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XVI Encontro Nacional da ABET

3 a 6/9/2018, UFBA, Salvador (BA)

GT 10 – Cultura, Identidade e Experiência social em meio às (re)


configurações do mundo do trabalho

O trabalho de travestis e transexuais e as mudanças provocadas pela


reforma trabalhista: experiências no Programa Transcidadania (PMJP/PB)

Felipe Franklin Anacleto da Costa, UFPB


Maria Clara Lima de Menezes, UFPB
O trabalho de travestis e transexuais e as mudanças provocadas pela
Reforma Trabalhista: experiências no Programa Transcidadania
(PMJP/PB)
Felipe Franklin Anacleto da Costa1
Maria Clara Lima de Menezes2

RESUMO

Este trabalho é resultado de uma pesquisa em fase inicial acerca da relação


entre a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) e o Programa Transcidadania da
Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP/PB), que oferece oportunidades
de trabalho e renda a travestis e transexuais. O estudo visa entrevistar
usuárias do programa com o objetivo de verificar os impactos da reforma
sobre os seus trabalhos. Até o momento foi realizado um trabalho inicial de
pesquisa bibliográfica e uma entrevista semi-estruturada com um homem
transexual que buscou conhecer os seus itinerários de vida e mais
especificamente a sua trajetória num mundo do trabalho cada vez mais
flexível e com menos proteção social no Brasil. Os resultados apontam um
percurso repleto de dificuldades, como grande parte da população brasileira,
mas com uma característica particular, em que sua transição corporal facilitou
sua experiência no mercado de trabalho.

Palavras-chave: Trabalho. Travestis e transexuais. Programa Transcidadania.


Reforma Trabalhista.

1 INTRODUÇÃO

O Programa Transcidadania da Prefeitura Municipal de João Pessoa-PB


é uma das principais políticas públicas direcionadas a população LGBT no
Estado da Paraíba. Implementado em 2015, vem ganhando destaque na mídia
ao proporcionar oportunidades de emprego, habitação e educação para
travestis e transexuais no mercado de uma cidade marcado pela negação de
direitos a esta população.
Uma pesquisa anterior (COSTA, 2014), verificou que, com exceção de
algumas empresas parceiras do programa, como as call centers AeC e Lic, há

1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da


Paraíba (PPGS/UFPB), participa do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas
e Trabalho (LAEPT/UFPB), feanacletoss@gmail.com.
2 Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), participa do

Laboratório de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Trabalho (LAEPT/UFPB),


claraamenezess@gmail.com.
incapacidade das organizações locais em estabelecer políticas de gestão da
diversidade voltadas para este público. Além disso, há uma forte ocorrência de
homofobia institucional, que corresponde a “formas pelas quais instituições
discriminam pessoas em função de sua orientação sexual ou identidade de
gênero presumida” (BRASIL, 2011 apud COSTA, 2014, p. 15-16).
O programa tem contribuído para romper estas barreiras, tendo
realizado parcerias com empresas fora do setor de telemarketing, cuja
invisibilidade das funções favorece a contratação de indivíduos profundamente
estigmatizados como os LGBTs. Restaurantes e supermercados também já
estão aderindo à ideia de serem organizações suscetíveis a diversidade de
orientação sexual e identidade de gênero.
Este trabalho, com todas as limitações de uma pesquisa em fase inicial,
traz contribuições adquiridas a partir de uma pesquisa de campo preliminar no
programa, buscando conhecer seus objetivos, atividades e organização
institucional, que integra uma pesquisa mais ampla em nível de mestrado sobre
os impactos da reforma trabalhista na contratação das travestis e transexuais
atendidas por esta política pública. Em entrevista com um dos funcionários,
traçamos um breve percurso de suas experiências enquanto homem
transexual, marcado por todas as dificuldades vivenciadas por uma pessoa que
ousa contrariar as estruturas de poder de uma sociedade heteronormativa e
patriarcal, focalizando principalmente seus relatos em relação às vivencias na
escola e no trabalho.

2 GÊNERO, SEXUALIDADE E TRABALHO: QUAL O LUGAR DE


TRAVESTIS E TRANSEXUAIS?

