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CONHEÇA À VERDADE
E DISilPE SUAS DUVIDAS

R\UL E. UTTLE
O que você crê sobre a divindade de Cristo? E sobre a Expiação?
O Espírito Santo é uma pessoa ou uma simples influência? O que você
crê a respeito de Deus? E sobre a Bíblia? Satanás? E os anjos?

A insegurança doutrinária afeta a maioria dos cristãos; por isso, este


livro é muito oportuno. Trará à mente dos evangélicos as verdades que
talvez tenham perdido de vista ou que nem as tenham conhecido.
Os novos convertidos terão o prazer de dispor de um pequeno estudo,
de fácil consulta, sobre a doutrina cristã. Os jovens alcançarão
crescimento espiritual com mais rapidez por meio das verdades aqui
apresentadas; e aqueles que ainda não se entregaram a Cristo
encontrarão poderosa motivação para tomar tal atitude.
Saiba o que você crê! Você se sentirá espiritualmente enriquecido!

PAUL E. LITTLE foo diretor de evangelismo da Aliança Bíblica


Universitária nos Estados Unidos,

Mundo EDITORA MUNDO CRISTÃO


Cristão Caixa Postal 21.257. 04698 - São Paulo, Est. S.P.
Sede: Rua Antônio Carlos Tacconi, 79 - TeL: 520-5011
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EDITORA MUNDO CRISTÃO
São Paulo
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Conheça o AujKr — Agradecimentos ... ^~

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Título do original em inglês 5


KNOW WHAT YOU BELIEVE
Copyright © 1970 pela íriTB Santo ^^^
Scripture Press Publications, Inc.
Wheaton, Dlinois, E.U.A.
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Tradução de Yolanda M. Krievim
Capa de Aílton Oliveira Lopes
1? edição brasileira em fevereiro de 1976
2? edição brasileira em dezembro de 1985
3? edição brasileira em novembro de 1991
8
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Impresso na Imprensa da Fé, São Paulo, SP I^I
10
Publicado no Brasil com a devida autorização Coisas Que Vão Acontecer .^^^142
e com todos os direitos reservados pela 1í
ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA EDITORA MUNDO CRISTÃO s Bibliográficas 1
Caixa Postal 21.257,04698 - São Paulo, SP, Brasil
çarão crescimento espiritual com mais rapidez por meio
das verdades aqui apresentadas, e que são de fácil assimi-
lação. E aqueles que ainda não se entregaram a Cristo en-
contrarão poderosa motivação para tomar tal atitude quan-
do lerem estas páginas.
Antes de prosseguir, seria bom fazer uma observação.
UMA CARTA PARA VOCÊ Apesar de o autor, Paul Little, ter produzido uma obra de
mestre na apresentação das verdades teológicas em nível
de fácil assimilação para leigos, lembre-se de que alguns
Querido Leitor: dos assuntos tratados são muito profundos. Você poderá
O que você crê, precisamente, sobre a divindade de encontrar u m verdadeiro desafio nos capítulos 2, 5, 7 e 8,
Jesus Cristo? E sobre a Expiação? O que você diria se por exemplo, mas não desanime, nem simplesmente conclua
alguém lhe perguntasse por que tem certeza de que o Espí- que não conseguirá entender. Leia todo o capítulo, volte a
rito Santo é uma pessoa e não simples influência? O que ele mais tarde, ou troque idéias sobre o assunto com o seu
você crê a respeito de Deus? E sobre a Bíblia? Sobre Sa- pastor. Você descobrirá que quanto mais precisar estudar
tanás? E os anjos? um capítulo, mais rico de significações ele se tornará
A maior parte das pessoas — mesmo as que já fizeram para você.
um curso sobre doutrina — tem a tendência de ficar um Boa leitura, então! E bom estudo! Você se sentirá es-
tanto acomodada nessa questão de teologia. Façamos u m piritualmente enriquecido depois de assimilar o conteúdo
curso de atualização nesse assunto! E isso se aplica espe- deste livro!
cialmente a uma geração que, aparentemente, se dedica a
abolir os "absolutos" e que resiste à idéia de que a verdade OS EDITORES
é eminentemente proposicional — e que, portanto, podemos
comunicá-la aos outros por meio de simples sentenças.
A insegurança doutrinária existe por toda parte, hoje
em dia, em proporções assustadoras. Se considerarmos que
o povo em geral dedica cada vez menos atenção à "religião",
e que até mesmo os cristãos ignoram cada vez mais a Bíblia,
sentiremos o resultado: é que "a fé que uma vez por todas
foi entregue aos santos" está positivamente em perigo por
causa da falta de conhecimento daqueles que têm a res-
ponsabilidade de defendê-la e preservá-la.
Este livro é muito oportuno. Trará à mente dos evan-
gélicos as verdades que talvez tenham perdido de vista ou
que talvez nem tenham conhecido. Os novos convertidos
terão o prazer de dispor de um pequeno estudo, de fácil
consulta, sobre a doutrina cristã. Os jovens cristãos alcan-
CONHEÇA O AUTOR

Paul E. Little foi assistente do presidente da "Inter-


Varsity Christian Fellowship'"' e professor-assistente de evan- Capítulo 1
gelismo no Seminário Evangélico de Trinity, tendo falado
em mais de 200 universidades nos Estados Unidos, Canadá,
Europa, África e América Latina. Também foi diretor da
A BÍBLIA
Assembléia Missionária da Inter-Varsity em 1970. Escreveu
para uma grande variedade de jornais evangélicos. É o O que é a Bíblia — esse Livro que desde há muito
autor, além deste, de dois outros "best-sellers" •— Como tempo vem sendo o mais vendido em toda a História e
Compartilhar sua Fé, e Saiba por que Você Crê; este último que tem sido traduzido para mais línguas do que qualquer
faz par com a presente publicação. outro livro?
Little era formado em Economia pela Wharton School A palavra "Bíblia" significa "livros". Mas que tipo de
da Universidade de Pensylvania. Recebeu o Mestrado em livro é a Bíblia? Há quem sugira que seja um registro do
Literatura Bíblica pelo Wheaton College e já executou tra- esforço religioso do homem em direção a Deus buscando
balhos de sua especialidade em diversos lugares. um encontro com Ele — um livro essencialmente humano.
Paul Little faleceu recentemente num desastre automo- Entretanto até a última metade do século passado, a Igreja
bilístico, deixando assim um claro nas fileiras da batalha da Cristã histórica sempre considerou a Bíblia como algo
Fé. Sua obra literária, contudo, continua a falar por ele, mais significativo, a saber: a Palavra de Deus escrita. Não
mesmo após sua morte. havia nenhuma outra doutrina em que os evangélicos esti-
vessem mais de acordo entre si do que esta. Só muito re-
centemente é que foram sendo levantadas dúvidas sobre
AGRADECIMENTOS esse assunto.
A questão da Bíblia é assunto muito importante, pois
Os editores agradecem a permissão que tiveram para envolve a questão total da revelação. Como podemos saber
usar material de diversas fontes, incluindo obras tradicio- se Deus existe? Como podemos saber a respeito dEle, se
nais de referência tais como o Novo Dicionário Bíblico e a realmente Ele existe? É claro que nossas mentes finitas
International Standard Bible Encyclopedia (publicada por não podem penetrar na Sua infinitude.
Eerdmans Publíshing Co., Grand Rapids) e as publicações Jó perguntou: "Porventura desvendarás os arcanos de
da "Moody Press" de Chicago. Também foi usado material Deus?" (Jó 11:7). A resposta é: Só mediante a iniciativa
de publicações da "Inter-Varsity Fellowship" de Londres: do próprio Deus de Se revelar.
Ministers of God, (C) 1964; The Death of Christ, (C) 1951; Deus tem Se revelado de diversas maneiras. A natureza
Evangelism and the Sovereignity of God, (C) 1961; e In e a criação são provas de que Deus existe e de que é pode-
Understanding Be Men, (C) 1936. roso (Rm. 1:19-20). Deus tem Se revelado através da His-
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8 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A BÍBLIA

tória, particularmente por meio do povo de Israel e às cados de acordo com a semelhança do assunto. O Penta-
nações que o rodeavam. Expressões do Velho Testamento teuco (a Lei, ou os cinco livros de Moisés) é seguido pelos
como, "Então reconheceu Manasses que o Senhor era Deus" livros históricos. A seguir vêm os livros poéticos e os de
(2 Cr. 33:13), refletem o reconhecimento da existência de sabedoria e, finalmente, os livros proféticos. Essa é a ordem
Deus por causa da Sua atuação nos negócios dos homens dos livros na maior parte das modernas edições evangélicas
e das nações. da Bíblia. O tempo que levou para ser escrito o Velho Tes-
A revelação divina veio ao homem não apenas por meio tamento abrange um período de mil anos.
dos acontecimentos, mas também através das palavras dos Os 27 livros do Novo Testamento estão divididos em
profetas que interpretaram os acontecimentos. "Veio ainda quatro grupos, a saber: os quatro Evangelhos, o Atos dos
a palavra do Senhor a mim, dizendo" e "Assim diz o Senhor" Apóstolos, 21 cartas (epístolas), e o Apocalipse. Esses livros
são frases que se repetem através de todo o Velho Testa- foram escritos no espaço de um século. Os documentos
mento (Ez. 7:1; 12:1; Zc. 8:1; Ex. 4:22, 1 Sm. 2:27). mais antigos são as primeiras cartas de Paulo, que, talvez,
A mais completa revelação de Deus realizou-se na pes- em conjunto com a carta de Tiago, foram escritas entre
soa de Seu Filho Jesus Cristo. O escritor aos Hebreus resu- os anos 48 e 60 da Era Cristã, e os Evangelhos e os outro
miu a revelação de Deus deste modo: "Havendo Deus, ou- livros entre os anos 60 e 100.
trora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, Como foi escrita a Bíblia? Duas declarações explícitas
pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho a do Novo Testamento respondem a essa pergunta: saben-
Quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo Qual do, primeiramente, isto, que nenhuma profecia da bscritu-
também fez o universo" (Hb. 1:1-2). ra provém de particular elucidação; porque nunca jamais
qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretan-
A Necessidade da Palavra Escrita to homens santos falaram da parte de Deus motivados pelo
Espírito Santo". (2 Pe. 1:20-21); "Toda Escritura é inspi-
Mas o que dizer das pessoas que não estavam presen- rada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para
tes, e que, por isso mesmo, não viram a ação divina na a correção, para a educação n a justiça . (2 Tm. 3:16).
História ou os acontecimentos que envolveram a encarna-
ção de Cristo, Sua vida, morte e ressurreição? Para alcan- Dada por Inspiração
çar todos os homens foi obviamente necessária uma pala-
vra escrita. Deus no-la deu na Bíblia, através da qual Ele A "Ríhlia orieinou-se na mente de Deus, não na mente
se revelou. fY muna vyiAg±±±«->« , . . _ - . -tf - m

A Bíblia consta de duas partes: o Velho Testamento do homem. Ela foi dada ao homem por inspiração, E. im-
(ou Antiga Aliança), composto de 39 livros, e o Novo Tes- portante que se entenda este termo, porque o seu signifi-
tamento (ou Nova Aliança) com 27 livros. Na Bíblia he- cado bíblico é diferente daquele que nós costumamos lhe
braica, os livros do Velho Testamento estão dispostos em dar na linguagem de todo dia. A Bíblia não foi inspirada
três divisões — a Lei, os Profetas e os Escritos. como as páginas de um grande escritor de ficção ou como
Na Septuaginta (comumente indicada pelo numerai a música de Bach. A inspiração, no sentido bíblico, signi-
romano L.XX por causa do número de tradutores), que é fica que Deus supervisionou de tal maneira os escritores
da Bíblia que eles escreveram aquilo que Ele quis que es-
uma tradução do Velho Testamento hebraico para o grego
crevessem e também que, ao fazêdo, foram resguardados
fçita durante o Terceiro Século a.C; os livros estão colo- de qualquer erro. A palavra "inspirada" (2 Tm. 3:16) sig-
10 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A BÍBLIA 11

nifica na realidade "expirado" (por Deus). A inspiração No livro de Jó, por exemplo, foram registradas as pala-
se aplica ao resultado final — a própria Escritura — como vras de Jeová, as palavras de Satanás, as palavras proferi-
também aos homens que Deus usou para escrever a Bíblia. das pelos três amigos de Jó, e as próprias palavras de Jó.
Isso não significa que os escritores humanos da Bíblia Nem todas, porém, têm a mesma autoridade, mas a inspi-
tenham sido simples autômatos aos quais Deus ditou Suas ração garante que foi registrado exatamente aquilo que
idéias. Tampouco significa que tenham sido máquinas de cada um disse. .
escrever, humanas, que Deus tenha tocado com Seus dedos. Qualquer dxie tenha sido a maneira pela qual as pala-
Pelo contrário, suas personalidades cooperaram plenamen- vras foram recebidas, é um fato extraordinário que as Es-
te no trabalho. Seus estilos pessoais, por exemplo, são re- crituras todas são tidas por seus autores como vindas de
conhecidos. Dados sobre suas origens também costumam Deus. Paulo se refere a elas como "os oráculos de Deus"
aparecer naquilo que escreveram. Mas, ainda que suas ca- (Rm. 3:2). O mais significativo de tudo é que mesmo os
pacidades humanas tenham entrado em jogo, a verdade é apóstolos e Nosso Senhor citaram o Velho Testamento —
que foram supervisionados e impelidos de maneira única não como simples conselho de um patriarca ou profeta em
pelo Espírito Santo. Por causa disso, a Bíblia é chamada particular, mas como o conselho de Deus, dado por inter-
"A Palavra de Deus" (Mc. 7:13; Hb. 4:12; e t c ) . médio dos escritores. "Tu, Soberano Senhor, . . . q u e dis-
É claro que algum material da Bíblia veio diretamente s e s t e . . . por boca de nosso pai Davi, Teu s e r v o . . . " (At.
de Deus; não poderia vir do conhecimento humano. Gênesis 4:24-25).
1 e 2 são exemplos desse tipo de material que deve ter Outras passagens falam de Deus como sendo Ele mes-
sido revelado a Moisés de maneira sobrenatural. Em outros mo a própria Escritura. Por exemplo: "Porque a Escritura
casos, os homens registraram acontecimentos que eles diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em
mesmos presenciaram, por exemplo: João escreveu a res- ti o Meu poder, e para que o Meu nome seja anunciado
peito da sua aproximação da sepultura vazia, na compa- por toda a terra" (Rm. 9:17; Ex. 9:16).
nhia de Pedro, na primeira manhã da ressurreição (Jo. Benjamin Warfield destaca que esses exemplos das Es-
20:3-10). crituras, mencionados corno sendo o próprio Deus, e a
Alguns escritores usaram registros que já existiam, respeito dEle se estivesse nas Escrituras só poderiam resul-
como Lucas fez no seu Evangelho (Lc. 1:1-4). Em outras tar de uma identificação habitual do texto das Escrituras
ocasiões, Deus colocou na própria boca dos homens, exata- com Deus falando. Então tornou-se natural usar os termos
mente as palavras que deviam falar, ou lhes disse o que "As Escrituras dizem" e "Deus diz", como sinônimos. Em
deveriam escrever. "Palavra que do Senhor veio a Jeremias, outras palavras, "Escrituras" e as palavras pronunciadas
dizendo: Assim fala o Senhor, Deus de Israel. Escreve num por Deus eram consideradas a mesma coisa. x
livro todas as palavras que Eu disse". (Jr. 30:1-2).
Dizer que as Escrituras são inspiradas não significa A Extensão da Inspiração
que todas as atitudes mencionadas na Bíblia tenham vindo
diretamente de Deus. Alguns registros incluem até palavras O problema da extensão da inspiração da Bíblia é fre-
de homens perversos e tolos, e outros, até mesmo do próprio qüentemente suscitado, e hoje em dia, considerado muito
Satanás. Essas partes não constituem revelações propria- importante. Os termos inspiração plenária e verbal são usa-
mente ditas, nem são palavras de Deus, mas foram regis- dos. Plenária significa completa. Quando é usado em cone-
tradas nas Escrituras por intenção e inspiração de Deus. xão com inspiração, significa que toda a Escritura é inspi-
i 2 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A BÍBLIA ÁS

rada — não apenas algumas partes. Consideram alguns, Os evangélicos não negam a existência de problemas
que somente são inspiradas (e portanto isentas do erro) na conciliação de algumas declarações das Escrituras com
aquelas partes da Bíblia que se relacionam com as questões os fatos históricos como os conhecemos. Mas as evidências
espirituais que tratam da Salvação. Tais pessoas dizem que da arqueologia têm, com poucas exceções, confirmado o
pretender aplicar a inspiração (e, portanto, a autoridade da registro bíblico, de modo que não seria fora de razão adiar
Escritura e da sua inerrância) às questões que envolvem a his- a decisão daquelas questões sobre as quais pairam dúvidas.
tória humana ou o mundo físico (ciência) é querer enfrentar O termo inspiração verbal indica que a inspiração se
barreiras intransponíveis. estende às palavras da Bíblia propriamente ditas, não ape-
nas às idéias. Já vimos que Deus não "ditou" as Escrituras
Alguns mestres afirmam que a Bíblia "contém" a Pa- mecanicamente, mas orientou e supervisionou os escritores
lavra de Deus, e não que é a Palavra de Deus. Esse ponto dentro de suas próprias personalidades e origens. Essa
de vista, entretanto, põe-nos diante de u m sério problema. orientação incluiria necessariamente a escolha de palavras,
Como podemos saber quais as partes da Bíblia que são já que os pensamentos são compostos de palavras, assim
dignas de confiança e quais não são? Como saber quais os corno u m compasso musical é composto de notas. Alterar
aspectos que se relacionam inteiramente com a Salvação as notas musicais seria alterar a música. A inspiração ver-
e quais são "apenas" assuntos históricos? Muitas vezes as bal afirma que Deus, pelo Seu Espírito, garantiu a autenti-
duas — Salvação e História — estão inextricavelmente en- cidade e veracidade das próprias palavras que foram es-
trelaçadas. Por exemplo, que valor teriam a Cruz e a Res- critas, sem privar os autores de sua própria personalidade.
surreição, para a Salvação, se não fossem acontecimentos
históricos? Um cristão que respeita a inspiração está, mais do que
ninguém, interessado em usar instrumentos modernos no
Mas, ainda, se não são dignas de crédito as referências estudo textual para determinar o texto original.
bíblicas a respeito do mundo físico e à História, com que
fundamento podemos ter certeza de que os trechos que A inspiração de que as Escrituras falam aplica-se so-
tratam da Salvação são dignos de confiança? Se vamos mente ao texto tal como foi originalmente produzido pelos
escolher e separar apenas algumas partes da Bíblia nas que a escreveram. Tem havido alguns erros de cópia, ainda
quais podemos crer, teremos de depender do nosso próprio que. sejam em número reduzido e menos significantes do
julgamento pessoal e subjetivo. E isso, em questões que que se possa imaginar.
envolvem o destino eterno, constitui u m alicerce muito Temos observado que a Bíblia é a Palavra de Deus; e
inseguro. não que simplesmente contém a Palavra de Deus, como
Tem-se reconhecido três bases de autoridade em ques- muitos crêem. Outros dizem que a Bíblia torna-se a Palavra
tão de religião. A primeira é a tradição, ou seja, a voz da de Deus para o indivíduo, quando este tem um "encontro
Igreja» que é aceita pelos católicos romanos. A segunda existencial" com Deus através da leitura bíblica — quando
é a razão humana, adotada pelos pensadores liberais. A ter- a Verdade de uma passagem impressiona-o poderosa e in-
ceira é a própria Bíblia, que é a autoridade que os evan- delevelmente. Aqueles que defendem tal posição estão con-
gélicos sempre reconheceram. Pára se assumir essa terceira seqüentemente em forte oposição à que chamam de orto-
posição não é preciso negar o valor da tradição e da razão doxia "morta" — à profissão das crenças evangélicas de-
humana, mas deve-se submetê-las, em caso de conflito, à sacompanhadas da evidência de que o crente foi mudado
autoridade das Escrituras. pelo poder de Deus.
14 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A BÍBLIA 15

O Espírito Santo IIumina Tendo visto que a Bíblia é a Palavra de Deus, temos
agora de examinar os princípios de interpretação e com-
As Escrituras, para se tornarem significativas para u m preensão da mesma. Considerável confusão resultou da
indivíduo, precisam ser antes iluminadas pelo Espírito super-simplificação da interpretação bíblica em dois tipos
Santo era seu coração. Antes da descida do Espírito, no alternativos: a "literal" e a "figurativa". Aqueles que acei-
Pentecostes, o Pai e o Filho revelaram a verdade divina. tam a Bíblia literalmente são tidos como tolos, porque
Quando Pedro respondeu à pergunta suprema de Nosso aparentemente negam que ela contenha quaisquer tipos de
Senhor: "Quem dizeis que Eu sou?" com "Tu és o Cristo, figuras de linguagem. Por outro lado, aqueles que a inter-
o Filho do Deus vivo", Jesus disse: "Bem-aventurado és, pretam figurativamente costumam se mostrar caprichosos
Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue quem to em fugir ao significado evidente a certas declarações que
revelou, mas Meu Pai que está nos céus" (Mt. 16:15-17). não querem aceitar.
Quando Jesus falava com os dois discípulos, na estrada de O fato é que algumas partes da Bíblia têm de ser acei-
Emaús após Sua ressurreição, Ele "expunha-lhes o que a tas literalmente e outras partes, figurativamente.
Seu respeito constava em todas as Escrituras". Assentado
A questão chave é a seguinte: O que o escritor quis que
com eles "se lhes abriram os olhos, e O reconheceram"
seus leitores entendessem? Para saber isso temos primeiro
(Lc. 24:27,31). "Então lhes abriu o entendimento para com-
de perguntar: para quem a mensagem foi escrita? Trata-se
preenderem as Escrituras" (24:45). Quando falou aos dis-
de alguma promessa ou ordem, que tenha, por exemplo,
cípulos sobre a Sua partida disse: "Quando vier, porém, o
aplicação universal ou referência limitada? Costuma haver
Espírito da verdade (O Espírito Santo), Ele vos guiará
aplicações primárias e secundárias. Uma aplicação primá-
a toda a verdade" (Jo. 16:13).
ria relaciona-se com a pessoa ou pessoas às quais se fala
Paulo fala que Deus revelou pelo Espírito tudo aquilo diretamente. Uma aplicação secundária relaciona um prin-
que preparou para aqueles que O amam (1 Co. 2:9-10). A cípio escriturístico a pessoas às quais a passagem não
obra iluminadora do Espírito de Deus é necessária para que se aplica diretamente.
saibamos qualquer coisa a respeito de Deus. O que o Espí- É importante considerar o contexto dentro do qual
rito Santo ilumina é "a Espada do Espírito, que é a Palavra uma declaração bíblica tenha sido registrada. Qual o ensi-
de Deus" (Ef. 6:17). Ela não se transforma na Palavra de namento primário da passagem? As assertivas não devem
Deus; ela é a Palavra de Deus. ser relegadas do contexto, de forma a causar erro de inter-
pretação. Um céptico certa vez declarou triunfantemente:
Um aparelho de televisão, colocado em u m canto, mas "A Bíblia diz que não há Deus". Porém, qual não foi a sua
desligado, continua sendo um aparelho de televisão. Eu não decepção quando lhe lembraram o contexto: "Diz o insen-
obterei nenhuma imagem nem som se o aparelho estiver sato no seu coração: Não há Deus" (SI. 14:1).
desligado, embora ele continue sendo um aparelho de tele-
visão, quer esteja ligado ou não. Não é o fato de ter sido Literal ou Figurado?
ligado que fê-lo transformar-se num aparelho de televisão.
O Espírito Santo tem de iluminar as Escrituras no coração O importante é decidir se uma declaração é literal ou
de uma pessoa para que elas se tornem significativas, mas figurada. A Bíblia usa formas literárias de poesia, alegoria
o que Ele ilumina é a Palavra de Deus, nada menos. Ela e parábola. Mesmo que essas passagens suscitem opiniões
não se transforma em algo que não era antes. diferentes, via de regra não é tão mais difícil, na Bíblia
16 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A BÍBLIA 17
distinguir entre sentido figurado e literal como num jornal A inclusão do cânon foi simplesmente o reconhecimento da
diário. A notícia: "Duas pessoas foram mortas n u m aci- autoridade que o livro já possuía.
dente na Avenida Central", é de significação, obviamente, Não sabemos exatamente quando o cânon do Velho
literal. Já na declaração: "O povo enlouqueceu de alegria", Testamento foi completado. O próprio Velho Testamento
logo se reconhece a linguagem figurada. As pessoas podem
declara que as coleções de livros "autorizados" foram colo-
ficar muito eufóricas por causa de algum bom aconteci-
cadas nos recintos sagrados — o Tabernáculo e, depois, o
mento, mas não chegam a ficar loucas.
Templo. Hiíquias redescobriu ali o Livro da Lei (2 Rs. 22).
E agora, uma palavra final a respeito do estudo da Os judeus registraram as atitudes de Jeová junto ao Seu
Bíblia. O simples uso de u m dicionário para pesquisar todos povo, Israel.
os significados das palavras usadas nas Escrituras revelará Nos dias de nosso Senhor, o Velho Testamento era tido
riquezas surpreendentes. Experimente! E consulte, também, como uma coleção completa. Ele e os apóstolos referiram-
diversas traduções da Bíblia. se a essa coleção chamando-a de "as Escrituras". A maior
Costuma-se dizer que as Escrituras são o seu próprio parte dos livros do Velho Testamento é citada no Novo
e melhor comentário. Muitas vezes uma passagem ou u m Testamento e sempre dando ênfase à sua autoridade.
versículo fica claro quando estudado à luz de outras de- Quando se trata da canonicidade de um livro em par-
clarações bíblicas sobre o mesmo assunto. Mesmo que, hu- ticular — istd é, para reconhecê-lo como pertencendo aos
manamente falando, a Bíblia tenha muitos autores, na aná- escritos inspirados •—- temos de ter em mente três pergun-
lise final existe um só Autor — o próprio Deus. Ao compa- tas: 1) Foi mencionado pelos pais da Igreja Primitiva na
rarmos passagem com passagem, somos resguardados de literatura cristã dos primeiros séculos de nossa era? 2) Que
perder o equilíbrio dos nossos pontos de vista. Precisamos
atitude esses escritores primitivos tinham para com a ins-
estudar os livros individualmente e precisamos, também,
piração do livro? 3) Eles o consideravam como parte de
estabelecer temas através de toda a Bíblia. Essa é a dife-
rença entre a teologia bíblica e a teologia sistemática. Um um cânon, ou lista de livros reconhecidamente inspirados?
mestre compara a teologia bíblica à "profusão da natureza A definição do cânon era importante, na Igreja Primi-
na qual as diversas plantas e flores encontram-se distribuí- tiva, pois faziam-se reivindicações em relação a muitos escri-
das por uma mão generosa numa desordem ordenada". Ele tos que eram patentemente espúrios, e porque os hereges
compara a teologia sistemática a um jardim botânico "onde estavam sempre a contestar a validade das Escrituras ge-
as plantas e flores estão agrupadas e arrumadas de acordo nuínas. O cânon, conforme o conhecemos hoje em dia, foi
com as espécies" a Os dois tipos de arranjos são úteis; fixado no Quarto Século. Atanásio (297-373 A.D.), conhecido
os dois têm seu lugar no estudo da botânica Os dois tipos como o pai da ortodoxia, tornou-se o patriarca de Alexan-
de estudo bíblico também têm sua utilidade dria. Na sua 39.a Carta Pascal (367 A.D.), ele elaborou a
lista dos livros do Novo Testamento conforme a conhece-
mos hoje.
O Canon das Escrituras O cânon do Novo Testamento também foi confirmado
em u m Concilio da Igreja que se realizou em Cartago, em
Uma pergunta à parte dessa inspiração é sobre o cânon, 397 A.D. O Concilio baseou-se em três critérios para reco-
isto é, quais os escritos, ou livros, que são reconhecidos nhecimento da canonicidade. Primeiro, o livro era apos-
como sendo inspirados? É importante reconhecer que u m tólico na sua origem? Marcos e Lucas foram aceitos, por
livro não se torna inspirado só porque foi incluído no cânon. exemplo, porque foram reconhecidos como obras de com-
Í8 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A BÍBLIA 19

panheiros achegados aos apóstolos. Segundo, o livro foi cia está sempre a buscar conhecimentos prévios. O avanço
usado e reconhecido pelas igrejas? Terceiro, o livro ensi- sobre teorias incompletas não significa que elas estivessem
nava doutrina sadia? 3 incorretas.
Sobre essas bases a Igreja Protestante ortodoxa de hoje
não aceita como canônicos os 12 livros apócrifos (1 e 2 Terceiro, precisamos sempre nos precaver de declarar
Macabeus, 1 e 2 Esdras, Tobias, Judite, Sabedoria de Salo- que a Bíblia diz coisas que, examinadas de perto, não exis-
mão, Eclesiástico, Baruque, Cântico das Três Crianças San- tem nela realmente. E é muito importante determinar se,
tas, Susana, Bela e o Dragão, e a Oração de Manasses), que em dado exemplo, a Bíblia está falando figurada ou lite-
a Igreja Católica Romana aceita. Os judeus jamais reco- ralmente.
nheceram tais livros como parte integrante do seu Velho Quarto, precisamos investigar cuidadosamente para
Testamento. descobrir se o suposto conflito existe entre o ensinamento
Aceitar a Bíblia como sendo a Palavra de Deus, está, bíblico e os fatos científicos ou simplesmente entre uma
hoje em dia, ficando fora de moda. Alguns, mesmo de interpretação das Escrituras e uma interpretação dos fatos.
dentro da Igreja, professos, negam a sua autoridade. Ge- Muitas vezes uma interpretação diferente da verdade bíbli-
ralmente, os ataques contra as Escrituras seguem certas ca é mais filosófica do que científica.
linhas. Talvez a principal seja a de sustentar que a Bíblia
é incompatível com a ciência do século XX. Diz-se que Quinto, seria tolice não levar em consideração os pon-
existem muitos conflitos entre os fatos científicos e as de- tos em conflito e presumir precipitadamente que a Bíblia
clarações da Bíblia. Sem dúvida, existem alguns problemas. está errada. A Bíblia não mudou em 8.000 anos, mas pode
Mas as considerações abaixo costumam servir de ponte para se afirmar que a ciência sim, é u m trem em contínuo mo-
o que à primeira vista pode parecer um profundo abismo. vimento.
Reconciliar a Bíblia com os pontos de vista científicos
Compreendendo a Bíblia aceitos há um século atrás seria considerar as Escrituras
obsoletas hoje em dia! Muito melhor seria admitir um
Primeiro, a linguagem da Bíblia fala em fenômenos — conflito aparente e esperar que surjam, com o tempo, pro-
isto é, descreve as coisas tal como parecem ser mais do vas mais esclarecedoras.
que em termos científicos. Dizer que o sol nasce no Oriente O fato de que a ciência moderna foi criada e grande-
é a afirmação de um fenômeno. Cientificamente, sabemos mente desenvolvida por cristãos sinceros já é uma prova
que o sol realmente não "nasce", mas até mesmo publica- visível de que não há um conflito básico entre a ciência e
ções sobre navegação usam o termo "nascer do sol", e nós as Escrituras. Crendo em um Deus pessoal Criador, eles
não acusaríamos de estar errado. A Bíblia tem sido com- estavam convencidos de que o universo tinha uma certa
preendida por todo tipo de cultura e através de toda a ordem e portanto era merecedor de importantes investiga-
História por causa da maneira de descrever as coisas men- ções. Nas pesquisas científicas sentiram que estavam pen-
cionando fenômenos. Ela não proclama que é um livro de sando segundo os pensamentos de Deus. Não pode haver
leitura científica, entretanto, no que se refere a questões conflito definitivo entre a verdade da revelação bíblica e a
científicas, não dá informações erradas. das descobertas científicas, pois toda a verdade provém de
Segundo, quando a informação bíblica é incompleta, Deus e é portanto de consistência firme. Em nossos dias,
não significa que esteja necessariamente incorreta. A ciên- quando cerca de 90 por cento de todos os cientistas que já
2í) SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A BÍBLIA 21

existiram estão ainda vivos, muitos deles, e dos mais emi- "A Bíblia permanece como rocha impávida
nentes, são também cristãos sinceros. Em meio às furiosas tempestades do tempo;
Suas páginas refulgem com a verdade eterna,
Explicação dos Problemas das Datas E brilham com luz sublime.
A Bíblia permanece ainda que as montanhas
Em outra linha de ataque declara-se que a Bíblia não [desmoronem;
é historicamente digna de crédito e que existem contradi- Ela permanecerá firme quando a terra se esfacelar;
ções "internas" em registros que tratam do mesmo acon- Colocarei meus pés sobre o seu firme alicerce,
tecimento. Alguns aparentes erros numéricos podem se re- Pois a Bíblia permanece!
lacionar com erros na transmissão do texto durante muitos
anos. Recentes descobertas arqueológicas, entretanto, mos- Haldor Lillenas
tram que o sistema de datas da antigüidade explica muitos
problemas relacionados com números. Se um rei, por exem- "Para sempre, ó Senhor, está firmada a Tua Palavra no
plo, terminava o seu governo e outro rei começava a reinar céu" (SI. 119:89).
em dito ano, os dois recebiam o crédito de terem gover-
nado o ano inteiro. Também é importante lembrar que os
escritores bíblicos costumavam arredondar os números, e
assim, ainda que imprecisos, estes não são incorretos.
Admitimos que atualmente não temos explicações com-
pletas para todas as aparentes divergências bíblicas. Mas
seria anticientífico, à luz das modernas descobertas arqueo-
lógicas, adotar o prevalecente ponto de vista de que a
Bíblia está errada até que se prove o contrário, em lugar
do oposto. Dr. W. F. ÀJbright, um dos mais notáveis ar-
queólogos, disse: "Não pode haver dúvidas de que a arqueo-
logia confirmou a substancial historicidade das tradições
do Velho Testamento" 4.
Nelson Glueck, famoso arqueólogo judeu, escreve: "Po-
de-se declarar categoricamente que nenhuma descoberta da LEITURA COMPLEMENTAR . ^
arqueologia jamais esteve em contradição com as referên- BRUCE, F. F. The New Testament Documents: Are ey
cias bíblicas" s ,
wi±ca 6 o: iu»^ J »» i +i A the Bible Grana Rapids. Ba-
Não "comprovamos" a Bíblia por meio da arqueologia. HENRY, C. F. H„ e . eve
O Espírito Santo confirma em nossos corações a convicção MICKELSEN A B. ínterpreting the Bible. Grand Rapids: Wm. B.
de que a Bíblia é a Palavra de Deus. Mas é agradável saber Eerdmans Co., 1963.
que as evidências científicas coincidem com as Escrituras. PACKER, J. I. Fundamentalism and the Word od Rod. Grand Ra-
pids: W I . B. Eerdmans Co., 1958. , Scrtuture
Podemos afirmar, confiadamente, como o autor do hino: RAMM, Bernard. The Christian iew W ^QC" C
G r , n d Rapids: Wm. B. e ., .
33
DEUS
ni-la para que não provoquemos divisões. É óbvio, entre-
tanto que se Deus existe, Sua existência e Sua natureza nao
dependem do que alguém possa pensar a respeito dEIe.
Conceber Deus como um ídolo de pedra ou uma idéia mís-
tica também não o torna real. Se estou interessado em rea-
lidade tenho de saber como Deus é realmente. Isso eu não
posso,saber sem que Ele mesmo Se me revele. Como Deus
o faz foi resumido no que disse o escritor aos Hebreus:
Capítulo 2 "Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas
maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos
DEUS falou pelo F i l h o . . . " (Hb. 1:1-2).
Tendo Deus falado e se revelado, já não temos mais
necessidade nem opção de formar idéias e imagens de Deus
"O que cremos a respeito de Deus", disse o falecido através de nossa própria imaginação. Nosso conceito pes-
A. W. Tozer, "é, para nós, a coisa mais importante". Nossa soal de Deus — quando oramos, por exemplo — nao em
crença ou a falta dela inevitavelmente traduz-se em nossas valor se não coincidir com a revelação que tile p r ó p n
atitudes e comportamento. de Si mesmo.
É interessante, com base na reação de José diante da
traição de seus irmãos e o seu injusto aprisionamento por
não ter cedido à sedução da esposa de Potifar, visualizar o 05 Atributos "Naturais" de Deus
Deus em Quem José cria. Moisés, por causa do Deus em Os termos que descrevem a natureza de Deus amor,
Quem confiava, "permaneceu firme como quem vê Aquele santidade soberania, etc. — são conhecidos por atributos.
que é invisível" (Hb. 11:27). Ele renunciou ao palácio do Estão classificados em "naturais" e "morais . Vamos, em
rei e foi para o deserto com o povo de Deus. Significativa- primeiro lugar, examinar os atributos naturais de Deus,
mente, a fé, em Hebreus 11, foi apresentada mais pelo que
conforme revelados nas Escrituras por Sua auto-revelação.
as pessoas fizeram do que pelo que disseram ou profes-
Primeiro Deus está separado de Sua criação.^ Ele é
saram.
transcendente — acima e além de Sua criação, os céus e a
A palavra "Deus" é uma das mais usadas — ainda que terra. Ele não é um escravo das leis naturais que promul-
vaga e indefinida — na nossa língua. Algumas pessoas, tal gou, mas é independente delas e está acima delas. Ele pode
como Einstein, pensam em Deus como sendo "uma mente
ignorá-las — ainda que normalmente não interfira com elas.
puramente matemática". Outros o vêem como uma pessoa
Ele está em posição exaltada e é eterno, o Criador, Sobera-
ou força sobre-humana mas indefinida. Outros ainda vêem
no e Juiz do mundo.
Deus como uma bola de fogo à qual seremos, como cente-
lhas de vida, finalmente reunidos — ou como um policial Mas Deus é imanenee além de transcendente. Com isso
celeste. Alguns pensam nEle como sendo u m sentimental queremos dizer que a Sua presença e poder permeiam to
avô celeste. a Sua criação. Ele não fica ausente do mundo, como
O desenvolvimento da incredulidade leva algumas pes- espectador das coisas que fez.
soas a insistirem conosco para que concordemos simples- O profeta falou da transcendnncia de Deus quanao
mente em usar a palavra "Deus" sem ao menos tentar defi- creveu sobre o "Alto, o Sublime, que habita a eterniaad .
24 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ DEUS 25

o qual tem o nome de Santo (separado)", e da Sua ima- eterno é a tua habitação" (Is. 33:27). De eternidade a eter-
nência quando falou dEle como Aquele que habita "tam- nidade, Ele é Deus (veja SI. 90:2). Ele não é um prisioneiro
bém com o contrito e abatido de espírito" (Is. 57:15). do tempo, porque o tempo — conforme nós o conhecemos
Deus não é tão transcendente, a ponto de abandonar o — começou com a Criação. A resposta à pergunta, "Quem
universo, depois de tê-lo posto em movimento, como os criou Deus?" é "Ninguém e nada", porque Deus é comple-
deístas querem que creiamos. Também não é imanente a tamente auto-existente. Nunca houve tempo quando Ele não
ponto de não se poder distingui-Lo do universo. O pan- existisse.
teísmo defende que Deus é tudo e que tudo é Deus. Mas Deus é infinito. Com isso queremos dizer que Ele não
isso significa que eu e você seríamos uma parte de Deus, está limitado ou confinado ao universo. Ele está inteira-
o que em análise final significaria que Deus peca quando mente independente do que é finito (medível), coisas e
nós pecamos. Se tudo é Deus, e todo o resto é ilusão, como seres. Em certas ocasiões Deus assumiu limitações, como
alguns defendem, então quem teria as ilusões? Deus? quando apareceu aos crentes do Velho Testamento na forma
Aquele que vê Deus na natureza não é necessariamente de anjo ou homem (veja Gn. 18:1) e quando se encarnou
panteísta. A própria Bíblia diz-nos que o universo criado na pessoa de Jesus Cristo. Ele impôs-se tais limitações com
por Deus fala-nos de Seu eterno poder (onipotência) e da o intuito de conceder bênçãos às Suas criaturas, não por-
Sua divindade (Rm. 1:19-20). As Montanhas Rochosas, que tivesse de fazê-lo 6.
as Cataratas do Niágara, os céus estrelados, a vastidão do Já se destacou que nossas mentes não podem conceber
oceano — tudo nos faz pensar que foram criados por Deus adequadamente uma quantidade infintta do que quer que
e que Ele é soberano de todos. seja —• espaço, poder, batatas. Tal conceito deixa-nos des-
O profeta observou: "Ah! Senhor D e u s . . . coisa algu- concertados e frustrados. Podemo,, entretanto, imaginar um
ma Te é demasiadamente maravilhosa" (Jr. 32:17), e o anjo ser — Deus — que é infinito no sentido de não ter limita-
Gabriel assegurou a Maria, depois de informá-la do seu pri- ções. A infinita santidade de Deus não significa que Ele
vilégio de dar à luz o Filho de Deus na sua virgindade: tenha uma quaniidade enorme de santidade — pois a san-
"Porque para Deus não haverá impossíveis" (Lc. 1:37). tidade não pode ser medida dessa maneira. Antes, significa
A onipotência de Deus é limitada por seu caráter moral. que a Sua santidade não tem limitações nem sofre varia-
Por exemplo, ainda que não haja impossíveis para Deus, ções. O mesmo se pode dizer de cada um dos Seus atributos.
Ele não pode mentir (Hb. 6:18). Sua onipotência se aplica A infinitude de Deus também é uma questão de "ativi-
às possibilidades inerentes, não às impossibilidades ineren- dade sem limites" — isto é, Seu poder (onipotência) está
tes. Alguém já perguntou: "Deus pode fazer algo que seja operando e controlando tudo o que existe, onde quer que
demasiadamente pesado para Ele mesmo carregar? Se não esteja 7.
pode, podemos dizer que é onipotente?" . Tolice continua Deus é imutávll e nEle "não pode existir variação, ou
sendo tolice, como diz C. S. Lewis, quer falemos de Deus sombra de mudança" (Tg. 1:17). É importante que não pen-
ou de qualquer outra coisa. semos a respeito de Deus em termos de personalidade hu-
mana, que costumeiramente é mutável e instável. O amor
A Eternidade de Deus de Deus é firme e constante, e não está sujeito aos fluxos e
refluxos do amor humano. Sua ira é uma atitude fixa con-
Deus é eterno — isto é, nunca teve um começo e nunca tra o pecado e não se compara às nossas mudanças de
terá fim. Ele "habita a eternidade" (Is. 57:15). "O Deus humor quando algo nos desagrada.
28 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ DEUS 27

