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2a edição | Nead - UPE 2013

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

xxxx, xxxxxxxxxxxx
xxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. –
Recife: UPE/NEAD, 2011

48 p.

ISBN -

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

xxxxxxxx
REITOR

Universidade de Pernambuco - UPE


Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado

Vice-Reitor
Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

Pró-Reitor Administrativo
Prof. José Thomaz Medeiros Correia

Pró-Reitor de Planejamento
Prof. Béda Barkokébas Jr.

Pró-Reitor de Graduação
Profa. Izabel Christina de Avelar Silva

Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa


Profa. Viviane Colares Soares de Andrade Amorim

Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional e Extensão


Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

Coordenador Geral

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Prof. Renato Medeiros de Moraes
Coordenador Adjunto
Prof. Walmir Soares da Silva Júnior
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Coordenação de Curso
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Coordenação de Revisão Gramatical


Profa. Angela Maria Borges Cavalcanti
Profa. Eveline Mendes Costa Lopes
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Administração do Ambiente
Igor Souza Lopes de Almeida

Coordenação de Design e Produção


Prof. Marcos Leite

Equipe de Design
Anita Sousa
Gabriela Castro
Rafael Efrem
Renata Moraes
Rodrigo Sotero

Coordenação de Suporte
Afonso Bione
Prof. Jáuvaro Carneiro Leão

Edição 2013
Impresso no Brasil - Tiragem 180 exemplares
Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo Amaro
Recife / PE - CEP. 50103-010
Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664
LÍNGUA BRASILEIRA
DE SINAIS - LIBRAS
Maria do Socorro Araújo de Freitas Carga Horária | 60 horas

Ementa
Um breve passeio pelas raízes da história da educação de
surdos e das filosofias educacionais para surdos. Estudos
linguísticos da Língua Brasileira de Sinais - Libras. A língua
de sinais brasileira em contexto. A escrita da língua de si-
nais brasileira – signwriting.

Objetivo geral
Propiciar aos discentes conhecimentos sobre a história
da educação de surdos e seus fundamentos filosóficos,
teóricos e legais como também os aspectos sócio-cul-
tural-linguísticos da Língua Brasileira de Sinais - Libras,
expressos na forma sinalizada e escrita.

Apresentação
A implementação da disciplina Libras nos cursos de licenciatura surge como cumprimento do De-
creto 5.626, de 22/12/2005, que regulamentou a Lei 10.436, de 24/04/2002, intitulada Lei da Li-
bras, por reconhecer essa língua como o meio legal de comunicação e expressão do sujeito surdo.
Conforme o decreto, todas as licenciaturas nas diferentes áreas do conhecimento deverão incluir,
obrigatoriamente, essa disciplina em seu currículo. Um aspecto importante a ser considerado é
que todo aprendizado de língua pressupõe o aprendizado também de temas, como a cultura e
os costumes adotados pelos seus “falantes”, ou pelos seus usuários. Nesse curso, apresentamos
a você informações a respeito da educação, cultura, identidade e língua dos surdos, para que,
conhecendo um pouco das particularidades desses sujeitos, você se sinta melhor preparado para
lidar com as questões relativas à inclusão destes nos ambientes que vier a frequentar, seja em seu
trabalho como futuro pedagogo, ou em outros ambientes sociais.

A Língua Brasileira de Sinais não é um conjunto de gestos soltos e isolados, mas uma língua que
possui suas características próprias como qualquer outra língua oral. Sabemos que não esgotare-
mos o assunto a ser estudado aqui, mas esperamos poder contribuir na construção, divulgação e
compreensão dessa língua enquanto alicerce para o desenvolvimento integral do educando surdo.

É sabido que, para se aprender uma língua, são necessários anos de prática. Portanto, sinta-se
motivado a buscar mais conhecimentos para alcançar a fluência em Libras.

SUCESSO!
HISTÓRIA
DA EDUCAÇÃO
DOS SURDOS

Maria do Socorro Araújo de Freitas OBJETIVOS ESPECÍFICOS


• Apresentar o desenvolvimento histórico da
Carga Horária | 15 horas educação das pessoas surdas desde os pri-
mórdios até os dias atuais;

• Refletir sobre as perspectivas atuais da
educação de alunos surdos.

INTRODUÇÃO
Estamos iniciando a disciplina Língua Brasileira de Sinais – Libras. Aprender uma nova língua requer
também conhecer a cultura e a história dos seus usuários, para que possamos entender seus movi-
mentos e suas lutas sociais.

Neste capítulo, vamos fazer um rastreamento da educação das pessoas surdas desde os primórdios da
história, com a eliminação ou abandono, passando pela prática da caridade na Idade Média, visão do
surdo como um doente, o processo de normalização, integração e inclusão, resgatando os diferentes
momentos vivenciados e compreendendo os fatos que influenciaram as conquistas alcançadas por
esses indivíduos na prática do cotidiano escolar.

capítulo 1 7
comunhão, por não serem capazes de con-
fessar seus pecados; também era proibido o
casamento entre duas pessoas surdas, além de
existirem leis que proibiam de receberem suas
heranças, de votar, de exercer sua cidadania,
de um modo geral. Berthier (apud Nascimen-
to, 2006) afirma que somente a religião cristã
trouxe aos surdos sua dignidade e os salvou do
exílio em que se encontravam.

De acordo com Gua-


rinello (2007), Maia
Filho e Veloso (2010),

1. HISTÓRIA a primeira alusão à


possibilidade de ins-
DA EDUCAÇÃO truir os surdos por
meio da língua de
DOS SURDOS sinais e da lingua-
gem oral foi feita por
“Eu não quero explicar o passado
nem adivinhar o futuro.
Bartolo della Marca FIGURA 02. Girolano Cardano
Eu só quero entender o presente” d’Ancona, escritor do FONTE: VELOSO & FILHO,
2010 p. 29
Jorge Luiz Borges século XIV. Seria esse
o impulso inicial para
Caro aluno, que o surdo pudesse ser notado como uma
pessoa capaz de fazer discernimentos e tomar
Você sabia que, durante muitos séculos, as suas próprias decisões. Ainda, de acordo com
pessoas surdas foram vistas como seres casti- os autores citados anteriormente, outro avan-
gados ou enfeitiçados e incapazes, negando- ço ocorreu no século XVI, quando o médico e
-lhes, assim, todos os seus direitos? filósofo Girolano Cardano afirmou que era um
crime não instruir os surdos, que eles podiam
Primeiro negaram o direito à vida quando, desenvolver a aprendizagem por meio da escri-
na Antiguidade, eram condenados à morte ta e da língua de sinais.
de forma cruel. Em Roma e na Grécia, eram
lançados nas águas, arremessados do topo de Percebeu o quanto os surdos foram discrimi-
rochedos; aqueles que conseguiam sobreviver, nados? Desde a Antiguidade até o século XIV,
casos raros, eram mantidos miseravelmente não há registros de iniciativas educacionais
como escravos. Na Pérsia e no Egito, eram ti- para os surdos.
dos como enviados dos deuses, eram prote-
gidos, adorados, contudo não eram educados Ainda no século XVI,
e tinham vida inativa. O filósofo Aristóteles o monge beneditino
julgou-os incapazes espanhol, Pedro Pon-
de razão, pois, se não ce de León, fundou
falavam, não tinham a primeira escola de
linguagem, tampou- surdos, onde instruiu
co pensamento. Esse filhos de nobres para
veredicto de Aristó- que esses pudessem
teles permaneceu por receber suas heran-
FIGURA 03. Pedro Ponce
séculos, sem que nin- ças. Usava como de León
guém questionasse. metodologia a dati- FONTE: VELOSO & FILHO,
2010 p. 30
lologia, a escrita e a
Na Idade Média, os oralização. Ponce de
FIGURA 01. Aristóteles
surdos eram proi- FONTE: VELOSO & FILHO, León foi considerado o primeiro professor de
bidos de receber a 2010 p. 28 surdos, contudo o francês Ferdinand Berthier,

8 capítulo 1
professor surdo, retruca essa informação, ale-
gando que tanto na França quanto no exterior,
muitas tentativas isoladas de instrução tinham
sido feitas em nível de sucesso variável, mas
não obtiveram reconhecimento público.

No século XVII, descobertas e curiosidades


científicas marcaram a história da surdez. Nesse
período, vários livros
foram publicados na
Espanha. Pablo Bonet
publicou o livro Re-
ducción de las letras
y artes para enseñar
a hablar a los mudos, No século XVIII, houve
que trata da invenção um aumento no interesse
do alfabeto manual, pela educação de surdos,
FIGURA 04. Pablo Bonet
já utilizado por Ponce FONTE: VELOSO & FILHO, e vários métodos foram
León. 2010 p. 30 divulgados.

Bonet ensinava os surdos por meio da fala, da Na Alemanha, Samuel


leitura e do alfabeto manual, sendo considera- Heinicke criou o método FIGURA 06. Samuel Hei-
do um dos precursores do oralismo. oral, também conhecido nicke. FONTE: VELOSO &
FILHO, 2010 p. 32
como Oralismo puro, que
Observe o alfabeto manual inventado por utilizava somente a lin-
Ponce de León e publicado por Pablo Bonet, guagem oral. Segundo seus defensores, era o
bastante semelhante ao alfabeto manual da meio ideal para os surdos ingressarem na so-
Libras. Você consegue identificar quais letras ciedade ouvinte.
são diferentes?
Em Portugal, Jacob Pereire era fluente em lín-
gua de sinais; utilizava-a para explicações lexi-
cais, instruções e conversações com os alunos,
contudo priorizava a fala. Tinha como objetivo
ofertar aos surdos meios de eles se comunica-
rem oralmente e mediante a escrita.

FIGURA 05. Alfabeto Manual FIGURA 07. Jacobe Pereire


FONTE: VELOSO & FILHO, 2010 p. 30 FONTE: VELOSO & FILHO, 2010 p. 32

Saiba Mais Na França, o abade Charles Michel de L’Epée


Se não conhece o alfabeto manual da Libras, ve- começou a ensinar a duas irmãs gêmeas que
ja-o em: <http://www.libras.org.br/Thumbnails/ se comunicavam por gestos. Sua grande pre-
FrameSet.htm>

capítulo 1 9
e em outros países da Europa. Por esse e ou-
tros feitos, foi considerado por Berthier como
“benfeitor da humanidade, o primeiro a livrar
o surdo da solidão”.

No instituto funda-
do por L’Epée, foram
formados vários pro-
fessores surdos, entre
eles Ferdinand Ber-
thier, Laurent Clerc e
Ernest Huet, persona-
gens importantes na
ocupação, porém, era dar atendimento aos educação de surdos
surdos que viviam perambulando pelas ruas da França, Estados FIGURA 09. Ferdinand
Earthier. FONTE: http://
de Paris. Aprendeu com eles a língua de sinais Unidos e Brasil, res- en.wikipedia.org/wiki/Ferdi-
e criou os “Sinais Metódicos”, uma combina- pectivamente.
nand_Berthier

ção da língua de sinais com a gramática da


língua oral francesa, objetivando ensinar a ler, O século XVIII foi considerado o período mais
escrever, transmitir a cultura e conceder acesso fértil da educação de surdos, ressalvando, nes-
à educação. se sentido, a ampliação de escolas. A língua
de sinais passou a ser usada por professores
surdos. No entanto, para os oralistas, esse fato
era entendido como a submissão coletiva dos
surdos à língua majoritária do país, razão por
que desaprovavam o uso da língua de sinais
nas escolas.

