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DIREITO PÚBLICO

o "PARLAMENTARISMO" NO BRASIL IMPÉRIO

NELSON DE SOUSA SAMPAIO


Universidade da Bahig.

ENSAIOS PARLAMENTARISTAS NA A~ÉRICA LAT.iNA

Vamos ocupar-nos do "parlamentarismo" no Império


brasileiro, sendo prudente, por enquanto, deixar a expres-
são entre aspas. De início, devemos observar que a nossa
experiência não foi a única dessa natureza feita na Amé-
rica Latina, embora tenha sido das mais longas e, sem dú-
vida, a mais famosa.
Em geral, o Nôvo Mundo, excetuado o Canadá, tor-
nou-se o hemisfério do presidencialismo, sob a influência
do exemplo dos Estados Unidos. Algumas práticas par-
lamentaristas podem ser, entretanto, relembradas.

Haiti conheceu-as intermitentemente, desde os pri-


mórdios de sua independência no século passado. Outros
ensaios parlamentaristas realizaram-se em Honduras (de
1925 a 1931), na Bolívia (de 1931 a 1938), Cuba, Chile
e Uruguai. Com a exceção do Uruguai sob a Constitui-
ção de 1934, nenhum dêsses países conheceu a dissolu-
ção do parlamento, que é um dos institutos clássicos do
sistema, se bem que não lhe seja essencial. Haiti e Bo-
lívia limitaram-se a adotar, de maneira incerta e efêmera,
a responsabilidade parlamentar dos ministros.
A tentativa cubana, embora recente e também fugaz,
é mais conhecida, tendo sido regulada de forma pormeno-
rizada - ou racionalizada, como os constitucionalistas cos-
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tumam dizer - na Constituição de 1940. Êsse texto1


todavia, afasta-se dos modelos conhecidos, a ponto de ha-
ver sido caracterizado de diversas maneiras. Houve quem
o chamasse "sistema semi parlamentar" ou "sistema presi-
dencialista condicional", ao passo que o seu maior propug-
nador, José Manuel Cortina e Garcia, o caracterizou como
"sistema parlamentar restrito". Os ministros eram esco-
lhidos livremente pelo Presidente da República, mas po-
diam ser destituídos por voto de desconfiança da maioria
absoluta de qualquer das Casas do Congresso, ambas in-
dissolúveis. Se o primeiro ministro ou mais de três mi-
nistros fôssem objeto de moção de desconfiança, a crise
de govêrno seria chamada "total"; se no máximo três mi-
nistros' excluído o primeiro, fôssem atingidos, a crise seria
"parcial". A Constituição estabelecia cautelas para evitar
freqüentes moções de desconfiança: eram proibidas nos
seis primeiros meses de vida de um gabinete e no último
semestre do período presidencial. Duas crises parciais
do Conselho de Ministros equivaliam, para os efeitos cons-
titucionais, a uma crise total. Os ministros destituídos por
falta de confiança parlamentar não poderiam ser nomea-
dos pelo Presidente da República, para a mesma pasta. \
O sistema somente logrou certa aplicação até 1944. A
partir dêsse ano, os Presidentes da República passaram
a ignorar os preceitos constitucionais. Em 1955, o Ge-
neral Fulgêncio Batista restabeleceu a Constituição de
1940, que não teve senão o efeito de salvar as aparências
do seu regime ditatorial, sendo mais um texto para a pro-
paganda do que verdadeiro documento jurídico.
Mais duradoura e, por isso, mais referida foi a ten-
tativa do Chile, onde o govêrno parlamentar remonta, de
certo modo, à sua primeira Constituição, a de 1833. É
claro, porém, que o seu texto não previa, nem podia pre-
ver, tôdas as peças dêsse tipo de govêrno, cuja porme-
norizada disciplinação pelos constituintes somente ganha
terreno nas Constituições européias posteriores à Primeira
Guerra Mundial. Em 1833, a própria Inglaterra ainda
estava evoluindo para o parlamentarismo, e só depois da
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ascensão da Rainha Vitória (1837) surgiram tôdas as en-
grenagens dêsse mecanismo governamental.
No Chile, a responsabilidade política dos ministros
efetivava-se perante qualquer dos ramos do Congresso, in-
dissolúveis, como todos os legislativos dos países referidos,
segundo já salientamos. Em 1875, uma emenda consti-
tucional formalizou a moção de desconfiança, cuja prática
se implantou plenamente a partir de 1892, após a vitória
da chamada Revolução dos Congressionalistas, verificada
no ano anterior, e que não realizou, contudo, uma emenda
formal da Constituição de 1833. As práticas parlamen-
taristas perduraram até que a Constituição de 1925 con-
sagrou o sistema presidencial.
Segundo um constitucionalista chileno, o govêrno de
gabinete, de 1892 a 1925, não funcionou a contento, seja
pela já aludida ausência de emenda constitucional "seja
porque não tínhamos a educação política que exige o seu
funcionamento, ou porque nos faltavam partidos políticcs
solidamente organizados e disciplinados. Os inconvenien-
tes não se fizeram esperar: primeiro, a instabilidade polí-
tica e, logo, sua conseqüência, a instabilidade administra-
tiva" . ( 1) Segundo estatística citada pelo mesmo escri-
tor (pág. 316), o Chile teve, entre 1886 e 1924, isto é,
em 38 anos, 138 ministérios, - o que representa uma
duração média de pouco mais de três meses para cad3.
gabinete. Alguns ministérios, diz o autor, duraram apenas
horas. Não admira, pois, a resposta que o povo chileno
deu ao plebiscito de 1925, no qual se lhe ofereceram três
opções: a) continuar o parlamentarismo; b) continuar o
parlamentarismo, com algumas reformas; c) adotar o pre-
sidencialismo. A preferência pela última alternativa está
explicada na simples resenha que fizemos do sistema par-
lamentar no Chile. Na realidade, o que aí se exercitou
foi menos o autêntico parlamentarismo do que o "govêrno
de assembléia", nos moldes da IH e da IV República Fran-