Se um homem caminhando para o leste contra um forte de Deus" ou das "narinas de Deus" estamos usando "antro-
vento oriental, depois voltar-se e caminhar para o oeste, pomorfismos" — expressões humanas — para descrever
poderia dizer: "O vento estava batendo em meu rosto, mas Deus, mesmo sabendo que não são literalmente verdadeiras.
agora está batendo nas minhas costas". Mas, a mudança Deixamos para o fim o fato a respeito de Deus, o qual,
não seria no vento. A direção do homem é que mudou, e entre Seus atributos "naturais", é o de maior importância.
essa mudança colocou-o em um novo relacionamento com Deus é todo-poderoso, todo-sabedoria, infinito e eterno, imu-
o vento. Deus nunca muda, e quando parece que Sua atitu- tável, e não devemos pensar a respeito dEle como se fosse
de mudou é porque nós é que mudamos e colocamo-nos, uma força impessoal por trás do universo. Deus é pessoal
assim, num relacionamento diferente para com Ele. — isto é, Ele é uma Pessoa. Ele tem os elementos de uma
personalidade — intelecto, sentimentos e vontade. Ele é
Quando Deus se "Arrepende" autodeterminante — como nós também o somos dentro de
nossas limitações. Ele age de acordo com Sua própria von-
A Bíblia fala de Deus dizendo que Ele se arrepende tade e propósito.
(muda de pensamento). O termo descreve o que nos parece Sabemo-lo a respeito de Deus porque Ele criou o ho-
que aconteceu. Como exemplo, pensemos na antiga cidade mem à Sua própria imagem e semelhança (Gn. 1:26). Con-
de Nínive que Deus ameaçou destruir, mas depois que Jonas siderando que somos pessoas, Deus não pode naturalmente
pregou lá o povo voltou-se para Deus pedindo perdão e ser algo menos que uma pessoa. Aquele que é criado não
diz-se que Ele se arrependeu (Jn. 3:10) do Seu plano de pode ser de maior importância que o seu Criador.
destruí-lo. Na verdade, os ninivitas é que se voltaram da Sendo Deus pessoal, sabemos que a Sua vontade so-
rebeldia para o arrependimento, e assim se colocaram sob berana não pode ser um destino cego (o "Kismet") do Alá
a misericórdia e o perdão de Deus, em lugar de permane- islâmico. Antes, é o propósito amoroso de u m Pai celestial
cerem sob a Sua ira. Deus mesmo não mudou. ao qual Seus filhos são preciosos. E sendo Deus uma Pessoa
Deus é onipresente, o que significa que Ele está total- e nós também, a comunicação entre Ele e nós torna-se
mente presente em todos os lugares. Ele não é como uma possível.
substância espalhada em uma fina camada por toda a terra
— Ele todo está, ao mesmo tempo, em Chicago, Calcutá, Os Atributos Morais de Deus
Cairo e Caracas.
Deus é oniscienee — isto é, Ele sabe tudo, incluindo As outras qualidades de Deus são chamadas de atribu-
nossos próprios pensamentos. "Senhor.. . de longe pene- tos "morais". Não basta simplesmente saber que Deus
tras os meus pensamentos" (Si. 139:2), Davi escreveu fa- existe; é extremamente importante conhecer Sua natureza
lando de Deus, e o apóstolo João escreveu a respeito de moral. Suponhamos sabermos que Deus existe, mas que
nosso Senhor dizendo que Ele não precisava do testemunho achamos que Ele seja como um Adolfo Hitler. Que verdade
de ninguém, pois bem sabia o que havia dentro da natu- horrível seria essa e que existência abominável nos cau-
reza humana (Jo. 2:25). Mais ainda, Ele declara o fim desde saria!
o princípio (Is. 46:10), e nada o toma de surpresa. A santidade é talvez o atributo divino mais fácil de
Jesus declarou que Deus é Espírito e aqueles que O ser compreendido. "É u m termo que se refere à excelência
adoram devem fazê-lo em Espírito e verdade (Jo. 4:24). moral de Deus e à isenção que tem de todas as limitações
Deus não tem um corpo físico. Quando falamos da "mão na Sua perfeição moral". "Tu és tão puro de olhos, que
DEUS 29
5ô SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ

não podes ver o mal" (Hb. 1:13) s . Em tal sentido ex- James A. Pike, esta verdade é indispensável à compreensão
celso, só Deus é santo. Ele é, portanto, o padrão da pureza da revelação bíblica e ao Evangelho Cristão. O afastamento
ética pela qual Suas criaturas devem procurar viver. da doutrina da Trindade tem sido e é uma das maiores
fontes de heresia na Igreja Cristã.
"Considerando que a santidade abrange todos os atri- O termo "Trindade" não aparece na Bíblia, mas isso
butos particulares da Divindade, pode ser definida como a não significa que a idéia seja um aditamento ou o produto
excelência de tudo quanto Deus é. Como os raios do sol, de especulação filosófica e não uma revelação divina.
combinando todas as cores do espectro, ajuntam-se nos raios
da luz do sol e fundem-se em luz, do mesmo modo, na Sua A Trindade é um conceito difícil, não inteiramente sus-
automanifestação, todos os atributos de Deus se juntam e cetível de explicação humana, pois envolve categorias que
fundem-se em santidade. A santidade tem, por isso, recebi- nossos finitos poderes mentais não podem captar. Todos os
do o nome de "atributo dos atributos" — é ela que confere que já tentaram explicar a Trindade para um incrédulo têm
unidade a todos os atributos de Deus. Imaginar a existên- de concordar que dificilmente poderia ser uma invenção
cia e o caráter de Deus como uma simples coleção de per- humana. É um ensinamento que o próprio Deus nos revelou.
feições abstratas é esvaziar a Deus de toda a Sua realida- A doutrina é que "Deus é um em essência, mas que a
d e " 9 . A santidade é o total das perfeições do Deus da 'divina essência' subsiste de três modos ou formas, cada
Bíblia. uma constituindo uma Pessoa, mas de tal maneira que a
Todos os atributos divinos estão em harmonia perfeita divina essência é completa em cada uma das Pessoas" 10.
e não entram, de modo algum, em oposição uns com os Deus é um só Ser, mas subsiste em três Pessoas.
outros. O amor e a misericórdia de Deus não se opõem à A primeira pista no Velho Testamento relativa à Trin-
Sua justiça e santidade, nem são exercidas às custas destas. dade aparece na história da criação. Deus (Eloim) criou
Às vezes erroneamente se sugere que o Deus do Velho Tes- através da Palavra e do Espírito (Gn. 1:1-3). Essas palavras
tamento é um Deus de ira e ódio, e que no Novo Testamen- imortais foram lidas pelo Comandante Frank Borman, na
to temos u m Deus que, retratado em Cristo, é todo amor e Apoio 8, quando a nave espacial circunavegou a lua: "No
bondade. A implicação às vezes resulta em que são dois princípio criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, era
deuses diferentes. Claro, que isso é completamente falso. sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e
O Deus do Velho Testamento, que repetidas vezes foi mise- o Espírito de Deus pairava por sobre as águas. Disse Deus:
ricordioso para com os israelitas depois do arrependimento Haja luz; e houve luz".
destes, é o mesmo Deus que chorou sobre Jerusalém porque
seu povo matara os profetas e não aceitaria o Senhor. O "Somos apresentados a q u i . . . à Palavra como a u m
Jesus que falava freqüentemente do inferno e do juízo eter- poder pessoal criador, e ao Espírito como ao doador da
no é o mesmo Deus que julgou Jerusalém no ano 586 a C vida e da ordem à criação. Assim, desde o começo, foi re-
e o Belsazar idolatra alguns anos mais tarde velado u m centro triplo de atividade. Deus, o Criador, ima-
ginou o Universo, expressou Seu pensamento na Palavra, e
fez de Seu Espírito o seu princípio animador" u .
Nosso Deus Tritmo Há quem creia que quando Deus (Eloim) disse: "Faça-
mos o homem à Nossa imagem" (Gn. 1:26), as formas do
No centro do conceito cristão sobre Deus está a idéia plural que foram usadas (Eloim, nós, nossa) precisam ser
da Trindad., Em vez de ser um "excesso de bagagem", entendidas como uma revelação da Trindade de Deus ao
como costumava chamá-la o falecido Bispo Episcopal,
5õ SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ DEUS 21

homem, e que a percepção dessa verdade da parte do ho- A bênção apostólica, "A graça do Senhor Jesus Cristo,
mem foi mais tarde perdida por causa da Queda. o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam
Outras indicações da Trindade se encontram em Gé- com todos vós" (2 Cr. 13:13), é um outro exemplo do ensi-
nesis 48:15-16; Êxodo 31:3; Números 11:25; Juizes 3:10; Pro- namento apostólico sobre a Trindade.
vérbios 8:22-31 (a Palavra foi aqui personificada como a Cada uma das pessoas da Trindade é Deus completo.
Sabedoria); e Isaías 11:2; 42:1; 61:1. Nessas passagens o Paulo escreveu sobre o "Deus nosso Pai" (Rm. 1:7) e falou
Espírito apresenta-se claramente como a fonte da bênção, de Cristo, o "Filho do Seu amor. . . " que "é a imagem do
do poder e da força. Deus invisível" (Cl. 1:13,15) sendo, também, "Deus, nosso
Entretanto, a Bíblia enfatiza de ponta a ponta o fato salvador" (Tt. 3:4).
de que Deus é um. "Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o A divindade do Espírito Santo também é clara. Pedro
único Senhor" (Dt. 6:4). Esta verdade destacava-se viva- disse a Ananias que mentindo ao Espírito Santo, ele não
mente do politeísmo desenfreado que rodeava a nação de mentira "aos homens, mas a Deus" (At. 5:3,4).
Israel. Não devemos permitir que a verdade bíblica da Trin-
dade nos afaste do ensino igualmente importante de que só
existe um único Deus. Um Problema de Semântica
É interessante e também significativo que no Novo
Parte do problema de se entender a Trindade consiste
Testamento, onde a distinção das pessoas da Divindade na falta de capacidade das palavras humanas de expressa-
está mais clara, os discípulos aprenderam com nosso Senhor rem uma realidade divina. Como, por exemplo, quando fala-
a batizar em o nome (no singular) do Pai e do Filho e do mos de "Pessoas" na Divindade. Usamos esse termo porque
Espírito Santo (Mt. 28:19). ele descreve um ser que tem intelecto, emoções e vontade.
João Batista falou da vinda do batismo do Espírito Podemos entendê-lo. Mas devemos tomar cuidado ao aplicar
(Santo), do qual o seu próprio batismo na água era u m tais termos a Deus. "Na maioria (dos casos) a doutrina é
símbolo. Quando João o batizou, Jesus viu "os céus rasga- apresentada, dizendo-se que Deus é um só mas que nessa
rem-se e o Espírito descendo como pomba sobre Ele. Então essência, na Sua essência, há três Pessoas, de um modo tal
foi ouvida uma voz dos céus. Tu és o Meu Filho amado, em que não formam indivíduos separados e distintos. Esses
Ti me comprazo" (Mc. 1:10-11). Foi uma manifestação ex- três são modos ou formas de a divina essência subsistir.
plícita da Trindade, onde todas as três Pessoas da Divin- 'Pessoa' é, entretanto uma expressão imperfeita da verda-
dade foram mencionadas. de visto que o termo, indica segundo o nosso entender um
Antes, no nascimento de Jesus, todas as três Pessoas indivíduo racional e moralmente separado. Mas na essência
da Divindade também foram mencionadas. O anjo disse a de Deus não existem três indivíduos mas apenas três dife-
Maria que o seu filho seria o Filho de Deus concebido pelo rentes egos dentro de uma essência'divina"
Espirito Santo (Lucas 1:35). "Continuando, a personalidade no homem implica in-
Jesus falou explicitamente do Pai e do Espírito como dependência de vontade, ações e sentimentos, que orientam
se duas Pessoas distintas dEle mesmo (Jo. 14:16). o comportamento peculiar do indivíduo. Isso não se pode
A própria salvação apresenta o trabalho de u m Deus imaginar em relação à Trindade: cada Pessoa é autocons-
triuno. O Pai mandou o Filho realizar a obra da redenção. ciente e auto-orientadora, mas nunca age independentemen-
O Filho mandou o Espírito trazer a convicção e aplicar aos te ou em oposição às outras. Quando dizemos que Deus é
homens aquilo que Cristo realizou. uma Unidade, queremos dizer que mesmo sendo um centro
32 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ DEUS 33

triplo de vida, Sua vida não se reparte em três. Ele é um chamado Sabelio, no Terceiro Século, foi quem começou
na essência, na personalidade e na vontade. Quando dize- com esse erro, que proclama que o Pai, o Filho e o Espírito
mos que Deus é uma Trindade em Unidade, queremos dizer Santo são apenas diferentes manifestações de u m só Deus
que há unidade na diversidade, e que a diversidade rnani- que as assume temporariamente para realizar Seus propó-
festa-se em Pessoas, em características e em operações" n. sitos. Às vezes Deus aparece como Pai, às vezes como Filho,
Tal como a palavra "pessoa" não é exata para se apli- e às vezes como o Espírito Santo, dizia Sabelio.
car à Divindade, mas é a melhor aproximação disponível, o O segundo erro teve origem com Arius (cerca de 325
mesmo acontece com a palavra "substância". A Trindade A.D.). Conquanto Arius enfatizasse a unidade de Deus, des-
foi mencionada na Igreja Primitiva como "três Pessoas em tacou tanto as Pessoas da Trindade que acabou por dividir
uma Substância". Mas aqui, "é claro que a substância é a essência de Deus. "Isso resultou principalmente de sua
imaterial; não deve ser imaginada como simples 'conteúdo' definição do Filho e do Espírito Santo como tendo menos
ou 'material' do qual foram produzidos três Seres com a importância, estando subordinados ao Pai por cuja vontade
mesma natureza divina (como se falássemos da prata como vieram a existir com o propósito de servir como Seus
a substância da qual se fazem moedas). A essência divina agentes no mundo e entre os homens. Na verdade, Arius
não se divide em três: está plenamente presente em cada reduziu nosso Senhor (e o Espírito) a um nível abaixo da
uma das Pessoas. 'Substância' relaciona-se assim ao Ser que Divindade propriamente dita". Ele admitia a Divindade de
é Deus, mais do que a natureza ou essência desse Deus" 13. Cristo em um sentido secundário, e negava a Sua Filiação
Também é importante entender o relacionamento das eterna. Ele admitia que Cristo existisse antes da fundação
Pessoas da Trindade. Diz-se que o Filho e o Espírito são do mundo, mas negava que fosse coeterno com o Pai. Os
"subordinados" ao Pai, mas isso não significa que sejam discípulos de Arius, ensinando que o Espírito veio a existir
inferiores. Sua subordinação tem sido denominada uma pelo Filho, reduziram-no a uma forma inferior da Divindade.
questão de relacionamento, mas não de natureza. Em tempos mais recentes, alguns movimentos tais como
"O Pai, como a fonte da Divindade, é o primeiro. Diz-se o Unitarismo, Russelismo (Testemunhas de Jeová) e o Mor-
que Ele origina. O Filho, eterna geração do Pai, é o segundo. monismo colocaram nosso Senhor em uma posição abaixo
Diz-se que Ele revela. O Espírito, fluindo eternamente do da verdadeira Divindade. "Esse é um dos mais importantes
Pai e do Filho, é o terceiro. Diz-se que Ele executa. . . Assim, conflitos na história da Igreja, e nenhum cristão verdadeiro
podemos dizer que a criação é do Pai, mediante o Filho, deveria tolerar, por um momento que fosse, qualquer des-
pelo Espírito Santo" 14. crição de nosso Mestre que fosse diferente daquela que Lhe
Diz-se que o Espírito de Deus procede do Filho como concede a mais completa Divindade, coigual e coeterno com
também do Pai. O Filho foi gerado pelo Pai e o Espírito o Pai" 15.
procede dEle. Também é importante que conheçamos as providências
divinas e a Sua vontade para que o nosso conhecimento de
As Duas Maiores Heresias Deus seja exato. Além de Criador do universo — Ele tam-
bém é o seu Sustentador no sentido físico, e é o Gover-
São duas as maiores distorções heréticas da doutrina da nador moral dos seres inteligentes que criou. A linha da
Trindade que existem na atualidade. Uma delas é a tentativa providência e soberania divinas são completas e compreen-
de acabar com qualquer implicação de que existam três sivas. "Tudo quanto aprouve ao Senhor, ele o fez, nos céus
Pessoas distintas e separadas na Divindade. Um homem e na terra, no m a r e era todos os abismos" (Si. 135:6). Essa
34 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ DEUS 35

verdade encontra eco no Novo Testamento. "Para fazerem E o Que Dizer Sobre o Livre Arbítrio?
tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram"
(At. 4:28). Deus é Aquele em Quem "tudo subsiste" (veja A questão da soberania de Deus e sua relação com a
Cl. 1:17). Ele é Aquele "que faz todas as coisas conforme o liberdade humana perturba muitas pessoas. Se Deus orienta
conselho da Sua vontade" (Ef. 1:11). tudo, como pode o homem ser u m agente livre e, conse-
qüentemente, ser moralmente responsável? Se Deus sabe
com antecedência o que o homem vai fazer, que escolha
Os Decretos de Deus
tem este então? Temos de admitir que esta questão tem
aspectos profundos que não foram totalmente elucidados,
O controle divino do universo costuma ser mencionado mas é bom ter-se em mente algumas coisas.
como os decretos de Deus. Alguém já definiu os decretos
de Deus como: o plano eterno através do qual Deus se Primeiro, a vontade do homem desempenha sempre
uma parte relativamente pequena em qualquer circunstân-
assegura de que todos os acontecimentos do universo —
cia apresentada. Q homem não tem controle sobre o lugar
passados, presentes e futuros — aconteçam. Às nossas onde nasce, a família, ou sobre a capacidade ou incapaci-
mentes finitas e limitadas parece que os acontecimentos dade, vantagens ou desvantagens que possua. Está sujeito
são muitos, mas para Deus não existe tempo e tudo acon- a muitas influências além do seu controle. Ele é mais ou
tece em u m momento eterno. Eis porque dizemos que Deus menos como uma criancinha em um cercadinho. Tem liber-
sabe o fim desde o começo. dade verdadeira, mas apenas dentro de certos limites pres-
critos. Francis Schaeffer destaca que se alguém joga uma
Às vezes se faz uma distinção entre os decretos abso- bola na direção de uma pessoa, esta pode apanhá-la ou
lutos de Deus, que determinam o que acontece, e os Seus deixá-la cair. Exceto algum defeito físico, não está tão limi-
propósitos em relação às Suas criaturas — isto é, a reve- tada que não tenha poder de decidir ou escolher.
lação que lhes faz de suas obrigações. Os decretos de Deus
Segundo, o conhecimento que Deus tem do futuro (que
sempre se realizam, mas os homens costumam ignorá-los e
não deve ser confundido com eleição ou predestinação)
desobedecer aos propósitos que Ele tem para eles. não é a causa propriamente dita do que acontece. Por exemr
Outra diferenciação se faz entre a vontade diretiva e a plo, Deus sabia com antecedência que Dimas abandonaria
vontade permissiva de Deus. Sua vontade diretiva é o que o apóstolo Paulo pelo amor a este mundo, mas o conheci-
Ele mesmo realiza; Sua vontade permissiva é o que Ele mento que Deus tinha do assunto não predispôs Dimas a
permite que aconteça. Deus permitiu, mas não dirigiu, a retroceder, e muito menos o compeiiu a agir assim. Dimas
agiu com liberdade; ele fez sua própria escolha pessoal sem
entrada do pecado no mundo. Mas quer seja ativamente
nenhuma pressão.
(por decreto), ou passivamente (por permissão), Deus é so-
berano sobre tudo o que acontece. Ele é livre no sentido Deus sabia, também com antecedência, que Saulo acei-
taria a Cristo e se tornaria o apóstolo Paulo, mas este exer-
de que não está sob qualquer outra influência ou poder de ceu a sua própria vontade na estrada de Damasco aten-
qualquer outra coisa ou pessoa a não ser Ele mesmo. "Quem dendo à chamada do Senhor. Deus conhece suas decisões
guiou o Espírito do Senhor? ou, como Seu conselheiro, O antes de você tomá-las — Ele sabe o que você vai fazer e
ensinou?" (Is. 40:13) Ele é soberano Ele tem o poder onde vai — mas esse conhecimento não interfere nem u m
de realizar os Seus propósitos. pouco na sua completa liberdade de ação.
oo SAIBA O QUE VOCÊ CRJÊ

Packer chama essa dificuldade — a reconciliação da


soberania divina com a liberdade humana — de aatinomia
— uma aparente contradição entre conclusões que parecem
igualmente lógicas, racionais ou necessárias. Ele diz: "Uma
antinomia existe quando um par de princípios fica lado
a lado, aparentemente irreconciliáveis, mas ambos inegá-
veis. Existem razões irrefutáveis para se crer em ambos:
ambos descansam sobre evidências claras e sólidas; mas é
um mistério como um pode se encaixar no outro. Você vê Capítulo 3
que cada um deles deve ser a verdade em si mesma, mas
você não entende como podem ser a verdade quando aceitos
conjuntamente..." JESUS CRISTO
"A física moderna enfrenta uma antinomia, em tal sen-
tido, no estudo que faz da luz. Existem evidências irrefu- O Dr. W. H. Griffth Thomas escreveu um livro intitu-
táveis de que a luz consiste de ondas, e evidências também lado Cristianismo é Cristo. Esse título resume o âmago e
irrefutáveis de que ela consiste de partículas. Aparentemen- a singularidade do Cristianismo.
te não se pode entender como a luz pode consistir de ondas
e de partículas ao mesmo tempo, mas as evidências estão Buda não é essencial aos ensinamentos do Budismo,
ali, e assim nenhuma delas pode ser abandonada em favor nem Maomé ao Isíamismo, mas tudo o que diz respeito ao
da outra. Não se pode também eliminar uma delas em Cristianismo é determinado pela pessoa e pela obra de
favor da outra ou explicá-la nos termos da outra; as duas Jesus Cristo. O Cristianismo deve a Cristo a sua vida e o
posições aparentemente incompatíveis têm de ser aceitas seu caráter em todos os detalhes. Seus ensinamentos são
em conjunto, e ambas têm de ser aceitas como verdadeiras. ensinamentos a respeito dEle. Ele foi a origem e será o
Tal necessidade escandaliza nossas mentes muito meticulo- cumprimento de suas esperanças. Ele é a fonte de suas
sas, sem dúvida mas nada se pode fazer a respeito se qui- idéias, as quais tiveram origem no que Ele disse e fez. A
sermos ser leais aos fatos" IS . força da Igreja de Cristo é a força do Seu próprio Espírito,
que é onipotente.
Somos confortados pelo fato de ser a soberania divina
exercida por um Deus pessoal, todo amor e todo sabedoria. Mas Quem é o Homem, Jesus Cristo? Ele mesmo colo-
Mas a Sua soberania não diminui de modo algum a nossa cou a Sua identidade como o ponto central do Seu minis-
liberdade — ou o nosso privilégio e responsabilidade de tério. "Que dizeis que Eu sou?" (Mt. 16:15). Errar nesse
saber e fazer a Sua boa vontade. ponto é coisa fatal, conforme a história da Igreja o tem
comprovado.
Precisamos ter a certeza, em primeiro lugar, de que
Jesus Cristo é Deus no sentido total. Em diversas passagens
LEITURA ADICIONAL das Escrituras Ele é expressamente chamado de Deus, como
OBB, James. A Christlan View of God and the World. New York: por exemplo: "O Verbo era Deus" (Jo. 1:1; que a Palavra
Charles Scribner's Sons, 1908. é Cristo está confirmado no v. 14); "nosso grande Deus e
SCHAEFFER, Francis. The God Who Is There. Chicago: Inter-Var-
sity Press, 1968. Salvador Cristo Jesus" (Tt. 2:13); " . . . seu Filho Jesus
Cristo. Este é o verdadeiro Deus" (1 Jo. 5:20).
38 SAIBA O QUE VOCfi CRÊ JESUS CRISTO 39

Cristo Proclamou Sua Divindade Cristo, o Criador

Jesus proclamou Sua divindade de maneira bastante Ele é o Criador (Jo. 1:3) e Sustentador (Hb. 1:3) do
clara aos Seus ouvintes. Certa ocasião Ele disse: "Eu e o universo. Talvez a declaração mais compreensível sobre a
Pai somos um" (Jo. 10:30). Sua afirmação de que era Deus divindade de Cristo é que "nEle habita corporalmente toda
foi considerada pelos líderes religiosos como blasfêmias, e a plenitude da Divindade" (Cl. 2:9).
foi o que O levou à crucificação: "Temos uma lei e de con- Cristo aceitou a adoração dos homens, adoração essa
formidade com a lei, ele deve morrer, porque a Si mesmo que somente se deve a Deus. Ele elogiou em vez de repreen-
se fez Filho de Deus" (Jo. 19:7). O sumo sacerdote expres- der o incrédulo Tome, que caiu aos Seus pés e declarou
samente perguntou a Cristo: " .nos digas se tu és o Cristo, admirado: "Senhor meu e Deus meu!" (Jo. 20:28). Esse
o Filho de Deus", e Jesus respondeu: "Tu o disseste" (Mt. foi o mesmo Jesus que desprezou o convite de Satanás para
26:63-64) Esta foi uma resposta clara no sentido afirma- adorá-lo, respondendo-lhe: "Ao Senhor teu Deus adorarás,
tivo e o sumo sacerdote disse não haver mais necessidade e só a Ele darás culto" (Mt. 4:10; Dt. 6:13).
de testemunhas porque todos eles tinham ouvido a sua
Outra dimensão da divindade de Cristo que devemos
"blasfêmia" com os próprios ouvidos Ele havia dito "eme
ter em mente é a Sua preexistência. Ele não se tornou o
Deus era seu procrio Pai fazendo-se igiial a Deus" (Jo 5:18)
Filho de Deus, nem no Seu nascimento nem em algum
Jesus Cristo arrogou-se a Si a autoridaee de Deus. Ele dado momenoo de Sua vida terrena. Ele foi e é o Filho
disse ter autoridade para perdoar pecados (Mc. 2:10) e eterno, coexistente e coeterno com o Pai. João declarou:
que viria das nuvens, assentado à direita do Todo-poderoso "No princípio era o Verbo" e "sem Ele nada do que foi
(Mc. 14:62), com autoridade para julgar os homens. "E o feito se fez" (Jo. 1:1,3). Jesus referiu-se explicitamente à
Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo o julga- Sua própria preexistência quando os judeus o desafiaram
mento" (Jo. 5:22). Diversas vezes Jesus declarou que Ele quanto à sua idade. "Ainda não tens cinqüenta anos", dis-
mesmo tinha autoridade e poder para ressuscitar os mor- seram; e Ele respondeu: "Antes que Abraão existisse, Eu
tos (Jo. 6:39-40,54; 10:17-18). sou" (Jo. 7:57-58).
Jesus possuía atributos que só pertencem a Deus. Ele A divindade de Cristo está entretecida em toda a ur-
proclamou-se onipotente ou Todo-poderoso (Mt. 28:18), e didura do que Ele disse e ensinou. E foi confirmada pelo
durante a Sua vida demonstrou esse poder sobre a natureza, que os outros claramente entenderam de Suas palavras. As
acalmando a tempestade (Mc. 4:39) e transformando água coisas que Ele realizou foram evidências conclusivas de que
em vinho (Jo. 2:7-11); sobre doenças físicas (Mc. 3:10); Suas palavras não foram hábeis mentiras ou mera tagare-
sobre o mundo espiritual dos demônios (Lc. 4:35); e sobre lice de um demente.
a morte, ressuscitando Lázaro (Jo. 11:43,44). Ele também
foi citado como tendo poder sobre todas as hostes celes-
Cristo Foi Também um Homem Completo
tiais (Ef. 1:20-22).
Ele é onisciente, isto é, sabe todas as coisas. Ele sabia, Mas Jesus não foi apenas Deus completo — foi também
como só Deus pode saber, o que estava na mente dos um Homem completo, inteiramente humano. É um aspecto
homens antes destes falarem (Mc. 2:8; Jo. 2:25). Ele é oni- vital da pessoa de Cristo. Se Ele não fosse inteiramente hu-
presente e prometeu estar com todos os Seus discípulos mano, não poderia ter-nos representado sobre a cruz e não
até a consumação dos séculos (Mt. 28:20). poderia ter sido o Sumo Sacerdote que nos conforta e nos
40 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ JESUS CRISTO 41

fortalece. Mas Ele passou por nossas experiências humanas A humanidade de Cristo foi tão real e genuína como a
(Hb. 2:16-18) e está inteiramente capacitado a nos entender Sua divindade. Ambas devem ser defendidas e uma não
e a sentir conosco. deve ser enfatizada às custas da outra.
Mesmo que Ele tenha sido concebido de forma sobre-
natural, o nascimento de Jesus foi um nascimento normal Mais Homem ou Mais Deus?
de mãe humana (Mt. 1:18). Diz-se que nasceu da semente
da mulher (Gn. 3:15) e da semente de Abraão (Hb. 2:16). Uma rápida recapitulação da História da Igreja de-
Desse modo, no Nascimento Virginal, "o Verbo se fez car- monstra como é fácil sobrelevar um dos aspectos da natu-
ne" (Jo. 1:14). reza de Cristo acima de outros. Algumas dessas tendências
continuam conosco até hoje e precisamos nos precaver
Jesus, na qualidade de uma criança normal, cresceu contra elas. As heresias forçaram a Igreja Primitiva a defi-
física e mentalmente. "Crescia o menino e se fortalecia, nir claramente suas crenças na Divindade e Humanidade
enchendo-se de sabedoria... E crescia Jesus em sabedoria, de Cristo. Tais definições não foram inovações, mas tão-
estatura e graça, diante de Deus e dos homens" (Lc. 2:40,52). somente a cristalização do que já se defendia como sendo
verdade bíblica.
Jesus referiu-se a Si mesmo como homem: " . . . p r o -
curais matar-Me, a Mim que vos tenho falado a verdade" Os ebionitas, logo no começo do Segundo Século, ne-
(Jo. 8:40). Foi reconhecido pelos outros como homem (At. gavam a divindade de Cristo. Defendiam a idéia de que Ele
2:22). Tinha corpo, alma e espírito e participou de nossas era um simples homem, ainda que, talvez, tenha sido con-
experiências físicas e emocionais. cebido de modo sobrenatural. Admitiam que, mesmo sendo
Jesus teve fome (Mt. 4:2) e sede (Jo. 19:28). Seus pés homem, tinha um relacionamento peculiar com Deus, es-
doíam e Ele cansou-se da viagem (Jo. 4:6). Precisou de pecialmente a partir da ocasião do Seu batismo quando,
sono e alimentação (Mt. 8:24). Experimentou e expressou diziam, a plenitude do Espírito Santo repousou sobre Ele.
amor e compaixão (Mt. 9:36). Zangou-se com aqueles que Por outro lado, os docetistas, no mesmo século, u m
profanaram a casa de Seu Pai (Mt. 21:13) e com os que pouco mais tarde, negavam a verdadeira humanidade de
deliberadamente se recusaram a aceitar a verdade de Deus Jesus. Rejeitavam a realidade do Seu corpo humano e suge-
(Mc. 11:35). Ele chorou junto ao túmulo de um amigo que- riram que era um simples fantasma com aparência humana.
rido e ao enfrentar a agonia da Cruz, sentiu-se profunda- Esse ponto de vista foi a conclusão lógica de sua convicção
mente perturbado (Jo. 12:27). de que a matéria é, inerentemente, má. Insinuavam que o
Cristo divino não ficava com fome e sede, nem sofreu ou
Mesmo proclamando Seus atributos divinos como Filho morreu. A vida de Jesus na terra, eles insistiam, foi uma
do Homem, declarou Sua identificação conosco, os filhos grande ilusão.
dos homens. Sua humanidade, de fato, foi singular porque
foi completa. Nosso Senhor, como homem, esteve "livre Os arianos, os predecessores dos atuais defensores do
tanto da depravação hereditária como do pecado presente, Unitarismo, interpretaram erradamente as declarações bí-
o que se nota pelo fato de nunca ter oferecido um sacrifí- blicas sobre a subordinação de Cristo ao Pai como provas
cio, nem pedido perdão, ensinando que todos menos Ele de Sua inferioridade. Ensinavam que Cristo foi de algum
precisavam do novo nascimento, desafiando todos a que modo criado pelo Pai como o primeiro e mais importante
O acusassem, sequer, 4§ um simples pecado" 17. dos seres criados, mas que Ele mesmo não era eternamente
•\'l SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ JESUS CRISTO 43

