETIVO........................................................................................................... 153
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 153
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 153
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 155
5 EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO: TENTATIVAS DE INTERPRETAÇÃO................ 156
6 EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
COM RELAÇÃO AO PAPEL DE PROFESSORES E DE PROFESSORAS................ 166
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 172
8 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 172
9 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 173
10 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 173
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Introdução à Sociologia. Sociologia: a educação como objeto de estudo da Socio-
logia. Educação e sociedade: cultura escolar. Diversidade cultural e globalização.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Seja bem-vindo ao estudo de Sociologia da Educação. Neste
Caderno de Referência de Conteúdo, você encontrará o conteúdo
básico das seis unidades em que se divide este CRC.
Cremos que os conteúdos aqui apresentados são suficientes
para a sua iniciação à discussão de temas cujo conhecimento é im-
prescindível tanto à formação do educador quanto à do educando.
A primeira unidade, Breve Introdução à Sociologia: evolução
e método, apresenta uma breve introdução à Sociologia com a
proposta de constatarmos que a reflexão sobre os fenômenos so-
ciais tem uma longa tradição, muito anterior ao surgimento da So-
ciologia como ciência.
10 © Sociologia da Educação

Com a temática Educação e sociedade: um ponto de vista dos


teóricos clássicos da Sociologia, apresentada na segunda unidade,
buscamos a compreensão sobre qual foi a questão social que colo-
cou a sociedade em um plano de análise científica e como emerge
a educação nesse cenário.
Na terceira unidade, Modos de educar segundo desmembra-
mentos do pensamento clássico: Sociologia e Educação no Brasil,
tratamos das diferentes repercussões que a questão básica da So-
ciologia (o que torna possível a organização social das relações en-
tre os seres humanos?) teve no pensamento sociológico brasileiro
no campo da educação.
Para a quarta unidade, Educação, socialização e cultura: as-
pectos diferentes de um mesmo processo social, nossa tarefa é,
sobretudo, tentar reconhecer que existem diferentes processos de
socialização, educação e cultura e que cada grupo social organiza
maneiras diferentes de ser, segundo sua história.
Descoberta permanente: uma possível interface entre a di-
versidade cultural e o espaço escolar refere-se à quinta unidade,
diante da qual se propõe constituir conhecimentos sobre o tema
da diversidade cultural com base nos Parâmetros Curriculares Na-
cionais, como elemento de reflexão na formação de professores e
de professoras.
Finalmente, na sexta unidade, Educação e globalização: ar-
ticulações e antagonismos, procuramos organizar uma perspectiva
de como se reflete na educação a necessidade de atender às mu-
danças sociais e às permanências sociais resultantes da dinâmica
da globalização.
Após esta introdução à temática principal de Sociologia da
Educação, apresentamos, a seguir, no tópico Orientações para o
estudo, algumas orientações de caráter motivacional, dicas e es-
tratégias de aprendizagem que poderão facilitar o seu estudo.
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

2. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO

Abordagem Geral
Responder que sentido faz para nós e, em especial, para a
nossa educação o que os pensadores da Sociologia escreveram e
escrevem em um momento no qual a nossa sociedade se debate
intensamente entre a tradição e a inovação está entre as preocu-
pações presentes nesta Abordagem Geral, na qual fazemos uma
introdução necessária ao estudo do CRC Sociologia da Educação.
Como é característica dos textos introdutórios, apresentamos este
conteúdo de forma sintética e, ao mesmo tempo, geral e simples,
evitando, assim, superficialidades.
Para isso, é preciso mostrar que a Sociologia da Educação não
apenas estuda a escola, como também está atenta à emergência e
ao desenvolvimento de outros contextos e processos de educação e
de aprendizagem, os quais ganham crescente importância e visibi-
lidade no mundo contemporâneo. Buscamos compreender, assim,
como se estruturam as nossas condutas no complexo contexto so-
cial para que você possa desenvolver uma postura que se traduza
em ações autônomas na vida social e no campo da educação.
Apresentar um texto de Sociologia da Educação a você sig-
nifica convidá-lo para refletir sobre um campo que tem muito a
contribuir para a compreensão do ser humano contemporâneo.
Isso porque, indiscutivelmente, a Educação pode ser um meio pri-
vilegiado de emancipação e um instrumento que possibilita ao ser
humano determinar o seu presente e preparar o seu futuro, o que
indica a sua importância no processo de transformação da socie-
dade e dos indivíduos.
A partir dessas possibilidades, mediante as perspectivas cria-
das pelas aproximações entre Sociologia e Educação, organizamos,
para este CRC, um conteúdo fundamentado em seis unidades:

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12 © Sociologia da Educação

1) Breve introdução à Sociologia: evolução e método.


2) Educação e sociedade: um ponto de vista dos teóricos
clássicos da Sociologia.
3) Modos de educar segundo desmembramentos do pen-
samento clássico: Sociologia e educação no Brasil.
4) Educação, socialização e cultura: aspectos diferentes de
um mesmo processo social.
5) Descoberta permanente: uma possível interface entre a
diversidade cultural e o espaço escolar.
6) Educação e globalização: articulações e antagonismos.
A presença da Sociologia e, neste caso, da Sociologia da Edu-
cação no currículo vai muito além da função de formar o "cidadão
crítico". Ela está fundamentada na perspectiva de que, para a So-
ciologia, não há nada que seja natural na "sociedade dos indiví-
duos", nada há que não seja uma construção coletiva, nenhuma
ideia se sustenta solta no ar sem que se possa associá-la ao nosso
tempo ou ao modo como construímos nosso destino.
Assim considerando, entendemos que a educação pode e
deve ser um tema da Sociologia. Primeiro porque educar é um ins-
trumento de conservação e de mudança da sociedade, ou seja, o
ato de educar está ligado à natureza maleável e móvel dos seres
humanos na composição da continuidade histórica. Depois, por-
que, mesmo não estando as preocupações de pensadores como
Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl Marx, Max Weber e Norbert
Elias voltadas exclusivamente para a educação, elas permitem re-
leituras das quais podem surgir novas perspectivas para a prática
pedagógica, como poderemos observar no contexto de nossas re-
flexões.
Concordamos com a ideia de que os diferentes autores que
estão referenciados podem contribuir para a compreensão dos
modos de educar, assim como para a compreensão da importância
da Sociologia da Educação na formação do educador, dos enfoques
teóricos em Sociologia da Educação, das concepções da educação
escolar e da transformação social, da função social da escola e do
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

papel do professor, da educação como cultura, das relações entre


a educação e as camadas sociais, bem como dos vínculos da edu-
cação com o processo mais amplo da globalização, uma vez que
entendemos que a educação está além dos muros da escola.
Os temas apresentados neste CRC procuram oferecer uma
margem de interpretações que se aproximem do cenário atu-
al da educação, não com a prerrogativa de responder a todas as
questões, e, sim, de caracterizar uma introdução revestida de co-
notação didática para possibilitar o ir e vir entre o conceitual e o
cotidiano, entre a teoria e os exemplos, entre a contestação e a
concordância.
Tentar nomear contribuições da Sociologia da Educação para
a formação pessoal e profissional do professor e da professora sig-
nifica uma oportunidade ímpar para se aproximar da Sociologia
como campo de saber e compreender algo a respeito de suas pre-
ocupações. Nesse sentido, vale a pena inserir o papel mais fun-
damental que o pensamento sociológico pode realizar tanto na
formação pessoal quanto na profissional: a desnaturalização das
concepções ou explicações dos fenômenos sociais.
Desnaturalizar os fenômenos sociais significa não perder de
vista a sua historicidade. Significa considerar que eles nem sempre
foram assim. Significa, também, perceber que certas mudanças
ou descontinuidades históricas são fruto de decisões, de razões
objetivas e humanas, de determinados interesses. Desnaturalizar
os fenômenos sociais significa considerar que eles não são imedia-
tamente conhecidos e que seu reconhecimento depende de nos
distanciarmos daquilo de que participamos e do que nos rodeia.
Para explicar um fenômeno social, é preciso reconhecer as
suas causas. Para isso, temos de procurar as causas que estão além
do sujeito, isto é, buscar as causas externas a ele, mas que têm im-
plicações decisivas sobre ele. Essas causas devem apresentar certa
regularidade, uma periodicidade e um papel específico em relação
ao todo social.

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14 © Sociologia da Educação

Para explicar um fenômeno social, é preciso, ainda, aprender


a observar. Uma aproximação com a Sociologia, mesmo que seja
no Ensino Médio, exige que o aluno aprenda procedimentos mais
rigorosos de observação das relações sociais. Exige que ele saiba,
pelo menos em alguma medida, como o conhecimento é elabora-
do nas ciências sociais. Para compreender e formular explicações
para os fenômenos sociais, é fundamental reconhecer a linguagem
por meio da qual esse conhecimento é criado e comunicado.
Trabalhar um tema (como socialização, cultura, diversidade
cultural, globalização) apenas é possível por meio de conceitos e
teorias. É importante, também, conhecer a articulação entre os
conceitos e as teorias e saber observar sua relevância para com-
preender ou explicar casos concretos (temas). Assim, os fenôme-
nos sociais podem ser conhecidos mediante a contextualização
de modelos compreensivos ou explicativos, com destaque para a
época em que eles foram elaborados e para os autores com os
quais um determinado autor dialoga.
É importante registrar que os conceitos têm uma história.
Eles não são palavras mágicas que explicam tudo; são elementos
que compõem o discurso científico e que sintetizam as ações so-
ciais para tentar explicá-las. Um conceito admite vários sentidos,
dependendo do autor e da época em que ele é elaborado.
Da mesma forma, é preciso compreender que teorizar é re-
fletir e que as teorias servem de base no contexto de seu apare-
cimento e posterior desenvolvimento. Isso é necessário tanto do
ponto de vista de como essas teorias foram sendo assimiladas e
desenvolvidas por outros autores, como em relação ao caráter das
críticas feitas a elas. Conhecer conceitos e teorias com o rigor é
necessário tanto a um aluno do Ensino Médio quanto a um aluno
do Ensino Superior e consiste na única maneira possível de se dis-
tanciar e se aproximar dos fenômenos sociais e, assim, construir os
fundamentos para uma formação com compromisso social, esteja
ela considerada tanto na sua dimensão pessoal quanto profissio-
nal.
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

Além do que foi exposto, o que mais temos para justificar é:


em que medida a Sociologia da Educação pode colaborar na for-
mação pessoal e profissional de uma professora e de um professor
do Ensino Fundamental?
Para nos distanciarmos da ideia de que a Sociologia parece
ser uma disciplina que existe apenas para aqueles que vivem só
para estudar ou coisa de intelectual que vive fora do mundo, recor-
remos aos argumentos de Norbert Elias.
O que a Sociologia se propõe, segundo Elias (1998, p. 16),
é verificar "como naquele quebra-cabeças cujas peças não com-
põem uma imagem íntegra, há lacunas e falhas em constante for-
mação em nosso fluxo de pensamento". Para isso, são necessários
modelos conceituais e uma visão global mediante os quais torne-
mos compreensível, no pensamento, aquilo que vivenciamos co-
tidianamente na realidade, por intermédio dos quais poderemos
compreender de que modo um grande número de indivíduos com-
põe entre si algo maior e diferente de um conjunto de indivíduos
isolados. Ou seja: como os indivíduos formam uma "sociedade"?
Como sucede a essa sociedade poder modificar-se de modos es-
pecíficos? Como é possível a essa sociedade ter uma história que
segue um curso não pretendido ou planejado por qualquer dos
indivíduos que a compõem?
Entendendo que toda sociedade possui seus mecanismos
próprios, ou seja, possui um sistema familiar, um sistema cultural
com suas normas, hábitos, costumes, leis que devem ser obede-
cidas, que devem ser respeitadas, encontramos diversificadas res-
postas para compreendê-la. As considerações de Auguste Comte,
o primeiro a designar a Sociologia como ciência da sociedade, por
exemplo, foram diferentes daquelas apresentadas por Norbert
Elias e, também, foram diferentes das respostas formuladas por
Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber, a tríade que passou a ser
aceita como clássica da Sociologia e que se seguiu a Comte. Assim
como é diferente das proposições do sociólogo brasileiro Florestan
Fernandes (1980).

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16 © Sociologia da Educação

Para ele, o pensamento sociológico não visa apenas "co-


nhecer a sociedade", mas vai além, à medida que se associa ao
enfrentamento das forças sociais que manipulam a "crise do ca-
pitalismo" para detê-la ou transformá-la. Para Durkheim, o con-
ceito de Sociologia foi designado como a ciência das instituições,
da sua gênese e do seu funcionamento, ou seja, toda crença, todo
comportamento instituído pela coletividade. Weber, por sua vez,
conceituou a Sociologia como uma ciência que se propõe compre-
ender por interpretação a atividade social e, com isso, explicar seu
desenvolvimento e seus efeitos.
Assim, a Sociologia pôde ser entendida como uma ciência que
vai além do estudo dos fenômenos sociais, no sentido de que pro-
cura entender os processos e estruturas que contribuem para o fun-
cionamento ou não dos sistemas sociais. A Sociologia é um tipo de
interpretação e de conhecimento daquilo que se relaciona com os
seres humanos, um método de investigação que busca identificar,
descrever, interpretar, relacionar e explicar o processo social.
Compondo a Sociologia, estão a área conhecida como ge-
ral e as áreas que voltam seus olhares para campos específicos,
tais como: Sociologia do Conhecimento, Sociologia da Educação,
Sociologia das Organizações, Sociologia da Religião, Sociologia Ur-
bana, Sociologia Rural, Sociologia da Alimentação, Sociologia da
Saúde, Sociologia da Administração, Sociologia Jurídica e Sociolo-
gia da Infância.
Podemos afirmar, então, que a Sociologia da Educação volta
seu olhar para a escola? Isso seria pouco já que ninguém escapa
da educação ou das educações, pois, seja em casa, na rua, na Igre-
ja ou na Escola, de um modo ou de outro, todos nós envolvemos
pedaços da vida com elas, seja para aprender, para ensinar, para
"aprender-e-ensinar", para saber, para fazer, para ser ou para con-
viver – como afirma Carlos Rodrigues Brandão (1993).
Dada a complexidade das organizações sociais contemporâ-
neas, a Sociologia da Educação deve dar relevância à estrutura da
escola em sua amplitude, que compreende duas dimensões:
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

• Uma organização administrativa igual para todas as esco-


las de determinado tipo (ordenação racional, deliberada
pelo Poder Público, no caso brasileiro).
• Outra que compreende todas as relações que derivam de
sua existência enquanto grupo social e que torna uma es-
cola diferente da outra (escapa das relações oficialmente
previstas, pois nasce da própria dinâmica do grupo social
escolar. Nessa dimensão, tem sentido estudar cultura, di-
versidade cultural e globalização).
O professor que limitar sua visão ao ângulo administrativo
da escola terá uma visão limitada, que não exprime a realidade
da escola no que ela traduz como resultado da integração entre
as pessoas e que nem sempre se exprime pelas normas previstas.
Para ilustrar situações extremas relacionadas a essa questão, tive-
mos no decorrer do ano de 2010 inúmeros registros da imprensa
escrita, radiofônica e televisiva que culminaram com o caso emble-
mático de um menino de nove anos que foi morto em outubro de
2010 depois de ser baleado dentro de uma sala de aula do Colégio
Adventista em Embu das Artes-SP. A suposição é de que um colega
da mesma idade teria levado uma arma na mochila.
Trata-se de um acontecimento que indica um desconhe-
cimento da realidade total da escola no que ela tem de vivo, de
próprio, de único e de autônomo. Para afirmar que a análise socio-
lógica da escola pode favorecer o conhecimento adequado dessa
realidade, recorremos ao professor Antonio Candido (1983), lem-
brando que a análise sociológica nessas circunstâncias implica,
necessariamente, a triangulação escola – comunidade/famílias –
professores.
A escola, quando concebida como unidade sociológica, tem
a educação como um processo social global que ocorre em toda a
sociedade, porque viver sem se relacionar é impossível. O conjun-
to de uma rede de escolas e sua estrutura de sustentação, ou seja,
os sistemas escolares, devem ser compreendidos como parte do
sistema social mais global.

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18 © Sociologia da Educação

Nelson Piletti (1998) complementa essa ideia ao afirmar que


a Sociologia da Educação abrange o estudo dos processos e das
influências sociais envolvidas na atividade educativa, em especial
na escola. Incluem-se aí os processos de interação social dos indi-
víduos, de organização social e as influências exercidas pela socie-
dade na educação nas suas dimensões informal e não formal.
Cabe lembrar que, compondo a ordenação racional,
deliberada pelo Poder Público, temos os Parâmetros Curricula-
res Nacionais – PCNs, um dos documentos que regem a educação
escolar brasileira e que estabelecem que os conhecimentos soci-
ológicos permitem uma discussão acurada de como as diferenças
étnicas, culturais e regionais não podem ser reduzidas à dimensão
socioeconômica de classes sociais, assim como das formas como
ambas se retroalimentam.
Portanto, a Sociologia da Educação permite ao aluno uma
visão mais aprofundada sobre os processos sociais, sobre a escola
como um grupo socialmente estruturado, explica a influência da
escola no comportamento e na personalidade dos alunos, além de
estudar os padrões de interação entre a escola e os demais grupos
sociais (COSTA, 2005).
Sendo assim, podemos afirmar que a Sociologia da Educa-
ção é necessária como disciplina para a formação de professores
e professoras porque contribui para compreendermos a dinâmica
do processo educacional. A discussão sociológica colabora para a
escola e para o professor compreenderem os desafios que estão
postos a partir da sua realidade social. Dessa forma, ela garante ao
aluno a possibilidade de ter consciência das circunstâncias que o
envolvem e oferece possibilidades para lhe garantir conhecimen-
tos que permitirão uma busca de caminhos para transformações
sociais.
Ao finalizar esta Abordagem Geral e ainda mantendo o
princípio das possíveis contribuições da Sociologia da Educação para
a formação pessoal e profissional acadêmica, vamos registrar algu-
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

mas considerações que se referem ao Mapa Conceitual, que, com a


finalidade de contribuir para que a aprendizagem seja significativa,
compõe o conteúdo que será objeto de estudo.
Mapas Conceituais, na definição de Dutra, Fagundes e Ca-
ñas (2011), são representações gráficas semelhantes a diagramas,
que indicam relações entre conceitos ligados por palavras. Repre-
sentam uma estrutura que vai dos conceitos mais até os menos
abrangentes.
O princípio dos Mapas Conceituais baseia-se na teoria con-
strutivista, segundo a qual o sujeito constrói seu conhecimento e
significados a partir da sua predisposição para realizar essa con-
strução. São instrumentos concebidos para facilitar o aprendizado,
transformando o conteúdo sistematizado em conteúdo significa-
tivo. Na concepção aqui adotada, são utilizados para auxiliar a or-
denação e a sequência hierarquizada dos conteúdos de ensino, de
forma a oferecer estímulos adequados ao aprendizado.
É de Moreira (1997) a explicação de que os Mapas Con-
ceituais foram desenvolvidos por Joseph Novak e sua equipe em
1972, durante um trabalho de pesquisa realizado em Ithaca, EUA.
Iniciada em 1971, a pesquisa transcorreu ao longo de 12
anos, acompanhando o desenvolvimento cognitivo de crianças
entre 6 e 8 anos de idade que estavam no início do Ensino Fun-
damental até o seu último ano na escola, antes de entrarem na
Universidade.
Uma pesquisa tão longa criava um problema para o registro
das informações coletadas. Daí decorreu a necessidade de Joseph
Novak e sua equipe desenvolverem um instrumento para registrar
o conteúdo das entrevistas. Recorreu-se, então, aos princípios de
aprendizagem significativa e sociointeracionistas de dois teóricos
da Psicologia da Educação: o russo Lev Semenovitch Vygotsky e o
estadunidense David Paul Ausubel.

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20 © Sociologia da Educação

A técnica desenvolvida por Novak consistiu em selecionar os


conceitos-chave das entrevistas e transcrevê-los numa estrutura
hierárquica. Surgia, a partir daí, o recurso conhecido como Mapa
Conceitual. Por meio dele, o conteúdo de entrevistas de 20 páginas
pôde ser representado visualmente e expresso em apenas uma.
Tornou-se, também, um recurso de avaliação, uma vez que
possibilita verificar quando conceitos estão sendo aprendidos de
forma significativa pelos alunos, já que os mapas refletem um
maior número de relações cruzadas e criativas com conceitos já
existentes.
Para Novak (apud MOREIRA, 1997), um Mapa Conceitual é
uma:
representação de conceitos e suas ligações hierárquicas descritas
por palavras que determinam sentenças ou proposições válidas
estabelecendo assim um significado dentro de certo domínio de
conhecimento.

Os elementos essenciais de um mapa conceitual são: a pre-


sença imprescindível de conceitos e as suas respectivas ligações
compondo um sentido ou significado.
Como o Mapa Conceitual é consequência do domínio do
conteúdo, é impossível elaborar-se um mapa se não há um conhe-
cimento prévio que possibilite, além dos conceitos e conexões pró-
prios do texto, novas conexões e novos conceitos.
Quando um aprendiz utiliza o mapa durante o seu processo
de aprendizagem de determinado tema, vai ficando claro para si as
suas dificuldades de entendimento desse tema.
Quando iniciamos o exercício de elaboração de mapas con-
ceituais, não temos muita clareza sobre quais são os conceitos re-
levantes de determinado tema, e, ainda mais, quais as relações
sobre esses conceitos. Ao insistirmos no exigente exercício, vamos
adquirindo a capacidade de perceber cada vez com mais clareza
e especificidade as lacunas. Para procurar subsídios sobre as dú-
vidas, é hora de voltar ao texto estudado ou de recorrer a outros
© Caderno de Referência de Conteúdo 21

livros, a outras fontes de consulta. Depois, então, retornar para a


construção de seu mapa. Esse ir e vir entre a construção do mapa
e a procura de respostas para suas dúvidas garantirá que a apren-
dizagem seja significativa.
A proposta é que você, na condição de aprendiz, se aven-
ture em desenvolver a habilidade de construir seu próprio Mapa
Conceitual ao encerrar cada etapa de estudo e torne-se capaz de
encontrar, com autonomia intelectual, o seu caminho no processo
de aprendizagem. Caso não consiga construí-lo, deverá procurar as
respostas fazendo consultas ao conteúdo estudado e, se ainda as-
sim não conseguir, não deve desanimar porque deverá ter acumu-
ladas dúvidas específicas e perguntas que precisam de respostas.
Ter perguntas definidas ou dúvidas específicas é um ótimo sinal
porque facilita a procura de ajuda.
Existem aplicativos disponíveis que facilitam a construção de
Mapas Conceituais. Como referências para o momento, apresen-
tamos três espaços virtuais com licença para uso livre:
• CmapTools 5.04 – disponível em: <http://cmaptools.
softonic.com.br/>. Acesso em: 24 jan. 2010.
• XMind Portable 3.1.1 – disponível em: <http://xmind-
portable.softonic.com.br/>. Acesso em: 24 jan. 2010.
• XMind 3.1.1 – disponível em: <http://xmind.softonic.
com.br/>. Acesso em: 24 jan. 2010.

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rápi-
da e precisa de definições conceituais, possibilitando-lhe um bom
domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhe-
cimento dos temas tratados no CRC Sociologia da Educação. Veja, a
seguir, a definição de alguns conceitos:
1) Ciência: na ciência social moderna, o termo "ciência" sig-
nifica o estudo objetivo e sistemático de fenômenos em-
píricos e o corpo de conhecimento resultante desses es-

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22 © Sociologia da Educação

tudos. Os cientistas sociais acreditam que suas disciplinas


são ciências no sentido de que a atividade humana é, em
si, um objeto de investigação da ciência social. Apesar de
a maioria dos cientistas sociais concordarem com essa de-
finição, muitos deles discordam dos seguintes adjetivos:
sistemático, objetivo e empírico (COSTA, 2000).
2) Conceito: "representação dum objeto pelo pensamen-
to, por meio de suas características gerais. 2. Ação de
formular uma idéia por meio de palavras; definição, ca-
racterização. 3. Pensamento, idéia, opinião. 4. Noção,
idéia, concepção. Um conceito é uma abstração a partir
de conhecimentos percebidos, ou uma representação
resumida de uma diversidade de fatos. Seu objetivo é
simplificar o pensamento, ao colocar alguns aconteci-
mentos sob um mesmo título geral. (Os conceitos) de-
vem ser definidos em termos abstratos, dando o sentido
geral que se quer transmitir, para que se possa ligar o
estudo ao conjunto de conhecimentos que empregam
conceitos semelhantes, bem como em termos das ope-
rações através das quais serão representados no estudo
específico" (MARTINS, 2010).
3) Conhecimento: "função da vida psíquica manifestada
por fenômenos de caráter representativo e objetivo. O
conhecimento propriamente dito supõe a distinção en-
tre o sujeito e o objeto" (MARTINS, 2010).
4) Conhecimento científico: "O que distingue a atitude
científica da atitude costumeira ou do senso comum?
Antes de mais nada, a ciência desconfia da veracidade
de nossas certezas, de nossa adesão imediata às coisas,
da ausência de crítica e da falta de curiosidade. Por isso,
ali onde vemos coisas, fatos e acontecimentos, a atitu-
de científica vê problemas e obstáculos, aparências que
precisam ser explicadas e, em certos casos, afastadas.
Sob quase todos os aspectos, podemos dizer que o co-
nhecimento científico opõe-se ponto por ponto às ca-
racterísticas do senso comum: é objetivo, isto é, procura
as estruturas universais e necessárias das coisas inves-
tigadas; e quantitativo, isto é, busca medidas, padrões
critérios de comparação e de avaliação para coisas que
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

parecem ser diferentes, e homogêneo, isto é, busca as


leis gerais de funcionamento para fatos que nos pare-
cem diferentes; é generalizador, pois reúne individuali-
dades, percebidas como diferentes, sob as mesmas leis,
os mesmos padrões ou critérios de medida, mostrando
que possuem a mesma estrutura; é diferenciador, pois
não reúne nem generaliza por semelhanças aparentes,
mas distingue os que parecem iguais, desde que obe-
deçam a estruturas diferentes; só estabelece relações
causais depois de investigar a natureza ou estrutura do
fato estudado e suas relações com outros semelhan-
tes ou diferentes; surpreende-se com a regularidade, a
constância, a freqüência, a repetição e a diferença das
coisas e procura mostrar que o maravilhoso, o extraor-
dinário ou o 'milagroso’ é um caso particular do que é
regular, normal, freqüente; distingue-se da magia. A ma-
gia admite uma participação ou simpatia secreta entre
coisas diferentes, que agem umas sobre outras por meio
de qualidades ocultas e considera o psiquismo humano
uma força capaz de ligar-se a psiquismos superiores para
provocar efeitos inesperados nas coisas e nas pessoas.
A atitude científica, ao contrário, opera um desencanta-
mento, o desenfeitiçamento do mundo, mostrando que
nele não agem forças secretas, mas causas e relações
racionais que podem ser conhecidas e que tais conhe-
cimentos podem ser transmitidos a todos; afirma que,
pelo conhecimento, o homem pode libertar-se do medo
e das superstições, deixando de projetá-las no mundo e
nos outros; procura renovar-se e modificar-se continua-
mente, evitando a transformação das teorias em doutri-
nas e destas em preceitos sociais. O fato científico resul-
ta de um trabalho paciente e lento de investigação e de
pesquisa racional, aberto a mudanças, não sendo nem
um mistério incompreensível nem uma doutrina geral
sobre o mundo" (MARTINS, 2010).
5) Cultura: pode ser definida como um conjunto de signifi-
cados partilhados por um grupo (COSTA, 2000).
6) Desigualdade: no contexto da Sociologia crítica da edu-
cação, desigualdade refere-se à condição na qual os di-

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24 © Sociologia da Educação

ferentes grupos sociais – definidos principalmente em


termos de classes sociais – se apropriam de forma des-
proporcional dos recursos materiais e simbólicos da so-
ciedade. Uma das tarefas centrais da Sociologia crítica
da educação tem sido descrever e explicar as situações
de desigualdade na educação, relacionando-as às desi-
gualdades sociais mais amplas (SILVA, 2011).
7) Diversidade: considera-se que a sociedade contempo-
rânea é caracterizada por sua diversidade cultural, isto
é, pela coexistência de diferentes e variadas formas (ét-
nicas, raciais, de gênero, sexuais) de manifestações da
existência humana, as quais não podem ser hierarquiza-
das por nenhum critério absoluto ou essencial. Em geral,
utiliza-se o termo para advogar uma política de tolerân-
cia e respeito às diferentes culturas (SILVA, 2011).
8) Estereótipos: opinião extremamente simplificada, fixa e
enviesada sobre as atitudes, comportamentos e carac-
terísticas de um grupo cultural ou social que não aquele
ao qual se pertence. O etnocentrismo, o racismo, o se-
xismo, a homofobia, baseiam-se, todos, em grande par-
te, na produção e reprodução de estereótipos sobre os
respectivos grupos sociais atingidos por essas atitudes
tendenciosas. São construções mentais falsas, imagens
e ideias de conteúdo alógico, que estabelecem critérios
socialmente falsificados. Os critérios baseiam-se em ca-
racterísticas não comprovadas e não demonstradas, atri-
buídas a pessoas, a coisas e a situações sociais, mas que,
na realidade, não existem (SILVA, 2011).
9) Etnia: é o termo utilizado para referir-se às característi-
cas culturais – língua, religião, costume, tradições, sen-
timento de "lugar" – que são partilhadas por um povo.
Não há qualquer nação moderna que seja composta de
apenas um único povo, uma única cultura ou etnia. As
nações modernas são híbridos culturais (adaptado de
HALL, 2006).
10) Multiculturalismo: "Movimento que, fundamentalmen-
te, argumenta em favor de um currículo que seja cultu-
ralmente inclusivo, incorporando as tradições culturais
dos diferentes grupos culturais e sociais. Pode ser visto
como os resultados de uma reivindicação de grupo a su-
© Caderno de Referência de Conteúdo 25

bordinados – como as mulheres, as pessoas negras e as


homossexuais, por exemplo – para que os conhecimen-
tos integrantes de suas tradições culturais sejam incluí-
dos nos currículos escolares e universitários. Mais criti-
camente, entretanto, também pode ser visto como uma
estratégia dos grupos dominantes, em países metropo-
litanos da antiga ordem colonial, para conter e controlar
as demandas dos grupos de imigrantes das antigas colô-
nias" (PRIORE, 2011).
11) Interação: é a ação social mutuamente orientada por
dois ou mais indivíduos em contacto. Distingue-se da
mera interestimulação porque envolve significados e
expectativas em relação às ações de outras pessoas. Po-
demos dizer que a interação é a reciprocidade de ações
sociais (OSBORNE, 2011).
12) Instituições Sociais: são formas de organizações que
congregam a padronização, a formação de usos e cos-
tumes ou a cristalização das normas de comportamento
estabelecidas, organizando-as de forma recíproca, hie-
rárquica e com um objetivo comum. Têm uma estrutura
relativamente permanente de padrões, papéis e relações
que os indivíduos realizam segundo o objetivo comum.
As características das instituições são: têm finalidade e
conteúdo relativamente permanentes, são estrutura-
das, possuem estrutura unificada e valores. Além disso,
devem ter função (a meta ou o propósito do grupo) e
estrutura composta de pessoal (elementos humanos),
equipamentos (meios materiais ou imateriais), organi-
zação (disposição de pessoal e do equipamento, obser-
vando-se uma hierarquia – autoridade e subordinação),
comportamento (normas que regulam a conduta e as
atitudes dos indivíduos). A família, a Igreja, o exército e
o Estado são as instituições mais antigas de que se tem
conhecimento (OSBORNE, 2011).
13) Etnocentrismo: refere-se à atitude emocional que sus-
tenta o grupo, a raça ou a sociedade que se julga su-
perior a outras entidades raciais, sociais ou culturais. A
essa atitude encontra-se associado o desprezo pelo es-
trangeiro ou pelo forasteiro e seus costumes (OSBORNE,
2011).

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26 © Sociologia da Educação

14) Estratificação social: os sociólogos recorrem à estratifi-


cação (divisão) social para descrever as desigualdades
que existem entre indivíduos e grupos nas sociedades
humanas. A estratificação pode referir-se tanto à rique-
za e à propriedade quanto ao gênero, à idade, à filiação
religiosa ou à patente militar. Considerando-se que os
indivíduos ou os grupos gozam de um acesso desigual às
recompensas, de acordo com a sua posição no esquema
de estratificação, a forma mais simples de definir a estra-
tificação seria vê-la como um sistema de desigualdades
estruturadas entre diferentes agrupamentos de pessoas
(OSBORNE, 2011).
15) Raça: contrariamente à crença generalizada, raça não é
uma categoria biológica ou genética que tenha qualquer
validade científica. Está comprovado cientificamente
que a diferença genética – refúgio das ideologias racis-
tas – não pode ser usada para distinguir um povo do ou-
tro. Raça é uma categoria discursiva e não uma categoria
biológica. Isto é, ela é a categoria organizadora daque-
las formas de falar, daqueles sistemas de representação
e práticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto
frouxo, frequentemente pouco específico de diferenças
em termos de características físicas e corporais etc. –
como marcas simbólicas, a fim de diferenciar socialmen-
te um grupo do outro. A diferença racial pode ser usa-
da para enaltecer um grupo, caso do nazismo diante da
busca da raça pura (os arianos), ou para denegri-lo, caso
das justificativas para a escravidão dos negros (adaptado
de HALL, 2006).

Mapa Conceitual Hierarquizado


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais
importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um
Mapa Conceitual Hierarquizado do CRC. O mais aconselhável é que
você mesmo faça o seu mapa. Esse exercício é uma forma de você
construir o seu conhecimento, ressignificando as informações a
partir de suas próprias percepções.
© Caderno de Referência de Conteúdo 27

É importante ressaltar que o propósito desse Mapa Conceitu-


al Hierarquizado é representar, de maneira gráfica, as relações entre
os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais com-
plexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na or-
denação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se
que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esquemas
e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimento
de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos
significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preciso,
sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é
você o principal agente da construção do próprio conhecimento,
por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações inter-
nas e externas, o Mapa Conceitual Hierarquizado tem por objetivo
tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu con-
hecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabel-
ecendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer
com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adap-
tado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/
mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11
mar. 2010).

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28 © Sociologia da Educação

Figura 1 Mapa Conceitual Hierarquizado do Caderno de Referência de Conteúdo Sociologia


da Educação.
© Caderno de Referência de Conteúdo 29

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem
ser de múltipla escolha ou abertas com respostas objetivas ou dis-
sertativas. Vale ressaltar que se entendem as respostas objetivas
como as que se referem aos conteúdos matemáticos ou àqueles
que exigem uma resposta determinada, inalterada.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-las com o estudo de Sociologia da Educação pode ser
uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante
a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado, você es-
tará se preparando para a avaliação final, que será dissertativa.
Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus
conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática
profissional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-
to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões
autoavaliativas (as de múltipla escolha e as abertas objetivas).

As questões dissertativas obtêm por resposta uma interpretação


pessoal sobre o tema tratado. Por isso, não há nada relacionado a
elas no item Gabarito. Você pode comentar suas respostas com o
seu tutor ou com seus colegas de turma.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no

Claretiano - Centro Universitário


30 © Sociologia da Educação

texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-


teúdos do CRC, pois relacionar aquilo que está no campo visual
com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo deste CRC convida você a olhar, de forma mais apu-
rada, a Educação como processo de emancipação do ser humano.
É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas
e científicas que estão presentes no material didático, bem como
partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao compartilhar
com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se descobrir
algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a notar o que
não havia sido percebido antes. Observar é, portanto, uma capaci-
dade que nos impele à maturidade.
Você, como aluno dos cursos de Graduação na modalidade
EaD e futuro profissional da educação, necessita de uma forma-
ção conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com
a ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da
interação com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o
seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em seu
caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas poderão
ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produções
científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta
a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
© Caderno de Referência de Conteúdo 31

Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na


modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
este CRC, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para
ajudá-lo.

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Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
EAD
Breve Introdução
à Sociologia:
Evolução
e Método 1
1. OBJETIVOS
• Constatar que, anteriormente ao aparecimento da Socio-
logia, existiam indagações sobre os fenômenos sociais.
• Compreender que o advento da Sociologia como ciência
aplica um ponto de vista científico à observação e à expli-
cação dos fenômenos sociais.
• Cultivar a atitude de pesquisador.