Nos Estados Uni-


dos, a educação de
surdos começou no
século XIX, quando
Thomas Gallaudet
se sensibilizou ao ver
uma criança surda FIGURA 10. Laurent Clerc
não interagir com FONTE: VELOSO & FILHO,
2010 p. 39
as outras crianças
que brincavam no
FIGURA 08. Charles Michel de L’Epée seu jardim. Foi con-
FONTE: VELOSO & FILHO, 2010 p. 33 tratado pelo pai da criança para ir à Europa
aprender sobre a educação de surdos, vol-
tando aos Estados Uni-
Devido ao grande sucesso do seu método, dos acompanhado do
pela primeira vez na história, os surdos foram professor surdo Laurent
capazes de ler e escrever, adquirindo, assim, Clerc. Gallaudet e Clerc
uma instrução. L’Epée foi o fundador da pri- foram os fundadores da
meira escola pública para surdos no mundo, o primeira escola de surdos
Instituto Nacional de Surdos Mudos de Paris, dos Estados Unidos, pre-
atualmente Instituto Nacional de Jovens Sur- cursores da educação de
dos de Paris, por acreditar que a educação era surdos, que atualmente
direito de todos, independente da condição tem evidenciado signifi-
social. Na ocasião da sua morte, L’Epée já ha- cativos resultados. Atual- FIGURA 11. Thomas
Gallaudet. FONTE: VELO-
via fundado 21 escolas para surdos na França mente, a Universidade de SO & FILHO, 2010 p. 38

10 capítulo 1
Gallaudet, nesse país, é considerada como um
grande centro de estudos para surdos.

A educação de surdos
no Brasil teve início com
o professor surdo Ernest
Huet, vindo do Instituto
Nacional de Jovens Sur-
dos de Paris, a convite
do Imperador D. Pedro
II. Huet chegou ao Bra-
sil em 1855 e, dois anos
após, fundou a primeira
escola de surdos do Bra- FIGURA 12. Ernest Huet
sil, o Imperial Instituto FONTE: VELOSO &

de Surdos Mudos, hoje


FILHO, 2010 p. 41 da sua influência
Instituto Nacional de para defender o
Educação de Surdos – INES. Foi nessa esco- oralismo. Como os
la que surgiu, da mistura da Língua de Sinais professores surdos
Francesa com os sinais já usados pelos surdos foram proibidos
de várias regiões do Brasil, a Língua Brasileira de votar, o método
de Sinais – Libras. oral puro foi vo-
tado como o mais
adequado na edu-
Saiba Mais cação de surdos.

Para saber mais acesse <www.ines.gov.br> FIGURA 14. Alexandre Graham


A partir do Con- Bell. FONTE: VELOSO & FILHO,
gresso de Milão, o 2010 p. 40

oralismo dominou
todo o mundo, e
os aspectos relacionados à escolarização dos
surdos foram relegados a segundo plano. Dan-
do ênfase à reabilitação e à cura da surdez, as
escolas passaram a ser clínicas, e os alunos, pa-
cientes. Com a proibição da língua de sinais, os
professores surdos foram afastados das esco-
las. As pessoas surdas, consideradas deficien-
tes, vivenciaram privações sociais, emocionais
e psicológicas, porque para elas apenas a ora-
FIGURA 13. INES
FONTE: VELOSO & FILHO, 2010 p. 41
lidade poderia torná-las cidadãs.

Apesar da proibição da língua de sinais, os alu-


Nesse período, o avanço tecnológico, que fa-
nos surdos sempre sinalizavam às escondidas,
cilitava o treino da fala, fortaleceu o oralismo.
e os internatos favoreciam essa prática. Como
Alexander Graham Bell, considerado o pior
exemplo disso, temos o INES, onde os alunos
inimigo dos surdos americanos, publicou vá-
sinalizavam secretamente, nos corredores e
rios artigos que criticavam o casamento entre
nos alojamentos. Cabe ressaltar que o INES
surdos, a cultura surda e argumentava que a
adotou o oralismo puro em 1911, mas em
língua de sinais não propiciava o desenvolvi-
face do baixo rendimento obtido, essa filosofia
mento intelectual dos surdos.
foi adotada apenas para as crianças que pode-
riam se beneficiar da fala. Somente em 1957, a
Em 1880, foi realizado o Congresso Interna-
então diretora Ana Rimola proibiu oficialmen-
cional de Surdo Mudez, em Milão – Itália. Nes-
te o uso da língua de sinais nas salas de aula.
se evento, Alexander Graham Bell se utilizou

capítulo 1 11
Não demorou muito para que a Comunicação
Total cedesse lugar para o Bilinguismo. O Bi-
linguismo defende o uso da língua de sinais
e da língua oral, mas não em simultaneidade,
sendo a língua de sinais no Brasil a Libras, a
língua natural, portanto a primeira língua (L1),
por excelência a língua de instrução; a língua
oral o Português, a segunda língua (L2), que
deve ser ensinado com metodologia específica
de ensino de segunda língua. Nessa filosofia,
a surdez não é mais concebida como uma de-
ficiência, mas como uma diferença cultural e
linguística.
Para defender seus direitos linguísticos, o povo
surdo travou uma longa e sofrida batalha e se Legalmente, a Língua Brasileira de Sinais – Li-
uniu em associações, na luta contra a extinção bras foi garantida aos surdos em todas as eta-
da sua língua natural. pas da educação básica por meio da Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, no entan-
O oralismo imperou to, sua oficialização como língua dos surdos
em todo o mundo, só aconteceu com a Lei nº 10.436, de 24 de
até a década de 1960, abril de 2002. Com a regulamentação dessa
quando os estudos Lei pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro
de William Stokoe, de 2005, foi garantida a língua de sinais nas
linguista americano instituições de ensino na educação dos surdos,
da Universidade de na formação de professores que irão atendê-
Gallaudet, demons- -los bem como a presença do tradutor e intér-
traram que a Língua prete de língua de sinais.
de Sinais Americana - FIGURA 15. William Stokoe
ASL apresentava todas FONTE: http://it.wikipedia.
A partir desse Decreto,
org/wiki/William_Stokoe
as características das um marco histórico na
línguas orais. A partir educação de surdos foi
daí, surgiram várias pesquisas e estudos sobre a criação do curso de
as línguas de sinais e sua aplicação na educa- Licenciatura em Letras
ção de surdos. – Libras, pela Universi-
dade Federal de Santa FIGURA 16. Letras - Libras.
Na década de 1970, devido à insatisfação com Catarina - UFSC, em FONTE: http://www.libras.
ufsc.br/
os resultados obtidos com o oralismo, surgiu a 2006, uma iniciativa
Comunicação Total, filosofia caracterizada pelo pioneira na América La-
uso de todos os meios que possam facilitar a tina, que oportunizou a 447 surdos o ingresso
comunicação, desde a ‘fala sinalizada’, a lei- na universidade. A universidade ofereceu 500
tura labial, à escrita desenho, língua de sinais. vagas, das quais 53 foram ocupadas por ou-
vintes. Essa turma pioneira concluiu o curso
Essa filosofia, quando criada, teve o mérito em dezembro 2010.
de reconhecer a língua de sinais como direito
da pessoa surda, contudo a surdez ainda era De acordo com Strobel (2008 a), a história da
vista como patologia, e a língua de sinais era educação de surdos pode ser dividida em três
usada como recurso para o ensino da língua fases:
oral. A maior crítica a essa filosofia se relaciona
ao fato de se utilizar simultaneamente a fala Revelação cultural: época em que os povos
e os sinais, constituindo o ‘bimodalismo’ ou surdos não apresentavam problemas com a edu-
português sinalizado, privando os alunos de cação. A maioria dos sujeitos surdos dominava a
arte da escrita, e há evidência de que havia muitos
aprender tanto a língua oral quanto a língua escritores surdos, artistas surdos, professores sur-
de sinais. dos e outros sujeitos surdos bem sucedidos.

12 capítulo 1
Isolamento cultural: fase de isolamento da
comunidade surda em consequência do Congres-
so de Milão de 1880, que proíbe o acesso da lín-
gua de sinais na educação dos surdos; nessa fase,
as comunidades surdas resistem à imposição da
língua oral.

Restauração cultural: a partir dos anos 60,


inicia-se uma nova fase para o renascimento e a
aceitação da língua de sinais e cultura surda após
muitos anos de opressão ouvintista em relação
aos povos surdos.

Percebe-se, pois, um avanço vivenciado pelo Educacional Especializado – AEE. A comuni-


povo surdo: vive o momento da restauração dade surda reclamou, fez um abaixo-assina-
cultural; conquista espaço nas instituições de do, organizou um movimento denominado
ensino; assume a posição de acadêmicos ou “Movimento Surdo em Favor da Educação e
como profissionais, fazendo-se mestres ou Cultura Surda”, realizou uma grande passea-
doutores e, ainda, participam como membros ta em Brasília e participou de uma audiência
de pesquisas, congressos, encontros e muitos pública no Senado, mostrando-se contra essa
movimentos que buscam os seus direitos lin- decisão e reivindicando escolas bilíngues. Con-
guísticos e culturais, necessários à constituição trário a esse movimento, circulou um abaixo-
da sua subjetividade e identidade. Apesar dis- -assinado, solicitando que os professores que
so tudo, a opressão ouvintista ainda é muito estão se formando para atuarem no AEE, em
forte, insistindo em decidir e narrar a história curso promovido pelo MEC, assinassem e di-
do povo surdo. vulgassem para que fosse superado o número
de assinaturas conseguido pela comunidade
surda, constituindo-se em um verdadeiro ato
Saiba Mais de opressão.
Você sabia que com a Política Nacional de Educa-
ção Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
– MEC 2008 os municípios foram orientados a
extinguir as salas bilíngues, garantidas pelo De-
creto 5.626/05?!

FIGURA 18. Escola bilíngue


FONTE: http://www.marciopacheco.
com.br/?p=1657

A Declaração de Salamanca (1994) e o Decreto


nº 5.626/05 garantem que a educação de sur-
dos seja oferecida, respeitando-se a diferença
FIGURA 17. Movimento Surdo. FONTE: http:// linguística, mas esse direito não está, de fato,
sinalizandodf.wordpress.com/
sendo garantido, o que faz com que a comu-
nidade surda continue na sua luta persistente
por uma “Pedagogia Surda, que parte de um
No Século XXI, no ano de 2011, o INES, pri- “olhar” diferente, direcionado a uma filosofia
meira escola de surdos do Brasil, espaço de para educação cultural” (STROBEL, 2008b).
produção de cultura surda, foi ameaçado de
se transformar em espaço de Atendimento

capítulo 1 13
No próximo capítulo, estudaremos as propos-
tas educacionais direcionadas para os sujeitos
surdos.

Vamos em frente!