auto-existente. Tal crença subsiste ainda hoje em dia em Resumindo, segundo o antigo ditado, a doutrina orto-
diversas seitas importantes. doxa proibe-nos tanto de dividir a pessoa como de confun-
dir as duas naturezas" ia .
Outra heresia foi a dos discípulos de Apolinário que
foram condenados no Concilio de Constantinopla no ano A Divindade e a Humanidade da Pessoa de Cristo é,
381 A.D. Fortemente influenciado pela filosofia grega, Apo- declaradamente, u m assunto profundo, e desperta muitas
linário ensinou que Cristo tinha um corpo e alma verda- perguntas. Esse conceito é parecido com o da Trindade —
deiros e que nEle o lugar da mente e do espírito humanos sabemos por revelação que é verdadeiro, mas não temos
foi ocupado pelo ser divino. Entretanto, se isso fosse ver- explicações satisfatórias.
dade, significaria que Jesus não foi inteiramente humano Como tentativa de explicar as duas naturezas de Cristo,
e portanto não foi tentado sob todos os aspectos como alguns sugeriram diversas teorias denominadas "kenosis".
nós somos. O termo "kenosis" vem da palavra grega que significa "va-
zio" (Fp. 2:7). Alguns defendem que Cristo esvaziou-se com-
No século V, Nestório enfatizou de tal maneira a distin- pletamente de Sua Divindade, limitando-se ao conhecimento
ção das duas naturezas de Cristo que chegou a negar a e à capacidade natural de u m homem comum. Outros asse-
verdadeira união entre o divino e o humano em nosso guram que, mesmo tendo renunciado aos Seus atributos
Senhor. Ele tornou essa união como sendo mais moral do divinos, de alguma forma continuou na posse deles. Ainda
que orgânica. Os nestorianos, na verdade, criam em duas outros têm sugerido que Ele sustou Sua consciência divina
naturezas e duas pessoas em vez de crer em duas nature- ao ser concebido e a reassumiu depois de adulto. Hammond
zas em uma pessoa. comenta que "os atributos divinos de nosso Senhor nunca
foram deixados de lado. Qualquer 'explicação' da Sua natu-
Os eutiquianos, por sua vez, estavam no extremo opos- reza divino-humana que viola a integridade de Sua Divin-
to, negando a distinção e a coexistência das duas nature- dade deve ser, obviamente, rejeitada, e parece que não há
zas. Diziam que o divino e o humano na natureza de Cristo explicação que esteja alheia às graves dificuldades. A mais
misturavam-se em uma terceira qualidade de natureza pe- aproximada é a que afirma que a perfeita natureza divina
culiar a Cristo. Parece que criam que a natureza humana de nosso Senhor (com a posse total de Seus atributos)
de Cristo fora realmente absorvida por Sua natureza divi- estava tão ligada a uma natureza humana perfeita que uma
na, ainda que a natureza divina fosse, por meio dessa simples Personalidade divino-humana desenvolveu-se com o
"fusão", u m tanto diferente do que fora antes da união. elemento divino (se é que tal distinção pode ser feita aqui)
Esse grupo foi condenado como herético no Concilio de controlando o desenvolvimento normal do elemento huma-
Caledônia no ano 451 A.D. no. Não podemos ir além disso, com segurança" 19.
A questão das duas naturezas de Cristo é, obviamente, Os credos da Igreja Primitiva não tentaram explicar o
complexa, com numerosas sutilezas. A doutrina ortodoxa, mistério de como as duas naturezas de Cristo uniram-se
promulgada em Caledônia, no ano de 451, diz que "na pes- em uma só Pessoa. Eles reconheciam sua humanidade per-
soa de Jesus Cristo há duas naturezas, uma humana e outra feita e sua divindade verdadeira, mas não resolveram o
divina, cada uma completa e integral, e que essas duas problema de reunir os dois modos de Sua manifestação —
naturezas estão orgânica e indissoluvelmente ligadas, mas a humanidade e a divindade — na unidade de uma só pes-
de tal maneira que não houve, como conseqüência, a for- soa. Desde o começo deve ter sido óbvio que a verdade
mação de uma terceira natureza. se coloca entre estas duas tendências inaceitáveis — a de
JESUS CRISTO 4Ê
44 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ

do humano, na autoconsciência de Jesus, mesmo estando


considerar a existência de duas pessoas, ou a de mesclar
em comunhão inviolável com o sobrenatural e eterno.
as duas naturezas, de modo que o resultado seja algo nem
verdadeiramente humano nem verdadeiramente divino. "Seja como for que o expliquemos — e uma compre-
Numa declaração que a Igreja Primitiva concluiu ser acei- ensão completa ultrapassa as nossas possibilidades — a
tável, e que tem sido usada desde então, Atanásio afirmou: fé salvadora sempre veio de Alguém que é um homem per-
"Ele se tornou o que não era; e continuou sendo o que feito, Deus verdadeiro e único Cristo, e na força e comu-
nhão dessa fé, nós, os cristãos, somos chamados a perma-
era". Esta é, na realidade, uma afirmação concisa, mas não
necer" 20.
é uma explicação.
Em um esforço de eliminar as dificuldades que surgem O conhecimento adequado da Pessoa de Cristo é ques-
do problema das duas naturezas de Cristo, os teólogos — tão sumamente importante para se aquilatar a Sua obra.
como já vimos — vão a u m dos dois extremos. Alguns Se Ele não fosse o Deus-homem, Sua obra não teria sig-
exaltam a natureza humana de Cristo a u m nível que o nificado eterno e pessoal para nós.
separaria do restante da humanidade. Por exemplo, dizem
que a Sua natureza era a de Adão antes da queda. Não O Que Cristo Fez
encontramos evidência disso nos registros do Evangelho
sobre a Sua vida terrena. Outros, por sua vez, diminuem a Já consideramos as reivindicações de nosso Senhor
Sua divindade, definindo a Encarnação como envolvendo quanto à Divindade e à maneira pela qual Ele defendeu
uma kenosis ou auto-esvaziamento, para o qual a palavra Seus direitos com autoridade sobre as forças naturais, a
usada em Filipenses 2:7 não dá apoio. Esse ponto de vista qual só poderia ser sobrenatural. Ainda que apreciemos
transforma nosso Senhor, aqui na terra, em um ser sujeito inteiramente o que Jesus é, não devemos, entretanto, igno-
a todas as limitações humanas com exceção do pecado, rar o significado igualmente importante do que Ele fez —
é claro. e está fazendo — pelos crentes.
"O fator que ficou esquecido, e talvez seja a única Se Jesus não fosse inteiramente Deus, não poderia ser
chave para o problema, é o ministério do Espírito Santo o nosso Salvador. Mas se Ele fosse Deus e nada fizesse em
na Pessoa e vida de Cristo. Esse Espírito, que preparou a nosso benefício — isto é, não tivesse feito algo para nos
Sua humanidade e manteve a Criança antes de nascer livre levar a Deus — Ele não seria o nosso Salvador. Sendo Deus,
da contaminação de qualquer pecado da mãe, jamais o aban- Jesus Cristo qualificou-se para ser o nosso Salvador, mas
donou, mas através de todas as tentações e sofrimentos de foi Sua morte expiatória por nós que fê-lo nosso Salvador.
Sua vida e morte concedeu à Sua alma humana a luz, o Além de poder salvar os homens, Jesus o fez, realmente.
conforto e a força das quais precisou para a realização de Cristo foi o Homem perfeito. Como tal, foi isento de
Sua tarefa. À luz desse ministério gracioso, podemos en- pecado, em pensamento, palavras ou atos. Ele pôde desa-
tender, até certo ponto, como a natureza divina agiu sob fiar Seus inimigos com a pergunta: "Quem dentre vós Me
condições humanas, e como a natureza humana agiu na convence de pecado?" (Jo. 8:46). E eles não Lhe puderam
mais completa unidade com a divina. Esse Espírito, que responder. Foi totalmente obediente ao Pai. "A Minha co-
participava dos conselhos eternos da Divindade, uniu a mida", disse aos Seus discípulos, "consiste em fazer a von-
consciência de Cristo para que não houvesse possibilidade tade dAquele que Me enviou, e realizar a Sua obra" (Jo.
de divisão ou dualismo dentro dEle. Por esse motivo pode- 4:34).
mos entender que não havia nada fora do natural ou fora
46 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ
RÊ JESUS CRISTO 47

São três os motivos por que a vida perfeita de nossosso ção: "A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós
Senhor foi uma necessidade: somos testemunhas" (At. 2:32). Tanto a morte como a
1. Qualificou-O a se tornar a oferta sacrificial pelo ressurreição de Cristo provam a Sua supremacia e a Sua
pecado. Os tipos do Veílio Testamento todos insistem na singularidade entre todos os líderes religiosos do mundo.
pureza da vítima para o sacrifício. Um grande número de vezes Jesus profetizou tanto a
2. Significou obediência perfeita a Deus, em contras- Sua morte como a Sua ressurreição (Mc. 8:31; 10:32-34;
te à desobediência de Adão. As Escrituras enfatizam este veja Mt. 16:21, etc.). Mas tal declaração era tão fantástica
ponto repetidas vezes (Rm. 5:19; Hb. 10:6-7). que os discípulos não creram nela até que. depois do se-
3. Por esse meio tornou-se o Mediador e Sumo Sa- pultamento, foram as primeiras testemu» s do fato.
cerdote qualificado em benefício de Seu povo (Hb. É importante entender que a ressurreição de Cristo foi
2:11-18) 21. uma ressurreição corpora,, não de "espírito" ou de "influên-
Nosso Senhor foi "um Homem comissionado" por ex- cia", como às vezes se costuma insinuar. Os discípulos,
celência. Freqüentemente repetiu, em momentos de crise, logo que viram Jesus depois da ressurreição, pensaram es-
"Ainda não é chegada a minha hora" (Jo. 2:4; veja 7:6). Fi- tar vendo um fantasma e ficaram terrivelmente amedron-
nalmente Ele disse: "É chegada a hora de ser glorifiçado o tados. Nosso Senhor precisou lhes dizer: "Vede as Minhas
Filho do homem" (Jo. 12:23). Um pouco mais tarde, ao mãos e os Meus pés, que sou Eu mesmo; apalpai-Me e ve-
contemplar a hediondez da Cruz, disse: "Agora está angus- rificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como
tiada a Minha alma, e que direi Eu? Pai, ^alva-Me desta vedes que Eu tenho" (Lucas 24:39). Continuou comendo
hora? Mas precisamente com este propósito vim para esta peixe e mel com eles para comprovar sua realidade física.
hora" (Jo. 12:27). O motivo por que veio, como disse, foi o Convidou o incrédulo Tome a colocar o seu dedo nas mar-
cas dos cravos e a colocar a sua mão no lado ferido (Jo.
de "buscar e salvar o perdido" (Lc. 19:10) e "para servir
20:27), comprovando ainda mais a natureza física de Sua
e dar a Sua vida em resgate de muitos" (Mc. 10:45). Tão
ressurreição corporal e também indicando que o Seu corpo
importante é a morte de Cristo para se compreender o Cris- é que fora crucificado e sepultado.
tianismo que ainda o comentaremos mais detalhadamente
num capítulo posterior. Entretanto, o Seu corpo ressuscitado diferia dos nos-
sos corpos e do Seu próprio corpo anterior. Nosso Salva-
dor ressuscitado, por exemplo, passava através de portas
Cristo Deixou a SSpultura fechadas quando se encontrou com os discípulos pela pri-
meira vez no Cenáculo (Jo. 20:19). Paulo discute bem ex-
Mas nosso Senhor não viveu nem morreu simplesmen- tensamente o assunto da Ressurreição e do corpo ressur-
te. A dinâmica triunfante do Cristianismo é que Ele ressus- reto (1 Co. 15). Essa passagem deve ser estudada com
citou dos mortos. Os cristãos da Igreja Primitiva costuma- cuidado.
vam cumprimentar-se com o dramático lembrete: "Ele res-
suscitou!" O que transformou um punhado de discípulos
covardes e amedrontados, que chegaram até a negar que As Implicações da Reesurreição
conheciam o seu líder (Mt. 26:56,70,72,74), em leões ferozes
que proclamaram sua fé, foi o fato de que viram Jesus, As implicações da Ressurreição são enormes. Devemos
vivo dentre os mortos. Pedro declarou em Jerusalém, com procurar entendê-las o mais claramente possível — e des-
risco da própria vida, e logo 50 dias depois da Ressurrei- frutá-las.
4f SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ JESUS CRISTO 49

Primeiro, como já vimos, a Ressurreição confirma ple- nesto que os levou a proclamar, sincera mas erradamente,
namente a verdade e o valor do que Jesus ensinou e fez. que Jesus tinha ressuscitado dos mortos.
Paulo disse: "E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé,
e ainda permaneceis nos vossos pecados" (1 Co. 15:17). Por Mas todas as tentativas de explicar a Ressurreição, ne-
causa da Ressurreição, sabemos que não confiamos num gando-a, tropeçam sobre as rochas das verdadeiras evidên-
mito; sabemos que nossos pecados estão realmente perdoa- cias. Cristo poderia ter sido um mentiroso se apenas tivesse
dos e que esse perdão está confirmado pela sepultura vazia! desmaiado e permitido que os discípulos pensassem que
Cristo é o tínico que já voltou da morte para contar aos tinha realmente ressuscitado dos mortos. Os discípulos não
homens o que está no além. Nas suas palavras sabemos que foram preparados para uma alucinação. Eles não eeperavam
temos a Palavra de autoridade do próprio Deus. que Ele ressuscitasee e eles não acreditaram que tivesse
Em segundo lugar, a ressurreição de Cristo é a garan- ressuscitado. Tiveram de ser convencidos do que realmente
tia de nossa própria ressurreição. Jesus disse: "Porque eu tinha acontecido (Lc. 24:36-45). Mais ainda Cristo apare-
vivo, vós também vivereis" (Jo. 14:19). Sabemos com cer- ceu em dez diferentes ocasiões, em lugares diferentes e
numa das vezes, a mais de 500 pessoas ao mesmo tempo
teza que a sepultura não é o nosso fim, e que nós ressusci-
Tal acontecimento não pode ser explicado como "alucina-
taremos como Ele ressuscitou.
ção". Os discípulos seriam mentirosos ao máximo se tives-
Terceiro, sabemos que o corpo é bom em si mesmo, sem roubado o corpo de Cristo. Quase todos eles entre-
não inerentemente mau, como alguns erradamente pensam. tanto morreram martirizados por causa de súa fé As pes-
A prova disto é o fato de que nosso Senhor, na Encarna- soas podem morrer pelo que erradamente pensam ser a
ção, se tornou carne e assumiu um corpo físico. verdade mas não morrem pelo que sabem 'ser falso A in
Está confirmado pela Ressurreição, a qual nos declara capacidade dos inimigos de Cristo em apresentar o Seu
que no estado eterno, o corpo e a alma se reunirão, e, ainda, corpo é mais uma evidência de que não foi roubado
que o corpo será glorificado, é claro, como o de nosso
Senhor. Cristo é Aquele que "transformará o nosso corpo A sepultura vazia, as vidas revolucionadas dos discí-
de humilhação, para ser igual ao corpo da Sua glória" pulos, o Dia do Senhor (a mudança da adoração do Sábado
(Fp. 3:21). para o Domingo por causa da Ressurreição), a existência
Quarto, temos a certeza do poder atual de Cristo na da Igreja Cristã (que pode ser traçada em retrospecto até
vida de hoje. Não cremos num Cristo morto pendente de aproximadamente 30 A.D.) — são todas evidências conclu-
uma cruz ou deitado em uma sepultura, mas no Cristo res- sivas de que a Ressurreição é um fato, não ficção. A evi-
suscitado e na sepultura vazia. Cristo nos dá a Sua vida dência final é a transformação daqueles que, hoje em dia,
quando nos dá a salvação. Esse é o poder atual, a dinâmica se encontraram com o Cristo ressurreto e receberam
da fé cristã. nova vida.
Muitas tentativas já foram feitas para explicar a Res-
surreição de forma racional. Uma explicação completa Ascensão, Exaltação
desse assunto não caberia aqui, agora.
Resumindo, podemos dizer que algumas falsas teorias Além de prever a Sua morte e ressurreição, Jesus tam-
sobre a Ressurreição (tais como a teoria do desfalecimen- bém profetizou Sua ascensão e exaltação (Jo. 6:62; 17:1).
to) giram em torno da negação da morte de Cristo. Outros Na ascensão, deixou, de forma visível, Seus discípulos e a
argumentam que os discípulos cometeram um engano ho- terra e voltou aos céus 40 dias depois de Sua ressurreição.
go SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ JESUS CRISTO íí1

Sua saída desta vida foi tão miraculosa quanto a Sua en- pouco deste privilégio de sermos recebidos em audiência
trada. A história ficou registrada era At. 1:9-11. pelo Rei!
Tendo Cristo subido, Deus Pai deu-Lhe um lugar exal- O Cristianismo é Cristo do princípio ao fim. Saber
tado no céu. Deus fê-Lo "sentar à Sua direita nos lugares Quem Cristo é e o que Ele fez, aumenta nossa admiração,
respeito e apreciação por Aquele que, sendo rico, tornou-se
celestiais, acima de todo' principado, e potestade, e poder,
pobre por amor de nós, para que nós, pela Sua pobreza,
e domínio, e de todo nome que se possa referir" (Ef. 1:20,
ficássemos ricos (2 Co. 8:9).
21). Cristo tem uma posição de poder e glória. Sua ascen-
são e exaltação foram necessárias para completar a obra
de Sua redenção. Na qualidade de Cristo elevado e exaltado,
foi que Ele entrou nos céus como nosso precursor (Hb.
6:20). Nós O seguiremos. Ele pôde entrar nos recintos ce-
lestiais dos santos dos santos no tabernáculo terreno por
causa dos méritos da Sua expiação., Os crentes poderão
segui-Lo porque o sangue de Sua expiação foi neles aplicado.
Agora Cristo está diante de Deus como nosso Sumo
Sacerdote e nosso Advogado. Ele comparece "por nós, dian-
te de Deus" (Hb. 9:24). "Se, todavia, alguém pecar, temos
Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o justo" (1 Jo. 2:1).
Como nosso Mediador, Cristo está agora agindo em nosso
favor diante do trono de Deus.
Cristo foi preparar um lugar para nós nos céus. Ele
explicou claramente aos discípulos que o faria e que depois
retornaria para recebê-los, "para que onde Eu estiver este-
jais vós também" (Jo. 14:3-4).
Todo o cristão deve olhar para o futuro, ansiando pro-
fundamente pela volta do Senhor que vem nos buscar.
Por causa da ascensão e exaltação de Cristo, temos LEITURA COMPI.EMENTAR.
acesso livre e confiante na própria presença de Deus. Po- ANDERSON, J. N. D. Evidence for the Resurrectiom. Chicago: In-
demos nos achegar "confiadamente, junto ao trono da ter-Varsity Press, 1966.
graça" (Hb. 4:16). No tempo do Velho Testamento, o aces- BERKOUWER, G. C. The Person of Christ. Grand Rapids: Eerd-
mans, 1954.
so à presença de Deus limitava-se a uma só pessoa — o HARRISON, E. P. A Short Life of Christ. Grand Rapids: Eerd-
sumo sacerdote; em um só lugar —- o santo dos santos no rnans, 1968.
Tabernáculo (ou Templo); e só em uma ocasião — o Dia LITTLE, Paul. Know Why You Believe. Wheaton, 111: Scripture
da Expiação. Mas sendo Cristo o nosso Sumo Sacerdote e Press, 1967.
MORRIS, Leon. The Lord From Heaven. London: Inter-Varsity
tendo Ele entrado nos céus, cada um de nós tem acesso ao Fellowsíiip, 1958.
Criador a qualquer hora e em qualquer lugar. Como os WARFIELD, B. B. The Person and Work of Christ, ed. S. G. Craig.
anjos devem ficar admirados com o fato de usarmos tão Nutley N". J. Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1950.
A MORTE DE CRISTO 53

que o torna digno de receber a adoração de toda a criação


(Ap. 5:9, 12-13).
A morte de Cristo é o tema central das Escrituras,
tanto no Velho como no Novo Testamento. Desde o Jardim
do Éden, quando Deus amaldiçoou a serpente, Ele prome-
Capítulo 4 teu o Libertador (Gn. 3:15). O profeta Isaías dá-nos uma
promessa explícita de Um que morreria por nossos peca-
dos. "Mas Ele foi traspassado pelas nossas transgressões,
A MORTE DE CRISTO e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz
a paz estava sobre Ele, e pelas Suas pisaduras fomos sa-
rados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas;
Cristianismo é Cristo, e sem compreendermos a morte
cada um se desviava pelo caminho, mas o Senhor fez cair
de Cristo, não poderemos, possivelmente, apreciar a razão
por que nosso Senhor entrou na história humana. Sem a sobre Ele a iniqüidade de nós todos" (Is. 53:5-6).
morte de Cristo, não haveria perdão de pecados e, conse- A fim de explicar os recentes acontecimentos enigmá-
qüentemente, não haveria salvação. O próprio Jesus disse: ticos em Jerusalém aos dois discípulos que iam para Emaús,
"Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido" Jesus mostrou-lhes todas as Escrituras que falavam de Sua
(Lc. 19:10), e: "Pois o próprio Filho do Homem não veio
morte (Lc. 24:25-27). Sua conversa deve ter sido u m dos
para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida em res-
gate de muitos" (Mc. 10:45), destacando claramente a na- estudos bíblicos mais interessantes de todos os tempos.
tureza redentora de Sua morte. Sua morte era u m assunto a respeito do qual os profetas
escreveram muito. Eles falaram dos Seus sofrimentos sem
Na morte de Cristo temos outra "singularidade" do saber exatamente quem Ele era ou quando viria. Foram
Cristianismo. Deus fez pelo homem o que o homem não informados de que escreviam para o benefício de outros
pode fazer por si mesmo. Deus providenciou uma forma mais do que para si mesmos (1 Pe. 1:10-12).
pela qual o homem, que é pecador e corrupto, possa ser
perdoado, purificado e colocado em relacionamento vital Há quem duvide da necessidade de se entender o sig-
e íntimo com o seu Criador — não na base de algo que o nificado da Cruz e da Expiação. Afinal, argumentam, não
homem possa fazer, mas sim, com base no que Deus mes- somos salvos por alguma teoria da Expiação, mas pela
mo, em Seu Filho, já fez. morte real de Cristo. É claro que isso é verdade. Devemos
ter o cuidado de não reduzir a Expiação a uma mera fór-
Todos os outros sistemas religiosos do mundo são do mula de equação. Por outro lado, aquilo que cremos a res-
tipo "faça-você-mesmo". Só no Cristianismo a salvação é
peito da pessoa de Cristo é o ponto crucial — mesmo sendo
um presente de graça, oferecido não porque o homem me-
reça mas por causa da bondade incompreensível do amor salvos pelo que Ele fez por isso, é importante que enten-
de Deus. A cruz de Cristo é o fato central da história hu- damos o significado de Sua missão ao morrer pelo pecado
mana. Jesus foi o único Homem que nasceu para morrer do homem. Caso contrário, descobriremos que estamos
(Hb. 2:14). Sua morte é a base da Sua dignidade pessoal consciente ou inconscientemente nos opondo ao Evangelho
num de seus ensinamentos mais vitais e fundamentais,
54 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A MORTE DE CRISTO 55

O Cenário de Fundo no Velho Testamento vam salvava. Nós, pela fé, apropriamo-nos da materializa-
ção dos símbolos.
Para compreender com clareza o significado da morte
de Cristo é necessário um conhecimento prévio do cenário
do Velho Testamento, o qual nos orienta naquela direção. Sacrifícios imolados
Sobre o sanguinoso altar
O homem está inapelavelmente separado de Deus por Não tiravam os pecados;
causa do pecado. "Mas as vossas iniqüidades fazem sepa- Não podiam expiar
ração entre vós e vosso Deus; e os vossos pecados enco- Nossas culpas, nem remorsos dissipar.
brem o Seu rosto de vós, para que vos não ouça" (Is. 59:2).
Deus, então, toma a iniciativa e fornece o caminho pelo Temos sangue precioso
qual a nossa alienação pode ter fim. Leon Morris comenta: Dum divino Remidor;
"No Velho Testamento, dizia-se que a expiação se obtinha Eficaz e glorioso
pelos sacrifícios, mas não se deve esquecer nunca o que É o grande Expiador;
Deus disse a respeito do sangue da expiação: 'Eu vo-lo Purifica o mais ímpio pecador.
tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas
almas" (Lv. 17:11). A expiação não se obtém por causa de (S.H. 164)
algum valor inerente da vítima do sacrifício, mas porque
o sacrifício é a maneira divinamente designada de se obter Expiação do Pecado
a expiação' 22.
Diz-se que a morte de Cristo é a expiação do nosso
Todo o sistema do Velho Testamento foi u m retrato
pecado. Alguém já sugeriu que "expiação" significa, basi-
simbólico do que seria completamente realizado em Cristo.
camente, "um só modo de agir" *, isto é, a reunião daqueles
A Páscoa, celebrada no Êxodo quando os israelitas saíram
que estavam separados. Mas a palavra, no Velho Testamen-
do Egito, é o quadro mais completo. Todas as famílias
to, significa, essencialmente, "cobrir". O sacrifício dos ani-
crentes matavam um cordeiro perfeito e passavam o seu
mais fornecia uma "cobertura" para o pecado até que a
sangue sobre as ombreiras e na verga da porta de suas
morte de Cristo acabasse com ele para sempre.
casas. O anjo da morte, ao ver o sangue, passava por cima
dessa casa, cuja família, desse modo, escapava ao juízo, No Novo Testamento, diversas idéias apresentadas ex-
não sendo morto o seu primogênito. Como nos outros sa- plicam e elucidam o que seja a Expiação. Fala-se dela como
crifícios, o elemento da perfeição, o derramamento de san- sendo uma reconciliação: " . . .nós, quando inimigos, fomos
gue e a substituição estavam presentes. reconciliados com Deus mediante a morte do Seu Filho"
(Rm. 5:10; e veja também 2 Co. 5:18-19; Ef. 2:16; e Cl. 1:20).
Cristo foi o cumprimento de tudo aquilo que o cor- A reconciliação implica uma hostilidade existente entre as
deiro pascal representava. Ele foi "o Cordeiro de Deus que partes que foram reconciliadas. Como pecadores, éramos
tira o pecado do mundo" (Jo. 1:29). Aqueles que, pela fé, inimigos de Deus. Deus, por causa da santidade do Seu
ofereciam sacrifício de animais, nos tempos do Velho Tes- caráter, está em oposição àquele que é pecador e ímpio.
tamento, viam neles o futuro Messias, tal como nós, pela
fé, olhamos para trás, para a cruz de Cristo. Os sacrifícios * (N.T. — O autor se refere à palavra "atonement", na língua ín-
de animais não salvavam, mas a fé naquilo que simboliza- glesa, que pode ser desdobrada: "at-one-ment").
W& SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A MORTE DE CRISTO 57

A morte de Cristo terminou com o motivo da inimizade de Nosso Substituto


Deus acabando com o nosso pecado. Fomos reconciliados
com Deus, tendo sido removida a causa radical de nossa Entre os termos que dão as explicações mais compre-
alienação e tendo sido mudada a nossa atitude para com ensíveis sobre a morte de Cristo está a palavra "substituto".
Deus. Deus sempre nos amou e continua nos amando. Mas "Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos peca-
a Sua ira — a atitude permanente e fixa da santidade de dos, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus" (1
Deus contra o mal — foi desviada de nós. Foi retirada por Pe. 3:18). Cristo morreu por nós — isto é, em nosso lugar.
Cristo. "Aquele que não conheceu pecado, Ele (Deus) o fez pecado
por nós; pára que nEle fôssemos feitos justiça de Deus"
A morte de Cristo também é chamada propiciação. (2 Co. 5:21). Todo o conceito do sacrifício pelo pecado
"Deus O propôs, no seu sangue, como propiciação, median- implica a idéia da substituição, que se cumpriu em Cristo,
te a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na "carregando Ele mesmo em Seu corpo, sobre o madeiro,
sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente os nossos pecados, para que nós, mortos aos pecados, vi-
cometidos" (Rm. 3:25). A propiciação tem o conceito da vamos para a justiça; por suas chagas fostes sarados" (1
"remoção da ira pela oferta de um presente" 23. Tem Pe. 2:24).
uma qualidade pessoal. Um moço pode "propiciar" o seu
relacionamento com a namorada, por exemplo, enviando- Nas declarações doutrinárias de muitas igrejas e ins-
Ihe u m buquê de rosas. Deus, nesse caso, torna-se propício tituições, fazem-se menções específicas e particulares à ex-
por causa do perfeito sacrifício de Cristo, derramando a piação "substitutiva" de Cristo. A razão disso é que outras
Sua vida por nós, satisfazendo, assim, plenamente às justas interpretações da expiação foram surgindo, algumas delas
exigências da lei de Deus. contendo a verdade apenas parcialmente, mas coni tendên-
cia a eclipsar, senão negar completamente, a verdade central
É importante que entendamos que Deus não nos re- da expiação substitutiva. Alguns teólogos atacam aberta-
concilia primeiro para depois nos amar. Antes, Ele nos re- mente esta doutrina da expiação, sugerindo que a idéia da
concilia e abre o caminho da propiciação porque já nos ama. substituição é um aditamento paulino aos ensinamentos de
Cristo. Entretanto, mesmo nos poucos textos das Escritu-
"Resgate" é outra palavra usada para definir a morte ras que examinamos, está claro que esses ataques são in-
de Cristo. Está intimamente ligado à idéia da redenção. fundados. O ensinamento que afirma que Cristo tomou o
"(Cristo) a Si mesmo se deu em resgate por todos: teste- nosso lugar, sofreu e morreu em nosso benefício está tão
munho que se deve prestar em tempos oportunos" (1 Tm. presente nos Evangelhos como no restante do Novo Tes-
2:6; veja também 1 Pedro 1:18). Ainda que alguns líderes tamento.
de Igreja achem que esse resgate foi pago a Satanás, o Geralmente o ponto de vista de um pregador, ministro
pensamento geral é o de que seja o preço para atender às ou autor, sobre a expiação substitutiva, é já u m indicador
santas exigências da lei de Deus e para nos redimir de suas digno de confiança da sua posição quanto aos outros pontos
conseqüências, " . . .não foi mediante coisas corruptíveis, de vista teológicos.
como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil Entre as muitas interpretações desvirtuadas sobre a
procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo pre- expiação incluem-se as seguintes:
cioso sangue, como de um cordeiro sem defeito e sem má- 1. A teoria do exemplo ou da influêncaa mora.. A idéia
cula, o sangue de Cristo" (1 Pe. 1:18-19). é que o homem só precisa se arrepender e mudar de vida
58 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A MORTE DE CRISTO 59

para se reconciliar com Deus. Os que advogam esse ponto 3. Há quem ache que a crucificação de Cristo não
de vista crêem que a morte de Cristo não passa de u m passou de um acidente histórico inoportuno, inesperado e
exemplo poderoso de u m homem submisso à verdade e à imprevisto. Mas as Escrituras contradizem claramente esse
justiça a todo preço, e que nós somos redimidos ao permi- ponto de vista. Cristo mesmo assegurou aos Seus discípu-
tir que o Seu exemplo tenha uma influência determinante los que foi com tal propósito que Ele veio ao mundo (Jo.
em nossos próprios esforços para uma melhoria moral. 12:27). No Jardim do Getsêmane orou ao Pai celestial:
É claro que há uma grande influência moral no exem- "Todavia não seia como Eu quero e sim como Tu que-
plo de Cristo. Também é verdade que "Cristo sofreu em res" (Mt' 26:39) Disse ainda: "Por isso o Pai Me ama
vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os Seus porque Eu dou a minha vida para a reassumir Ninguém
passos" (1 Pe. 1:21). Mas as Escrituras ensinam clara- a tira de Mim; pelo contrário Eu espontaneamente a dou
mente que, além do pecado ter nos contaminado pessoal- Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la"
mente, por causa dele somos também culpados diante de (Jo. 10:17-18). Os profetas predisseram a morte sacrificial
um Deus santo. Muitas passagens das Escrituras ensinam do Messias e na verdade todas as evidências bíblicas se
claramente que Cristo morreu pelos nossos pecados, e a opõem à idéia de que a morte de Cristo foi acidental O
teoria da influência moral ignora essas passagens inteira- fato de que Cristo não precisou morrer tendo antes volun-
mente. tariamente suportado a morte na Cruz por nós é um dos
aspectos centrais e mais comoventes do Seu sacrifício
4.- Outros sugerem que, mesmo que a morte de Cristo
Outras Doutrinas Erradas
tenha sido precipitada pela sensibilidade à tempestade imi-
nente, Ele morreu, essencialmente como mais um mártir
2. A teoria governamental defende que a Expiação foi da história. Mas se fosse este o caso, como poderia o per-
uma exigência do governo de Deus no universo, que "não dão vir de Sua morte, e como explicaríamos a declaração
pode ser mantido, e cuja lei divina não pode preservar a de Jesus, quando deu início à cerimônia da Santa Ceia:
sua autoridade sobre os seus súditos, a não ser que o per- "Porque isto é o Meu sangue, o sangue da nova aliança,
dão dos seus ofensores seja acompanhado de alguma de- derramado em favor de muitos, para remissão de pecados"
monstração da alta estima que Deus estabelece para a Sua (Mt. 26:28)? Toda a ênfase das Escrituras opõe-se a qual-
lei e da abominável culpa de quem a transgride" M . Mas quer ponto de vista de que a Cruz não tenha um aspecto
por que Cristo é necessário, se tudo isso faz parte da Ex- sobrenatural.
piação? E por que deveria Alguém, que é perfeito, sofrer
em lugar daquele que é culpado? A idéia da substituição é um tema básico através de
toda a Bíblia. Há outras lições que podemos aprender da
É verdade que a Cruz mostra ao homem, com extrema Expiação, falando-se claramente, mas nenhuma é tão des-
clareza, a horripilância do pecado, e é uni testemunho elo- tacada que possa obscurecer esta verdade básica e ma-
qüente de que o homem não deve ignorar ou brincar com ravilhosa.
a lei de Deus. Mas é claro que isso é apenas acidental na
questão de Cristo ter sido feito pecado por nós para que Objeções à Substituição
nós fôssemos feitos justiça de Deus nEle (2 Co. 5:21). Esse
ponto de vista também é falho com referência a todas as Sempre houve objeções quanto à expiação substitutiv
passagens bíblicas que já mencionamos. e é conveniente examinarmos algumas delas.
A MORTE DE CRISTO 61
60 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ
No próprio ato do perdão dos pecados, ou, usando a
Alguns insistem em que, se Deus não perdoa o pecado forte expressão paulina, "na justificação do ímpio", Deus
sem exigir a expiação, é porque, ou Ele não é todo-poderoso, tem de agir em harmonia com o todo do Seu caráter. Ele
ou não é um Deus de amor. "Por que não pode Ele, sim- tem de mostrar o que Ele é em relação ao pecado: que o
plesmente perdoar o pecado usando da Sua misericórdia?" pecado não pode habitar na Sua presença porque Ele se
É o que os céticos querem saber. "Não poderia u m Deus recusa a tolerar o pecado sob qualquer forma. No próprio
todo-poderoso, na Sua onipotência, redimir o mundo tão processo de tornar o perdão disponível aos homens, Ele
facilmente como o criou? Considerando que Deus ordena deve provar a Sua completa repulsa ao pecado. Em outras
ao homem que perdoe livremente, por que Ele mesmo palavras, além de simplesmente perdoar os homens Deus
não o faz?" deve perdoá-los de maneira a que fique provado o Seu ódio
eterno ao mal e a impossibilidade de vir a tratá-lo a não
Finlayson assim resume a resposta a tais perguntas ser como a coisa mais completamente odiosa. O pecado im-
dada por Anselmo no século XII: Deus não pode perdoar porta realmente a Deus, e mesmo perdoando Ele não pode
desse modo porque não é uma pessoa particular, é Deus. ignorar o pecado ou encará-lo como coisa diferente do que
A vontade de Deus não é a Sua própria no sentido de que realmente é. Se o fizer, não seria mais misericordioso do
tudo Lhe é permitido ou se torna certo só porque Ele o que é na Expiação deixaria de ser Deus 27
quer. Deus faz o que Ele se determina. Deus não pode lidar
com o pecado a não ser conforme Ele o entende em Sua Outros têm dito que a simples idéia de Deus permitir
santidade. Se Ele não o pune, de duas, uma: ou não realiza que Cristo morresse pelo nosso pecado, como vítima ino-
uma quitação satisfatória em relação ao mesmo, ou estaria cente em lugar de pecadores culpados, foi injustiça e não
perdoando-o injustamente 2 5 . justiça. Alguns chegam até a chamá-la de verdadeiramente
imoral. Mas tais acusações só seriam verdadeiras se Cristo
É importante compreender, conforme destacamos já fosse uma vítima relutante. Como já vimos, a glória da
anteriormente, que Deus exerce todos os Seus atributos, Cruz está na natureza voluntária da vinda de Cristo à terra.
sempre em harmonia uns com os outros. Sua santidade "Pois, ele, subsistindo em forma de Deus não julgou como
exige a expiação pelo pecado. Seu amor a providencia. Os usurpação o ser igual a Deus; antes a Si mesmo se esvaziou
atributos divinos jamais violam-se mutuamente, nem se assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de,
colocam em oposição uns aos outros. Não estão em dese- homens; e, reconhecendo em figura humana a Si mesmo
quilíbrio, mas operam em conjunto na mais perfeita har- se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte
monia. "A misericórdia se prova, não passando por cima de cruz" (Fp. 2:6-8). Hammond comenta: "O Sofredor tem
das reivindicações da justiça, mas satisfazendo-as vicaria- de ter uma dupla ligação entre Deus e Ele mesmo de um
mente" ZB. Na cruz de Cristo, "encontraram-se a graça e lado, e o pecador e Ele mesmo do outro" 28 Só uma objeção
a verdade, a justiça e a paz se beijaram" (SI. 85:10). solidamente bíblica poderia ser honestamente levantaria
contra o ensinamento evangélico deste assunto
Amor e Santidade Ainda que queiramos levar em consideração as inter-
pretações alternativas, a verdade é que os críticos encaram
O Novo Testamento fala do "casamento", ou da jun- a doutrina da substituição partindo de suas próprias noções
ção, dos atributos de Deus — o amor e a santidade — na preconcebidas do que Deus deveria ter feito e tomam por
cruz de Cristo; para "Ele mesmo ser justo e justificador base seus próprios padrões éticos, superficiais e humanistas.
daquele que tem fé em Jesus" (Rm. 3:26).
Q2 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A MORTE DE CRISTO Q'i