2. CONTEÚDOS
• Origem da Sociologia.
• A Sociologia como ciência: "filha da Revolução".
34 © Sociologia da Educação

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Um dos pontos que será levantado nesta unidade se
refere ao fato de a sociedade tornar-se objeto de estu-
dos científicos. Na constituição da Sociologia, tomamos
o exemplo da transformação do tema da pobreza em
questão social, e assim como a questão social encontrou
espaço nas pesquisas científicas, ela também encontrou
na literatura um terreno fértil. Com relação ao nosso
foco de interesse nesta unidade, que é o quadro social
europeu pós-revolucionário e, sob a justificativa de que
a literatura é importante para toda pessoa de cultura
universitária, qualquer que seja a sua formação, indica-
mos duas obras clássicas: Os miseráveis, de Victor Hugo,
e O Germinal, de Émile Zola.
2) Para reforçar a visão sobre a dimensão social dos acon-
tecimentos que compunham as realidades do cotidiano
europeu pós-revolucionário e mantendo a mesma jus-
tificativa da orientação anterior, indicamos o livro de
Charles Dickens, Oliver Twist, de 1839. Esse é um roman-
ce que, a partir de 1948, foi adaptado para filmes em
várias versões, das quais destacamos como sugestões a
adaptação de David Lean, de 1948, e a de Roman Polansky,
de 2005.
3) Para identificar como o período da Revolução Francesa
é contextualizado pela linguagem cinematográfica, você
pode assistir ao filme francês A inglesa e o duque, dirigi-
do por Eric Rohmer e baseado em fatos verídicos.
4) Nesta unidade, você conhecerá alguns pensadores que
podem ser considerados os precursores dos estudos so-
ciológicos. Assim, é importante que você conheça um
pouco da vida desses intelectuais, o que pode contribuir
para uma melhor compreensão do conteúdo desta uni-
dade. Caso queira saber mais sobre eles, acesse os sites
indicados.
© U1 - Breve Introdução à Sociologia: Evolução e Método 35

Auguste Comte (1798-1857)


Auguste Comte nasceu em Montpellier, França, em 19
de janeiro de 1798. Era filho de um fiscal de impostos e
suas relações com a família foram tempestuosas. Nelas
encontramos elementos explicativos do desenvolvimento
de sua vida e, talvez, até mesmo de certas orientações
dadas às suas obras, sobretudo em seus últimos anos de
vida (imagem e texto adaptado disponíveis em: <http://
www.culturabrasil.pro.br/comte.htm>. Acesso em: 15 dez.
2010).

Émile Durkheim (1858-1917)


É considerado um dos mais notáveis sociólogos france-
ses. Estudou na École Normale Supérieure, em Paris.
Publicou várias obras, entre as quais estão: A divisão so-
cial do trabalho (1893), Montesquieu e Rousseau: précur-
seurs de La Sociologie (s/d), As regras do método socio-
lógico (1895), Educação e sociologia (1978) (imagem e
texto adaptado disponíveis em: <http://www.culturabrasil.
pro.br/durkheim.htm>. Acesso em: 15 dez. 2010).

Karl Heinrich Marx (1818 – 1883)


Estudou na universidade de Berlim, principalmente a
filosofia hegeliana, e formou-se em Iena, em 1841, com
a tese Sobre as diferenças da filosofia da natureza de
Demócrito e de Epicuro. Em 1842 assumiu a chefia
da redação do Jornal Renano em Colônia, onde seus
artigos radical-democratas irritaram as autoridades. [...]
Em 1844, conheceu em Paris Friedrich Engels, começo
de uma amizade íntima durante a vida toda. Foi, no
ano seguinte, expulso da França, radicando-se em
Bruxelas e participando de organizações clandestinas
de operários e exilados. Ao mesmo tempo em que na
França estourou a revolução, em 24 de fevereiro de 1848,
Marx e Engels publicaram o folheto O Manifesto Comunista, primeiro esboço da
teoria revolucionária que, mais tarde, seria chamada marxista (imagem e texto
disponíveis em <http://www.culturabrasil.pro.br/marx.htm>. Acesso em: 17 jan.
2011).

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36 © Sociologia da Educação

Max Weber (1864-1920)

"Exagerar é a minha profissão". Foi essa a resposta de Max Weber a um colega


chocado com sua veemência num debate. Ela diz muito a respeito de sua figura
humana e também da sua obra. O contato apaixonado com os grandes proble-
mas políticos do dia, a busca incansável do conhecimento através de uma erudi-
ção sem paralelo nas ciências sociais do Século 20, a intensidade da dedicação
à pesquisa e à reflexão metodológica, o ímpeto exacerbado das investidas contra
o que lhe parecia errado, estão presentes no mais exagerado grau na sua vida
e obra (COHN, 1989, p. 7) (imagem disponível em: <http://www.wellingtoncosta.
blogspot.com/>. Acesso em: 17 jan. 2011).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Para nos referirmos ao surgimento da Sociologia, que é
uma ciência moderna, é preciso que tenhamos em mente que ele
ocorre em um dado contexto histórico que reflete as consequên-
cias do desaparecimento do sistema feudal e da consolidação do
sistema capitalista.
Nesta unidade, que apresenta uma breve introdução à Socio-
logia, será possível constatar que a reflexão sobre os fenômenos
sociais tem uma longa tradição, muito anterior ao surgimento da
Sociologia como ciência. No entanto, muito diferente das explica-
ções sobre os fenômenos sociais que foram apresentadas anterior-
mente a ela, sobretudo pela Filosofia, as explicações da Sociologia
como ciência obedecem aos mesmos princípios gerais válidos para
todos os ramos de conhecimento científico, mesmo considerando
as peculiaridades dos fenômenos sociais da abordagem científica
da sociedade.
© U1 - Breve Introdução à Sociologia: Evolução e Método 37

Toda ciência tem como principal objetivo explicar a realidade


com base na observação sistemática dos fatos. Sendo o conheci-
mento científico garantido pela observação sistemática dos fatos
e pelas explicações fidedignas, ele pode se transformar em instru-
mento de intervenção social seja mediante previsão, transforma-
ção ou mesmo controle da realidade.
A Sociologia, como ciência, também pretende explicar o que
acontece na sociedade, e, tendo o conhecimento garantido pela
observação sistemática dos fenômenos sociais, ela pode se trans-
formar em instrumento de intervenção social, como, por exemplo,
por meio do planejamento social, conforme explica o sociólogo
brasileiro Sebastião Vila Nova (2000).
Nesse sentido, os primeiros sociólogos não foram simples
observadores; foram, também, participantes, uma vez que se
preocuparam com o curso provável dos acontecimentos sociais,
com a direção do desenvolvimento, enfim, preocuparam-se com o
nosso destino como sociedade. Eles mantiveram as ambições in-
telectuais de fazer do conhecimento sociológico um instrumento
da ação.
Embora não se comunicassem diretamente, os primeiros so-
ciólogos revelaram similaridade em seus estudos; suas conexões
vinculavam-se ao fato de se depararem com problemas similares,
semelhança de situações decorrentes das mudanças na estrutura
da sociedade. Mesmo que seus ideais sociais diferissem e, por
essa razão, se posicionassem intelectualmente em campos opos-
tos, compartilhavam respostas para as mesmas questões: como
a sociedade tinha se desenvolvido, queriam conhecer a ordem
desse desenvolvimento, seus estágios e suas forças motrizes, com-
plementa o sociólogo alemão Norbert Elias (1994).
Eles entendiam que à Sociologia, como conhecimento cientí-
fico, cabia oferecer método e técnicas de pesquisa apropriadas
ao seu objeto de estudo. Cabia a ela desvelar as relações sociais
existentes entre os diferentes conjuntos de indivíduos ligados

Claretiano - Centro Universitário


38 © Sociologia da Educação

por alguma característica compartilhada. Sob essa perspectiva,


então, o estudo científico da sociedade demandaria a apreensão
dos fenômenos sociais mediante a observação sistemática e a sua
compreensão por meio da participação.
Esses princípios deram (e continuam dando) fundamento à
ideia de que a Sociologia constitui uma forma de conhecimento
que é fruto das preocupações intelectuais provocadas pelas rev-
oluções industriais e político-sociais que abalaram o mundo oci-
dental moderno.

5. ORIGEM DA SOCIOLOGIA
Embora a Sociologia seja uma ciência moderna que surgiu
no final do século 19, os seres humanos, ao longo de sua histó-
ria, não deixaram de observar e de refletir sobre as sociedades
e os grupos nos quais viviam. Podemos encontrar, por exemplo,
observações e ideias relevantes para a Sociologia nos escritos dos
filósofos, dos pregadores religiosos e dos legisladores de todas as
civilizações e épocas.
Qual seria, então, a diferença que distingue as preocupações
com a sociedade abordadas pela Sociologia e o pensamento social
anterior a ela?
A modificação radical nas concepções da vida social e nas
atitudes humanas, em virtude do surgimento do capitalismo in-
dustrial, é uma característica que marca a diferença no teor das
preocupações com a sociedade.
Outra característica que destacamos é a crescente convicção
de que os métodos das ciências naturais deveriam e poderiam ser
estendidos ao estudo das questões humanas, ou seja, que os fenô-
menos humanos poderiam ser classificados e medidos.
Essas questões estimularam a busca de novas formas para
analisar a sociedade. Os fenômenos sociais passaram a ser enten-
© U1 - Breve Introdução à Sociologia: Evolução e Método 39

didos, então, como algo dotado de forças sociais próprias, depen-


dentes das ações humanas. Tornou-se evidente a inadequação dos
modos por meio dos quais os fenômenos sociais eram abordados.
A pobreza, por exemplo, passou a ser entendida como o resultado
da ignorância e da exploração humana, e não mais como um fenô-
meno natural, um castigo da natureza ou da providência divina.
Diante desse quadro, sob duas influências – o prestígio da ci-
ência natural e os movimentos de reforma social –, os levantamen-
tos sociais passaram a ocupar lugar importante na nova ciência da
sociedade, a Sociologia.
O levantamento social não surgiu apenas da ambição de
aplicar os métodos das Ciências Naturais ao mundo humano; ele
surgiu de uma nova concepção dos problemas sociais e, também,
foi influenciado pelas possibilidades materiais da sociedade indus-
trial. Um levantamento social da pobreza ou de qualquer outro
problema social só tem sentido se for pautado na possibilidade de
que algo poderá ser feito para remover ou diminuir tais males.
O texto a seguir, redigido por Augusto Comte, organizador da
Sociologia como ciência em 1817, oferece-nos uma dimensão da
sua tomada de posição como cientista social diante da realidade
social.

A chave das coisas: "quem dança não conspira"–––––––––––


A miséria pública é enorme em Paris; o pão é muito caro, e receia-se mesmo que
venha a faltar. Não se pode dar um passo na rua sem ter o coração partido pelo
aflitivo quadro da mendicidade; a cada instante encontram-se operários sem pão
e sem trabalho, e com tudo isso, quanto luxo! Quanto luxo! Ah, como é revoltante,
quando a tantos indivíduos falta o necessário absoluto! A despeito da aflição ge-
ral, o carnaval é ainda bastante alegre, pelo menos, há muitos bailes, públicos e
particulares. Ouvi mesmo dizer por pessoas bem sensatas que se dançou neste
inverno como nunca. Quanto a mim, não posso imaginar como uma gavota ou
um minueto façam esquecer que mais de trinta mil seres humanos não tenham o
que comer. Não posso imaginar que se seja tão indiferente, a ponto de se divertir
loucamente em meio a todos esses desastres. Os governos não se incomodam
de maneira alguma com esta frivolidade, porque, segundo a observação judicio-
sa que ontem ouvi de uma senhora muito bonita, muito amável e que, no entanto,
pensa "quem dança não conspira". Esta expressão, que é mais profunda do que
parece, dá bem a chave das coisas (COMTE apud MORAIS FILHO, 1983, p. 8).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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40 © Sociologia da Educação

Para o sociólogo inglês Thomas Burton Bottomore (1973, p.


19), a existência da pobreza generalizada, em meio das grandes
e crescentes forças produtivas, foi responsável por esta tornar-se
uma questão social sujeita a estudos, análises e aperfeiçoamento.
Nas sociedades industriais, a pobreza deixou de ser considerada,
tal como dissemos anteriormente, uma condição natural, como se
fosse um castigo da natureza ou obra da providência divina, para
se tornar um problema social, uma questão social, ou seja, um
fenômeno resultante da exploração do homem pelo homem. Essa
modificação de visão constituiu um elemento importante na con-
vicção de que o conhecimento exato poderia ser aplicado à refor-
ma social e, mais tarde, com o controle cada vez mais completo
sobre o meio físico, poderia, também, controlar o meio social.

6. SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA: "FILHA DA REVOLU-


ÇÃO"
O pensamento sociológico organizou-se a partir de três revo-
luções que deram origem a sociedades inteiramente novas: a Re-
volução Científica, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial.
Isso conflui para o fato de a Sociologia não ser obra de um homem
só; ela representa o resultado do processo histórico, intelectual e
científico que teve seu apogeu no século 18.
Sob a perspectiva social, o resultado visível provocado por
essas revoluções foi um rápido processo de urbanização que re-
sultou na degradação do espaço urbano e do meio ambiente, bem
como na destruição dos valores tradicionais. Ao lado dessas trans-
formações, ocorria a exploração do trabalhador, que tinha uma
jornada com mais de 16 horas de trabalho em média, sem direitos
trabalhistas: carteira de trabalho, férias, aposentadoria e baixo sa-
lário. Havia, também, a exploração do trabalho das mulheres e das
crianças, que eram submetidas a condições piores do que aquelas
enfrentadas pelos homens.
© U1 - Breve Introdução à Sociologia: Evolução e Método 41

A condição urbana provocava problemas sociais gravíssimos


advindos da rápida urbanização e da insalubridade tanto na vida
pessoal quanto no ambiente de trabalho: doenças, ausência de
moradias, prostituição, alcoolismo, epidemias de tifo, cólera, suicí-
dios, surtos de violência generalizados etc.
Um dos significativos surtos de violência foi o Movimento
Social dos Luditas, voltado para a destruição de máquinas e pro-
testo contra a tecnologia. Entenda, a seguir, o que foi esse movi-
mento social:

O ludismo––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O ludismo foi um movimento social ocorrido na Inglaterra entre os anos de 1811
e 1812. Contrários aos avanços tecnológicos ocorridos na Revolução Industrial,
os ludistas protestavam contra a substituição da mão-de-obra humana por má-
quinas. O nome do movimento deriva de um dos seus líderes, Ned Ludd.
Com a participação de operários das fábricas, os "quebradores de máquinas",
como eram chamados os ludistas, fizeram protestos e revoltas radicais. Invadi-
ram diversas fábricas e quebraram máquinas e outros equipamentos que consi-
deram os responsáveis pelo desemprego e as péssimas condições de trabalho
no período.
O movimento ludista perdeu força com a organização dos primeiros sindicatos na
Inglaterra, as chamadas trade unions.

Trecho de uma canção ludista:


"Nós marchamos para realizar a nossa vontade
Com machado, lança ou fuzil
Meus valentes cortadores
Os que com apenas um só forte golpe
rompem com as máquinas cortadeiras" (SUA PESQUISA, 2010).

Figura 1 Os ludistas em ação: quebrando máquinas.


––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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42 © Sociologia da Educação

Ampliando essa gama de problemas, havia a concentração


de máquinas, terras e ferramentas sob o controle de poucas pes-
soas, o que nos leva a compreender as razões da emergência da
"questão social". Foi a profundidade e a amplitude das transfor-
mações que colocaram a sociedade em um plano de análise, isto
é, tornaram-na objeto de estudo para os pensadores e filósofos da
época.
A Sociologia surge nesse contexto como resultado de uma
circunstância histórica evolutiva, a organização da sociedade in-
dustrial, no ápice de um período designado entre o desmorona-
mento da sociedade feudal e o surgimento do mundo moderno,
industrial e capitalista. Ela nasceu como consequência do interes-
se pela descoberta de que as relações sociais que até então eram
consideradas naturais – como é o caso da pobreza – fossem, de
fato, mutáveis e históricas.
As circunstâncias históricas que estavam presentes no mo-
mento da organização da Sociologia ofereceram elementos para
uma reflexão sobre as transformações, os antagonismos de classes
sociais e as crises experimentadas pela então nascente sociedade
urbana, industrial.
Para explicar os novos fenômenos sociais, não apenas a
Sociologia, como também outras ciências surgiram para estudar
e explicar cada dimensão da vida social e de determinadas rela-
ções sociais, como, por exemplo: Antropologia, Economia, Ciência
Política, Psicologia e Direito. No entanto, a Sociologia mantém-se
como a única ciência que tem como questão central as interações
sociais, um dos seus conceitos fundamentais.

Interação social–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A sociedade é necessariamente dinâmica, está sempre em processo. Indivíduos,
grupos, categorias, agregados e estratos sociais agem e reagem continuamente
uns sobre os outros, ou seja, estão sempre em interação. Daí resulta que a in-
teração se torna o processo social mais importante.
A interação só é social quando existem símbolos e significados em jogo, mesmo que
as pessoas não tenham plena consciência desses componentes da situação social.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U1 - Breve Introdução à Sociologia: Evolução e Método 43

A Sociologia foi a primeira ciência a preocupar-se com a


complexa rede de instituições sociais e grupos que constituem a
sociedade, em vez de estudá-la em um aspecto particular. Ela foi,
também, a primeira ciência a preocupar-se com a vida social como
totalidade. Sua concepção básica é a de estrutura social: entendida
como interação social sistemática de formas de comportamento e
ação social. Daí que aspectos da vida social, como, por exemplo, a
família, o parentesco, a religião, a moral, a estratificação social e
a vida urbana, despertam o seu interesse e se tornam objeto de
reflexão, estudos e pesquisas.
Anthony Giddens (2001, p. 2) escreveu, em seu livro Em de-
fesa da Sociologia, que a maior parte dos debates que "fazem as
manchetes intelectuais hoje, nas ciências sociais e mesmo na área
de humanidades, é dotada de forte carga sociológica", isso porque
os autores da Sociologia foram os pioneiros em discussões cientí-
ficas sobre a desigualdade social; as classes sociais; o pós-moder-
nismo; a sociedade pós-industrial; a sociedade da informação; a
globalização; as transformações da vida cotidiana, do gênero e da
sexualidade; a natureza mutável do trabalho e da família; a etnia.
Como a nossa vida apresenta várias dimensões (política,
econômica, educacional, religiosa, jurídica e moral), as quais se
desenvolvem e ocorrem nos momentos em que estamos intera-
gindo uns com os outros – essas interações são o objeto de estudo
da Sociologia. É a essa dimensão social da nossa conduta humana
e das relações sociais que ela está associada. Nesse caso, se che-
garmos a compreender a Sociologia como uma forma de pensar,
estaremos adquirindo elementos para enxergar a realidade social.
Poderemos, então, observar que todas as interações sociais estão
relacionadas entre si, embora possamos separá-las para:
• Estudar isoladamente um grupo de interações específicas
que constituem uma dimensão do social; nesse caso, fa-
tos econômicos, fatos educacionais, fatos religiosos, fatos
familiares etc.

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44 © Sociologia da Educação

• Tentar estabelecer os limites dos relacionamentos sociais


que compõem a existência humana.
Caso utilizemos nosso conhecimento sociológico para en-
tender a realidade, conseguiremos compreender os fenômenos
em sua totalidade e conseguiremos, também, estabelecer ligações
de fatos cotidianos com a dinâmica da sociedade como um todo.
O texto Adolescentes viciados em SMS ou Messenger (exem-
plo de Portugal), que apresenta fatos cotidianos que se ligam com
a evolução da sociedade como um todo, é exemplo de um modo
sociológico de entender a realidade porque constitui uma possi-
bilidade de estabelecermos relação entre a abertura de formas de
sociabilidade, a revolução científico-tecnológica e o aumento das
dificuldades nas interações educacionais, seja na família, seja na
escola.

Adolescentes viciados em SMS ou Messenger–––––––––––––


"Não conseguiria". É assim que Leonor Silva, 18 anos e utilizadora de telemóvel
desde os 14, descreve como seria o cenário de 24 horas sem o aparelho.
Leonor não está isolada no que diz respeito ao "vício" dos SMS. Em maio de
2007, Pedro Quelhas Brito, um professor da Faculdade de Economia da Univer-
sidade do Porto, juntou 207 voluntários de quatro escolas desta cidade, dividiu-
-os em dois grupos, pré-adolescentes de 11 e 12 anos e adolescentes de 15 e
16 anos, e concluiu que os primeiros enviavam uma média de 84,2 SMS por
semana, e os segundos, 235,6. Ao final do mês, os mais velhos remetiam, assim,
cerca de mil mensagens.
Entre as várias justificações, disseram que o fazem porque é mais barato, rápido,
impessoal e podem escrever com uma terminologia que entendem. Um ou outro
respondeu que era útil para bullying. "É discreto e podem controlar o momento
em que enviam e respondem às mensagens", explica Pedro Quelhas Brito.
Esta dependência dos SMS é potenciada pelos tarifários das operadoras, que
oferecem mensagens escritas de borla. Uma rapariga norte-americana de 13
anos no último mês enviou 14.258 mensagens de texto. Quando o pai da jovem
abriu a factura mensal de 440 páginas e no valor de dois mil dólares, pensou que
se tratasse de um engano da operadora. Não era. Pegou numa calculadora e
descobriu que, descontando as horas de sono, a sua filha, Reina, tinha escrito,
em média, um SMS a cada dois minutos.
Na opinião da psicóloga Teresa Paula Marques, "tudo o que é excessivo cai no
campo do patológico e a dependência dos SMS não foge a essa regra". "Se o
jovem passa a privilegiar o seu uso em detrimento dos contactos pessoais, acaba
por não aprender a dar-se com os outros", defende. Também para a psicóloga
Susana Gonçalves, este comportamento, que se pode tornar "compulsivo", é
© U1 - Breve Introdução à Sociologia: Evolução e Método 45

preocupante. Nas suas consultas, depara-se com pais apreensivos por verem os
filhos quase sempre agarrados aos telemóveis. E também com casos de jovens
em que o vício interfere nos estudos. "Há crianças que não dormem sem o tele-
móvel ao lado, e, se se esquecem dele, é um drama".
E porque o excesso de comunicação via SMS – ou Messenger – pode promover
o isolamento dos adolescentes e minar o desempenho escolar, Susana Gonçal-
ves aconselha os pais a "passarem tempo de qualidade com os filhos e a apren-
derem a comunicar-se" (BARBOSA, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Os exemplos apresentados nesse texto ampliam as condi-


ções de explicarmos o surgimento de novas formas de sociabilida-
de que substituem as tradicionais relações de convivência e fazem
que adolescentes evitem um contato face a face em função das
transformações científico-tecnológicas, que, nesse caso, foi o tele-
fone celular ("telemóvel" para os portugueses).
No entanto, precisamos ficar atentos, porque todo problema
social, quando cuidadosamente estudado, apresenta uma com-
plexidade muito maior do que aquela que é visível. É preciso ob-
servar as forças sociais, as tendências e os padrões que podem ser
generalizados. Para isso, é necessário um esforço intelectual para
observar e enxergar a conexão entre a vida cotidiana e os proble-
mas sociais, entre o indivíduo e a sociedade mais ampla.
Com essas breves reflexões em torno da Sociologia como
ciência, queremos apenas mostrar que essa iniciação trata, tão so-
mente, de elementos mais gerais da Sociologia. Caso queiramos
adotar o modo sociológico de entender a realidade social, precisa-
remos ir além; precisaremos, necessariamente, de familiaridade
com os conceitos essenciais e com as principais teorias sociológi-
cas.
É importante saber que, embora a Sociologia se constitua
como ciência, ela não tem um corpo teórico unificado que seja
aceito de forma unânime. Há divergências de opiniões entre seus
pensadores, assim como ela também comporta consenso, o que,
no seu conjunto, termina por oferecer diferentes perspectivas que
contribuem para o reconhecimento da vida social.

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46 © Sociologia da Educação

A Sociologia contemporânea tem vínculos indissolúveis com


os seus precursores. Esses vínculos existem justamente porque
não há uma teoria única, uma teoria que a unifique, e é isso que a
torna tributária da orientação marcada pelos pensadores que lhe
lançaram as bases. Assim, mesmo os estudos introdutórios à So-
ciologia, para serem mais consistentes, requerem o conhecimento
de determinadas obras básicas e de determinadas investigações
importantes, o que exige familiaridade com os conceitos essenci-
ais e com as principais teorias.
É impossível compreender a Sociologia contemporânea sem
ir, por exemplo, até Augusto Comte, Émile Durkheim, Karl Marx e
Max Weber. Ela ainda integra o pensamento de seus precursores e
continua, em parte, estudando, analisando, pesquisando e reflet-
indo sobre as mesmas questões sociais que foram por eles levan-
tadas.
O pensador francês Auguste Comte (1798-1857) idealizou a
expressão "sociologia". Ele tentou estabelecer o estudo da socie-
dade sobre bases científicas, a partir das quais o mundo social de-
veria ser entendido como ele é, e não como o imaginávamos ser.
Embora Comte estivesse fortemente motivado a adotar o método
científico no estudo da sociedade, ele era um pensador que re-
jeitava as rápidas mudanças que ocorriam na sociedade francesa,
o que criava uma tensão na sua obra.
Quando se mudou de uma pequena cidade do interior da
França para Paris, chocou-se com as transformações provocadas
pelas forças democráticas liberadas pela Revolução Francesa, pe-
los estágios iniciais acelerados da industrialização e pelo rápido
crescimento das cidades. Diante dessas realidades, Comte defen-
deu a ideia de que as mudanças deveriam ser lentas, e era preciso
preservar o que era tradicional na vida social, apresentando, as-
sim, uma visão de sociedade ideal.
Auguste Comte não chegou a conduzir uma pesquisa, em-
bora enaltecesse o valor dos métodos científicos. Assim como ele,
© U1 - Breve Introdução à Sociologia: Evolução e Método 47

o inglês Herbert Spencer (1820-1903), outro dos fundadores da


Sociologia, também não conduziu pesquisas científicas. Influencia-
do pela Teoria da Evolução de Charles Darwin, Spencer acreditava
que, assim como os organismos biológicos, as sociedades se com-
punham de partes interdependentes. Por exemplo, as famílias, os
governos e a economia seriam partes interdependentes.
Reiterando as ideias de Norbert Elias, expostas na introdução
desta unidade, podemos perceber que, na obra dos três pensa-
dores da Sociologia Clássica (Karl Marx, Émile Durkheim e Max
Weber), em graus diversificados, se observa a mesma tensão entre
a importância da ciência e uma visão de sociedade ideal. Eles pro-
curaram explicações diante das grandes transformações ocorridas
na Europa para a emergência do capitalismo industrial e apresen-
taram possibilidades para melhorar a vida das pessoas.
Assim como Comte e Spencer, Marx, Durkheim e Weber pos-
tularam o método científico nas suas pesquisas; no entanto, foram
além e tentaram estabelecer caminhos alternativos, propondo
prescrições para combater os males sociais nas sociedades em que
viviam.
Com relação a Augusto Comte, organizador dos primeiros
conceitos sociológicos, embora não se possa pretender que, no
século 21, sua teoria sociológica constitua fundamento conceitual
para os cientistas sociais, é verdade que muitos dos seus temas
continuam na ordem do dia com o advento do estudo aprofun-
dado do comportamento animal, com a Biossociologia e com a
Etologia. São contribuições de Comte para o desaparecimento de
barreiras estanques entre a natureza e a cultura.

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade.

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48 © Sociologia da Educação

A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para


você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Quais são as circunstâncias históricas presentes no contexto do surgimento
da Sociologia?

2) Por que a Sociologia é considerada "Filha das Revoluções"?

3) Por que os levantamentos sociais se tornaram importantes para a Sociolo-


gia?

4) Quais foram os temas em que os autores da Sociologia foram os pioneiros


em discussões científicas?

8. CONSIDERAÇÕES
Em uma síntese do que foi exposto nesta unidade, com rela-
ção ao surgimento da Sociologia como ciência, podemos apresen-
tar as seguintes questões:
1) No contexto do conhecimento científico, a Sociologia
nasce como um conjunto de ideias que se preocupa com
o processo e com o desenvolvimento da sociedade capi-
talista. Nesse sentido, ela é fruto da Revolução Industrial
e da Revolução Francesa. Ela buscou, justamente, res-
postas às questões colocadas pelas transformações de-
correntes das revoluções que, em um primeiro momen-
to, alteraram a sociedade europeia e, depois, o mundo
todo.
2) A Sociologia como "ciência da sociedade" não surgiu
de repente e, também, não resulta da reflexão de um
© U1 - Breve Introdução à Sociologia: Evolução e Método 49

único autor; ela é resultado de um conhecimento que


se desenvolve a partir das grandes transformações que
provocaram a desagregação do sistema feudal e a con-
solidação do sistema capitalista. Serão essas as transfor-
mações que constituirão o "pano de fundo" para o mo-
vimento intelectual que alterará as formas de explicar a
sociedade daí para frente.

9. E-REFERÊNCIAS
Figura 1 Os ludistas em ação: quebrando máquinas. Disponível em: <http://www.
radardanet.com/movimento-ludista-na-revolucao-industrial>. Acesso em: 15 dez. 2010.

Sites pesquisados
BARBOSA, André. Adolescentes viciados em SMS. Adaptado do site disponível em:
<http://socioaprendiz.blogspot.com/2009/01/adolescentes-viciados-em-sms.html>.
Acesso em: 15 dez. 2010.
SUA PESQUISA. Ludismo. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/industrial/
ludismo.htm>. Acesso em: 15 dez. 2010.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Como referências bibliográficas, apresentamos aquelas uti-
lizadas para fundamentação do texto acrescidas de outras que se
apresentam como sugestões para ampliar os horizontes sobre o
tema. No entanto, é preciso deixar claro que aqui está uma sele-
ção de textos e, como toda seleção, corre o risco de ser reducio-
nista. Sendo assim, não se deve contentar apenas com o que está
aqui sugerido. Depois de consultada esta bibliografia, recorra aos
inúmeros livros que estão nas estantes das bibliotecas à espera,
aguardando que você lhes dê vida.
BOTTOMORE, T. B. Introdução à Sociologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília: Instituto
Nacional do Livro, 1973.
COHN, G. Max Weber. 4. ed. São Paulo: Ática, 1989.
DAHRENDORF, R. Sociologia e sociedade industrial. In: FORACCHI, M. M.; MARTINS, J. S.
Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 2000, p. 119-125.
DIAS, R. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005.

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50 © Sociologia da Educação

ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.


FERNANDES, F. Conceito de sociologia. In: CARDOSO, F. H.; IANNI, O. Homem e sociedade.
7. ed. São Paulo: Nacional, 1971, p. 25-34.
GIDDENS, A. Em defesa da Sociologia: ensaios, interpretações e tréplicas. São Paulo:
Unesp, 2001.
KOENIG, S. Significado e âmbito da Sociologia. In: ______. Elementos de sociologia. 4. ed.
Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 11-19.
MARTINS, C. B. O que é Sociologia. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
MORAIS FILHO, Evaristo (Org.). Auguste Comte: sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
VILA NOVA, S. Introdução à Sociologia. São Paulo: Atlas, 2000.
EAD
Educação e Sociedade:
Um Ponto de Vista dos

2
Teóricos Clássicos
da Sociologia

1. OBJETIVOS
• Reconhecer que a nova ordem mundial decorrente das
Revoluções Francesa e Industrial precisava de um novo
indivíduo adaptado à nova sociedade.
• Compreender que a visão de cada um dos pensadores
clássicos sobre o processo social permite construir visões
específicas em torno do novo significado que a educação
assumiu e continua assumindo na sociedade capitalista
por meio de um sistema de ensino organizado.

2. CONTEÚDOS
• Educação: um objeto de estudo da Sociologia.
• Três correntes sociológicas significativas para a compreen-
são do fenômeno educativo: Marx, Durkheim e Weber.
52 © Sociologia da Educação

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


É importante que, antes de iniciar o estudo desta unidade,
você leia atentamente as orientações a seguir:
1) Para que você compreenda o conteúdo desta unidade,
considere sempre que a Sociologia da Educação é uma
disciplina que, em conjunto com outras, procura interfe-
rir racionalmente nos processos educacionais.
2) Para ser bem compreendida, a Sociologia da Educação
pressupõe uma formação teórica que ofereça a condição
de vermos o fenômeno educativo em sua abrangência,
integrado ao processo social total, permitindo-nos, as-
sim, discernir os aspectos fundamentais de nossa pro-
fissão.
3) Ao estudarmos Sociologia da Educação, é preciso levar
em consideração que a sua perspectiva sociológica se
organiza a partir da instalação do sistema capitalista.
Uma magnífica visão cinematográfica que contextualiza,
de forma irônica e sensível, a instalação desse sistema
pode ser apreciada no filme clássico de Charles Chaplin,
Tempos Modernos.
4) Chamamos a atenção para o fato de que as ideias ex-
pressas nesta e nas outras unidades deste CRC são resul-
tado de uma pesquisa bibliográfica que tem como fonte
traduções de autores clássicos, as quais já passaram por
um processo de interpretações.
5) Lembramos que, com relação à nossa possibilidade de
entendimento de um tema, ficar sujeitos a informações
traduzidas de um idioma que desconhecemos significa
ter acesso a informações, muitas vezes, modificadas ou
selecionadas, considerando-se que uma tradução dificil-
mente consegue ser fiel ao original.
6) Considerando a dimensão e os limites em que o texto
desta unidade foi produzido, gostaríamos de registrar
que o levantamento bibliográfico e a intencionalidade
que orientou as leituras foram desdobrados em cuida-
dos para que seu resultado possa ser compreendido e
aceito.
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 53

7) A seguir, indicamos alguns sites para que você possa ini-


ciar as suas pesquisas sobre a Sociologia da Educação:
a) EDUCAR E APRENDER. Home page. Disponível em:
<http://www.educareaprender.com.br>. Acesso em:
15 dez. 2010. Conhecendo esse site, você terá uma
oportunidade a mais para pesquisar.
b) PROSSIGA. Home page. Disponível em: <http://prossiga.
ibict.br/>. Acesso em: 17 jan. 2011. Nesse lugar de apoio
produzido pelo CNPq, encontram-se a Biblioteca Virtual
de Ciências Sociais, a Biblioteca Virtual de Educação e a
Biblioteca Virtual das Bibliotecas Virtuais. Prossiga, sem
medo.
c) SCIELO. Home page. Disponível em: <http://www.scielo.
br/www.scielo.br/>. Acesso em: 15 dez. 2010. Nesse
site, você tem acesso a importantes revistas brasileiras
da área da Sociologia da Educação, dentre outras. O
SciELO é um Projeto da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo – Fapesp. Nele, estão disponíveis
textos integrais. Não deixe de visitá-lo e de pesquisar.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, tivemos por objetivo registrar que o
processo de elaboração científica do pensamento social ociden-
tal é resultado das transformações sociais, políticas, econômicas e
históricas provocadas pela instalação do capitalismo na Europa.
Além disso, os objetivos da Unidade 1 consistiam em cons-
tatar que, anteriormente ao aparecimento da Sociologia, existiam
indagações sobre os fenômenos sociais e em compreender que o
advento da Sociologia como ciência aplica um ponto de vista cien-
tífico à observação e à explicação dos fenômenos sociais. Agora,
nesta unidade, os objetivos estão vinculados, sobretudo, à neces-
sidade de compreensão que foi a questão social que colocou a so-
ciedade em um plano de análise científica e que, nesse cenário,
a educação emerge como elemento do amálgama das interações
sociais, circunstâncias que levaram pensadores clássicos do pro-

Claretiano - Centro Universitário


54 © Sociologia da Educação

cesso social à construção de visões específicas em torno do novo


significado que a educação assumiu e continua assumindo na so-
ciedade capitalista.
Para justificar a abordagem dos clássicos, apoiamo-nos nas
palavras de dois pensadores: Octávio Ianni e Ítalo Calvino.
Para o sociólogo brasileiro Octávio Ianni (1989, p. 213-214),
a importância de clássicos como Marx, Weber, Durkheim, "para
mencionar apenas alguns", está em que seus pensamentos "pas-
saram a fazer parte da cultura e prática" de governantes, associa-
ções, partidos, empresas, grupos, pessoas, igrejas, classes sociais
e educadores. São pensamentos "que permeiam os trabalhos e os
dias das gentes, em países dominantes, dependentes e coloniais".
Ele entende que as sociedades não podem ser compreendidas
sem a "análise da produção intelectual desses autores" e de seus
"epígonos e detratores".
De acordo com o escritor Ítalo Calvino (1993, p. 12), os clás-
sicos chegam até nós trazendo consigo as marcas de leituras que
precederam a nossa e carregam os traços que deixaram na cultura
ou nas culturas que atravessaram. Para ele, "um livro clássico é um
livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer".
Com relação ao pensamento de clássicos como Émile
Durkheim, Karl Marx e Max Weber, foi o fato de estar a educa-
ção misturada a toda vida social que os levou a se referirem a ela,
mesmo que indiretamente; daí ter sentido tentarmos compreen-
der que, ao se voltarem para a educação, eles colaboraram para
o desenvolvimento dos estudos sociológicos abarcados pela So-
ciologia da Educação, a qual, segundo o autor Alberto Tosi Rodri-
gues (2001), é uma disciplina acadêmica que se preocupa em re-
construir sistematicamente as relações entre as ações que têm por
objetivo educar e as estruturas da vida social, representadas pela
economia, pela cultura, pelo aparato jurídico, pelas concepções de
mundo e pelos conflitos políticos.
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 55

Na Sociologia da Educação, também é considerada a análi-


se científica dos processos e das regularidades sociais inerentes
ao sistema educacional, conforme nos ensina Wilbur B. Brookover
(1974). Essa análise científica pode envolver tanto a educação for-
mal, que se realiza em ambientes escolares, como a multiplicidade
de comunicações educativas informais e não formais, que ocorrem
fora do ambiente escolar.
Nesse sentido, a Sociologia da Educação é apresentada por
Roberto Martins Ferreira (1994) como um ramo do conhecimento
que consiste na aplicação das teorias e dos conceitos próprios da
Sociologia para ampliar o entendimento dos fenômenos educacio-
nais. É um campo de conhecimento que nomeia como seu objeto
de estudo os aspectos sociais do fenômeno educativo na sua di-
nâmica externa e interna.