RESUMO REFERÊNCIAS
GUARINELO, Ana Cristina. O papel do outro na
A forma como a sociedade percebe a pessoa
escrita de sujeitos surdos. São Paulo, Plexus:
surda se diversificou no decorrer dos séculos,
2007.
determinando suas ações. Nos primórdios, os
surdos eram considerados como seres, que não
NASCIMENTO, LILIAN C. R. Um pouco mais
podiam ser educáveis; no século XVIII, passa-
da história da educação dos surdos, segundo
ram a ser reconhecidos como minoria linguísti-
Ferdinand Berthier. ETD - Educação Temática
ca - caracterizada por compartilhar uma língua
Digital. Campinas, V. 7, n. 2, p. 255-265, jun.
de sinais e valores culturais, hábitos e modos
2006. Disponível em: http://www.slidesha-
de socialização próprios, assumindo sua edu-
re.net/asustecnologia/historia-da-educao-
cação. A partir de 1880, começa a imperar a
-do-surdo-segunfo-fernandino. Acesso em:
concepção de que são doentes (do ouvido) e
28/07/2011.
precisam ser curados, sendo proibidos de usar
sua língua natural e obrigados a aprender a
SACKS, Oliver. Vendo Vozes: uma viagem ao
língua oral, ficando a apreensão dos conteú-
mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das
dos relegados a segundo plano. Atualmente,
Letras, 1998.
eles garantem e conquistam espaços, fazendo-
-se ouvir, apesar de tantas dificuldades. A lín-
SKLIAR, Carlos. La educación de los sordos:
gua de sinais está sendo utilizada e reconhe-
una reconstruccion histórica, cognitiva y peda-
cida; muitos surdos estão se aprimorando e
gógica. Mendonça: EDIUNC, 1997.
tornando-se instrutores da Libras, professores,
mestres e doutores em educação e em tantas
STROBEL, Karin. História da Educação de Sur-
outras áreas, possibilitando a concretização de
dos. Florianópolis: UFSC, 2008 - a.
uma vida mais digna.
_______, Karin. As imagens do outro sobre a
Diante desse contexto histórico, precisamos
cultura surda. Editora da UFSC, 2008-b.
assumir o que afirmou Oliver Sacks (1998)

Somos notavelmente ignorantes a respeito da VELOSO, Éden; FILHO, Valdeci M. Aprenda Li-
surdez, muito mais ignorantes do que um ho- bras com eficiência e rapidez. Curitiba, Mãosi-
mem instruído teria sido em 1886 ou 1786. Igno- nais: 2010.
rantes e indiferentes (...). Eu nada sabia a respeito
da situação dos surdos nem imaginava que ela
pudesse lançar luz sobre tantos domínios, sobre-
tudo o domínio da língua. Fiquei pasmo com o
que aprendi sobre a história das pessoas surdas e
Atividades
os extraordinários desafios (linguísticos) que elas
enfrentam, e pasmo também ao tomar conhe- 1. Após ler este capítulo, redija um breve texto,
cimento de uma língua completamente visual, sintetizando os principais aspectos da histó-
a língua de sinais, diferente em modo de minha ria da educação dos surdos.
própria língua, a falada.(...)
2. De acordo com Strobel (2008 a), a história
e buscar novos conhecimentos para propor- da educação de surdos pode ser dividida
em três grandes fases. Destaque essas fases,
cionar o desenvolvimento pleno da capacidade identificando a situação dos surdos em cada
dos surdos. uma delas.

14 capítulo 1
FILOSOFIAS
EDUCACIONAIS
PARA SURDOS

Maria do Socorro Araújo de Freitas OBJETIVOS ESPECÍFICOS


• Reconhecer as filosofias que fundamen-
Carga Horária | 15 horas tam a educação das pessoas surdas;

• Refletir sobre as perspectivas atuais da


educação de alunos surdos;

• Discutir sobre as relações existentes entre


educação de surdos, cultura e língua de
sinais.

INTRODUÇÃO
Neste capítulo, vamos analisar as diversas filosofias educacionais para alunos surdos, resgatando os
diferentes momentos vivenciados e compreendendo os fatos que influenciaram a ascensão e o declínio
delas.

Conhecer essas abordagens é importante para o pedagogo, na medida em que se trata de manifesta-
ções da sociedade que se refletem na escola, objeto e local de estudo desse profissional.

Veremos que a Educação Bilíngue não é um modismo. Ela é um direito garantido em lei, fruto de um
contexto histórico, que percebe o surdo na sua diferença linguística e cultural e busca romper com a
concepção de surdez arraigada à deficiência.

Esperamos que com este estudo você possa compreender a surdez para além de uma limitação física,
enxergando os surdos como sujeitos culturais, membros de uma comunidade, que é minoria linguísti-
ca em qualquer parte do mundo.

capítulo 2 15
Com o avanço tecnológico, essa situação co-
meça a mudar, pois, com os aparelhos audi-
tivos facilitando o treino de fala, a oralização
passa a ter força diante das famílias que que-
rem seus filhos curados da surdez.

Em 1880, realizou-se o Congresso Internacio-


nal de Professores Surdos, em Milão, na Itália,
que tinha o objetivo de discutir e avaliar a im-
portância dos três métodos usados no ensino
de surdos: língua gestual, oralismo e misto

1. PARA INÍCIO (língua gestual e oral). No entanto, os oralistas


conseguiram influenciar os participantes do
DE CONVERSA congresso e como os professores surdos foram
impedidos de votar:
Até o século XIV, não há registros de iniciativas
(...) ficou decidido no Congresso Internacional de
educacionais para os surdos.
Professores Surdos, em Milão, que o método oral
deveria receber o status de ser o único método de
Como você viu no capítulo anterior, a primeira treinamento adequado para pessoas surdas. Ao
alusão sobre a educação de surdos foi feita por mesmo tempo, o método de sinais foi rejeitado,
Bartolo Della Marca d’Ancona, escritor e advo- porque alegava que ele destruía a capacidade de
fala das crianças. O argumento para isso era que
gado. Ele afirmou que os surdos eram pessoas ‘todos sabem que as crianças são preguiçosas’, e
capazes e podiam ser instruídos por meio da por isso, sempre que possível, elas mudariam da
língua gestual ou oral. difícil oral para a língua de sinais (WIDELL, 1992
apud PERLIN E STROBEL, 2006, p.13).
A partir do século XVIII, aumentou o interesse
pela educação de surdos por meio de métodos Após o congresso, a maioria dos países adotou
de ensino, cujo objetivo era a sua aprendiza- rapidamente o método oral nas escolas para
gem em geral, especialmente a oralização. surdos, proibindo oficialmente a língua de si-
nais, sendo essa forçadamente substituída por
O abade francês Charles-Michel de L’Epée foi, métodos que objetivavam a aprendizagem da
dos autores da época, o que mais se dedicou à língua oral; como consequência dessa prática,
educação de surdos, fundando a primeira es- a qualidade da educação dos surdos diminuiu,
cola pública para esses discentes e instituindo e as crianças surdas saíam das escolas com as
o ensino coletivo. qualificações inferiores e as habilidades sociais
limitadas.
Segundo Lopes (2011, p.45), o método de
L’Épée consistia em ensinar sinais que corres- Saiba Mais
pondiam a objetos e por meio de desenhos
levar os alunos à compreensão de algumas E você? O que acha dessa mudança?
Se os surdos estavam tendo sucesso no processo
ações, para depois associar o sinal com a pa- de aprendizagem por meio da língua gestual, por
lavra escrita em francês. Se o conceito era abs- que proibir essa forma de comunicação?
trato, L’Épée buscava explicá-lo por meio da
escrita.

Nessa época, os surdos não tinham problemas 1.1 ORALISMO


com a educação, a maioria desses sujeitos do-
minava a escrita, e há, segundo Perlin e Stro- O objetivo do oralismo é capacitar o surdo
bel (2006, p.15), “evidência de que haviam para que domine a língua da comunidade
muitos escritores surdos, artistas surdos, pro- ouvinte na modalidade oral, como exclusiva
fessores surdos e outros sujeitos surdos bens possibilidade linguística, de maneira que seja
sucedidos”. presumível o uso da voz e da leitura labial.

16 capítulo 2
Essa abordagem enfatiza que a aquisição da
fala oral deve ser iniciada o mais cedo possí-
vel, utilizando-se dos instrumentos necessários
(aparelho auditivo, por exemplo) e explorando
os resíduos auditivos que o surdo possui.

• Verbotonal - é um método de educação


da audição e linguagem, que, a partir da
estimulação da motricidade, da afetivida-
de e de todos os canais sensoriais, inclusive
e principalmente o auditivo, objetiva criar
FIGURA 01. Treino auditivo em uma escola
da Alemanha. FONTE: http://www.notisurdo.
condições para que a expressão oral acon-
com.br/noticias/antonio24.html teça por meio de uma fala, o mais natural
possível (Fonte: www.arpef.org.br/progra-
ma.asp).

O oralismo percebe a surdez como uma defici-
ência, que precisa ser minimizada pela estimu-
lação auditiva. Essa estimulação possibilitaria
não só a aprendizagem da língua oral como
também a integração da criança surda na so-
ciedade ouvinte, desenvolvendo uma persona-
lidade como a de uma pessoa que ouve, con-
forme enfatiza Souza:
FIGURA 02. Método Verbotonal FONTE:
http://www.arpef.org.br/programa.asp
O “deficiente auditivo” sofre uma patologia crô-
nica, traduzida por lesão no canal auditivo e/ou
em área cortical, que obstaculizando a “aquisição
normal” da linguagem, demanda intervenções
• Aurioral - é um método, que prioriza a
clínicas de especialistas, tidos como responsáveis audição, objetivando a construção da lin-
quase únicos por “restituir a fala” a “esse tipo de guagem oral. O uso de aparelho auditivo
enfermo” (SOUZA, 1998 apud PERLIN e STROBEL, é essencial para que a criança passe pelo
2006). treinamento auditivo (para identificar sons
específicos do ambiente), fonoarticulatório
Para os oralistas, a linguagem falada é priori- (reconhecer os órgãos da fala e respirar
tária como forma de comunicação dos surdos, corretamente) e leitura orofacial (compre-
e a aprendizagem da linguagem oral é preco- ender a mensagem falada por meio de pis-
nizada como indispensável para o desenvol- tas visuais: movimento dos lábios e expres-
vimento integral das crianças. De uma forma sões faciais).
geral, sinais e alfabeto digitais são proibidos,
embora alguns aceitem o uso de gestos na-
turais, recomendando-se que a recepção da
linguagem seja feita pela via auditiva (devida-
mente treinada) e pela leitura orofacial (TREN-
CHE, 1995 apud LACERDA, 1998).

São diversos os métodos utilizados no oralis-


mo. Entre eles, destacamos: FIGURA 03. Criança com um aparelho
auditivo retroauricular. FONTE: http://www.
slideshare.net/egarrutti/abordagem-aurioral

capítulo 2 17
Os resultados de muitas décadas de trabalho
nessa linha, no entanto, não mostraram gran-
des sucessos. A maior parte dos surdos pro-
fundos não desenvolveu uma fala socialmente
satisfatória, e, em geral, esse desenvolvimento
era parcial e tardio em relação à aquisição de
fala apresentada pelos ouvintes, implicando
um atraso de desenvolvimento global signifi-
cativo. Somadas a isso, estavam as dificuldades
ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita:
sempre tardia, cheia de problemas, mostrava
Para o surdo aprender a língua oral, é neces- sujeitos, muitas vezes, apenas parcialmente al-
sário um trabalho sistematizado, que deve ser fabetizados após anos de escolarização.
feito por um profissional competente (o fo-
noaudiólogo). A aprendizagem da fala é uma A predominância do oralismo puro ocasionou
atividade árdua para o surdo e pressupõe um o fracasso da educação de surdos, devido aos
trabalho contínuo e prolongado. limites que os métodos orais apresentam e à
“concentração exclusiva da educação na orali-
Segundo Porker (p.5 e 6), a educação oral re- zação” (CAPOVILLA, 2000).
quer um esforço total por parte da criança, da
família e da escola. De acordo com os seus de- Apesar de o oralismo não ter atingido seu
fensores, para se obter um bom resultado, é objetivo - a apreensão da língua oral pelos
necessário: surdos, essa meta continuou a ser buscada,
entretanto, por meio de outros meios de co-
• Envolvimento e dedicação das pessoas que municação, além da oralidade. Então, como
convivem com a criança no trabalho de re- alternativa ao oralismo, surgiu na década de
abilitação todas as horas do dia e todos os 1970, quase cem anos após o Congresso de
dias do ano; Milão, a comunicação total.