Quando falamos na palavra gênero imediatamente vem à tona uma série


de preconceitos e confusões em relação ao tema. É comum atrelarem o
conceito a sexo, o que se constitui como um erro, pois na realidade diz respeito
a aspectos sociais e culturais que escapam a determinações biológicas.
Enquanto o sexo é um termo que se refere às diferenças anatômicas básicas,
internas e externas ao corpo que diferenciam homens e mulheres, o gênero,
assim como a sexualidade, são um conjunto de crenças, comportamentos e
identidades socialmente construídas e historicamente modeladas (WEEKS,
2000).
No desenvolvimento dos estudos sobre a sexualidade, de acordo com
Weeks (2000), duas correntes mereceram destaque: o essencialismo sexual e
o construcionismo social. O essencialismo emergiu a partir do surgimento da
Sexologia. Estudiosos da área, como Richard Von Kraft-Ebing e Havelock Ellis
entendiam o sexo como um instinto natural, que demandava força e energia
avassaladoras. Algo que penetra o ser por inteiro e determina o que ele é. O
próprio conceito de homossexualidade foi definido a partir da Sexologia, que o
entendia como uma orientação sexual desviante, diferente da habitual,
contribuindo para o crescente estigma negativo que recebe até hoje. O
construcionismo social, por sua vez, entendia que a sexualidade dos homens
só poderia ser compreendida ao situá-la em um contexto histórico específico,
em que diversas relações de poder poderiam determinar o que seria aceitável
ou não no meio social. Procura investigar as causas que privilegiam certas
sexualidades em detrimento de outras. Essa abordagem teve influências de
áreas como Antropologia Social, Psicologia Social, História Social, além das
políticas identitárias dos movimentos feminista, gay e lésbico.
Foucault (2014) afirma que a sexualidade é um dispositivo histórico que
foi alvo de constante disciplinamento e controle, sobretudo pelas políticas de
Estado. Tais políticas são observadas mediante o conceito de biopoder, que de
uma forma simples, pode ser entendido como estratégias empreendidas pelos
governos para disciplinarem os corpos dos indivíduos. As políticas de controle
de natalidade no período de emergência do Welfare State na década de 40 e a
caça aos degenerados sexuais (quase sempre homossexuais) durante o
aprofundamento da Guerra Fria nos anos 50 são alguns exemplos desta
intervenção estatal em relação à sexualidade ao longo da história.
Já o termo gênero, teve impacto na teoria social a partir das formulações
elaboradas pelo pensamento feminista nos anos 1970. Para as ativistas o
gênero era produto da cultura e um conceito fundamental para desnaturalizar
as distribuições díspares de poder entre homens e mulheres que para muitos
eram fruto de condicionamentos biológicos (PISCITELLI, 2009). Lançaram os
olhares para os diferentes espaços e papeis sociais destinados a estes
indivíduos, as construções das masculinidades e das feminilidades, assim
como as desigualdades sociais daí decorrentes.
É isso que fica evidente na argumentação de Bourdieu (2009), ao
estudar um grupo populacional africano e entender as hierarquizações
existentes nessa sociedade, cuja categoria de gênero tem papel fundamental.
O autor acredita na existência de um inconsciente androcêntrico, uma espécie
de masculinidade centralizadora, um modelo de produção e reprodução de
simbologias que acaba tutelando um conjunto de relações sociais. São as
diferentes características entre os sexos que organizam a vida social. Nesse
sentido, caberia aos homens posições de dominação e às mulheres posições
de submissão e isso ocorre por meio de oposições simbólicas que pouco a
pouco vão se cristalizando nos indivíduos e na sociedade.
Para compreender este fenômeno, lança mão do conceito de habitus,
um capital cultural incorporado de tal forma que passa a funcionar como um
código de conduta para as pessoas. Bourdieu se contrapõe a análises que
colocam agente e estrutura de lados opostos, entendendo que há influências
de um sob o outro. Até que ponto temos liberdades em nossas ações? A
estrutura social não exerce papel nesse sentido? Este conceito busca dar conta
das liberdades e determinismos existentes na ação humana, defendendo que
há “interiorização de exterioridade” e “exteriorização de interioridade”, isto é, o
âmbito individual é fruto de inculcações sociais que orientam as atitudes.
Dessa forma, a emergência de um habitus feminino passaria
inevitavelmente pelas diversas manifestações da violência simbólica masculina,
que diferente de uma violência física, expressa e material, ocorre de uma