5. EDUCAÇÃO: UM OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLO-


GIA
O sistema capitalista trouxe a ciência para o centro do deba-
te com o argumento de que a vida moderna apenas poderia ser
compreendida sob a ótica dos métodos científicos. Por essa razão,
a educação deve afastar-se dos valores religiosos para ter a ciência
como base. Diante dessa nova exigência, nasceu a instituição que
se responsabiliza por essa educação: a escola.
Durante o período histórico reconhecido como sistema de
produção feudal, a educação era uma atribuição dividida entre a
família e a Igreja. Com a consolidação do sistema capitalista, a es-
cola passou a ser a tradutora das ideias educacionais necessárias
à nova ordem social.
À escola propôs-se um duplo objetivo: preparar os indivídu-
os para a vida em sociedade e desenvolver suas aptidões pessoais.
Para que essa finalidade fosse alcançada, no decorrer dos sécu-
los 18 e 19, surgiu uma estrutura de ensino com muitas salas de

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56 © Sociologia da Educação

aula, muitos alunos, porcentagens de frequência, carteiras em fila,


diplomas, provas e notas. A finalidade desse modo de organiza-
ção era educar um número de indivíduos cada vez maior. Para isso
também contribui a ideia da necessidade de educação pública,
científica e obrigatória para todas as pessoas.
Acontece que a dinâmica da organização capitalista da so-
ciedade gerou contradições em seu processo de desenvolvimento.
Enquanto poucos enriqueciam, a massa trabalhadora empobrecia.
As fábricas, que representavam o desenvolvimento, pagavam bai-
xos salários, forçavam a migração rural e provocavam desempre-
go. O avanço técnico, por sua vez, era portador de novas curas
e, também, gerava a indústria armamentista. Essa evolução con-
traditória provocou períodos de desequilíbrios, conflitos e crises,
associados tanto à economia, quanto à política. Nesse contexto
social, inserem-se a educação e a educação escolar, dado que a so-
ciedade é toda ela uma situação educativa, e dado que a interação
entre as pessoas é condição da educação, conforme nos propõe a
professora Sonia Maria Portella Kruppa, em seu livro Sociologia da
Educação (1994). A professora complementa: a "educação se mis-
tura com toda vida social. As relações entre educação e sociedade
devem ser compreendidas"; para isso, contribuem tanto a Sociolo-
gia Geral quanto a Sociologia da Educação (KRUPPA, 1994, p. 22).
Vamos ampliar as afirmações de Sonia Maria Portella Kru-
ppa (1994) e manter vivas as palavras do professor Alberto Tosi
Rodrigues (2001) no que se refere à correlação entre educação e
sociedade e a posição da Sociologia:
[...] as práticas educacionais – quer dizer, as ações empreendidas
com a finalidade de educar – estão diretamente relacionadas com
as técnicas aplicadas, com as normas vigentes e com os valores
compartilhados pelos indivíduos, no contexto de uma determina-
da sociedade, de uma determinada cultura e de um determinado
tempo histórico. Para a Sociologia, não há técnica pedagógica neu-
tra: todas são construídas e utilizadas em meio a valores e normas
(RODRIGUES, 2001, p. 9).
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 57

Para complementar as ideias expressas por Kruppa (1994) e


Rodrigues (2001), nada melhor do que ficarmos com o pensamen-
to de Maria de Lourdes Rangel Tura (2004), professora da Univer-
sidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ:
A Sociologia tem uma importante contribuição a dar no entendi-
mento da organização da educação. A análise da educação ou do
modo de ser desta, de acordo com os parâmetros do conhecimento
sociológico, envolve questionamentos amplos a respeito de con-
cepções sobre a natureza humana e a natureza da sociedade e das
formas de justificação e legitimação de ações e política educacio-
nais, o que inclui discutir o direito universal à educação e aos be-
nefícios da produção cultural, assim como os mecanismos de trans-
missão e assimilação de conhecimentos e os diferentes processos
de socialização (TURA, 2004, p. 7).

Mesmo que sejam breves as referências que Karl Marx e


Max Weber fazem à educação, eles compõem, com Durkheim
(esse, sim, um estudioso que dedicou significativa reflexão sobre
as questões educacionais), um conjunto de contribuições teóricas
muito significativas para a especialização no estudo da educação
e para o desenvolvimento do conhecimento na área da Sociologia
da Educação.
Durkheim acompanhou a tradição positivista de Auguste
Comte; procurou estabelecer um método e definir o objeto de es-
tudo da Sociologia enquanto buscava soluções para a manutenção
da sociedade que se organizara após as Revoluções. Então, tomou
o fato social como objeto da Sociologia e, nessa tarefa, a educação
constituiu para Durkheim a questão central na constituição da so-
ciedade moderna.
Ao contrário de Durkheim, Marx rumou em oposição ao Po-
sitivismo e partiu para a organização de uma crítica radical à socie-
dade capitalista. Para ele, a organização da sociedade resulta das
relações de produção; daí conceber as relações de classe como
objeto de estudo da Sociologia. Ele não chegou a nomear a edu-
cação como tema específico, como ocorreu com Durkheim, mas
é possível encontrar, ao longo de sua obra, pontos significativos
acerca da educação. Weber também se opôs ao Positivismo, sob

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58 © Sociologia da Educação

a perspectiva de que este ignora a pesquisa histórica. De acordo


com as ideias de Weber, a pesquisa histórica é fundamental para
a compreensão das sociedades. Ele considerou que os aconteci-
mentos sociais se originam com os indivíduos e que o objetivo da
Sociologia é compreender os significados internos das condutas
sociais, para assim chegar à explicação de suas causas; por essa
razão, estabeleceu a noção de ação social como objeto de estudo
da Sociologia.
Para Weber, a história das sociedades humanas é a história
do crescimento da racionalização da vida. Sendo assim, ele com-
preendeu que a sociedade moderna se caracterizaria pela raciona-
lidade científica e técnica e pela burocracia das relações políticas,
o que levaria a educação a exercer funções de treinamento para a
realização de atividades específicas, deixando de cumprir o papel
de formação mais ampla em várias dimensões da vida.
As contribuições desses autores clássicos são fundamentais
para a consolidação de uma mentalidade científica no tratamento
de questões relativas ao estudo da sociedade, porque a partir do
pensamento de cada um deles é possível observarmos:
• as diferenças nas concepções de sociedade;
• os diferentes métodos;
• os diferentes objetos de estudo da Sociologia.
Para compreendermos melhor esse assunto, apresentare-
mos a visão de cada um dos pensadores clássicos como subsídio
para construirmos olhares específicos sobre o novo significado que
a educação sistemática assumiu e continua assumindo na socieda-
de capitalista por meio de um sistema de ensino organizado.

6. TRÊS CORRENTES SOCIOLÓGICAS SIGNIFICATIVAS


PARA A COMPREENSÃO DO FENÔMENO EDUCATI-
VO: MARX, DURKHEIM, WEBER
Inicialmente, abordaremos algumas questões da concepção
da história e da concepção do homem de acordo com o pensador
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 59

alemão Karl Marx. Vale salientar que essas observações têm des-
dobramentos na educação.

Karl Marx (1818-1883)


Considerado como um teórico clássico da Sociologia, Karl
Marx deixou sua contribuição a respeito da relação entre socieda-
de e educação, apesar de não ter escrito nenhuma obra específica
sobre educação, ao contrário de Émile Durkheim, como veremos
mais adiante.
Quem desconhece totalmente Marx?
Nos mais diversos ambientes escolares, poucas pessoas as-
sumem que não conhecem nada da filosofia de Marx. Ele tornou-
-se uma celebridade e é difícil encontrar quem o desconheça total-
mente. No entanto, mesmo tendo se tornado "uma celebridade"
ou um "guru do movimento comunista mundial, ícone dos par-
tidos socialistas", a dimensão filosófica do pensamento de Marx
passou por um empobrecimento teórico após sua morte; isso nem
mesmo Friedrich Engels, seu maior amigo, conseguiu evitar. Sendo
assim, como afirma o professor Leandro Konder (2004, p. 12), te-
mos um Marx "reduzido", ao qual falta a percepção da importân-
cia decisiva da sua perspectiva filosófica.
Para tentar estabelecer o "elo perdido" de suas ideias, é pre-
ciso, inicialmente, reconhecer ao conceito de práxis e às concep-
ções do homem e da história, a fim de que consigamos compreen-
der aspectos da sua "filosofia da educação".
As reflexões filosóficas de Marx encaminharam-se para um
ponto crucial: o Estado. Ele convenceu-se de que o Estado era
parte dos conflitos de interesses particulares e jamais funciona-
ria efetivamente como lugar da razão. Como consequência dessa
constatação, Marx passou a compor sua concepção do homem e
sua concepção da história como uma dimensão da práxis.

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60 © Sociologia da Educação

A seguir, você pode conferir o que é práxis, bem como a con-


cepção de homem e de história:

Concepção do homem e da história: uma dimensão inerente


à práxis––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Práxis: para Marx, o trabalho humano é uma atividade peculiar, que se distin-
gue de todas as demais atividades realizadas por todas as espécies animais. O
homem é o sujeito ativo e criativo que existe modificando-se, superando-se e só
podemos nos aproximar dele mediante o que ele faz. O trabalho é a forma inicial
– e persistente – da capacidade que os homens têm de agirem como homens.
A atividade que assume a forma pioneira do trabalho e depois se diversifica é o que
Marx chama de práxis. Por meio do trabalho, inicialmente, e em seguida também
pelas atividades criativas que desenvolve, o homem faz-se a si mesmo.
Caberia ao proletariado, em sua práxis revolucionária, atuar como portador ma-
terial de uma transformação social que lhe interessava diretamente, mas interes-
sava também ao conjunto da sociedade. Para essa atuação, a classe operária
precisaria esclarecer-se a si mesma no plano teórico, paralelamente às ações
que empreendia no plano prático. Precisava aprender que a práxis não é toda
e qualquer atividade prática: é a atividade de quem faz escolhas conscientes e
para isso necessita de teoria (KONDER, 2004, p. 14-15).

Concepção do homem: de acordo com Marx, o homem é o sujeito da práxis,


existe se inventando a si mesmo através de um movimento incessante, sempre
condicionado – necessariamente – pela situação em que se encontra no ponto
de partida; mas sempre capaz de tomar iniciativas e projetar sua ação, impondo
– até certo ponto livremente – limites ao condicionamento necessário. A rigor, não
há uma resposta conclusiva para a indagação "o que é o homem?". Por sua ativi-
dade criativa, o homem nos escapa, porém ao mesmo tempo se revela: podemos
conhecê-lo pelo que ele faz, por suas ações, e o plano em que o ser humano age,
faz suas escolhas, expressa sua práxis, é o plano da história (KONDER, 2004, p. 17).

Concepção da história: para desenvolver sua concepção da história, Marx as-


sumiu uma posição de combate à sociedade burguesa, isto porque ele queria
entender: por que o trabalho, que foi uma forma básica da atividade pela qual os
homens tornaram-se homens – o "caroço" da práxis –, acabou transformando-se
na realidade opressiva que conhecemos?
Em sua procura de resposta, Marx convenceu-se de que ao longo da história das
sociedades divididas em classes, apesar do desenvolvimento das forças produ-
tivas e apesar do progresso tecnológico, a exploração da força humana de tra-
balho tem se refinado, tem se tornado mais aguda por meio de um processo sutil
que, para ser percebido, precisa de um ângulo crítico. Como o pensamento pode
influir nas convicções das pessoas, mas não pode decidir os rumos das mudan-
ças práticas, socioeconômicas, Marx escreveu no texto A Sagrada Família que
"as ideias nunca podem executar coisa alguma; para a execução das ideias são
necessários seres humanos que ponham em ação uma força prática".
Como não há sociedade que não consuma para sobreviver e como para consu-
mir ela precisa, de alguma forma, produzir, nas sociedades divididas em classes,
os que possuem os grandes meios de produção exploram os que produzem. A
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 61

história tem sido, então, a história da luta de classes, de um conflito explícito ou


implícito entre os detentores do poder e da riqueza e os excluídos (KONDER,
2004, p. 18).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
É possível encontrar em vários dos escritos de Marx referên-
cias críticas ao papel da educação na sociedade capitalista e pro-
postas de uma nova educação, a qual contribua na luta pela supe-
ração da sociedade capitalista e na construção de uma sociedade
que supere as relações sociais de produção capitalista.
No Manifesto do Partido Comunista, escrito por Karl Marx e
Friedrich Engels em 1848, aparece a ideia do ensino público, gra-
tuito e unido ao trabalho e à formação do homem onilateral como
proposta de superação da educação burguesa que se sustenta na
divisão do trabalho e na propriedade privada.
Para Marx, o trabalho é um princípio educativo e somente
a partir da unidade entre trabalho e ensino se poderia constituir
o homem novo. No discurso aos delegados do I Congresso da As-
sociação Internacional dos Trabalhadores em 1866, fica explícita
sua concepção de educação, que articula trabalho e ensino. Mana-
corda (1991) chama a atenção para o fato de que é nas Instruções
para os Delegados do Conselho Geral Provisório que Marx chega,
pela primeira vez, a uma "autêntica e pessoal definição do conteú-
do pedagógico do ensino socialista":
Por ensino entendemos três coisas:
• primeira: ensino intelectual;
• segunda: educação física, dada nas escolas e através de exercí-
cios militares;
• terceira: adestramento tecnológico, que transmita os fundamen-
tos científicos gerais de todos os processos de produção e que,
ao mesmo tempo, introduza a criança e o adolescente no uso
prático e na capacidade de manejar os instrumentos elementa-
res de todos os ofícios.
Com a divisão das crianças e dos adolescentes dos 9 aos 17 anos
em três classes, deveria estar vinculado um programa gradual e
progressivo de ensino intelectual, físico e tecnológico.

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62 © Sociologia da Educação

A união do trabalho produtivo remunerado, do ensino intelectual,


do exercício físico e do adestramento politécnico elevará a classe
operária acima das classes superiores e médias (MANACORDA,
1991, p. 26-27).

Essa seria a formação que transformaria filhos de operários


em homens completos e os elevaria a um nível superior ao dos
burgueses. Quanto aos burgueses, eles seriam homens completos
apenas quando rompessem com a separação entre trabalho inte-
lectual e manual. De acordo com Marx, era necessário substituir
o indivíduo parcial, mero fragmento humano que repete sempre
uma operação parcial, pelo indivíduo integralmente desenvolvido,
para o qual as diferentes funções sociais não passariam de formas
sucessivas de sua atividade.
Sobre o papel do Estado diante da educação, a ideia de Marx
era que o ensino deveria ser mantido pelo Estado, mas controlado
pela sociedade civil. No texto a seguir, temos algumas referências
das posições de Marx sobre "educação popular a cargo do Estado"
que aparecem no Programa do Partido Operário Alemão.

Educação popular igual?–––––––––––––––––––––––––––––––


O que é que se imagina por detrás das palavras "educação popular igual"?
Acredita-se que, na sociedade hodierna (e é só com ela que se tem que ver), a
educação pode ser igual para todas as classes? Ou reclama-se que as classes
superiores também devem ser reduzidas compulsivamente ao módico da educa-
ção — da escola primária (Volksschule) — o único compatível com as condições
econômicas, não só dos operários assalariados, mas também dos camponeses?
Escolaridade obrigatória geral e instrução gratuita: a primeira existe mesmo na
Alemanha, a segunda na Suíça e nos Estados Unidos para as escolas primárias.
Se, em alguns Estados deste último país, também há estabelecimentos de ensi-
no "superior" que também são "gratuitos", isso só significa de fato pagar às clas-
ses superiores os seus custos de educação a partir da caixa geral de impostos.
O parágrafo sobre as escolas deveria, pelo menos, ter reclamado escolas técni-
cas (teóricas e práticas) em ligação com a escola primária.
Uma "educação popular pelo Estado" é totalmente rejeitável. Determinar por uma
lei geral os meios das escolas primárias, a qualificação do pessoal docente, os
ramos de ensino etc., e, como acontece nos Estados Unidos, supervisionar por
inspetores do Estado, o cumprimento dessas prescrições legais é algo totalmen-
te diferente de nomear o Estado educador do povo! Mais ainda, é de excluir
igualmente o governo e a Igreja de toda a influência sobre a escola (adaptado
de MARX, 2009).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 63

Rodrigues (2001), ao concluir seu texto Sociedade, Educação


e Emancipação, no qual expõe o ponto de vista clássico de Marx e
os significados desse ponto de vista em termos educacionais tra-
duzidos na "concepção da sociedade como espaço de exploração
da educação como possibilidade de emancipação", apresenta um
trecho de Engels extraído de Princípios do Comunismo, escrito em
1847, o qual nos oferece a "chave do tamanho" sobre o que ele e
Marx esperavam da nova educação.
A educação dará aos jovens a possibilidade de assimilar rapidamen-
te na prática todo o sistema de produção e lhes permitirá passar su-
cessivamente de um ramo de produção a outro, segundo as neces-
sidades da sociedade ou suas próprias inclinações. Por conseguinte,
a educação nos libertará desse caráter unilateral que a divisão atual
do trabalho impõe a cada indivíduo. Assim, a sociedade organizada
sobre as bases comunistas dará aos seus membros a possibilidade
de empregar em todos os aspectos suas faculdades desenvolvidas
universalmente (ENGELS apud RODRIGUES, 2001, p. 57).

Diante do exposto e antes de passarmos ao pensamento de


Durkheim sobre a educação, é necessário registrar que não deve-
mos nos esquecer de que os escritos desses e de outros autores
devem ser sempre compreendidos historicamente, considerando
as contradições daquele contexto, com quem estão dialogando e
a que necessidades sociais, políticas e econômicas respondem em
um determinado quadro de correlações de forças.

Émile Durkheim (1858-1917)


[...] dedicou os melhores anos de sua vida tanto à sociologia quanto
à pedagogia. Na Faculdade de Letras, de Bordéus, de 1887 a 1902,
deu semanalmente, sem interrupção, uma hora de aula de peda-
gogia, e os seus ouvintes eram, na maioria, professores primários
(FAUCONNET, 1978, p. 9).

Com essas palavras, Paul Fauconnet inicia o ensaio A obra


pedagógica de Durkheim, que serve de introdução ao livro Educa-
ção e Sociologia (1978).
Para Durkheim, as questões educacionais estão ligadas à
possibilidade de se instituir uma educação laica e republicana em

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64 © Sociologia da Educação

oposição à influência religiosa e monarquista presente no ensino


francês. Na França, a disciplina de Sociologia, que começou nos
cursos secundários e, depois, se estendeu aos universitários, teve
um papel significativo na transformação da educação.
Paul Fauconnet (1978, p. 19) registrou que, nas aulas de
Durkheim, o ensino "teve sempre o caráter eminentemente prá-
tico" e "os assuntos eram abordados sob o método científico";
porém, a escolha dos temas a serem tratados "era ditada pelas
dificuldades práticas", pois era "a conclusões de ordem prática que
ele desejava chegar".
É na obra Educação e Sociologia (1978, p. 33), no texto
em que discorre sobre a educação – sua natureza e função, que
Durkheim chega a uma definição de educação. Para ele, a educa-
ção era empregada em sentido "demasiadamente amplo"; daí ser
necessário procurar uma definição que considerasse os sistemas
educativos existentes ou que tivessem existido, "compará-los e
apreender deles os caracteres comuns".
Diante da constatação de que a sociedade não poderia exis-
tir sem "certa homogeneidade" entre seus membros, Durkheim
(1978, p. 41) chegou à concepção de que a educação é um meio
mediante o qual a sociedade prepara, "no íntimo das crianças, as
condições essenciais da própria existência". Uma vez estabeleci-
dos esses princípios, ele chega à seguinte fórmula:
A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as ge-
rações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social;
tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número
de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela socieda-
de política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança,
particularmente, se destine (DURKHEIM, 1978, p. 41).

Essa definição levou Durkheim (1983, p. 43) à concepção de


que "o fim da educação" é constituir o ser social mediante "uma
socialização metódica das novas gerações". Na realidade, o ser so-
cial não nasce pronto e também não resulta de desenvolvimento
espontâneo. Nenhum ser humano se submeteria à autoridade po-
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 65

lítica, respeitaria a disciplina moral, se devotaria, se sacrificaria es-


pontaneamente. É do seio da sociedade que veem as forças morais
diante das quais o ser humano "sente sua fraqueza e inferioridade"
e cria possibilidades para que a "obra da educação" se concretize.
Podemos experimentar agir contra os costumes, mas será
difícil não sermos vencidos, dado que haverá uma reação contrá-
ria das forças morais contra as quais nos insurgimos. É assim que,
em nossa sociedade, um casal pode decidir ter filhos sem casar-se
no civil, mas, muitas vezes, é vencido pela pressão religiosa ou no
momento em que vai matriculá-los na escola.
Para ampliarmos um pouco nossas reflexões sobre educação
e sociedade, atribuímos a palavra ao próprio Durkheim:

Caráter social da educação–––––––––––––––––––––––––––––


Conclui-se que a educação consiste numa socialização metódica das novas ge-
rações. Em cada um de nós, já o vimos, pode-se dizer que existem dois seres.
Um constituído de todos os estados mentais que não se relacionam senão conos-
co mesmo e com os acontecimentos de nossa vida pessoal; é o que se poderia
chamar de ser individual. O outro é um sistema de idéias, sentimentos e hábitos,
que exprimem em nós, não a nossa individualidade, mas o grupo ou os grupos
diferentes de que fazemos parte; tais são as crenças religiosas, as crenças e as
práticas morais, as tradições nacionais ou profissionais, as opiniões coletivas de
toda espécie. Seu conjunto forma o ser social. Constituir esse ser em cada um de
nós – tal é o fim da educação. É por aí, aliás, que melhor se revela a importância
e a fecundidade do trabalho educativo (DURKHEIM, 1978, p. 41-42).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Com relação ao papel da instituição familiar na educação,
são poucos os escritos de Durkheim, embora considere que a fa-
mília constitua um ambiente privilegiado para as aprendizagens
menos formais, pois há "uma educação não intencional que jamais
cessa" e, pelo exemplo dado, pelas palavras pronunciadas, pelos
atos praticados, "influímos de maneira contínua sobre a alma de
nossos filhos"; é à instituição escolar que ele dirige seu interesse
por conceber que a educação não pode ser entendida como uma
coisa privada e doméstica (DURKHEIM, 1978, p. 57).
Nesse sentido é que Durkheim afirmou que os pais não podem
educar seus filhos de acordo com sua vontade, assim como os pro-
fessores, os clérigos e os partidos políticos que, a despeito de suas

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66 © Sociologia da Educação

dissidências, não podem agir em desacordo com certos princípios


que são comuns a todos (TURA, 2004, p. 57).

Como Durkheim concebe a educação como fato social, isto


é, admite que ela seja função essencialmente social, não pode o
Estado se afastar de seus interesses. Sendo assim, tudo o que se
refira à educação:
[...] deve estar até certo ponto submetido à sua influência. Isto não
quer dizer que o Estado deva, necessariamente, monopolizar o en-
sino. A questão é muito complexa para que se trate dela assim, de
passagem. Pode-se acreditar que o progresso escolar seja mais fácil
e mais rápido onde certa margem se deixe à iniciativa privada. O
indivíduo é sempre mais renovador que o Estado. Mas o fato de
dever o Estado, no interesse público, deixar abrir outras escolas
que não as suas, não se segue que deva tornar-se estranho ao que
nelas se venha a passar. Pelo contrário, a educação que aí se der
deve estar submetida à sua fiscalização. Não é mesmo admissível
que a função de educador possa ser preenchida por alguém que
não apresente as garantias de que o Estado, e só ele, pode ser juiz
(DURKHEIM, 1978, p. 48).

O autor refere-se à importância do papel da iniciativa priva-


da diante do progresso escolar. No entanto, ele alerta para o fato
de que, nas escolas de iniciativa privada, o que se passa não deve
ser estranho ao Estado; elas devem estar sujeitas à sua fiscalização
e não têm o direito de ensinar o que lhes convém, pois tanto elas
quanto as escolas públicas devem garantir que o ensino atenda às
necessidades da sociedade.
Enfim, os inúmeros estudos de Durkheim sobre educação
e sociedade, ampliados por seus seguidores e opositores, consti-
tuem base teórica para problematizações e para o entendimento
da Sociologia da Educação, sobretudo o que se refere à análise de
processos de socialização a partir da vivência escolar, o que pode
ser justificado por meio das próprias palavras de Durkheim, ex-
traídas de seus escritos sobre Sociologia e educação, constituídos
entre 1887 e 1902, frutos de aulas na Escola Normal Superior, de
cursos públicos e de conferências:
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 67

Como a vida escolar não é senão o germe da vida social e como esta
não é senão o desenvolvimento daquela – os principais processos
pelos quais uma funciona devem ser encontrados na outra. Pode-
se, pois, esperar que a Sociologia, ciência das instituições sociais,
nos auxilie a compreender melhor o que são as instituições peda-
gógicas e a conjeturar o que devam ser elas, para melhor resultado
do próprio trabalho. Tanto mais conheçamos a sociedade, tanto
melhor chegaremos a perceber o que se passa nesse microcosmo
social que é a escola (DURKHEIM, 1978, p. 88).

Max Weber (1864-1920)


Tal como Karl Marx, Max Weber também não deixou uma
obra específica sobre educação, não produziu uma teoria socioló-
gica da educação, não tomou a educação ou a instituição escolar
como objeto de análise. Contudo, podemos encontrar referências
ao tema da educação em três de seus textos: A ciência como vo-
cação, Os letrados chineses e A "racionalização" da educação e
treinamento.
O primeiro foi, originalmente, um discurso pronunciado na
Universidade de Munique em 1918. Nele, Weber propôs-se a fazer
uma análise das condições da produção da ciência e da carreira
universitária na Alemanha; para isso, utilizou-se de comparações
com as condições nos Estados Unidos, país que, de acordo com
Weber, mais se contrastava com a realidade alemã naquele mo-
mento. Ele constatou que a burocracia, que pressupõe o diploma
de exame como bilhete de entrada para o reino das prebendas,
estaria apenas em seus primórdios.
Nesse seu esforço, Weber apresentou a tendência da racio-
nalização, burocratização e a especialização cada vez maior na Ale-
manha:
Ultimamente, podemos observar distintamente que as universida-
des alemãs nos amplos campos da ciência evoluem na direção do
sistema americano. Os grandes institutos de Medicina ou Ciências
Naturais são empresas "capitalistas estatais" que não podem ser
administradas sem consideráveis recursos (WEBER, 1974a, p. 156).

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68 © Sociologia da Educação

Ao realizar a comparação entre a universidade e as empre-


sas, o autor afirmou que os docentes das universidades estavam
passando pelo mesmo processo de desapropriação de suas fer-
ramentas e da especialização do trabalho que os artesões haviam
passado com o aparecimento da indústria (WEBER, 1974a).
Continuando sua análise sobre a burocratização da universi-
dade, Weber apresentou os contrastes presentes na carreira vol-
tada para a ciência ou para a docência. Nessas duas carreiras, ele
apontou contradições entre a erudição e a docência; o diletante e
o perito; o líder e o professor; a ciência e a arte; o profeta e o de-
magogo; o acaso e a capacidade. Ele finaliza o texto com a tese do
"desencantamento do mundo":
O destino de nossos tempos é caracterizado pela racionalização
e intelectualização e, acima de tudo, pelo "desencantamento do
mundo". Precisamente, os valores últimos e mais sublimes retira-
ram-se da vida pública, seja para o reino transcendental da vida
mística, seja para a fraternidade das relações humanas diretas e
pessoais (WEBER, 1974a, p. 182).

Esse "desencantamento do mundo", como afirmou Weber,


é resultado da dominação racional-legal burocrática; esta, por sua
vez, traduzida pela burocracia moderna, funcionaria da seguinte
forma específica:
I. Rege o princípio de áreas de jurisdição fixas e oficiais, ordenadas
de acordo com regulamentos, ou seja, por leis ou normas admi-
nistrativas [...].
II. Os princípios da hierarquia dos postos e dos níveis de autorida-
des significam um sistema firmemente ordenado de mando e
subordinação [...].
III. A administração de um cargo moderno se baseia em documen-
tos escritos ("arquivos"), preservados em sua forma original ou
em esboço [...].
IV. A administração burocrática, pelo menos toda a administração
especializada – que é caracteristicamente moderna –, pressupõe
habitualmente um treinamento especializado e completo [...].
V. Quando o cargo está plenamente desenvolvido, a atividade ofi-
cial exige a plena capacidade de trabalho do funcionário [...].
VI. O desempenho do cargo segue regras gerais, mais ou menos
estáveis, mais ou menos exaustivas, e que podem ser aprendi-
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 69

das. O conhecimento dessas regras representa um aprendizado


técnico especial, a que se submetem esses funcionários. Envol-
ve jurisprudência, ou administração pública ou privada (WEBER,
1974, p. 229-231).

Nessa apresentação das características da burocracia, tam-


bém podemos encontrar algumas contribuições de Weber para a
educação quando ele se preocupa em indicar o tipo de formação
exigida pela moderna burocracia na busca cada vez maior da efi-
ciência e da técnica: aumento do número de peritos na ocupação
dos cargos tanto nas estruturas públicas como nas privadas, sendo
os "exames especiais" e seus certificados os critérios de seleção.
São os diferentes tipos de exames a que os estudantes são
submetidos que ilustram a afirmação da burocracia como um ele-
mento que promove o desenvolvimento de uma "objetividade
racional" acarretando efeitos na natureza da educação. O fato de
instituições educacionais de nível superior e médio produzirem
um sistema de exames especiais e priorizarem a especialização re-
querida pela burocracia é um exemplo do seu avanço.
Para Weber (1974b, p. 281) "a burocratização do capitalis-
mo, com sua exigência de técnicos, funcionários preparados com
especialização etc., generalizou o sistema de exames em todo o
mundo", daí surgindo uma ambivalência em relação aos exames
nas sociedades democráticas resultante do fato de esses exames
seletivos e essas seleções, ao mesmo tempo em que possibilitam
ascensão social de indivíduos das mais diversas camadas sociais,
darem origem a uma nova camada social privilegiada, a seleção
por exames.
A ideia de distinção entre formação, treinamento e educa-
ção na ocupação dos cargos nas estruturas burocráticas, como, por
exemplo, a da formação do homem culto, educação para a vida
que aparece no texto A ciência como vocação, será mais bem de-
senvolvida em Os letrados chineses. Nele, aparece como a China
antiga organizou o modelo de administração com uma estrutura
de formação e educação dos ocupantes de cargos em sua burocra-

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70 © Sociologia da Educação

cia. Uma das singularidades dessa formação está em seu caráter


laico e literário, destaca Weber. A relação da educação com a bu-
rocracia chinesa e o conjunto da sociedade aparece assim descrita
no primeiro parágrafo:
Durante doze séculos, a posição social na China foi determinada
mais pelas qualificações para a ocupação de cargos do que pela
riqueza. Essa qualificação, por sua vez, era determinada pela edu-
cação, e especialmente pelos exames. A China fizera da educação
literária a medida do prestígio social de modo o mais exclusivo,
muito mais do que na Europa durante o período dos humanistas,
ou na Alemanha (WEBER, 1974c, p. 471).

Essa educação dos letrados, funcionários, lhes dava prestígio


e carisma, não porque possuíam qualidades sobrenaturais, mas
por dominarem os conhecimentos da escrita e da literatura, legiti-
mados pelos exames que:
[...] comprovavam se a mente do candidato estava embebida de
literatura e se ele possuía ou não os modos de pensar adequados
a um homem culto e resultantes do conhecimento da literatura
(WEBER, 1974c, p. 484).

No texto Os letrados chineses, Weber observa que, no cam-


po das necessidades educacionais, há dois polos opostos com con-
trastes radicais, embora tenham conexões entre si. No primeiro
polo, estaria: "despertar o carisma, isto é, qualidades heróicas ou
dons mágicos"; e, no outro polo, "transmitir o conhecimento es-
pecializado". Entre os dois tipos, encontra-se um terceiro, que pre-
tende preparar o aluno para uma "conduta de vida": a "pedagogia
do cultivo" (WEBER, 1974c, p. 482). Esses seriam os "tipos ideais"
de pedagogia e suas finalidades: a pedagogia do carisma e seu
oposto, a pedagogia do treinamento, e, entre essas, a pedagogia
do cultivo é assim descrita pelo autor:
O primeiro tipo corresponde à estrutura carismática do domínio; o
segundo corresponde à estrutura (moderna) de domínio, racional
e burocrático. Os dois tipos não se opõem, sem ter conexões ou
transições entre si. O herói guerreiro ou o mágico também necessi-
ta de treinamento especial, e o funcionário especializado em geral
não é preparado exclusivamente para o conhecimento. São porém
pólos opostos dos tipos de educação e formam os contrastes mais
radiais. Entre eles estão aqueles tipos que pretendem preparar o
aluno para a conduta de vida, seja de caráter mundano ou religioso.
(WEBER, 1974c, p. 482).
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 71

A educação carismática é orientada para "despertar" a capa-


cidade considerada como um dom pessoal, uma vez que o carisma
não pode ser ensinado, ou ele existe in nuce, ou seja, é inato, ou é
impossível alcançá-lo. Não se trata, então, de uma tarefa de forma-
ção, e, sim, de "conversão", ajudar o aluno a adquirir uma "nova
alma", renascer. Como exemplo dessa educação, Weber (1974c, p.
482) apresenta a educação dos guerreiros, dos sacerdotes e dos
mágicos.
O tipo de educação especializada está orientado para treinar
o aluno para finalidades práticas, úteis à administração na organi-
zação das autoridades públicas, escritórios, oficinas, laboratórios
industriais, exércitos disciplinados. A visão de Weber era a de que,
como avanço da racionalização da vida social e a consequente bu-
rocratização dos aparatos públicos e privados, a educação passaria
a dedicar-se cada vez mais ao preparo de especialistas com o ob-
jetivo de tornar cada indivíduo um perito, em detrimento da edu-
cação para a "qualidade da posição do homem na vida" (WEBER,
1974b, p. 280).
Desse pensamento de Weber, podemos depreender que
tornar-se um especialista é necessariamente um produto da ação
escolar, da instrução para que o aluno adquira uma habilidade prá-
tica com fins profissionais e utilitários na vida social, tornando-se
um homem instruído, como nos explica a professora Rita Amé-
lia Teixeira Vilela (2004). Sobre as bases do sistema educacional,
oculta-se a "luta dos especialistas" contra o tipo mais antigo de
"homem culto", uma luta determinada pela expansão irresistível
da burocratização de todas as relações de autoridades públicas e
pela crescente importância dos peritos e do conhecimento espe-
cializado – é isso que sentencia Weber (1974b, p. 180) no texto A
"racionalização" da educação e treinamento.
Mas o que definiria o "homem culto" para Weber?
A resposta encontra-se no tipo de educação para uma con-
duta de vida, a pedagogia do cultivo, e que "significa educar um

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72 © Sociologia da Educação

homem para certo comportamento interior e exterior na vida"


(WEBER, 1974b, p. 180).
Ser homem culto vai além do saber e do conhecimento; quer
dizer, antes de mais nada, familiaridade com a cultura, com as ma-
neiras de agir e as formas de pensar de um determinado grupo so-
cial. Implica estar preparado para agir de acordo com um conjunto
de atitudes voltado para a reflexão (comportamento interior) e um
conjunto de atitudes voltado para determinado tipo de comporta-
mento social (exterior). Trata-se aqui de uma educação formativa
orientada para cultivar um determinado modo de vida, uma "qua-
lificação cultural" destinada à composição de determinado grupo
social.
Para a Sociologia da Educação, a perspectiva de Weber impli-
ca o modo pelo qual os seres humanos são preparados para exer-
cer funções que se estabeleceram com o processo de racionaliza-
ção da vida. O que isso quer dizer? Significa que educar no sentido
da racionalização passou a ser fundamental para o Estado e para o
capitalismo, os quais são inseparáveis.
Mas, para Weber, mais do que profissionais para a adminis-
tração pública ou para a empresa, o Estado e o capitalismo forja-
ram um novo ser humano, um ser humano racional, livre de con-
cepções mágicas, para quem o mundo perdeu o encantamento,
e isso "tem ramificações de longo alcance, mas somente um ele-
mento importante do processo pode ser indicado aqui: seu efeito
sobre a natureza do treinamento e educação" (WEBER, 1975b, p.
277).
Ao "tentar explicitar em Weber, algumas lições essenciais
para que os educadores possam encontrar em sua categoria so-
cial pistas para o entendimento da função social da escola e da
educação", Rita Amélia Teixeira Vilela (2004, p. 92) oferece-nos
condições de encerrar esta exposição com possibilidades abertas
pela Sociologia compreensiva de Weber para as análises da escola.
Trata-se dos seguintes temas, que são "caros à Sociologia da Edu-
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 73

cação e que se encontram nas diferentes vertentes de tratamento


da escola na estrutura social como aparato de dominação cultural
e simbólica" (VILELA, 2004, p. 94):
• Estudo dos processos e mecanismos de reprodução social atra-
vés da reprodução de estruturas escolares (arbitrariedade de for-
mas curriculares e práticas sociais de seus agentes), estudo dos
sistemas de educação com sistemas de dominação;
• Valor social dos diferentes tipos de diplomas e de culturas esco-
lares;
• Processos sociais particulares de grupos sociais (ou de camadas
sociais) em relação às suas possibilidades e qualidades de edu-
cação;
• Reflexões sobre o conhecimento e o saber especializado na or-
dem social racional da sociedade pós-industrializada e os estudos
de desvelamento e crítica da ideologia da escola (VILELA, 2004,
p. 94).