• Início da reabilitação o mais precocemente 1.2 COMUNICAÇÃO TOTAL


possível, ou seja, deve começar quando a
criança nasce ou quando se descobre a de-
ficiência;

• Não se deve oferecer qualquer meio de


comunicação que não seja a modalida-
de oral. O uso da língua de sinais tornará
impossível o desenvolvimento de hábitos
orais corretos;

• A educação oral começa no lar e, portan-


to, requer a participação ativa da família,
especialmente da mãe;
FIGURA 04. Material da Comunicação Total. Observe
que as vogais estão representadas pela grafia, sinal
• A educação oral requer participação de pro- e desenho, mostrando a boca ao oralizá-la. FONTE:
fissionais especializados, como fonoaudió- http://teresadejesus.wordpress.com/2010/01/09/
sistemas-de-educacion-para-sordos/
logo e pedagogo especializado, para aten-
der sistematicamente o aluno e sua família; A filosofia da comunicação total defende o uso
de qualquer meio que possa facilitar a comu-
• A educação oral requer equipamentos es- nicação: palavras, símbolos, alfabeto manual,
pecializados, como o aparelho de amplifi- língua de sinais, desenhos etc.
cação sonora individual.

18 capítulo 2
Essa filosofia se preocupa também com a
aprendizagem da língua oral pela criança sur-
da, mas acredita que os aspectos cognitivos,
emocionais e sociais não devem ser deixados
de lado só por causa da aprendizagem da lín-
gua oral. Defende, assim, a utilização de qual-
quer recurso espaço - visual como facilitador
da comunicação.

No Brasil, além da Língua Brasileira de Sinais


(libras), a comunicação total usa a datilologia
(alfabeto manual), o “cued- speech” (sinais
manuais, que representam os sons do portu-
guês), o português sinalizado (língua artificial,
que utiliza o léxico da língua de sinais como
a estrutura sintática do português e alguns
sinais inventados, para representar estruturas
gramaticais do português, que não existem na
língua de sinais) e o pidgin (simplificação da
gramática de duas línguas em contato, como FIGURA 05. Uso de sinal para o treinamen-
to de fala. FONTE: http://teresadejesus.
português e língua de sinais no Brasil). A co- wordpress.com/2010/01/09/sistemas-de-
municação total não privilegia o fato de essa -educacion-para-sordos/

língua ser natural e levar junto uma cultura


própria. Então cria recursos artificiais para fa- Lopes, ao problematizar o bimodalismo como
cilitar a comunicação e educação dos surdos, uma das modalidades da comunicação total,
que podem provocar uma dificuldade de co- cita Goés, que escreve:
municação entre surdos que dominam códi-
Os debates em torno da comunicação total e do
gos diferentes e a língua de sinais. bimodalismo começaram a surgir desde que estes
foram propostos, e as posições intensificaram-se,
Conforme Ciccone (1990 apud POKER), a co- ou porque os esforços para concretizar as dire-
municação total percebe o surdo de forma di- trizes resultam numa multiplicidade de soluções,
com o uso de sistemas que não são línguas, ou
ferente do oralismo: “ele não é visto só como
porque acabaram orientando-se, implícita ou ex-
alguém que tem uma patologia que precisa ser plicitamente, apenas à aprendizagem da língua
eliminada, mas, sim, como uma pessoa, e a majoritária. (GOÉS, 1996, p.43, apud LOPES,
surdez, como uma marca que repercute nas 2011, p. 64)
relações sociais e no desenvolvimento afetivo e
cognitivo dessa pessoa”. Ainda sobre essa questão, Owen Wrigley co-
menta:
A comunicação e a interação, e não apenas
a língua, são valorizadas pela comunicação “A Comunicação Total veio significar a mistura da
total. Seu objetivo maior não se restringe ao fala e língua dos sinais mais convenientes a cada
professor (...). O uso da língua dos sinais nesses
aprendizado de uma língua, mas, ao desenvol- ambientes mostrou-se ser, na melhor das hipóte-
vimento global da pessoa. ses, apenas ‘fala apoiada pelos sinais’, que é ina-
dequada para ser compreendida por uma criança
Quando foi criada, a comunicação total teve o surda como uma mensagem completa (...). A
‘Comunicação Total’ é qualquer coisa, menos to-
mérito de reconhecer a língua de sinais como
tal, e raramente comunica” (WRIGLEY, 1996, p.
direito do surdo. Entretanto, seus defensores
15 apud SÁ, 1996).
recomendam o uso simultâneo de fala e sinais,
constituindo o bimodalismo. Apesar de pro-
De acordo com Hansen (1990 apud CAPO-
posto por essa filosofia, o bimodalismo não
VILLA, 2000, p.104), com a filosofia da comu-
tem respaldo teórico.
nicação total e a consequente adoção da lín-
gua falada sinalizada nas escolas e nos lares, as

capítulo 2 19
Para Porker, o bilinguismo

parte do princípio de que o surdo deve adquirir


como sua primeira língua a língua de sinais com
a comunidade surda. Isso facilitaria o desenvolvi-
mento de conceitos e sua relação com o mundo.
Aponta o uso autônomo e não simultâneo da
Língua de Sinais que deve ser oferecida à criança
surda o mais precocemente possível. A língua por-
tuguesa é ensinada como segunda língua, na mo-
dalidade escrita e, quando possível, na modalidade
oral. Contrapõe-se às propostas da Comunicação
Total, uma vez que não privilegia a estrutura da
crianças começaram a participar das conversas língua oral sobre a Língua de Sinais (PORKER, p.8).
com seus professores e familiares de um modo
que jamais havia sido visto desde a adoção do Segundo os bilinguistas, o surdo não precisa
oralismo puro. No entanto, as habilidades de ter uma vida semelhante à do ouvinte, poden-
leitura e escrita, por parte dos surdos, ainda do aceitar e assumir a sua surdez. O conceito
continuavam limitadas. mais importante dessa filosofia é que os sur-
dos formam uma comunidade, com cultura
Segundo Capovilla, com a propagação das e língua próprias. A noção de que o surdo
pesquisas e o aprofundamento da compreen- deve aprender, de qualquer forma, a modali-
são da complexidade linguística das línguas de dade oral da língua, para poder se aproximar
sinais, ao máximo do padrão de normalidade, é re-
jeitada por essa filosofia. Isso não quer dizer
não tardou a surgir a expectativa de que a própria
que a aprendizagem da língua oral não seja
língua de sinais, natural da comunidade surda, e
não mais a língua oral sinalizada, poderia ser o ve- importante para o surdo, ao contrário, esse
ículo mais apropriado para a educação e o desen- aprendizado é desejado, mas não é visto como
volvimento cognitivo social da criança surda. (...) o único objetivo educacional do surdo, ou se-
a comunicação total deveria ser substituída pela quer como uma possibilidade de reduzir as di-
filosofia do bilinguismo, em que as línguas fala-
das e de sinais poderiam conviver lado a lado, mas ferenças causadas pela surdez.
não simultaneamente (CAPOVILLA, 2000, p. 109).
Existem duas correntes dentro da filosofia bilíngue:
Surge então o bilinguismo:
• A língua de sinais e a modalidade oral da
língua devem ser adquiridas, o mais preco-
cemente possível, separadamente. Depois,
a criança deve ser alfabetizada na língua
oficial de seu país, e

• A língua de sinais deve ser adquirida e,


num segundo momento, só a modalidade
FIGURA 06. Bilinguismo: Educação para Surdos. FONTE: escrita da língua oral. A oralização, nesse
http://primeirainfancia.org.br/antigo_wp/2011/06/bilin-
guismo-%E2%80%93-educacao-para-surdos-ii-congresso- caso, fica descartada.
-internacional-praticas-e-perspectivas-2/

Segundo Quadros (1997), o bilinguismo é


O princípio fundamental do bilinguismo é ofe- uma proposta de ensino usada por estabele-
recer à criança um ambiente linguístico, no cimentos de ensino que se propõem a tornar
qual seus interlocutores se comuniquem com acessíveis à criança duas línguas no contexto
ela de uma forma natural, da mesma maneira escolar. Essa filosofia surgiu como uma quebra
como é feito com a criança ouvinte por meio de paradigma, rompendo com o clínico-tera-
da língua oral. Assim, a criança não apenas pêutico e abrindo um campo com enfoque
terá assegurada a aquisição e o desenvolvi- social, cultural, político. A partir do bilinguis-
mento da linguagem como a integração de mo, retomou- se a discussão da “educação”
um autoconceito positivo. na educação de surdos.

20 capítulo 2
• Aos quatro anos: criança já produz sen-
FIGURA 07. Movimento surdo em favor
da educação e da cultura surda. FONTE: tenças mais complexas e usa expressões
http://www.audithus.com.br/ima- faciais;
ges/201105_676_1.jpg

• Aos seis anos: criança desenvolve diálogos


Nos últimos tempos, a comunidade surda do claros, utilizando a concordância verbal e a
Brasil está lutando por uma educação bilíngue. pronominal mais consistentes. (QUADROS,
Direito garantido no Decreto 5.626/05, que re- 1997).
gulamenta a Lei 10.436/02, visando ao acesso à
escola dos alunos surdos. Dispõe sobre a inclusão
da Libras como disciplina curricular, a formação Saiba Mais
e a certificação de professor, instrutor e tradutor/
Configuração de mão é o formato que a mão as-
intérprete de Libras, o ensino da Língua Portu- sume ao produzir o sinal.
guesa como segunda língua para alunos surdos
e a organização da educação bilíngue no ensino
regular (BRASIL. MEC/SEESP, 2008).
A implantação de uma educação bilíngue exi-
ge cuidados especiais na organização curricu-
A educação bilíngue permite o desenvolvimen-
lar e no projeto pedagógico, que devem ser
to rico e pleno da linguagem, possibilitando ao
consistentes com o direito do aluno a uma
surdo um desenvolvimento integral. Para isso,
aprendizagem escolar que respeite sua singu-
é imprescindível que a criança surda adquira a
laridade linguística e cultural.
língua de sinais desde a mais tenra idade, as-
sim como os ouvintes adquirem a fala. Assim
sendo, as crianças surdas vivenciam estágios
muito semelhantes aos das ouvintes. Quadros
apresenta os seguintes estágios de desenvolvi-
mento da língua de sinais:

• Entre doze meses e os dois anos: criança


faz referência aos objetos e às pessoas que
estão presentes no contexto. Na maioria
das situações, apenas imita os sinais e há
troca na configuração de mão;