maneira muitas vezes sutil e com o tempo vai se conformando socialmente,
sendo difícil contestá-la. Mesmo com a quantidade significativa de avanços em
termos de direitos sociais e da ampliação de seu escopo no espaço público
atual, as mulheres ainda enfrentam estigmatizações por algumas de suas
atitudes e/ou presença em certos espaços. Isto certamente deve-se a força da
dominação masculina, que se impõe como a ordem natural das coisas, fazendo
com que até o dominado reproduza a violência sofrida.
O mercado de trabalho é um ambiente em que as mulheres mais sofrem
com as desigualdades provocadas pela dominação masculina. Hirata (2012),
ao realizar uma análise comparativa entre fábricas de uma indústria de
eletroeletrônicos no Brasil e na França, verifica de perto este fenômeno.
Trabalhando com o conceito de divisão sexual do trabalho, que corresponde a
uma determinação social de tarefas atribuídas ao sexo masculino (trabalho
produtivo) e feminino (trabalho doméstico), a autora afirma que estas relações
de gênero contribuem para a reprodução do modo de produção capitalista e de
suas relações sociais.
Embora as mulheres sejam a maioria das trabalhadoras, quase sempre
ocupam cargos estritamente ligados à produção, recebendo menor
remuneração, enquanto os homens exercem a maioria dos postos de
supervisão e gerência, que naturalmente rendem maiores salários. Tentando
explicar as razões para o predomínio do trabalho feminino da produção, Hirata
cita sua parceira de estudos Danièle Kergoat, e afirma que há uma ligação
entre as esferas da produção e da reprodução. A habilidade das mulheres não
seria adquirida pelas mesmas formas das aptidões dos homens, em cursos e
experiências profissionais, viria a partir do treinamento nos afazeres
domésticos.
E o próprio discurso dos empregadores corrobora para reforçar os
estereótipos e a desigualdade quando afirmam que determinadas atividades
seriam “penosas para um homem” e que as mulheres teriam mais tolerância e
paciência para realiza-las. Apesar dos entrevistados não mencionarem as
habilidades que elas possuem devido ao treinamento doméstico, nem
características como “docilidade” ou “submissão”, a pesquisadora cita diversos
estudos que comprovam que tais qualidades são relevantes para a contratação
de mulheres nas indústrias.
Se para as mulheres é reservada esta condição de inferioridade, para a
população LGBT, principalmente travestis e transexuais, muitas vezes o direito
ao trabalho formal é negado. Alguns estudos têm demonstrado isso,
ressaltando as dificuldades enfrentadas por este público, bem como as
estratégias empregadas para ingressar e se manter num emprego.
Marinho (2017) faz uma análise sobre a juventude transexual e as
resistências das organizações em absorver este público ao seu quadro de
funcionários. Para ela, os transexuais, por possuírem uma identidade de
gênero distinta da normativa, que preconiza que a performance social e sexual
do indivíduo devem corresponder ao seu sexo biológico, não se encaixam na
matriz de inteligibilidade social e cultural de gênero da empresa capitalista. Tal
dado associado ao fato da dificuldade de ter o direito ao nome social garantido,
isto é, ter um registro civil com um nome que corresponda a sua expressão de
gênero para impedir constrangimentos em seleções de emprego, faz com que
grande parte desta população busque na informalidade uma condição mais
digna de vida.
Outros fatores como a baixa escolaridade, resultante do abandono à
escola devido a situações de discriminação3, fazem com que a grande maioria
dos travestis e transexuais é induzida a garantir seu sustento na prostituição e
em profissões ligadas ao universo feminino, que exigem pouca qualificação e
oferecem baixa remuneração4, como cabeleireira, faxineira, copeira, etc.
(ADELMAN, 2003 apud HARTMANN, 2017).
Corrobora com esta argumentação o fato de as organizações que
ofertam a grande maioria das vagas para os usuários do Programa
Transcidadania situarem-se na área de telemarketing, uma área marcada pela
invisibilidade, pois os trabalhadores funcionam como um canal de transmissão
das considerações dos usuários dos serviços e são reificados a meras
engrenagens de um atendimento telefônico (DUTRA, 2014), e pela
precarização do trabalho, pois é:
[...] fundamentalmente regulado pela pressão do fluxo
informacional, arruinado pela rotinização da comunicação e
subordinado a um rígido script (roteiro), cujo objetivo central
consiste em aumentar a eficácia comercial associada à
redução do tempo de conexão, tendo em vista a multiplicação
das chamadas por hora trabalhada (BRAGA, 2009, p. 71).