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Uma vez realizado o estudo desta unidade, é importante
que você realize as questões autoavaliativas a seguir, a fim de que
possa perceber se é preciso voltar ao texto da unidade para sanar
eventuais dúvidas:
1) Por que se considera que Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber oferecem
ontribuições teóricas significativas para a Sociologia da Educação?

2) No que consiste o caráter social da educação para Émile Durkheim?

3) Como Karl Marx definiu o conteúdo pedagógico do ensino socialista?

4) Quais são as caracterísitcas que Weber apresenta para cada um dos três
tipos de educação: a educação carismática, a educação especializada e a
educação para a conduta de vida (Pedagogia do Cultivo)?

8. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, organizamos algumas reflexões para apre-
sentar a Sociologia e, de modo específico, a Sociologia da Educa-

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74 © Sociologia da Educação

ção como formas de conhecimentos originárias de um contexto


que se desenvolveu de modo contraditório, que gerou divergên-
cias metodológicas e teóricas e que exigiu um novo sujeito adap-
tado aos valores da nova sociedade capitalista que se consolidou a
partir do século 19.
A sociedade industrial revolucionou e continua a revolucio-
nar toda a vida humana em suas dimensões econômica, política,
científica, social, educacional e cultural.
Nesse sentido, a contribuição da Sociologia é fundamental
para a compreensão da sociedade capitalista quando se tem em
conta que ela se organiza com a instalação do capitalismo e se ocu-
pa, em princípio, em explicar esse sistema em sua dimensão eco-
nômica, política e social.
No entanto, a Sociologia não apresenta uma única explica-
ção das realidades, pois seus pensadores diferem, por exemplo,
quanto às concepções de educação, o que oferece possibilidades
de diversificadas visões sobre o papel social da escola.
A Sociologia, ao organizar explicações sobre a socieda-
de capitalista, mediante o pensamento de autores como Marx,
Durkheim e Weber, passa a fazer parte de sua história e, sendo
assim, não está acabada – é parte do constante fazer e refazer do
processo histórico. Como propõe Kruppa (1994, p. 54), "as análises
sociológicas não devem, portanto, cristalizar-se como verdades".
Marx, Durkheim e Weber são considerados autores clássicos
da Sociologia porque em suas obras se encontram os elementos
básicos para a explicação científica dos fenômenos sociais. Além
disso, eles apresentaram pontos de vista distintos sobre a objetivi-
dade científica do conhecimento da vida social dos seres humanos
e diferentes reflexões em torno da sociedade capitalista. Elabo-
raram conceitos para explicar a realidade que se consolidava his-
toricamente, explorando tanto problemas teóricos como práticos.
Esse é o motivo pelo qual suas teorias se mantêm como referência
quando se pensa a sociedade atual.
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 75

Desde os primeiros momentos da organização da Sociologia


como ciência, os pensadores depararam-se com as dificuldades de
lidar com a tensão entre observar a sociedade como uma estrutura
com poder de coerção e de determinação sobre as ações individu-
ais ou observar o indivíduo como agente criador e transformador
da vida coletiva. Para demarcar a tensão entre indivíduo e socie-
dade, a teoria sociológica dos clássicos orientou-se por diferentes
perspectivas.
Émile Durkheim tomou como ponto de partida a existência
plena de uma vida coletiva gerida acima e fora das mentes dos
indivíduos, caso em que o peso da sociedade sobre os indivíduos
indica a preponderância de uma consciência coletiva. Max Weber,
em contrapartida, tomou a ação individual como ponto de partida
para a compreensão da realidade social. Nesse caso, a ênfase foi
atribuída à capacidade dos indivíduos de forjar a sociedade ba-
seando-se nas relações de uns com os outros. Há, ainda, a teoria
de Karl Marx, que indicou que o caráter coercitivo por parte da
sociedade não se manifesta indistintamente sobre todos os indiví-
duos, e, sim, de uma parte da sociedade sobre a outra; em outras
palavras, de uma classe social sobre as outras.
As sociologias de Karl Marx e Émile Durkheim partem do pen-
samento de que só é possível compreender as relações sociais se
compreendermos a sociedade que obriga os indivíduos a agirem
de acordo com forças estranhas às suas vontades. Já a sociologia
de Max Weber parte da ideia de que a sociedade é o resultado de
uma inesgotável rede de interações interindividuais.
A visão de educação em Durkheim (1978, p. 82), expressa
em Educação e Sociologia, é de que: "a educação é, acima de tudo,
o meio pelo qual a sociedade renova perpetuamente as condições
de sua própria existência"; ela "consiste, pois, sob qualquer de
seus aspectos numa socialização metódica de cada nova geração".
A educação cria, "no homem, um ser novo".

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76 © Sociologia da Educação

A atualidade do pensamento de Marx tem sido amplamente


discutida nos debates sobre educação e trabalho a partir da con-
cepção de educação politécnica, na qual ele defendeu a integração
de uma educação humanista, tecnológica e corporal.
Vale mencionar que, depois de ter estudado as duas primei-
ras unidades deste CRC, a sua tarefa, como estudante de um curso
de Licenciatura, é incorporar os conhecimentos da Sociologia da
Educação e:
• Compreender que, com as mudanças implantadas pelas
Revoluções Francesa e Industrial, se evidencia a necessi-
dade da implantação de uma educação que, por meio das
instituições escolares, forme os novos indivíduos adapta-
dos à nova ordem mundial que substituiu a religião pela
razão.
• Compreender que à educação caberia a afirmação da
ideia do "novo cidadão moderno", propagada por meio
do ensino laico, que teria como objetivo romper com a
Igreja para que as pessoas pudessem adquirir a autono-
mia advinda da razão.
• Reconhecer que a visão de cada um dos pensadores clás-
sicos sobre o processo social permite construir visões es-
pecíficas em torno dos significados que a educação sis-
temática assumiu quando da organização da sociedade
capitalista e que continua assumindo mediante um siste-
ma de ensino organizado formalmente.
Por fim, é fundamental que você saiba que, apenas com os
estudos das unidades deste CRC, ainda estaremos muito distantes
de uma visão de conjunto sobre questões e temas da Sociologia
da Educação. Nesse sentido, não há nada que substitua a leitura
dos clássicos, nem o imenso volume de informações disponível na
internet, nem mesmo a intermediação do professor. É a leitura das
obras clássicas que oferece a "chave do tamanho" que abre as por-
tas para uma melhor compreensão da realidade. Para realizar essa
tarefa, o caminho da biblioteca ainda é insuperável: "nenhum livro
© U2 - Educação e Sociedade: Um Ponto de Vista dos Teóricos Clássicos da Sociologia 77

que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão", afirma
Ítalo Calvino (1993, p. 2).
Em nossa biblioteca, temos muitos livros que tratam da So-
ciologia da Educação. Caso você pesquise algum autor diferente,
não deixe de socializá-lo com os companheiros de turma. No tópi-
co Referências Bibliográficas, você pode conferir uma vasta biblio-
grafia para iniciar as suas pesquisas.

9. E-REFERÊNCIAS
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Questões. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/marx/1866/08/
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EAD
Modos de Educar Segundo
Desmembramentos do
Pensamento Clássico:

3
Sociologia e
Educação no Brasil

1. OBJETIVO
• Abordar aspectos do pensamento sociológico brasileiro
que apontem estreitamento da relação entre Sociologia
e educação.

2. CONTEÚDOS
• Alguns registros sobre a Sociologia no Brasil.
• Sociologia brasileira como uma forma de pensar a edu-
cação.

3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Na verdade, o que se propõe aqui talvez caracterize mais um
esclarecimento do que uma orientação para o estudo desta unida-
de, que está voltada para algumas reflexões em torno da Sociolo-
gia e da educação no Brasil.
80 © Sociologia da Educação

A ideia é chamar a atenção para o recorte dado ao conteú-


do proposto, que leva em consideração o fato de que não é fácil
delimitar com precisão e indicar de uma vez por todas o que estu-
dar na Sociologia da Educação. Essa dificuldade existe porque há
inúmeros assuntos que podem ser por ela analisados: das teorias
clássicas ao namoro, passando pelo insucesso escolar ou pela di-
versidade cultural, muitos fenômenos sociais podem ser alvo de
investigação no campo educacional.
Além da extensão, quantidade e variedade de temas de in-
vestigação sociológica, temos de contar, também, com a possibi-
lidade do desaparecimento de alguns deles, assim como com o
surgimento de outros novos, em virtude de mudanças ocorridas
na sociedade. Por exemplo: há alguns anos, a influência dos celu-
lares nas interações sociais era um tema sociológico impossível de
ser pesquisado porque ainda não existiam celulares.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
A organização do pensamento sociológico é fruto de um
processo que se fundamenta nas condições históricas, políticas,
econômicas e sociais do capitalismo, que tem início na Europa do
século 14 e é implantado no século 19, quando o pensamento so-
cial passou a ser elaborado cientificamente. Nesse momento, a so-
ciedade torna-se objeto de pesquisa.
Por ser a Sociologia uma ciência social que se pensa o tempo
todo, que se questiona continuamente à medida que se desenvol-
ve e se modifica, ela apresenta peculiaridades ao se organizar no
Brasil.
Diante da questão básica da Sociologia, que é continuamen-
te buscar resposta para a pergunta "o que torna possível a orga-
nização social das relações entre os seres humanos?", constata-
mos que as três respostas clássicas para essa pergunta (a de Émile
Durkheim, a de Max Weber e a de Karl Marx) tiveram diferentes
© U3 - Modos de Educar Segundo Desmembramentos do Pensamento Clássico: Sociologia e
Educação no Brasil 81

repercussões no pensamento sociológico brasileiro, que também


acompanhou as condições de desenvolvimento do capitalismo e
da inserção do país na ordem capitalista mundial.
A produção sociológica brasileira não deixou de refletir as
relações coloniais com a Europa e o avanço do capitalismo depen-
dente, bem como acompanhou a transição de uma sociedade de
base agrária para uma sociedade na qual a burguesia industrial
adquire primazia.
Primazia essa no sentido de conduzir as direções econômi-
cas, políticas e culturais, segundo as quais se organizam as intera-
ções sociais na cidade e no campo, na agricultura e no comércio,
no governo e na educação e que vai sendo adquirida do século 19
em diante.

5. ALGUNS REGISTROS SOBRE A SOCIOLOGIA NO


BRASIL
No final do século 19 e início do século 20, a modernização
do Brasil passou a ser importante para a burguesia emergente,
uma vez que ela necessitava de um saber mais pragmático, que
não estivesse vinculado à herança colonial. Por essa razão, orga-
nizou-se um movimento para modificar a sociedade e a cultura e
orientou-se o pensamento social para as mudanças sociais. Nes-
sa orientação, também estava presente a ideia da importância da
educação para a compreensão das mudanças sociais em curso.
Nesse contexto, surgem estudos históricos, críticas literárias
e análises com caráter sociológico, como Os Sertões, de Euclides
da Cunha. Um painel das mudanças intelectuais desse período
apresentado por Fernando de Azevedo registra que se trata de:
[...] um período em que as ciências matemáticas tomam novo im-
pulso com Otto Alencar, entra em atividade o Museu Paraense fun-
dado por Emilio Goeldi, em 1855. Hermann von Ihering é chamado
a dirigir o Museu Paulista em 1893 e lhe dá alto cunho científico;
Barbosa Rodrigues reorganiza o Jardim Botânico e Nina Rodrigues

Claretiano - Centro Universitário


82 © Sociologia da Educação

empreende na Bahia pela primeira vez um estudo rigorosamente


científico de parte considerável de nossa população constituída
pelo elemento afro-americano. Além do Museu Nacional que passa
por grande transformação sob a impulsão de Batista Lacerda (AZE-
VEDO, 1950, p. 25).

Mas quais seriam as mudanças sociais em processo pelas


quais o Brasil deveria passar e que acarretariam sua moderniza-
ção?
Para Florestan Fernandes, seria o projeto de industrialização
maciça e a urbanização que passam a ter uma importância maior
para a industrialização. É do seu livro A condição de sociólogo que
extraímos algumas ideias que complementam essa resposta:
O sistema de produção, que começa a se diferenciar já na última
década do século XIX desencadeando um processo de industria-
lização incipiente, encontra na década de 20 um florescimento e
é exatamente a partir da pressão de círculos mais ligados com o
mercado interno e com a produção para o mercado interno, que se
delineia uma filosofia política favorável à industrialização maciça.
[...] Redefine-se [...] a relação entre urbanização e industrialização
(FERNANDES, 1978, p. 42-43).

O florescimento da década de 1920 ao qual se refere Flo-


restan Fernandes resultará em alterações que se refletem a partir
da década de 1930 e propiciam à educação o mesmo grau que os
problemas sanitários haviam alcançado junto ao processo de in-
dustrialização e urbanização.
Nesse processo, ocorre a chegada da Sociologia no Brasil
entre 1925 e 1928, quando ela passa a integrar os currículos do
ensino secundário, a começar pelo Colégio Pedro II, no Rio de Ja-
neiro, em seguida pela Escola Normal do Recife, criada por Gilber-
to Freyre, e, depois, em São Paulo, introduzida por Fernando de
Azevedo – é o que menciona a professora Débora Mazza (2004, p.
98), que considera essas "informações curiosas e elucidativas, pois
sugerem que foi por intermédio dos currículos escolares do Ensino
Médio, da escola normal e dos professores" que a Sociologia che-
gou ao nível universitário.
© U3 - Modos de Educar Segundo Desmembramentos do Pensamento Clássico: Sociologia e
Educação no Brasil 83

A explicação de Octávio Ianni (1989) para essas circunstân-


cias é que, antes da década de 1930, o pensamento social brasilei-
ro estava pautado por estudos, escritos de historiadores, cronistas,
políticos, juristas, economistas, escritores, críticos de literatura de
cunho sociológico com contribuições de interesse para a Sociolo-
gia. Daí Fernando de Azevedo, por exemplo, mencionar Sílvio Ro-
mero, Pontes de Miranda e Delgado de Carvalho como "pionei-
ros da Sociologia no Brasil", possivelmente por entender que eles
teriam "preparado o terreno" para a fecundação da Sociologia,
propriamente dita. Isso sem desconhecer as contribuições de Nina
Rodrigues, Euclides da Cunha, Oliveira Lima e Manoel Bonfim.
Esses e outros nomes da história da Sociologia e do pensa-
mento brasileiro mantiveram um diálogo com autores franceses,
alemães, ingleses, estadunidenses e de outros países, o que torna
parte do espírito da Sociologia brasileira tributário das correntes
de pensamento da Sociologia mundial. Contudo, segundo Ianni
(1989, p. 86), o que diferencia o lugar da Sociologia até o final da
década de 1920 e os rumos que ela tomaria na década de 1930 é
que, até então:
[...], a tônica era dada por formas de pensar relativamente pouco
comprometidas com a consistência lógica da análise científica, com
as exigências metodológicas da pesquisa de campo ou reconstru-
ção histórica.

Ao acompanharmos o incremento da industrialização, ve-


mos que é a partir da década de 1930 (e nas seguintes, em escala
cada vez mais acentuada) que a Sociologia brasileira ganha novo
impulso e se estrutura como um sistema significativo, como uma
forma criadora e nova de refletir sobre as questões sociais. A fun-
dação da Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo no ano
de 1933 e, depois, da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo-USP são os marcos que atribuem à So-
ciologia o status de conhecimento sistemático, a partir dos quais
ela se transforma em uma disciplina capaz de elaborar novas expli-
cações sobre a realidade brasileira, de refletir sobre os problemas
e de produzir explicações.

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84 © Sociologia da Educação

Nesse contexto, despontam os intelectuais da "geração


de 1930": Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de
Hollanda e Fernando de Azevedo, que teve um papel importante
na concretização da relação entre Sociologia e educação.
Tanto a Escola Livre de Sociologia como a USP convidaram
professores do exterior para formar profissionais de ciências so-
ciais. Dentre eles, vieram: Donald Pierson, Radcliffe-Brown, Lévi-
Strauss, Georges Gurvitch, Roger Bastide, Paul Arbousse-Bastide
e Fernand Braudel. Dadas essas condições, formou-se o primeiro
grupo de sociólogos que desenvolveu pesquisa a partir da década
de 1950: Florestan Fernandes, Maria Isaura Pereira de Queiroz e
Antonio Candido de Mello e Souza.
A década de 1950 foi marcada pelo pensamento sociológi-
co de Florestan Fernandes e Celso Furtado, responsáveis por duas
correntes de pensamento social de repercussões muito consisten-
tes nas pesquisas sociais brasileiras. Temos, também, nessa mes-
ma década, a participação de Darcy Ribeiro, que, como os demais
intelectuais de sua época, procurou unir a teoria à prática, adap-
tando modelos científicos à realidade brasileira.
A seguir, observe um trecho da obra A condição de sociólogo
(1978), de Florestan Fernandes, em que ele descreve como iniciou
os seus estudos:

Florestan Fernandes (1920-1995) por ele mesmo–––––––––––


[...] eu seria, como figura humana, aquilo que os
historiadores, os antropólogos e os sociólogos cha-
mam de personalidade desenraizada. Eu sou um
desenraizado. Eu sou descendente de uma família
de imigrantes portugueses que se deslocaram do
Minho para o Brasil, pessoas rústicas. E, inclusive
para poder estudar, tive que enfrentar um conflito
com minha mãe. Precisei dizer-lhe: "a partir desse
momento, ou fico em casa e vou estudar, ou saio de
casa para estudar e a senhora perde o filho". Nessa
ocasião eu já tinha dezessete anos, tinha feito parte
do ensino primário, tinha lido muitos livros. Por sorte,
Figura 1 Florestan Fernandes.
encontrei pessoas com as quais eu podia conversar;
fui formando a minha biblioteca e tinha uma pseudo-
© U3 - Modos de Educar Segundo Desmembramentos do Pensamento Clássico: Sociologia e
Educação no Brasil 85

-erudição em várias áreas. Mas eu era um desenraizado e não me vinculara a


nenhum grupo intelectual em São Paulo. A primeira vinculação que eu adquiri
coincide com meu curso de madureza (FERNANDES, 1978, p. 30).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Florestan Fernandes (1978) conta que, em 1944, foi convi-
dado por Fernando de Azevedo para ser assistente da cadeira de
Sociologia II e que levou para o ensino as suas preocupações, pon-
do os estudantes em contato com as ideias do que deveria ser a
Sociologia. São perspectivas que nos oferecem uma dimensão dos
caminhos que o pensamento sociológico trilhou e trilha no Brasil,
considerando-se que muitas dessas ideias continuam circulando
entre nós, como, por exemplo, agora, no texto desta unidade.
O estudante conta com condições precárias para montar sua vida
intelectual. [...]. Por causa disso, fui levado a pensar sobre o ensino
em termos instrumentais e procurei estabelecer uma ligação entre
o que o estudante aprendia e o que ele deveria aprender. [...]
Confesso que na realização dessa tarefa crítica – impessoal e insti-
tucional – tive uma relativa sorte, pois o companheiro Antonio Can-
dido estava enfrentando reflexões análogas. [...]. Começamos a tra-
balhar no sentido de simplificar os programas, de torná-los menos
gerais e de introduzir matérias que os estudantes não aprendiam.
De outro lado procuramos, no ensino do primeiro ano, compen-
sar mais aquilo que o estudante não aprende na escoa secundária.
O estudante vinha com uma bagagem muito pobre. Ele precisava
aprender saturar falhas que são do sistema escolar (FERNANDES,
1978, p. 20).

Nesse trecho, é interessante destacar que, nos relatos do


professor Florestan Fernandes, há um contexto que oferece opor-
tunidade para percebermos a presença da dimensão político-pe-
dagógica à qual se refere o educador Paulo Freire, traduzida pela
ideia de que todo ato educativo é um ato político e sobre a qual a
continuidade do pensamento não deixa dúvidas.
Apesar de estar envolvido no plano político com o movimento mar-
xista, eu não impugnava nem os outros métodos nem as outras
teorias. Eu compreendia Marx e Engels em termos da contribui-
ção que eles davam às ciências sociais e não tentando confundir o
socialismo com a minha atividade docente. De qualquer maneira,
quando comecei a ensinar eu induzi os estudantes a participar de
minhas preocupações. Penso que em termos pedagógicos a minha

Claretiano - Centro Universitário


86 © Sociologia da Educação

orientação foi construtiva, já que os levei a ler muitos autores que


eram ignorados ou mal conhecidos (FERNANDES, 1978, p. 18-19).

Entre a década de 1940 e 1960, a Sociologia brasileira produ-


ziu pesquisas denunciando as desigualdades sociais e as relações
de domínio e opressão, tanto internas quanto externas, com bases
na Sociologia crítica, até que ocorreram as mudanças do contexto
histórico em 1964.
Esse período envolveu três etapas da evolução da Sociologia
brasileira brotadas da experiência paulista, como propõe Florestan
Fernandes (1980, p. 16):
• Em um dado momento fazer ciência, implantar a sociologia e a
investigação sociológica segundo os cânones mais rigorosos do
raciocínio científico foi essencial.
• A ciência e a investigação sociológica exigiam reflexão crítica, e
reflexão crítica metódica, sistemática, o que exigia submeter a
sociedade brasileira a um novo crivo crítico, centrado, como pen-
samento crítico e negador, na análise da sociedade de classes do
capitalismo periférico, dependente e subdesenvolvido;
• Abateu-se sobre o Brasil a vitória da reação e contra-revolução
e todos os que estavam ligados a essa sociologia foram repudia-
dos. Nessa instância a sociologia passa de autoconsciência crítica
à condição de arma de combate.

Em dezembro de 1968, com a decretação do Ato Institucional


número 5 – AI-5, os principais nomes da Sociologia no Brasil foram
sumariamente aposentados ou exilados e impedidos de publicar
seus trabalhos no Brasil, estando entre eles Florestan Fernandes e
Celso Furtado, além de Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso
e Paul Singer. Nesse momento, a Sociologia depara-se com a ne-
cessidade de uma reformulação por tratar-se de um período em
que não bastava ao pensamento sociológico apenas "conhecer a
sociedade"; era preciso ir além e associar-se ao enfrentamento das
forças sociais que manipulavam a crise para detê-la ou transformá-
-la (FERNANDES, 1980).
A partir de 1980, com o início da abertura política, as ci-
ências sociais, de modo amplo, foram retomadas com um novo
© U3 - Modos de Educar Segundo Desmembramentos do Pensamento Clássico: Sociologia e
Educação no Brasil 87

empenho, e a Sociologia, de modo específico, pôde enveredar-se


por novos rumos, tornando-se cada vez mais interdisciplinar e plu-
ral, multiplicando seus objetos de estudo em função da própria
realidade, cada vez mais diversificada e globalizada. Nesse novo
contexto, a Sociologia brasileira passou a pesquisar temas como
redefinição do conceito de dependência, divisão internacional do
trabalho e globalização. Diante dessa temática, dois respeitados
nomes fazem-se presentes: o professor Milton Santos e o profes-
sor Octavio Ianni.

6. SOCIOLOGIA BRASILEIRA COMO UMA FORMA DE


PENSAR A EDUCAÇÃO
A Sociologia foi introduzida como disciplina, inicialmente,
em cursos de formação de professores na Escola Normal do Recife
e no tradicional Colégio Pedro II do Rio de Janeiro.
A partir da Reforma Francisco Campos (1931-1932), o ensi-
no secundário passou a ser dividido entre o ciclo fundamental e
complementar; a Sociologia compôs o currículo do segundo ciclo.
Somente após esse período, houve a inserção dessa disciplina nos
currículos de Ensino Superior: primeiro, na Escola Livre de Sociolo-
gia e Política de São Paulo e, depois, na Universidade de São Paulo
– USP.
Então, a Sociologia passou a atender a algumas exigências,
entre as quais estavam:
• estudar o Brasil por meio de uma perspectiva nossa, ou
seja, de forma nacional, deixando de lado padrões produ-
zidos unicamente pelos europeus;
• incentivar o nacionalismo, unindo as camadas sociais em
torno de um projeto político, econômico e social brasilei-
ro;
• explicar a realidade nacional com os olhares voltados para
a modernização do país.

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88 © Sociologia da Educação

Desse modo, a Sociologia vai consolidando-se mediante o


posicionamento intelectual de uma nova geração de sociólogos
que, procurando independência das ideias europeias, passa a
analisar os diferentes problemas sociais brasileiros a partir de sua
própria realidade. Entre os problemas em pauta, está a educação,
que passa a constituir objeto de pesquisa da Sociologia Brasileira
na forma de discussões sobre o seu papel na mudança social e no
desenvolvimento econômico do país, entendendo-se a educação
como fator de transformação social.
Nesse contexto, houve alguns movimentos muito importan-
tes em favor da educação nacional, tais como o entusiasmo pela
educação e o otimismo pedagógico, os quais acabaram influen-
ciando um grupo de educadores nacionais em prol do movimento
conhecido como Escola Nova; entre eles, citamos Lourenço Filho,
Arthur Ramos, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo.
A seguir, observe como Nelson Piletti (1994) descreve o edu-
cador Fernando de Azevedo:

Um perfil do mestre Fernando de Azevedo traçado por


Nelson Piletti–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Hoje, tomado de perplexidade ante a situação na-
cional, em particular no campo educacional, em to-
dos os seus níveis e modalidades, volto a Fernando
de Azevedo, quiçá em busca de alguma luz que ilu-
mine nossos caminhos, e me pergunto: com base
em minhas limitadas investigações e reflexões,
que perfil poderia traçar de Fernando de Azevedo?
Quem foi o homem Fernando de Azevedo?
Fernando de Azevedo foi, acima de tudo, um ho-
mem íntegro, um humanista na verdadeira acepção
da palavra. Por isso, um homem permanentemen-
te atormentado, "de espírito inquieto e insatisfeito
Figura 2 Fernando de Azevedo. consigo mesmo e com quase tudo que vê à volta
de si", como reconheceu em seu discurso de posse
na Academia Brasileira de Letras, em 1968. Por isso, um homem que lutou pelo
desenvolvimento do humanismo, o qual, em suas palavras, "não está na matéria
que ensinamos (seja qual for, letras ou ciências), mas no espírito que nos anima
no ensino de qualquer disciplina e na maneira de ensiná-la". Por isso, que o di-
gam Florestan Fernandes, Antonio Cândido e Maria Isaura Pereira de Queiroz,
seus assistentes na USP, o seu apoio àqueles que com ele trabalharam, a sua
solidariedade ativa para com os colegas, levando-o a comparecer espontanea-
© U3 - Modos de Educar Segundo Desmembramentos do Pensamento Clássico: Sociologia e
Educação no Brasil 89

mente, apesar de aposentado, para acompanhar de perto os depoimentos dos


professores convocados para depor em inquérito policial militar, em 1964 (adap-
tado de PILETTI, 1994).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Anísio Teixeira, assim como Fernando de Azevedo, fazia par-
te do grupo de educadores que, na década de 1930, organizavam
suas obras com fundamentações metodológicas e que inspiraram
a renovação educacional da Escola Nova, um movimento que de-
fendia o ensino público como a única forma de se alcançar uma
sociedade mais justa e democrática mediante a existência de uma
escola gratuita para todos, leiga e organizada pelo Estado. O méri-
to que podemos creditar ao movimento é que ele trouxe um avan-
ço nas discussões sobre a educação no Brasil e direcionou para o
centro do debate a educação enquanto uma questão social.

Anísio Teixeira: expressão de um pensamento radical–––––––


Nos anos de 1960, [...] sua trajetória foi novamen-
te colocada à prova. A ditadura militar constrangeu a
Universidade de Brasília e quebrou, como dizia Darcy
Ribeiro, uma das coisas mais importantes que Anísio
fizera no país: o centro brasileiro e os centros regionais
de pesquisa. De novo se frustrava a tentativa de tor-
nar a educação uma área de investigação acadêmica.
O Inep foi desativado como agência de produção da
pesquisa educacional, tornando-se, primeiramente, um
órgão burocrático e depois uma agência financiadora
de estudos e pesquisas na área. Algumas das suas
publicações como Educação e Ciências Sociais foram
suspensas e outras, como a Revista Brasileira de Estu-
Figura 3 Anísio Teixeira.
dos Pedagógicos, passaram a ter edição irregular. Os
acervos documentais e bibliográficos, laboriosamente organizados pelo Centro
Brasileiro de Pesquisas Educacionais, foram dilapidados.
Banido, suspeito, excluído. Respondeu à violência com o seu trabalho, o traba-
lho possível, como professor visitante em universidades estrangeiras, tradutor,
conferencista, membro integrante do Conselho Nacional de Educação, ideali-
zador do Instituto de Estudos Avançados em Educação (IESAE) no Rio de Ja-
neiro. Numa carta que Anísio Teixeira escreve a Monteiro Lobato em janeiro de
1947, ele afirma: "[...] Os sonhos não se realizam sem que primeiro se armem
os andaimes. E uma construção em andaimes pede imaginação e amor para ser
compreendida" (VIANNA; FRAIZ, 1986, p. 104). [...] Uma escola que construa um
solidário destino humano, histórico e social foi o grande sonho de Anísio Teixeira,
para o qual procurou construir os andaimes (adaptado de NUNES, 2001).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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90 © Sociologia da Educação

Em 1932, foi publicado o Manifesto dos Pioneiros da Educa-


ção Nova, encabeçado por Fernando de Azevedo e assinado por
outros 26 educadores. Trata-se de um documento do qual extraí-
mos um trecho que tem especificidades na área da Sociologia, mas
que, ao ser lido e compreendido na íntegra, deixa transparecer
sua atualidade para reflexões e debates. Ressaltamos que uma das
vertentes de um debate pode ter como base os conflitos que ocor-
reram entre os católicos e os pioneiros da educação nova. Leia, a
seguir, esse trecho:

O papel da escola na vida e a sua função social––––––––––––


Mas, ao mesmo tempo que os progressos da psicologia aplicada à criança co-
meçaram a dar à educação bases científicas, os estudos sociológicos, definindo
a posição da escola em face da vida, nos trouxeram uma consciência mais nítida
da sua função social e da estreiteza relativa de seu círculo de ação. Compreen-
de-se, à luz desses estudos, que a escola, campo específico de educação, não é
um elemento estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas "uma
instituição social", um órgão feliz e vivo, no conjunto das instituições necessárias
à vida, o lugar onde vivem a criança, a adolescência e a mocidade, de conformi-
dade com os interesses e as alegrias profundas de sua natureza. A educação,
porém, não se faz somente pela escola, cuja ação é favorecida ou contrariada,
ampliada ou reduzida pelo jogo de forças inumeráveis que concorrem ao mo-
vimento das sociedades modernas. Numerosas e variadíssimas são, de fato,
as influências que formam o homem através da existência. "Há a herança que
a escola da espécie, como já se escreveu; a família que é a escola dos pais; o
ambiente social que é a escola da comunidade, e a maior de todas as escolas,
a vida, com todos os seus imponderáveis e forças incalculáveis". Compreender,
então, para empregar a imagem de C. Bouglé, que, na sociedade, a "zona lumi-
nosa é singularmente mais estreita que a zona de sombra; os pequenos focos
de ação consciente que são as escolas não são senão pontos na noite, e a noite
que as cerca não é vazia, mas cheia e tanto mais inquietante; não é o silêncio e
a imobilidade do deserto, mas o frêmito de uma floresta povoada" (PEDAGOGIA
EM FOCO, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Em meados do século 20, o término do período da ditadura
Vargas coincidiu com muitas mudanças que marcaram o cenário
nacional e mundial com as consequências do pós-Segunda Guerra
Mundial. Nesse contexto, o Brasil passou por transformações que
se refletiram nos enfoques estudados pela Sociologia: constituição
de uma sociedade mais justa e democrática.
© U3 - Modos de Educar Segundo Desmembramentos do Pensamento Clássico: Sociologia e
Educação no Brasil 91

Foi nesse contexto político em que se lutava para firmar não


apenas um país, mas um mundo democrático que as pressões por
melhorias das condições de vida e o acesso às políticas públicas
se tornaram mais visíveis. Temas como o da mobilidade social e o
da exclusão social passaram a fazer parte das agendas políticas de
diversos grupos e movimentos sociais; nessas pautas, incluía-se a
precariedade da oferta de educação.
Trata-se de um contexto que propiciou a confluência da So-
ciologia com o campo educacional mediante o conteúdo intelectu-
al e a legitimidade acadêmica, a qual procurou atender aos apelos
populares que exigiam a sua participação tanto pela intervenção
de intelectuais na política, quanto pela criação de instituições es-
pecializadas de pesquisa.
No encontro entre Sociologia e educação, conduzindo pes-
quisas sociológicas sobre os problemas brasileiros, estão Anísio
Teixeira, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes e Oracy Nogueira.
Contudo, é importante frisar que não apenas eles se envolveram;
vários segmentos da sociedade civil organizaram-se na luta pela
educação popular e pelo aumento na oferta de ensino às classes
até então excluídas desse processo.
Em uma das passagens do livro A condição de sociólogo, Flo-
restan Fernandes (1978, p. 54-55) conta que:
[...] a sociedade se transformou e nesta transformação, movimen-
tos que antes eram impossíveis adquiriram condições de aparecer
e com certa ressonância ocorreu, então, um casamento entre mo-
vimentos sociais que tinham pouca base de massa mas muito senti-
do fermentativo – eles acabaram fascinando a inteligência inquieta
não só do estudante jovem, de jornalistas, de técnicos.

Um movimento importante foi o Movimento de Defesa da


Escola Pública, que ocorreu a partir do avanço do "setor radical" e
da reação do "setor conservador", que se sentiu ameaçado, sendo
compelido a tomar posição de confronto.
Esse movimento foi uma resposta à interferência conserva-
dora no processo político-legal, em que se discutia a Lei de Diretri-
zes e Bases, mas que:

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92 © Sociologia da Educação

[...] se radicalizou bastante porque o intelectual, posto em confron-


to com diversos auditórios: líderes sindicais, estudantes e jovens in-
conformistas, espíritas, maçons, protestantes, católicos dissidentes
da posição oficial da igreja, gente com politização de esquerda – do
partido trabalhista ao partido comunista e do partido socialista –
descobriu um meio de conhecimento da realidade brasileira e um
meio de intervenção na realidade (FERNANDES, 1978, p. 56).

Nesse sentido, compartilhamos a seguinte pergunta de Ma-


rília Pontes Espósito (1986, p. 57): "por que o povo luta pela esco-
la?". Segundo a autora, o povo, quando luta pela possibilidade de
ir à escola, luta "contra as injustiças que estão na base da socie-
dade". Mais do que isso, quando luta pela escola, "o povo afirma
seu direito de sonhar, de ter seus planos, ainda que carregados de
ilusões. Mas a ilusão sempre acena com a esperança e esta conduz
à ação" – ação essa empenhada pela garantia, na prática, de um
direito garantido na lei.
Ao transformar um sonho em projeto, a participação no mo-
vimento social ensina ao povo, mas ensinaria a um intelectual liga-
do à Sociologia como Florestan Fernandes?
É claro. Primeiro como intelectual na medida em que saí do isola-
mento. Para mim foi uma possibilidade de descobrir as verdadeiras
dimensões do papel que eu tinha ou poderia ter na sociedade bra-
sileira – fato que não percebera antes tão bem como agora. Era um
participante do grupo e discutia em termos de participante para
participante.
Como intelectual aproveitei muito e, principalmente, descobri que
a Sociologia precisa responder às expectativas que não devem nas-
cer dos donos do poder, mas sim de critérios racionais de refor-
ma, que levam em conta as necessidades da Nação como um todo,
ou das pressões históricas de grupos inconformistas (FERNANDES,
1978, p. 61).