• Por volta dos dois anos: criança começa a


associar e combinar sinais para interagir
com o ambiente. Utiliza o olhar e gestos FIGURA 08. Capa do livro Rapunzel Surda.
(apontar) para expressar suas ideias e von- FONTE: http://escritadesinais.wordpress.
com/2010/08/30/cinderela%C2%A0surda-
tade. Começa a marcar sentenças interro- -e-rapunzel-surda/
gativas com expressões faciais e a usar a
negação não manual;
É necessário reestruturar o currículo, atenden-
do as especificidades da comunidade surda,
• Por volta dos três anos: aumento do vo-
incluindo disciplinas que promovam o desen-
cabulário da criança e produção de frases
volvimento do surdo e a construção de sua
curtas;
identidade:

capítulo 2 21
RESUMO
As filosofias educacionais estudadas mostram
que, por muitos séculos de existência, a esco-
larização e outros aspectos próprios do povo
surdo têm sido organizados do ponto de vista
dos sujeitos ouvintes. Por isso, a comunida-
de surda brasileira, por meio do Movimento
Surdo em Favor da Educação e Cultura Sur-
da, reafirmando sua posição de atores sociais
com direito a opinar sobre as propostas edu-
cacionais que vêm sendo impostas aos surdos
• Fazer da língua de sinais uma disciplina, brasileiros de maneira inadequada e autoritá-
pois conforme Quadros (1997), “a libras ria, elaborou um documento com propostas
é a língua, que deve ser usada na escola de emenda substitutivas ao Projeto de Lei nº
para a aquisição da língua, para aprender 8.035, de 2010, que aprova o Plano Nacional
através dessa língua e para aprender sobre de Educação – PNE, que vigorará no decênio
a língua”; 2011-2020. Esse documento quer garantir, no
Plano Nacional de educação, a manutenção
• Inserir as manifestações da cultura surda: e criação de escolas que tenham como pro-
pintura, poesias, narrativas de histórias, posta educacional uma educação específica,
piadas, cinema etc; diferenciada, cultural e bilíngue para os surdos
brasileiros que têm a língua brasileira de sinais
• Incluir conteúdos sobre a história dos sur- como sua primeira língua.
dos, a escrita da língua de sinais;
Uma educação bilíngue pressupõe muito mais
• Contar com a colaboração de professores e do que só o domínio de duas línguas pelo alu-
pesquisadores surdos na mudança do cur- no surdo. Há de estar contemplada a política
rículo para, considerando as especificida- das identidades, que possibilite ao aluno surdo
des da comunidade surda, incluir para eles constituir-se como cidadão diferente, porém
os mesmos conteúdos dos ouvintes. eficiente, e com autoimagem positiva, o que
só poderá acontecer na convivência com seus
Além dessas questões, o currículo surdo, se- iguais. Além disso, não se pode desconsiderar
gundo Lopes (2011, p.86), “exige que nós que o bilinguismo pressupõe duas culturas,
pensemos na nossa capacidade de olhar para surda/ouvinte, e que o currículo deve contem-
os surdos, colocando-os em outras tramas, plá-las igualmente, atribuindo às duas línguas
que não aquelas atreladas às pedagogias cor- a mesma importância. Há de se considerar,
retivas”. ainda, que as pessoas surdas têm acesso ao
mundo pela visão, aspecto que deve ser respei-
tado no ensino de alunos surdos.

Finalizo este capítulo com as palavras de Perlin:

Em nenhum momento, pretendemos separar os


surdos da comunidade ouvinte. (...) O propósito é
refletir sobre os modos de ultrapassar os estreitos
limites da escola dos ouvintes, ou do ‘modelo ou-
vinte’ para os surdos. Não estamos defendendo
uma pedagogia para um surdo ‘fechado para os
ouvintes’, uma vez que o contato surdo-ouvinte é
necessário. Precisamos de uma visão cujo núcleo
FIGURA 09. Educação Bilíngue para Surdos. FONTE: remeta para a dimensão cultural, com respeito à
http://fabiosellani.blogspot.com.br/2011/05/educa-
questão das diferenças (...) (PERLIN, 2000, p. 28
cao-bilingue-para-surdos_16.html
apud STROBEL, 2008, p.146).

22 capítulo 2
Atividades
1. Após a leitura atenta desse capítulo, preencha o quadro abaixo sintetizando as abordagens estudadas:
PONTOS PONTOS RECURSOS
ABORDAGEM OBJETIVO
POSITIVOS NEGATIVOS UTILIZADOS

ORALISMO

COMUNICAÇÃO
TOTAL

BILINGUISMO


2. De acordo com o que foi apresentado, o que é educação bilíngue? Produza um pequeno texto responden-
do essa questão.

REFERÊNCIAS PERLIN, Gladis e STROBEL, Karin. Fundamentos


da Educação de Surdos. Florianópolis: UFSC,
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de 2006.
Educação Especial. Lei Nº. 10.436, de 24 de
abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira POKER, Rosimar Bortolini. Abordagens de en-
de Sinais – LIBRAS e dá outras providências. sino na educação da pessoa com surdez. Arti-
go disponível em <http://www.marilia.unesp.
______. Ministério da Educação. Secretaria de br/Home/Extensao/Libras/mec_texto2.pdf>,
Educação Especial. Decreto Nº 5.626, de 22 acessado em 12/01/2013.
de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei Nº
10.436, de 24 de abril de 2002. SÁ, Nídia Regina Limeira. Cultura, poder e edu-
cação de surdos. São Paulo: Paulinas, 2006.
CAPOVILLA, Fernando César. Filosofias edu-
cacionais em relação ao surdo: do oralismo à STROBEL, Karin Lilian. Surdos: vestígios cultu-
comunicação total ao bilingüismo. Revista Bra- rais não registrados na história. Florianópolis:
sileira de Educação Especial, Marília, SP, v. 6, n. UFSC, 2008.
1, p. 99-116, 2000.
QUADROS, Ronice Müller. Educação de sur-
LOPES, Maura Corcini. Surdez e educação -2. dos: aquisição da linguagem. Artes Médicas.
ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. Porto Alegre: 1997.

capítulo 2 23
LÍNGUA
DE SINAIS

Maria do Socorro Araújo de Freitas OBJETIVOS ESPECÍFICOS


• Reconhecer as línguas de sinais como um
Carga Horária | 15 horas sistema padronizado de sinais, resultado
da história cultural do povo surdo em seu
país;

• Identificar os parâmetros da Língua Brasi-


leira de Sinais-Libras;

• Comparar a Língua Portuguesa com a Li-


bras, nos seus níveis fonológico, morfoló-
gico, sintático, semântico e pragmático.

INTRODUÇÃO
Par a várias pessoas, as línguas de sinais são apenas gestos, mímicas, uma lingua-gem artificial sem
estrutura própria ou um sistema superficial de comunicação subordi-nado e inferior às línguas orais.
Neste capítulo, vamos desmistificar essa ideia, verifi-cando que a Língua Brasileira de Sinais – Libras,
assim como as demais línguas de si-nais, atende a todos os critérios linguísticos de uma língua.
Iniciaremos esse estudo diferenciando língua de linguagem, observando as proprie-dades inerentes a
todas as línguas orais e de sinais. Depois, verificaremos que a língua de sinais é uma língua natural,
com características próprias e, assim como a Língua Por-tuguesa, apresenta os níveis fonológico, mor-
fológico, sintático, semântico e pragmático.

No nível fonológico, veremos as unidades mínimas, que formam os sinais; no mor-fológico, os pro-
cessos de formação dos sinais e os tipos de verbos; no sintático, as cons-truções de frases possíveis na
Libras; e para encerrar o capítulo, exemplos dos níveis semântico e pragmático.

Sinta-se motivado para iniciar o estudo de uma língua que desperta sentimentos e leva a conhecimen-
tos diversos!

capítulo 3 25
que são atribuídas a todas as línguas. Ho-
ckett(1992), Lyons (1981) e Lobato (1986),
citados por Quadros e Karnopp (2004), enu-
meraram uma lista de traços atribuí-dos às lín-
guas em geral, abordando a diferença entre
língua e sistemas de comunicação animal. Os
principais traços discutidos pelos autores são
apresentados a seguir:

FLEXIBILIDADE E VERSATILIDADE - as lín-


guas apresentam várias possibilidades de uso
em diferentes contextos, podendo ser usadas
para argumentar, persuadir, dar ordens, fazer
poesias, informar, dentre outras possibilidades.

1. LÍNGUA BRASILEIRA
ARBITRARIEDADE - a palavra/sinal (signo
linguístico) é arbitrária, porque é sempre uma
convenção reconhecida pelos falantes de uma
DE SINAIS – LIBRAS língua, ou seja, as palavras/sinais não apresen-
tam relação direta entre a forma e o significado.
“Enquanto houver dois surdos sobre a face da Terra e
eles se encontrarem, haverá sinais”.
J. Schuyler Long (1910)
DESCONTINUIDADE - diferenças mínimas
entre as palavras/sinais e os seus signifi-cados
A linguagem é um sistema de comunicação são descontinuados por meio da distribuição
natural ou artificial, humano ou não. Nesse que apresentam nos diferentes níveis linguís-
sentido, linguagem é qualquer forma utiliza- ticos. Por exemplo, em Português, maca/mala
da com algum tipo de intenção comu-nicativa, (alterando apenas um fonema), em Libras, FA-
incluindo a própria língua. A língua pode ser MÍLIA e REUNIÃO (alterando apenas um parâ-
entendida como um sistema pa-dronizado
de sinais/sons arbitrários, caracterizados pela
estrutura dependente, criativi-dade, desloca-
Saiba Mais
mento, dualidade e transmissão cultural (QUA- Os sinais da Libras são representados por palavras
DROS, 2004). da Língua Portuguesa em letras maiúsculas.

As línguas se diferem de acordo com a moda- metro).


lidade de produção e recepção. A Língua Por-
tuguesa é de modalidade oral-auditiva, e a Lín- CRIATIVIDADE/PRODUTIVIDADE - pode
gua de Sinais, de modalidade visual-espacial. expressar uma mesma informação de mui-
-tas formas, seguindo um conjunto finito de
Assim como as línguas orais, as línguas de si- regras.
nais são naturais, pois surgiram es-pontane-
amente da interação entre pessoas e porque DUPLA ARTICULAÇÃO: as línguas apresen-
permitem a expressão de qualquer conceito. tam duas articulações: a primeira é a das uni-
Contudo, as línguas de sinais só receberam o dades menores sem significado, e a segunda,
status de língua a partir dos estu-dos do lin- das unidades que, combinadas, formam uni-
guista americano William Stokoe, em 1960. A dades com significado.
Língua Brasileira de Sinais- -Libras é reconheci-
da pela Lei Nº 10.436/2002 e pelo Decreto Nº CM - sem significado (mão configurada em L)
5.626/2005, como meio legal de comunicação L - sem significado (bochecha)
e expressão da comunidade surda brasileira. M - sem significado (círculo para trás)
CM+L+M = significado
Tanto nas línguas orais quanto nas línguas de (L+bochecha+círculo para trás) = ONTEM
sinais, podem ser encontradas pro-priedades

26 capítulo 3
FIGURA 01. Ontem. FONTE: FELIPE & MON-
TEIRO (2005) p. 70

Saiba Mais faladas diz respeito à estrutura simultânea de


organização dos ele-mentos das línguas de
Você pode visualizar esse e outros sinais no dicio- sinais. Enquanto as línguas orais são lineares,
nário de Libras on-line, acessando: <http://www.
isto é, apresentam uma ordem linear entre os
acessobrasil.org.br/libras/ >, mas fique atento, al-
guns sinais podem apresentar variações regionais! fonemas, nas línguas de sinais, além da linea-
ridade, os fone-mas são articulados simultane-
amente.