Nesse caso uma travesti ou transexual não “prejudica” estas empresas,


pois não expõe sua imagem como funcionária, realizando os seus trabalhos via
interação telefônica e, portanto, sem contato face a face com o cliente.
Hartmann (2017) afirma que vários estudos apontam que é a prostituição
a atividade majoritária das mulheres travestis e transexuais. Fatores como
sexualização excessiva de seus corpos, contatos com outras travestis e

3 De acordo com estudos da ONG Transgender Europe, o Brasil é o país que atualmente
registra o maior número de mortes de transexuais no mundo. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-segue-no-primeiro-lugar-do-ranking-de-
assassinatos-de-transexuais-23234780>. Acesso em: 23 mar. 2019.
4 Embora boa parte delas obtenha bons rendimentos sendo proprietárias ou funcionárias de

salão de beleza.
transexuais inseridas neste mundo e o estereótipo de que são boas e feitas pra
isso corroboram para que ocupem este espaço. Pelúcio (2005) ao estudar
travestis que se prostituem, observa que ao mesmo tempo em que esta
atividade é compreendida como algo sem prestígio por elas, desejando deixa-la
caso possível, é considerada como uma maneira de ascensão social, de gerar
renda e proporcionar sociabilidade.

É na convivência nos territórios de prostituição que as travestis


incorporam os valores e formas do feminino, tomam
conhecimento dos truques e técnicas do cotidiano da
prostituição, conformam gostos e preferências (especialmente
os sexuais) e muitas vezes ganham ou adotam um nome
feminino. Este é um dos importantes espaços onde as travestis
constroem-se corporal, subjetiva e socialmente (BENEDETTI,
2004 apud PELÚCIO, 2005, p. 224).

No tocante às vivências das mulheres travestis e transexuais que estão


empregadas no mercado formal, Rondas e Machado (2015) atentam para as
estratégias utilizadas para sobreviverem neste âmbito. A partir de entrevistas,
identificaram que existem duas formas estratégicas de inserção profissional: as
defensivas e as ofensivas. Enquanto as primeiras dizem respeito à adaptação
da trajetória ocupacional ao que tradicionalmente é aceito como suas
atividades laborais (postos menos qualificados no trabalho doméstico, em
salões de beleza, por exemplo), as segundas correspondem a um
enfrentamento da estigmatização através de uma busca por uma maior
qualificação e postos mais valorizados.
Numa conjuntura marcada pela retomada do projeto neoliberal ao
governo brasileiro em 2019, o ingresso no mercado de trabalho e a garantia de
direitos sociais estão cada vez mais ameaçados. As evidências disso são os
resultados pouco significativos da reforma trabalhista implantada no final de
2017, que gerou em sua maioria, empregos sem carteira assinada e precários,
cuja programática será explicitada a seguir.