A perspectiva sociológica desse movimento apresentada por


Florestan Fernandes dá uma dimensão das lutas sociais no Brasil,
tema caro para a Sociologia da Educação contemporânea como
recurso para evidenciar que certas conquistas essenciais, em ter-
mos de direitos, têm suas raízes nas demandas das classes traba-
lhadoras e nas formas de articulação que as expressam. Daí ser a
© U3 - Modos de Educar Segundo Desmembramentos do Pensamento Clássico: Sociologia e
Educação no Brasil 93

temática de movimentos sociais a educação como um objeto de


estudos permanentes de professores e pesquisadores como Maria
da Glória Gohn, Marília Pontes Spósito, Ilse Scherer-Warren, José
de Souza Martins e Lúcio Kowarick.
Com relação ao papel da educação na construção de uma
nova realidade social, temos no sociólogo Florestan Fernandes um
dos pensadores que tentaram compreendê-lo pelo viés de estu-
dos específicos sobre a cultura brasileira. No momento em que
se questionava "o mito da democracia racial", ele sustentou como
resultado de suas pesquisas, ao lado de Oracy Nogueira, que exis-
tia no Brasil muita discriminação e exclusão social em relação aos
negros, diferentemente de Gilberto Freyre, que trabalhava com a
possibilidade de uma "harmonia entre as raças".
As pesquisas de Florestan Fernandes e de Oracy Nogueira
explicitaram diversos aspectos das relações entre negros e bran-
cos no Brasil, alguns dos quais percebemos como evidentes hoje,
mas que, na época, não o eram. Seus resultados contrariaram e
continuam contrariando o senso comum nacional, que postulava
e postula a igualdade entre etnias. Demonstraram que "raça" se
referia à herança biológica e não era uma categoria universalmen-
te reconhecida e, também, que, no Brasil, a ausência da violência
física contra negros, como aquela encontrada nos Estados Unidos,
era compensada por uma extrema brutalidade na repressão aos
pobres, fossem eles brancos ou negros.
Essas são questões sociais que permanecem e que no âm-
bito específico da Sociologia da Educação entraram na pauta de
estudos e pesquisas sistematizadas a partir da inserção da diver-
sidade cultural como um dos temas transversais dos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997).
Com relação à educação no Brasil, o ponto de vista de Flo-
restan Fernandes era o de que ela excluía os trabalhadores e os
pobres e que, portanto, era preciso modificar essa injusta realida-
de com a criação de políticas públicas. Para ele, a escola, do modo

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94 © Sociologia da Educação

como estava organizada, servia para convencer a sociedade, mas


não para transformar a realidade. Ele defendia a necessidade de
mudança dos rumos da educação para que ela pudesse oferecer
situações que contribuiriam na construção de uma realidade social
mais justa e democrática.
Nesta altura de nossa reflexão, a pergunta que se faz é: que
outros caminhos tem trilhado a Sociologia brasileira em suas for-
mas de pensar a educação?
No processo de evolução da Sociologia brasileira, há um es-
forço para garantir a diversidade não só temática, mas também
geográfica, na tentativa de oferecer um panorama fundamental
da pesquisa na Sociologia da Educação e das diferenças regionais;
sendo assim, houve um deslocamento da produção intelectual de
São Paulo para vários outros Estados brasileiros.
Com relação às análises de fenômenos educacionais, man-
têm-se a tradição iniciada por Florestan Fernandes e a sua crítica
ao excessivo recorte da própria Sociologia em várias especialida-
des como base para uma Sociologia da Educação que está atenta
para o fato de que dentro da escola estão configuradas tensões,
pressões e contradições sociais muito mais amplas que seus pró-
prios muros.
No entanto, ampliam-se as análises no campo das desigual-
dades educacionais abordado em suas diversas instâncias, desde o
acesso à educação infantil até o acesso ao Ensino Superior; nesse
caso, é comum referir-se aos alunos e às alunas provenientes de
escolas públicas, de setores populares.
Há linhas de pesquisa que contestam os indicadores edu-
cacionais que apontam a diminuição das desigualdades durante
o Ensino Fundamental e Médio, assim como a diminuição da de-
fasagem idade/série. Esses estudos remetem a trabalhos sobre a
escassa e tensa capacidade de absorção por parte do mercado de
trabalho dessa população escolarizada.
© U3 - Modos de Educar Segundo Desmembramentos do Pensamento Clássico: Sociologia e
Educação no Brasil 95

Existem, ainda, grupos que examinam as desigualdades edu-


cacionais com base nas desigualdades de gênero e, nesse campo,
muitas vezes, também está presente o tema do fenômeno educa-
cional do fracasso escolar, quando pautado por critérios que dis-
tinguem meninos e meninas, garotos e garotas. A reflexão sobre
as desigualdades educacionais ocorre, em algumas circunstâncias,
partindo da análise sobre o processo de socialização, tema clássico
na Sociologia da Educação. Como exemplo, temos estudos volta-
dos para o sentimento de professoras e professores diante da tare-
fa que a sociedade parece lhes reservar: a socialização de crianças
e de jovens, ou ainda a disparidade entre escolas públicas e priva-
das quanto à relação estabelecida entre a socialização atribuída às
famílias e à escola.
Ao lado de temas diversos, como desigualdades educacio-
nais, fracasso escolar, relações de gênero, formação docente e re-
ligião, há outros articulados pela Sociologia da Educação que tra-
tam da juventude nas suas formas de ser jovem e no conjunto de
relações entre jovens e adultos, bem como da conjuntura histórica
que os define: valores juvenis relacionados à família, à sexualida-
de, às relações amorosas e conjugais e à escola.
Enfim, como o professor Octavio Ianni expressou no prefá-
cio de seu livro Sociologia da sociologia: o pensamento sociológico
brasileiro (1989), também entendemos que, ao se preocupar em
reconstituir sistematicamente as interações sociais que existem
na prática cotidiana entre as ações que têm por objetivo educar
e as estruturas da vida social, a Sociologia da Educação mantém a
singularidade que lhe é inerente: ela se pensa o tempo todo. No
ensino, na pesquisa, somos obrigados a nos defrontar com con-
trovérsias sobre a problemática da pesquisa e as teorias explicati-
vas. À medida que resultados de estudos, pesquisas e análises são
produzidos, a Sociologia toma e retoma as controvérsias sobre as
perspectivas teóricas, as possibilidades de explicação. O próprio
objeto reitera-se e renova-se nesse contexto. Talvez mais do que
em outras ciências sociais, essa é uma disciplina que se questiona
continuamente, à medida que se desenvolve e se modifica.

Claretiano - Centro Universitário


96 © Sociologia da Educação

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A fim de avaliar a sua aprendizagem sobre o conteúdo desta
unidade, tente responder para si mesmo as questões a seguir:
1) Qual é o tema proposto pelo texto desta unidade?

2) Quais são os autores citados no texto? Que conhecimentos você tem sobre
eles?

3) Já havia lido, ouvido ou escrito algo sobre o conteúdo proposto nesta unida-
de? Em que circunstâncias isso ocorreu?

8. CONSIDERAÇÕES
Os clássicos da Sociologia permitem que nos apropriemos
de instrumentos para análises do papel da educação na sociedade
capitalista do final do século 20 e início do 21, compreendendo
quais os novos elementos que estão sendo produzidos na educa-
ção, em especial na escola, que contribuem para a reprodução das
relações sociais em seu caráter mais amplo, ao mesmo tempo em
que identificam quais os elementos que estão sendo reproduzidos
para garantir as novas formas produzidas pelo capital para garantir
seu poder de dominação.
Em contrapartida, o pensamento clássico também gera avan-
ços nas reflexões, dando origem a novas linhas de pensamento que
contribuem para a identificação dos novos elementos produzidos
na educação, na luta pelas transformações das relações sociais de
produção capitalista e pelo reconhecimento dos próprios elemen-
tos que são reproduzidos na educação e na escola como formas de
resistência à exploração imposta pelo capital.
Nesse sentido, o Brasil não é uma exceção, uma vez que os
pensadores da Sociologia brasileira e da educação tomaram as
"descobertas" dos clássicos e mudaram o modo de pensar, indagar
e escrever. Os resultados dos estudos, das pesquisas e das análises
indicam que a incorporação de contribuições de novas teorias al-
© U3 - Modos de Educar Segundo Desmembramentos do Pensamento Clássico: Sociologia e
Educação no Brasil 97

terou a maneira como os estudiosos da sociedade, da cultura e da


história concebem e exercem seus ofícios. Com isso, a Sociologia
da Educação constituiu um legado que não pode ser ignorado e
que apenas terá sua continuidade garantida se aplicarmos e tes-
tarmos os "seus achados", a fim de que novos objetos de pesquisa
sejam produzidos.
Nesta unidade, defendemos a tese de que, para melhor com-
preendermos as transformações ocorridas atualmente na educa-
ção, na formação de professoras e professores e no papel que a
escola cumpre no processo de globalização da economia e da im-
plementação da política neoliberal, é necessário acompanharmos
a evolução da teoria clássica e de seus reflexos na Sociologia da
Educação no Brasil não como ecletismo teórico, mas como refe-
rencial teórico-metodológico, incorporando contribuições valiosas
do pensamento clássico como elementos subordinados ao refe-
rencial teórico-metodológico por nós escolhido.
O debate entre as teorias é característico da Sociologia. Ele
amplia e diversifica a nossa compreensão da sociedade. Com base
nos conceitos sociológicos, tanto daqueles que vimos nesta uni-
dade, quanto de outros que estão elaborados nas inúmeras obras
dos autores citados, podemos observar diferentes dimensões dos
fenômenos sociais da vida cotidiana e, assim, abordá-los de uma
nova maneira.

9. E-REFERÊNCIAS

Lista de Figuras
Figura 1 Florestan Fernandes. Disponível em: <http://www4.usp.br/index.php/
sociedade/8952>. Acesso em: 17 set. de 2010.
Figura 2 Fernando de Azevedo. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S0103-40141994000300016&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em: 22 set.
2010.
Figura 3 Anísio Teixeira. Disponível em: <http://www.pedagogia.seed.pr.gov.br/modules/
conteudo/conteudo.php?conteudo=20>. Acesso em: 22 set. 2010.

Claretiano - Centro Universitário


98 © Sociologia da Educação

Site pesquisado
PEDAGOGIA EM FOCO. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Disponível em:
<http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb07a.htm>. Acesso em: 19 set. 2010.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
pluralidade cultural e orientação sexual. Brasília: MEC/SEF, 1997. v. 10.
FERNANDES, F. A condição de sociólogo. São Paulo: Hucitec, 1978.
______. A natureza sociológica da sociologia. São Paulo: Ática, 1980.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 2002.
IANNI, O. Sociologia da sociologia: o pensamento sociológico brasileiro. 3. ed. rev. ampl.
São Paulo: Ática, 1989.
MAZZA, D. A história da Sociologia no Brasil contada pela ótica da Sociologia da Educação.
In: TURA, M. L. R. (Org.). Sociologia para educadores. 3. ed. Rio de Janeiro: Quartet,
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NUNES, C. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n.
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SPÓSITO, M. P. Luta popular por educação: projeto de uma nova escola. Cadernos do
Cedi, São Paulo, v. 15, 1986.
EAD
Educação, Socialização
e Cultura: Aspectos
Diferentes de um
mesmo Processo
Social 4
1. OBJETIVOS
• Fazer o aluno identificar-se como ser humano que viven-
cia, de alguma forma, os conceitos de interação social,
educação, socialização, cultura e instituições sociais.
• Reconhecer que, para os diferentes processos de sociali-
zação, educação e cultura, não existe um tipo ideal único.
Ao contrário, cada grupo social organiza maneiras dife-
rentes de ser, segundo sua história.
• Adquirir uma atitude de curiosidade, ou seja, vontade de
procurar outras formas de compreensão para as questões
propostas no texto.

2. CONTEÚDOS
• Socialização: condições e resultado da vida social.
• Culturas: transformar e significar o mundo para transfor-
mar e significar o ser humano.
• Educação escolar, socialização e cultural.
100 © Sociologia da Educação

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações
a seguir atentamente:
1) Consulte os significados dos conceitos explicitados no
Glossário; isso pode facilitar sua compreensão sobre os
temas abordados no texto desta unidade.
2) Nesta unidade de estudo, encontram-se referências so-
bre a importância das formas de linguagem na comuni-
cação humana, considerando que é pela linguagem que
atribuímos significados às relações que estabelecemos
com outros seres humanos ou com o ambiente. Para
ampliar seus conhecimentos sobre essa questão, indica-
mos a leitura do texto de Peter e Brigitte Berger, O que
é uma instituição social?, que apresenta a linguagem
como a instituição fundamental da sociedade, além de
ser a primeira instituição inserida na vida do indivíduo:
BERGER, P.; BERGER, B. O que é uma instituição social?
In: FORACCHI, M. M.; MARTINS, J. S. Sociologia e socie-
dade: leituras de introdução à Sociologia. Rio de Janeiro:
LTC, 2002.
3) Para complementar o estudo desta unidade, podemos
recorrer, também, à linguagem cinematográfica, que,
por ser transdisciplinar, é atualíssima e contribui para
ampliar nossa compreensão em torno do assunto tra-
tado. Por essa razão, é importante dialogarmos com a
linguagem cinematográfica no momento em que cuida-
mos de nossa formação profissional. Observe, a seguir,
algumas indicações que merecem ser levadas em consi-
deração:
a) Há filmes clássicos sobre o tema da socialização, que
é abordado nesta unidade. O filme O enigma de Kaspar
Hauser, dirigido por Werner Herzog, é um exemplo
clássico.
b) Nell, dirigido por Michael Apted, é outro filme que
apresenta uma perspectiva interessante da socializa-
ção.
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 101

c) Outro clássico é O garoto selvagem, dirigido por


François Truffaut.
d) Um filme que aborda a questão cultural pelo ângu-
lo das diferentes maneiras pelas quais as sociedades
humanas veem o mundo é Um homem chamado ca-
valo, do diretor Elliot Silverstein. Não descarte a pos-
sibilidade de assisti-lo.
e) Para ilustrar o tema da cultura com a linguagem ci-
nematográfica, a sugestão é o filme Os deuses devem
estar loucos, com direção de Jamie Uys, que trata,
satiricamente, do choque entre culturas a partir do
aparecimento de uma garrafa de Coca-Cola entre na-
tivos africanos.
f) A realidade total da escola – estrutura social exter-
na e estrutura social interna – tem sido retratada em
inúmeros filmes. Um deles é O Curioso Caso de Ben-
jamin Button, dirigido por David Fincher e baseado
no conto homônimo de F. Scott Fitzgerald, escrito em
1921. O outro é Quem quer ser um milionário?, com
direção de Danny Boyle.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
A interação social é a essência da vida social. Não podemos
imaginar qualquer tipo de grupo sem relacionamento e sem influ-
ências recíprocas, que podem assumir vários graus de intimidade e
permanência, determinando, assim, o tipo e a natureza desse gru-
po. Levando em consideração essas ideias, iniciamos esta unidade
abordando o viés da Sociologia que tem como objeto de pesquisa
as interações sociais organizadas pelos seres humanos, mediante
formas culturalmente padronizadas.
Interações sociais são os modos pelos quais os seres huma-
nos se relacionam e interagem uns com os outros, reforçando ou
estabelecendo novas regras, normas e valores sociais, bem como
caracterizam o estudo sistemático da Sociologia e constituem os

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102 © Sociologia da Educação

processos sociais, conceito que se refere "às transformações am-


plas, contínuas, de longa duração, de figurações formadas por se-
res humanos" (ELIAS, 2006, p. 27).
Por que dedicar atenção para as interações sociais e para os
processos sociais? A resposta é simples: porque são conceitos so-
ciológicos fundamentais.
Toda ciência (e a Sociologia é uma ciência) organiza-se em
função de conceitos, que são as representações de um objeto tra-
duzidas pelo pensamento, considerando suas características ge-
rais. Os conceitos são definições, formulações de ideias por meio
de palavras. A expressão "interação social", por exemplo, repre-
senta um dos conceitos básicos de Sociologia, assim como "pro-
cesso social".
Iniciaremos a compreensão desses conceitos tomando como
base as várias espécies animais que vivem na terra, as quais de-
senvolvem formas de vida, de convivência e de sociabilidade que
permitem a reprodução e a sobrevivência. Para que isso ocorra,
elas estabelecem modelos de vida, sistemas de acasalamento, alo-
jamento, migração, defesa e alimentação.
Um exemplo de vida social altamente organizada é o das for-
migas e das abelhas, que têm vida social bem definida: divisão de
trabalho, cooperação, intercomunicação e ajuda mútua.
Os seres humanos, uma dentre as várias espécies existentes,
também desenvolvem processos de reprodução, acasalamento,
alojamento, migração, defesa e alimentação, atividades instinti-
vas, isto é, ações e reações desenvolvidas de forma mecânica que,
por essa razão, dispensam o aprendizado.
Embora seja possível constatar semelhanças quanto às ati-
vidades instintivas entre as demais espécies animais e os seres
humanos, a vida social destes não pode depender apenas dos pa-
drões de comportamento instintivos; é preciso, também, adaptar-
se a novas e variadas condições e situações.
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 103

O fato é que, seja por características próprias da espécie,


seja pelos desafios impostos pela natureza, os seres humanos de-
senvolveram habilidades que dependem de aprendizado, ou seja,
precisamos aprender a comer, beber, dormir, brincar, obedecer,
trabalhar, governar, administrar etc. Isso significa que, mediante as
interações sociais, desenvolvemos, também, atitudes identificadas
sociologicamente como padrões de comportamento social.

5. SOCIALIZAÇÃO: CONDIÇÕES E RESULTADO DA


VIDA SOCIAL
Podemos observar uma sociedade de formigas, exemplo de
vida social altamente organizada, como já foi registrado anterior-
mente, e constatar que a maioria delas cede alimento umas às ou-
tras regurgitando um líquido nutritivo na boca da companheira.
Esse é um comportamento que não foi inventado por elas; ele re-
sulta de impulsos inatos, naturais, geneticamente estabelecidos.
Contudo, isso não significa que os animais não humanos não
tenham capacidade de aprender. Há que se considerar que espé-
cies e ambientes se alternam de maneira recíproca. Esses animais
não são participantes passivos, pois há uma troca entre organismos
e ambiente. Mas, mesmo ocorrendo essa troca, o comportamento
dos animais não humanos continua predominantemente marca-
do pelo instinto transmitido pela herança biológica, enquanto o
comportamento dos seres humanos é aprendido pela comunica-
ção simbólica.
Todas as características biológicas próprias do ser humano
constituem a condição necessária para o desenvolvimento de um
modo de viver em grupo, mas que não bastam para o desenvolvi-
mento da sociabilidade. O ser humano não nasce social; ele adqui-
re maneiras de se comportar tipicamente humanas por meio do
processo de socialização.

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104 © Sociologia da Educação

Como nos explicam Peter Berger e Brigitte Berger (2000) no


texto Socialização: como ser um membro da sociedade, embora
o recém-nascido não saiba estabelecer a distinção entre os com-
ponentes não sociais e sociais de suas vivências, sua experiência
social começa com o nascimento, momento a partir do qual ele
passa a desenvolver uma interação social com outros seres huma-
nos.
A interação social e a identificação com os outros é o me-
canismo fundamental pelo qual a socialização é levada adiante.
Trata-se de uma maneira de se comunicar face a face, agir e in-
teragir com outras pessoas que têm seu aspecto mais relevante
quando há um contato e, a partir desse contato, há a comunicação
que resulta em uma mudança de comportamento dos indivíduos
envolvidos.
Em contato social com os alunos em sala de aula, por exem-
plo, o professor estabelece uma comunicação. Quando o aluno
aprende, seu comportamento sofre uma modificação; porém, o
comportamento do professor também se modifica: ele procura
diferentes explicações para diferentes classes e revê suas ideias
a partir de discussões com os alunos, ou seja, o professor influen-
cia e sofre influências. Nessas circunstâncias, existe uma interação
social porque ocorre uma influência recíproca entre os participan-
tes.
É preciso ressaltar que o simples contato físico não caracte-
riza uma interação social, como, por exemplo, o caso de pessoas
que viajam sentadas lado a lado no metrô, sentam-se lado a lado
no cinema ou em uma arquibancada de estádio de futebol ou per-
manecem em uma fila.
Diferentemente das demais espécies, os seres humanos ne-
cessitam de aprendizado para adotar formas de comportamento
padronizadas. É o processo de socialização que se encarrega des-
sa função, pois é por meio dele que se aprende como deve ser
a interação social entre os membros de uma determinada socie-
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 105

dade. Isso explica o fato de pessoas formarem filas nos bancos,


nos cinemas, nos supermercados, de ficarem em silêncio durante
uma palestra, de comerem à mesa utilizando pratos e talheres, por
exemplo.
Peter e Brigitte Berger (2000) consideram que os processos
de socialização se realizam na interação face a face com outras
pessoas e que a socialização nunca chega ao fim. Ela inicia-se com
a socialização primária, que envolve o microcosmo do indivíduo,
e tem continuidade com a socialização secundária, que envolve o
macrocosmo do indivíduo.
Para esses autores, a socialização primária refere-se à fase
de formação da identidade e é o período em que a criança se trans-
forma em um membro participante da sociedade. A socialização
secundária envolve a vida posterior, quando as pessoas são intro-
duzidas em espaços sociais específicos, como, por exemplo, cursar
uma faculdade para a formação profissional.
É durante a infância e a adolescência que a socialização é
mais intensa, porém, como se trata de um processo permanente e
como todas as sociedades estão em constantes transformações, os
indivíduos, ao mudarem de grupo ou de posição social (de soltei-
ros para casados, de emprego ou, por exemplo, aposentarem-se),
precisam adaptar-se às novas situações sociais que requerem assi-
milação de novos padrões de comportamento; daí submeterem-se
à socialização secundária.
É fundamental termos em conta que o desenvolvimento da
socialização não é resultante de uma relação unilateral entre a so-
ciedade e o indivíduo. O indivíduo assimila seus papéis sociais com
a família, com os amigos, com a escola, com os meios de comuni-
cação, resultante das pressões entre as situações sociais e a sua
consciência.
Não se pode subestimar a potencialidade dos seres huma-
nos para as mudanças sociais; por essa razão, é adequado que,
na Figura 1, encontremos uma interrogação e não uma afirmação
diante da situação retratada.

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106 © Sociologia da Educação

Figura 1 Novas formas de socialização primária ou socialização secundária precoce?

A Figura 1 também nos remete à questão da comunicação, da


linguagem; sendo assim, ela nos oferece a oportunidade de abor-
dar um ponto fundamental: é na linguagem que está o princípio
da socialização. É a linguagem que habilita o indivíduo a ligar-se a
outros indivíduos, para que, posteriormente, ele seja capaz de es-
tabelecer contato com um universo social, com um macrocosmo.
Com o sentido de reiterar a importância da linguagem no
processo de socialização, destacamos o texto a seguir.

Linguagem: veículo primordial da socialização–––––––––––––


É apenas pelo domínio da linguagem que aprendemos a transmitir e a reter os
significados socialmente reconhecidos. É pelo domínio da linguagem que adqui-
rimos a capacidade de pensar abstratamente, conseguimos ir além da situação
imediata e adquirimos a capacidade de refletir.
A linguagem é um sistema de símbolos socialmente aprendidos, que se rela-
cionam para que possamos comunicar nosso pensamento. Ela oferece aos se-
res humanos a possibilidade de conduzir suas ações conforme as situações, as
pessoas, os objetos, bem como de acordo com acontecimentos, e, além disso,
permite a aquisição e a transmissão de conhecimentos.
Norbert Elias (2006, p. 25) considera que "sem o aprendizado de uma determina-
da língua especificamente social, os seres humanos não seriam capazes de se
orientar no seu mundo". Ele complementa afirmando que um "ser humano adulto,
que não teve acesso aos símbolos da língua e do conhecimento de determinado
grupo humano permanece fora de todas as figurações humanas e, portanto, não
é propriamente um ser humano".
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 107

Embora o processo de socialização seja único, para socie-


dades diferentes ele produz resultados diferentes de socialização,
dada a diversidade de costumes dos grupos humanos. As atitu-
des que aprendemos por meio da socialização se relacionam com
sistemas de amplos significados. Assim, o mundo social com sua
multiplicidade de significados interioriza-se em nossa consciência
da seguinte forma: o que era experimentado como alguma coisa
existente fora de nós passa a ser experimentado como algo dentro
de nós.
Em termos dos diferentes resultados da socialização, as prá-
ticas alimentares constituem um exemplo interessante porque
têm grande número de variações, não somente de uma sociedade
para outra, mas, também, de uma classe social para outra, no inte-
rior de uma mesma sociedade. As práticas alimentares constituem
uma das diversas facetas do processo, por meio do qual o indiví-
duo aprende a ser um membro da sociedade.
Para ilustrar essa questão, pensemos nas práticas alimenta-
res na infância. O universo do recém-nascido está diretamente re-
lacionado às pessoas com quem convive, um microcosmo circuns-
crito que, no entanto, se entrosa com um macrocosmo que define
e molda, antecipadamente, as experiências alimentares com as
quais o bebê se depara: amamentação ao seio ou em mamadeira,
amamentação segundo um horário regular ou segundo o "pedido"
do bebê, amamentação exclusiva ou com complemento alimentar,
desmama em quatro meses, em seis meses, em um ano ou em
dois anos – são todas condições que dependem do que as mães ou
os responsáveis interiorizaram sobre o que o meio social em que
vivem estabelece como formas adequadas de alimentar os bebês.
É preciso registrar, também, que a socialização é um proces-
so recíproco. A criança, desde o início de sua vida social, não é
um agente passivo da socialização, ou seja, ela participa, resiste
ou colabora de variadas formas. A socialização é um processo re-

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108 © Sociologia da Educação

cíproco porque afeta o indivíduo a ser socializado e os membros


socializantes, conforme demonstramos com o exemplo da ação de
professores e de alunos.
Há algumas situações que pautam a Sociologia em suas ar-
gumentações sobre os significados da vida em grupo. Trata-se de
situações que descrevem os casos de crianças deixadas em extre-
mo isolamento do convívio humano, algumas delas conhecidas
como "crianças-lobo", conforme poderemos observar na leitura
do texto a seguir.

Casos de crianças isoladas do convívio humano–––––––––––


1º caso: em 1798, é encontrado, em meio a um bosque na França, um menino
que aparentava ter entre 10 ou 11 anos. Ele estava nu, sujo e era incapaz de
proferir uma única palavra. O menino foi levado para o Instituto Nacional para
surdos e loucos em Paris e lá batizado de Victor de Aveyron pelos funcionários.
O seu caso foi aceito pelo Doutor Itard, um médico que se dedica à sua integra-
ção na sociedade. Ninguém jamais o procurou. Exames médicos realizados não
detectaram qualquer deficiência física ou mental. O fato de o menino não parecer
humano atribui-se à circunstância de que até ser encontrado no bosque perma-
necera isolado da convivência com outros seres humanos. Ele ficou conhecido
como "o menino selvagem de Aveyron" (RISCHBIETER, 2009).

2º caso: em 1954, Ramu foi encontrado na estação ferroviária de Luckhow. Seus


membros estavam deformados. Morreu no hospital de Luckhow em 1968. Ele foi
chamado de "menino-lobo" porque, supostamente, foi criado em uma alcateia e
recolhido por pessoas que o encontraram quando tinha, aproximadamente, 10
anos de idade. O menino morreu em uma instituição dirigida por Madre Teresa
de Calcutá. Ramu chegou a aprender a tomar banho e a vestir-se sozinho, mas
continuou a andar de quatro e a se alimentar de carne crua. Ele nunca aprendeu
a falar e jamais deu sinais de querer se integrar socialmente (RISCHBIETER,
2009).

3º caso: Amala e Kamala, duas meninas indianas, foram capturadas em 1921


nas vizinhanças de Midnapore, a oeste de Calcutá. Para achá-las, foi organizada
uma expedição de aldeões liderada pelo reverendo Jal Singh, um missionário
anglicano. Na captura, a mãe-loba foi abatida e as crianças receberam os nomes
de Amala e Kamala; elas deveriam ter entre dois e oito anos. Singh descreve-as
da seguinte forma: caninos alongados, queixo retraído, olhos que brilhavam na
escuridão. Amala, a mais nova, não resistiu à nova vida e morreu em um ano.
Kamala sobreviveu até 1929, tempo em que aprendeu a comer comida cozida,
andar ereta e falar cerca de 50 palavras. Ambas apresentavam hábitos alimenta-
res bastante diferentes dos nossos. Como fazem normalmente os animais, elas
cheiravam a comida antes de tocá-la, dilacerando os alimentos com os dentes e
poucas vezes fazendo uso das mãos como instrumento para beber e comer. Pos-
suíam aguda sensibilidade auditiva e desenvolvimento do olfato para carne. Para
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 109

se locomover, apoiavam-se sobre as mãos e os pés, adotando a marcha quadrú-


pede, como faziam seus antigos companheiros, os lobos. Kamala, por exemplo,
levou seis anos para utilizar a marcha ereta. Ela não se sentia à vontade na com-
panhia de outras pessoas, preferindo a dos animais, que se entendiam bem com
ela, jamais se espantando quando de sua aproximação (OLIVEIRA, 2007).

4º caso:
[...] Frederico II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico,
efetuou um experimento para determinar que língua as crianças
falariam quando crescessem, se jamais tivessem ouvido uma úni-
ca palavra falada. Falariam hebraico – que então se julgava ser a
língua mais antiga – grego, latim, ou a língua de seu país? Deu
instruções às amas e mães adotivas para que alimentassem as
crianças e lhes dessem banho, mas que sob hipótese nenhuma fa-
lassem com elas ou perto delas. O experimento fracassou porque
todas as crianças morreram (HORTON; HUNT apud OLIVEIRA,
2007, p. 17).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Esses casos apresentados, que parecem coisa de um passa-
do distante, são acompanhados por uma denúncia recente, de 29
de maio de 2009, trazida à tona pela imprensa russa. O que temos
na reportagem é um novo caso de isolamento social, ausência do
contato social que nos humaniza e que deve ocorrer desde o nosso
nascimento de forma ininterrupta e a mais intensa possível, a fim
de que esse processo obtenha o êxito necessário. Não chegamos
prontos ao mundo, nossa humanização é um processo provenien-
te da socialização e seu começo é muito importante para desen-
cadear todo o processo de aprendizado. Observe, a seguir, essa
reportagem:

Menina russa vivia trancada com cães e gatos–––––––––––––


A garota russa de cinco anos que vivia presa com
cães e gatos em um apartamento está se adaptan-
do à vida normal depois de ter sido resgatada e
transferida a uma clínica, segundo os médicos.
"Tudo está bem. Ela vai passar por outros exa-
mes, mas ela está em boa saúde", disse a médica
Tatyana Missnik  à agência RIA Novosti. "O único
Figura 2 Natasha, que vivia problema é que, aos cinco anos, ela não fala. Não
sabemos o motivo".
trancada com cães e gatos.
Os médicos disseram que a menina recusou-se a
usar colher para comer, preferindo usar as mãos.

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110 © Sociologia da Educação

"Ela só se comporta como cão ou gato de vez em quando", disse uma fonte do
hospital.
O pai de Natasha, acusado de ter sequestrado a menina, foi preso, solto e será
investigado. Ele nega as acusações de que teria "roubado" a garota. O pai da
menina pode ser condenado a até três anos de prisão por "descumprimento das
obrigações de educação de um menor".
Natasha vivia em um subúrbio da cidade de Chita, na Sibéria. A porta do apar-
tamento tinha um cartaz de "Cuidado, ela morde", aparentemente referindo-se a
um dos cães. 
A mãe da menina, que tem outros três filhos, foi quem chamou a polícia.
Quando policiais foram até a casa onde, além da menor, vivem seu pai e seus
avós, encontraram uma menina suja e com um comportamento mais próprio de
um cachorro do que de um ser humano, rosnando e ganindo.
"Nossa primeira impressão quando entramos foi a de que tínhamos ido parar
em algum lixão. O fedor era insuportável e estava cheio de cachorros enormes
e gatos", explicou Larisa Popova, chefe do departamento de menores da Polícia
de Chita.
Os assistentes sociais, acompanhados da polícia – que teve que fazer uso da for-
ça para entrar no apartamento diante da resistência dos familiares – constataram
que havia tempos a casa não tinha água corrente, calefação e gás (G1, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Os casos apresentados indicam que o comportamento de


Victor de Aveyron, Ramu, Amala, Kamala e Natasha se distancia
do comportamento dos seres humanos. São condutas que de-
monstram que, sem contato com o grupo social, o ser humano
dificilmente pode desenvolver características humanizadas; de-
monstram, ainda, que a vida em grupo nos é indispensável, pois é
nela que os indivíduos da espécie humana se tornam humanos. O
indivíduo socializa-se ao participar da vida em sociedade, na qual
ele assimila normas, valores, costumes e passa a se comportar
conforme essas normas, valores e costumes.
Desse modo, para nos tornarmos humanos, precisamos
aprender com os nossos semelhantes atitudes socializadoras, que
seriam impossíveis de ser desenvolvidas no isolamento social. Vi-
ver em grupo é essencial para nossa humanização.
O homo sapiens é a única espécie que não só pensa no que
significam as coisas, como também atribui significados às experi-
ências vividas, criando sistemas de símbolos, isto é, transforman-
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 111

do a experiência vivida em um discurso que será transmitido aos


seus semelhantes por meio da comunicação simbólica.
Os símbolos são convenções que estão presentes em todas
as circunstâncias da vida humana; eles substituem alguma coisa
complexa e que tem seu valor atribuído pelas pessoas que os uti-
lizam.
No entanto, não basta atribuirmos significados a um objeto
para que ele se torne um símbolo; é preciso que ele seja aceito
socialmente. Então, uma cor, um hino, uma bandeira, uma roupa,
uma aliança, uma palavra, os números, o triângulo, as pedras, as
plantas, os animais, todos os objetos naturais, todas as coisas fei-
tas pelos seres humanos e todas as formas abstratas podem assu-
mir significado simbólico. Desse modo, a cruz tornou-se um objeto
que simboliza o cristianismo, assim como a suástica simboliza o
nazismo. A pomba e a cor branca têm sido adotadas como símbo-
los da paz.
Assim, surgem os critérios de medidas, os quadros do tempo
(como os calendários), os cálculos matemáticos, a linguagem, os
gestos, as danças e os cantos, as expressões de luto, os festejos
em geral (como o carnaval, os aniversários ou os casamentos), os
modos de namorar e de fazer declarações, as bandeiras, as deco-
rações, os monumentos, os santos, os heróis, os gênios.
Ao pensar, ao ser capaz de projetar, de ordenar, de prever e
de interpretar, o ser humano estabelece com o mundo uma rela-
ção capaz de avaliar. Nessas circunstâncias, seu conhecimento do
mundo – organizado, comunicado, compartilhado e transmitido às
gerações – transforma-se no que chamamos de cultura.