Outras Perguntas que morreu na cruz seja Deus. Nenhuma inteligência finita
poderia entender inteiramente tudo a respeito do Deus infi-
Em aditamento às objeções que já mencionamos, certas nito, mas podemos ter alguma compreensão do que está
outras perguntas podem surgir na mente do leitor a res- envolvido" 29.
peito da morte substitutiva de Cristo. Como, por exemplo, Surgem, então, explícitas, com a compreensão da Expia-
poderia a morte de uma Pessoa expiar os inumeráveis pe- ção, algumas implicações.
cados do mundo inteiro? Uma delas é de que na Expiação estamos tratando com
No nível humano, tal expiação seria obviamente impos- uma questão absoluta de vida e morte. A Bíblia declara
sível. Uma pessoa pode morrer em lugar de outra, mas não que "o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito
por mais de uma. Mas quando consideramos a eficiência de Deus é a vida eterna por Crist© Jesus nosso Senhor"
da morte de Cristo, temos de lembrar Quem morreu. Cristo (Rm. 6:23). Alguns procuram traçar linhas divisórias entre
não foi um homem simplesmente; foi o Deus-homem. "Deus os que são salvos e os que estão perdidos. Esses limites
estava em Cristo" (2 Co. 5:19). A vida de Cristo foi de valor talvez se devam à sua relutância em julgar os indivíduos
infinito, e a Sua morte também teve valor infinito. A soma e talvez também por causa da sua insipiente esperança de
total de valor de todos aqueles por quem Ele morreu não que todos estão salvos.
se aproxima ao valor infinito da divina vida que foi ofere- É verdade que apenas o Senhor conhece aqueles que
cida no Calvário era sacrifício por amor de nós. são dEle, e que o nosso julgamento, com base na profissão
No "valor" daquele que morreu também se encontra a de fé verbal do homem e na natureza externa de sua vida,
resposta à pergunta: "Considerando que Cristo só perma- pode ser falho. Mas as Escrituras não conhecem tal impre-
neceu morto por três dias, como a Sua experiência poderia cisão. "Quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia,
ser comparada com a morte eterna que milhões experi- se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas
mentarão se não O aceitarem?" A morte que Cristo expe- sobre ele permanece a ira de Deus" (Jo. 3:36). Os homens
rimentou foi uma morte infinita, tanto no valor como na estão no pecado e Cristo morreu pelos seus pecados. Um
intensidade do sofrimento espiritual que o Filho de Deus homem está agora ou em Cristo pela fé, ou ainda no pecado
atravessou. Nós simplesmente não podemos compreender por causa da incredulidade. Não existe possibilidade de
o que significou para o perfeito Filho de Deus tornar-se meio-termo. Uma pessoa tem ou a vida ou a m o r t e ou
pecado por nós (2 Co. 5:21). vive na luz ou vive nas trevas; ou está salva ou está perdida
Há também a questão de se está certo dizermos que,
com a morte de Cristo, "Deus morreu". Robert J. Little des- Outras Implicações
taca, em resposta a tal pergunta, que Cristo "tomou-se ho-
mem com o fim de morrer, pois sem morrer como homem É na morte de Cristo que podemos ver claramente por-
não poderia ter libertado os homens da pena do pecado. . . que algumas idéias muito disseminadas sobre a Paternida-
Mas, quando Ele morreu, o Seu ser divino não morreu. E de Universal de Deus estão erradas. Freqüentemente, ao
quando morreu na qualidade de homem, foi apenas o Seu lado de uma relutância em traçar distinções, as pessoas
corpo que morreu. As Escrituras esclarecem bem que quan- que se apegam a tais idéias sugerem que todos os homens
do qualquer ser humano morre, é o seu corpo que morre. são filhos de Deus e que, portanto, quaisquer esforços para
A alma e o espírito continuam vivendo. Daí, quando Cristo "convertê-los" são u m despropósito. Mas, ainda que todos
morreu, não dizemos que Deus morreu, ainda que Aquele sejamos descendência de Deus pela criação (At. 17:28), não
64 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A MORTE DE CRISTO 65

somos filhos de Deus espiritualmente, pois se não fosse tendes a vida eterna, a vós outros que credes em o nome
assim a Expiação seria desnecessária. Jesus falou aspera- do Filho de Deus" (1 Jo. 5:13).
mente àqueles que se recusaram a reconhecê-Lo como Deus, A certeza não nos deve conduzir à indiferença e a um
dizendo: "Vós sois do diabo, que é vosso pai" (Jo. 8:44). fátuo convencimento, como tem acontecido a muitos. E ela
Por outro lado, "a todos quantos receberam, deu-lhes o deve também resultar erri alegria profunda e amor a Cristo
poder de serem feitos filhos de Deus" (Jo, 1:12). Não po- por causa do Seu amor por nós. Somos continuamente ad-
demos nos tornar o que já somos. vertidos: "Acaso não sabeis q u e . . . não sois de vós mes-
A morte de Cristo é que transforma o Evangelho em mos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glo-
boas novas e não em bons conselho.. Cristo não morreu rificai a Deus no vosso corpo" (1 Co. 6:19-20). A nova vida
por nós porque tivéssemos reconhecido a nossa necessida- que recebemos muda nossas atitudes, motivações, valores
de e clamado a Deus que nos ajudasse. "Mas Deus prova o e vontade. Somos incapazes de tais mudanças por nós mes-
Seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo mos, mas em Cristo tornamo-nos novas criaturas (2 Co.
morrido por nós, sendo nós ainda pecadores" (Rm. 5:8). 5:17). É por esse motivo que Paulo foi tão audacioso e tão
O Evangelho não é um livrinho de instruções de como inflexível em sustentar que a Igreja não acrescenta nada
nadar para alguém que está se afogando, mas o perdão e o à simples confiança como exigência para a salvação e nada
cancelamento da execução de uma sentença de morte para acrescenta depois, através da regulamentação legal para
um homem que não os merece. Nada há que possamos ou manter a salvação. O Evangelho não é Cristo "mais" algu-
devamos fazer para ganhá-los, exceto simplesmente aceitá- ma coisa por melhor que essa coisa seja mas é Cristo uni-
los como u m presente gratuito e, assim, alcançar a vida camente em Sua morte expiatória por nós
eterna.
Prova o Amor de Deus
A Base da Certeza
A Expiação também demonstra a natureza e o caráter
A Expiação é o que dá ao cristão a base da certeza do do amor de Deus. Vivemos em um mundo que está viva-
perdão do pecado e da eternidade no céu. Essa certeza não mente cônscio da dor, do sofrimento e da miséria humanos.
é uma presunção arrogante de que somos melhores do que Ninguém está interessado num Deus que seja indiferente
os outros, e sim, é a confiança, com base na própria Palavra e distante em relação às necessidades do homem, ou mesmo
de Deus, no que Cristo fez por nós morrendo na cruz. Na num Deus que possa salvar pecadores a distância. Na cruz
cruz, pouco antes de morrer, Jesus disse: "Está consuma- de Cristo, a afirmação "Deus é amor" concretiza-se. As pes-
do!" (Jo. 19:30). Por isso falamos da "obra consumada de soas crerão numa demonstração prática de amor mais do
Cristo". Com isso queremos dizer que nosso Senhor já fez que em alguém que lhes declare amor só com palavras. O
tudo o que era necessário para a nossa salvação. Continua- amor de Deus por nós não faz exceção. João diz: "Nisto
mos precisando de purificação diária e de perdão de peca- conhecemos o amor, em que Cristo deu a sua vida por nós"
dos, é claro, e os recebemos quando confessamos nossos (1 Jo. 3:16).
pecados (1 Jo. 1:9). Mas recebemos perdão com base no que Deus, em Cristo, envolveu-se nesta vida humana. Assu-
já foi realizado em nós — como filhos, e não como peca- miu responsabilidades e penetrou em suas tragédias. Final-
dores separados. Deus quer que tenhamos certeza de nossa mente assumiu a responsabilidade completa desta vida:
salvação. "Estas coisas vos escrevi a fim de saberdes que "Ele o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos
66 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ

justiça de Deus" (veja 2 Co. 5:21). Por meio da Expiação,


ficamos sabendo de maneira dramática que Deus não per-
manece indiferente à tragédia e ao sofrimento humanos.
A morte de Cristo, na sua realização objetiva e no seu
impacto subjetivo, é o fato central da história.

"Por nós, Tu deste a vida Capítulo 5


Morrendo sobre a cruz;
Qual nosso substituto
Sofreste Tu, Jesus. O HOMEM E O PECADO
Por isso Te cercamos
Com grata adoração; "O que é o homem?" Perguntou o salmista Davi, há
Perante Ti prostramos séculos atrás. É notável que essa continue sendo, também,
Corpo, alma e coração". a veemente pergunta do século XX, da Era Espacial. Seria
(C. C. n.° 45) o homem apenas um animal evoluído? Seria ele a somatória
de todas as reações químicas e físicas nele havidas? Ou
será mais do que isso?
À medida que o código genético vai sendo decifrado
e os aspectos eletrônicos do funcionamento do cérebro vão
sendo compreendidos, o problema vai se tornando cada
vez mais premente.
"Quem sou eu?" A penetrante pergunta da auto-identi-
ficação precisa ser respondida individualmente. Nossa res-
posta, quer a percebamos quer não, tem uma enorme in-
fluência sobre nosso modo de pensar e agir, nosso ponto
de vista e nosso modo de viver. Nunca foi tão importante
como hoje em dia para o cristão entender o que a Bíblia
diz sobre o homem, para assim ter uma âncora no mar das
especulações humanas.
LEITURA ADICIONAL -t- F• l A primeira pergunta a ser respondida é a da origem
DENNEY, James. The Death of Chnst. umcago: do homem. De onde veio? "No princípio criou Deus os céus
GrmTijnirm w jf WTiv the Cross London* Inter-Varsity Fellow- e a terra" (Gn. 1:1), diz a Bíblia, e "também disse Deus.
. , 1967' Façamos o homem à Nossa imagem, conforme a Nossa se-
MORRIS, Leon. The Apostolic Preactnng o melhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre
Tyndale Press, 1965. . . ,A ^ as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda
_ „ . The Cross in the New Testament. Grand Rapicis: i^er- a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.
dmans, 1964.
68 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ O HOMEM E O PECADO 63

Criou Deus, pois, o homem a Sua imagem, à imagem de tórica quanto nosso Senhor. Paulo declarou explicitamente
Deus o criou; homem e mulher os criou" (vs. 26 e 27). que Adão existiu realmente como indivíduo, sendo ele mes-
As Escrituras ensinam firmemente que nem o universo mo o protótipo do homem decaído (Rm. 5:12-21: 1 Co.
nem o próprio homem são produtos de um acaso cego. O 15:22). Nosso Senhor falou da criação do homem, confir-
homem, especialmente, é o resultado da deliberação cuida- mando a história do Gênesis (Mt. 19:4). Não há lugar para
dosa e proposital da parte dos membros da Divindade interpretações mitológicas ou alegóricas da veracidade his-
triuna. tórica da criação e conseqüente da queda de Adão.
Adão, o primeiro homem, foi criado à imagem de Deus. O homem era único e distinto do resto da criação. Devia
Adão é um nome próprio, mas o termo hebraico do qual também dominá-la e governá-la. Ele foi colocado no alto
se origina também tem o significado de "humanidade". No da escala dos seres viventes. A consciência do homem, sua
Velho Testamento foi freqüentemente usado nesse sentido. capacidade de raciocinar inteligentemente e, acima de tudo,
Deus disse: "Não é bom que o homem esteja só" e para o seu senso moral e espiritual, separa-o completamente de
complementá-lo fez uma mulher para ser a ajudadora de todas as outras criaturas. Nenhuma outra criatura além do
Adão (Gn. 2:18,22). homem foi jamais vista construindo uma capela.
"Pela fé entendemos que foi o universo formado pela
palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir Corpo, Alma e Espírito
das coisas que não aparecem" (Hb. 11:3). Em outras pala-
vras, Deus criou a matéria ex nihilo (do n a d a ) . Então, Ele Gênesis 2 dá-nos informações mais amplas sobre a
deu forma à matéria, criando os objetos inanimados, as criação do homem. "Então formou o Senhor Deus ao ho-
plantas e também animais e o homem. mem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego da
A Bíblia não declara como foram criados o homem e o vida, e o homem passou a ser alma vivente" (v. 7). Está
universo. Entretanto, ela afirma enfaticamente e sem am- claro que dois elementos foram envolvidos na criação do
bigüidade que Deus os criou. Em lugar nenhum a Bíblia homem. Um é "o pó da terra". O outro é "o fôlego da vida",
tenta provar a existência de Deus. Ela o menciona. Um cris- que foi dado por Deus. A união desses dois elementos torna
tão parte, desembaraçadamente, do ponto de que Deus exis- o homem um ser vivente.
te. Ele está convencido de que a vida, a morte e a ressurrei- O homem é, decididamente, algo mais do que a mera
ção de Cristo claramente comprovam tal fato. Tal suposição
substância. Mas, são os componentes do seu ser três (corpo,
não é ingênua ou antiintelectual, e devemos ter em mente
alma e espírito) ou dois (corpo e alma)? 0 Velho Testa-
que os incrédulos que rejeitam o ponto de vista bíblico
da Criação também partem de suposições e pressuposições mento não tem u m termo fixo para a parte imaterial da
sobre as quais baseiam suas declarações. Todos começam natureza do homem. Os termos "alma", "coração" e "espí-
de algum ponto còm uma suposição que não se pode provar rito" são usados como complementos da parte material.
no sentido científico. Para se comentar de maneira apro- Junto com a palavra "corpo", incluem o homem inteiro. O
veitável, rápida e atualizada as questões/ envolvidas veja salmista diz: "A minha alma tem sede de Ti; meu corpo
"The Creation of Matter Life and Man" de Addisón H. Te almeja" (Si. 63:1). Mas nem todas essas expressões bí-
Leitch. blicas indicam uma natureza dupla do homem. Outras sim-
plesmente falam de três aspectos do ser humano. "A minha
Também é importante entender que os escritores do alma s u s p i r a . . . pelos átrios do Senhor; o meu coração e a
Novo Testamento consideraram Adão uma pessoa tão his- minha carne exultam pelo Deus vivo" (SI. 84:2).
70 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ O HOMEM E O PECADO 71

Poderia a parte divina do homem ser considerada como A imgem de Deus no homem relaciona-se mais com a
dupla — isto é, alma e espírtto separadamente — ou como personalidade. O homem tem "uma personalidade livre,
uma? Hammond comenta: "Alma e espírito não devem consciente, racional e moral parecida com a de Deus — uma
certamente ser considerados como sinônimos na linguagem natureza capaz de distinguir o certo do errado, de escolher
bíblica. Mas, por outro lado, não costumam ser mantidos o certo e rejeitar o errado, e de subir às alturas espirituais
separadamente. Compare o Salmo 74:19 com Eclesiastes e ter comunhão com Deus" 31.
3:21; Mateus 10:28 com Lucas 23:46; Atos 2:27 com 7:59. O homem original era inteligente. Pôde dar nomes a
As referências apresentadas que sugerem divisão tripla são todos os animais quando lhe foram apresentados (Gn. 2:19,
1 Tessalonicenses 5:23; Hebreus 4:12; Lucas 1:46-477. . Mas 20). Tinha o poder de raciocinar e pensar. Ao falar, podia
aquelas que sugerem tal divisão admitem que alma e espí- ligar palavras e idéias. Tinha qualidades morais e espiri-
rito, no corpo, só podem ser separados no pensamento. tuais. Podia ter comunhão com Deus e a tinha, além do poder
Seria meJhor considerá-los como aspectos diferentes da de resistir ao mal moral ou de se entregar a ele. (Gn. 3).
mesma essência, e lembrar que, seja qual for a separação Sendo o homem criado à imagem de Deus, a vida hu-
feita com propósitos espirituais de explicação das escritu- mana não pode ser violada. Por isso Deus instituiu a pena
ras existe um substrato que é comum à alma e ao espí- capital (Gn. 9:6).
rito" ».
O novo homem foi renovado à imagem de Deus em
justiça (Ef. 4:23-24; Cl. 3:10). Essa "renovação" implica que
O Homen como Unidade o homem já foi uma vez moralmente semelhante a Deus,
mas tendo ele perdido essa semelhança volta a sê-lo. Ori-
Em qualquer caso, a Bíblia sempre encara o homem ginalmente o homem era santo e a inclinação básica de sua
como ur, idade, tanto material como imaterial. A Ressurrei- natureza era na direção de Deus. Ele não era neutro em
ção prova que o homem é essencialmente corpo como tam- relação a Deus, pois a criação do "novo homem" é conforme
bém é essencialmente alma e espírito. A noção de que o o padrão do original. Apesar disso, desde o começo o ho-
homem é uma alma prisioneira de um corpo é u m conceito mem tinha a liberdade de escolher o mal e, conseqüente-
grego, e não bíblico. mente, de pecar.
Ao mesmo tempo é importante perceber que o homem
O que significa o fato de o homem ter sido criado à ima- também era livre para não pecar. Ele não tinha a original
gem e semelhança de Deus? Certamente não significa que tendência interna para o pecado, como hoje nós temos.
ele tenha alguma semelhança física com Deus. As Escritu- Ainda que fosse suscetível à tentação, ele não se sentia
ras ensinam claramente que Deus é um Espírito e não tem compelido ou impeiido a pecar. Adão escolheu fazê-lo de-
partes físicas como o homem (Jo. 4:24). A Bíblia usa ex- liberadamente, como um ato praticado em liberdade. Nas
pressões antropomórficas, tais como "a mão de Deus", ape- palavras da famosa frase, o homem não era incapaz de
nas para acomodar nossa incapacidade- humana de pensar pecar; ele era capaz de não pecar.
em termos diferentes. A forte proibição de o homem repre-
sentar Deus por meio de imagens esculpidas foi feita porque Imagem Vs. SSmelhança
ninguém jamais viu Deus e, portanto, não poderia saber
qual a Sua aparência. Nada na terra poderia representá-Lo Os católicos romanos e alguns outros fazem distinção
(Dt. 4:15-23; Ex. 20:4), entre "imagem" e "semelhança" porque as duas palavras
72 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ O HOMEM E O PECADO 73

são usadas em Gênesis 1:26. Eles sugerem que a imagem de Deus tornou-se arredio para com o homem. Agora Ele lida
Deus no homem só está na sua personalidade, e que a com os seres humanos apenas através dos deuses menos
semelhanaa de Deus é um dom sobrenatural dado por Deus importantes. Todas essas idéias parecem ser ecos e refle-
ao homem na criação — isto é, "uma justiça original e xos — distorcidos, diluídos ou mutilados com o passar do
perfeita autodeterminação diante de Deus que poderiam tempo — do acontecimento claramente descrito na Bíblia
ser, como realmente foram, perdidas na Queda. A imagem, (Gn. 3), ao qual nós damos o nome de Queda.
por outro lado, consiste no que o homem possui por natu-
reza, isto é, sua vontade livre, natureza racional e domínio Responsabilidade Pessoal
sobre os animais do mundo, que não podiam ser perdidos
mesmo na Queda. Isso significaria que a Queda destruiu o
O pecado de Adão e Eva, como já vimos, foi uma ques-
que era originalmente sobrenatural no homem, mas deixou
tão de responsabilidade pessoal. Eles não tinham naturezas
intacta sua natureza e a imagem de Deus e também o seu
pecadoras como nós temos, por isso a tentação para pecar
livre arbítrio" 32.
deve ter vindo de fora. A Bíblia descreve essa fonte como
Tal distinção, entretanto, não tem origem nas Escri- "a serpente" (Gn. 3:1), um termo biblicamente identificado
turas. A palavra "imagem" foi usada em Gênesis 1:27, só com Satanás (Ap. 12:9). A Queda realmente explica como
para descrever o significado dos dois termos juntos no o pecado penetrou na raça humana, mais do que como o
versículo 26. Em uma construção parecida em outro lugar mal entrou no mundo.
(Gn. 5:1), a palavra "semelhança" foi usada isoladamente. A resposta definitiva à profunda questão da origem do
Se as coisas tivessem permanecido como eram na cria- pecado está envolvida nos mistérios dos conselhos de Deus.
ção original, tudo estaria bem. O pecado e a morte, com Por que Deus não evitou que o mal penetrasse no universo,
suas conseqüências desastrosas para a raça humana, jamais já que sabia de antemão o que aconteceria? Por que não
surgiriam se Adão e Eva tivessem preferido obedecer em criou Ele o homem incapaz de pecar? Ele bem que poderia
lugar de desobedecer, fazendo valer sua vontade contra a tê-lo feito, mas se o fizesse, não seríamos seres humanos
de Deus. Mas eles se colocaram contra Deus e a sua rebel- com livre arbítrio. Seríamos robôs, ou bonecos falantes que
dia desencadeou uma tragédia gigantesca para todos os seus sempre falam a mesma palavra quando alguém puxa a cor-
descendentes. dinha, ou aperta u m botão.
É significativo e intensamente interessante que a maio- Ainda que não tenhamos a resposta final para a origem
ria, se não todas as tradições religiosas primitivas, tem de do pecado, Deus sabia o que ia acontecer e, como alguém
uma ou de outra forma, uma crença em tal cataclismo. A já disse, "valeu a pena arriscar". C. S. Lewis observa que
Queda alterou permanentemente o que era antes u m rela- é inútil especular indefinidamente sobre a origem, do mal.
cionamento idílico entre Deus e o homem. Geralmente con- Entretanto, todos nós enfrentamos o mal como um fato,
sidera-se o homem em íntima comunhão com o seu Criador. e o todo do programa redentor de Deus relaciona-se com
Mas, desde que ele o ofendeu, tem sofrido o desagrado de o combate ao mal. Deus não é o Autor do pecado. Se nossos
Deus como também as conseqüências da própria perda des- primeiros pais não Lhe tivessem desobedecido, o pecado
sa comunhão que resultou na sua alienação. Mesmo nas jamais teria entrado na raça humana.
primitivas sociedades animistas, que adoram muitos deuses, As diversas facetas do pecado estão claras na progres-
há uma crença em u m Deus superior que é o Criador. são descrita em Gênesis 3. Adão e Eva foram tenta-
Desde o término dessa era dourada de íntimo contato, esse dos, em primeiro lugar, a duvidaeem da Palavra de Deus
74 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ O HOMEM E O PECADO 75

("É assim que Deus disse?"), depois foram levados a des- ciona com ele seja totalmente mau. Sua depravação é total
crerem dela ("É certo que não morrereis") e finalmente a também pelo fato de que, sem a graça de Deus, o homem
desobedecerem à mesma (" . . .a mulher. . . c o m e u . . . e (ele) está perdido para sempre.
comeu"). A tragédia da Queda atingiu outros que não só Adão
Os resultados da desobediência do homem foram ime- e Eva. Alcançou toda a raça humana em seus efeitos. "Por-
diatos e óbvios — a separação de Deus e a consciência de tanto, assim como por ura só homem entrou o pecado no
pecado. A maldição que Deus pronunciou envolvia, para a mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte pas-
humanidade, tanto a morte física como a espiritual, traba- sou a todos os homens, porque todos pecaram" (Rm. 5:12).
lho físico árduo e sofrimento. A queda do homem envolveu Os homens defendem três tipos de opiniões sobre os
também toda a natureza (Rm. 8:21-22). efeitos da Queda na raça humana.
Como resultado da Queda, a imagem de Deus no ho- 1. Pelagio, o monge bretão, disse que todos os ho-
mem foi terrivelmente desvirtuada tanto na dimensão mo- mens podem ficar livres do pecado se escolherem viver
ral como na natural. O homem perdeu a sua natural incli- assim, e que alguns homens o conseguiram. Pelagio arra-
nação para Deus e tornou-se uma criatura pervertida, in- zoava dizendo que, uma vez que u m homem pode viver
clinada a afastar-se do seu Criador. Sua personalidade foi livre do pecado, deve ter nascido, no mundo, livre do pe-
tristemente distorcida. Seu intelecto foi tolhido, suas emo- cado. Conseqüentemente, o pecado de Adão deve ter afeta-
ções corrompidas, e sua vontade escravizada. Perdeu a sua do apenas a Adão. Em outras palavras, Pelagio negava "o
verdadeira humanidade. Os homens falam que o homem pecado original". Avançando mais em sua linha de pensa-
está "evoluindo" de uma condição primitiva, mas a Bíblia mento, ele assegurava que o homem não precisa de ajuda
(Rm. 1:18-32) descreve vividamente sua regressão e não a sobrenatural para viver uma vida justa. Entretanto, Pela-
sua evolução. gio reconhecia a força do hábito do pecado e o seu exemplo
prejudicial sobre os demais.
"Depravação Total" 2. Agostinho, o grande bispo da África do Norte, le-
vantou-se para combater o ponto de vista herético de Pe-
O resultado foi a "depravação total". Essa expressão lagio, e é com o seu nome que a segunda opinião sobre a
da condição humana depois da Queda tem sido muito mal Queda se relaciona. Agostinho insistia em que Adão trans-
interpretada, resultando que a posição dos cristãos em re- mitiu à sua posteridade, por causa da unidade da raça
lação à natureza pecadora do homem tem sido às vezes ca- humana, tanto a sua culpa como a corrupção que lhe per-
ricaturizada injustamente. A doutrina da depravação "ja- tencia. A natureza que o homem agora possui, dizia Agos-
mais teve a intenção de transmitir a idéia de que o homem tinho, é como a natureza corrupta de Adão. O homem per-
é mau até o extremo e que todos os traços de retidão moral deu a sua liberdade de não pecar. Ele está livre para seguir
foram perdidos no homem decaído. 'Depravação total' pre- os desejos de sua natureza mas considerando que a sua
tende indicar que o princípio do m a l . . . invadiu todas as natureza é corrupta por si mesma, ele só tem liberdade de
partes da natureza humana, que não existe nenhuma parte fazer o mal. Agostinho usava a expressão "a vontade é
dela que possa, agora, praticar atos de justiça ou pensar livre, mas não libertada". Conquanto tenha livre escolha
a não ser pensamentos justos" 33. Em outras palavras, o homem só escolhe o caminho errado.
a total depravação do homem significa que todos os setores 3. Os católicos romanos mantêm uma posição de
de sua vida estão corrompidos — não que tudo que se rela- meio-termo chamada semipelagianismo — que na Queda
T6 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ O HOMEM E O PECADO 77

o homem perdeu o dom sobrenatural da justiça que não Adão, Nosso Representante
lhe pertencia por natureza de qualquer forma, mas lhe fora
adicionada por Deus. Na Queda, o homem voltou ao seu A Bíblia ensina claramente que Adão foi o nosso re-
estado natural, sem essa justiça que Deus lhe dera. Por- presentante quando pecou (Rm. 5:12-19). Adão nos repre-
tanto ele é apenas meio doente. O homem, de acordo com sentou da mesma forma que o nosso governo nos repre-
este ponto de vista, continua possuindo um dom especial senta, nos afeta e nos envolve quando declara guerra, por
do Espírito que é suficiente para capacitá-lo a praticar a exemplo. Como resultado do pecado de Adão, todos os que
justiça se permitir que a sua vontade coopere com o Espí- estavam em Adão morreram. Isso inclui cada um de nós.
rito de Deus. Temos a tendência de pensar que as coisas poderiam ter
se desenrolado de maneira diferente se estivéssemos no
As Escrituras são explícitas ao declarar que, mesmo lugar de Adão. Mas cada u m de nós, agindo da mesma
havendo uma diferença entre o grau de pecado de cada forma que Adão, ratifica a decisão de nossos primeiros pais
homem, não existe diferença no fato do pecado (veja Rm. ao se rebelarem e desobedecerem a Deus. Quem pode de-
3:9, 10, 22, 23; Is. 53:6). O mundo inteiro está sob julga- clarar que nunca pecou? É por isso que, hoje, somos jus-
mento (Rm. 3:19), e estando todos os homens separados tamente condenados não apenas pelo pecado de Adão mas
de Cristo, são rebeldes contra Deus, "filhos da desobe- pelos nossos próprios pecados.
diência", sujeitos à Sua ira (Ef. 2:2-4). Mas os crentes também estão representados em Cristo.
A história e a experiência dão testemunho da univer- A Bíblia ensina que, tal corno todos morreram em Adão,
assim nEle todos (os crentes) viverão (Rm. 5:19). A glória
salidade do pecado. O ponto de vista agostiniano é o que do Evangelho é que Deus fez algo por nós em Cristo, algo
mais se aproxima da Bíblia — que o homem herda uma que nós não poderíamos fazer por nós mesmos. Recebendo
tendência para pecar, a qual, até certo ponto, sempre se a culpa do pecado original de Adão, herdamos uma natu-
manifesta. "Viu o Senhor que a maldade do homem se reza corrupta. Por meio de Cristo, o segundo Adão, herda-
havia multiplicado na terra, e que era continuamente mau mos uma nova natureza. De Adão recebemos pecado e culpa.
todo desígnio do seu c o r a ç ã o . . . é mau o desígnio íntimo De Cristo recebemos perdão e justiça.
do homem desde a sua mocidade" (Gn. 6:5; 8:21). Quando O pecado, é importante entender, não começa com atos
Davi disse: "Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me con- públicos, nem se limita aos mesmos. As atitudes procedem
cebeu minha mãe" (Si. 51:5), não falava do ato da concep- de um coração e mente corruptos. Em outras palavras, nós
ção em si, mas à tendência herdada para pecar que se não somos pecadores porque pecamos e sim, pecamos por-
transmite através da concepção. que somos pecadores. Uma macieira não é uma macieira
porque produz maçãs; ela produz maçãs porque tem a
Qualquer pessoa que tenha filhos reconhece claramen- natureza de uma macieira, Os pecados são os atos (ou as
te que o egocentrismo se evidencia neles desde a mais maçãs); o pecado inserido em nossa natureza corrupta
tenra idade. Não é preciso ensinar uma criança a ser egoís- (como a natureza de uma macieira).
ta. Em geral os pais crentes despendem muito esforço na Através de Cristo, além de sermos perdoados de nossos
tentativa de acabar com essa tendência. O único homem pecados individuais, recebemos também uma nova natureza.
que realmente escapou dessa tendência para o pecado foi A solução do Evangelho é radical, não é uma simples refor-
o próprio Senhor Jesus. ma exterior. Alguém já disse: "Cristo coloca u m homem
78 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ O HOMEM E O PECADO *79

novo dentro da roupa •—• não apenas uma nova roupa sobre imaginemos que a pessoa junto ao Mar Morto represente
o homem". Quando o próprio homem é mudado, sua roupa a escória da sociedade e o tipo de vida que tais pessoas
(suas atitudes particulares) também terá a tendência de vivem. A pessoa em São Paulo é o "homem comum", e
mudar. aquele lá no Monte Everest é a melhor de todas as pessoas
que você possa imaginar. A enorme diferença de altitude
Por que Somos Responsáveis ou elevação, entre eles, é apenas aparente. Suponhamos que
o padrão divino de santidade seja representado pela dis-
Mas, como podemos ser responsáveis por sermos pe- tância da Terra até a Lua. Recentemente tivemos uma opor-
cadores se Deus nos deu já no princípio uma vida sem es- tunidade de ver, na televisão, como o Monte Everest e o
peranças? Como pode Ele nos condenar? A resposta é dupla. Vale do Mar Morto se parecem, visto da Lua. São ambos
Em primeiro lugar, como já vimos, participamos do peca- iguais!
do de Adão. Mas além disso, Deus fez uma provisão com- Do nosso ponto de vista humano, existe grande dife-
pleta, mediante o sacrifício de Cristo, para escaparmos do rença nos pecados dos homens, mas — contrastando com
juízo. As Escrituras enfatizam a capacidade do homem de a infinita santidade de Deus — todos os homens estão
aceitar Cristo se quiser. Como Jesus disse a Nicodemos: igualmente perdidos.
"O julgamento é este. Que a luz veio ao mundo, e os ho-
mens amaram mais as trevas do que a luz" (Jo. 3:19). Já O Pecado Está em Oposição a Deus
se disse que a entrada no inferno está guardada por uma
cruz. Ninguém entra no inferno sem passar por ela. Era O pecado é sempre cometido, em primeiro lugar, con-
outras palavras, no Calvário, Deus fez tudo o que é neces- tra Deus. É mais do que mero egocentrismo. Davi, mesmo
sário para evitar que o homem fosse julgado. Se recusa tendo seduzido Bate-Seba e mandado matar Urias o marido
a provisão divina, o próprio homem tem de assumir a dela, exclamou: "Pequei contra Ti, contra Ti somente, e
responsabilidade do juízo. fiz o que é mal perante os Teus olhos" (Si. 51:4).
Mas não é verdade, perguntam as pessoas, que os ho- A Bíblia define o pecado de diversos modos, como
mens não são todos igualmente maus? É claro que é ver- "transgressão da lei" (1 Jo. 3:4), errar o alvo (Rm. 3:23)
dade. Que "todos pecaram" não implica que todos sejam e deixar de praticar o bem que devemos praticar (Tg. 4:17).
tão maus como poderiam ser. Mas era relação ao padrão O pecado tem dois aspectos, um ativo e aparente (trans-
divino de santidade, todos estão em falta. Você provavel- gressão da lei) e outro passivo (deixar de praticar o bem).
mente conhece pessoas honestas, delicadas e justas que Há pecados de comissão e pecados de omissão. O Livro de
nem se podem comparar com elementos marginais, ou com Oração Comum resume de maneira adequada, na sua Con-
criminosos cheios de vícios que se encontram por trás das fissão Geral: "Fizemos o que não devíamos ter feito e dei-
grades das prisões. Humanamente falando^ são grandes di- xamos de fazer aquilo que deveríamos ter feito".
ferenças. O primeiro pecado foi o protótipo de todos os outros
Vamos supor, por exemplo, que uma pessoa esteja pecados. A gravidade do primeiro pecado jaz no fato de que
junto ao Mar Morto, na Palestina, 300 metros aproximada- Adão e Eva transgrediram uma ordem divina que era um
mente, abaixo do nível do mar; outra esteja em São Paulo, sinal de Sua autoridade, bondade, sabedoria, justiça, fide-
a uns 500 metros de altitude; outra no alto do Monte Eve- lidade e graça. Na sua transgressão, eles rejeitaram Sua
rest, no Himalaia, a mais de 8.000 metros de altura. Agora autoridade, duvidaram de Sua bondade, contestaram Sua
99 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ O HOMEM E O PECADO 81