3 CONTEXTUALIZANDO A REFORMA TRABALHISTA BRASILEIRA

No contexto brasileiro, guardadas as suas particularidades, há uma


situação de desestruturação do mercado de trabalho verificada mediante altas
taxas de desemprego, desassalariamento e precarização de postos de trabalho
e baixa participação destes na renda nacional, constituindo um padrão de
sociedade salarial incompleto (POCHMANN, 2008). As reformas do Estado
implementadas ao longo da década de 90 e retomadas após o golpe de Estado
de 2016, diminuem os gastos públicos e afetam também as políticas de
trabalho e renda que em seu histórico já mostram serem desarticuladas e com
baixa efetividade.
A legislação trabalhista, em especial a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) foi profundamente afetada com uma das medidas da investida
neoliberal do governo Temer (2016-2018): a Reforma Trabalhista (Lei
13.417/2017). Sob uma aura de “modernização das relações de trabalho”, a lei
institui entre suas principais mudanças uma maior flexibilização das
negociações entre empregador e empregado, tornando o trabalhador mais
vulnerável à exploração.
A idealização e a aprovação da Reforma Trabalhista perpassaram por
dois momentos cruciais da história recente do Brasil: a atual crise política e o
golpe de Estado de 2016. Numa perfeita articulação entre o congresso, a mídia
e o judiciário, este golpe parlamentar destituiu do poder uma presidente eleita
democraticamente e que representou um projeto popular para os rumos da
nação, implementando uma série de políticas públicas que proporcionaram
uma vida mais digna a população em geral. Souza (2016) ao destrinchar tal
processo, atenta para a elaboração de um discurso que atribuía a culpa da
corrupção unicamente às gestões do Partido dos Trabalhadores, sem
considerar seu caráter estrutural na sociedade brasileira, bem como o papel
decisivo da iniciativa privada neste sentido.
Instituído o golpe, uma série de medidas que retiravam direitos
historicamente conquistados pela classe trabalhadora foi anunciada pelo
governo ilegítimo, dentro de um programa intitulado Ponte para o futuro,
atreladas a um discurso de contenção de gastos públicos para a retomada do
crescimento econômico e do pleno emprego. As aprovações da emenda
constitucional 95, que limita o investimento público por 20 anos, da Reforma
Trabalhista e a aprovação em curso da Reforma da Previdência podem resultar
no que Braga (2017) chama de “fim da sociedade salarial no Brasil”, em que
sem a CLT e a aposentadoria “[...] praticamente todas as dimensões do bem
comum já foram mercantilizadas”.
Discorrendo sobre as influências que a reforma traz para os elementos
das relações de trabalho, isto é, a contratação, a jornada e a remuneração,
Krein et al (2018) constataram que os vínculos de emprego mais
predominantes no Brasil são: entre as modalidades típicas, o contrato por
tempo indeterminado e o estatutário efetivo, e entre as modalidades atípicas, o
estatutário não efetivo. As modalidades típicas constituem a maioria dos
vínculos no Brasil e já são flexíveis por essência, permitindo ao empregador
demitir seus funcionários sem maiores restrições. A reforma incentiva e dá
respaldo legal a ampliação das modalidades atípicas, a exemplo da
pejotização, a uberização, o contrato intermitente e a terceirização, muito bem
contextualizadas no texto, deixando os trabalhadores em situação de maior
vulnerabilidade.
No que diz respeito ao segundo elemento das relações de emprego, é
ressaltada a despadronização da jornada de trabalho, prejudicando a
organização da vida do trabalhador. Ao naturalizar a banalização das horas
extraordinárias, a reforma permite que sejam acrescidas até 2 horas de
trabalho sobre as jornadas diárias, o que se traduz em 12 horas semanais, e
combinada com o trabalho no fim de semana, contribui para o uso do banco de
horas como estratégia de gestão unilateral do tempo de trabalho. O home office
ou teletrabalho também está incluso na discussão, enfatizando duas
dimensões: o trabalho que passa a ser executado em parte na residência do
trabalhador e o funcionário que se torna PJ, realizando seu ofício em espaços
denominados coworking, alugados e compartilhados com outros trabalhadores.
Por último, é abordada a questão da remuneração e os autores são bem
felizes ao questionar qual seria a razão de uma reforma para baratear o valor
da força de trabalho em um país cujo mercado já é caracterizado por oferecer
baixos salários. A reforma estimula formas de assalariamento como a
remuneração variável, que corresponde à produtividade do trabalhado durante
determinado período e a remuneração por bens e serviços, como plano de
saúde, auxílio transporte e alimentação, etc.
Biavaschi et al (2018) traz dados sobre as influências de outras reformas