6. CULTURAS: TRANSFORMAR E SIGNIFICAR O MUN-


DO PARA TRANSFORMAR E SIGNIFICAR O SER HU-
MANO
A capacidade humana de transformar experiências vividas
em símbolos sociais fez que os seres humanos primeiro recriassem

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112 © Sociologia da Educação

o mundo de acordo com suas necessidades e pontos de vista e, de-


pois, o traduzissem sob forma de informação ou conhecimento.
Os obstáculos, os desafios e os problemas enfrentados tive-
ram como resposta a sobrevivência, a defesa e a perpetuação da
espécie, mas, antes de satisfazerem os anseios humanos, provo-
caram buscas de compreensão, desejo de encontrar explicações
sobre si mesmos e sobre o mundo.
À medida que essas explicações foram organizadas, elas se
projetaram para a formulação de justificativas para as atitudes,
para os acontecimentos e para os comportamentos, gerando o de-
senvolvimento de nossa capacidade simbólica.
Os símbolos sociais têm o caráter mediador, criam soluções
para as necessidades da vida e da sobrevivência e mantêm-se en-
quanto forem operantes, isto é, enquanto responderem às neces-
sidades da vida e da sobrevivência humana.
Há uma parte dos símbolos sociais diante dos quais a So-
ciologia procede a uma análise crítica utilizando critérios inteira-
mente empíricos. Assim ocorre com relação aos símbolos mági-
cos e religiosos, aos símbolos morais, aos símbolos jurídicos, aos
símbolos estéticos, aos símbolos do conhecimento, aos símbolos
educativos, bem como com relação aos símbolos enganadores e
mentirosos, como os preconceitos, as imagens que excitam a ima-
ginação, as falsificações.
Mas quais as correlações entre os conceitos de símbolos so-
ciais e de culturas humanas?
A referência ao nível simbólico da realidade social, quando
se trata das culturas humanas, é importante porque a maioria dos
planos superpostos que formam a realidade social (e o plano cul-
tural é um deles) depende dos símbolos sociais, que têm como
tarefa funcionar como uma espécie de "para-raios social", no sen-
tido de impedir os desníveis entre os mencionados planos super-
postos que formam a realidade social.
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 113

Desse modo, apresentar algumas dentre as inúmeras defini-


ções de cultura possivelmente facilitará a compreensão das corre-
lações entre os significados de símbolos sociais e de cultura.
Na linguagem do senso comum, linguagem do cotidiano,
a palavra "cultura" é empregada em mais de uma circunstância.
Ela pode indicar grande soma de conhecimentos, erudição; nesse
caso, diz-se que "tal pessoa tem cultura". Ela pode manter, tam-
bém, o sentido agrícola original: cultura de milho, de café, de fei-
jão.
No entanto, a palavra "cultura" pode apresentar-se com o
sentido sociológico que vai além dessas acepções, embora não
exclua nenhum desses significados. No sentido sociológico, "cul-
tura" é tudo aquilo que resulta da criação humana, compreenden-
do ideias e ações; é um complexo de circunstâncias que abrange
conhecimentos, costumes, crenças, artes, moral, leis, assim como
todas as capacidades adquiridas pelos seres humanos.
Tornou-se habitual distinguir dois setores da cultura. Um de-
les refere-se à cultura material, que compreende todos os artefa-
tos e objetos produzidos por uma dada sociedade. São exemplos
de bens materiais: utensílios, ferramentas, máquinas, moradias,
móveis, meios de comunicação, meios de transporte, assim como
vestuário, adereços, entre outros. O domínio das ideias, da ética,
das crenças, dos conhecimentos, das técnicas, dos valores sociais,
das normas, das regras, das leis, fica no segmento da cultura não
material.
É importante ressaltar que a cultura não depende da heran-
ça biológica dos seres humanos, mas de capacidades desenvolvi-
das mediante o convívio social; nesse sentido, apenas os seres hu-
manos desenvolvem cultura.
A aquisição, a perpetuação e a transmissão da cultura re-
sultam de aprendizagem; por essa razão, cada sociedade precisa
transmitir às novas gerações a herança social que recebeu, o que
ocorre mediante o processo global de socialização. Aqui, retoma-

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114 © Sociologia da Educação

-se o conceito de socialização entendido como o processo global


que concretiza os projetos de "ensinar-e-aprender" no campo da
sociedade e no campo da individualidade, garantindo o que é ne-
cessário para que cada um seja reconhecido como seu membro
integrante.
Embora todos os seres humanos possuam cultura e a trans-
mitam à geração seguinte, não possuem todos uma cultura igual.
Existem inúmeras culturas diferentes, com hábitos, tradições e va-
lores muito diversos e expressos por uma incontável diversidade
cultural. Para ilustrar essa passagem, extraímos trechos do livro
Norte Verdadeiro: Peary, Cook e a Corrida ao Pólo, que narra as pri-
meiras incursões que o médico americano Frederick Cook realizou
visando à conquista do Polo Norte no início da década de 1890.

A cultura e o lugar das crianças–––––––––––––––––––––––––


Com o nascimento de bebês, no território esquimó, durante aquele inverno, Cook
ficou sabendo que o atendimento de um médico não era nem requisitado, nem
desejado. A sobrevivência do mais forte começava no nascimento. Quando uma
mulher entrava em trabalho de parto e estava prestes a dar à luz, era conduzida
a um iglu onde permanecia sozinha com a quantidade suficiente de óleo, gordura
de baleia e carne congelada para duas semanas. Se ela sobrevivesse e o choro
do bebê fosse ouvido, os demais se aproximavam para dar assistência à mãe e
à criança. Se tudo silenciasse no iglu, este era fechado para sempre.
Cook observou que nos dois primeiros anos as crianças não usavam roupa ne-
nhuma da cintura para baixo e eram carregadas dentro de uma sacola às costas
da mãe, junto ao calor do seu corpo. Uma criança era amamentada durante qua-
tro ou seis anos, ou até que a mãe tivesse outro bebê; normalmente a diferença
de idade entre as crianças era de quatro anos. Quando nasciam gêmeos, ambos
eram mortos, pois se considerava impossível que a mãe carregasse e cuidasse
de duas crianças. Quando morria a mãe ou o pai de uma criança com menos de
três anos de idade, esta era estrangulada com uma tira de couro de foca. O gesto
não era considerado cruel ou desapiedado, e sim a fatalidade mais rápida que
poderia se abater sobre tal criança diante de um mundo implacável.
Cook considerou que ter pai e mãe era fator decisivo para uma criança em uma
região onde não existia animal ou vegetal vivo, durante meses seguidos, para
se manter uma família. Assim, é preciso que estejam presentes o pai para caçar
focas e a mãe para criar o bebê até que ele tenha idade suficiente para cuidar de
si mesmo. Todos os esquimós lamentam o costume que lhes foi transmitido pelos
ancestrais, mas admitem sua necessidade (adaptado de HENDERSON, 2007).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Ao contrário do que muitas vezes se afirma quando se diz
que algum indivíduo não tem cultura, esta não é exclusiva desse
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 115

ou daquele grupo, pois todos os seres humanos partilham conhe-


cimentos, costumes, crenças; todas as sociedades organizam seu
modo de vida, seu modo próprio de convívio, e têm cultura, mes-
mo aquelas que não possuem escrita. A cultura é a condição para
a sobrevivência dos grupos humanos.
Reinaldo Dias (2007), no texto Cultura, propõe que uma das
possibilidades de compreendermos melhor o conceito de cultura
é considerarmos que ela tem cinco características essenciais, a sa-
ber:
1) A cultura é transmitida por herança social e não por he-
rança biológica. Ela é adquirida ao longo da vida por meio
de participação no processo de socialização. Adquirimos
cultura por meio da interação social e nós a consolida-
mos no exercício da convivência com outras pessoas.
2) A cultura compreende a totalidade das criações huma-
nas. Isso significa que ela inclui ideias, valores, manifes-
tações artísticas de todos os tipos, crenças, instituições
sociais, conhecimentos, vestuário, práticas alimentares,
animais domésticos etc.
3) A cultura é característica exclusiva das sociedades huma-
nas. As demais espécies animais são incapazes de criar
cultura, embora algumas delas adquiram alguns rudi-
mentos de cultura ao serem domesticadas.
4) A cultura interfere na forma como a pessoa vê o mun-
do, na forma como ela percebe as coisas. Cada indivíduo
é criado em uma cultura determinada e os valores que
adquiriu o fazem emitir juízos de valor sobre as coisas, o
que permite que o mundo seja visto de diferentes manei-
ras pelas sociedades humanas. A mudança de espaços e
o passar do tempo em função do processo de socializa-
ção fazem que o indivíduo modifique sua compreensão
e interpretação de fatos e de acontecimentos.
5) A cultura é, também, um mecanismo de adaptação. A so-
brevivência das comunidades humanas está diretamen-
te relacionada com a cultura porque ela se baseia na ca-
pacidade de evolução, mudança e adaptação dos seres

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116 © Sociologia da Educação

humanos. O ser humano consegue sobreviver quando é


capaz de superar as dificuldades impostas pela natureza
e as dificuldades impostas pela própria cultura, ou seja,
consegue sobreviver quando faz cultura.
Na linguagem sociológica, não existem culturas superiores
ou inferiores; existem, sim, culturas diferentes, tendo em vista que
cada cultura é uma realidade autônoma e só pode ser compreen-
dida a partir dessa realidade.
Extraímos um trecho da carta citada por Carlos Rodrigues
Brandão no livro O que é educação (1993), que aborda, com pro-
priedade, o item Culturas humanas: respostas aos problemas de
compreensão do mundo e ilustra, sobretudo, a referência às dife-
renças culturais.
Conta o autor que, quando os governantes dos Estados de
Virgínia e Maryland, nos Estados Unidos, assinaram um tratado de
paz com os índios das Seis Nações, mandaram cartas fazendo um
convite para que enviassem seus jovens à escola dos brancos, e os
chefes indígenas responderam com agradecimentos e recusa:

Uma forma de compreender o mundo–––––––––––––––––––––


Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e
agradecemos de todo o coração.
Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções
diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao sa-
ber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.
Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e
aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles
eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem
o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma
cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inú-
teis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos
aceitá-la, para mostrar nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Vir-
gínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que
sabemos e faremos deles, homens (BRANDÃO, 1993, p. 8-9).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Para ampliar as ideias em torno do tema do processo de so-
cialização e do tema da cultura tentando "sentir como viveram e
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 117

vivem em nós as culturas interdependentes e sucessivas de que


somos portadores, intérpretes, agentes e reagentes no tempo e no
espaço", nada melhor do que conhecer e apreciar a obra do brasi-
leiro Luís da Câmara Cascudo, embasada em pesquisas profundas
sobre os "usos e costumes de nossa gente comparando-os com os
de outros povos" (CASCUDO, 2000, p. XV).
Com a publicação de Alma Patrícia em 1921, Luís da Câma-
ra Cascudo inicia uma bibliografia composta de aproximadamente
120 obras que tratam das lendas, dos mitos, das superstições, da
indumentária, das danças, dos cantos, das estórias contadas, das
bebidas e comidas tradicionais, dos santos favoritos, dos folclo-
ristas, da linguagem médica popular do Brasil. Os resultados das
pesquisas desse pensador brasileiro são registrados com erudição
e merecem ser estudados porque traduzem a valorização de nossa
cultura espontânea, a cultura popular brasileira, que marca a "exis-
tência do permanente na memória coletiva" (CASCUDO, 2000, p.
XXII).
Em caráter de conclusão provisória, reiteramos que todos os
povos, grupos ou pessoas têm cultura e, também, geram cultura:
todas as pessoas têm um modo de sentir, de pensar e de agir origi-
nado na vivência coletiva. Como todos os povos e todos os grupos
produzem cultura, todos os indivíduos que os integram possuem
cultura e, como os indivíduos interagem com distintos e diversos
grupos sociais, consequentemente, carregam características de
todos eles, o que torna cada indivíduo único. É no interior des-
se movimento entre indivíduo e sociedade que surge a educação:
um processo por meio do qual a cultura é transmitida às gerações
mais jovens como forma de perpetuá-la.
É um processo que perpassa toda a sociedade, mas que en-
contra na escola um espaço privilegiado, já que ela é concebida
como uma instituição culturalmente constituída para transmitir
determinado repertório cultural: conhecimentos, valores, hábitos,
crenças e modos de vida.

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118 © Sociologia da Educação

7. EDUCAÇÃO ESCOLAR, SOCIALIZAÇÃO E CULTURA


Nosso cotidiano não se reduz ao nosso espaço restrito, seja
da nossa casa, do nosso bairro, seja da cidade; ele se insere em
um quadro mais amplo, tão amplo que, na maioria das vezes, não
chegamos a perceber. Assim está posta a questão clássica da So-
ciologia, que é a relação indivíduo e sociedade.
Um dos temas decorrentes dessa relação é a socialização e
as várias formas de integrar as novas gerações aos valores, aos cos-
tumes, enfim, integrá-las à cultura de uma dada sociedade. Den-
tre as formas de integração, está a escola, um lugar específico em
nossa sociedade no qual é privilegiada a relação entre professores
e alunos.
Inseridos nesse contexto, perguntamos: como a escola se
tornou um dos elementos essenciais no processo de socialização?
Conforme António Nóvoa (1998), professor da Universidade
de Lisboa, o surgimento e o desenvolvimento da escola são resul-
tados de um longo processo que ocorreu em poucas sociedades na
Antiguidade – caso do Egito, da Grécia e de Roma. A escola como
conhecemos atualmente se desenvolveu apenas a partir do sécu-
lo 15, com o surgimento da burguesia e com a ideia de que o ser
humano é adaptável, moldável, em contraposição à ideia de sua
imutabilidade. Nesse contexto, surgem instituições voltadas para o
ensino de crianças e jovens, com preocupações educativas seme-
lhantes às que temos hoje.
No decurso da história, a escola foi-se impondo como o meio
privilegiado para educar as crianças, olhadas cada vez mais
como futuro, e não como presente. Monopólio é a palavra
certa para descrever a forma como a Igreja (séculos XVI a
XVIII) e depois o Estado (séculos XVIII a XX) ocuparam o cam-
po educativo, tornando ilegítima a intervenção dos outros
actores sociais. Pouco a pouco, as famílias e as comunidades
viram-se afastadas da coisa educativa; todas as razões servi-
ram para justificar este afastamento: a ignorância dos pais,
os maus costumes das famílias, a influência nefasta do meio
social, etc. Os discursos foram assumidos, em primeira linha,
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 119

pelos professores, que demarcaram a sua condição de espe-


cialistas contra os agentes educativos "naturais" (NÓVOA,
1998, p. 32).

Para Nelson Dacio Tomazi (1997, p. 40-41) o processo de


organização da escola está relacionado aos seguintes processos
histórico-sociais:
1. Emergência da burguesia enquanto classe que possui outro uni-
verso de pensamento e que também traz consigo uma nova ma-
neira de ver e analisar o mundo.
2. Estabelecimento de um conjunto de normas e costumes que se
referem ao corpo, como, por exemplo, a questão do asseio e da
higiene, os hábitos de conduta à mesa, que passam a ser signos
sociais de distinção dos indivíduos e dos grupos sociais. Isso im-
põe uma interiorização de normas, valores e hábitos que modi-
ficarão a conduta individual e social, que se tornam elementos
reguladores das relações entre os indivíduos.
3. Separação entre o adulto e a criança e a necessidade de se fazer
desta alguém que tenha determinado comportamento quando
crescer, por meio de um processo educativo. Assim, aparecem
pelo menos duas posições em relação a ela: uma dentro da famí-
lia (é um inocente que precisa ser protegido) e outra do exterior,
basicamente da Igreja (é necessário corrigir os vícios e a imorali-
dade quase natos nas crianças). De uma forma ou de outra, com
razões diversas, o importante é que a criança passa a ser alvo de
cuidados e, por isso, tende a ser vista como alguém que deve ser
preparado para viver no mundo dos adultos.
4. Emergência da disciplinarização da sociedade. Passa a existir um
conjunto de procedimentos para controlar, medir e corrigir os in-
divíduos, visando criar um tipo de "homem normal". Assim, o do-
ente, o louco, o delinquente e o criminoso passam a ser retirados
da sociedade: ou são enclausurados para serem curados ou são
isolados e, quando possível, devolvidos ao convívio social, ree-
ducados e disciplinados. Nesse momento, a criança que também
precisa ser educada para viver as adversidades do mundo adulto
será enclausurada para receber educação em um local chamado
escola. Esse processo se ampliou consideravelmente e é chama-
do de educação formal ou escolarização.

Tomazi (1997) considera que esses processos são importan-


tes para a nossa compreensão de que a educação escolarizada é
recente e que a "grande revolução" ocorreu – mesmo com a utili-
zação de material impresso. Desde então, surgiram inúmeras ma-

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120 © Sociologia da Educação

neiras de organizar as escolas; no entanto, quase todas mantêm


uma estruturação administrativa parecida.
Nesse contexto, a escola firma-se como instituição respon-
sável pela educação e passa a ser regida por normas específicas e
por agentes próprios – diretores, professores, alunos, orientado-
res, coordenadores etc. –, organizados mediante uma hierarquia
própria. Para a escola, está reservada a tarefa de preparar os indi-
víduos para a vida em sociedade, ao mesmo tempo em que deve
desenvolver suas aptidões pessoais.
A partir dessa exigência, organiza-se uma estrutura de ensino
com muitas salas de aulas, muitos alunos numa só sala, carteiras
em filas, porcentagens de frequência, provas, notas e diplomações.
Todas essas medidas têm como objetivo educar uma quantidade
de indivíduos cada vez maior na tentativa de adaptá-los aos valo-
res apresentados pela sociedade.
Segundo afirmações de Paulo Meksenas (1993), no momen-
to em que passa a existir a ideia da necessidade de educação pú-
blica e obrigatória para todas as pessoas, a escola aparece como
uma instituição única, que trata todos os alunos da mesma forma;
uma instituição na qual se elaboram o conhecimento e os valores
sociais e uma instituição capaz de preparar os indivíduos para a
vida em sociedade. No entanto, como a sociedade capitalista teve
um progresso contraditório, pois, enquanto alguns enriqueceram
– proprietários dos meios de produção –, grande parcela das po-
pulações mundiais empobreceu, a escola, na condição de institui-
ção e organização, passa a refletir as características peculiares e as
disfunções de cada sociedade.
No Brasil, pode-se observar a importância da escola pela
Constituição Federal (BRASIL, 1999), que, em seus Artigos 205 e
206, respectivamente, determina:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da famí-
lia, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 121

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princí-
pios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensa-
mento, a arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistên-
cia de instituições públicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade de ensino público em estabelecimentos oficiais;
V – valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da
lei, planos de carreira do magistério público, com piso salarial pro-
fissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas
e títulos;
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia do padrão de qualidade.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (BRASIL, 2010),


em seu Artigo 2o, reforça as determinações da Constituição ao es-
tabelecer que a função primordial da escola deve ser:
Discutir, além dos direitos, os deveres sociais que possuímos e a
sua devida importância, visando desenvolver nos alunos atitudes
de auto-estima, respeito mútuo e regras de convivência que condu-
zam à formação de cidadãos solidários, autônomos, participativos
e civicamente responsáveis.

Como podemos constatar mediante esses documentos, o


principal objetivo a ser atingido pela escola é a formação dos su-
jeitos para o exercício da cidadania, ou seja, preparar o ser huma-
no para a vida em sociedade. Tanto no Brasil quanto em outros
lugares pelo mundo afora, o espaço escolar é organizado com a
intencionalidade de promover uma educação na qual a maneira de
realizar a interação pedagógica é explicitada por meio de normas e
leis que tratam da definição dos objetivos e da seleção de conteú-
dos, que definem as linhas metodológicas a serem adotadas e que
indicam os critérios de avaliação, em maior ou menor medida.
Temos, então, a escola como um grupo estável, com base
em um sistema legal, com normas e finalidade, com localização,
mas que tem uma dinâmica interna específica mantida por um sis-

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122 © Sociologia da Educação

tema de normas e valores. Trata-se de uma dinâmica interna que


depende, em parte, da estrutura social externa, de tal forma que
as diversas escolas de uma mesma região apresentam similarida-
de na vivência social desenvolvida internamente; todas as escolas
têm muito em comum na sua "sociabilidade interna" devido à so-
ciabilidade infantil e juvenil – afirma o professor Antonio Candido
(1983) em um artigo clássico sobre a estrutura da escola escrito
como parte dos cursos de Sociologia Educacional que ele ofereceu
na Universidade de São Paulo – USP entre 1947 e 1956.
Nesse artigo, Antonio Candido propõe uma questão que con-
sidera decisiva para o reconhecimento da realidade total da escola
como algo autônomo, vivo no que tem de próprio, de único e que
dada a sua atualidade aqui expomos:
Na verdade, é preciso adquirir noção adequada não apenas dos
aspectos psicológicos do problema, mas do seu significado socioló-
gico. Não basta estudar o desenvolvimento da sociabilidade, desde
a formação do sentido real, até a aquisição de hábitos necessários
à vida em sociedade; é preciso dar atenção ao que há de específico
na sociabilidade da criança e do adolescente em face do adulto;
aos tipos de agrupamentos por eles desenvolvidos; ao mecanismo
de seleção dos líderes; ao conflito com os padrões sociais impostos
pela educação, etc. (CANDIDO, 1983, p. 110).

As ideias de Antonio Candido são oportunas para encerrar-


mos esta unidade porque trazem à tona e deixam em aberto uma
série de questionamentos relativos à diversificação de relações, de
atitudes, de comportamentos, de valores que caracterizam formas
de acomodação e de tensão entre administradores e professores e
os alunos que devem equacionar, na sua conduta, as exigências da
sociedade com a sua própria sociabilidade. Mais uma vez, somos
colocados diante da equação indivíduo e sociedade, uma relação
que obrigatoriamente está presente quando procuramos analisar
a questão educacional.
Considerando você, aluno de um curso de licenciatura, na
condição de estudante, esperamos que o texto desta unidade te-
nha sido instigador, bem como tenha despertado a sua curiosida-
de e vontade de aprofundar e alargar a visão educacional, possi-
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 123

bilitando-lhe, assim, uma ação educacional mais compreensiva e


mais larga, que é tão necessária. Sendo assim, fazemos uma pro-
vocação propondo a leitura de Carta ao pai, escrita em 1919 por
Franz Kafka e editada pela L&PM no inverno de 2007. Nessa obra,
encontramos estendida à nossa frente a figura do pai como "um
verdadeiro catálogo de seus erros na educação do filho"(KAFKA,
2007, p. 10).

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Tente responder às questões autoavaliativas a seguir, com
o objetivo de verificar se você precisa ou não voltar ao texto para
sanar as suas dúvidas:
1) Qual a importância da vida em grupo para os seres humanos?

2) O que é o processo de socialização?

3) Que significados adquiriu a educação escolarizada para o processo de socia-


lização e para a cultura?

9. CONSIDERAÇÕES
A evolução do ser humano só foi possível devido à sua ca-
pacidade de pensar e lutar pela superação de suas necessidades.
Nesse processo de evolução, a utilização das mãos e o desenvol-
vimento da linguagem foram decisivos e não se deram de modo
isolado; foram conquistas que ocorreram mediante um processo
educativo, no qual os seres humanos aprenderam juntos a cons-
truir meios para a sua sobrevivência.
A organização das sociedades humanas distingue-se dentre
as várias organizações de espécies animais existentes na Terra.
Essa distinção se dá pelo fato de os seres humanos serem capazes
de ampliar seu controle sobre a natureza por meio da criação e da
consolidação de um ambiente cultural que se mantém e se trans-
forma mediante o processo de socialização, sendo transmitido de
geração para geração.

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124 © Sociologia da Educação

A expectativa é que a compreensão dos conceitos de socia-


lização e de cultura se constitua como uma ponte para o entendi-
mento da dinâmica da sociedade em que vivemos e que também
ofereça uma perspectiva do porquê da necessidade de encontrar
explicações com bases científicas para a sociedade resultante de
um período de rupturas históricas, como aquele traduzido pela Re-
volução Industrial e pela Revolução Francesa.
Essas revoluções provocaram transformações profundas no
campo das relações sociais, pois decorreram de um desequilíbrio
nas estruturas que até então estavam estabelecidas. Foram trans-
formações que se originaram a partir da economia e da política,
dando novos impulsos à ciência e à tecnologia, bem como deram
base à formação das ciências sociais, dentre as quais está a Socio-
logia, que voltou os "olhares sociológicos" de Émile Durkheim, Karl
Marx e Max Weber para as tensões na socialização, geradas pelas
novas formas de organizações sociais e que ainda reverberam na
primeira década do século 21.
As palavras de Alberto Tosi Rodrigues (2001) oferecem-nos
uma boa perspectiva do teor do que foi proposto no texto. Para
ele, ensinar e aprender para a Sociologia é uma questão de sobre-
vivência – sobrevivência dos indivíduos, em primeiro lugar, o que,
sem a educação, é inviável; e, também, sobrevivência dos grupos
de status ou da própria sociedade em seu conjunto.
No entanto, isso não é apenas uma questão de sobrevivên-
cia; a educação também pode ser decisiva para uma vida melhor,
nem que, para isso, seja preciso mudar radicalmente a sociedade
em que se vive – isso do ponto de vista das sociologias transforma-
doras. Ou, ainda:
a educação pode ser vista como a resultante da necessidade his-
tórica de preparar o homem, ou certos tipos de homem, para um
mundo em que a vida racional destrói os padrões tradicionais de
comportamento. E isso pode ser bom ou mau. Alegre ou triste. Al-
vissareiro ou devastador (RODRIGUES, 2001, p. 17).
© U4 - Educação, Socialização e Cultura: Aspectos Diferentes de um mesmo Processo Social 125

10. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Novas formas de socialização primária ou socialização secundária precoce?
Disponível em: <http://cadernosociologia.blogspot.com>. Acesso em: 10 mar. 2009.
Figura 2 Natasha, que vivia trancada com cães e gatos. Disponível em: <http://
g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1175549-5602,00-MENINA+RUSSA+QUE+VIVIA
+TRANCADA+COM+CAES+E+GATOS+RECUPERASE+DIZEM+MEDICOS.html>. Acesso em:
19 set. 2010.

Sites pesquisados
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Disponível em: www.ufop.br/graduação/
ldb.rtf. Acesso em: 6 jun. 2010
G1. Menina russa que vivia trancada com cães e gatos recupera-se, dizem médicos.
Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1175549-5602,00-MENI
NA+RUSSA+QUE+VIVIA+TRANCADA+COM+CAES+E+GATOS+RECUPERASE+DIZEM+MEDI
COS.html>. Acesso em: 19 set. 2010.
RISCHBIETER, L. A triste história das crianças lobo ou Nem só de genes e cérebro vive
o homem. Disponível em: <http://www.educacional.com.br/articulistas/luca_
bd.asp?codtexto=220>. Acesso em: 16 maio 2009.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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Janeiro: LTC, 2002.
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1988. 21. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1999.
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Sociedade. 11. ed. São Paulo: Nacional, 1983. p. 106-128.
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Global, 2004.
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SERBINO, R. V. et al. Formação de Professores. São Paulo: UNESP, 1998. p. 19-40.
OLIVEIRA. P. S. Introdução à Sociologia: série brasil. 25. ed. São Paulo: Moderna, 2007.
SANTOS, J. L. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1986. (Coleção Primeiros Passos).
EAD
Descoberta Permanente:
Uma Possível Interface
Entre a Diversidade
Cultural e o Espaço
Escolar 5
1. OBJETIVOS
• Mapear o tema da diversidade cultural com base nos Pa-
râmetros Curriculares Nacionais como elemento de refle-
xão na formação de professores para fazer face aos desa-
fios que se mostram recorrentes.
• Contribuir com conhecimentos que ajudem e estimulem
a participação no processo de transformação da escola e
da sociedade.

2. CONTEÚDOS
• Cultura, diversidade cultural e educação escolar: uma re-
flexão sobre a pluralidade cultural.
• Escola e diversidade cultural: um desafio para a educa-
ção.
128 © Sociologia da Educação

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Observe, a seguir, algumas orientações para o estudo desta
unidade:
1) Nestas orientações iniciais para o estudo da diversida-
de cultural, fazemos uma inversão, porque, na verdade,
apresentamos aqui a indicação de três livros que não são
mencionados no corpo de texto, mas que trazem inte-
ressantes questões para ampliar nossa reflexão sobre o
tema, além de filmes que contribuem para desenvolver-
mos um olhar crítico por meio da linguagem cinemato-
gráfica.
2) O primeiro desses livros é A questão indígena na sala
de aula, organizado por Aracy Lopes da Silva e editado
pela Brasiliense em 1987, antecipando, portanto, uma
problemática que entraria no campo da discussão edu-
cacional formal apenas uma década depois, em 1997.
Trata-se de uma obra que tem como objetivos fazer uma
advertência: será que estamos imunes à ideologia do-
minante? Além disso, ela ensina uma difícil lição: só a
ótica dos oprimidos nos aproxima da verdade histórica.
Além da questão indígena tão atual – basta observar as
notícias sobre a posse de terras indígenas em Roraima
–, ela aborda, também, a questão racial – em um país
que, embora seja uma das maiores "nações negras" do
mundo, ainda continua ensinando cada um a "reconhe-
cer seu lugar".
3) O segundo livro é Diferenças e preconceito na escola:
alternativas teóricas e práticas, organizado por Julio
Groppa Aquino e editado pela Summus em 1998. É uma
coletânea que traça, grosso modo, a trajetória do século
20 como um século de conquistas e embates, sobretudo
no cotidiano, no interior das diversas instituições civis.
Ela apresenta a conquista do direito básico à escolariza-
ção como um dos motes principais da democratização,
uma condição sine qua non para a existência humana e
social.
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 129

4) Como o projeto de democratização escolar é um proje-


to inacabado, há exigência política para todos diante da
multiplicidade de diferenças humanas – físicas, sexuais,
raciais, religiosas, sociais, econômicas, culturais – que
permeiam o "tecido social contemporâneo". Com rela-
ção a essa questão, o livro citado no item anterior traz na
base de seus textos a palavra de ordem de todas as ins-
tituições civis e particularmente da escola: "inclusão",
sem a qual toda a legitimidade dos princípios democrá-
ticos está irremediavelmente ameaçada.
5) A educação para além do capital, do pensador húngaro
István Mészáros, publicado pela Boitempo Editorial em
2005 e também disponível em espaço virtual (disponível
em: <http://www.revista-theomai.unq.edu.ar/nume-
ro15/ArtMeszaros.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2011), é o
terceiro livro que indicamos. Seu conteúdo traz um aler-
ta para o fato de que "o simples acesso à escola é condi-
ção necessária mas não suficiente para tirar das sombras
do esquecimento social milhões de pessoas cuja existên-
cia só é reconhecida nos quadros estatísticos"; é uma
tarefa educacional que exige uma "revolução cultural"
(MÉSZÁROS, 2005, p. 52).
6) Sugerimos o documentário Olhos Azuis, produzido em
1999, o qual aborda o trabalho de uma antropóloga
americana que insiste na denúncia do preconceito con-
tra os negros.
7) Indicamos, também, o documentário Camelos também
choram, produzido em 2003. Esse documentário oferece
possibilidades de uma reflexão abrangente sobre diver-
sidade, apresentando um modo de vida bastante diverso
do ocidental.
8) Há, também, o magnífico documentário Xingu: 20 anos
depois, produzido no Brasil pelo jornalista Washington
Novaes. Vale a pena conferi-lo.
9) Dentre as inúmeras possibilidades de filmes, indicamos
Diários de motocicleta, um filme de Walter Salles (2004)
que narra uma viagem de Che Guevara pela América La-
tina, apresentando a diversidade de culturas pelos luga-

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130 © Sociologia da Educação

res por onde passou, o que permite o debate sobre a


relação de cada um com o ambiente em que vive.
10) Por fim, indicamos A encantadora de baleias, que é um
filme dirigido por Nikki Caro (2002), no qual se discute
a sobrevivência cultural de uma comunidade maori me-
diante a personagem de uma menina que deseja partici-
par das tradições reservadas somente aos meninos. Seu
avô procura um sucessor para que a cultura do grupo
não se perca, mas encontra apenas na neta as qualida-
des necessárias para isso.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Desde a Antiguidade, comunidades, grupos e povos procura-
ram afirmar suas identidades em contraposição aos demais; sendo
assim, podemos inferir que a questão da diversidade cultural não
é nova. Ela perpassa a história da humanidade.
Para Telmo Marcon (2006), em suas reflexões sobre a diver-
sidade cultural, parece paradoxal, mas um dos elementos funda-
mentais para pensarmos em identidade é a diferença, que se expli-
ca por meio dos processos históricos com as inúmeras experiências
de dominação: fazer o outro assumir a identidade dominante.
Dentre os exemplos de dominação, pensemos nos portugue-
ses chegando ao território de uma "miríade de povos tribais", na
expressão de Darcy Ribeiro (1997, p. 29), e utilizando a diferença
como justificativa para a dominação. Isso ocorreu porque a dife-
rença se constituiu como ameaça, e a diversidade passou a ser pre-
texto para a imposição de valores, de costumes e culturas, para a
subordinação daqueles que possuíam menos poder.
Telmo Marcon (2006, p. 1) indica-nos que "ainda restam evi-
dências desses processos nas muralhas, nas guarnições militares,
na delimitação de espaços, na formação de guetos, na constituição
de campos de concentração". As barreiras são sinais que se levan-
tam para dar visibilidade às relações de dominação e de exclusão
do outro.
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 131

Nas sociedades contemporâneas do século 21, a centralida-


de da cultura tem sido uma marca constante, como ressaltam as
análises de Stuart Hall (1997), Homi Bhabha (1998) e Elizabeth Ma-
cedo (2004). A explicação para a existência dessa marca aparece
quando se entende a globalização além da economia, na sua com-
plexidade e imprecisão, como um processo que engloba fenôme-
nos, mudanças em curso, realidades e tendências muito diversas
que afetam diferentes aspectos da cultura, das comunicações, da
economia, do comércio, das relações internacionais, da política,
do mundo do trabalho, da forma de entender o mundo e da vida
cotidiana.
Todas essas são circunstâncias que ressaltam as dimensões
sociais, religiosas, jurídicas e culturais e que provocam alterações
na significação dos valores, dos comportamentos, nas formas como
as práticas social e cultural são produzidas e inscritas diante da
intensidade dos fluxos culturais globais. Como a globalização não
pode ser ignorada como um fenômeno de grande intensificação,
sobretudo a partir de meados do século 20, interpretá-la como um
fenômeno multifacetado e interligado de modo complexo, como
propõe o sociólogo português Boaventura Souza Santos (2002),
parece ser uma alternativa coerente e viável.
Quanto ao conceito de cultura, embora existam divergên-
cias, posto que ele envolve questões fundamentais a respeito da
organização das sociedades e do desenvolvimento humano, há
pontos de convergência no que se refere à cultura como conheci-
mento do mundo como "um legado cumulativo fundamental para
interpretar a realidade e agir sobre ela", explica a professora Cristi-
na Costa (2007, p. 13). Para Laraia (1993), uma compreensão exata
do conceito de cultura significa a compreensão da própria nature-
za humana, tema perene da incansável reflexão humana.
Embora os gestos, as atitudes, os protocolos e os sinais se-
jam construções culturais prenhes de tradições, valores e simbo-
logias, a cultura precisa renovar constantemente seu estoque de

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132 © Sociologia da Educação

respostas. Dada a sua dinâmica, segundo Geertz (1989), ela preci-


sa criar e recriar a cada instante e, ao mesmo tempo, comunicar-se
com todos os indivíduos de um grupo, a fim de que seja eficiente
no processo de explicar, de significar e de avaliar o espaço físico e
social.
No Brasil, estudiosos como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque
de Holanda, Fernando de Azevedo e, depois, Florestan Fernan-
des, Darcy Ribeiro, Roberto da Matta, Alfredo Bosi e Renato Or-
tiz se preocuparam em definir e compreender a cultura brasileira
em suas múltiplas dimensões, e, embora representem diferentes
posicionamentos teóricos, eles concordam com o fato de que a
característica marcante de nossa cultura é a sua diversidade, re-
sultado do processo histórico-social e das dimensões continentais
do território nacional. Nesse sentido, o mais correto seria falarmos
em "culturas brasileiras", dada a pluralidade étnica que contribuiu
para a sua formação.
O povo brasileiro surgiu da confluência, do entrechoque e do
caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campi-
neiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escra-
vos, como afirma o antropólogo Darcy Ribeiro (1997).
A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como varian-
tes da versão lusitana da tradição civilizatória européia ocidental,
diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos
negros africanos. [...]. No plano étnico-cultural, a transfiguração se
dá pela gestação de uma etnia nova, que foi unificando, na língua
e nos costumes, os índios desengajados de seu viver gentílico, os
negros trazidos de África, e os europeus aqui querenciados. Era o
brasileiro que surgia, construído com os tijolos dessas matrizes à
medida que elas iam sendo desfeitas (RIBEIRO, 1997, p. 20 e 30).

Renato Ortiz (1994) observa que, no mundo contemporâ-


neo, e não apenas no Brasil, os particularismos e os regionalismos
convivem e entram em conflito com a cultura mundializada. Iden-
tidades locais, minorias étnicas, raciais, religiosas e tantas outras
diferenças culturais constroem suas próprias subjetividades em
sociedades multiculturais, em espaços culturais organizados pela
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 133

lógica da diferença que determina não tanto a riqueza de convi-


vência no pluralismo de significados, mas, antes, as diferenças de
posições sociais.
Inseridas nesse contexto de vida atual, no interior desse
complexo de significações e sentidos, de diferenças e pluralidades
que fazem parte das organizações sociais modernas, estão, tam-
bém, a escola e a sua cultura.