sabedoria, repudiaram Sua justiça, negaram Sua veraci- o futuro julgamento repousa sobre a suposição de que a
dade e desprezaram Sua graça. Naquela ocasião, e agora, alma sobrevive após a morte. " . . . aos homens está orde-
o pecado é o oposto à perfeição de Deus 34. nado morrerem uma só vez, e, depois disto, o juízo" (Hb.
A seriedade do pecado baseia-se na alienação humana 9:27; Rm. 2:5-11; 2 Co. 5:10).
e na interrupção da comunhão com Deus. Trouxe conse- A Ressurreição se aplica não somente àqueles que res-
qüências desastrosas para Adão, e à humanidade e à so- suscitarão para ficar eternamente com Cristo (1 Ts. 4:16),
ciedade em geral. O problema fundamental do mundo, hoje, mas também aos que não foram justificados, que ressusci-
não é a ignorância ou a pobreza, por maiores que sejam. tarão para o juízo. Jesus disse com clareza: " . . .vem a hora
O problema fundamental é o pecado. O homem está afas- em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a Sua
tado de Deus e, portanto, é egocêntrico. A tensão entre os voz e sairão; os que tiverem feito o bem, para a ressurrei-
grupos raciais, as classes sociais e as nações nada mais são ção da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a res-
do que a manifestação desse egocentrismo do indivíduo surreição do juízo" (Jo. 5:28-29).
imensamente ampliado, abrangendo todos os homens. A verdade solene de que existimos para sempre torna
imperativo que dediquemos algum tempo a pensar sobre a
As Boas Novas nossa natureza, condição e destino enquanto ainda somos
capazes de fazer aquilo que é preciso.
Se nenhum poder é suficientemente forte para mudai Em resposta à pergunta "Quem sou eu?" a Bíblia res-
a natureza humana, não há esperanças para o homem. Mas ponde claramente que cada u m de nós é uma personalidade
as boas novas do Evangelho consistem nisso -— há esse criada propositadamente por Deus à Sua própria imagem.
poder em Cristo. "Mas onde abundou o pecado, superabun- Ela ensina que temos significado eterno e que nossas almas
dou a graça" (Rm. 5:20). valem mais do que o mundo inteiro (Mc. 8:36). O próprio
Sem entendermos o que a Bíblia ensina a respeito da Deus diz que tem u m plano e u m propósito para cada um
natureza do homem na criação e os devastadores efeitos de nós, que somos moralmente responsáveis diante dEle e
da Queda, não podemos entender a grandeza da graça de que podemos atender pela fé. Cada u m tem um destino
Deus. Muitos problemas quanto à compreensão da graça eterno —- ou na Sua presença eternamente, ou eternamente
de Deus partem de uma visão ampliada do homem e do separado dEle.
seu caráter e de uma visão mirrada de Deus e da Sua san- A Bíblia é o livro mais realista que já foi escrito. Além
tidade. de descrever Deus como realmente é, descreve-nos também
Este assunto é uma questão de vida e morte. O homem a nós como na realidade somos. Dá-nos uma visão clara de
não vive nem morre como um animal. A morte não finaliza nossa própria natureza e destino, e o da raça humana.
a existência do homem. A alma e o espírito sobrevivem ao
corpo. O próprio Jesus falou claramente dessa continua- LEITURA ADICIONAL
ção da existência para salvos e perdidos. "Eu sou a ressur- LAIDLAW, J. The Bible Doctrine of Man. Edinburgh: T. & T.
reição e a vida. Quem crê em Mim, ainda que morra, viverá; LEITCH, Addison H. The Creation ot Matter, Life, and Man, o
e todo o que vive e crê em Mim, não morrerá, eternamente". quinto da série "Fundamentais of the Faith". Washington:
(Jo. 11:25-26). Na história do rico e Lázaro (Lc. 16:19,31), Christianity Today, Sept. 16. 1966.
Cristo claramente ensinou a continuação da existência dos Tmth íqfvT knnstian vtew of Man. London: Banner of
injustos. Todo o ensinamento do Novo Testamento sobre OKK, James. Crocls Image m Man. Grand Rapids: Eerdmans, 1948.
O ESPÍRITO SANTO 83

de vir. Ele Me glorificará porque há de receber do que é


Meu, e vo-lo há de anunciar" (Jo. 16:13-14).
V
Símbolos Impessoais

Alguns dos nomes e símbolos pelos quais é conhecido


o Espírito Santo podem dar a idéia de que Ele não é um
Capítulo 6 ser pessoal. As palavras hebraica e grega que se traduzem
por "espírito" significam, basicamente, "sopro" ou "vento".
Além disso, os símbolos usados nas Escrituras para
O ESPIRITO SANTO descrever a influência do Espírito incluem óleo, fogo e água
— todos impessoais. Num estudo superficial, esses símbo-
Das três pessoas da Divindade — Pai, Filho e Espírito los poderiam dar a entender que o Espírito é uma simples
Santo —• parece que o Espírito Santo é o menos conhecido influência. Mas o Pai e o Filho são descritos de maneira
e o menos compreendido hoje em dia. Entretanto é Aquele figurativa semelhante — luz, pão da vida, água viva, etc.
que está mais vital e intimamente envolvido em nossa con- Entretanto, quando falamos da personalidade do Espí-
versão e nascimento na família de Deus, como também no rito Santo, devemos nos lembrar do significado deste ter-
desenvolvimento posterior de nossas vidas cristãs. O co- mo quando aplicado a Deus. Como já observamos, Deus
nhecimento e o relacionamento íntimo com o Espírito Santo não foi feito à imagem do homem, mas o homem à imagem
dá-nos poder, alegria e esperança. Quando O negligencia- de Deus. "Personalidade" não é um termo perfeito para
mos por ignorância ou indiferença, asseguramos para nós se usar relacionando-se com Deus, mas descreve a natureza
pobreza espiritual. do Espírito.
É de grande importância que tenhamos bem claro em É confortante saber que o Espírito Santo é uma men-
nossas mentes que Deus, o Espírito Santo, é tão pessoa te, tem sentimentos e vontade, tal como Deus Pai. Ele é
quanto Deus, o Pai, e Deus, o Filho. Muitos cristãos incli- uma pessoa nesse sentido.
nam-se a falar dEle como de uma "coisa" impessoal. Dão a É impossível explicar muitas referências bíblicas feitas
impressão de que o Espírito Santo não passa de uma in- ao Espírito Santo sem levar em consideração o fato de que
fluência. Talvez isso se deva parcialmente ao fato de usar- Ele é igual, em Sua natureza pessoal, ao Pai e ao Filho.
mos o termo "espírito" com tal sentido, quando conversa- Jesus apresentou alguns de seus mais claros ensina-
mos informalmente. Falamos do "espírito" dos tempos ou mentos bíblicos sobre o Espírito Santo. Chamou o Espírito
dizems que "havia um espírito de expectativa na multidão de Confortador, ou Conselheiro, "a Quem o Pai enviará em
que aguardava a chegada do Presidente". Meu nome, Esse vos ensinará todas as coisas e vos fará
O mal-entendido pode também brotar parcialmente do lembrar de tudo o que vos tenho dito" (Jo. 14:26). Esses
fato de que a obra do Espírito Santo não é tão visivelmente títulos implicam claramente uma personalidade. Os termos
destacada como a do Pai e do Filho. Sua obra não é nunca "Confortador" ou "Conselheiro" dão idéia de uma pessoa,
de chamar a atenção para Si mesmo. Jesus, ao falar do dom tal como u m advogado, ou alguém que se chama para
do Espírito, disse: " . . .não falará por Si mesmo, mas dirá ajudar. Obviamente, aconselhar e confortar não seria viável
tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas que hão se o Espírito fosse uma mera influência impessoal-
84 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ
O E S P Í R I T O SANTO 85

Em Jo. 16:7, como na referência anterior, a ênfase foi a todas as coisas p e r s c r u t a . . . as coisas de Deus ninguém
colocada sobre o fato de que Cristo ia partir e que o Espí- as conhece, senão o Espírito de Deus" (1 Co. 2:10-11). Ele
rito Santo seria mandado pelo Pai para substituir o próprio distribui dons espirituais "como lhe apraz, a cada um, indi-
Senhor. Essa mudança, disse Jesus, seria benéfica para vidualmente" (1 Co. 12:11). Nenhuma dessas palavras po-
Seus discípulos. Uma força impessoal dificilmente poderia deria ser usada se se tratasse de uma simples influência.
acrescentar algo à presença pessoal de Jesus Cristo.
Repetidas vezes (Jo. 16:7-15) Jesus usou o pronome Identificado com os Crentes
pessoal masculino "Ele" referindo-se ao Espírito. A palavra
grega que é traduzida para "espírito" e que é a mesma que O Espírito Santo identifica-se com o pensamento dos
foi usada para "sopro", é do gênero neutro. Jesus, entre- crentes. No Concilio de Jerusalém os discípulos declararam:
tanto, usou o pronome masculino deliberadamente, com a "Pois pareceu bem ao Espírito e a nós" (veja At. 15:28).
intenção de indicar a personalidade do Espírito e Sua inti-
O Espírito não é apenas uma pessoa — Ele é a Divin-
midade com Ele. dade. Foi especificamente chamado de "Deus" no incidente
Mesmo que o Espírito Santo não seja mencionado com com Ananias (At. 5:4). Paulo diz: "Ora o Senhor é o Espí-
o Pai e o Filho nas saudações do Novo Testamento (1 Co. rito" (2 Co. 3:17; veja v. 18) e, em outro lugar, " . . . s o i s
1:3; Gl. 1:3, e t c ) , foi mencionado na fórmula do batismo. santuário de Deus, . . . o Espírito de Deus habita em vós"
O Senhor disse aos discípulos: "Ide, portanto, fazei discí- (1 Co. 3:16).
pulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e Nosso Senhor diz que a blasfêmia contra o Espírito
do Filho e do Espírito Santo" (Mt. 28:19). O Espírito tam- Santo é pior do que a blasfêmia contra o Filho do Homem.
bém foi incluído na bênção apostólica de Paulo: "A graça Isso só pode significar que a blasfêmia contra o Espírito
do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão difama e desacredita a Deus.
do Espírito Santo sejam cora todos vós" (2 Co. 13:14). A
associação do Espírito Santo com as outras duas Pessoas O Espírito Santo possui atributos que pertencem ape-
da Trindade também aparece em 1 Pedro 1:1-2 e em Judas nas à Divindade. Ele é eterno. " . . . Cristo que, pelo Espírito
20-21. eterno, a Si mesmo se ofereceu" (Hb. 9:14). Ele é onipre-
sente. "Para onde me ausentarei do teu Espírito? Pará onde
Podemos, pois, tratar o Espírito como uma pessoa. fugirei da tua face?" (SI. 139:7-10). Ele é o "Espírito da
Ananias caiu morto porque mentiu ao Espírito Santo (At. vida" (Rm. 8:2) e o "Espírito da verdade" (Jo. 16:13).
5:3). O Espírito pode ser entristecido (Ef. 4:30) e pode-se
pecar contra Ele com blasfêmia imperdoável^ (Mc. 3:29). O Espírito faz a obra de Deus. Participou da obra da
Nenhuma dessas coisas seria pertinente a uma força criação. "... o Espírito de Deus pairava por sobre as águas"
impessoal. (Gn. 1:2). Toma parte no processo da regeneração do ho-
mem, o novo nascimento. "Assim é todo o que é nascido
O Espírito Santo faz coisas que só uma pessoa poderia do Espírito" (Jo. 3:8). Jesus expulsou demônios pelo Espí-
fazer. Ele fala: "Então disse o Espírito a Filipe: Aproxima- rito, " . . . e u expulso os demônios, pelo Espírito de Deus"
te" (At. 8:29). Ele age: "O Meu Espírito não agirá para (Mt. 12:28). O Espírito Santo participou da ressurreição.
sempre no homem" (Gn. 6:3). "Também o Espírito, se- "Se habita em vós o Espírito dAquele que ressuscitou a
melhantemente, nos assiste em nossa fraqueza... (e) inter- Jesus dentre os mortos, Esse m e s m o . . . vivificará também
cede por nós" (Rm. 8:26). Ele revela, perscruaa e conhece. os vossos corpos mortais, por meio do Seu Espírito que
"Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito em vós habita" (Rm. 8:11).
O E S P Í R I T O SANTO 87
86 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ

O Novo Testamento cita muitas passagens do Velho cheio do Espírito para trabalhar em prata, ouro e bronze
Testamento nas quais Jeová, o Senhor, é quem fala. No no Tabernáculo (Ex. 31:3-5).
Novo Testamento, tais passagens são freqüentemente atri- 3. A obra do Espírito inspirou os profetas. Costu-
buídas ao Espírito Santo. Como, por exemplo, quando mavam iniciar sua mensagem com a expressão: "Assim diz
Isaías ouviu a voz do Senhor, dizendo: "Ouvi, ouvi, e não o Senhor". Às vezes, entretanto, também atribuíam a sua
entendais" (Is. 6:8-9). Mas Paulo disse: "Bem falou o Espí- mensagem ao Espírito Santo. "Então entrou em mim o Es-
rito Santo a vossos pais, por intermédio do profeta Isaías, pírito, quando falava comigo, e me pôs em pé" (Ez. 2:2).
quando disse. . . De ouvido ouvireis, e não entendereis" E Moisés exclamou. "Tens tu ciúmes de mim? Oxalá todo
(At. 28:25-26). o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhes desse
Exatamente como a verdade da Trindade é veladamen- o Seu Espírito!" (Nm. 11:29).
te apresentada no Velho Testamento, mas aguarda sua ex-
pressão total no Novo, assim a verdade sobre o Espírito Vida Moral
Santo. Sua personalidade e divindade é evidente no Velho
Testamento, mas a expressão total de Sua atividade só foi 4. A obra do Espírito Santo produzia vida moral.
apresentada no Novo Testamento. Não há nenhum conflito Davi, na agonia do arrependimento pelo seu duplo pecado
com o Velho Testamento, mas o quadro do Novo Testa- de adultério e assassinato, rogou a Deus que criasse nele
mento é muito mais completo. um coração puro, e orou. " N ã o . . . me retires o Teu Santo
Espírito" (Si. 51:11). O Espírito, Davi sabia, é bom, e leva
os homens a fazerem a vontade de Deus (SI. 143:10). Por
O Ensinamento do Velho Testamento causa da presença do Espírito de Deus, de quem Davi sentia
ser inescapável, rogou que o seu coração fosse perscrutado
e indubitavelmente orientado nos caminhos eternos (Si.
Cinco aspectos diferentes da obra do Espírito discer-
139:7 23-24).
nem-se no Velho Testamento 36.
1. A obra do Espírito na criação do universo e do 5. A obra do Espírito profetizou a vinda do Messias.
homem (Gn. 1:2). "O Espírito de Deus me fez; e o sopro As referências que anteciparam a vinda de Cristo são de
do Todo-poderoso me dá vida" (Jó 33:4). dois tipos. As primeiras profetizavam a habitação direta do
2. A obra do Espírito equipando homens para o ser- Espírito em uma figura messiânica. "O Espírito do Senhor
viço. Concedeu poder aos juizes e soldados. Como, por está sobre Mim, porque o Senhor me ungiu, para pregar
exemplo, "Então o Espírito do Senhor de tal maneira se boas-novas" (Is. 61:1). Jesus leu essa passagem na sinagoga
apossou dele (de S a n s ã o ) . . . " (Jz. 14:6). Os israelitas cla- em Nazaré e proferiu palavras eletrizantes: "Hoje se cum-
maram a Deus e Ele lhes concedeu Otniel, e "veio sobre ele priu a Escritura que acabais de ouvir" (Lc. 4:18; 4:21; Is.
o Espírito do Senhor.. . (e) saiu à peleja" (Jz. 3:10). 9:2-9; 42).
Quando o Espírito do Senhor vinha sobre as pessoas dessa A segunda maneira pela qual o Espírito antecipou a
maneira particular, não transformava necessariamente o seu vinda de Cristo foi a maneira geral de falar sobre o povo
caráter moral. da nova aliança de Deus. "Dar-vos-ei coração novo, e porei
dentro em vós espírito novo" (Ez. 36:26; v. 27). Ambas as
Sabedoria e capacidade para trabalhos particulares, in-
profecias e a compreensível promessa de Joel falam do Es-
cluindo os que não eram de natureza espiritual, foram con-
pírito sendo dado a todas as classes de pessoas. "E aconte-
cedidas a diversos indivíduos pelo Espírito. Bezalel foi
88 SAIBA O QUE VOCÊS CRÊ O E S P I R I T O SANTO 89

cerá depois que derramarei o Meu Espírito sobre toda a mente verdadeira que se "alguém não tem o Espírito de
carne" (Jl. 2:28-29). Cristo, esse tal não é dEle" (Rm. 8:9).
J As palavras de nosso Senhor aos discípulos com rela-
Prepara para uma Tarefa ção a esse assunto são instrutivas. "Ele (o Espírito) habita
convosco e estará em vós" (Jo. 14:17). Do mesmo modo
Os mais antigos ensinamentos do Velho Testamento como tinha havido uma discordância dentro da Igreja, du-
sobre o Espírito Santo enfatizavam a vinda do Espírito para rante a controvérsia ariana, a respeito da Trindade, e sobre
preparar uma pessoa para a realização de certa tarefa. As se o Filho de Deus existira eternamente ou era a primeira
Escrituras sugerem que devido a essa concessão do Espí- das criaturas de Deus, assim também tinha havido conflito
rito, os homens se tornam mais cônscios de sua íntima em relação ao Espírito Santo. No Credo Niceno Ele é cha-
necessidade da ajuda de Deus para serem bastante puros mado: "O Senhor, o Doador da Vida, que procede do Pai,
moralmente a fim de servirem ao Senhor. Mais tarde, ainda aquele que com o Pai e o Filho juntamente é adorado e
no período do Velho Testamento, há mestres que percebem glorificado". Essa fórmula foi finalmente adotada pelo Con-
uma consciência da parte dos crentes, que o governo hu- cilio de Calcedônia em 451 A.D.
mano de Israel jamais teria tido sucesso em realizar os
propósitos de Jeová, e uma crescente percepção de que, no Froceaencia e iteração
devido tempo, o Espírito seria dado a todo o povo de
Deus 36. A frase "procede do Pai", utilizada naquele Credo, foi
Rápidas visões da pessoa e da obra do Espírito Santo tirada do Evangelho de João. "Quando, porém, vier o Con-
no Velho Testamento são numerosas e claras. Entretanto, solador, que Eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da
verdade, que dEle procede, Esse dará testemunho de Mim"
o período do Velho Testamento não poderia ser chamado
(15:26). Essa e outras declarações (veja Jo. 16:7; 14:16;
de "período do Espírito como o nosso, considerando-se 20:22; etc.) implicam um tipo de subordinação do Espírito
que foi no Dia de Pentecostes a vinda do Espírito Santo ao Pai e ao Filho. Consiste apenas em uma subordinação
em sua plenitude. Antes do Pentecostes o Espírito veio so- de relacionamento, mas não de Divindade.
bre pessoas, individualmente, para tarefas particulares.
Nem a "geração" ou "procedência" indicam uma falta
A m d a q u e os homens pudessern ter íntimo relacionamento de igualdade com a Divindade, nem implicam a criação ou
com e, como se ye na experiência e avi, a comu ão começo de existência. Antes, implicam o eterno relaciona-
não era tão pessoa ou ão permanen e como acon eceu mento com o Pai. "Não são, de modo nenhum, u m relacio-
após o Pentecostes. Antes o Jispín o vinha sobre indivíduos namento análogo à dependência física, mas um movimento
temporanamente e, então, quando a ocasião de Sua atuação vital da natureza divina, em virtude do qual, o Pai, o Filho
chegava ao fim, retirava-se. O trágico fracasso de Sansão e o Espírito Santo, ainda que iguais na essência e digni-
resultou do afastamento do Espírito. Sansão tornara-se tão dade, relacionam-se na personalidade, operação e respon-
insensível que nem sequer percebeu que o Espírito o dei- sabilidade, e, assim, o Pai opera através do Filho, e o Pai
xara (Jz. 16:20). A experiência com o Espírito naquele tem- e o Filho operam através do Espírito" 37.
po não era também tão ampla ou universal como agora, Em 589 A.D. as palavras "e do Filho" foram acrescen-
quando Ele habita em cada u m que pertença à Igreja de tadas ao Credo Niceno. Essa adição criou controvérsia tre-
Jesus Cristo através do novo nascimento. É coisa enfatica- menda. A Igreja Ocidental insistia na adição para assegu-
90 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ
O ESPÍRITO SANTO 91

rar a preservação do ensinamento bíblico de que o Espírito cuta os propósitos de Deus — criação, convicção, regene-
Santo é o Espírito de Cristo, tal como do Pai. A Igreja ração, iluminação, santificação e glorificação.
Oriental recusa essa inserção, por considerar que ela en-
fraquece a doutrina da subordinação e torna o nosso Senhor Em relação ao mundo, o Espírito toma parte na criação
uma fonte separada da Divindade. Mas "a união do Pai e do universo, como já mencionamos recordando Suas ativi-
do Filho em 'enviar' o Espírito realmente opera contra dades no Velho Testamento. Ele também é chamado de
toda e qualquer idéia de diferenciação que poderia desfi- Preservador da natureza. "Envias o Teu Espírito, eles são
gurar a harmonia interna da Tríade divina. . . Parece que criados, e assim renovas a face da terra" (Si. 104:29-30;
as Escrituras são explícitas ao declarar que ainda que o Is. 40:7).
Espírito proceda do Pai, foi também 'dado' pelo Filho à Jesus destacou a obra do Espírito no que se refere à
Sua Igreja, e que Ele é tanto o Espírito de Cristo como o humanidade como um todo. Ele convence o mundo do pe-
Espírito de Deus" 38. cado, da justiça e do juízo (Jo. 16:8-11). Como vimos no
capítulo primeiro, o Espírito Santo é o Autor das Escritu-
Algumas das referências que esclarecem e reforçam os ras, Aquele que as inspirou (2 Pe. 1:20-21). Ele é também
conceitos da Divindade do Espírito e sua personalidade Aquele que as interpreta e as aplica aos nossos corações
são: "O Espírito de Deus habita em vós" (1 Co. 3:16); "o em determinada circunstância. Ele é o Espírito da sabedo-
Espírito de Cristo" (Rm. 8:9); e "enviou Deus aos nossos ria e da revelação (Ef. 1:17), e Ele interpreta a mente de
corações o Espírito de Seu Filho" (Gl. 4:6). Deus (1 Co. 2:9-14). Já se observou com razão que esse
trabalho de "iluminação" do Espírito Santo jamais se tor-
Seus Outros Títulos na tão místico e subjetivo que a consistência gramática e
histórica sejam abandonadas. Julgando mal o papel do Es-
Outros títulos descritivos do Espírito Santo incluem pírito- Santo na interpretação da Palavra, alguns transfor-
"o Espírito da graça" (Hb. 10:29); "o Espírito da verdade" maram a Bíblia em um livro quase mágico, colocando seus
(1 Jo. 5:6); "o Espírito de sabedoria e de entendimento, o próprios sentimentos ao lado da autoridade do Espírito.
Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conheci-
mento e de temor do Senhor" (Is. 11:2). Ele é o "Espírito O Espírtto e Cristo
da promessa", isto é, Aquele que veio em cumprimento da
promessa de Cristo (Ef. 1:13). Ele é também "o Espírito da O Espírito Santo tem um relacionamento intimamente
glória" (1 Pe. 4:14). particular com o Senhor Jesus Cristo, que, na Sua huma-
O Espírito Santo, então, é completamente pessoal e nidade era completamente dependente do Espírito. Ele foi
concebido pelo Espírito Santo e nascido dEle (Lc. 1:35).
inteiramente Deus. Ele é coigual e coeterno ao Pai e ao
Jesus foi conduzido pelo Espírito (Mt. 4:1). Ele foi ungido
Filho.
para o Seu ministério pelo Espírito de modo especial no
Já vimos rapidamente a obra do Espírito. Vamos exa- Seu batismo (Mt. 3:13-17). Ele se ofereceu como sacrifício
miná-la mais detalhadamente. Ainda que o Espírito esteja através do Espírito (Hb. 9:14), e foi ressuscitaoo dos mor-
oculto, Sua obra é a obra direta de Deus e afeta vitalmente tos pelo poder do Espírito (Rm. 1:4). Deu ordens aos após-
cada um de nós como indivíduos. Ele age em diversos níveis. tolos, e à Igreja por intermédio deles, pelo Espírito (At. 1:2).
Geralmente, o Espírito Santo funciona como o Executor Na Igreja, o Espírito Santo distribui dons espirituais
dos propósitos e planos da Divindade. É Aquele que exe- para o bem de todo o corpo. "A manifestação do Espírito
O E S P Í R I T O SANTO 93
92 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ

é concedida a cada um, visando u m fim proveitoso" (1 Co. Somos selados e habitados pelo Espírito Santo quando
somos batizados pelo Espírito, "pois, em um só Espírito,
12:7; veja todo o capítulo). Ele é a força dinâmica que foi
todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer
prometida à Igreja antes do Pentecostes. "Recebereis poder,
gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado
ao descer sobre vós o Espírito Santo" (At. 1:8). Por causa beber de um só Espírito" (1 Co. 12:13). Esse batismo, com
dos feitos extraordinários da Igreja Primitiva, que abalaram seu conseqüente selo e habitação do Espírito, acontece no
o mundo romano, o Livro de Atos tem sido chamado de momento da conversão. Essa participação do Espírito é
"Os Atos do Espírito Santo". para todos os crentes, não levando em consideração seus
Através do trabalho do Espírito Santo que opera no diversos graus de maturidade, poder e devoção.
cristão individualmente, o crente entra no mais íntimo con- Alguns cristãos, entretanto, aplicam o termo "batismo"
tato pessoal com Deus. à primeira experiência da pessoa que se torna cheia do Es-
O Espírito Santo é Aquele que dá a convicção do pecado pírito, experiência essa que faz parte do propósito de Deus
ao indivíduo (Jo. 16:8). Sempre que uma pessoa percebe para conosco (Ef. 5:18).
o seu próprio estado de pecador, pela palavra pregada, Quem não tem o Espírito Santo não é cristão (Rm.
escrita ou pessoalmente transmitida, é porque o Espírito 8:7), pois Ele habita e sela todos os crentes. Infelizmente,
de Deus esteve operando nela. entretanto, muitos cristãos nem chegam a conhecer a ale-
gria e o poder da plenitude do Espírito Santo.
O Selo do Espírito
A Plenitude do Espírito
Logo que uma pessoa põe a sua confiança em Cristo é
"selada" pelo Espírito Santo (Ef. 1:13). Um selo é um Essa experiência de encher-se do Espírito não é uma
símbolo de uma transação de propriedade e a segurança experiência única, pois pode se repetir. No Dia de Pente-
de que foi acabada. Sendo selados pelo Espírito, temos cer- costes os discípulos foram cheios do Espírito (At. 2:4).
teza e segurança de que estamos salvos. "O próprio Espírito Alguns dias depois, em uma dramática reunião de oração,
testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus" tiveram uma repetição daquela experiência (At. 4:31).
(Rm. 8:16). A plenitude do Espírito implica o recebimento de poder
e ousadia para o serviço de Deus, e força para enfrentar
O Espírito habita cada cristão individualmente, cujo crises particulares. É possível, e às vezes acontece, que o
corpo é o templo do Espírito. Além da Encarnação e Res- batismo do Espírito e a plenitude do Espírito acontecem
surreição, há uma outra indicação nas Escrituras de que ao mesmo tempo. Não precisam ser experiências separa-
o corpo humano não é inerentemente mau ou pecador. das. Mas a plenitude do Espírito é uma experiência que deve
Também nos faz lembrar que devemos levar a sério os se repetir conforme a necessidade na vida de cada crente.
nossos corpos. Jamais devem ser mutilados, usados inde- Devemos, literalmente, "continuar nos enchendo" (veja Ef,
vidamente ou negligenciado o seu cuidado. Não há lugar 5:8, literal).
nas Escrituras para o tipo de ascetismo que castiga o corpo
no interesse da "espiritualidade". Formas extremistas de O Espírito Santo não é uma substância, e sim uma
tal autoflagelação ocorreram em diferentes períodos da Pessoa. A plenitude do Espírito não é uma questão de re-
História da Igreja, particularmente nos tempos medievais, cebermos maior quantidade dEle. Antes, é uma questão de
e formas mais sofisticadas continuam existindo hoje em dia. relacionamento. Estar cheio do Espírito significa que Lhe
94 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ
O E S P Í R I T O SANTO 95

permitimos ocupar, guiar e controlar cada setor de nossas dade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio" (Gl.
vidas. Seu poder pode então operar através de nós, tornan- 5:22-23) vêm naturalmente em lugar de termos de nos ex-
do-nos eficientemente frutíferos no trabalho de Deus e tendo tenuar para o cultivo de tais características.
nossos corações transbordantes da Sua alegria. Essa pleni-
tude não se aplica somente às nossas atitudes externas mas O Espírito Santo também é um guia para o indivíduo
também aos nossos pensamentos e motivações mais ínti- cristão. Somos instruídos a "andar no Espírito" (Gl. 5:16).
mos. Quando estamos cheios do Espírito, tudo o que somos Sua liderança é um dos sinais de que um indivíduo é real-
e temos está sujeito ao Seu controle. mente um filho de Deus. "Pois todos os que são guiados
pelo Espírito de Deus são filhos de Deus" (Rm. 8:14). O
O teste para sabermos se estamos ou não cheios do Espírito Santo liderava e orientava claramente os cristãos
Espírito não é este: "Já recebeu um sinal exterior ou já primitivos, conforme lemos nos Atos, e faz o mesmo hoje
recebeu um dom particular do Espírito?" Antes, é: "Já se se um cristão é sincero e sensível ao Seu controle.
entregou inteiramente e sem reservas a Deus?" (Rm. 12:1)
"Está verdadeiramente desejoso que Ele controle sua vida, O Espírito Santo ora por nós (Rm. 8:26). Que coisa
absoluta e inteiramente?" Muitos crentes chegam a u m pon- maravilhosa é saber, especialmente quando não sabemos
to de completa frustração no seu serviço cristão simples- como orar, que o Espírito de Deus intercede por nós!
mente porque fracassam em perceber a necessidade de se O oposto a esse relacionamento íntimo, amoroso e di-
encherem com o Espírito se quiserem trabalhar no poder nâmico com o Espírito Santo é experimentado quando nós
de Deus. Tal como nós não podemos nos salvar a nós mes- opomos a Ele. Não devemos "entristecer" o Espírito (Ef.
mos sem que o Espírito Santo opere, também não podemos 4:30). Nos versículos que se seguem a essa ordem, foram
viver uma vida vitoriosa ou servir o Senhor eficientemente enumeradas algumas das coisas que entristecem o Espírito.
sem o Espírito. Quando aprendemos a confiar nEle intei- Relacionam-se com atitudes, pensamentos, palavras e ações.
ramente, permitindo que trabalhe por nosso intermédio, Outras coisas também entristecem o Espírito de Deus -—•
ficamos livres da frustração de tentarmos obter resultados idolatria, ódio, rivalidade, heresias, inveja, etc. (Gl. 5:18-21).
espirituais e eternos apenas através de nossa capacidade Recusar-lhe alguma coisa também é entristecê-Lo. É coisa
humana ou mais propriamente, de nossa incapacidade. solene perceber que tal como nós podemos ser entristeci-
É o Espírito Santo que nos liberta do poder do peca- dos, podemos também, de maneira muito mais profunda,
do. "Porque a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te entristecer o Espírito de Deus.
livrou da lei do pecado e da morte" (Rm. 8:2). O Espírito Recebemos a ordem: "Não apagueis o Espírito" (1 Ts.
Santo muda o padrão da nossa vida para podermss vencer 5:19). Já que a figura usada sugere fogo, alguns crêem que
o pecado. Ele não nos torna sem pecado (1 Jo. 1:8), mas esse pecado está mais relacionado ao serviço externo e não
nEle somos capazes de começar a cumprir a justiça da às motivações e atitudes. O contexto bíblico sugere ambas
Lei (Rm. 8:4). Tal vida santa é obra do Espírito e u m as coisas. O versículo segue-se a um chamado para que
resultado da salvação; não é de maneira nenhuma a base nos regozijemos, oremos e demos graças. Precede uma ad-
da nossa salvação. vertência para não desprezarmos as declarações ditas divi-
nas sejam quais forem, mas que as testemos. Além de po-
O Fruto do Espírito dermos apagar o Espírito em nós mesmos, podemos, tam-
Quando o Espírito Santo produz Seu fruto em nós, des- bém, vivendo em pecado, crendo numa confusão de idéias
cobrimos que "amor, alegria, paz, longanimidade, benigni- e não nos preocupando com os outros, apagar a obra que
Ele faz nos outros e pelos outros. Por outro lado, o Espí-
;>6 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ

rito pode muito bem usar outras pessoas para nos corrigir,
iluminar e encorajar. Deixar de receber a Palavra de Deus
que vem de outra pessoa só porque essa pessoa é imper-
feita como nós, implica apagar o próprio Espírito Santo
de Deus.
Conhecemss Cristo por meio do Espírito Santo, e pelo
poder do Espírito Santo, vivemos e crescemos em Cristo,
no serviço do Rei e na comunhão da Sua Igreja. Capítulo 7

A IGREJA
Um grande número de líderes eclesiásticos atualmente
admite que não tem muita certeza quanto ao que a Igreja
significa. Um teólogo moderno escreveu u m livro cujo título
resume o que se encontra na mente de muitas pessoas "Um
conceito errôneo da Igreja". Pouca admiração causa, então,
o fato de que a confusão a respeito da Igreja seja comum
às mentes dos cristãos "comuns", especialmente à vista do
crescente aumento de notícias sobre "a Igreja". O movi-
mento ecumênico aumenta a sua influência e a fusão deno-
minacional ocorre com mais freqüência do que se pensava
fosse possível.
Entre os diversos grupos de "cristãos" (e às vezes
dentro deles) existe considerável diferença de opiniões
quanto à estrutura, à forma de governo da igreja, à forma
de batismo, e o enunciado de doutrinas essenciais, etc.
Alguns grupos rivais professam ser "a única Igreja 'verda-
deira'." É especialmente importante, à vista de todas as
vozes divergentes que se ouvem hoje em dia, que cada
cristão saiba o que a Bíblia ensina a respeito da Igreja.
LEITURA ADICIONAL No Novo Testamento, a palavra grega ekklesia, tradu-
MORGAN, G. Campbell. The Spirit of God. London: H. E. Walter, zida para "igreja", significa um grupo que foi "chamado
1953. para fora", "convocado", ou uma "assembléia" — não reli-
MORRIS, Leon. Spirit of the Living God. Chicago: Inter-Varsity giosa necessariamente. A autoridade da cidade de Éfeso,
Press, 1960. tentando acabar com u m tumulto, disse: "Mas se alguma
RYLE, J. C. Holiness. Edínburgh: James Clarke, 1952. outra coisa pleiteais, será decidida em assembléia (ekkle-
THOMAS, W. H. Griffith. The Holy Spirit of God. Grand Rapids:
Eerdmans, 1955. sia) regular" (At. 19:39).
98 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A IGREJA 99