Estudos posteriores aos de William Stokoe su-


PADRÃO - as línguas têm um conjunto de re-
geriram, então, a adição de mais dois parâme-
gras compartilhadas por um grupo de pessoas,
tros na formação dos sinais, a orientação da
como afirmam Quadros, Pinto e Pízzio (2007):
palma da mão (Or) e as expres-sões não ma-
“as línguas de sinais são altamente restringidas
nuais (ENM) – expressões faciais e corporais
por regras. Você não pode produzir os sinais
(Battison, 1974, 1978).
de qualquer jeito ao usar a Língua de Sinais
Brasileira, por exemplo. Você deve observar
Ressalta-se que os estudos iniciais sobre as lín-
suas regras.”
guas de sinais foram realizados com a língua
de Sinais Americana - ASL, mas o estudo de
Dependência estrutural - há uma relação es-
pesquisadores, como Ferrei-ra-Brito e Lange-
trutural entre os elementos da língua, ou seja,
vin (1995), Felipe (2001), Quadros e Karnopp
eles não podem ser combinados de forma ale-
(1994), comprova que essas descobertas tam-
atória (estrutura frasal).
bém são peculiares à Língua Brasileira de Sinais
– Libras.
De acordo com Quadros e Karnopp (2004),
nos seus estudos iniciais, Stokoe propôs um es-
Segue uma descrição detalhada dos parâme-
quema linguístico e estrutural para analisar a
tros da língua de sinais:
formação dos sinais. Então propôs a decompo-
sição dos sinais na Língua de Sinais Americana
Configuração de Mão (CM) - é a forma que a
- ASL em três parâmetros principais que não
mão apresenta na realização do sinal. Ferreira-
carregam significado isoladamente, a saber:
-Brito e Langevin (1995) catalogaram 46 CMs
da Libras, Nelson Pimenta (s/d) 61 CMs e Tânia
1. Configuração de mão (CM)
Felipe (2005) 64 CMs.
2. Locação (L)
3. Movimento da mão (M)
Saiba Mais
A ideia de que CM, L e M são unidades míni- Para você conhecer as Configurações de mãos
mas (fonemas), que constituem os morfemas pesquisadas por Nelson Pimenta acesse: http://
nas línguas de sinais, de forma análoga aos fo- cursodelibrasextensao.blogspot.com.br/2011/03/
tabela-de-configuracoes-de-mao-da.html
nemas que constituem morfe-mas nas línguas
orais, começou a prevalecer. Entretanto, a di-
ferença básica entre língua de sinais e línguas

capítulo 3 27
exemplos abaixo:

Movimento (M) - o movimento é definido


como um parâmetro complexo; certas varia-
ções de movimento são significativas na gra-
mática das línguas de sinais, como a direciona-
lidade do verbo. Os movimentos podem estar
nas mãos, no pulso e no antebra-ço, ser unidi-
recionais, bidirecionais ou multidirecionais. Os
Saiba Mais sinais poder ter um movi-mento ou não. Se-
Um sinal, que é traduzido por duas ou mais pa- gundo Felipe e Monteiro (2008), os sinais RIR,
lavras em Língua Portuguesa, será representado CHORAR e CONHECER têm movimento, mas
pelas palavras correspondentes, separadas por AJOELHAR e EM-PÉ não têm movimento. Veja
hífen.

Tem
De acordo com Felipe e Monteiro (2008), os movimento
sinais APRENDER, LARANJA E DESODORANTE-
-SPRAY têm a mesma configuração de mão e
são realizados na testa, na boca e na axila, res-
pectivamente. Seguem os exemplos:
Não tem
movimento

FIGURA 04. FONTE: FELIPE & MONTEIRO (2008) p. 22

FIGURA 02. FONTE: FELIPE & MONTEIRO (2008) p. 21


os exemplos abaixo:

Orientação da mão (Or) - é a direção para


a qual a mão aponta na produção do sinal.
Ferreira-Brito (1995) enumerou seis tipos de
Locação (L) - ou Ponto de Articulação (PA) é
orientação da palma da mão na Li-bras: para
o local onde o sinal é articulado, podendo ser
cima, para baixo, para a esquerda, para a di-
uma parte do corpo ou o espaço neutro verti-
reita, para o corpo e para frente. De acordo
cal (do meio corpo até a cabe-ça) e horizontal
com Felipe e Monteiro (2008), os verbos IR e
(à frente do emissor). Felipe e Monteiro (2008)
VIR, SUBIR e DESCER, ABRIR-PORTA e FECHAR-
apresentam como exemplos de sinais feitos
-PORTA se opõem em relação à direcionalida-
no espaço neutro: TRABALHAR, BRINCAR, PA-
QUERAR; já os sinais ESQUECER, APRENDER E
DECORAR são realizados na testa. Observe os

FIGURA 03. FONTE: FELIPE & MONTEIRO (2008) p. 22 FIGURA 05. FONTE: FELIPE & MONTEIRO (2008) p. 23

28 capítulo 3
de. Observe os exemplos abaixo:

Expressões não manuais (ENM) - as expres-


sões não manuais (movimentos da face, boca,
dos olhos, da cabeça e do tronco) prestam-se
a dois papéis na língua de si-nais: marcações
de construções sintáticas e diferenciação de
itens lexicais.

FIGURA 06. FONTE: FELIPE & MONTEIRO (2008) p. 23

Felipe e Monteiro (2008) relatam que todas as


línguas estão estruturadas a partir de unidades
mínimas, que formam unidades mais comple-
vimento em uma determinada locação. O valor
xas, isto é, todas as línguas possuem os níveis
contrastivo dos parâmetros fonológicos pode
linguísticos: fonológico, morfológico, sintático
ser observado quando, no contraste de apenas
e semântico.
um parâmetro, altera o significado dos sinais,
sendo estes, que se distinguem apenas por um
No nível fonológico, os fonemas não têm valor
parâmetro, deno-minados de pares mínimos.
contrastivo, não têm significado, mas a partir
Os pares mínimos nas línguas de sinais podem
das regras de cada língua, eles se unem para
ser observa-dos, por exemplo, em:
formar os morfemas, e estes, as palavras.
Sinais que se opõem
Na Língua Portuguesa, os fonemas m/n/s/a/e/i/
podem se combinar e formar a palavra “me-
ninas”. REUNIÃO

No nível morfológico, essa palavra é formada


pelos morfemas: {menin-} é o ra-dical, signi-
fica criança; {-a} morfema que indica gênero
feminino; e {-s} morfema que indica plural.

No nível sintático, essa palavra pode se combi-


FIGURA 07. FONTE: CAPOVILLA & RAPHAEL (2001)p. 1144
nar com outras para formar frases, observando
o seu sentido em coerência com o significado
das palavras do contexto, cor-respondendo FAMÍLIA
ao nível semântico (significado) e pragmático
(sentido no contexto no qual estão sendo utili-
zadas as palavras).

Nas Línguas de Sinais, os fonemas e, às vezes,


os morfemas são chamados de parâmetros.
Então um sinal é formado a partir da combi-
nação de uma configuração de mão, um mo- FIGURA 08. FONTE: CAPOVILLA & RAPHAEL (2001)p. 647

capítulo 3 29
Sinais que se opõem quanto ao movimento

Quanto à morfologia, percebe-se que a lín-


gua de sinais tem um léxico e um sis-tema de
criação de sinais em que as unidades mínimas
com significado são combinadas. Podemos
observar a formação do léxico na Libras, prin-
quanto à configuração de mão cipalmente pelos seguintes processos:

Empréstimo linguístico - são sinais emprestados


da Língua Portuguesa por so-letração. O sinal AL
TER é derivado da soletração manual A-Z-U-L.

AZUL

FIGURA 09. FONTE: CAPOVILLA & RAPHAEL (2001)p. 1242

ALEMANHA FIGURA 13. FONTE: CAPOVILLA & RAPHAEL (2001)p. 254

Derivando nomes de verbos - há vários exem-


plos de derivação de sinais, que mudam a ca-
tegoria do substantivo para a categoria do
FIGURA 10. FONTE: CAPOVILLA & RAPHAEL (2001)p. 174
verbo; o movimento dos nomes (substantivos)

Sinais que se opõem quanto à locação SENTAR CADEIRA

AMARELO

FIGURA 14. FONTE: QUADROS & KARNOPP (2004) p. 97

FIGURA 11. FONTE: CAPOVILLA & RAPHAEL (2001)p. 185 repete e encurta o movimento dos verbos.

Formação de compostos - duas ou mais raí-


DOMINGO zes se combinam e dão origem à outra forma,

Saiba Mais
Um sinal composto, que será representado por
duas ou mais palavras, mas com a ideia de uma
única coisa, será separado pelo símbolo ^.

FIGURA 12. FONTE: CAPOVILLA & RAPHAEL (2001)p. 562

30 capítulo 3
MULHER^BÊNÇÃO
“mãe”

CASA^ESTUDAR
“escola” Incorporação da negação: é um processo
muito produtivo na Libras. Pode in-corporar

GOSTAR GOSTAR-NÃO

FIGURA 15. FONTE: FELIPE & MONTEIRO (2007) p. 146

a outro sinal.

Incorporação do numeral: o numeral pode


ser incorporado até o quatro.

UM-DIA DOIS-DIAS
FIGURA 18. FONTE: FELIPE & MONTEIRO (2005) p. 66

movimento por meio dos parâmetros.

1.1 VERBOS NA LIBRAS


TRÊS-DIAS QUATRO-DIAS
De acordo com Quadros e Karnopp (2004), os
verbos na Língua Brasileira de Sinais estão divi-
didos em, basicamente, três:

Verbos simples - são verbos que não se flexio-


FIGURA 16. FONTE: FELIPE & MONTEIRO (2005) p. 75 nam em pessoa e número e não incorporam

AMAR GOSTAR APRENDER


DIA-5 “ 5 dias”

FIGURA 17. FONTE: FELIPE & MONTEIRO (2005) p. 75 FIGURA 19. FONTE: QUADROS & KARNOPP (2004) p. 117

capítulo 3 31
e construção com foco, sempre associados ao
uso de marcação não manual específica. Assim
as construções nas ordens OSV, SOV e VOS,
se não houver uso de elementos não manuais,
serão agramaticais.

As construções nas ordens VSO e OVS serão


sempre agramaticais, mesmo na presença de
um marcador especial. No entanto, as constru-
ções SVO, mesmo sem a pre-sença de marca-
dores não manuais, serão sempre gramaticais,
afixo locativos. o que faz entender que, na Libras assim como
no Português, a ordem SVO é a ordem subja-
Verbos com concordância - são os verbos que cente das construções gramaticais.
se flexionam em pessoa, número e aspecto,
EL@ ASSISTE TV. Uma sentença estruturada na
ordem SVO será sempre gramatical.