5. CULTURA, DIVERSIDADE CULTURAL E EDUCAÇÃO


ESCOLAR: UMA REFLEXÃO SOBRE A PLURALIDADE
CULTURAL
No livro Diversidade cultural e educação, o educador brasi-
leiro Moacir Gadotti (1992) apresenta três conferências proferidas
por ele no decorrer de 1991, as quais têm como eixo de reflexão
a relação entre a diversidade cultural e a educação para todos.
Tratava-se de um tempo histórico em que estavam sendo gestadas
a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e as demais políticas
educacionais dela decorrentes.
As reflexões de Moacir Gadotti (1992) baseiam-se no princí-
pio de que o papel da educação é potencializar os indivíduos para
que, o mais cedo possível e a maior parte do tempo possível, eles
possam tomar suas próprias decisões, estabelecer seus próprios
caminhos, dirigir suas vidas, aumentar sua capacidade de compre-
ender os outros e o mundo, desenvolver sua capacidade de aten-
ção, de observação – tudo isso para serem mais felizes, como tam-
bém queria o educador Paulo Freire.
Diante desse quadro, Gadotti (1992) defende a tese da re-
novação dos conteúdos culturais da escola, entrelaçando o seg-
mento formal (escolar) com o segmento informal (não escolar) da
educação. Embora a proposta dessa prática não seja nova, ela ain-
da constitui um grande desafio que, para ser vencido, precisa levar
em consideração a diversidade cultural.

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134 © Sociologia da Educação

Uma teoria da educação que leva em conta a diversidade


cultural deve ter como princípios básicos o pluralismo e o respei-
to à cultura do aluno (GADOTTI, 1992). Essa é uma educação que
tem como valor básico a democracia e que se propõe a instaurar
a equidade e o respeito mútuo superando preconceitos de raça e
de pobreza – os excluídos da escola são, principalmente, os negros
e os pobres. Sem esses princípios, não se pode falar em melhoria
educacional.
Segundo Sueli Carneiro (2006), diretora do Geledés – Insti-
tuto da Mulher Negra, é preciso que surjam novos atores sociais
que intermedeiem, antes de mais nada, um dos fundamentos da
democracia, que é o princípio de igualdade para todos. Ela estabe-
lece cinco manifestações universais de desigualdades que devem
ser vencidas para que esse princípio se instale. Sem vencê-las, não
se pode falar em melhoria educacional, muito menos em demo-
cracia.

Por um multiculturalismo democrático––––––––––––––––––––


[...] algumas das ideologias conspiram contra a consolidação da democracia e
o pleno gozo dos direitos de cidadania para maioria da população em nosso
país, tornando o homem branco, de classe superior e heterossexual, no único
tipo humano a desfrutar plenamente do exercício de direitos e poder em nossa
sociedade. Por isso, eles, embora se constituam uma minoria, estão em absoluta
maioria nas instâncias de mando e de poder da sociedade.
A imposição de um sujeito universal ao qual todos os seres humanos seriam
redutíveis fortaleceu as ideologias que promovem as desigualdades entre os se-
xos, as raças, as classes sociais, as religiões.
São elas:
a) O patriarcalismo que, ao instituir como natural a hegemonia do sexo
masculino, justifica todas as formas de controle, violência e exclusão
social da maioria dos seres humanos que pertencem ao sexo feminino;
o elitismo classista determinado por modos de produção que instituem
classes minoritárias abastadas, que submetem e exploram maiorias
despossuídas;
b) A homofobia decorrente da imposição da heterossexualidade como
forma exclusiva de relacionamento afetivo e sexual e condenação arbi-
trária, muitas vezes violenta, do relacionamento entre pessoas do mes-
mo sexo;
c) O fundamentalismo religioso responsável por grande parte dos mar-
tírios ocorrido na história da humanidade, em que cada denominação
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 135

religiosa, ao buscar impor o seu Deus aos outros, transformam-no, pa-


radoxalmente, em uma das principais fontes de intolerância do mundo;
d) O racismo que, ao eleger que um grupo racial é superior ao outro, pro-
voca a desumanização de grupos humanos, justificando as formas mais
abjetas de opressão, tais como a escravidão, os holocaustos e genocí-
dios e de discriminação étnica e racial [...] (CARNEIRO, 2006).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
No plano educacional nacional, uma proposta que emana do
Ministério da Educação, os Parâmetros Curriculares Nacionais pu-
blicados em 1997 e que suscitaram grandes controvérsias quanto
à sua concepção, ao processo de construção e à estruturação in-
terna, incorporaram, entre os Temas Transversais, o da pluralidade
cultural. Essa opção não foi pacífica, e, sim, objeto de controvér-
sias, de negociações sob a pressão dos movimentos sociais, de re-
estruturação da equipe responsável. O próprio documento assim
justifica, na sua introdução, a presença da temática da pluralidade
cultural no currículo escolar:
É sabido que, apresentando heterogeneidade notável em sua com-
posição populacional, o Brasil desconhece a si mesmo. Na relação
do País consigo mesmo, é comum prevalecerem vários estereóti-
pos, tanto regionais quanto em relação a grupos étnicos, sociais e
culturais. Historicamente, registra-se dificuldade para se lidar com
a temática do preconceito e da discriminação racial/étnica. O País
evitou o tema por muito tempo, sendo marcado por "mitos" que
veicularam uma imagem de um Brasil homogêneo, sem diferenças,
ou, em outra hipótese, promotor de uma suposta "democracia ra-
cial" (BRASIL, 1997a).

Para Gimeno Sacristán (2004, p. 82), no texto Currículo e di-


versidade cultural, discutir a construção de um currículo multicul-
tural é a manifestação particular de uma questão mais ampla: "a
capacidade da educação para acolher a diversidade". O ponto de
partida do autor para essa afirmação é que a cultura escolar não
poderá, em seus conteúdos e práticas, considerar e fazer que os
membros de uma minoria cultural se sintam acolhidos se toda a
cultura escolar não trata adequadamente o problema mais geral
do currículo multicultural ao qual não se poderá chegar se não se
discute a questão da diversidade cultural.

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136 © Sociologia da Educação

Sacristán (2004) exemplifica a questão com a cultura cigana,


uma cultura delimitada, que apenas poderá ser acolhida na escola
quando os mecanismos dominantes forem modificados mediante
uma estrutura curricular diferente, não desenvolvida apenas para
ciganos, mas para fazer da escola um projeto aberto, no qual caiba
uma cultura que seja de diálogo e de comunicação entre grupos
sociais diversos. Um currículo multicultural atenderia a essa de-
manda, na medida em que ele exige um contexto democrático de
decisões sobre os conteúdos de ensino, no qual os interesses de
todos estejam representados.
É interessante destacar que, com relação ao acolhimento
das diferenças, as instituições escolares, guardadas as exceções,
continuam apegadas a tradições fortemente arraigadas na práti-
ca pedagógica. Com relação a essa questão, durante a observação
sistemática do cotidiano de diferentes escolas, chamaram atenção
da professora Vera Maria Candau (2000) a homogeneidade e a pa-
dronização.
Candau (2000) verificou que a escola brasileira não tem e
não se dispôs a criar espaços para sintonizar-se com as novas de-
mandas. Acrescidas a essas novas demandas, há, também, a difi-
culdade que ela (a escola) tem de absorver as novidades do campo
da cultura, sobretudo as formas de novidades tecnológicas e os
novos códigos de linguagem, como os diversos ethos dos diferen-
tes grupos sociais. Em contrapartida, no interior desse mesmo es-
paço escolar, algumas das diferentes culturas vão afirmando seus
valores e conteúdos ou resistindo às imposições de uma domina-
ção cultural (TURA, 2000).
No documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais –
PCNs para a educação, o conteúdo relativo à Pluralidade Cultural
(BRASIL, 1997b) demonstra que há consciência da existência de
uma "zona de sombra" (desigualdade social) na estrutura social
brasileira, apontada como um dos seus pontos nodais. No entan-
to, o mesmo documento registra que essa "zona de sombra" não
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 137

pode encobrir o fato de que é no jogo das diferenças que se po-


dem reconhecê-las nos inúmeros grupos sociais e culturais que
dão sentido à pluralidade cultural existente no Brasil.
Homi Bhabha (1998, p. 227) reforça essa afirmativa ao res-
saltar que "a diferença cultural não pode ser compreendida como
um jogo livre de polaridades e pluralidades no tempo homogêneo
e vazio da comunidade nacional".
Cabe aqui mais um esclarecimento de Homi Bhabha (1998,
p. 228):
[...] a diferença cultural nos confronta com uma forma de saber ou
com uma distribuição de práticas que existem lado a lado, desig-
nando uma forma de contradição ou antagonismo social que tem
que ser negociado em vez de ser negado.

No âmbito das políticas educacionais brasileiras, as cate-


gorias "cultura" e "diversidade cultural" tornaram-se recorrentes
após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB,
que é a Lei n. 9394, sancionada em 1996. A partir de então, mul-
tiplicaram-se pesquisas tratando da diversidade cultural como rei-
vindicação dos movimentos e das organizações sociais, das esco-
las, das comunidades, dos grupos étnicos etc.
Mas como os conceitos propostos pela LDB foram e continu-
am sendo compreendidos?
Podemos exemplificar contando que alguns elementos pre-
sentes na LDB que geraram os Parâmetros Curriculares Nacionais
e que se referem à diversidade cultural deram origem à Lei n.
10.693/2003, que obriga à inclusão no currículo da temática "his-
tória e cultura afro-brasileira". São esses elementos:
• O Parecer n. 003/2004 do Conselho Nacional de Educa-
ção, que trata das "diretrizes curriculares nacionais para
a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de
história e cultura afro-brasileira e africana".
• A Resolução n. 1 de 17 de junho de 2004 do Conselho
Nacional de Educação, que institui as "diretrizes curricula-

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138 © Sociologia da Educação

res nacionais para a educação das relações étnico-raciais


e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e afri-
cana".
No Brasil, foi a partir da década de 1980 que as discussões
sobre cultura começaram a ganhar força com a organização de
movimentos sociais. Num primeiro momento, foram discussões
que se entrecruzaram e que, depois, na década de 1990, constitu-
íram identidades próprias e reivindicações mais centradas em fins
específicos.
Telmo Marcon (2006) explica-nos que é nesse contexto que
ganham forte impulso as discussões sobre questões de gênero, de
cultura e de religiosidades incorporadas da Constituição de 1988, a
qual reconhece a diversidade cultural, especialmente no Capítulo
3, quando trata da educação, da cultura e do desporto, o que fica
mais claro com a aprovação da emenda constitucional número 48,
de 2005, que incorpora ao Art. 215, Inciso V, a "valorização da di-
versidade étnica e regional".
O Artigo 215 da Constituição reconhece como dever do Es-
tado garantir "o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará a valorização e a difusão das
manifestações culturais". Nesse mesmo artigo, o parágrafo 1º es-
tabelece como dever do Estado proteger as "manifestações das
culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros
grupos participantes do processo civilizatório nacional". Foi esse
contexto brasileiro de redemocratização que criou as condições
para que os debates sobre etnia, raça, cultura, diversidade cultu-
ral, multiculturalismo e educação intercultural ganhassem espaços
significativos e as propostas e para que ideias fossem incorporadas
à legislação educacional.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabelece, em seu
Artigo 1º, que a educação envolve, entre outros aspectos, "as ma-
nifestações culturais". No Artigo 26, estabelece que os currículos
devem contemplar uma parte diversificada das regiões, própria
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 139

de cada sociedade, e, também, das "culturas, da economia e da


clientela". Por sua vez, o Artigo 36, § 4º, define que "o ensino de
história do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes
culturas e etnias para a formação do povo brasileiro especialmen-
te das matrizes indígenas, africana e européia".
A diversidade sociocultural reconhecida pela Constituição e
pela LDB foi compreendida e incorporada na legislação educacio-
nal subsequente e aparece citada na introdução dos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs da seguinte forma:
Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a ser
concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e so-
bre programas de transformação da realidade educacional empre-
endidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos
professores. Não configuram, portanto, um modelo curricular ho-
mogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-
executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das
diferentes regiões do país ou à autonomia de professores e equipes
pedagógicas (BRASIL, 1997a, p. 13).

Diante do tema da pluralidade cultural, os Parâmetros Cur-


riculares Nacionais – PCNs deixam em aberto a compreensão de
diversidade e de como ela precisa ser enfrentada metodológica e
pedagogicamente, mas reconhecem que o Brasil é um país diverso
e plural culturalmente. Daí a orientação para que seja valorizada:
[...] a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como
aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se
contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de
classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características
individuais e sociais (BRASIL, 1997b, p. 9).

Esses são recortes que deixam transparecer o reconhecimen-


to de que a sociedade brasileira é diversa e plural e que a educação
tem de lidar com essa diversidade. No entanto, não fica expressa a
forma de como realizar a análise da diversidade e de como ela se
efetiva nas práticas históricas e, também, nas práticas cotidianas.
Estaria aí subentendida uma visão de que a escola e os professo-
res estariam em condições de dar conta desse desafio? Treze anos
passados e a realidade parece estar longe desse horizonte, situa-

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140 © Sociologia da Educação

ção que se agrava por se tratar de temas complexos, como cultu-


ras, pluralidade cultural, religião, gênero, sexualidade, articulados
como temas transversais.

6. ESCOLA E DIVERSIDADE CULTURAL: UM DESAFIO


PARA A EDUCAÇÃO
Os Parâmetros Curriculares Nacionais: Pluralidade Cultural
mencionam que a escola tem um desafio importante a vencer na
discussão de temas e questões vinculadas à pluralidade cultural e
à diversidade. Reconhecem esse desafio quando fazem referência
à necessidade de "valorizar as diversas culturas que estão presen-
tes no Brasil", porque essa condição propicia à comunidade es-
colar a compreensão do seu próprio valor e promove a elevação
da autoestima, cooperando na formação de autodefesas diante de
expectativas indevidas que "poderiam ser prejudiciais" (BRASIL,
1997b, p. 10).
Um impulso nessa direção foi dado com o Tema Transversal
da pluralidade cultural, que abre a possibilidade para se mergu-
lhar no Brasil em toda a sua rica variedade, de conhecer o outro,
desfazendo ideias preconcebidas e discriminação, bem como de
ver a heterogeneidade como um acervo precioso a ser preservado
– assim escreve Betty Mindlin no texto A Verdadeira Descoberta
(1998, p. 12), para quem a imagem de um Brasil homogêneo, bran-
co e católico não corresponde à realidade e para quem descobrir
"o Brasil como ele é significa formar cidadãos orgulhosos de suas
múltiplas raízes, atentos para os direitos humanos, os direitos dos
povos, o direito à diferença".
Com relação à pluralidade cultural, Mindlin (1998) propõe
que tomemos como exemplo a questão do índio, um dos temas
que deve ser aprofundado e que pode abrir caminho para o estudo
de outros campos, como o dos negros e das religiões africanas, o
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 141

dos imigrantes, o dos ciganos, o dos budistas, judeus ou muçul-


manos, o dos quilombos, o dos trabalhadores sem-terra e tantos
outros segmentos da população.
É normal que os professores tenham dúvidas, pois os cami-
nhos são vários e o mundo indígena não é bem conhecido. Como
apresentar aos alunos, então, os dramas dos índios, os seus direi-
tos, as suas características, o seu modo de vida na aldeia ou na
cidade?
Na escola, é fundamental insistir na diferença, nas inúmeras
formas possíveis de ver o mundo, de organizar a sociedade e de
criar artística ou tecnologicamente, nos muitos sistemas de valo-
res, bem como na relação diferenciada com o ambiente e a natu-
reza.
Para Betty Mindlin (1998), as cerca de 500 áreas indígenas
do Brasil, com suas línguas e seus povos devem tornar-se um dado
na escola. Somos muito mais do que imaginamos se formos de
fato averiguar quem é o povo brasileiro. "Luta-se, assim, contra a
prepotência e o autoritarismo: nenhum país do mundo valoriza ou
reconhece os povos que massacrou ou marginalizou" (MINDLIN,
1998, p. 12).
O melhor meio para combater o racismo e a discriminação
é conhecer o outro desde os primeiros anos de formação; daí
ser fundamental na escola a crítica documentada ao racismo. É
preciso percorrer continuamente a imensa distância que vai de
jesuítas que viam animalidade nos índios até alguns jesuítas que
defendiam e aqueles que atualmente os defendem. É necessário,
também, que os índios sejam vistos como detentores de direitos
específicos, que não sejam escorraçados de suas terras no mundo
todo, que não sejam excluídos, mas que também não sejam obri-
gados a se integrar às sociedades nacionais: nem integração, nem
exclusão, alerta Betty Mindlin (1998).
Para a autora, na escola, uma abertura para contrapor os di-
reitos humanos à desigualdade na distribuição de renda e riqueza

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142 © Sociologia da Educação

passa pelos debates sobre a afirmação do direito dos índios à ter-


ra, à demarcação, enfrentando interesses contrários de minerado-
ras, criadores de gado, plantadores de soja, madeireiras, estradas
e hidrelétricas. Passa, também, pelo cotidiano, pela comunidade,
pela magia, pela família extensa poligâmica ou não, pelas formas
de cooperação no trabalho, na roça, na casa, pela afetividade, pelo
erotismo das relações humanas na aldeia. Passa, ainda, pela sexu-
alidade, pelas relações amorosas, pelos padrões feminino-mascu-
lino.
Os mitos indígenas constituem uma fonte inesgotável de ele-
mentos para reflexão; por exemplo, o mito de uma época em que
supostamente os homens é que menstruavam, ou sobre o incesto,
involuntário ou não, entre irmãos, ou, ainda, sobre meninas impú-
beres que engravidavam misteriosamente. A introdução a esses
conteúdos pode interessar a crianças e adolescentes, sendo um
atrativo para analisarem, inclusive, os padrões familiares, indagan-
do e questionando sobre muitos outros assuntos.
Mindlin (1998) indica que é importante pensar na possibi-
lidade de que crianças e jovens não tenham os índios associados
apenas a tragédias e denúncias, que sejam apresentados, também,
à perspectiva atraente, admirável, envolvente dos índios.
Temos no Brasil uma mitologia tão fascinante como a da Grécia ou
da Índia, e viva ainda, contada e cantada nos campos e florestas.
Para a escola, tal relação entre o oral e o escrito, a música e a fala,
o enredo, a narrativa e o improviso é um manancial. É o mesmo
tecido de forma e fantasia, de sagrado e cotidiano que faz a Bíblia
ou a Odisséia – transmitidas oralmente durante muito tempo –
perdurarem. Os mitos fundamentam a coesão interna de povos e
comunidades, tradição e histórias sagradas conferindo identidade
coletiva (MINDLIN, 1998, p. 14).

Entre os índios brasileiros, há histórias sobre o começo do


mundo, sobre a vida depois da morte, sobre o caminho que as
almas devem percorrer ao deixar o corpo, sobre o início do mun-
do, sobre a explicação do aparecimento das plantas, do tabaco,
da mandioca, das estrelas, do sol, da lua, dos animais. Observe, a
seguir, uma dessas histórias:
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 143

A força do vento e do sol – Xunáko Ihunovoty Yoko Kaxé––––


Ihunovoty yoko Kaxé, aínavo
O vento e o sol são fortes. Uma vez, xúnati. Topokákoko opósikoane
quando se encontraram, um ficou hunéokokoya xunako.
provocando o outro para uma dis-
puta. —"Undí’oxo xuna’a ya itíke;
ako’omea itépana njunako"; koenehi
— Eu sou mais forte que você, dis- Ra Kaxé.
se o vento ao sol. Certamente a sua
força não se compara à minha, com- Komómo poke’é ra Kaxé, Iná kixó
pletou o vento. Ihunovoty.
Olhando para a terra, o sol disse ao —"Nexoane rako hóyeno yonoti
vento: poke’éke"?
— Você está enxergando aquele ho- —"Nonjoa, kapalitoná ko’yé, hainá?";
mem andando? koene ra Ihunovoty.
— Vejo, disse o vento. —"Ènemone; koekumo veyeati ne
ípovo ene xuina’á xunako"; koenehi
— Ele está de paletó, não é? Aquele ra Kaxé.
que conseguir tirar-lhe a roupa vai
ser considerado o mais forte, com- —"Tiríxapu Ihunovoty". Kixoane
pletou o sol. Kaxé.
— Comece você, disse o sol. Turixovoné ápikea ra Ihunovoty.
He’ó kixoa inúxotike ápikea.
E assim começa o vento a soprar. Koeku xu’ikea ápikea, inamá’axo
Foi soprando devagar e depois au- koxunekea ne ápikea. Itea ako
mentando a força do sopro. Mas ne- kixoaku neko hóyeno. Ako ita vey’ea
nhum efeito fez sobre o homem. Não ípovo.
conseguiu tirar-lhe a roupa.
—"Undí’iko hixopo’o xunako";
— Agora é a minha vez de experi- koenehí ra Kaxé.
mentar minha força, disse o sol.
Yane’ e turíxovone opukea. Xunane’é
E começou a soltar o seu calor e opuné, ákone ita kotuko kaxé neko
quanto mais intenso o calor, aquele hóyeno. Avo axu’ikene eópea opune
homem não suportou o calor do sol neko kaxé, kúrihikoné ípovo neko
tirando o paletó. E assim o vento foi hóyeno.
vencido pela força do sol.
Itoane Kaxé neko Ihunovoty ya
xunáko (OLIVEIRA, 2003, p. 27-29).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A questão indígena é uma das muitas questões que devem
ser introduzidas com vigor no sistema educacional brasileiro.
Há, ainda, outra diferença, com outros componentes até
mais numerosos, que compõe o Brasil e, também, precisa ser in-
troduzida com força: a questão dos afrodescendentes. Essa é outra
vertente da pluralidade cultural que precisa ter seu lado positivo
apresentado, pois, quando se trata de abordar essa cultura, ela é
vista de forma folclorizada e pitoresca.

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144 © Sociologia da Educação

Uma proposta educativa com uma perspectiva de cidadania


tem de discutir e incorporar a diversidade sociocultural em sua
atuação cotidiana. A LDB de 1996 enfatiza a necessidade de os
currículos darem conta das diferentes manifestações culturais, e
essa preocupação foi mais bem contextualizada pela Lei n. 10.693
(BRASIL, 2003), que incorporou três novos artigos à Lei de Diretri-
zes e Bases, os quais tratam do estudo de história da África e dos
africanos, da luta dos negros no Brasil, bem como da cultura negra
brasileira e do negro na formação da sociedade nacional, resgatan-
do a contribuição do negro nas áreas social, econômica e política
da História e do Brasil.
A partir dessa lei complementar, o Conselho Nacional de
Educação elaborou e instituiu as "Diretrizes curriculares nacionais
para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de His-
tória e cultura afro-brasileira e africana" (BRASIL, 2004, p. 1).
Que questões são destacadas nesses documentos?
Eles tratam de várias questões, mas duas delas parecem ser
centrais: a educação das relações étnico-raciais e o ensino de his-
tória e cultura afro-brasileira e africana. Um dos objetivos é:
[...] oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à
demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas
de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reco-
nhecimento e valorização da sua história, cultura e identidade [...]
(BRASIL, 2004, p. 2).

Eles também propõem a implementação de uma política


curricular que combata o racismo e as discriminações, contribua
para uma cidadania democrática, que, para se constituir, precisa
assegurar o direito de que os negros se reconheçam na cultura
nacional, expressem visões de mundo próprias, bem como mani-
festem com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos.
Devem ainda ser reconhecidas:
[...] iniciativas e organizações negras, incluindo a história dos qui-
lombos, a começar pelo de Palmares, e de remanescentes de qui-
lombos, que têm contribuído para o desenvolvimento de comuni-
dades, bairros, localidades, municípios, regiões (BRASIL, 2004, p.
2).
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 145

É preciso levar sempre em consideração que, assim como as


culturas, os grupos étnico-culturais se desenvolvem e coexistem
em contextos dos quais as contradições fazem parte. Elas com-
põem a totalidade social, cultural, econômica e política, no entre-
cruzamento de relações que se articulam e que se confrontam com
valores da cultura dominante. As experiências que os diferentes
grupos étnico-culturais realizam são resultantes da imbricação de
elementos objetivos e subjetivos: duas dimensões amalgamadas
nos processos sociais concretos que as ciências humanas e sociais
precisam dar conta.
O tema pluralidade cultural permite, por meio da vida es-
colar, esclarecer eventuais preconceitos, colaborando para um
convívio democrático. De acordo com os PCNs, ao "repudiar toda
discriminação de raça/etnia, classe social, crença e sexo", é possí-
vel ensinar aos alunos o desenvolvimento de atitudes de empatia
para com aqueles que sofrem qualquer tipo de preconceito (BRA-
SIL, 2000, p. 59).
Para que uma escola se perceba num contexto multicultural,
para que não seja racista, nem elitista, nem machista, nem etno-
cêntrica, a professora Azoilda Loretto da Trindade (2000, p. 11) não
apenas nos alerta no texto Olhando com o coração e sentindo com
o corpo inteiro no cotidiano da escola que é essencial percebermos
a dimensão disso tudo, como também amplia o questionamento:
O que nós, como educadores, faremos? E como faremos? Como
nosso currículo se configurará? Como serão e deverão ser nossas
aulas, nossa avaliação, nossa sala de aula? Como será nossa postu-
ra? Como não sermos tão individualistas e julgarmos que os outros
são muito diferentes de nós, a ponto de nos transformarmos numa
ilha cercada de ilhas por todos os lados? Como não ser tão univer-
salistas a ponto de apagarmos as singularidades culturais, políticas,
sexuais, sociais, intelectuais? Como levar em consideração todos os
segmentos da escola? Como enfrentar que nossas mais belas inten-
ções e ações são ainda incipientes, que são muito poucas, embora
necessárias? Por exemplo, trabalhar o multiculturalismo na escola
não é apenas colocar imagens de todas as etnias que compõem
nossa escola nos murais, festejar o Dia do Índio e o Dia Nacional
da Consciência Negra. Não é apenas debater as políticas de cotas e

Claretiano - Centro Universitário


146 © Sociologia da Educação

outras ações afirmativas. Nem ter a imagem de uma Virgem negra


como padroeira do Brasil. Tampouco ter o atleta do século como
um ícone nacional (TRINDADE, 2000, p. 11-15).

Educação e diversidade cultural dizem respeito a um campo


delicado, sobretudo em um mundo que assiste ao recrudescimen-
to do racismo, do conservadorismo, da intolerância, que assiste
às guerras religiosas e vê a violência expandir-se. Trata-se de um
mundo em que precisamos nos reconhecer como eternos apren-
dizes, na medida em que estamos no momento de invenção da
roda de um trabalho multicultural na educação. Invenção porque
não existirá um trabalho único que deverá ser seguido ou copiado
pelos demais.
Cada grupo, cada coletividade, cada comunidade escolar de-
verá "inventar sua roda", lembrando que não se trata de "ilhas de
pessoas", uma vez que o conhecimento é construído em coletivi-
dade; daí que palavras-ações básicas devem ser fortalecidas, como
afirma Azoilda Loretto da Trindade (2002), que sugere quatro pon-
tos que, se considerados, favorecem a educação para a diversida-
de cultural:
1) a autonomia como capacidade de cada um tomar suas
próprias decisões, mas a partir da interação e diálogo
com pontos de vistas diferentes e diversos dos nossos;
2) o diálogo, que implica ouvir o outro, escutar e se deixar
preencher com a palavra, com a ideia, com a perspectiva
do outro;
3) o movimento, que concretiza a ação, que realiza a mu-
dança, a criação;
4) o contato: não se desenvolve uma educação multicultu-
ral apenas no gabinete, na sala de estudo individual, no
computador, por meio dos textos, da palavra escrita. O
outro e nós temos um cérebro, uma mente, produzimos
palavras, poesia, virtualidade, distanciamentos. Mas te-
mos, também, um corpo que tem cheiro ou cheiros, cor,
texturas, odores, sabores, expressões corporais. E essa
percepção só acontece realmente como contato, com o
encontro.
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 147

Para encerrar a explanação, tomamos as palavras da profes-


sora Ana Lúcia Valente (1999), para quem a diversidade cultural
é o desafio para a educação no século 21 e que, tal como Azoilda
Loretto da Trindade (2002), também considera que há uma ten-
dência fundamental que parece indicar que o reconhecimento da
diversidade das culturas, inclusive no contexto escolar, tem sus-
tentado a intolerância e o acirramento de atitudes discricionárias
quando a diferença passa a justificar um tratamento desigual.
Ana Lúcia Valente (1999) exemplifica a questão avaliando a
situação na França, país em que a escola é responsável por uma
parte não negligenciável da formação para a cidadania, mas que
continua a viver em um universo monocultural, onde apenas a cul-
tura dominante tem o direito de expressar-se. O texto exposto a
seguir é um exemplo que ilustra melhor esse pensamento.

Senado da França proíbe uso de símbolos religiosos em


escolas––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O Senado francês aprovou em março de 2004
a lei que proíbe do uso de véus muçulmanos e
a presença de outros símbolos religiosos nas
escolas estatais do país.
A proposta, que recebeu 276 votos a favor e 20
contra, agora segue para sanção do presidente
Jacques Chirac, que terá 15 dias para fazê-lo.
A maior parte dos partidos políticos franceses
Figura 1 Garota com shador (véu). e cerca de 70% da população aprovam a nova
lei, mas alguns líderes muçulmanos do país
disseram que sua aprovação pode ser interpretada como uma manifestação de
intolerância dos franceses.
Além dos véus, usados por mulheres muçulmanas, a presença de cruzes cristãs
e turbantes usados pelos seguidores da religião Sikh também devem ser banidos
quando a lei passar a vigorar, em setembro.
[...]
O primeiro-ministro francês, Jean-Pierre Raffarin, disse a senadores antes da
votação que a lei não tem o objetivo de promover discriminação contra grupos
religiosos, mas "dar um sinal poderoso e rápido".
"Nossa visão de secularismo não se opõe a religiões. Todos têm o direito de
expressar sua fé, desde que respeitem as leis da República dentro das escolas
da República", disse.
Entretanto, ele reconheceu que as autoridades francesas "não sentem nem di-
zem acreditar que tudo foi resolvido com esta lei".

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148 © Sociologia da Educação

A proposta havia sido aprovada pela Câmara baixa do Parlamento francês no


mês anterior.
Alguns parlamentares franceses disseram que, além de poder ser considerada
intolerante, a nova lei também prejudica os esforços de integração dos muçulma-
nos franceses na sociedade do país (BBC BRASIL, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Realize, a seguir, as questões autoavaliativas, a fim de que
você perceba se o seu estudo desta unidade foi satisfatório ou se é
preciso retornar ao texto para sanar possíveis dúvidas.
1) O que é diversidade cultural?
2) Segundo Sueli Carneiro (2006), quais são as manifestações de preconceito
e discriminação que devem ser superadas para termos uma sociedade de-
mocrática?
3) Quais são os desafios que a escola precisa vencer para implantar a educação
democrática, livre de preconceitos e discriminações?

8. CONSIDERAÇÕES
O que podemos depreender do texto sobre o tema diversi-
dade cultural, neste caso específico, numa correlação com os de-
safios que a escola brasileira precisa vencer para concretizar uma
educação que seja democrática, é que ela deve organizar ações
educativas que permitam eliminar os preconceitos e as discrimi-
nações que pairam sobre diversos grupos étnicos e comunidades,
dentro ou fora da escolas.
Um ponto que chama a atenção é o significativo número de
medidas legais traduzidas em vários documentos organizados pelo
Ministério da Educação e que são regidos pela Carta Magna, a
Constituição Brasileira. São leis que precisam sair do papel.
Conhecer, principalmente, a Constituição e, também, os do-
cumentos oficiais que administram a conduta educacional do país
pode ser uma ação adequada como instrumento de reivindicações
para a efetivação de direitos.
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 149

Outra questão que vale a pena destacar se refere à desigual-


dade social que prevalece no país. Por essa razão, como aponta
Moacir Gadotti (1992), temos de admitir que não é possível dis-
cutir a diversidade cultural sem reconhecer que, inegavelmente, a
população brasileira é constituída por uma maioria de pobres, ne-
gros e mestiços e, de acordo com uma das tendências do mundo
contemporâneo, apenas com a democracia da diversidade cultural
teremos traduzido o respeito e a valorização das diferenças socio-
culturais.
Caso a diversidade cultural seja realmente entendida como
a riqueza da humanidade, como propõe Gadotti (1992), à escola
cabe propiciar aos alunos a vivência e a convivência com outras
culturas além da sua, com a compreensão de que apenas esse tipo
de ação educacional é humanista.
Há um longo caminho a percorrer para que a escola repre-
sente, de fato, o espaço de afirmação de uma identidade pluricul-
tural. O primeiro desafio a ser vencido é eliminar a ausência de
índios, negros e imigrantes dos currículos escolares, um dos ele-
mentos que contribui fortemente para a formação de preconcei-
tos e estereótipos que se generalizam pelo Brasil afora.
Quando se trata de exclusão, preconceito, discriminação, são
muitos os desafios a serem superados, pois trata-se de povos, de
grupos étnico-culturais e de comunidades que são isoladas porque
adotam práticas e valores étnico-culturais distintos.
Trazer a temática da diversidade cultural para o centro do
debate educacional é urgente e necessário, bem como é necessá-
rio o reconhecimento dos bens culturais de nosso multifacetado
e rico patrimônio cultural. Apenas assim conviveremos com uma
escola plural e cidadã, que prepara as pessoas para serem sujeitos
históricos e agentes de transformação social.
Para concluir, registramos que o Parâmetro Curricular Nacio-
nal da Pluralidade Cultural, em 1997, abriu uma perspectiva para
uma "nova descoberta do Brasil, desde a infância", segundo as pa-

Claretiano - Centro Universitário


150 © Sociologia da Educação

lavras de Betty Mindlin (1998, p. 12), uma descoberta permanen-


te, não restrita às datas comemorativas do calendário e extensiva
não apenas aos profissionais da educação, mas também aos bra-
sileiros em geral, que devem se sentir estimulados a conhecer e a
reafirmar as nossas raízes étnicas e culturais. Isso sem perder de
vista que a pluralidade cultural, por meio de suas redes de signifi-
cação, no movimento dos fluxos econômicos e culturais, tenta, de
um lado, fazer a conformação da diferença e, de outro, relutar em
aceitar a diferença cultural como um híbrido cultural inexorável.

9. E-REFERÊNCIAS
Figura 1 Garota com shador (véu). Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/
noticias/story/2004/03/040304_veurg.shtml>. Acesso em: 21 mar. 2010.

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Acesso em: 21 mar. 2010.
CARNEIRO, S. Por um multiculturalismo democrático. In: Jornal de Debates. 20 nov. 2006.
Disponível em <http://jornaldedebates.uol.com.br/debate/como-viver-junto/artigo/
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BRASIL. Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em: <http://www.cedine.rj.gov.br/
legisla/federais/Estatuto_da_Igualdade_Racial_Novo.pdf>. Acesso em: 6 out. 2010.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional – LDB. Brasília: Diário Oficial da União, 1996.
______. Resolução n. 1 de 17 de junho de 2004 do CNE/MEC, que "institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana". Brasília: [s. n.], 2004.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Introdução. Brasília: MEC/SEF, 1997a.
______. Secretaria do Ensino Fundamental – SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Pluralidade Cultural. Brasília: MEC/SEF, 1997b.
© U5 - Descoberta Permanente: Uma Possível Interface Entre a Diversidade Cultural
e o Espaço Escolar 151

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LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. 9. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
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Claretiano - Centro Universitário


Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
EAD
Educação e Globalização:
Articulações e
Antagonismos
6
1. OBJETIVO
• Entender como se reflete na educação a necessidade de
atender às mudanças sociais e às permanências sociais
diante da globalização.