Aplicado aos cristãos, o termo "a Igreja" significa aque- ponder: "Na Rua de Cima, n.° 18" e não à cidade "São Pau-
les que foram chamados para Jesus Cristo. No Novo Tes- lo, Niterói, Campinas, Belo Horizonte ou Itapetininga".
tamento, "significa, na maioria das vezes, uma congrega- Uma igreja é o local onde seus membros se encontram a
ção local de cristãos, e nunca um edifício. . . Mesmo que qualquer hora. Parte de nosso problema, em atingir o mun-
nos refiramos muitas vezes a tais congregações coletiva- do de hoje, resulta de nossa mentalidade "de edifício".
mente como a Igreja do Novo Testamento, ou a Igreja Pri- Quando pensamos nas atividades da igreja temos a ten-
mitiva, nenhum escritor do Novo Testamento onde o Evan- dência de pensar só no que acontece dentro das quatro
gelho foi implantado usa ekklesia deste modo coletivo. paredes do edifício da igreja, e não o que acontece no
Seu uso mais comum está relacionado com a assembléia mundo através do que os crentes fazem, dizem e são.
pública de cidadãos devidamente convocada, que era um Deus sempre teve o Seu povo. Desde a ocasião da Que-
costume de todas as cidades que não os da Judédia" 39. O da, quando Deus prometeu um Redentor a Adão e Eva (Gn.
termo também se aplicava à Igreja Universal, o corpo de 3:15), todos aqueles que creram nas Suas promessas têm
Cristo. "E (Deus) pôs todas as coisas debaixo dos Seus constituído o Seu povo. Deus chamou Abraão e lhe prome-
pés (de Cristo) e, para ser o cabeça sobre todas as coisas teu: "Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os
O deu à Igreja" (Ef. 1:22-23). que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famí-
A Igreja do Novo Testamento, então, foi definida de lias da terra" (Gn. 12:3). Ele estabeleceu uma aliança eter-
dois modos. Primeiro, ela é "o grupo completo de pessoas na com a nação de Israel como Seu "povo escolhido". Não
regeneradas. . . no céu e na terra" (Mt. 16:18; Ef. 5:24-25; foram escolhidos por causa de alguma superioridade ine-
Hb. 12:23) 40. Esta é a Igreja universal invisível. É uni- rente sobre outros grupos raciais ou étnicos. "Não vos
versal porque inclui todos os verdadeiros crentes de todos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu, porque fósseis
os lugares, aqueles que já partiram como também aqueles mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor
que ainda estão vivos, É invisível porque não aparece no de todos os povos, mas porque o Senhor vos amava, e
seu todo em algum determinado lugar ou ocasião. para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor
Segundo, existe também o grupo local de indivíduos, vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da
ou igreja, através da qual a Igreja Universal é evidente. servidão do poder de Faraó, rei do Egito" (Dt. 7:7-8).
"A igreja individual pode ser definida como o menor dos Nascer simplesmente na nação de Israel não torna
grupos de pessoas regeneradas que, em qualquer comuni- uma pessoa participante do povo de Deus espiritualmente.
dade, reunem-se voluntariamente de acordo com as leis de "Porque não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem
Cristo, com o propósito de se assegurarem do estabeleci- é circuncisão a que é somente na carne. Porém judeu é
mento completo do Seu reino nelas mesmas e no mun- aquele que o é interiormente, e a circuncisão a que é do
do" 41. coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não
procede dos homens, mas de Deus" (Rm. 2:28-29). Muitos
Refere-se a Pessoas que não eram judeus fisicamente tornaram-se judeus espi-
ritualmente, reconhecendo Jeová como o Deus vivo e ver-
Nas duas definições, o termo "igreja" (ekklesia) refe- dadeiro e abandonando os ídolos para segui-Lo. Talvez o
re-se a pessoas — e não a edifícios. Hoje em dia usamos exemplo mais dramático de conversão ao judaísmo foi o
a palavra "igreja" de diversas outras maneiras. Em respos- dos dias de Ester depois que os judeus foram libertados
ta à pergunta: "Onde fica a sua igreja?" costumamos res- de Hamã. "Em toda província, e em toda cidade, aonde
100 SAIBA O QUE VOCÊ CRÍ1 A IGREJA 101

chegava a palavra do rei e â sua ordem, havia entre os aos judeus. Os primeiros cristãos judeus em Jerusalém con-
judeus alegria e regozijo, banquetes e festas; e muitos, dos tinuaram reconhecendo suas obrigações para com a Lei
povos da terra, se fizeram j u d e u s . . ." (Ester 8:17). Aquela Mosaica e continuaram participando dos cultos de adora-
data continua sendo celebrada ainda hoje em dia na Festa ção no templo ou nas sinagogas.
do Purim.
Entretanto, rapidamente aumentou o número de pro-
Membros da Igreja precisam ter íntima comunhão uns sélitos judeus (gentios que tinham abraçado o judaísmo)
com os outros e também com Cristo. Portanto o que fere que creram no Evangelho e entraram para a Igreja. Filipe
u m membro do corpo fere a todos os outros membros, e pregou as boas novas em Samaria e mais tarde batizou u m
quando um membro do corpo é honrado, todos os outros etíope ao qual deu testemunho (At. 8). Só depois de uma
membros do corpo se regozijam com ele (1 Co. 12:26). visão do Senhor é que o escopo da universalidade do Evan-
A Igreja foi mencionada pela primeira vez por Jesus. gelho enfim penetrou na mente do relutante Pedro (At.
"Sobre esta pedra edificarei a Minha igreja, e as portas do 10:9-16). Mais tarde ele explicou a Cornélio, um gentio, que
inferno não prevalecerão contra ela" (Mt. 16:18). Em outra era "proibido a um judeu ajuntar-se ou mesmo aproximar-
ocasião Ele descreveu a simplicidade da Igreja, dizendo: se a alguém de outra raça; mas Deus m e demonstrou que
"Porque onde estiverem dois ou três reunidos em Meu a nenhum homem considerasse comum ou imundo" (v. 28).
nome, ali estou no meio deles" (Mt. 18:20).
Ao ouvir de Cornélio a declaração de fé, Pedro pro-
nunciou as históricas palavras: "Reconheço por verdade que
Começou no Peenecostes Deus não faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qual-
quer nação, aquele que O teme e faz o que é justo Lhe é
A Igreja Cristã, como tal, teve início com a vinda do aceitável" (vs. 34-35). Como se estivesse ratificando a ver-
Espírito Santo no Dia de Pentecostes. Depois do sermão de dade declarada por Pedro, o Espírito Santo veio sobre seus
Pedro naquela ocasião, "então os que lhe aceitaram a pala- ouvintes, a maioria gentios, enquanto ele ainda falava. Os
vra foram batizados; havendo um acréscimo naquele dia judeus na companhia de Pedro ficaram admirados ao ver
de quase três mil pessoas. E perseveravam na doutrina dos que os gentios também recebiam o Espírito Santo, mas
apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas o r a ç õ e s . . .
Pedro os batizou.
Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os
que iam sendo salvos" (At. 2:41-42,47). A Igreja nasceu em Outros judeus cristãos pregaram o Evangelho em An-
Jerusalém. No começo consistiu principalmente de judeus tioquia, onde surgiu uma igreja mista de judeus e gentios
que reconheceram Jesus como o Messias. Muitos deles eram (At. 13:1). Foi aí que os crentes foram chamados de cris-
helenistas — isto é, judeus que falavam o grego que tãos pela primeira vez (At. 11:26), ou "homens de Cristo".
foram espalhados por todo o império. Muitos vinham a Determinar qual deveria ser o relacionamento entre os
Jerusalém regularmente como peregrinos. gentios convertidos e a Lei, incluindo a circuncisão foi a
A Igreja no princípio foi considerada uma seita dentro primeira e grande questão que a Igreja Primitiva precisou
do judaísmo. Um dos acusadores de Paulo referiu-se a ele decidir. Um concilio realizado em Jerusalém pronunciou a
dizendo: " . . . p r o m o v e sedições entre os judeus esparsos importante declaração: "Pois pareceu bem ao Espírito San-
por todo o mundo, sendo também o principal agitador da to e a nós não vos impor maior encargo além destas coisas
seita dos nazarenos" (At. 24:5). O governo romano dava essenciais: que vos abstenhais das coisas sacrificadas a
aos cristãos a mesma isenção do serviço militar que dava ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufoca-
102 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A IGREJA 103

dos e da incontinência; destas coisas fareis bem se vos mos a situação tão complexa em que se encontra a Igreja
guardardes". (At. 15:27,29). hoje em dia?
É claro que existem numerosos motivos históricos, tais
Figuras do Novo Testamento como as perseguições, as heresias e a formação de igrejas
nacionais. Mas parte do motivo para que houvesse um de-
As figuras usadas no Novo Testamento para descrever senvolvimento de diferentes grupos de crentes é o fato de
a Igreja são elucidativas. Uma é o "corpo de Cristo". Cristo que o Novo Testamento só dá instruções limitadas sobre
é a cabeça do corpo. Cada membro funciona sob a Sua práticas e organização de igrejas. Cristãos sinceros, todos
liderança e na dependência uns dos outros. "Porque, assim declarando ter autoridade bíblica, sempre discordaram na
como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os interpretação de certas passagens e ensinamentos do Novo
membros, sendo muitos, constituem u m só corpo, assim Testamento. É importante pois, traçar as linhas divisórias
também com respeito a Cristo" (1 Co. 12:12; veja também do padrão da Igreja do Novo Testamento e compreender
Ef. 4:4; Cl. 3:15). algumas de suas principais interpretações.

Cristo dirige a Igreja e ela deve Lhe ficar sujeita (Ef. Requisitos dos Membros
5:23-24). Ele é a fonte de sua unidade — "porque todos
vós sois um em Cristo Jesus" (Gl. 3:28). Alguns cristãos Os requisitos para os membros da Igreja estão implí-
pouco uso prático fazem desta unidade. citos no Livro dos Atos. O primeiro é crer no Senhor Jesus
A Igreja também foi comparada a um edifício: "Vós Cristo (At. 2:38).
mesmos (os crentes), como pedras que vivem, sois edifica- A fé em Cristo, a qual normalmente inclui o arrepen-
dos casa espiritual para serdes sacerdócio santo" (1 Pe. dimento dos pecados, é o primeiro requisito espiritual para
2:5). Essa casa de Deus foi edifiçada "sobre o fundamento que haja uma vida nova e para alguém se tornar parte do
dos apóstolos e profetas, sendo Ele mesmo, Cristo Jesus, corpo de Cristo. Quando o povo fez a pergunta a Jesus:
a pedra angular" (Ef. 2:20). Esse edifício, ou templo, é a "Que faremos para realizar as obras de Deus?" Ele respon-
habitação do Espírito Santo; inclui todos os indivíduos ha- deu: "A obra de Deus é esta, que creiais naquele que por
bitados pelo Espírito Santo (1 Co. 6:19 e segs.). O próprio Ele foi enviado" (Jo. 6:28-29).
Deus habita dentro da Igreja, portanto se alguém ataca a O batismo deve seguir-se à fé, como confissão pública
Igreja ataca a Deus. Ao criticar a Igreja, precisamos ter o de fé em Cristo, ainda que alguns cristãos sinceros creiam
cuidado de não estarmos porventura criticando Deus.
que o "um só batismo" (Ef. 4:5) é o batismo do Espírito
A Igreja é chamada Noiva de Cristo. O casamento Santo, e que o batismo da água não faz parte do propósito
exemplifica o relacionamento entre Cristo e a Igreja (Ef. para os cristãos de hoje.
5:25-27,31-32; veja também 2 Co. 11:2; Ap. 19:7; 22:17). Essa Aquiescência à verdade revelada, entre os cristãos pri-
figura exibe o intenso amor de Cristo por Sua Igreja e o mitivos, era o padrão. "E perseveravam na doutrina dos
Seu compromisso integral com ela. apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações"
A Igreja no Novo Testamento aparenta relativa simpli- (At. 2:42). Paulo adverte contra os falsos mestres que se
cidade. Não havia seitas ou denominações, ainda que Paulo levantam dentro da Igreja (Fp. 3:2), e Pedro faz eco ao
repreendesse espíritos facciosos que surgiram entre os cris- mesmo tema solene. Através de todo o Novo Testamento
tãos de Corinto (1 Co. 3:3-8). Como foi, então, que chega- há uma ênfase na pureza doutrinária e na santidade de
104 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A IGREJA 105

vida. A impureza doutrinária e moral tem de ser eliminada bros (1 Co. 5:13); cartas de recomendação (At. 18:27); e
da Igreja (1 Co. 5:7). .ústas de viúvas a serem sustentadas (1 Tm. 5:9).
povo chamado por Deus era intitulado de os san- Deus deu dons espirituais à Igreja. "E Ele mesmo con-
tos" (Ef. 1:1; 1 Co. 1:2; Fp. 1:1). Reuniam-se para adoração cedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para
e edificação mútua da vida espiritual (1 Co. 14:3,5,19; Cl. evangelistas, e outros para pastores e mestres, com vistas
3:16). A Igreja era uma comunidade evangelizadora cujo ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do Seu
propósito era a comunicação e a preservação da mensagem serviço, para a edificação do corpo de Cristo" (Ef. 4:11-12).
do Evangelho através de todo o mundo (Mt. 28:19-20; At. O propósito desses dons era o "aperfeiçoamento dos san-
1:8). As cartas de Paulo pouco enfatizaram o evangelismo, tos para o desempenho do Seu serviço". Não há uma linha
possivelmente porque os cristãos primitivos eram natural divisória nítida entre o clero e o homem leigo, quer em
e eficientemente evangelizadores. Ele escrevu aos tessalo- termos de governo da igreja quer no ministério espiritual.
nicenses: "Porque de vós repercutiu a palavra do Senhor,
não só na Macedônia e Acaia, mas por toda parte se divul- Períodos de Ministério
gou a vossa fé para com Deus, a tal ponto de não termos
necessidade de acrescentar alguma coisa" (1 Ts. 1:8). Hammond destaca os três períodos do ministério do
Novo Testamento 43.
Os cristãos tinham de ser servos, atendendo às neces-
1. O primeiro período, a) O ministério de nosso Se-
sidades físicas e espirituais tanto de crentes como de incré-
nhor com os 70 que Ele comissionou; b) o ministério apos-
dulos. "Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos
tólico daqueles que tinham autoridade especialmente dele-
o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé" gada do Senhor para a liderança da Igreja depois do Pen-
(Gl. 6:10). O próprio Cristo foi o exemplo; Ele andou "fa- tecostes; e c) o ministério dos diáconos, anciãos e bispos.
zendo o bem" (At. 10:38). As três epístolas pastorais (1, 2 Tm. e Tt.) dão os princípios'
Conforme as palavras de Leon Morris: "Durante a his- e as qualificações para o ministério.
tória da Igreja tem havido muitas variações do padrão neo- 2. O período de transição. Durante a maior parte da
testamentário. Na verdade, são tantas as divergências quan- vida dos apóstolos, e até que o Novo Testamento tenha co-
to o conhecimento que temos sobre o período do Novo Tes- meçado a circular entre as diversas comunidades cristãs,
tamento que não podemos ter muita certeza no que tal havia dons especiais tais como o da profecia, na Igreja. O
padrão consistia. Até mesmo aqueles grupos que procla- objetivo deles era capacitar a comunidade local a receber
mam modelar suas sociedades exatamente de acordo com as revelações de Cristo no Novo Testamento diretamente
o Novo Testamento não podem ter a certeza de que alcan- do Espírito de Deus. Quando os apóstolos completaram o
çaram s u c e s s o . . . Parece que nenhum esforço foi despen- seu trabalho, alguns desses "dons" cessaram. Por exemplo,
dido para impor qualquer padrão às gerações futuras, pois não houve uma sucessão contínua de apóstolos e profetas
nenhuma orientação específica foi dada quanto ao modo (veja Ef. 2:20; 3:5; 4:11).
e perpetuação do ministério. As formas ministeriais evo- 3 . O ministério permanente. Um bispo, ou ancião,
luíram de várias maneiras" 4 2 . tinha de ensinar verdades espirituais, impor regras e exercer
Parece claro que havia alguma organização local no a disciplina na igreja local (1 Tm. 5:17; Hb. 13:7). "Obede-
tempo do Novo Testamento. Havia reuniões regulares (At. cei aos vossos guias, e sede submissos para com eles; pois
20:7); diáconos eleitos (At. 6:5-6); disciplina para os mem- velam por vossas almas, como quem deve prestar contas,
106 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A IGREJA 107

para que façam isto com alegria e não gemendo" (Hb. 13:17; localizado, mas foi mais como u m bispo atual do que como
veja também 1 Tm. 5:17)\ Paulo. O desenvolvimento do episcopado remonta aos Pais
Os diáconos ajudavam na administração dos negócios da Igreja Primitiva.
da igreja (At. 6:1-6; 1 Tm. 3:8-12), mas é claro que havia É significativo, pensam muitos, que não exista traço
implicações espirituais em suas atividades. de luta para o estabelecimento do sistema episcopal. Se u m
À vista das muitas denominações e seitas através de sistema presbiteriano ou congregacional divinamente esta-
toda História da Igreja, é surpreendente que todo tipo de belecido foi derrubado, argumenta-se que teria sido inevi-
governo de Igreja e opiniões quanto ao ministério recai tável um grande conflito entre as duas facções. Lá pelo
geralmente em um dentre três grupos: o episcopal (*), o século II, entretanto, sem que houvesse tal conflito, o sis-
presbiteriano e o congregacional 44. tema episcopal predominou através de toda a Igreja.

O Episcopàlismo O Presbiterianismo

No sistema episcopal, a igreja é governada por bispos, No presbiterianismo, a Igreja é governada pelos "pres-
mas há também presbíteros (ou sacerdotes) e diáconos. A bíteros", ou anciãos. Os presbiterianos reconhecem que no
única pessoa, dentro desse sistema, que tem poder de orde- Novo Testamento os termos "ancião" e "bispo" foram usa-
nar é o bispo. Os bispos remontam seu ofício há muitos dos como sinônimos e que identificam claramente o ele-
séculos. Alguns, é verdade, proclamam remontar até ao mento mais importante no ministério local. Em cada igreja
tempo dos apóstolos — daí o termo usado com tanta fre- local, parece que os presbíteros, em certo número, forma-
qüência: "sucessão apostólica". Entre outros, os católicos vam uma espécie de comissão, (ou conselho) para dirigir
romanos, os ortodoxos, os anglicanos, os episcopais, os os negócios da igreja. Os anciãos no Novo Testamento agi-
metodistas e algumas igrejas luteranas têm a forma de go- ram de acordo com os apóstolos (At. 15) — uma indicação
verno episcopal. de sua importância. Quando os apóstolos saíram do cená-
rio os anciãos tornaram-se naturalmente os líderes.
Esse sistema, temos de admitir, não se encontra no
Novo Testamento. Um sistema episcopal completo ainda Parece também que a congregação local tinha voz ativa
não tinha se desenvolvido. Entretanto, aqueles que se ape- na escolha dos homens para o ministério. Escolheram os
gam a esse tipo de governo eclesiástico, sentem que é uma sete diáconos (At. 6:1-6) e, pode-se concluir também, que
conseqüência natural da Igreja do Segundo Século. Vêem, tiveram influência na designação de Paulo e Barnabé para
no trabalho de algumas figuras do Novo Testamento, uma o trabalho missionário (13:1-3). Os presbiterianos crêem
transição do ministério itinerante dos apóstolos para o mi- na igualdade dos anciãos ou presbíteros, no direito do povo
nistério mais fixo dos bispos, posteriores aos apóstolos. de participar (através dos seus representantes) do governo
Timóteo e Tito tinham bastante autoridade sobre um certo de uma igreja, e na unidade da Igreja através de uma série
número de igrejas, mas não possuíam a mesma grande au- graduada de cortes eclesiásticas, os concílios, os quais ex-
toridade apostólica de Paulo. Tiago de Jerusalém era como pressam e exercem a autoridade sobre a comunidade da
se sabe, um exemplo de apóstolo que tinha um ministério Igreja (local e geral) como sociedade divina.
John Dali distingue o presbiterianismo dos outros dois
(*) Estes termos, conforme estão sendo usados aqui, referem-se sistemas como se segue: "Opondo-se à prelazia, o tipo de
somente aos sistemas de goyernp da igreja e não às denominações. governo presbiteriano repousa sobre a igualdade do status
108 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A IGREJA 109

ministerial e procura dar poder eclesiástico aos membros O Congregacionallsmo


da Igreja, ao invés de concedê-lo aos clérigos individual-
mente ou aos concílios; opondo-se ao congregacionalismo, A terceira forma básica de governo da Igreja é o con-
procura entender a unidade da Igreja, confiando em um gregacionalismo. Todo o grupo que dá ênfase à autonomia
cuidadosamente planejado sistema de cortes eclesiásticas da congregação local pode ser aqui incluído. Tais grupos
graduadas de poderes legislativos, executivos e judiciais — incluem os batistas, os congregacionais, algumas seitas
não meramente consultivas" 4 5 . pentecostais evárias outras igrejas menores. Os que seguem
tal tipo de organização sustentam que nenhum homem ou
Os presbiterianos costumam, também, fazer distinção grupo de homens deve exercer autoridade sobre uma con-
entre os anciãos (ou presbíteros) que ensinam — os "do- gregação local da Igreja de Cristo. Com algumas exceções,
centes"; e os que governam — os "regentes" (1 Tm. 5:17). tais igrejas têm dois tipos de ministros: os pastores e os
Os presbíteros docentes pertencem à ordem ministerial prin- diáconos. Os pastores supervisionam a congregação. São
cipal, são os pastores. A ordenação é feita pela imposição quase sempre ordenados ou consagrados em um culto assis-
de mãos dos demais presbíteros. Sob o ponto de vista pres- tido por representantes de outras congregações semelhan-
biteriano, u m a ordenação é válida para a Igreja universal tes, conquanto esse comparecimento ou aprovação não seja
e não apenas para alguma seção menor dela. obrigatório ou indispensável. Os diáconos (ou, às vezes,
Os anciãos que governam são escolhidos pela congre- anciãos) geralmente recebem a responsabilidade de tratar
gação e admitidos ao ofício por meio da ordenação. Eles das necessidades espirituais e materiais da congregação
não têm obrigação de pregar, só não podem batizar ou local. Seu ofício é geralmente considerado puramente local.
administrar a comunhão, mas ajudam no governo da igreja Os congregacionais como a maioria dos protestantes negam
e exercem com o presbítero docente — o pastor — a disci- que a ordenação conceda qualquer graça especiaí a u m
plina. Têm também a responsabilidade dos negócios finan- homem
ceiros da igreja. Alguns presbiterianos acham que o traba- Duas idéias básicas estão por trás do ponto de vista
lho de u m ancião que governa é o mesmo daquele que
congregacional relativo ao ministério. Uma é que Cristo é
ensina, mas outros encaram aqueles como leigos.
a Cabeça da Sua Igreja e, como tal, está em contato vivo
Os presbiterianos consideram que o desenvolvimento e vital com ela. Assim como a nossa cabeça física não pre-
de um sistema episcopal universal ocorreu devido à supre- cisa de intermediários para controlar o nosso corpo, o mes-
macia que os bispos "monárquicos" obtiveram sobre os mo acontece com a Cabeça da Igreja e o Seu corpo. Cristo
presbíteros da Igreja logo após a era apostólica. Explicam prometeu estar onde dois ou três crentes, e não entre
que os problemas da igreja envolvendo perseguição e here- dois ou três oficiais da igreja (Mt. 18:20).
sias podiam ser mais facilmente resolvidos por uma tal
A segunda idéia básica, também comum à maioria dos
autoridade central. Mas esse desenvolvimento, sustentam
outros protestantes, é o sacerdócio de todos os crentes
os presbiterianos, não estava em harmonia essencial com
(veja 1 Pe. 2:9). Falando de modo restrito, não existem
o ministério conforme revelado no Novo Testamento.
leigos dentro da Igreja. Todos os crentes são sacerdotes
Crêem também que o seu sistema não prescreve o "episco-
(1 Pe. 2:9) — isto é, representantes de Deus para dar tes-
pado", pois ele subsiste através dos "moderadores" dos
temunho e servir aos homens no Seu nome e no Seu poder.
concílios e da assembléia geral, e que essa preservação não
conflita com o princípio da igualdade dos diferentes mi- Mais ainda, parece que a ênfase do Novo Testamento é
nistérios dos anciãos. sobre a igreja local. Não há evidências de controle presbi-
110 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A IGREJA 111

teriano ou episcopal da Igreja como u m todo. Bispos e A maior parte dos cristãos concorda que tem obri-
anciãos parecem ter exercido seu controle dentro de uma gação de obedecer à ordem do Senhor. "Fazei isto em me-
congregação local, mas não fora dela. O sistema episcopal mória de Mim". A Ceia do Senhor tem de ser uma recorda-
só apareceu depois do século II. ção e uma "antecipação" ou declaração de Sua morte até
Quase todas as igrejas encaixam-se dentro de um dos que Ele venha (1 Co. 11:23-26).
agrupamentos acima no que se refere à sua organização.
Os católicos romanos ensinam que na Ceia do Senhor
o pão e o vinho tornam-se verdaderramente o corpo e o
As Ordenanças da Igreja sangue de nosso Senhor, ainda que sua aparência continue
a mesma. Esse ponto de vista é chamado transubstanciação.
Existem numerosas diferenças de opinião sobre o núme- Ensinam ainda que o corpo e sangue de Cristo se oferecem
ro e natureza das "ordenanças" na Igreja. As ordenanças
toda vez que uma missa é realizada. As Escrituras, entre-
— há quem as chame de "sacramentos" — são ritos exte-
riores que significam ou representam graça ou bênção es- tanto, contradizem enfaticamente tais idéias. A morte de
piritual. A Igreja Católica Romana tem sete sacramentos: Cristo na cruz foi completa e foi um sacrifício inteiramente
batismo, comunhão, crisma, penitência, ordenação, matri- eficiente, e Ele morreu de uma vez por todas (Hb. 10:10;
mônio e extrema unção. Os protestantes, entretanto, sus- veja também 7:27; 9:12).
tentam que as Escrituras só reconhecem duas ordenanças
Os luteranos crêem na consubstanciação. Nessa opinião
— o batismo e a Ceia do Senhor.
Cristo está presente com a substância inalterada do pão.
Os católicos romanos ensinam que os sacramentos con-
ferem mérito ou graça objetivos. Contrastando com esse A maioria dos protestantes, entretanto, crê que os
ponto de vista mecânico, quase mágico, muitos protestan- elementos são apenas um memorial simbólico ou que, pela
tes enfatizam a fé e a operação direta de Deus no crente. fé, o crente, no ato da comunhão, entra em uma união
espiritual especial com o Cristo glorificado.
O significado do batismo talvez seja mais detalhada-
mente explicado em Rm. 6:1-4 (ainda que alguns cristãos Ainda que a participação dessas ordenanças não seja
insistam que esse capítulo não se refira ao batismo com necessária à salvação, cada crente verdadeiro deve desejar
água). O batismo tem sido chamado de "sinal exterior de demonstrar a sua devoção a Cristo, seguindo-0 no batismo
graça interior", uma declaração e pública identificação com e lembrando-se dEle na Ceia do Senhor.
Cristo na Sua morte, sepultamento e ressurreição. Os pro-
testantes se dividem entre os que admitem que o batismo Todo cristão genuíno, seja qual for sua denominação,
só deve ser administrado aos que já são crentes, como está espiritualmente unido a cada um dos demais crentes.
pública profissão de fé, e os que acham que as crianças Todos estão na Igreja Universal. Estamos unidos em Cristo,
também devem ser batizadas. Os episcopais, presbiterianos, que é a nossa vida. Não existem "lobos solitários" no Cris-
luteranos, metodistas e outros praticam o batismo infantil. tianismo. Se formos obedientes ao nosso Senhor, vamos nos
Os batistas e u m grande número de igrejas independentes identificar com os outros crentes e vamos nos unir a eles
mantêm-se fiéis ao batismo somente dos que são aptos a para adoração e serviço. Fazendo assim, além de contri-
expressar sua fé. O primeiro grupo usa diversos tipos de buirmos com nossos dons particulares para o benefício
batismo; o último apenas a imersão. uns dos outros, também seremos abençoados.
112 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ

LEITURA COMPLEMENTAR
BAINTON, Roland H. The Church of Our Fathers (eei. revista).
New York: Charles Scribners, 1950.
BRUCE, F. F. The Spreadinff Flame. Grand Rapids: Eerdmans,
1953.
FLEW, R. Newton. Jesus and His Church (nova ed.). Naperville,
111. Allenson, 1956.
LATOURETTE, Kenneth S. Christianity Through the Ages, New
York: Harper, 1965.
Capítulo 8

os ANJOS, SATANÁS E OS DEMÔNIOS


"Anjo da Guarda" é uma expressão comum, muitas
vezes usada com seriedade e sinceridade. Em São Francisco
existe uma Igreja de Satanás, com um ministro que se pro-
clama sumo sacerdote de Satanás. Os povos primitivos são
freqüentemente dominados pelos demônios.
Serão os anjos, o diabo e os demônios, resultado de
superstição ignorante, ou serão realidades objetivas? A Bí-
blia fala claramente sobre cada u m desses tipos de seres
espirituais. Podem afetar o crente que tem sido bem orien-
tado a compreender claramente quem e o que eles são.
Caso contrário está em perigo de ser vítima das idéias"
populares que podem ser totalmente erradas e prejudiciais.

Os Anjos

Os anjos são mencionados tanto no Velho como no


Novo Testamento. O próprio Jesus referiu-se a eles muitas
vezes. Falando dos "pequeninos", Jesus disse: "Seus anjos
nos céus vêem incessantemente a face de Meu Pai celeste"
(Mt. 18:10). Em relação à Sua volta à Terra nos últimos
tempos, Ele disse: "Mas a respeito daquele dia ou da hora
ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o Filho, senão
somente o Pai" (Mc. 13:22). Outras referências Suas feitas
aos anjos estão em Marcos 8:38 e em Mateus 13:41 e 26:53.
Os anjos são seres criados. "Pois nEle foram criadas
todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as
114 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ OS ANJOS, SATANÁS E OS DEMÔNIOS 115

invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principa- mente. Os anjos também são mencionados como sendo
dos, quer potestádes. Tudo foi criado por meio dEle e para mais poderosos do que os homens (2 Pe. 2:11). Eles os
Ele" (Cl. 1:16). Provavelmente os anjos precederam o ho- superam em força (SI. 103:20).
mem na criação; Satanás, presumivelmente um anjo decaí- Um anjo matou 185.000 assírios em uma noite (Is.
do, visitou o Jardim do Éden para tentar o homem. As 37:36). O poder dos anjos não é inerentemente deles, mas
palavras, "no princípio criou Deus os céus e a terra", in- é delegado por Deus. A palavra grega traduzida para "anjo"
cluem provavelmente a criação dos anjos, ainda que não significa, literalmente, "mensageiro". Os anjos são, basica-
sejam especificamente mencionados. mente, mensageiros ou servos de Deus. São mensageiros do
Diferentes do homem, que se compõe de corpo e espí- Seu poder (veja 2 Ts. 1:7).
rito, os anjos são seres incorpóreos (espíritos puros). "Não Os anjos permanecem na presença do próprio Deus.
são todos eles espíritos ministradores?" (Hb. 1:14). Às Jesus disse que eles "vêem incessantemente a face de meu
vezes tomam forma corpórea, como na ocasião em que Pai" (Mt. 18:10). São superiores ao homem nesse sentido,
dois anjos foram falar com Ló em Sodoma (Gn. 19:1), e e adoram a Deus continuamente (veja Ap. 5:11-12; Is. 6:3).
às vezes se tornam visíveis, como na Ressurreição (Jo. Também se deleitam com Suas obras e Sua graça, e de-
20:12). Tais aparecimentos, entretanto, foram exceções e monstram conhecimento e interesse pelos seres humanos.
não uma regra. "Há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que
Ainda que se use sempre o gênero masculino com a se arrepende" (Lc. 15:10).
palavra "anjo", esses seres não têm distinção de sexo. Jesus
referiu-se a isso quando falou dos crentes ressurretos: Atividade Angélica
"Porque na ressurreição nem casam nem se dão em casa-
mento; são, porém, como os anjos no céu" (Mt. 22:30). A atividade dos anjos na terra tem muitas facetas,
Os anjos são eternos; nunca morrem. Não estão sujei- ainda que essencialmente se relacione com a execução da
tos ao envelhecimento, e lá no céu seremos como eles nesse vontade de Deus. " . . . t o d o s os Seus a n j o s . . . que executais
sentido. "Pois (os salvos) não podem mais morrer, porque as Suas ordens. . . que fazeis a Sua vontade" (Si. 103:20-21).
são iguais aos anjos" (Lc. 20:36). Os anjos castigam os inimigos de Deus e executam
Na ordem da criação divina, os anjos estão em posição Seus juízos, conforme Herodes descobriu quando "um anjo
mais elevada do que o homem. Deus fez o homem um do Senhor o feriu, por ele não haver dado glória a Deus"
pouco abaixo dos anjos (SI. 8:5). Mas o homem redimido, (At. 12:23). Deus enviou u m anjo para destruir Jerusalém
como parte da nova criação, é mais elevado do que os anjos nos tempos de Davi (1 Cr. 21:15).
e terá autoridade sobre eles. "Não sabeis que havemos de Uma verdade mais confortadora é o relacionamento
julgar os próprios anjos?" (Co. 6:3). dos anjos com os crentes individualmente. Os anjos prote-
A inteligência e poder dos anjos são maiores que os do geram Daniel por causa de sua fidelidade a Deus. Para o
homem, ainda que limitados ou finitos. Essa verdade está pasmado Dario, que se achegou à cova dos leões esperando
implícita na declaração de nosso Senhor quando disse que encontrá-lo morto, Daniel disse: "O meu Deus enviou o Seu
os anjos, ainda que estejam no céu, não sabem o dia e a anjo, e fechou a boca dos leões, para que não me fizessem
hora do fim dos tempos (Mc. 13:32). O Evangelho e a sal- dano" (Dn. 6:22). Um anjo atendeu ao que necessitava o
vação são assuntos que os anjos "anelam perscrutar" (1 atormentado e faminto Elias. "Eis que um anjo o tocou, e
Pe. 1:12), o que significa qui, eles não as entendem inteira- lhe disse: Levanta-te, e come" (1 Rs. 19:5). Pedro foi liber-
116 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ OS ANJOS, SATANÁS E OS DEMÔNIOS 117

tado duas vezes da prisão por intermédio de um anjo A declaração sobre "tronos, soberanias, principados e
(At. 5:19; 12:8-11). Desses exemplos e outros, vemos como potestades" (Cl. 1:16) parece indicar hierarquia. Tais clas-
os anjos defendem, protegem e livram os servos de Deus ses de seres celestiais são consideradas boas, organizadas
quando é da vontade dEle que o façam. por Deus. Os seres do mal parecem ter organização e
Os anjos podem levar os cristãos a pregarem o Evan- hierarquia semelhantes: "principados e p o t e s t a d e s . . . do-
gelho a uma determinada pessoa incrédula, como aquele minadores deste mundo tenebroso. . . forças espirituais do
anjo que levou Filipe até o etíope (At. 8:26). Os anjos mal, nas regiões celestes" (Ef. 6:12).
também podem levar uma pessoa incrédula até o cristão,
como quando Cornélio e Pedro se encontraram. Outros Seres Angélicos
No meio de uma crise em alto-mar, Paulo foi encora-
jado por u m anjo no meio da noite (At. 27:23). Durante Miguel é o único arcanjo mencionado nas Escrituras.
a Sua agonia no Jardim, nosso Senhor também foi forta- É considerado guardião especial de Israel e "um dos pri-
lecido por u m anjo (Lc. 22:43). meiros príncipes" (Dn. 10:13,21). Ele lutou com o diabo
Os anjos também se preocupam com a Igreja e suas por causa do corpo de Moisés (Judas 9). Foi ele provavel-
atividades. Paulo exortou Timóteo em relação ao seu minis- mente que falou com Moisés no Monte Sinai, ou Horebe
tério: "Conjuro-te perante Deus e Cristo Jesus e os anjos (Ex. 3:2). Ele dirigiu a batalha no céu contra Satanás
e l e i t o s . . . " (1 Tm. 5:21). As mulheres foram aconselhadas Ap. 12:7).
a usar véus sobre as cabeças "por causa dos anjos" (1 Co. Fontes apócrifas, babilônicas e persas, mencionam sete
11:10), que presumivelmente seriam ofendidos diante de arcanjos. O fato de que a Bíblia só menciona um arcanjo
qualquer demonstração de falta de modéstia ou falta de
indica que a doutrina dos anjos não surgiu de fontes se-
decoro.
culares, como certos críticos pretendem.
Os anjos acompanharão Cristo quando Ele vier em O único outro anjo nominalmente mencionado na Bí-
glória para juízo. "Quando vier o Filho do Homem na Sua blia é Gabriel, conhecido por sua trombeta. Presumivelmen-
majestade e todos os anjos com Ele" (Mt. 25:31). te essa associação vem de 1 Tessalonicenses 4:16, onde se
As Escrituras não mencionam quantos anjos existem, fala da volta de Cristo acompanhada da "voz do arcanjo,
mas está claro que existem muitos. Daniel, na sua visão de e. . . trombeta de Deus". No Velho Testamento Gabriel apa-
Deus, disse: ". . .milhares de milhares O serviam, e miría- rece comissionado para explicar a visão do carneiro e do
des de miríades estavam diante dEle. . ." (Dn. 7:10). João bode (Dn. 8:16) e para pronunciar a profecia das 70 sema-
contou a sua visão: "Vi, e ouvi uma voz de muitos anjos nas (9:21-27). No Novo Testamento ele anunciou dois gran-
ao redor do trono . . .cujo número era de milhões de mi- des nascimentos — de João, a Zacarias e Isabel e de Jesus,
lhões e milhares de milhares" (Ap. 5:11). a Maria (Lc. 1:19,26). Evidentemente Gabriel tem uma po-
Entre esse vasto número de anjos existe organização sição hierárquica elevada como alguém que permanece con-
e hierarquia. Jesus disse que, se quisesse, poderia convocar tinuamente na presença do próprio Senhor (Lc. 1:19). Pa-
mais de 12 legiões de anjos (Mt. 26:53). As referências feitas rece que a sua função é a de um mensageiro enquanto
às hostes celestes, no Velho Testamento, implicam uma que Miguel parece ser um guerreiro.
organização. Micaías disse: "Vi o Senhor assentado no Seu Os anjos jamais são mediadores entre o homem e Deus,
trono, e todo exército do céu estava junto a Ele, à Sua e os homens não devem adorá-los. Certos antigos filósofos
direita e à Sua esquerda" (1 Rs. 22:19).
gregos desenvolveram a idéia de toda uma série de emana-
118 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ OS ANJOS, SATANÁS E OS DEMÔNIOS 119