trabalhistas sobre as instituições públicas que regulam as relações de trabalho
em países da América Latina e da Europa, continentes com formações socio-
históricas bem diferentes, mas que no tocante a estas reformas guardam certas
similaridades. As maiores delas os fatos de que as modificações nas
legislações trabalhistas não cumpriram o que prometeram: não diminuíram o
desemprego nem a quantidade de processos trabalhistas na justiça, além de
aprofundarem as expressões da questão social.
Até poucos anos atrás o Brasil vivia uma fase de bastante crescimento
econômico, aumento do poder aquisitivo dos trabalhadores e uma situação de
quase pleno emprego, apesar da vigência das mesmas leis tão criticadas pelos
defensores da reforma trabalhista, que defendem que estas são obstáculos
para a criação de postos de trabalho. Dessa maneira, Biavaschi (2018, p. 215)
et al são enfáticos ao pontuar que “a litigiosidade não decorre do detalhamento
acentuado das obrigações trabalhistas, mas do descumprimento sistemático
das normas de proteção ao trabalho”. Além disso, a flexibilidade é uma
característica estrutural do mercado de trabalho nacional, marcado por intenso
turnover, rapidez nos ajustes do nível de emprego, baixos salários e
heterogeneidade, o que refuta a necessidade de medidas que o tornem ainda
mais flexível e reforça o papel primordial das instituições públicas de trabalho.
Os pesquisadores evidenciam algumas características da judicialização
dos conflitos trabalhistas no Brasil e as alterações trazidas pela reforma
trabalhista. De uma forma geral, as principais mudanças visam dificultar o
acesso ao Judiciário, impondo sanções em determinadas situações para quem
entrar com processos. Em relação à atuação dos magistrados dos tribunais
regionais e superior do trabalho, restrigem suas funções, alegando
“ineficiência” e realização de “ativismo judicial”, estabelecendo assim que suas
súmulas não poderão criar obrigações não previstas em lei, o que limita a
jurisprudência.
Os autores lançam mãos de dados do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) para confirmar o caráter
falacioso de tais argumentos, verificando que a partir de 2013 o número de
magistrados por habitantes passa a diminuir, à medida que se avoluma o
número de processos. No tocante ao número de processos não solucionados,
cabe a Justiça Estadual a grande maioria de casos, mais precisamente 79,2%,
enquanto a Federal e do Trabalho respondem por 12,6% e 6,8% das
ocorrências, respectivamente. A mesma situação se aplica a abertura de novos
processos, com a Justiça Estadual sendo responsável por 68,1% das novas
ações em 2016. Já a Federal e a do Trabalho receberam apenas 12,9% e
13,3% dos processos, respectivamente. Tais dados são suficientes para
afirmar que o argumento em prol do “excesso de judicialização” no âmbito da
Justiça do Trabalho não corresponde a realidade.
Já os rebatimentos da reforma para o sistema federal de inspeção do
trabalho, que era vinculado ao antigo Ministério do Trabalho e Emprego, extinto
pelo governo Bolsonaro, se manifestam na fragilização das normas públicas de
proteção ao trabalho e em obstáculos à atuação dos auditores-fiscais, que
possuem atribuições de polícia administrativa, fiscalizando se as relações de
trabalho estão em consonância com a legislação nacional e as convenções
internacionais. Com a legalização do trabalho intermitente, da terceirização
irrestrita e de outras formas atípicas de contrato e das negociações diretas
entre as partes, a irregularidade passa a ser permitida. Dessa forma, sobre o
que irão se debruçar os auditores? Tornam-se muito difíceis o cumprimento
das normas de proteção e a penalização de seus infratores (BIAVASCHI et al,
2018).
Krein e Gimenez (2018, p. 15) acreditam que além de alterar as relações
de emprego, tal reforma tem potencial para provocar efeitos negativos sobre a
economia, o mercado de trabalho como um todo, os direitos sociais e o padrão
de organização da sociedade brasileira. “Em outras palavras, ela constitui um
sistema que amplia o poder e a liberdade do capital para determinar as
condições de contratação, uso e remuneração do trabalho”. Implica também
um enfraquecimento de instituições que atuam na fiscalização, efetivação de
direitos e negociações coletivas, como as políticas públicas e os sindicatos.
No caso de populações em situação de vulnerabilidade, como a LGBT,
em especial, as travestis e os transexuais, as restrições provocadas pela
reforma acarretam ainda mais dificuldades para o acesso ao mercado de
trabalho formal e aos direitos sociais. Dessa maneira, aumenta a tendência de
ocupação de postos informais, assim como a prostituição e toda a
marginalidade de suas condições.
4 A EXPERIÊNCIA DA TRANSEXUALIDADE NO MERCADO DE
TRABALHO: ANALISANDO A TRAJETÓRIA DE UM HOMEM TRANS