RESPONDER PERGUNTAR DIZER Saiba Mais


A Libras não apresenta desinências de gênero e
número. As palavras em Língua Portuguesa que
as possuem são transcritas com o símbolo @ (ar-
roba) no lugar da desinência.

A Semântica estuda o significado dos sinais


no contexto assim como na Língua Portu-gue-
sa estuda as ironias, as metáforas que apre-
FIGURA 20. FONTE: QUADROS & KARNOPP (2004) p. 118
sentam significados implícitos. Entre es-sas
línguas, as expressões idiomáticas geralmente
mas não incorporam afixos locativos.
apresentam significados diferentes.
Verbos espaciais - são verbos que têm afixo
Albres (2009) explica que

a libras tem expressões idiomáticas como qual-


quer outra língua, uma língua com estrutura pró-
IR CHEGAR COLOCAR pria, mas necessariamente aberta, fluida, cheia
de indetermi-nações e polissemias, porque é atra-
vessada pela condição de seres históricos. Assim,
encontramos expressões em libras com a mesma
base de analogia que o português e, em outros
momentos, interpretações totalmente inversas
nas duas línguas.

FIGURA 21. FONTE: QUADROS & KARNOPP (2004) pp. 118-119


“Ficar chupando chupeta”
locativo. “Tá chupando o dedo”

No Nível sintático, pode-se observar que há


várias possibilidades de organizar as palavras
nas sentenças, mas parece haver uma ordem
mais básica que as demais, isto é, a ordem
Sujeito-Verbo-Objeto - SVO. As construções
na ordem OSV, SOV e VOS estão relacionadas FIGURA 22. FONTE: http://interpretaremlibras.blogspot.com.
a mecanismos de concordância, topicalização br/2009/04/expressao-chupar-dedo.html

32 capítulo 3
Observe o exemplo apresentado pela autora:

Segundo Albres (2009), essa expressão apre-


senta significados culturais diferentes de acor-
do com a língua falada; na Língua Portuguesa,
significa ficar sozinho, já na Língua Brasileira
de Sinais, significa criança, infantilidade, pes-
soa sem maturidade, pessoa mimada.

A pragmática estuda a linguagem em contexto


e os princípios da comunicação, as es-tratégias
que os usuários da língua de sinais usam para
compreenderem aquilo que está implícito du-
rante uma conversação.

Exemplo: Se alguém sinaliza “FRIO + +” pode


ser entendido como um pedido para desligar
o ar-condicionado. Essa mensagem está implí-
cita no texto; será a competência pragmática
que levará o receptor a compreender a men-
sagem.
bo-objeto) é a ordem subjacente das constru-
Observa-se que tanto as línguas orais como as ções gramaticais.
línguas de sinais apresentam estruturas pró-
prias. Contudo existem similaridades entre elas A língua de sinais, assim como as demais, é
que confirmam a existência de pro-priedades complexa. Para um melhor enten-dimento
do sistema linguístico que transcendem as mo- desta, é necessário que você pesquise, nos si-
tes indicados e outros, narrativas sinalizadas.
Exercite seus “olhos”, vendo os vídeos e tente
Saiba Mais
O sinal + + mostra a intensidade do sinal. Assim Atividades
ao sinalizar FRIO + +, significa “muito frio”, ou
seja, a sinalização acontece com marcas não ma-
nuais intensificadas. 1. Acesse http://www.acessobrasil.org.br/
libras/, visualize os sinais abaixo:

dalidades das línguas. AJOELHAR – APRENDER - DESODORANTE –


EM PÉ – QUEIJO - SALÁRIO – SORRIR - VIDA

e identifique os pares mínimos que:

RESUMO a. têm mesma locação, movimento e dire-


ção e se opõem quanto à configuração
de mão.
Este capítulo abordou a língua de sinais falada
b. têm mesma configuração de mão, mo-
em nosso país, a Libras. Primei-ramente, vimos vimento e direção e se opõem quanto à
as propriedades inerentes a qualquer língua, locação.
seja de modalidade oral-auditiva ou visual-
-espacial: flexibilidade e versatilidade, arbitra- c. têm mesma configuração de mão, lo-
riedade, descontinuida-de, criatividade, dupla cação e direção e se opõem quanto ao
movimento.
articulação, padrão e dependência estrutural.
Também vimos a descrição dos parâmetros fo- d. têm mesma configuração de mão, loca-
nológicos, a formação do léxico na Libras e a ção e movimento e se opõem quanto à
regra das construções frasais. Na Libras assim direção.
como no Português, a ordem SVO (sujeito-ver-

capítulo 3 33
compreender o que foi apre-sentado.

REFERÊNCIAS
ALBRES, N. Interpretar em Libras blogspot. Dis-
ponível em: http://interpretaremlibras.blogs-
pot.com.br/2009/04/expressao-chupar-dedo.
html. Acesso em: 20 dez. 2012.

CAPOVILLA, F. C. & RAFHAEL, V.D. Dicionário


Enciclopédico Ilustrado Trilíngue de Língua de
Sinais Brasileira. Vol. I e II. São Paulo: EDUSP,
2001.

FELIPE, T.; MONTEIRO. M. Libras em Contexto.


Livro do estudante cursista. 5. ed. MEC, SEESP,
2007.

FELIPE, T.; MONTEIRO. M. Libras em Contexto.


Livro do professor. 7. ed. Rio de Janeiro: Wall-
Print, 2008.

FERREIRA–BRITO, L.; LANGEVIN, R. Por uma


gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro:
Tempo, 1995.

QUADROS, R.; KARNOPP, L. Língua de sinais


brasileira: estudos linguísticos. Por-to Alegre:
Artmed, 2004.

QUADROS, R.; PINTO, P. & PIZZIO, A. Língua


Brasileira de Sinais I. Florianópo-lis: UFSC,
2007.

34 capítulo 3
ESCRITA
DE LÍNGUA
DE SINAIS
BRASILEIRA

Maria do Socorro Araújo de Freitas OBJETIVOS ESPECÍFICOS


• Reconhecer que a escrita de sinais propor-
Carga Horária | 15 horas ciona maior desenvolvimento linguístico
e cognitivo para o sujeito surdo, além de
fortalecer sua identidade e cultura;

• Identificar as configurações básicas da es-


crita da Língua de Sinais.

INTRODUÇÃO
Este capítulo se propõe a introduzir o tema da escrita de sinais como parte necessária da educação
bilíngue, haja vista ser a língua de sinais a língua suporte para a aprendizagem efetiva das pessoas
surdas.

Veremos que a escrita é a representação simbólica da língua, constituída historicamente ao longo da


evolução dos povos como construções coletivas e que evoluiu do sistema pictográfico – em que o ob-
jeto retratado expressava uma ideia até o alfabético - em que cada som da língua é representado por
uma letra específica. Estudaremos ainda a importância da escrita em língua de sinais para os surdos, já
que esse sistema é o mais apro-priado à língua de sinais e às configurações básicas deste.

Aproveite bem as discussões propostas para o tema acima e lembre-se de aprofundá-la!

Bom proveito!

capítulo 4 35
Originalmente, essa escrita era feita na argila
mole, com um estilete em forma de cunha, o
que determinou o formato dos sinais. Por isso, a
escri-ta sumeriana ficou conhecida como cunei-
forme.

1. ESCRITA DE LÍNGUA
DE SINAIS BRASILEIRA
A pessoa que fala português escreve em Português?
FIGURA 01. Escrita Cuneiforme. FONTE:
A pessoa que fala inglês escreve em Inglês? http://icommercepage.wordpress.
E o surdo, em que língua escreve? com/2010/09/26/a-escrita-cuneiforme/
Marianne Rossi Stumpf

A escrita é um código de comunicação secun- A escrita cuneiforme foi evoluindo e dando


dário em relação à linguagem articulada oral- lugar para a escrita ideográfica, que utilizava
mente ou sinalizada. Dizemos que ela é um imagens ou figuras representando uma ideia,
sistema de repre-sentação, porque os signos depois se tornando uma convenção de escrita.
gráficos servem para anotar uma mensagem Dessa evolução, surgiram as letras do nosso
oral ou sinalizada a fim de poder conservá-la
ou transmiti-la. Eles representam graficamente
a mensagem (STUMPF, 2007).

A grande invenção humana, a escrita, permi-


te ao homem o registro da sua histó-ria, sua
cultura, seus sonhos, seus ideais, dados impor-
tantes, enfim, possibilita registrar desde uma
simples lista de compras a uma grande desco-
berta científica. Assim, os sa-beres são “eter-
nizados”, passados de gerações em gerações,
e, ao longo dos tempos, muitos deles são res-
significados.

As evidências mais antigas de escrita são atri-


FIGURA 02. Escrita Ideográfica. FONTE:
buídas ao povo sumério, que de-senvolveu um http://webeduc.mec.gov.br/midiasedu-
sistema de escrita, e este inicialmente, se desti- cacao/material/impresso/imp_basico/
e1_assuntos_a1.html
nava ao registro da contabilidade dos templos.
Os primeiros registros, os pictogramas, eram alfabeto.
símbolos que re-presentavam objetos e eventos.
A escrita alfabética teve sua origem nos ideo-
De acordo com Cotrim (1998, p. 36), gramas, contudo perdeu seu valor ideográfico
e assumiu a função de representação fonográ-
A escrita sumeriana foi-se desenvolvendo com o
tempo e, por volta de 3000 a.C., passou a ser fica. As primeiras iniciativas da escrita alfabé-
utilizada também no registro de textos religiosos, tica foram os silabários, um conjunto de sinais
literários e de algumas normas jurídicas. específicos para representar as sílabas, ou seja,
os sinais representavam sílabas inteiras em vez

36 capítulo 4
de letras individuais.

Stumpf (2007) relata que

A invenção do sistema de escrita alfabético foi de-


vida à percepção de que a escrita pode ser orga-
nizada mais eficientemente representando cada
som da língua por um sinal específico. Esse tipo
de organização reduz muito os si-nais necessá-
rios, pois em uma língua os sons em geral somam
menos de quarenta.