ções espirituais graduadas através das quais os homens ras. Não existe, entretanto, nenhum ensinamento bíblico que
poderiam entrar em contato com Deus. Tais filósofos afir- exclua tal possibilidade. Seria sábio, entretanto, manter uma
mavam que Deus é santo demais para se preocupar com atitude de sadio ceticismo para com qualquer história de
as coisas materiais em geral, com a terra e o homem em aparição angélica, se o caso não for pessoalmente verifica-
particular. O antigo zoroastrismo ensinava coisa semelhan- do. Às vezes, pessoas impressionáveis têm alucinações, e às
te. Essa doutrina é, entretanto, totalmente estranha aos vezes elas inconscientemente enfeitam suas experiências
ensinamentos da Bíblia. Os anjos são mensageiros de Deus, quando passam a contá-las.
mas isso não significa d e modo nenhum que Ele não se "Uma história a respeito de anjos que parece ser autên-
comunique diretamente com os homens quando assim o tica relaciona-se com o bem conhecido missionário nas
deseja. De modo nenhum teremos necessidade de nos apro- ilhas do Oceano Pacífico, João G. Paton. Tendo o missio-
ximar de Deus através de qualquer outro mediador que nário sido alvo da inimizade do chefe nativo local por causa
não o Senhor Jesus Cristo. do seu sucesso evangelístico, o chefe pagou um capanga
Na filosofia e na a r t e popular, os anjos são criaturas para matar o missionário. O homem dirigiu-se à casa do
providas de asas. A Bíblia não autoriza tal idéia. Nas Es- missionário, mas em lugar de assassinar Paton, voltou ater-
crituras, os anjos muitas vezes aparecem em forma humana. ror Í7ado dizendo que tinha visto uma fileira de homens
Os únicos seres alados mencionados nas Escrituras são os vestidos de branco ao redor da casa do missionário. O chefe
querubins e os serafins. Sobre estes, não temos muita in- pensou que o homem tivesse bebido demais e o instigou
formação. Deus colocou querubins na entrada oriental do a que fosse tentar novamente. Dessa vez outros homens da
Jardim do Éden, com u m a espada flamejante para guardar tribo acompanharam o assassino. Naquela noite todos eles
a árvore da vida (Gn. 3:24). Na visão de Ezequiel (capítulos viram três fileiras de homens rodeando a casa de Paton.
1 e ÍO), os querubins s ã o chamados de "seres viventes". Quando o chefe perguntou ao missionário onde ele
Cada querubim foi descrito como tendo quatro rostos guardava de dia os homens que rodeavam a sua casa du-
de homem, de leão, de boi e de águia. Cada um tinha qua- rante a noite, Paton, nada sabendo a respeito, refutou a
tro asas; duas estendidas por cima e duas para baixo co- idéia. Mas, quando o chefe admirado contou sua história,
brindo seus corpos. o missionário entendeu que os nativos tinham visto u m
Os serafins são mencionados na visão que Isaías teve grupo de anjos enviados por Deus para protegê-lo e rela-
do templo celestial. Tinham seis asas e podiam voar (Is. cionou o acontecido com o Salmo 34:7: "O anjo do Senhor
6:2,6). Parece que tais seres tinham forma humana, fora acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra". Natural-
as asas, e estavam associados aos querubins na guarda do mente ficaram profundamente impressionados com a expli-
trono divino. É possível que os querubins e serafins este- cação do missionário "o que e lógico" ^ .
jam relacionados de algum modo com as criaturas viventes
do céu (Ap. 4:5). Seres Espirituais Malignos
Ao contrário da mitologia popular, as Escrituras não
sancionam de modo n e n h u m a idéia de que uma pessoa se Deus criou os anjos perfeitos, e eles foram, no princí-
transforma em anjo depois que morre. pio, espiritualmente perfeitos. Ao mesmo tempo, tinham
É com freqüência q u e surge a pergunta sobre se os livre arbítrio e eram suscetíveis às tentações e ao pecado.
anjos aparecem hoje e m dia como nos tempos bíblicos. A Como o pecado poderia ter entrado na vida de uma criatura
experiência não indica q u e tais aparições sejam corriquei- perfeita é um mistério, mas que realmente aconteceu assim
120 SAIBA O QUE "VOCÊ CRÊ OS ANJOS, SATANÁS E OS DEMÔNIOS 121

está claro. Pedro adverte contra a apostasia com base no Os Outros Nomes de Satanás
julgamento divino dos anjos (2 Pe. 2:4), e lemos a respeito
de anjos que "não guardaram o seu estado original, mas Os outros nomes bíblicos de Satanás também indicam
abandonaram o seu próprio domicílio" (Jd. 6). Alguns a sua realidade e personalidade. O único outro nome pró-
acham que essa queda angélica aconteceu depois da prio que lhe foi dado é Diabo. Outros termos que lhe foram
Criação (Gn. 1:1) e que por causa dela a criação original aplicados descrevem a sua pessoa e a sua obra. Ele é o
tornou-se "sem forma e vazia" (v. 2). A causa da queda tentador (1 Ts. 3:5). Ele é o maligno que arrebata a boa
angélica não foi especificada, mas presumivelmente está semente da Palavra de Deus do coração dos homens (Mt.
relacionada com a queda de Satanás. 13:19). Ele é o inimigo que semeia joio entre a boa semente
(Mt. 13:39). Ele é o nosso adversáiio (1 Pe. 5:8). Jesus o
O nome Satanás significa "adversário" ou oponente. chama de pai da mentira e de assassino (Jo. 5:44). Ele é o
Pedro o chama de "o diabo, vosso adversário" (1 Pe. 5:8). supremo enganador (Ap. 12:9).
Josué ficou diante do anjo do Senhor, "e Satanás estava
à mão direita dele, para se lhe opor" (Zc. 3:1). Satanás Belial (2 Co. 6:15) e Belzebu (Mt. 12:24) têm signifi-
("o adversário") é o oponente e inimigo de Deus e do cados obscuros, mas não usados como sinônimos de Sata-
Seu povo. nás. Indicam uma personalidade maligna.
Tem estado na moda, ultimamente, considerar a crença A queda de Satanás e a perda de sua alta posição de
na existência e na personalidade de Satanás como coisa anjo perfeito está envolta em mistério, bem como a dos
primitiva, ingênua e até mesmo supersticiosa. Sugere-se, demais anjos que decaíram juntamente com ele. Presumi-
pelo contrário, que Satanás, se devemos usar o termo, é mos que participaram de suas atitudes e que ele se tornou
apenas a personificação do mal que existe no mundo. Essa o líder deles. Muitos estudiosos da Bíblia acham que duas
noção tem resultado parcialmente da reação às idéias ex- passagens do Velho Testamento dão pistas sobre o que
travagantes e expressões de vários artistas sobre Satanás induziu Satanás à rebelião e conseqüente queda.
que foram muito usadas durante a Idade Média. Mas tais
idéias distorcidas não têm base na nossa única fonte de Uma dessas passagens é Ezequiel 28:12-19. Ainda que
autoridade e informação — as Escrituras. toda ela fale do "príncipe de Tiro" (v. 12), parece que
também descreve um ser que é mais que um simples ho-
Em lugar nenhum a Bíblia descreve Satanás como mem. O que se diz de Tiro só poderia ser aplicado ao rei
sendo u m ser vermelho de chifres, com rabo e de espeto terreno de Tiro em sentido descritivo e figurado. Mas se
trifurcado na mão. Há quem ache que tais caricaturas fazem aceitarmos o que foi dito como se referindo a Satanás,
parte de mentiras de Satanás para persuadir o sofisticado descobriremos que ele foi, originalmente, criado "cheio de
homem do século XX de que ele não existe. A credulidade sabedoria e formosura" (v. 12). A passagem também indica
humana torna assim o seu trabalho muito menos difícil. que originalmente Deus o responsabilizou pela terra. A
Biblicamente, não pode haver dúvidas quanto à exis- declaração "Perfeito eras nos teus caminhos desde o dia
tência do diabo e à sua personalidade. Ele apareceu diante em que foste criado, até que se achou iniqüidade em ti",
do Senhor quando Deus o desafiou a respeito de Jó (Jó poderia indicar que, mesmo tendo sido criado perfeito ele
1:6-12). Não pode haver engano quanto à realidade de Sa- tornou-se pecador. Considerando que esse pecado data da
tanás quando tentou nosso Senhor no deserto. Ele falou a época pre-adâmica provavelmente Satanás foi o originador
Jesus e Jesus falou com ele (Mt. 4:1-11). do pecado. Seu pecado foi o orgulho.
122 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ OS ANJOS, SATANÁS E OS DEMÔNIOS 123

A segunda passagem é Isaías 14:12-15, a qual, se acei- chave do poço do abismo" (Ap. 9:1). Essas passagens todas
tarmos que se refere a Satanás, descreve a natureza do seu referem-se a Satanás e, ainda mais, indicam sua identifi-
pecado inicial. A passagem refere-se espcificamente ao Rei cação com Lúcifer.
da Babilônia, mas temos motivos para crer que Satanás
sempre quis se identificar com o poder político liderante Depois de expulso do céu. Satanás continuou opondo-se
no mundo em qualquer período da história. Se é assim, é a Deus no Jardim do Éden, onde teve sucesso tentando
fácil perceber porque foi descrito como sendo o Rei de Adão e Eva a pecar. Ele tem continuado em sua obra dia-
Tiro em uma ocasião e o Rei da Babilônia em outra. O bólica através da história da humanidade, e está ativamente
Senhor Jesus referiu-se a ele três vezes, chamando-o de "o ocupado nela até o dia de hoje. Ele é "o deus deste século
príncipe deste mundo" (Jo. 12:31; 14:30; 17:11). As Escri- (que) cegou os entendimentos dos incrédulos, para que
turas ensinam que os negócios das nações e das civilizações lhes não resplandeça a luz" (2 Co. 4:4). É um fato impor-
tante a lembrar no evangelismo, o qual não é simplesmente
são afetadas tanto por anjos como por demônios.
um concurso de vontades ou intelectos humanos. O opo-
Se Isaías 14 se refere a Satanás, vemos que ele poderia nente da testemunha cristã é "o príncipe da potestade do
ter achado que a sua responsabilidade na terra era trivial ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência"
demais para o seu "status", que talvez fosse o de arcanjo. (Ef. 2:2). Ele dirige um reino poderoso cujos súditos terre-
Ele é chamado de "Lúcifer, filho da alva" (Is. 14:12). A nos só Cristo pode "convertê-los das trevas para a luz e da
palavra Lúcifer significa "resplandecente", ou "portador da potestade de Satanás para Deus" (At. 26:18).
luz". Como um ser criado por Deus e Seu servo, talvez não
estivesse inteiramente consciente dos planos de seu Mestre Nosso Senhor foi acusado de expulsar demônios pelo
em relação à terra (veja Jo. 15:15), e portanto não enten- poder do "príncipe dos demônios" (Mt. 9:34). Os demônios
desse a importância dela como o lugar onde Deus ia se são provavelmente anjos decaídos. Executam o mesmo tipo
manifestar na criação, no homem e, mais tarde, na encar- de atividades satânicas.
nação do Seu Filho.
Nas declarações atribuídas a Satanás (Is. 14:13-14), há Possessão Demoníaca
quem perceba a raiz de todo o pecado — a disposição da
mente e da vontade de uma criatura contra Deus. No Jar- Nos tempos atuais, muitos teólogos encaram a posses-
dim do Éden, Satanás lançou dúvidas sobre o amor e sabe- são demoníaca como uma simples e primitiva descrição
doria de Deus (Gn. 3:4-5), como se Deus não soubesse o pré-científica do que hoje conhecemos por doença mental.
que era melhor para o homem ou não lho quisesse dar. Através de toda a história, sem dúvida, algumas vítimas
"A vontade de Deus é sempre o bem mais alto que a Sua de doenças mentais foram injustamente acusadas de pos-
sabedoria pode planejar. No Jardim do Éden, Satanás teve sessão demoníaca e, conseqüentemente, tratadas severa-
êxito em convencer o homem que poderia se sair melhor mente. Mas precisamos nos precaver para não confundir
sozinho do que seguir os planos de Deus; e esse é o proble- as duas condições.
ma contemporâneo do mundo de hoje" 47. Há quem sugira que toda doença começa e é causada
Existem semelhanças entre a descrição de Isaías, a por demônios, mas o Novo Testamento faz uma clara dis-
declaração de Jesus (Eu via Satanás caindo do céu como tinção: ". .t truuxeram-lhe, então, todos os doentes acome-
um relâmpago", Lc. 10:18), e a visão de João em Patmos: tidos de várias enfermidades e tormentos: endemoninha-
"E vi uma estrela caída do céu na terra. E foi-lhe dada a dos, lunáticos e paralíticos" (Mt. 4:24). Aqui se faz uma
124 OS ANJOS, SATANÁS E OS DEMÔNIOS 125
SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ

diferenciação explícita entre as doenças comuns e a posses- exibe força sobre-humana. Pode também ter poderes de te-
são demoníaca, e entre a possessão demoníaca e a loucura. lepatia e clarividência. Deve-se notar que a possessão, em
todos os casos, é de demônios ou espíritos malignos, nunca
Em outra ocasião Jesus expulsou u m demônio que
de bons espíritos.
causara mudez (Mt. 9:32-33). Esse trecho esclarece que os
resultados da possessão demoníaca não são exclusivamente Entretanto, apesar do grande poder de Satanás e seus
mentais ou nervosos. A Bíblia também não relaciona a demônios, o cristão não precisa temê-los se estiver em ínti-
epilepsia com a possessão demoníaca. O menino que Jesus ma comunhão com o Senhor. A presença do Espírito Santo
curou de ataques (Mt. 17:15-18) aparentemente tinha algo em nós é uma realidade e garante a nossa segurança (1
mais que epilepsia. O maníaco gadareno (Marcos 5:1-20) e Jo. 4:4).
possivelmente o homem que enfrentou os sete filhos do Essas verdades são claras nos ensinamentos bíblicos
exorcista Ceva (At. 19:16), além de ser possuído pelo de- e suas implicações sobre Satanás e os demônios.
mônio, também deveria ter algum tipo de doença mental. Primeiro, o poder de Satanás sobre o crente é limitado.
A possessão demoníaca foi raras vezes mencionada no O diabo não teria tocado em Jó sem a permissão de Deus
Velho Testamento, no Livro dos Atos ou nas epístolas. Inci- (Jó 1:9-12; 2:4-6). Os demônios precisaram pedir permissão
dentes relacionados com ela centralizam-se no ministério a Cristo para entrar nos porcos (Mc. 5:12). Satanás não
de nosso Senhor e talvez indiquem um ataque especial de é todo-poderoso.
Satanás sobre a humanidade durante esse período. O diabo também não é onisciente. Se fosse, saberia de
Entretanto, a possessão demoníaca é u m fenômeno co- antemão a futilidade de seu esquema de subverter Jó, e
nhecido em todo o mundo, com casos contemporâneos au- teria certamente percebido que lhe era inútil tentar o Se-
tênticos relatados neste país, como tambéin em outras par- nhor no deserto.
tes do mundo. Parece que é possível abrir-se deliberada- Satanás foi derrotado por Cristo na Cruz. Lá, "despo-
mente à possessão demoníaca. Brincar com o ocultismo ou jando os principados e as potestades, publicamente os
penetrar através dos limites do mundo dos espíritos são
expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz" (CL 2:15).
práticas perigosas que os cristãos devem evitar com todo
Sabemos que "para isto se manifestou o Filho de Deus,
cuidado.
para destruir as obras do diabo" (1 Jo. 3:8).
Não devemos nunca tentar derrotar demônios com o
nosso próprio poder. Até os discípulos tiveram alguns en- Satanás está designado para o eterno juízo final. "O
contros frustrantes com esses espíritos. Jesus disse: "Esta diabo, o sedutor deles, foi lançado para dentro do lago de
casta não pode sair senão por meio de oração e jejum" fogo e enxofre, onde também se encontram não só a besta
(Mc. 9:29). Geralmente, os espíritos malignos eram exor- como o falso profeta; e serão atormentados de dia e de
cizados com a ordem de saírem em nome de Cristo (veja noite pelos séculos dos séculos" (Ap. 20:10).
At. 16:18). Alguém sugeriu que em lugar de tentar exorcizar Estando Satanás vencido por Cristo, Deus promete,
por nós mesmos, um espírito satânico, mesmo usando o encorajando os cristãos, que se eles resistirem ao diabo,
nome de Cristo, devemos pedir a Deus que o faça por nós. este fugirá deles (Tg. 4:7). Mas a nossa resistência tem
Foi como fez o próprio arcanjo Miguel (Jd. 9). de ser firme na fé (1 Pe. 5:9). Para melhor podermos frus-
Uma pessoa possuída por um demônio age invariavel- trar os desígnios de Satanás quanto às nossas pessoas, de-
mente de maneira fora do natural e do normal. Freqüente- vemos nos submeter diariamente ao Senhor em oração e
mente fala com voz diferente da sua voz normal, e às vezes nos revestir de toda a armadura de Deus (Ef. 6:10-17).
126 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ

Precisamos evitar o extremo de tentar enxergar Sata-


nás por trás de cada infortúnio, furtando-nos assim da nossa
responsabilidade pessoal. Entretanto, igualmente perigoso
seria deixarmo-nos acalentar pela sofisticação de nosso sé-
culo a ponto de ficarmos inconscientes da existência de
Satanás e suas artimanhas armadas contra nós na batalha
espiritual em que cada crente está alistado.
Capítulo 9

A SALVAÇÃO
Sob certo ponto de vista, a salvação é muito simples.
Pode ser resumida nas palavras de Paulo ao carcereiro de
Filipos: "Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo" (At.
16:31). Ao mesmo tempo, a salvação é muito profunda; ela
tem o mais penetrante e o mais permanente impacto pos-
sível sobre a pessoa que a experimenta. É claro que não
precisamos entender todos os aspectos da salvação antes
de aceitá-la. Podemos entender muito pouco dela quando
aceitamos Cristo. Grande parte não entenderemos até que
vejamos nosso Senhor face a face. Estudando a Palavra de
Deus e tentando entender mais profundamente a verdade
da nossa salvação somos grandemente enriquecidos espi-
ritualmente.
Diversos termos teológicos são geralmente usados em
relação à salvação. Cada um deles contribui com algo e,
reunidos, produzem maior profusão de luz divina. Nenhum
desses termos ou verdades pode ser isolado completa-
LEITURA ADICIONAL mente uns dos outros. É preciso que sempre os estudemos
KOCH, Jurt. Christian Counseling and Occultism. Grand Rapids: no seu contexto. Não podemos sempre ser dogmáticos sobre
Kregel, 1965.
LEWIS, C. S. Screwtape Letters. New York: Macmillan, 1947. a ordem, ou seqüência, na qual um indivíduo poderia expe-
PÍ3TERSON, Robert. The Roaring Liou, London: Overseas Missio- rimentar esses diversos aspectos da salvação, pois geral-
nary Fellowship, 1968.
UNGER, Merril F. Biblical Demonology. Wheaton, III. Scripture mente sobrepõem-se e às vezes são simplemente diferentes
Press, 1952. aspectos da mesma verdade.
128 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A SALVAÇÃO 129

Arrependimento As emoções também são envolvidas no arrependimento.


"Arrependimento divino", em contraste com o arrependi-
João Batista começou o seu ministério com um cha- mento superficial, costuma preceder a mudança da mente.
mado ao arrependimento: "Arrependei-vos, porque está pró- "A tristeza, segundo Deus, produz arrependimento para a sal-
ximo o reino dos céus" (Mt. 3:2). Jesus começou a pregar vação — que a ninguém traz pesar!" (2 Co. 7:10). O arre-
com palavras idênticas (Mt. 4:17). Ordenou aos Seus dis- pendimento envolve um sentimento da hediondez do pe-
cípulos que pregassem "arrependimento para remissão de cado nos seus efeitos sobre o homem e no seu relaciona-
pecados, a todas as nações, começando de Jerusalém" (Lc. mento com Deus. Entretanto, a emoção não é o padrão pelo
24:47). Pedro pregou essa mensagem no Dia de Pentecos- qual se meça o arrependimento de alguém. A presença ou
tes (At. 2:38). Paulo destaca que agora Deus "notifica aos ausência de lágrimas não indica necessariamente a legiti-
homens que todos em toda parte se arrependam" (At. 17:30; midade ou não do arrependimento. Mas quando verdadei-
veja também 26:20). Aceitação do Evangelho, tanto de ju- ramente nos arrependemos é certo experimentarmos algum
deus como de gregos, consiste de "arrependimento para sentimento a esse respeito.
com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo" (At. 20:21). O arrependimento envolve a vontade. O filho pródigo,
A palavra usada no Velho Testamento para arrependi- além de readquirir o seu juízo intelectualmente e sentir
mento significa voltar ou retornar. Implica uma decisão uma aversão pela sua condição e pelo que tinha feito, ele
pessoal de se afastar do pecado e voltar-se para Deus. No agiu. "Levantar-me-ei e irei ter com meu p a i . . . E, levan-
Novo Testamento, os termos "arrepender-se" e "arrependi- tando-se, f o i . . . " (Lc. 15:18,20). O arrependimento é ação
mento" aplicados ao relacionamento do homem com o pe- deliberada, afastamento espontâneo do pecado para ir em
cado e com Deus tem o significado básico de mudança da direção a Deus. O verdadeiro arrependimento sempre conduz
mente. Implicam uma mudança de pensamento em relação a uma mudança na conduta ou atitude.
ao pecado e uma volta para Deus. Em um certo sentido -
são os aspectos negativos e positivos da mesma verdade. Os Fé
dois juntos são inseparáveis e se complementam. Paulo na
sua defesa diante de Agripa, disse que pregava tanto ,aos O arrependimento, se for genuíno, conduz à fé. Alguns
judeus como aos gentios "que se arrependessem e se con- cristãos entendem, realmente, que a "fé" inclui arrependi-
vertessem a Deus, praticando obras dignas de arrependi- mento, destacando que para uma pessoa aceitar a Cristo
mento" (At. 26:20). como seu Salvador pela fé já é uma evidência de que está
O verdadeiro arrependimento não é simplesmente u m consciente de sua necessidade do Salvador, porque é peca-
sentimento de remorso, como o que sentiu Judas depois de dora. O termo fé, em suas formas de substantivo, verbo e
trair o Senhor. Envolve o intelecto, as emoções e a vontade. adjetivo, foi usado dúzias de vezes no Velho Testamento,
O arrependimento leva a mente a perceber tanto a san- mas aparece centenas de vezes no Novo Testamento. Seu
tidade da lei de Deus como a completa incapacidade de lhe significado mais comum é confiança genuína ou dependên-
obedecer. Pode também envolver uma mudança da mente cia de alguém.
quanto à compreensão da pessoa de Cristo, como aconte- A fé é o ponto central de toda a experiência cristã. "De
ceu com os judeus no Dia de Pentecostes (At. 2:14-40). fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é ne-
Antes encaravam Jesus como u m impostor, mas Pedro os cessário que aquele que se aproxima de Deus creia que
convocou a aceitá-Lo como o Messias e Salvador. Ele existe e que se torna galardoador dos que O buscam"
130 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A SALVAÇÃO 131

(Elb. 11:6). A fé, no Novo Testamento, sempre tem como Deus credita por justiça para o crente e que conduz o seu
seu antecedente a Pessoa e a obra de Cristo. Ele é o objeto possuidor a desejar uma vida santa.
de nossa fé, dependência ou confiança. Todo aquele que Quando lemos que somos salvos pela fé e não por
crê nEle não perecerá, mas terá a vida eterna (Jo. 3:16). "obras", as obras em questão se referem ao cumprimento
Em si mesma a fé não tem significado. Tem sempre um da Lei em um esforço de ganhar a salvação. (Tg. 2:14,18,20)
objeto para o qual se dirige e sobre o qual descansa. Se o não usa a palavra "obra" nesse sentido. Suas "obras" asse-
objeto de nossa fé é indigno de confiança, somos vítimas melham-se ao "fruto do Espírito" que Paulo menciona (Gl.
de superstição, não importa quão intensa ou sinceramente 5:22). "São atitudes calorosas de amor brotando de um
creiamos. relacionamento certo com Deus. São os frutos da fé. Tiago
A fé salvadora consiste de diversos elementos. Primeiro, se opõe à declaração de que existe fé onde não existe fruto
os jatos a respeito de Cristo — Sua Divindade, Sua morte, que a comprove" 48.
e a nossa necessidade dEle. Precisamos aceitar tais fatos Como surge a fé? "A fé vem pela pregação e a pregação
como verdadeiros, pois uma aquiescência simplesmente pela palavra de Cristo" (Rm. 10:17). Nos dias apostólicos,
mental não nos pode salvar. Tiago esclarece este ponto. "muitos, porém, dos que ouviram a palavra a aceitaram"
"Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios (At. 4:4). Deus usa a Sua Palavra, tanto a falada como a
crêem e tremem" (Tg. 2:19). Ninguém pode ser cristão escrita, para produzir fé. Ao mesmo tempo, "Deus repartiu
sem crer nestes fatos básicos, mas a fé salvadora vai além a cada um segundo a medida da fé" (Rm. 12:3), o que
da simples crença a respeito de Cristo até à submissão com- significa que a fé é obra de Deus.
pleta e confiança nEle. Tal submissão envolve a vontade Em quase cada aspecto da salvação existe uma miste-
e também a mente e as emoções. Ninguém crê simples- riosa atuação recíproca entre o lado divino e o humano.
mente porque sente — a pessoa decide sobre o que vai crer. No entanto, nem sempre é possível traçar linhas distintas
A fé é o instrumento que nos liga a Cristo. O Novo Tes-' de separação. Como, por exemplo, quando pensamos no
tamento enfatiza que somos salvos pela fé e não pelas arrependimento e na fé como a resposta do homem à rege-
obras. "Mas ao que não trabalha, porém crê naquele que neração, que Deus produz.
justifica ao ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça"
(Rm. 4:5). Regeneração
À primeira vista, a Epístola de Tiago parece estar em
desacordo com essa afirmação: "Meus irmãos, qual é o "A regeneração, ou o novo nascimento, é o lado divino
proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? dessa mudança de coração que, vista do lado humano,
Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo?. . . Verificais que uma chamamos de conversão" AS . O termo só foi usado duas
pessoa é justificada por obras, e não por fé somente" (Tg. vezes no Novo Testamento — sobre a restauração do mun-
2:14,24). do (Mt. 19:28) e sobre a renovação ou renascimento dos
A "fé" que Tiago critica é a mera "crença intelectual" indivíduos. "Não por obras de justiça praticadas por nós,
— simples aquiescência intelectual aos fatos. Tal "fé" não mas segundo Sua misericórdia, Ele nos salvou mediante o
leva a uma vida santa e portanto é sem valor, ou "morta" lavar regenerador e renovador do Espírito Santo" (Tt. 3:5).
(Tg. 2:20). Não tem valor salvador. Quando lemos a res- O pecado é coisa tão séria que um pecador não pode
peito de "fé" em outras epístolas, trata-se de confiança em sequer ver o reino de Deus, quanto mais entrar nele, se não
Cristo de todo o coração. Essa é a fé com base no que nascer de cima, ou de novo (Jo. 3:3) — conforme Jesus
132 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ 133
A SALVAÇÃO

enfatizou em Sua conversa cora o líder judeu Nicodemos. Precisamos entender diversos termos teológicos para
Deus toma a iniciativa na regeneração, ou renascimento, evitar a confusão e os erros populares. Tais termos são:
mas o homem tem de, ativamente, responder com a fé. eleição, predestinação e presciência.
"Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de
serem feitos filhos de Deus; a saber: aos que crêem no Seu
nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade Eleição
da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus" (Jo.
1:12-13). "Mas Deus, sendo rico em misericórdia. . . estando A eleição relaciona-se com a escolha divina de certos
nós mortos em nossos delitos, nos deu a vida juntamente grupos de pessoas que recebem a Sua graça. Essa escolha
com Cristo" (Ef. 2:4-5). baseia-se na Sua vontade soberana e não no valor, bondade
ou disposição desses escolhidos. No Velho Testamento, a
O novo nascimento produz como resultado não uma eleição divina foi exemplificada na escolha de Abraão, com
mudança de personalidade propriamente dita, mas uma o qual Deus estabeleceu eterno concerto, e dos descenden-
completa mudança no modo de viver. Antes do novo nas- tes de Abraão, a nação de Israel, para ter com Ele u m
cimento, o ego e o pecado estão no controle; mas depois relacionamento especial (Gn. 11:31;12:7).
dele, o Espírito Santo assume o controle. Uma pessoa rege-
nerada participa da própria vida de Deus. Ela se torna A eleição, conforme aplicada no Novo Testamento, re-
"participante da natureza divina" (2 Pe. 1:4), e foi descrita laciona-se com a escolha divina de indivíduos particulares
como "nova criatura" (1 Co. 5:17); ela se reveste "do novo para a salvação. Jesus disse: "E Ele (Deus) enviará os
homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão proce- anjos e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos, da
dentes da verdade" (Ef. 4:24; veja também Cl. 3:10). A extremidade da terra até à extremidade do céu" (Mc. 13:27).
regeneração é uma experiência decisiva que acontece uma Os cristãos foram "eleitos (escolhidos), segundo a pres-
vez por todas, ainda que tenha resultados contínuos na ciência de Deus Pai" (1 Pe. 1:2). Deus "nos escolheu (ele-
vida do cristão. geu) nele antes da fundação do mundo. . . nos predestinou
para Ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus
Deus quer "que todos os homens sejam salvos e che- Cristo, segundo o beneplácito de Sua vontade" (Ef. 1:4-5).
guem ao pleno conhecimento da verdade" (1 Tm. 2:4). Se O próprio Jesus declarou explicitamente: "Não fostes vós
alguns homens não foram regenerados ou não nasceram de que Me escolhestes a Mim; pelo contrário, Eu vos escolhi
novo não é por culpa de Deus. A responsabilidade repousa (elegi) a vós outros e vos designei (Jo. 15:16).
sobre os homens. Nosso Senhor diagnosticou esse proble-
ma. Quando falava a um grupo característico, disse: "Con-
tudo não quereis vir a Mim para terdes vida" (Jo. 5:40). Predesiinação e Presciência
Não é que eles não podiam vir, mas que não queriam. Re-
cusavam-se deliberadamente a fazê-lo. Intimamente ligadas à eleição estão a predestinação e a
Como realmente os homens chegam a ter fé em Cristo presciência. Predestinação é um termo usado apenas em
é uma questão muito profunda. Alguns, encarando o pro- relação aos cristãos. Indica que o propósito divino para
blema inteiramente do lado humano têm a tendência de um crente -—• que ele se torne semelhante a Cristo — tem
eclipsar a soberania de Deus. Outros, aproximando-se dele de se realizar. "Porquanto aos que de antemão conheceu,
apenas do lado divino, parece que cancelam a liberdade também os predestinou para serem conformes à imagem
humana. de Seu F i l h o . . . E aos que predestinou, a esses também
chamou; e aos que chamou, a esses também justificou, e
134 N SAIBA O QUE "VOCÊ CRÊ A SALVAÇÃO 135

aos que justificou, a esses também glorificou" (Rm. 8:29- dos casos, racionalizam eles, precisam se preocupar. É um
30). A presciência, a predestinação, a vocação, a justifica- erro trágico. Ninguém no inferno poderá dizer a Deus:
ção e a glorificação formam um conjunto "compacto". A "Eu quis ser salvo, mas o meu nome estava na lista
pessoa que tem uma delas tem todas. A seqüência indica errada".
que sem a graça de Deus não podemos aceitar Cristo. Jesus A eleição e a predestinação são sempre para a salva-
disse: "Ninguém pode vir a Mim se o Pai que Me enviou ção e para as bênçãos que dela advêm —- nunca para o
não o trouxer" (Jo. 6:44). juízo. A verdade é que ninguém crê no Salvador se Deus,
Tal como a eleição, a predestinação está de acordo com o Espírito Santo, não convencê-lo, como também é verdade
a vontade e o propósito soberanos de Deus. Não se baseia que aqueles que não aceitam Cristo escolhem não crer. Deus
no mérito das pessoas que Ele escolheu. nunca recusa salvar alguém que deseja a salvação.
É importante entender que todos os homens são pe- Alguns acham que a expressão "eleitos, segundo a pres-
cadores e estão sob o juízo de Deus. "Deus querendo mos- ciência de Deus" (1 Pe. 1:2) significa que Deus elege para
trar a Sua ira, e dar a conhecer o Seu poder, suportou com a salvação aqueles que Ele sabe de antemão que aceitarão
muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a positivamente o Evangelho. Mas presciência não é o mesmo
perdição, a fim de que também desse a conhecer as rique- que predeterminação ou eleição.
zas da Sua glória, em vasos de misericórdia, que para Através de toda a História da Igreja têm surgido ho-
glória preparou de antemão" (Rm. 9:22-23). A discrimina- nestas diferenças de opinião a respeito dessas doutrinas
ção não envolve nenhuma injustiça, pois o Criador não complexas e de difícil explicação cabal. Cada crente deve
deve misericórdia a ninguém e tem o direito de fazer como e pode ter a sua opinião a respeito delas guardando um
Lhe apraz com Suas rebeldes criaturas (Rm. 9:14-21). A espírito tolerante para com aqueles que divergem da sua
maravilha não está no fato de que Ele retém a Sua miseri- opinião.
córdia de alguns, mas de que pode conceder graça a to-
dos" 50. Conta-se que houve um diálogo entre Charles Simeon
e John Wesley, ocorrido aos 20 de dezembro de 1874, que
O propósito dos ensinamentos bíblicos sobre a eleição é muito útil para esclarecer este ponto. Simeon disse: "Se-
e predestinação é levar os pecadores perdoados a adora- nhor, sei que o chamam de arminiano; e eu sou chamado
rem Deus pela graça que experimentaram. Chegam à con- às vezes, de calvinista; e portanto nós deveríamos desem-
clusão, em termos inequívocos, que a salvação vem toda bainhar nossas espadas. Mas antes de começarmos o nosso
de Deus e nem um pouco de si mesmos. Também compre- combate, permita-me fazer-lhe algumas perguntas. . . Diga-
endem que, sendo escolhidos em Cristo antes da fundação me, senhor, pode sentir-se uma criatura depravada, tão de-
do mundo, sua eleição é eterna e portanto certa. Isso ins- pravada que jamais pensaria em se voltar para Deus se
pira devoção e amor a Cristo com gratidão pelo amor in- Deus mesmo não o tivesse colocado em seu coração?"
sondável de Deus.
A idéia errônea popular a respeito da eleição e da pre- "Sim", respondeu Wesley, "sou realmente assim".
destinação como atos arbitrários de um tirano caprichoso "E o senhor não tem esperança nenhuma de apresen-
é totalmente estranha e injusta para com as Escrituras. A tar a Deus alguma coisa que tenha feito por si mesmo,
atitude muitas vezes expressa pelos incrédulos é a de que, nem de buscar a salvação a não ser mediante o sangue e a
sendo eleitos, irão para o céu de qualquer maneira, e se justiça de Cristo?"
não são, não adianta fazer qualquer tentativa. Em nenhum "Sim, só por Cristo".
136 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A SALVAÇÃO 137