O interlocutor escolhido para corroborar com este momento da pesquisa


é um funcionário do Programa Transcidadania, homem trans, tem 30 anos de
idade, ensino superior incompleto na área de Psicologia e morador de um
bairro periférico da cidade de João Pessoa. Vive uma união estável
heterossexual com uma mulher cisgênero e tem rendimento de pouco mais de
um salário mínimo.
Em relação à vivência na infância, afirma não ter sentido muita
diferença, pois ainda não se percebia como transexual, era mais uma criança
no meio de tantas outras. Com o passar dos anos e a entrada na adolescência,
viu surgir determinadas barreiras culturais, ou seja, papéis pré-concebidos para
meninos e meninas, mas começou a rompê-las. “Ia lá e fazia mesmo”, conta.
Ainda na adolescência, percebeu a necessidade de estar entre pares, pessoas
com que se identificasse, mas sempre com a sensação de que destoava. Para
manter relações com estas pessoas diz ter interpretado um papel, era
complicado se adequar aos trejeitos femininos, mas não chegou a prejudicar as
suas amizades.
O reconhecimento como homem transexual veio apenas no ensino
médio quando uma professora solicitou um trabalho sobre a sigla LGBT. A
partir desta experiência, teve contatos com relatos de outros homens
transexuais que narravam a dificuldade de viver numa sociedade LGBTfóbica,
pontuando as estratégias utilizadas para reafirmar uma performance masculina.
Foi um processo que demorou para compreender e para aceitar.
Ao ingressar na faculdade, não estava preparado para chegar
“transicionado”, a forma como se referia ao estado pós-transição do corpo
feminino para o corpo masculino, pois sabia que haveriam resistências. Iniciou
o segundo período do curso já depois da transição e encarou uma realidade de
olhares estranhos nos corredores, conversas no refeitório e nos demais
ambientes da instituição de ensino. As pessoas paravam e olhavam aquele
indivíduo que para elas fugia à heteronormatividade hegemônica da sociedade.
Perdeu amizades, principalmente de meninas, mas também recebeu apoio e
fortaleceu afetos. Foi neste contexto que conheceu amigos que o inseriram no
movimento LGBT de João Pessoa, estabelecendo assim contatos decisivos
para conquistas pessoais e profissionais.
Um dos momentos mais emblemáticos de sua passagem por instituições
de ensino foi a questão do reconhecimento ou não do nome social. Após
trancar o primeiro curso universitário, decidiu fazer um curso técnico. Nesta
época apesar da instituição já ter conhecimento do nome social de nosso
interlocutor, as expectativas em saber como seria chamado (nome de registro,
matrícula ou novo nome) permaneciam: “Era sempre uma situação de
ansiedade”. Ao final do curso, sem saber que a turma não sabia de sua
transexualidade, o professor contou para os alunos. A partir daí passou a ouvir
piadas e a utilização do seu nome de registro com o objetivo de lhe
constranger. O acontecido o marcou de forma tão negativa que não foi buscar
o seu certificado de conclusão de curso.
No atual curso já entrou com o nome retificado e contou com o apoio da
coordenadora que de antemão já sabia como agir neste caso. Desta vez
decidiu não se assumir como transexual para a turma, pois além de já contar
com a “passabilidade”5 proporcionada pela transição, não queria que isto fosse
foco de suas preocupações. Almejava focar exclusivamente nos estudos, sem
outras expectativas de qualquer ordem:

Era a primeira vez que eu poderia focar no curso sem


preocupação com nomes pq já era retificado. [...] Quando se
coloca como trans sua vida toda é questionada. Se você tem
um relacionamento, todo mundo quer entrar na sua intimidade.
“Ah, mas como vocês fazem isso?”, “Ah, como é transar?”
Acaba tendo que responder muita coisa desnecessária.