2. CONTEÚDOS
• Educação e Globalização: tentativas de interpretação.
• Convergências e divergências com relação ao papel de
professoras e professores.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Observe, a seguir, algumas orientações que contribuirão
para ampliar o seu estudo desta unidade.
154 © Sociologia da Educação

1) O romance A condição humana, do escritor francês An-


dré Malraux, aparece como sugestão de leitura porque
trata de uma tensão para eliminar a influência de for-
mas civilizatórias que são, ao mesmo tempo, alucinado-
ras e fascinantes. Publicado pela primeira vez em 1933,
ele pode ser lido como uma alegoria do século 20. São
duas possibilidades de acesso à obra: uma editada pela
Abril Cultural em 1972 e a outra digitalizada disponível
em: <http://www.esnips.com/doc/35e43f27-c131-48-
be-920d-85b2d47a2a5a/Andr%E9%20Malraux%20-%20
A%20condi%E7%E3o%20humana>. Acesso em: 20 jan.
2010.
2) O filme Matrix, produzido em 1999 nos Estados Unidos
pelos irmãos Andy e Larry Wachowski, é indicado como
uma sugestão para se refletir sobre a realidade material
e a realidade virtual, com simulações cerebrais contro-
ladas por uma programação. O personagem principal é
um programador que, independentemente de sua von-
tade, é conectado a um programa (Matrix), como num
sonho, e, ao despertar, vê-se diante de uma paisagem
de completa ruína urbana, sendo aí recebido por Mor-
pheus, um líder da resistência que o saúda ironicamen-
te: "Bem vindo ao deserto do real".
3) O livro Sobre a televisão, escrito pelo sociólogo fran-
cês Pierre Bourdieu (Jorge Zahar Editor, 1997), também
pode ser indicado como orientação para leitura sobre
o tema educação e globalização. É um estudo adequa-
do aos tempos em que a televisão se tornou um meio
de comunicação de alcance planetário. Em tempos de
realities shows e com acontecimentos produtores de
imagens fortes (violências, catástrofes) que se impõem
aos outros fatos, a televisão passou a ser um meio de
comunicação central que se impôs aos outros e passou
a determinar seus caminhos, sobretudo para a imprensa
escrita.
© U6 - Educação e Globalização: Articulações e Antagonismos 155

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
O exercício da atividade de educador apresenta a necessi-
dade de repensarmos, permanentemente, as questões que dizem
respeito à educação em seu sentido amplo e em sua perspectiva
formal, escolarizada. Isso se dá pela dinâmica que acompanha a
vida social e que nos coloca diante do desafio de atender ao duplo
movimento social: ora de preservar, ora de mudar.
É sobre alguns pontos concernentes a esse movimento de
mão dupla que refletiremos no decorrer deste texto: necessidade
de atender às mudanças sociais ou atender às permanências so-
ciais. Porém, o ritmo das mudanças aliado ao que reconhecemos
como processo de globalização, com seus reflexos nos campos tec-
nológicos da comunicação e da informatização e suas repercus-
sões no campo educacional, nesse caso, escolarizado, não pode
ser esquecido.
Há correntes de pensamento que ressaltam que o finalizar
do século 20 apontou o paradigma da mudança como o norte da
educação. Para o professor Fredric Litto (2011, p. 1), criador da
Escola do Futuro da Universidade São Paulo – USP, diante do di-
lema de como educar para uma sociedade futura cuja natureza
desconhecemos, mas que certamente será diferente, sua resposta
é: "a sociedade contemporânea está passando por modificações
estruturais, obrigando-nos a reavaliar aquilo que estamos fazendo
em educação".
Litto (2011) apontou, também, a inviabilidade de um ensino
reprodutivista, mnemônico, diante da necessidade de uma educa-
ção voltada à construção do conhecimento em um ambiente par-
ticipativo, prazeroso e, sobretudo, crítico.
Para pensar sobre algumas dessas questões concernentes à
educação, adotamos uma ótica do processo de globalização por
entendermos que ela confere novos significados para a nossa com-
preensão e identificação de algumas relações entre a globalização

Claretiano - Centro Universitário


156 © Sociologia da Educação

e a educação. Pode, também, constituir elementos que ampliem o


debate educacional e ofereçam subsídios para a reflexão em torno
da qualificação e atuação de professores, da educação e da globa-
lização diante do ritmo acelerado das mudanças tecnológicas.
Como fundamentação, vamos nos apoiar, inicialmente, na
afirmação do sociólogo Octávio Ianni (2005), um dos grandes pes-
quisadores do tema da globalização no Brasil:
A idéia de globalização está em muitos lugares, nos quatro cantos
do mundo. Surge nos acontecimentos e interpretações relativos a
tudo que é internacional, multinacional, transacional, mundial e
planetário. Está presente na vida social, assim como nas produções
intelectuais. Ressoa em toda reflexão sobre o capitalismo, socia-
lismo, Ocidente, Oriente, islamismo, cristianismo, modernidade e
pós-modernidade (IANNI, 2005, p. 7).

5. EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO: TENTATIVAS DE IN-


TERPRETAÇÃO
O tema da globalização representa um desafio em várias ins-
tâncias, sobretudo para a educação. Ele ganhou força no final do
século 20. Contudo, o acaso não foi o responsável por sua traje-
tória, na qual a tecnologia passou a ser o norte, culminando na
integração de todo o mundo, indo muito além da economia, con-
trariamente ao que muitos de nós pensamos.

A globalização além da economia––––––––––––––––––––––––


O termo "globalização" é utilizado em Sociologia em
uma referência aos processos que intensificam cada
vez mais a interdependência e as relações sociais
em sua dimensão mundial. Trata-se de um fenôme-
no social com vastas implicações; daí decorre o fato
de não devermos pensar na globalização apenas
como o desenvolvimento de redes mundiais, de sis-
temas econômicos e sociais afastados das nossas
preocupações individuais. A globalização é também
Figura 1 Globalização. um fenômeno local, que afeta a vida cotidiana de to-
dos nós. O que fazemos tem consequências na vida
dos outros e os problemas mundiais têm consequências para nós.
Por globalização, entendemos o fato de vivermos cada vez mais num "único
mundo", pois os indivíduos, os grupos e as nações tornaram-se mais interde-
pendentes.
© U6 - Educação e Globalização: Articulações e Antagonismos 157

Fala-se frequentemente de globalização como se se tratasse apenas de um fenô-


meno econômico. Muitas vezes a análise centra-se no papel das transnacionais,
cujas gigantescas operações ultrapassam as fronteiras dos países, influenciando
os processos globais de produção e distribuição internacional do trabalho. Outros
apontam para a integração económica dos mercados financeiros e para o enor-
me volume de transação de capitais a um nível global. Outros ainda centram-se
no âmbito inédito do comércio mundial, que em relação ao que se passava anti-
gamente envolve hoje em dia uma gama muito maior de bens e serviços.
Embora constituam parte integrante do fenômeno é um equívoco pensarmos que
as forças econômicas fazem por si só a globalização. Na realidade, ela é o resul-
tado de uma conjugação de fatores econômicos, políticos, sociais, tecnológicos
e culturais. O seu progresso é devido, sobretudo, ao desenvolvimento das tec-
nologias de informação e comunicação, que vieram intensificar a velocidade e o
âmbito das interações entre os povos do mundo
inteiro (adaptado de GIDDENS, 2007, p. 51-52).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Um exemplo de que a globalização é também um fenôme-
no local que afeta nossa vida quotidiana pode vir do fato de que,
diante de um televisor, o ser humano não se contenta apenas com
um canal; ele incorpora "a síndrome do game" e troca de canais
constantemente para se manter em sintonia com o mundo. Nesse
sentido, o avanço tecnológico da comunicação torna a globaliza-
ção um processo irreversível, afirmação que pode ser fundamen-
tada no pressuposto de que:
[...] globalização é uma questão de ordem comunicativa. Não ape-
nas parece ser verdadeiro que a globalização, sobre todos os seus
aspectos, econômico, político, cultural, estético, não teria sido pos-
sível sem as tecnologias da comunicação, quanto também parece
ser verdadeiro que, quando observado à luz das tecnologias da
educação, o fenômeno da globalização teve início muito, muitís-
simo mais cedo do que podemos imaginar à primeira vista. Os pri-
meiros germes dos processos hoje onipresentes da globalização já
estavam plantados nas primeiras e longínquas imagens de Lascaux
e Altamira. Desde que o homem foi capaz de projetar um produto
mental para fora de seu corpo, deu-se por iniciado um processo
ininterrupto e crescente de extra-somatização do seu cérebro e
memória (SANTAELLA, 1997, p. 28).

Globalização: breve retrospectiva histórica


É com o período áureo dos Macedônios traduzido na figu-
ra de Alexandre Magno (356-322 a. C.) com o Helenismo e, mais

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158 © Sociologia da Educação

tarde, com os romanos, época da República e do Império "Mare


est Nostrum", que buscaram dominar o mundo mediterrâneo, que
iniciamos uma retrospectiva do processo de globalização.
Outro momento a ser destacado relaciona-se à máxima cris-
tã "Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura"
(MARCOS, 16, 15), que se concretiza na Idade Média e faz que a
Igreja Cristã detenha o monopólio do saber e da cultura, globali-
zando esse princípio por meio da missão evangelizadora. Essa mis-
são, de meados do século 14 em diante, colocou os padres jesuítas
nas caravelas portuguesas quando elas começaram a ganhar os
mares abertos para novas conquistas de terras e gentes.
O teocentrismo cristão fez-se sentir em todas as instâncias
no período medieval e a globalização, nesse mesmo período his-
tórico, pode ser considerada como um processo de dominação
que ora se concentra no campo político, ora no econômico, ora no
religioso, resultando em um embate entre o pensamento religio-
so cristão e os avanços científicos e tecnológicos que, a partir de
então, provocaram não apenas o aumento, mas também a acele-
ração do processo de globalização, mudando a maneira de ser, de
pensar e de agir da sociedade.
O movimento das Cruzadas, organizado no século 12 pela
Igreja Católica, também se constituiu em um elemento globaliza-
dor que favoreceria o desenvolvimento da economia capitalista,
norteadora do mundo a partir do século 14, com as Grandes Na-
vegações.
Esses acontecimentos foram pautados por um mercantilis-
mo capitalista que é caracterizado pelas circunstâncias em que as
metrópoles exercem a autonomia absoluta sobre as colônias e a
produção se faz mediante a exploração da mão de obra. Eles são
demarcadores de mudanças que cobrirão o globo terrestre. Octá-
vio Ianni (2005, p. 36) explica que o "mercantilismo, capitalismo
comercial ou acumulação originária ligam cidades, países e con-
tinentes, assim como os rios, mares e oceanos". Nesse contexto
© U6 - Educação e Globalização: Articulações e Antagonismos 159

aparece a escravidão moderna, que, ao ser instituída nas colônias


do Novo Mundo, "vinculou europeus, africanos e aborígenes" na
produção de mercadorias e lucros.
A trajetória do capitalismo, como elemento econômico glo-
balizador, desencadeia a Revolução Industrial (século 18), que pro-
voca um desenvolvimento continuado de mecanização na indús-
tria, diante do qual se deve destacar o papel do Fordismo aliado
ao Taylorismo na busca constante do aumento da produtividade e
concentração de grandes capitais nas mãos de uma minoria. Como
resultados diretos das transformações políticas, econômicas e so-
ciais da Revolução Industrial, teremos a expansão e a mundializa-
ção do mercado, inegavelmente favorecidas com o surgimento de
novas tecnologias.
A história do capitalismo pode ser lida como a história da mundia-
lização, da globalização do mundo. Um vasto processo histórico
simultaneamente social, econômico, político e cultural, no qual
se movimentam indivíduos e multidões, povos e governos, socie-
dades e culturas, línguas e religiões, nações e continentes, mares
e oceanos, formas dos espaços e possibilidades dos tempos. Um
vasto processo histórico no qual emergem conquistas e realização,
impasses e contradições (IANNI, 2005, p. 64).

A globalização fortaleceu-se no seu aspecto econômico-


-financeiro e alcançou um patamar irreversível, que é possível de
ser observado quando se visualiza a avalanche de medidas que
diviniza o lucro, sacraliza o mercado e endeusa o consumo, provo-
cando uma concorrência desenfreada e desumana, além de gerar
desemprego e exclusão social.
A globalização, que teve seu princípio nos primórdios da
humanidade, como enfatiza Santaella (1997), chega ao século 21
como um processo em marcha, diante do qual a tecnologia das co-
municações, cada vez mais alicerçada nas máquinas, tem um papel
fundamental porque permite que interesses econômicos e políti-
cos apresentados em planos hegemônicos, dela se apropriem.
O processo histórico da globalização é acompanhado pelas
mudanças no processo educacional, que precisa adaptar-se às
exigências de cada momento. Isso ocorre porque, apenas quando

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160 © Sociologia da Educação

corresponde às necessidades sociais, a educação oferece ao ser


humano o desenvolvimento da sua capacidade de pensar e de lu-
tar pela superação de suas necessidades vitais com suas próprias
mãos, mãos que geram o trabalho que, por sua vez, é propulsor na
produção de cultura.
A educação nasce a partir de um processo comunitário co-
letivo baseado no ensinar e no aprender, o qual, no mundo pri-
mitivo, se dava pela imitação dos adultos. "A formação é integral
– abrange todo o saber da tribo – e universal, porque todos podem
ter acesso ao saber e ao fazer, apropriados pela comunidade".
(ARANHA, 1996, p. 28). Tratava-se de um saber necessário à so-
brevivência do grupo; daí ser necessária sua acessibilidade a todas
as pessoas.
Foi na Antiguidade, quando algumas sociedades passaram a
se organizar com base em camadas sociais, que o saber se tornou
privilégio daqueles que pertenciam às camadas dominantes, e o
processo educativo viu-se alicerçado no poder de mando das ca-
madas dirigentes.
Nessa fase em que a ordem era guerrear para dominar, ex-
pandir o poder e aprender que "conviver em guerra poderia trazer
a morte", o treinamento dos guerreiros passou a realizar-se numa
escola, isto é, num "ambiente separado para os adolescentes"
(MANACORDA, 1989, p. 29), circunstância que se verifica tanto no
Oriente como no Ocidente. A educação foi voltada para a arte da
guerra e para as atividades econômicas de produção, influenciadas
pela religião. O ensino era mnemônico, fundamentado na escrita
pela reprodução de textos sagrados.
Com a civilização grega, a palavra e a oratória destacaram-se
com os sofistas, responsáveis pela elaboração e pela legitimidade
do ideal democrático da classe dominante. Eles acentuaram o va-
lor humano e organizaram métodos de educação para a vida públi-
ca, sendo, segundo Luzuriaga (1990, p. 78), "os fundadores do in-
telectualismo, individualismo e do subjetivismo na educação, com
todos os benefícios e prejuízos produzidos por esses conceitos".
© U6 - Educação e Globalização: Articulações e Antagonismos 161

Com Sócrates, desenvolveu-se o princípio pedagógico da


maiêutica, mediante o qual se iniciou uma educação humanista,
que, pelo diálogo, deveria conduzir o ser humano à descoberta das
verdades fundamentadas nos ideais da moral, do espiritual e da
ética. A filosofia grega é o marco histórico da educação ocidental,
uma vez que ela é perturbadora da paz, está constantemente à
procura do ser humano, daquilo que ele faz, do que diz e do que
observa. Com os gregos, o saber passa a ter um caráter universal,
global.
A educação atinge um estágio de globalização elevado com
os Macedônios, pelo Helenismo. Essa fase educacional é definida
pelas sete artes liberais: Humanas (gramática, retórica e dialética)
e Científicas (aritmética, música, geometria e astronomia). Essa
forma de educar foi incorporada pelo domínio da civilização ro-
mana por mais de um milênio e, mais tarde, com o declínio desta,
passou às mãos da Igreja Cristã Católica, a maior instituição feudal
da Europa ocidental, que procurou atingir todos os níveis da socie-
dade, inculcando no homem medieval os valores cristãos.
Esse procedimento desencadeou um processo de exclusão
do saber, pois apenas o clero tinha o privilégio do conhecimento.
A educação, para o povo, "consistia numa educação catequética,
dogmática", enquanto a educação, para o clero, era "humanista e
filosófico-teológica" (GADOTTI, 1993, p. 52).
Ao lado do enfraquecimento do movimento das Cruzadas, o
teocentrismo cristão também foi perdendo força devido ao comér-
cio no mediterrâneo, que ressurgiu nas mãos da classe burguesa e,
mais uma vez, mudou os rumos da educação.
É com o movimento em favor do renascimento cultural das
artes e das ciências; com o descobrimento da América; com a re-
volução comercial; com o Absolutismo; com a Reforma e a Con-
trarreforma religiosa que surge uma "nova concepção de homem
e de mundo, baseada na personalidade humana livre e na realida-
de presente" (LUZURIAGA, 1990, p. 93). Envolto por essa gama de

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162 © Sociologia da Educação

"movimentos globalizadores", o ser humano procurou formas de


adaptação aos novos rumos da economia, da política, da religião
e da educação.
Ao longo da Renascença, modificaram-se os modos de pen-
sar, de ser e de agir, influenciados pelo surgimento de teorias polí-
ticas, econômicas, religiosas e educacionais que, contrárias ao cri-
tério da revelação e da fé, favoreceram o desenvolvimento de uma
mentalidade crítica pelo uso da razão, possibilitando o discernir, o
distinguir e o comparar.
A Igreja Católica, que tivera um controle sobre a educação,
viu surgir um movimento de escolas independentes, fundadas por
mercadores que haviam prosperado. Emergiu, assim, um capita-
lismo comercial, que se firmou como economia global diante do
espaço geográfico que a tecnologia alcançava: Europa, América,
África.
Esse período de grandes transformações, que foi do sécu-
lo 16 ao século 18, em que "os artesãos independentes da Idade
Média tendem desaparecer, e em seu lugar surgem os assalaria-
dos, que cada vez mais dependem do capitalista-mercador-inter-
mediário-empreendedor", prepara o terreno para as Revoluções
Burguesas, caracterizadas pelo objetivo de colocar um ponto final
às relações políticas e econômicas que tinham resquícios do Feu-
dalismo (HUBERMANN, 1986, p. 114).
Essas revoluções deflagraram um período de grande turbu-
lência social. Foi um período marcado pelo Iluminismo, corrente
de pensamento que deu sustentação teórica para que os princí-
pios da liberdade, da fraternidade e da igualdade fossem conquis-
tados pelo povo. Os efeitos foram sentidos a partir de movimentos
revolucionários, que eclodiram na Revolução Industrial (1740), na
Revolução Francesa (1750) e na Revolução Americana pela inde-
pendência (1771).
A escola, como instituição a serviço de um sistema
educacional regulado por leis, tem suas bases no contexto das
© U6 - Educação e Globalização: Articulações e Antagonismos 163

transformações originadas no decorrer dos séculos 16 e 17, as


quais culminaram com a Revolução Francesa, no século 18. Foi
um período fértil porque deu origem a uma revolução intelectual,
moral e científica, a partir da qual uma nova mentalidade baseada
na ciência começou a ser desenvolvida. Essa mentalidade irá
dominar o mundo, principalmente determinando normas, ideais,
atitudes e comportamentos próprios de um novo tempo.
Se o século 18 foi marcado por revoluções, o século 19 é
marcado pela consolidação do poder da burguesia, que provocou
um contraste alarmante entre ricos e pobres, causado pela Revo-
lução Industrial:
a burguesia não podia recusar instrução ao povo, na mesma me-
dida em que fizeram a Antigüidade e o Feudalismo. As máquinas
complicadas que a indústria criava não podiam ser eficazmente di-
rigidas pelo saber miserável de um servo ou de um escravo (PON-
CE, 1985, p. 145).

As mudanças implantadas pelas Revoluções Francesa e In-


dustrial evidenciaram a necessidade da implantação de uma edu-
cação que, por meio das instituições escolares, formasse os novos
indivíduos adaptados à nova ordem mundial, que substituiria a re-
ligião pela razão. À educação caberia a afirmação da ideia do "novo
cidadão moderno", propagada por meio do ensino laico, que teria
como objetivo romper com a Igreja para que as pessoas pudessem
adquirir a autonomia advinda da razão. Isso porque:
[...] as práticas educacionais – quer dizer, as ações empreendidas
com a finalidade de educar – estão diretamente relacionadas com
as técnicas aplicadas, com as normas vigentes e com os valores
compartilhados pelos indivíduos, no contexto de uma determinada
sociedade, de uma determinada cultura e de um determinado tem-
po histórico (RODRIGUES, 2000, p. 9).

O sistema capitalista trouxe a ciência para o centro do deba-


te com o argumento de que a vida moderna apenas poderia ser
compreendida pela ótica dos métodos científicos. Uma vez que es-
sas circunstâncias ficaram estabelecidas, a educação, assim como
outras áreas de conhecimento, precisou afastar-se dos valores re-
ligiosos para ter a ciência como base. Diante dessa nova exigência,

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164 © Sociologia da Educação

nasceu a instituição social que se passou a se responsabilizar por


essa educação: a escola.
A educação que havia sido uma atribuição dividida entre a
família e a Igreja Católica durante o sistema feudal, com a consoli-
dação do sistema capitalista, passou a ser uma atribuição da esco-
la, que se tornou a "porta-voz" de ideias educacionais necessárias
à nova ordem social. À escola, propôs-se um duplo objetivo: pre-
parar os indivíduos para a vida em sociedade e desenvolver suas
aptidões pessoais.
O avanço técnico possibilitou um avanço cada vez maior e
mais eficiente; esse avanço, porém, gerou uma evolução contra-
ditória, que provocou períodos de desequilíbrios, conflitos, crises,
associados tanto à economia, quanto à política, que atingiram a
educação, provocando, por exemplo, um dualismo: ao mesmo
tempo em que se acreditava ser a escola a instância primeira a
formar o cidadão para a vida social e política, exigiu-se dela um
repensar para a qualificação do trabalhador.
O século 20 foi marcado pela Primeira e pela Segunda Guer-
ra Mundial, pela Revolução Russa, pela Quebra da Bolsa de valores
de Nova Iorque, pela Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União
Soviética (Rússia), demonstrativos de que a globalização não é um
fato acabado, e, sim, um processo em andamento.
No entanto, a globalização em curso nesse século teve duas
características que devem ser ressaltadas: a revolução informáti-
ca e o processo de desterritorialização. São dois fenômenos que
trouxeram profundas alterações no campo educacional, uma vez
que os dois compõem o processo massivo de integração global da
humanidade.
A revolução informática "coloca nas mãos dos donos do po-
der uma capacidade excepcional de formar e informar, induzir e
seduzir, talvez jamais alcançada anteriormente na mesma esca-
la", alerta Ianni (2005, p. 57). É uma revolução que torna os seres
humanos membros de uma aldeia global via satélite, uma aldeia
© U6 - Educação e Globalização: Articulações e Antagonismos 165

desterritorializada. Nessa aldeia, é a televisão que prevalece, que


determina a importância das notícias e quais os assuntos da atu-
alidade.
Uma mídia central – a televisão – produz um impacto tão forte
no espírito do público que as outras mídias sentem-se obrigadas
a acompanhar esse impacto, mantê-lo, prolongá-lo. [...] o choque
emocional que as imagens produzem [...] não se compara com o
que podem produzir os outros meios (IANNI, 2005, p. 116-117).

A desterritorialização é um processo cada vez mais intenso e


generalizado. Ele favorece a formação de estruturas econômicas,
políticas, sociais e culturais internacionais, mundiais ou globais,
descentralizadas. Trata-se de um processo que, segundo Octávio
Ianni (2005, p. 95), "está evidente no vasto espaço do mercado, na
ampla circulação de idéias, na intensa movimentação das pesso-
as". O turismo e o terrorismo são dois exemplos desse processo.
A educação, assim como é influenciada pela revolução in-
formática, compõe o processo de desterritorialização por meio da
intensificação do diálogo entre profissionais, intelectuais e institui-
ções educacionais que ocorre com a circulação nacional e interna-
cional de professores, alunos e estudantes e pela rede de ensino a
distância, que elimina distâncias em dimensão global.
No horizonte da sociedade global são outras e novas as condições
sociais, econômicas, políticas e culturais nas quais se constitui e de-
senvolve o indivíduo. No processo de socialização, entram em cau-
sa relações, processos e estruturas que organizam e movimentam,
em escala mundial, as novas perspectivas do indivíduo, da individu-
ação, da realização do indivíduo em âmbito que transcende o local,
regional e nacional (IANNI, 2005, p. 113).

Antes de passarmos para o próximo tópico, ressaltamos,


como contraponto à globalização, que, com os efeitos da revolução
cibernética e da desterritorialização interferindo na vida cotidiana
das pessoas, as sociedades chegaram ao início do século 20 diante
da necessidade de consumo e da opulência que se contrapõe aos
horrores da miséria e da fome, presentes de maneira acentuada
em muitas partes do globo terrestre.

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166 © Sociologia da Educação

6. EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO: CONVERGÊNCIAS


E DIVERGÊNCIAS COM RELAÇÃO AO PAPEL DE PRO-
FESSORES E DE PROFESSORAS
De acordo com o pensador italiano Mario Alighiero Manar-
corda (1989, p. 360):
Se o fato educativo é um politikum e um social, conseqüentemente,
é também verdadeiro que toda situação política e social determina
sensivelmente a educação: portanto, nenhuma batalha pedagógica
pode ser separada da batalha política e social.

Nesse sentido, perguntamos: como relacionar as questões


levantadas no cenário do processo de globalização a uma necessi-
dade de reflexão sobre o papel de professoras e professores?
Em princípio, é preciso levar em consideração as palavras
do educador Paulo Freire (1996, p. 109-110): "Nunca precisou o
professor progressista estar tão advertido quanto hoje em face da
esperteza com que a ideologia dominante insinua a neutralidade
da educação".
Assim como Paulo Freire, outros pensadores, como Octávio
Ianni e István Mézáros, enfatizaram que, mais do que nunca, é pre-
ciso compreender que o ato de ensinar exige do educador a com-
preensão de que a educação é uma maneira de intervenção no
mundo que pode ou não contribuir para apagar as desigualdades
e as contradições presentes na vida social nacional e mundial.
Para os professores, o desafio é enorme; inicialmente, por-
que eles constituem não só um dos mais numerosos grupos profis-
sionais, como também um dos mais qualificados do ponto de vista
acadêmico; depois, porque grande parte do potencial cultural e
mesmo técnico e científico das sociedades contemporâneas está
concentrada nas escolas – é isso que explica o professor português
António Nóvoa (1998).
A educação formal, escolarizada, experimenta o aumento
considerável de estabelecimentos; experimenta, ainda, o aumen-
to significativo no número de vagas, embora essas medidas, por si
© U6 - Educação e Globalização: Articulações e Antagonismos 167

só, não caracterizem a democratização efetiva da educação. Para


que ela se concretize, também devem participar professoras e pro-
fessores em sua atuação profissional na escola, na sala de aula e
na comunidade escolar, considerando questões de ordem política,
econômica, neoliberal e tecnológica.
Uma vez explicitadas as condições para a democratização na
perspectiva da interferência profissional dos educadores, coloca-
-se a necessidade de repensar os rumos que a educação deve to-
mar, no sentido de nortear a formação do novo educador para o
século 21, num tempo em que o conhecimento se constitui como
categoria fundante e que contrasta com a formação até então re-
cebida, da qual advém uma crise educacional que, em certa medi-
da, tem caráter mundial e se apresenta como "mal-estar docente"
atribuído à rapidez com que o mundo se transforma por meio dos
avanços tecnológicos globalizados.
Concomitantemente, tem-se a crise de valores sociais, morais
e éticos que origina no educador uma ansiedade em face da sua
desqualificação e impotência diante da fertilidade virtual-tecnoló-
gica que o educando tem ao seu alcance fora da escola, mediante
a informatização dos meios de comunicação da sociedade globali-
zada. Na Figura 2, é apresentada uma sátira a essa questão:

Figura 2 Globalização: rumos da educação.

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168 © Sociologia da Educação

O final do século 20 exigiu das instituições educacionais um


repensar coletivo que envolvesse a comunidade escolar para a
melhoria na qualidade da educação. As instituições que ainda não
se aproximaram dessa exigência precisam realizá-la.
Diante dessas questões, Paulo Freire (1996) oferece-nos
condições para reflexões quando preconiza que o ato de ensinar
exige:
1) pesquisa;
2) respeito;
3) criticidade;
4) estética e ética;
5) reflexão crítica sobre a prática;
6) consciência do inacabamento;
7) respeito à autonomia do ser do educando;
8) bom senso;
9) apreensão da realidade;
10) alegria e esperança;
11) convicção de que a mudança é possível;
12) curiosidade e segurança;
13) comprometimento;
14) compreensão de que a educação é uma forma de inter-
venção no mundo;
15) liberdade e autoridade;
16) tomada consciente de decisões;
17) saber escutar;
18) disponibilidade para o diálogo;
19) querer bem os educandos.
A proposta de Paulo Freire indica que professores precisam
desenvolver uma postura reflexiva, crítica: uma postura de pro-
fessor pesquisador. Precisam adquirir habilidades para diante dos
recursos eletrônicos; o conhecimento das novas tecnologias deve
ir além do computador, da televisão e do rádio. Aos educadores,
não basta, para a sua qualificação profissional, apenas a titulação
© U6 - Educação e Globalização: Articulações e Antagonismos 169

que lhes é exigida por lei; eles precisam saber lidar com os confli-
tos gerados pela insegurança desses novos tempos de um século
que se inicia.
O avanço da tecnologia coloca-os sob o olhar crítico de uma
educação problematizadora, dialógica e multidisciplinar. Não há
mais lugar para uma educação fragmentada, pois "não apenas
cada parte do mundo faz cada vez mais parte do mundo, mas o
mundo enquanto todo está cada vez mais presente em cada uma
de suas partes" (MORIN; KERN, 1995, p. 35).
O professor Pedro Demo (1995, p. 212), ao considerar que
"educação, ciência e tecnologia são os móveis mais decisivos das
mudanças estruturais sobrevindas", salienta a importância da
construção de uma didática fundamentada no aprender a apren-
der, no saber pensar, no saber informar-se e no saber refletir e
questionar a informação diária que a tecnologia da comunicação
proporciona. É preciso reconhecer e aceitar que o acesso ao co-
nhecimento é ilimitado e que os alunos têm autonomia para bus-
car o saber que o mundo lhes oferece.
No entanto, o acesso à tecnologia não elimina a necessidade
da existência de professoras e professores que devem atuar como
facilitadores, mediadores, orientadores e guias no ato pedagógico,
em que a máquina será um instrumento de trabalho no processo
do ensinar e aprender. O acesso à tecnologia aponta para a escola
que a dinâmica do mundo se apresenta em um processo de mu-
danças em ritmos cada vez mais acelerados, o que, certamente,
exigirá diferentes e novas respostas para diferentes e novos desa-
fios.
A compreensão de que a metodologia é a gênese do conhe-
cimento e caminha pelo viés dos atos de construir, de criar, em que
professoras, professores, alunas e alunos interagem na troca de
experiências para a construção dos saberes, é fundamental. Para
isso, faz-se necessário um ambiente escolar que seja um espaço

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170 © Sociologia da Educação

prazeroso, dinâmico, no qual educadores e alunos participem da


dinâmica do mundo como agentes construtores e transformado-
res da sociedade.
Quanto aos avanços da tecnologia, chegados à escola com a
globalização dos meios de comunicação, é preciso transformá-los
em formas de registrar – com compromisso social – o prazer au-
diovisual que a interação social entre educadores, alunas e alunos
pode gerar.
A qualificação profissional de professoras e professores tam-
bém está no exercício virtual da cidadania, mediante o qual é pre-
ciso desenvolver a capacidade de leituras plurais das informações
que os meios de comunicação de massa bombardeiam cotidiana-
mente.
Por ser um processo em andamento, a globalização apre-
senta um desafio para a educação: não se perguntará se ela quer
ou não atualizar-se; as mudanças são exigências que virão da pró-
pria comunidade escolar, que convive com filmes, livros, músicas,
reportagens científicas, enfim, virão daqueles que estão em conta-
to direto com a dinâmica dos meios de comunicação.
O mundo tecnológico desafiador coloca educadores diante
do plural, diante da vivência de uma cidadania vigilante mediante
o exercício permanente de adaptação entre os desejos do eu pes-
soal e do eu social, diante do aprender a conviver e a respeitar as
diferenças que ele apresenta. Compreende-se que essas questões
merecem reflexões da perspectiva de que a globalização é com-
preendida como um fenômeno econômico que deve ser combati-
do pelas consequências nocivas que ela pode oferecer para os paí-
ses em vias de desenvolvimento e para os países pobres. Contudo,
ela também é apresentada "como um fenômeno que se contrapõe
aos laços de solidariedade social existentes nos planos local e na-
cional" (VIEIRA, 1997, p. 70).
Uma reflexão sobre a realidade política e econômica da
sociedade cabe em toda e qualquer prática pedagógica. Gadotti
© U6 - Educação e Globalização: Articulações e Antagonismos 171

(1985, p. 79) reforça essa ideia quando afirma que "não basta ser-
mos competentes para que sejamos educadores. É o grau de cons-
ciência política que define se somos ou não educadores".
Adotando-se esse pensamento, entende-se que, quando o
espaço escolar é o palco de ideias a serem discutidas e questiona-
das pela comunidade escolar na busca e no compromisso da pre-
paração de sujeitos autônomos, ou quando o processo educacional
conduz à substituição da memorização de respostas ou fatos pelo
desenvolvimento de potencialidades, despertando a capacidade
de pensar, de expressar-se com clareza, de solucionar problemas,
de tomar decisões adequadas, bem como de desenvolver outras
formas de inteligência que possibilitem uma visão holística do co-
nhecimento e do universo em que habita, torna-se possível uma
educação transformadora.
Para os educadores, facilitadores, mediadores, parceiros,
guias na construção dos saberes, as palavras-chave são: criativida-
de, autonomia, criticidade, desterritorialização, integração e mo-
dernidade técnica.
Diante do mundo globalizado, é preciso deixar-se desafiar
como profissional da educação, assim como é preciso compreen-
der que a necessidade de adaptações não poderá ser excluída des-
sa realidade com que interage para conectar-se à escola.
Para encerrar esta unidade e este CRC, ficamos com um pen-
samento de István Mézáros (2005) expresso no livro A educação
para além do capital, segundo o qual a sociedade está diante de
uma tarefa de transformação social emancipadora radical, incon-
cebível sem a contribuição ativa da educação:
E, também, a educação não pode funcionar suspensa no ar. Ela
pode e deve ser articulada adequadamente e redefinida constante-
mente no seu inter-relacionamento dialético com as condições em
mudanças e as necessidades da transformação social emancipado-
ra progressiva. As duas têm êxito ou falham, sustentam-se ou caem
juntas. Cabe a nós todos – todos porque sabemos bem demais que
"os educadores também têm que ser educados" – a sua manuten-
ção e não a sua queda (MÉZÁROS, 2005, p. 51).

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172 © Sociologia da Educação

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Responda às questões autoavaliativas a seguir, a fim de que
você possa verificar se compreendeu o conteúdo desta unidade:
1) O que é a globalização?

2) O que é revolução cibernética e qual o seu significado para a educação?

3) O que é processo de desterritorialização e qual o seu significado para a edu-


cação?

8. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, apresentamos a questão da globalização e
as exigências que ela propôs no campo educacional formal. Trata-
se de um tempo que carrega em seu bojo os resultados da nossa
crença de que, como coletivo humano, quanto mais soubésse-
mos sobre a realidade social e material, mais seríamos capazes
de controlá-la em nosso benefício e nos tornaríamos senhores do
nosso próprio destino. Ao contrário do esperado, o mundo é de
incertezas e de riscos produzidos. A globalização tem significado à
transformação dos sistemas econômicos e da estratificação, assim
como dos contextos da experiência social.
A globalização não deve ser vista simplesmente como um fe-
nômeno distante, porque ela afeta não apenas os espaços globais,
mas também as intimidades da existência pessoal, uma vez que
atua de modo a transformar a vida cotidiana. Não constitui um
processo único, e, sim, uma mistura complexa de processos que,
em inúmeras circunstâncias, atuam de forma contraditória, produ-
zindo conflitos, desarticulações e novas formas de estratificação.
Todas essas questões indicam que educação está diante de
uma tarefa de transformação social emancipadora radical, incon-
cebível sem a contribuição ativa da educação. Dessa forma, elas
trazem desafios enormes para os professores porque estes cons-
© U6 - Educação e Globalização: Articulações e Antagonismos 173

tituem um dos mais numerosos e qualificados (do ponto de vista


acadêmico) grupos profissionais, e porque grande parte do poten-
cial cultural e mesmo técnico e científico das sociedades contem-
porâneas está concentrada nas escolas.

9. E-REFERÊNCIAS

Lista de Figuras
Figura 1 Globalização. Disponível em: <http://cadernosociologia.blogspot.com/2009/04/
posicoes-sobre-globalizacao.html>. Acesso em: 19 set. 2010.
Figura 2 Globalização: rumos da educação. Disponível em: <http://bignadaquasar.
wordpress.com/2009/08/20/na-teia-do-porco-aranha-educacao-os-tempos-
mudaram/>. Acesso em: 19 set. 2010.

Site pesquisado
LITTO, F. M. Um modelo para prioridades educacionais numa sociedade de informação.
Disponível em: <http://miniweb.com.br/atualidade/entrevistas/Prof_Litto/artigo_
modelo_prioridades1.htm>. Acesso em: 20 jan. 2011.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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BÍBLIA SAGRADA. Rio de Janeiro: Edição Barsa, 1967.
DEMO, P. Desafios modernos da educação. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.
GADOTTI, M. História das idéias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1993.
HUBERMANN, L. História da riqueza do homem. 21. ed. rev. Rio de Janeiro: LTC, 1986.
IANNI, Octávio. A sociedade global. 12. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
LUZURIAGA, L. Histórias da educação e da pedagogia. São Paulo: Nacional, 1990.
MANACORDA, M. A. História da educação: da Antigüidade aos nossos dias. São Paulo:
Cortez, 1989.
MÉZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
MORIN, E.; KERN, A. B. Terra pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.
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