"Mas, senhor, supondo que fosse era primeiro lugar perdoa nossos pecados, tornando-nos neutros — como que
salvo por Cristo, não poderia de alguma outra forma salvar- verdadeiras nulidades morais e espirituais. Ele nos vê em
se depois através de suas próprias obras?" Cristo como possuidores de Sua justiça perfeita. A justi-
"Não, tenho de ser salvo por Cristo do princípio ao fim". ficação relaciona-se com a nossa posição diante de Deus, e
"Aceitando, então, que foi em primeiro lugar colocado é objetiva. Não toma ninguém pessoalmente justo, mas
no caminho certo pela graça de Deus, não deveria o senhor declara-o justificado no sentido legal, e o coloca em correto
se manter nele pelas suas próprias forças?" relacionamento com Deus.
"Não". Paulo, para quem a justificação é o ponto central da
"E então? O senhor precisa ser mantido cada hora e Salvação, a base, o fundamento para a nossa justificação,
cada momento por Deus, assim como uma criancinha nos ou seja, a razão em que se firma a declaração da nossa
braços de sua mãe?" isenção de culpa, é duplo. É que a morte de Cristo como
"Sim, totalmente". nosso Substituto satisfez às exigências da Santa Lei de
"E toda a sua esperança está na graça e misericórdia Deus contra o pecado. "Sendo nós ainda pecadores, Cristo
de Deus para guardá-lo até alcançar o Seu reino celeste?" morreu por nós. Logo, muito mais agora, sendo justificados
"Sim, não confio em ninguém a hão ser nEle". pelo seu sangue, seremos por Ele salvos da ira". (Rm. 5:8-9).
"Então, senhor, com sua permissão guardarei minha A outra base para que Deus possa nos declarar justi-
espada novamente; pois esse é todo o meu calvinismo; esta ficados é a perfeita obediência de Cristo. "Porque, como
é a minha eleição, minha justificação pela fé, minha per- pela desobediência de um só homem (Adão) muitos (isto
severança até o fim; é substancialmente tudo o que eu é, todos os homens) se tornaram pecadores, assim também
defendo e como o defendo; portanto, com sua permissão, por meio da obediência de um só (Cristo) muitos (isto é,
em lugar de procurarmos frases e termos para estabelecer todos os que crêem) se tornarão justos" (Rm. 5:19). Cristo
o terreno da diferença que existe entre nós, vamos cordial- identificou-se conosco quando foi feito pecado por nós so-
mente nos unir nas coisas em que concordamos" 5 1 . bre a cruz; e nós somos identificados com Ele em Sua no-
A experiência da salvação quanto ao relacionamento vidade de vida ressurreta, e participamos de Sua justiça.
entre os fatores divinos e humanos pode parecer contradi- Somos justificados pela fé. Esta verdade explodiu no
tória, porém, os resultados da salvação são bem claros. coração e na mente de Martinho Lutero como uma bomba,
Existem três fases da salvação: passado, presente e futuro. quando ele entendeu estas palavras: "Justificados, pois, me-
Fomos salvos, estamos sendo salvos e seremos salvos —• diante a fé, tenhamos paz com Deus, por meio de nosso
são declarações verdadeiras. Cada uma se refere a um as- Senhor Jesus Cristo" (Rm. 5:1). Depois de uma longa luta
pecto particular da salvação. infrutífera para ganhar o favor de Deus por meio de seus
próprios esforços, Lutero subitamente entendeu que não
Justificação era o que ele tinha de fazer, mas o que Deus tinha feito,
que tornavam possíveis a justificação e a paz. A Reforma
A justificação foi, muitas vezes, definida como signifi- Protestante resultou desta descoberta.
cando alguém dizer: "sinto-me exatamente como se nunca O fato de que somos justificados torna-se claro por
tivesse cometido pecado". Este aspecto envolve quitação, meio da evidência de nossas vidas que se modificam, pela
mas a justificação vai mais adiante, declarando que a pes- nossa obediência a Deus e o desejo de fazermos a Sua von-
soa é justa. Quando Deus nos justifica, Ele não apenas tade. Quando dizemos que fomos salvos, referimo-nos à
138 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ A SALVAÇÃO 139

nossa justificação. Paulo escreveu aos efésios: "Porque amadurecendo espiritualmente, "somos transformados de
pela graça sois salvos, mediante a fé" (Ef. 2:8). A certeza glória em glória, na Sua própria imagem (de Cristo), como
de Paulo sobre urn acontecimento passado, baseado no que pelo Senhor, o Espírito" (1 Co. 3:18).
Deus fez, levou-o a transbordar de segurança. "Porque eu Há quem considere a santificação uma crise, tal como
estou bem certo", ele escreveu, "de que nem morte, nem a justificação, e que se pode experimentar "santificação
vida, nem anjos, nem principados, nem coisas do presente, completa" em questão de segundos. Diferenças de opinião
nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem profundida- sobre esta questão depende da definição do pecado e do
de, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do padrão do significado do que seja uma vida santa. O peca-
amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rm. do costuma ser definido como "qualquer transgressão vo-
8:38-39). Nós também podemos desfrutar de tal segurança, luntária de uma lei conhecida", conforme as palavras de
pois a nossa salvação é um fato realizado se estivermos Wesley. O Breve Catecismo de Westminster, por outro
em Cristo. lado, define o pecado como "qualquer falta de conformi-
dade ou transgressão à lei de Deus". Esta definição inclui
Santificação pecados de omissão e também leva em consideração nossa
natureza pecadora além de pecados públicos cometidos
Mas nós também estamos sendo salvos. Esse processo deliberadamente.
de nos tornarmos santos é chamado de santificação. A jus- Outra grande pergunta é: como Deus nos santifica?
tificação relaciona-se com a nossa posição diante de Deus Aqueles que dizem que o processo é todo divino têm a
e é instantânea. A santificação relaciona-se com o nosso tendência de desprezar a responsabilidade humana. Por
caráter e conduta, e é progressiva. Continua enquanto outro lado, aqueles que têm a tendência de desprezar o
vivermos. pecado exageram a responsabilidade humana na santifi-
Basicamente, a palavra "santifiçado" significa "sepa- cação.
rado". O termo "santo" vem da mesma raiz e significa Um princípio chave que reconhece tanto a iniciativa
"alguém que foi separado". divina como a responsabilidade humana expressa-se na or-
O termo santificar pode ser usado em dois sentidos: dem bíblica: "..dessenvolvei a vossa salvação com temor
1) Colocar de lado, ou declarar que é santo, para o e tremor; porque Deus é Quem efetua em vós tanto o querer
uso ou serviço de Deus. Os cristãos são chamados de "san- como o realizar, segundo a Sua boa vontade" (Fp. 2:12-13).
tos" neste sentido — Deus os separou para o Seu serviço. O homem é capaz de fazer alguma coisa porque Deus opera
Tal "santificação" costuma ser considerada instantânea e nele. Por outro lado, mesmo que Deus o capacite, o homem
realiza-se no momento da conversão da pessoa. " . . . vós vos tem de reagir. Ele não pode nem demonstrar passividade
lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados, apática nem confiança ingênua no seu próprio esforço.
em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso A justificação, declarando-nos justificados, livra-nos da
Deus" (1 Co. 6:11). pena do pecado. A santificação, implicando em desenvolvi-
2) Tornar santa a vida pessoal de u m indivíduo cris- mento da santidade de caráter, liberta-nos do poder do pe-
tão, no sentido de melhoramento moral e espiritual. É um cado. Mas como a santidade se torna real em nossa expe-
processo que leva a vida toda de um indivíduo. Temos de riência diária? Paulo descreve vividamente a luta pessoal
"crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e (Rm. 7) e também dá o remédio para a mesma. Ele diz que
Salvador Jesus Cristo" (2 Pe. 3:18), e conforme vamos Cristo morreu "a fim de que o preceito da lei se cumprisse
A SALVAÇÃO 141
140 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ
agora mais perto do que quando no princípio cremos" (Rm.
em nós que não andamos (vivemos) segundo a carne, mas
segundo o Espírito" (Rm. 8:4). A ordem divina é: "Andai 13:11). Esta santificação completa e final e a libertação da
(vivei) no Espírito, e jamais satisfareis à concupiscência presença do próprio pecado são chamadas de glorificação.
da carne" (Gl. 5:16). O Espírito Santo nos concede poder A salvação é o grande presente de Deus ao homem.
para vencermos o pecado e produzirmos em nós o fruto do Ainda que na experiência seus aspectos não possam ser
Espírito (Gl. 5:22-23). Esse "andar" é a vida da fé diária separados, uma compreensão dos seus detalhes dá ao cris-
na qual proclamamos e vivemos pessoalmente o que já nos tão uma apreciação mais profunda, um amor mais intenso,
foi dado por Deus. Cristo se nos tornou "sabedoria, e jus- u m louvor mais cheio de alegria para com Deus que o
tiça, e santificação, e redenção" (1 Co. 1:30). salvou.
Conforme dependemos de Cristo, então, a Sua paciên-
cia, o Seu amor, poder, pureza, e t c , começará a aparecer
era nossas atitudes e conduta. Ele não nos distribui essas
qualidades em "pacotinhos" — temo-las todas em Cristo,
que habita em nós. "Pelo Seu divino poder nos têm sido
doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade,
pelo conhecimento completo dAquele que nos chamou para
a Sua própria glória e virtude" (2 Pe. 1:3).
O princípio chave da santificação, como na justificação,
é a fé. Só podemos ser salvos pela fé e podemos viver
eficieneemente como cristãos só pela fé. "Ora, como re-
cebestes a Cristo Jesus, o Senhor, (pela fé), assim andai
(vivei) nEle" (CL 2:6). Nesses dois exemplos, Deus faz ó
que nós não podemos fazer. Nossa parte é reagir pela fé.

Glorificação

Mas há um sentido no qual a salvação também tem


u m aspecto futuro: seremos salvos. Fomos salvos da pena-
lidade do pecado, estamos sendo salvos do poder do peca-
do, e seremos salvos da própria presença do pecado. Sere-
mos pessoalmente perfeitos e livres de todo pecado. "Ama-
dos, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou
o que havemos de ser. Sabemos que, quando Ele se mani- LEITURA ADICIONAL ^
festar, seremos semelhantes a Ele, porque havemos de vê-Lo BERKOUWliR, Cr. C. Faith an ersevera
como Ele é" (1 Jo. 3:2). É nesse sentido que somos destina- MACON Leon M. Salvation m a Scientific Age. Gran api s
dos a "alcançar a salvação" (1 Ts. 5:9), e é esta salvação Zondervan, 1955.
que está pronta a ser revelada no final dos tempos, aos PRIOR, K. F. W. The Way of Holiness. Chicago: Inter-Varsity
quais Paulo se refere quando diz: "a nossa salvação está Press, 1967.
COISAS QUE VÃO ACONTECER 143

Nesse meio tempo, entretanto, Satanás terá sido der-


rotado por Cristo — na Cruz e na Ressurreição — de modo
que "por Sua morte, destruísse aquele que tem o poder da
morte, a saber, o diabo" (Hb. 2:14). Mas Satanás é, tem-
porariamente, ainda, "o deus deste século" (2 Co. 4:4) e
ele está se opondo ativamente a Cristo e à Sua Igreja.
Capítulo 10
O Anticristo

COISAS QUE VÀO ACONTECER A oposição de Satanás culminará no aparecimento de


um ser chamado anticristo. Entretanto, o "espírito do an-
Um dos aspectos mais fascinantes da Bíblia é que ela ticristo" já estará operando antes dessa pessoa aparecer.
conta o que vai acontecer. Tanto o Velho como o Novo Na verdade, sua presença já foi notada nos tempos apos-
Testamento afirmam que a história está se dirigindo para tólicos. "Filhinhos, já é a última hora; e, como ouvistes
um clímax e que Deus soberanamente controla essa marcha. que vem o anticristo, também agora muitos anticristos
Helmut Thielecke, no seu livro, "The Waiting Father", re- têm surgido, pelo que conhecemos que é a última hora"
sume esta verdade de modo magnífico: "Quando o drama (1 Jo. 2:18). Pergunta-se a respeito dessa criatura: "Quem
da história estiver terminando, Jesus Cristo ficará sozinho é o mentiroso senão aquele que nega que Jesus é Cristo?
em cena. Todas as grandes figuras históricas — Faraó, Ale- Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho" (v. 22).
xandre o Grande, Carlos Magno, Churchill, Stalin, Jonhson,
Mao Tsé-tung — perceberão que foram apenas pequenos Mesmo que haja considerável diferença de opiniões
atores no drama produzido por um Outro" 5 2 . entre os mestres da Bíblia, alguns acham, por causa da se-
melhança na descrição dada em Daniel 11:37 e em 2 Tes-
Através de todo o Velho Testamento, os profetas aguar- salonicenses 2:4, que essas passagens referem-se à mesma
daram "o Dia do Senhor", como o momento em que Deus
exerceria o julgamento final sobre Israel e as outras na- pessoa. Se elas se referem também à mesma pessoa como
ções por causa de sua maldade. Todos os julgamentos — sendo "a besta" (Ap. 13:3,13,16,17), surgem diversas ca-
quer através da invasão, das pragas, ou calamidade natu- racterísticas impressionantes. Satanás, com a intenção de
ral -— desabrocharão completamente na volta de Cristo. enganar e persuadir os homens, inspirará o anticristo e
lhe dará poder para agir sobrenaturalmente. Como líder
O Velho Testamento contém duas linhas de profecia eclesiástico, manipulará a religião para os seus próprios
messiânica. Uma descreve o Messias (Cristo) como o Servo
fins, para reivindicar a adoração devida a Deus. Exigirá
Sofredor (Is. 53). A outra apresenta-o como o Rei no poder
(Is. 9:6). A primeira vinda de Cristo, como o Servo Sofre- também fidelidade política e exercerá pressão econômica
dor, foi a resposta à esperança da vinda de Deus para redi- para forçar a obediência (Ap. 13:16-17). Aqueles que ten-
mir Seu povo. A segunda vinda de Cristo consumará esta tarem se lhe opor enfrentarão tribulações tão grandes que
esperança, quando então Ele retornará como Rei na pleni- se Deus não abreviasse os dias ninguém sobreviveria (Mt.
tude do Seu poder. 24:22-23).
144 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ
COISAS QUE VÃO ACONTECER 145

A Volta de Cristo tecerá em duas fases. Muitos evangélicos fazem uma distin-
ção entre a vinda de Cristo em busca dos Seus santos no
A volta de Cristo porá ura fim ao governo do anticristo. "Arrebatamento" e a Sua vinda com os Seus santos na
É o grande acontecimento diante do qual toda a Bíblia está revelação do Seu poder.
na expectativa. Os profetas do Velho Testamento falaram
dEle, ainda que a primeira e a segunda vindas muitas vezes Entre os pré-milenistas (que crêem que Cristo voltará
misturaram-se no seu entendimento. O próprio Jesus fre- antes de reinar com os Seus santos ressurretos durante
qüentemente se referiu a ela. "Voltarei e vos receberei para mil anos), existem três opiniões, comumente conhecidas por
Mim mesmo, para que onde Eu estiver estejais vós também" colocar a tribulação antes, no meio e depois do Arreba-
(Jo. 14:3); e "Logo em seguida à tribulação daqueles dias tamento.
aparecerá no céu o sinal do Filho do H o m e m . . . e verão Aqueles que crêem que a Tribulação virá antes, acre-
o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu com ditam que Cristo voltará para buscar a Sua Igreja antes
poder e muita glória" (Mt. 24:29-30). Quando os discípulos da Grande Tribulação, a qual, portanto, os crentes não terão
ficaram observando a ascensão de Jesus, "eis que dois de suportar. Depois desse período de perturbação e aflição
varões vestidos de branco se puseram ao lado deles, e lhes na terra, Cristo voltará novamente com a Sua Igreja. Rei-
perguntaram: Varões galileus, por que estais olhando para nará como Rei durante o Milênio. A Tribulação, crê-se,
as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu, coincide com a septuagésima "semana" mencionada na pro-
assim virá do modo como o vistes subir" (At. 1:10-11). A fecia de Daniel. "Ele (o príncipe que está para vir, ou o
epístola também enfatiza a mesma coisa. "Porquanto o Se- anticristo) fará firme aliança com muitos (isto é, com
nhor mesmo dada a Sua palavra de ordem, ouvida a voz Israel) por uma semana; na metade da semana fará cessar
do arcanjo é ressoada a trombeta de Deus descerá dos o sacrifício e a oferta de manjares (no templo de Jerusa-
céus e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro (1 Ts. lém); sobre a asa das abominações virá o assolador até
416) que a destruição, que está determinada, se derrame sobre
ele" (Dn. 9:27; veja também v. 26).
A segunda vinda de Cristo é a grande expectativa da
Igreja. Na qualidade de cristãos, deveríamos, como Paulo, Comparando toda essa profecia (Dn. 9) com passagens
olhar com amor e expectativa "a bendita esperança e a ma- semelhantes, parece que essas "semanas" são grupos de
nifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo "sete" anos, não dias. De acordo com a interpretação que
Jesus" (Tt. 2:13). Sua vinda é um incentivo para uma vida coloca a vinda de Cristo antes da Tribulação, entretanto,
santa. "Filhinhos, agora, pois, permanecei nEle, para que, esta será um período literal de sete anos, governado pelo
quando Ele se manifestar, tenhamos confiança e dEle não anticristo, exatamente antes de sua derrota final por Cristo.
nos afastemos envergonhados na Sua vinda"; e "todo o Sob este ponto de vista, deve-se dar ênfase ao fato de que,
que nEle tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim não obstante ter a Igreja atravessado muitas perseguições
como Ele é puro" (1 Jo. 2:28; 3:3). através dos séculos, os crentes não serão envolvidos na
Grande Tribulação final que não terá nada que se lhe
compare em hediondez (Mt. 24:21).
Opiniões Sobre o Arrebatamento Outro ponto de vista defende que o Arrebatamento será
no meio da septuagésima "semana", 3 anos e meio depois
Os mestres da Bíblia não concordam inteiramente so- de começada a Tribulação. A última opinião é defendida
bre se a Segunda Vinda será um só acontecimento ou acon- pelos pré-milenistas que crêem que o arrebatamento de
146 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ COISAS QUE VÃO ACONTECER 147

Cristo (em busca dos Seus santos) e Sua revelação (a vinda (o ensinamento sobre os últimos tempos). A opinião deles
com os Seus santos) são um único acontecimento que ocor- é que o Milênio é um símbolo da Igreja ideal. Considerando
rerá exatamente depois da Tribulação e exatamente antes que essas pessoas não crêem em um milênio real, são cha-
do Milênio. mados de "amilenistas".
Há ainda alguma coisa que deva acontecer antes que Ainda uma outra opinião dessa categoria diz que a lin-
Cristo venha buscar os Seus? Os que defendem o ponto de guagem simbólica do Apocalipse representa a operação di-
vista de que Ele virá antes da Tribulação pensam que nada vina na História, e que o reino de Deus se realizará através
mais impede que o Arrebatamento aconteça "a qualquer da pregação do Evangelho. A obra missionária da Igreja,
momento". Este "talvez hoje" é um estado de espírito que dizem eles, inclui a cristianização final da sociedade 53.
incentiva muitos cristãos no seu viver diário à luz da imi-
nente volta do seu Senhor. A maior parte dos que crêem Jesus Vem!
que Cristo voltará no meio ou depois da Tribulação acre-
dita, é claro, que certos acontecimentos (primeiro a Sejam quais forem as opiniões dos comentaristas a
Tribulação, ou a primeira metade dela) precisam se reali- respeito da Tribulação, do Arrebatamento e do Milênio, é
zar antes que Cristo venha. emocionante saber que todos concordam sobre o grande,
glorioso e indiscutível fato de que Jesus vem outra vez1.
O Milénio Os detalhes de Sua próxima aparição são interessantes e
importantes para se estudar, mas as diferenças de interpre-
Outra pergunta importante e relacionada com o assunto tação desses detalhes não devem jamais obscurecer o jato
é se o Milênio é literal ou não. Os pré-milenistas crêem que central de Sua vinda.
Cristo remará literalmente durante mil anos. "Vi também É significativo que nem nosso Senhor nem os profetas
tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada e apóstolos mencionem a volta de Cristo com propósitos
autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados especulativos, mas sempre como um motivo para a santi-
por causa do testemunho de Jesus, bem como por causa da dade diária e prática. Vamos resumir a doutrina: "Visto
palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta, que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis
nem tão pouco a sua imagem, e não receberam a rnarca ser tais como os que vivem em santo procedimento e pie-
na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo du- dade" (2 Pe. 3:11).
rante mil anos" (Ap. 20:4). Esse reino seguir-se-á ao acor-
rentamento e aprisionamento de Satanás (20:1-3) para que Duas Ressurreições
não mais engane as nações.
Alguns encaram o Milênio como uma extensão e visí- Alguns acontecimentos importantes se realizarão com
vel expressão do reino de Cristo nos corações do Seu povo a vinda de Cristo. A ressurreição dos crentes mortos será
na terra e no céu. Outros encáram-no como o cumprimento um deles, e nós, os vivos, seremos glorificados (1 Co. 15:52)
da promessa divina a Israel, envolvendo a restauração dos e arrebatados para encontrá-Lo nos ares (1 Ts. 4:17). A
judeus na sua terra natal como nação e o restabelecimento ressurreição dos mortos é enfatizada no Novo Testamento
de um trono, rei, templo e sistema sacrificial literais. e foi ensinada através de toda a Bíblia. O próprio Jó
Muitos estudiosos da Bíblia acham que a idéia de um dizia já: "Porque eu sei que o meu Redentor vive, e por
Milênio literal não se harmoniza com a escatologia bíblica fim se levantará sobre a terra. Depois, revestido este meu
148 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ COISAS QUE VAO ACONTECER 149

corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus. Vê-Lo-ei nem tão pouco a sua imagem, e não receberam a marca na
por mim mesmo, os meus olhos O verão, e não outros; de fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante
saudade me desfalece o coração dentro em mim" (Jó mil a n o s . . . Benraventurado e santo é aquele que tem
19:25-27). parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte
Davi antecipava essa ressurreição (Si. 16:9) e Daniel não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de
a mencionou (Dn. 12:1-3). Jesus ensinou a respeito dela Deus e de Cristo, e reinarão com Ele os mil anos" (Ap.
repetidas vezes e enfatizou que incluirá todos os homens. 20:4-6).
"Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que
todos os que se acham nos túmulos ouvirão a Sua voz e Os Mortos
sairão; os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da
vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição Qual a condição dos mortos antes da ressurreição? As
do juízo" (Jo. 5:28-29). Escrituras afirmam que há uma existência consciente tanto
Que a ressurreição é física e não meramente u m acon- dos maus como dos justificados depois da morte e antes
tecimento espiritual comprova-se com a ressurreição de de sua ressurreição, mas dão poucos detalhes. Parece claro
Lázaro (Jo. 11:44) e a do próprio Senhor Jesus (Lc. 24:39). que a alma permanece sem um corpo e que os crentes se
A ressurreição do corpo faz parte de nossa redenção encontram em uma condição de alegria consciente. Os in-
total (Rm. 8:23). Um cristão não deve ter anseios de ser crédulos, entretanto, aguardam a ressurreição em um es-
libertado do seu corpo, com todos os seus problemas e fra- tado de sofrimento (Lc. 16:23). Paulo desejava "deixar o
queza, mas deve desejar a redenção do corpo. "Pois, na corpo e habitar com o Senhor" (2 Co. 5:8). Ele dizia, refe-
verdade, os que estamos neste tabernáculo gememos angus- rindo-se à morte, que preferiria "partir e estar com Cristo,
tiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos, o que é incomparavelmente melhor" (Fp. 1:23). Os crentes
para que o mortal seja absorvido pela vida" (2 Co. 5:4). que morreram estão descansando. "Bem-aventurados os
Nossos corpos ressurretos não serão idênticos aos de ago- mortos que desde agora morrem no S e n h o r . . . para que
ra, mas serão intimamente ligados com eles. descansem das suas fadigas" (Ap. 14:13).
Os crentes serão ressuscitados na vinda de Cristo (1 A morte costuma ser descrita na Bíblia como sendo
Ts. 4:16). Será a primerra ressurreição (veja Jo. 5:28-29), um sono.
da qual Paulo queria participar (Fp. 3:11). Ela é, literal-
mente, a ressurreição "dos mortos". Isto é, os justos serão No Velho Testamento o termo "sono" foi aplicado a
retirados do meio dos não justificados. todos os mortos, mas no Novo Testamento foi aplicado
Existe, claramente, um lapso de tempo entre a ressur- principalmente aos mortos justificados, Paulo usou a pala-
reição dos crentes para a glória e a ressurreição dos incré- vra só em relação a crentes. Esse termo não se aplica à
dulos para o juízo. Ainda que não possamos dogmatizar alma ou ao espírito; não implica a inconsciência total até
quanto à duração exata desse intervalo, haverá pelo menos a ressurreição. Antes implica a inconsciência quanto à vida
um lapso de mil anos entre as duas ressurreições. "Vi tam- terrena, para a qual o corpo é necessário. Os mortos estão
bém tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada "dormindo" no que se refere a este mundo, mas isto de
autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados maneira nenhuma implica que estejam dormindo ou in-
por causa do testemunho de Jesus, bem como por causa conscientes no outro mundo ou que seus espíritos estejam
da palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta. totalmente inconscientes.
150 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ COISAS QUE VÃO ACONTECER 151

Em parte alguma das Escrituras há ensinamento sobre "Deus, o Juiz de todos" (Hb. 12:23); e às vezes menciona
o "sono da alma". As passagens citadas para comprovar tal Cristo: "Cristo Jesus. . . há de julgar vivos e mortos, pela
doutrina referem-se especialmente às relações corpóreas ou Sua manifestação e pelo Seu reino" (2 Tm. 4:1). O relacio-
físicas. Tudo quanto dissemos sobre o estado dos mortos namento entre Pai e Filho no julgamento está claro. "(Deus
justificados corrobora-o. Pai) estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com
justiça por meio de um varão (Cristo) que destinou e acre-
A consciência dos mortos não justificados também está ditou diante de todos, ressuscitando-0 dentre os mortos"
claramente descrita. Estão em prisão (1 Pe. 3:19), o que (At. 17:31).
não seria necessário se estivessem inconscientes. A história
do rico e Lázaro (Lc. 16:19-31), ensine o que ensinar, com- Deus está continuamente julgando homens e nações,
prova que os mortos não justificados experimentam sofri- mas haverá um juízo que sobrepujará todos os julgamentos
mento e castigo conscientes. anteriores. Este julgamento será uma extensão dos julga-
mentos já havidos no passado e no presente. Um incrédulo
Não Existe Purgatório "já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito
Filho de Deus" (Jo. 3:18). Um crente, por outro lado, tem
As passagens citadas refutam claramente a doutrina do (presente do indicativo) a vida eterna, não entra em juízo,
purgatório. Uma pessoa morre redimida ou sob julgamento. mas já passou da morte para a vida" (Jo. 5:24).
Depois da morte não se pode passar de uma condição para O propósito do juízo final não será o de eesabelecer
a outra. O julgamento final ou a redenção simplesmente a qualidade do caráter de um indivíduo, mas o de revelar
estabelece aquilo que já começou por ocasião da morte. o seu caráter e de destiná-lo ao lugar eterno correspondente
Mais se disse sobre a condição dos mortos do que sobre ao que ele é por causa de sua confiança ou falta de con-
a sua localização. O Velho Testamento dizia que as almas fiança em Deus.
de todos os mortos iam para o "sheol", que se traduz por
"sepultura", "inferno" ou "abismo". "Pois não deixarás a As Escrituras mencionam diversos julgamentos futuros.
minha alma na morte ("sheol"), nem permitirás que o O julgamento das nações vivas (Mt. 25:31-46), de acordo
teu Santo veja a corrupção" (SI. 16:10). O "sheol" é um com os pré-milenistas, acontecerá por ocasião da volta de
lugar de tristeza. "Cadeias infernais (do "sheol") me cin- Cristo com os Seus santos. Resultará no estabelecimento
giram" (2 Sm. 22:6), disse Davi. "Hades", traduzido para do reino milenial.
"inferno" e "sepultura", é o equivalente neotestamentário Os crentes serão julgados, mas não junto com os incré-
de "sheol". Outros termos usados no Novo Testamento em- dulos. "Porque importa que todos nós compareçamos pe-
pregados para o estado intermediário incluem "paraíso" rante o tribunal de Cristo para que cada um receba se-
(Lc. 12:43) e "seio de Abraão" (16:22). gundo o bem ou o mal que tiver feito, por meio do corpo"
(2 Co. 5:10). Está claro que tal julgamento não decide a
Os Julgamentos salvação do crente, mas avalia suas obras. Um cristão, nes-
se julgamento, pode sofrer perda de recompensa. "Esse é
Mas o estado intermediário será finalmente seguido um julgamento, não de destino, mas de acerto de contas,
pelo juízo final, para o qual a História se dirige. Deus é o para recompensa ou perda, de acordo com as nossas obras,
Soberano de todos os homens, o Legislador e o Juiz final. para estabelecer nossa posição no Reino: cada homem de
Às vezes a Bíblia fala de Deus (o Pai) chamando-o de juiz: acordo com o seu trabalho" 5 4 .
15ã SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ COISAS QUE VAO ACONTECER 153

O julgamento final dos não salvos será diante do gran- ria de uma consciência perturbada banida da presença de
de trono branco de Deus. João o descreve: "Vi um grande Deus e da sociedade dos santos, vivendo eternamente sob
trono branco e Aquele que nele se assenta, de cuja presença a maldição imutável de Deus" 55.
fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles.
Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos Em nenhum lugar das Escrituras encontramos algum
em pé diante do trono. Então se abriram livros. Ainda sinal da idéia de que o inferno seja um tipo de "Clube da
outro livro, o livro da vida, foi aberto. E os mortos foram Alegria", do qual, se nos ausentarmos, sentiremos a falta
julgados, segundo as suas obras, conforme o que se achava de nossos amigos. Essa idéia irreverente é uma das menti-
escrito nos livros. Deu o mar os mortos que nele estavam. ras de Satanás. O inferno é "a negridão das trevas para
A morte e o além entregaram os mortos que neles havia. sempre" (Jd. 13) — solidão completa. C. S. Lewis falou
E foram julgados, u m por um, segundo as suas obras. certa vez a respeito do inferno, dizendo que era "nada
Então a morte e o inferno foram lançados para dentro além de você mesmo por toda a eternidade!" Essa não ê
do lago do fogo. Esta é a segunda morte, o lago do fogo. a verdade completa sobre o inferno, mas descreve um dos
E, se alguém não foi achado inscrito no livro da vida, esse seus mais hediondos aspectos.
foi lançado para dentro do lago do fogo". (Ap. 20:11-15). O futuro castigo dos ímpios não é a aniquilação. "Para
O juízo final de Satanás acontecerá exatamente antes sustentar a doutrina da imortalidade condicional (que os
desse julgamento diante do Grande Trono Branco. "O dia- perdidos vão finalmente deixar de existir) tem-se insistido
bo, o sedutor deles, foi lançado para dentro do lago do que outros termos descritivos do destino dos condenados,
fogo e enxofre" (Ap. 20:10). Possivelmente os anjos de tais como 'perdição', 'corrupção', 'destruição' e 'morte' apon-
Satanás serão julgados na mesma ocasião, pois Jesus falou tam para uma interrupção da existência. Isto, entretanto,
do "fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos" repousa sobre uma interpretação antibíblica de tais ter-
(Mt. 25:41). mos, os quais em qualquer parte do Velho e Novo Testa-
mentos designam sempre um estado de existência de con-
teúdo indesejável — jamais a negação pura da existência
O Inferno — tal como 'vida' nas Escrituras descreve u m modo posi-
O destino final dos maus é o inferno. Esse lugar horrí- tivo de existir-, jamais uma mera existência. Perdição, cor-
vel foi descrito de diversas maneiras. É um lugar ou estado rupção, destruição e morte referem-se à perda do bem-estar
e do caráter ético e espiritual do homem, sem implicar pro-
de fogo inextinguível (Mc. 9:43) e eterno (Mt. 25:41). Fala-
priamente a aniquilação de sua existência física 56 .
se dele como sendo um lugar de fogo e enxofre (Ap. 20:10).
A linguagem figurada usada nessas descrições pode indicar Não existe evidências bíblicas para se crer na restau-
o fato de que a morte e o inferno serão lançados nele. ração final dos perdidos e na salvação universal de todos
O inferno, presume-se que seja um lugar de trevas os homens. Talvez a refutação mais explícita de tais idéias,
exteriores (Mt. 8:12). Foi descrito como um lugar de tor- como da aniquilação final, é o fato de que se usou a mesma
mento e castigo eternos (Ap. 14:10-11). Se uma linguagem palapra para descrever tanto o castigo como a vida. "Aque-
figurada foi envolvida, obviamente representa uma coisa les irão para o castigo eterno; mas os justos para a vida
tão horrível que ninguém que esteja em seu juízo perfeito eterna.. Ainda que possamos tentar fazer a palavra signifi-
ficaria indiferente sem procurar evitá-la. O inferno "é a car "secular" em lugar de eterno, teremos de aplicar a mes-
perda de todo o bem, quer físico quer espiritual, e a misé- ma qualificação ao destino dos justos e ímpios. Não pode-
154 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ COISAS QUE VAO ACONTECER 155

mos, sobre qualquer fundamento, negar o castigo eterno já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor,
sem negar também a vida eterna. E "vida eterna" é vida porque as primeiras coisas passaram" (Ap. 21:4).
eterna. "Eterno" certamente significa "sem fim", quando
se aplica a Deus. Por que significaria algo mais quando mo- Os crentes receberão uma coroa ou mais — a coroa
difica a palavra "castigo"? da vida (Tg. 1:12), a coroa da glória (1 Pe. 5:4), e a coroa
da justiça (2 Tm. 4:8). Aqueles que foram ganhos para
Há, entretanto, graus de castigo no inferno e recom- Cristo através de nosso testemunho tornam-se a nossa co-
pensas no céu. Alguns, diante do trono do juízo de Cristo roa de exultação (1 Ts. 2:19).
no céu, sofrerão perda de recompensa porque suas obras
de "madeira, feno, palha" não agüentarão a prova do fogo Tudo no céu será novo: " . . . t a m b é m a terra e as obras
(1 Co. 3:15). Sua capacidade de se deleitarem, ainda que que nela existem serão a t i n g i d a s . . . Nós, porém, segundo
ilimitada na duração, será menor do que a dos outros. Do a Sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos
mesmo modo, os ímpios serão julgados, "um por um, se- quais habita justiça" (2 Pe. 3:10,13). João conta que viu
gundo as suas obras" (Ap. 20:13). "Aquele servo, porém, "novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira
que conheceu a vontade de seu senhor e não se aprontou, terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade
nem fez segundo a sua vontade, será punido com muitos santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de
açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu D e u s . . . e reinarão pelos séculos dos séculos" (Ap. 21:1,
senhor, e fez coisas dignas de reprovação, levará poucos 2; 22:5).
açoites. Mas àquele a quem muito foi dado, muito lhe será
exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe O reino de Deus será estabelecido quando todas as
pedirão" (Lc. 12:47-48). coisas forem colocadas sob Seus pés. Então, "ao nome de
Jesus se dobrará todo joelho, nos céus, na terra e debaixo
Deus, no Seu amor, fez tudo quanto era necessário para da terra, e toda língua confessará aue Jesus Cristo é o Se-
livrar o homem do castigo eterno. Sua justiça exige que nhor, para glória de Deus Pai" (Fp. 2:10-11). Os reinos
castigue o pecado, mas o Seu amor fornece salvação livre- deste mundo serão os reinos do nosso Senhor, e Ele reinará
mente para todos que a querem. Aqueles que forem para para sempre e eternamente. Sua vontade será feita na terra
o inferno estarão lá porque recusaram ou ignoraram o como no céu.
amor de Deus; só eles são responsáveis por sua condição.
A percepção dessa verdade será certamente uma das expe- Os céus não serão uma experiência maçante onde pas-
riências mais dolorosas da perdição. saremos o tempo dedilhando uma harpa sobre uma nuvem,
como alguns a descrevem, em tom de brincadeira. Será a
experiência mais dinâmica, mais expansiva, mais estimu-
O Céu lante imaginável. Nosso problema é que, com nossas mentes
finitas, não podemos imaginá-la.
O destino final dos justos é o céu. O céu se define mais
simplesmente como o lugar da presença de Deus. É um Quando lá iá estivermos
lugar de descanso (Hb. 4:9), de glória (2 Co. 4:17), de Como o sol sempre a brilhar
Há dezenas de milhares de anos.
santidade (Ap. 21:27), de adoração (Ap. 19:1), de comu-
Menos tempo não teremos
nhão com os outros (Hb. 12:23), e de estar com Deus (Ap. Para o seu louvor cantar
21:3). Ele "lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte Mais e mais, do que quando começamos!
156 SAIBA O QUE VOCÊ CRÊ

LEITURA ADICIONAL
HAMILTON, Floyd. The Basis of Millenial F a i t h . G r a n d R a p i d s :
E e r d m a n s , 1942.
LADD, George E. Crucial Questions About the K i n g d o m of God.
G r a n d R a p i d s : E e r d m a n s , 1952.
PENTECOST, J. Dwight. T h i n g s to Come. Findlay, Ohio: D u n h a m
P u b . Co., 1958.
REESE, Alexander, T h e Approaching Advent of Christ. London:
M a r s h a l l , M o r g a n & Scott, (n. d.)
VOS, G e e r h a r d u s . The P a u l i n e Eschatology. G r a n d R a p i d s : Eerd- NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
m a n s , 1952.
Capítulo 1:
.1 WARFIELD, B. B. — The I n s p i r a t i o n a n d Authority of t h e
Bible, New York, Oxford University Press, 1927, p. 299.
2 HAMMOND, T. C. — I n U n d e r s t a n d i n g Be Men, Chicago, I n -
ter-Varsity Press, 1968, p. 13.
3 BIRDSELL, J. N. — "Canon of t h e New T e s t a m e n t " , in: New
Bible Dictionary (NBD), G r a n d Rapids, E e r d m a n s , p. 194.
4 ALBRIGHT, W. F. — Archaeology a n d t h e Beligion of Israel,
Baltimore, J o h n s Hopkins Press, 1942, p. 176.
5 GLUECK, Nelson — Rivers in t h e Desert, New York, F a r r a r ,
Straus, & Giroux, 1959, p. 31.
Capítulo 2:
6 STRONG1, A. H. — Systematic Theology, Philadelphia, Judson
Press, 1907, p. 255.
7 HAMMOND —• I n U n d e r s t a n d i n g , op. cit., cap. 1, p. 44.
8 FINLAYSON, R. A. — "Holiness" NBD, p. 530.
9 Ibid., p. 530.
10 FINLAYSON, R. A. — "Trinity", NBD, p. 1298.
11 Ibid., p. 1298.
12 Ibid., p. 1300
13 HAMMOND — In U n d e r s t a n d i n g , op. cit., cap. 1, p. 54.
14 FINLAYSON, R. A. — "Trinity", NBD, p. 1300.
1 5 HAMMOND — In U n d e r s t a n d i n g , op. cit., cap. 1, p. 56.
16 PACKER, J. I. — Evangelism a n d Sovereignty of God, Chi-
cago, I n t e r - V a r s i t y Press, 1961, p p . 18, 19.
Capítulo 3:
17 STRONG, — Theology, op. cit., cap. 2, p. 676.
18 Ibid., p. 673.
19 HAMMOND, — I n Understanding 1 , op. cit., cap. 1, p. 101.
20 FINLAYSON, R. A. — T h e Story of Theology, Chicago, I n t e r -
Varsity Press, 1963, pp. 24, 25.
21 HAMMOND, — I n U n d e r s t a n d i n g , op. cit., cap. 1, p. 105.
Capítulo 4:
22 MORRIS, Leon — "Atonement", NBD, p. 108.
23 MORRIS, Leon — "Propitiation", NBD, p. 1046.
24 STRONG, — Theology, op. cit., cap. 2, p. 740.

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