No que concerne às experiências com o trabalho, sua trajetória iniciou


ainda na adolescência como jovem-aprendiz, uma modalidade de contrato de
trabalho que busca inserir a juventude no mercado de trabalho de maneira
semelhante a um estágio. Os itinerários dos homens transexuais no mercado
de trabalho costumam ser mais fáceis que o das mulheres transexuais, pois na
maioria das vezes eles possuem uma aparência que condiz com a performance
esperada para uma pessoa do sexo masculino. Nosso interlocutor afirma que
5
Conceito que diz respeito à capacidade que uma pessoa transexual tem de sua condição passar
despercebida por outras pessoas. No caso do nosso interlocutor, ele possui uma performance masculina
que o faz se assemelhar aos homens cisgêneros de nascimento.
além de não ter encontrado muita resistência no acesso ao mercado de
trabalho, suas oportunidades se ampliaram após a transição.
Um de seus relatos mais marcantes refere-se a uma situação em que
acompanhou uma colega que foi deixar um currículo quando o gerente do
estabelecimento o abordou e questionou o porquê dele não deixar também.
Depois de apresentar o currículo, participou de processo seletivo e foi
contratado com carteira assinada. Mesmo ainda não tendo concluído a
transição na época deste emprego, já era tratado pelo nome social pelos
colegas de trabalho. Seus documentos foram tratados com muito cuidado pela
direção, que os mantinha sob acesso restrito. Uma afirmativa resumiu muito
bem esta sua experiência: “Encontrei meu porto seguro”. Apesar de algumas
dificuldades, como o uso do banheiro masculino que era compartilhado com o
público consumidor. Como ainda não havia “transicionado”, sua voz era fina, o
que demandou traquejo para sair de situações indelicadas como quando
alguns homens queriam apalpar o seu órgão sexual.
Também trabalhou na informalidade, vendendo cosméticos de porta em
porta. A remuneração não era significativa e oscilava bastante de acordo com a
demanda, mas segundo ele, naquele momento era a oportunidade que tinha.
Era uma relação de trabalho marcada pela instabilidade, um fenômeno
analisado por autores como Sennett (2009) que utilizando diversos exemplos
de trajetórias de trabalhadores em várias áreas defende que as configurações
contemporâneas das relações laborais vêm provocando uma perda de valores
éticos com o trabalho, corroendo o caráter dos indivíduos e impossibilitando
uma experiência de vida segura e linear.
Sua última e atual vivência com o trabalho é marcada de certo modo
estabilidade, apesar de não ser funcionário público concursado. Trabalhando
no Programa Transcidadania, possui uma rotina geralmente fixa, realizando
atividades técnico-administrativas, de divulgação e de capacitação para
parceiros do programa. Um ambiente com diversos colegas LGBT, que o fazem
se sentir confortável como se estivesse em casa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, percebemos que são diversas as dificuldades


vivenciadas por uma pessoa transexual na sociedade. Da infância até a vida
adulta, estes indivíduos são marcados por processos de estigmatização que
marcam violentamente suas mentes e seus corpos. No que se refere ao mundo
do trabalho, as dificuldades vão desde a não adequação dos corpos
transexuais ao que as organizações almejam, o não reconhecimento do nome
social até a intolerância do público consumidor dos produtos e/ou serviços.
Apesar do nosso interlocutor ter uma experiência majoritariamente
positiva no mercado de trabalho, a realidade, sobretudo das mulheres
transexuais, é bastante diferente, tendo a prostituição e postos precários
ligados ao mercado da beleza como os principais empregadores.
Iniciativas como o Programa Transcidadania ocupam um papel
fundamental para a superação deste grave problema social, mas diante de
reformas neoliberalizantes, a exemplo da recente reforma trabalhista brasileira,
a eficácia de suas atividades poderá ser comprometida, precarizando ainda
mais as políticas públicas de trabalho e os empregos ofertados. É sob esta
perscpetiva que se debruça o nosso estudo, ainda em fase inicial.

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