A representação desses sons da língua, isto é,


as propriedades fonológicas, é feita pelos ou-
vintes de forma intuitiva. Segundo CAPOVILLA mente, faz a crian-ça surda cometer mais erros
et al., (2001, p. 1492), que a criança ouvinte, contudo “Seus erros
Na criança ouvinte e falante, há uma continuida-
não têm apenas uma frequência maior como
de entre os três contextos comunicativos básicos: também, uma natureza bastante distinta:
A comunicação transitória consigo mesma (i.e., o Não são fonológicos, mas visuais” (CAPO-
pensar), a comunicação transitória com outrem
na relação face a face (i.e., o falar) e a comuni-
cação perene na relação remota e mediada (i.e.,
o escrever). Com isto, todo seu processamento
Saiba Mais
linguístico pode concentrar-se na palavra falada CAPOVILLA, (2006) denomina como erros visuais
de uma mesma língua: Para pensar, comunicar-se a troca de ordem das letras e a troca entre letras
e escrever, ela pode fazer uso das mesmas pala- visualmente semelhantes.
vras de sua própria língua falada primária. Para
es-sa criança, há uma compatibilidade entre os
sistemas de representação lin-guística primária (i. VILLA, 2001, p. 1493).
e., língua falada) e secundária (i.e., a língua escri-
ta alfa-bética). Assim, ao escrever, ela pode fazer Visto que a descontinuidade entre o pensar,
uso intuitivo das propriedades fonológicas das
palavras da mesma língua que usa para pensar e
falar e escrever desfavorece a criança Surda
se comunicar.
na aquisição da escrita, torna-se necessário
buscar alternativas que venham a restabelecer
Podemos observar, claramente, que para uma essa continuidade e propicie a essas crianças a
criança ouvinte há uma continui-dade entre o possibilidade de pensar, comunicar-se e escre-
pensar, o falar e o escrever; a aprendizagem ver numa mesma língua, acelerando seu de-
da leitura e escrita das línguas orais está di- senvolvimento linguístico e cognitivo, colocan-
retamente ligada à consciência fonológica, do-a em igualdade com a ouvinte. De acordo
isto é, à consciência dos sons da fala. E para a com Capovilla (2001, p. 1494), a saída seria
criança surda, será que há continuidade entre buscar “outro sistema de escrita para o sur-
esses três contextos básicos? A resposta é não, do que seja mais apropriado à sua Língua de
porque a criança surda pensa e fala em língua Sinais primária do que o alfabético”. O autor
de sinais, uma língua de modalidade visual es- ressalta que
pacial. No entanto, espera-se que ela escreva
Do mesmo modo que a criança ouvinte pode be-
em língua portuguesa, uma língua de moda- neficiar-se do uso de uma es-crita alfabética para
lidade oral auditiva. De acordo com o autor mapear os fonemas de sua língua falada, a Surda
citado acima, “como a escrita é sempre feita poderia beneficiar-se, sobremaneira, de uma es-
a partir do sistema de processamento inter- crita visual capaz de mapear os quiremas de sua
Língua de Sinais.
no, é natural à criança Surda procurar fazer
uso de sua sinalização interna em auxílio à Um tal sistema de escrita visual direta de sinais
leitura e à escrita.” Desse modo, percebe-se traria múltiplos benefícios psicológicos e socio-
que há uma descontinuidade entre o pensar lógicos. Permitiria a criança tirar vantagem das
proprie-dades visuais de sua língua materna para
(em Língua de Si-nais) e o escrever (em Por-
pensar, comunicar-se e escrever numa única lín-
tuguês); essa descontinuidade, consequente-
gua (CAPOVILLA, 2001 p.1494).

capítulo 4 37
FIGURA 03. Valerie Sutton.
FONTE: http://www.cultu-
rasurda.com.br/sw.html

na Valerie Sutton, na Dinamarca em 1974.

O SignWriting pode registrar qualquer lín-


gua de sinais do mundo sem passar pela tra-
Saiba Mais dução da língua falada. Cada língua de sinais
vai adaptá-lo a sua própria orto-grafia. Para
Quiremas é o termo utilizado pelo autor para de-
signar os fonemas das línguas de sinais.
escrever em SignWriting, é preciso saber
uma língua de sinais (STUMPF, 2007).

O sistema de escrita SignWriting é usado hoje em


todo o mundo, como um sistema de escrita visu-
No Brasil, as iniciativas de alfabetização de sur- al prático para a comunicação escrita cotidiana
dos a partir da escrita visual pelo sistema de entre Surdos e entre Surdos e ouvintes, e como
escrita SignWriting acontecem, principalmen- um sistema de notação linguística para o estudo
te, nos estados do Rio Grande do Sul, Santa científico comparativo das Línguas de Sinais por
Catarina e Ceará. parte de linguistas (CAPOVILLA, 2001, p. 1494).

Stumpf (2007) explica que No Brasil, as pesquisas sobre o SignWriting


tiveram início em 1996, na Pontifí-cia Univer-
Para a criança surda, aprender a escrever seu sidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC
nome em escrita de língua de sinais tem um sig- – RS, com o Prof. Dr. Antônio Carlos da Rocha
nificado importante para sua autoestima e possi-
Costa, a Profa. Dra. Márcia Campos e a Profa.
bilita sentir-se um sujeito surdo com identidade
surda. Ela sente que não está só. Ela per-tence a Dra. Marianne Stumpf.
um grupo e tem um nome próprio dentro desse
grupo que é uma mar-ca de pertencimento. Uma
criança surda que vive em uma família de ouvin-
tes sente felicidade por estar adequada e incluída
no grupo.

Aprender a escrever seu nome surdo garante


motivação e interesse, pois o significado dessa
aprendizagem é carregado de emoção que ativa
a mente.
FIGURA 04. Marianne Stumpf pesquisa-
Dessa forma, percebe-se que a escrita de sinais, dora do SignWriting no Brasil. FONTE:
http://paulohenriquelibras.blogspot.com.
além de proporcionar maior desen-volvimento br/2011_07_01_archive.html
linguístico e cognitivo, fortalece a construção
da identidade surda e da cultura surda.
Em 2006, na primeira turma do curso Letras-
O Sistema de Escrita -Libras a distância da Universidade Federal de
de Sinais – SignWriting Santa Catarina - UFSC, foi oferecida a disciplina
Escrita de Sinais, dissemi-nando o sistema de
O sistema de escrita visual direta de sinais Sig- escrita SignWriting em 18 estados brasileiros.
nWriting foi desenvolvido pela norte-america-

38 capítulo 4
De acordo com Capovilla (2001, p. 1494-
1495), a escrita de sinais vem sendo utilizada
em atividades, como: escrita de contos infan-
tis, cursos de informática e Língua de Sinais
para crianças Surdas, documentar a gramática
da Libras, documentar sinais da Libras e para
permitir a telecomunicação entre Surdos e a
comunicação face a face entre Surdos com dis-
túrbios motores e ouvintes.

1.1 INTRODUÇÃO
À ESCRITA DE SINAIS
Serão apresentadas abaixo as noções básicas
para a escrita de sinais, segundo Stumpf (2011
p.98-102): Adicionar dedos ao punho

Configurações Básicas de Mãos As pontas dos dedos tocam uma na outra, no


punho fechado. Se um dedo estende, então
A imagem abaixo representa a Configuração uma linha é estendida a partir do quadrado. Se
de Mão que aparece na coluna do meio. dois dedos se estendem, então duas linhas são
estendidas a partir do quadrado.

FIGURA 05. FONTE: Stumpf (2011), p.98 FIGURA 07. FONTE: Stumpf (2011), p.98

Adicionar linhas para os dedos

Plano da Parede Plano do Chão


VISÃO DE FRENTE VISÃO DE CIMA

O plano da parede é um plano O plano do chão é um plano


imaginário paralelo à parede. imaginário paralelo ao chão.
Quando a mão fica paralela à Quando a mão fica paralela ao-
parede, ela é vista de frente. Isso chão, ela é vista de cima. Isso
é chamado de Visão de Frente. é chamado de Visão de Cima.
Mãos que ficam paralelas à pare- Mãos que ficam paralelas ao
de não têm espaço nas articula- chão têm um espaço na articu-
ções dos dedos. lação dos dedos.

FIGURA 08. FONTE: Stumpf (2011), p.99

FIGURA 06. FONTE: Stumpf (2011), p.98

capítulo 4 39
FIGURA 12. FONTE: Stumpf (2011), p.100

FIGURA 09. FONTE: Stumpf (2011), p.99

FIGURA 13. FONTE: Stumpf (2011), p.101

FIGURA 10. FONTE: Stumpf (2011), p.99

FIGURA 11. FONTE: Stumpf (2011), p.100 FIGURA 14. FONTE: Stumpf (2011), p.101

40 capítulo 4
FIGURA 15. FONTE: Stumpf (2011), p.101

FIGURA 16. FONTE: Stumpf (2011), p.101 FIGURA 18. FONTE: Stumpf (2011), p.102

FIGURA 17. FONTE: Stumpf (2011), p.102 FIGURA 19. FONTE: Stumpf (2011), p.102

capítulo 4 41
Saiba Mais
As figuras apresentadas são apenas uma mostra
das noções básicas da escrita de sinais. Para você
obter mais informações como representar os mo-
vimentos, os sinais de contato, expressões faciais,
enfim para conhecer mais sobre a escrita de si-
nais, você pode acessar o site

www.signwriting.org
do lado esquerdo da tela clicar
no link, Brasil.

Após ser direcionado para uma nova página, cli-


que na parte central, no quadro 11, onde abrirá o
manual Lições Básicas de SignWriting.

Resumo
Neste capítulo, observamos que a escrita da
língua de sinais assim como a das línguas orais
é um sistema de representação gráfica, apto a
assegurar as funções da escrita: re-gistro e di-
fusão de informações, compreensão e expres-
são de ideias e sentimentos e construção de
conhecimentos.

Vimos as diferentes manifestações desde os


primeiros registros pictóricos até a escrita al-
fabética. Analisamos a necessidade que os sur-
dos sentem de possuir uma escrita de sinais,
para assim tirarem vantagem das propriedades
Nesse mesmo site, você poderá encontrar um sof-
visuais de sua língua materna a fim de pen- tware desenvolvido para escrita de sinais, o SW
sar, comunicar-se e escrever, desenvolvendo- Edit, e baixar no seu computador; basta clicar no
-se linguística e cognitivamente. Estudamos, link Downloads.
também, as configurações básicas da escrita
em língua de sinais, baseadas no SignWriting,
sistema de escrita visual prático, adotado em
todo o mundo, para a co-municação escrita
entre surdos.

Com este capítulo, finalizamos a disciplina Li-


bras. Esperamos que este estudo tenha ofere- Ao ser direciona-
cido o aporte necessário para que você conti- do para uma nova
nue pesquisando e aprendendo essa língua de página, clique no
quadro 9 e faça o
modalidade visoespacial, falada por cerca de download.
dois milhões de pessoas.
Bom estudo!

42 capítulo 4
Atividades
1. Conheça o alfabeto e os numerais em SignWright e treine a escrita.
A M Z

B N 1

C O 2

Ç P 3

D Q 4

E R 5

F S 6

G T 7

H U 8

I V 9

J W 10

K X 11

L Y 12

capítulo 4 43
2. Com base nas noções básicas de escrita de sinais apresentadas, faça a
correspondência entre os sinais mostrados e sua respectiva escrita.

1  
Domingo

2
Hoje

3
Casa

4
Carro

5  
Surdo

6
América do Sul

7  

Brasil

Língua de Sinais

   
9

Sábado

10  

Terça-feira

44 capítulo 4
3. Escrever o nome próprio (datilologia) e o dos colegas é uma atividade que
ajuda na memorização das configurações de mãos do alfabeto.

Pratique a escrita de sinais, realizando esta atividade!

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REFERÊNCIAS
CAPOVILLA, F.; et al. A escrita visual direta de
sinais SignWriting e seu lugar na edu-cação da
criança Surda. In: CAPOVILLA, F. C. & RAFHA-
EL, V.D. Dicionário Enciclopé-dico Ilustrado
Trilíngue de Língua de Sinais Brasileira. Vol. II.
São Paulo: EDUSP, 2001. p. 1492 - 1495.

COTRIM, G. História e Consciência do Mundo.


São Paulo: Editora Saraiva, 1998.

STUMPF, M. Escrita de Sinais I. Florianópolis:


UFSC, 2007.

STUMPF, M. Escrita de Sinais II. Florianópolis:


UFSC, 2008.

STUMPF, M. Escrita de Língua Brasileira de Si-


nais. Indaial: Uniasselvi, 2011.

capítulo 4 45

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