(1) Carlos Estevé'z Gazmu,i, El~~entos d~ Detc'cho Constitucional Chi-


leno, Editorial Jurídica de Chile, Santiago, 1949, pág. 37.

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cesa, em que tivemos gabinetes frágeis diante de Câmaras
fortes.
O Chile ensina-nos outra proveitosa lição: a mudan-
ça do parlamentarismo para o presidencialismo pouco al-
terou a situação política do país, cujos graves problemas
perduram até hoje. Invoquemos mais uma vez o citado
jurista, que assim resume a modificação: "passamos de
um regime de libertinagem parlamentar para outro ultra-
presidencial" . (2)
Levando em conta apenas a exi~tência da responsa-
bilidade política dos ministros perante o Legislativo, po-
demos dizer que o Uruguai possui a mais longa tradição
parlamentarista da América Latina, ainda hoje subsisten-
te, em associação com o "govêrno colegiado". Desde a se-
gunda metade do século passado, sob a vigência da Cons-
tituição de 1830 - que não era nem podia ser parlamen-
tarista - , os parlamentares passaram a interpelar e cen-
surar ministros. De 1890 a 1917, temos um período de
fortalecimento do Presidente da República. A Constitui-
ção de 1918 estabeleceu o govêrno colegiado, com a res-
ponsabilidade parlamentar dos ministros, ao passo que a
Constituição de 1934 restabeleceu a chefia de Estado uni-
pessoal, sob moldes parlamentaristas mais claros, pois con-
sagrava a dissolução das Câmaras e a responsabilidade po-
lítica do ministros perante a Assembléia Geral (Câmara
dos Representantes e Senado).
A reforma constitucional de 1951 realizou o retôrno
ao govêrno colegial mas manteve a responsabilidade polí-
tica dos ministros, embora suprimisse a dissolução da As-
sembléia Geral. Dêsse modo, o Uruguai apresenta um
dos mais complexos mecanismos políticos dos nossos dias.
O Executivo é formado pelo Conselho de Govêrno, com-
posto de 9 membros eleitos por eleição popular, enquanto
o órgão equivalente na Suíça - o Conselho Federal -
é eleito pela Assembléia Federal (Conselho Nacional e

(2) Obro cit., pág. 317.

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Conselho dos Estados). Outra diferença do tipo suíço
é a existência da oposição ou minoria no seio do Conselho
de govêrno, representada por três dos nove conselheiros.
Além disso, temos, ao lado do Conselho de Govêrno, os
ministros - desconhecidos na Suíça - , os quais são po-
liticamente responsáveis perante a Assembléia Geral (ar-
tigos 147 e 148 da Constituição) .

A CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO BRASILEIRO NÃO


ERA PARLAMENTARISTA

Feita essa súmula do parlamentarismo latino-ameri-


cano, completemo-Ia com o estudo do problema do Brasil
Império. Em primeiro lugar, devemos observar que a sua \
Constituição não era parlamentarista. Sua origem e sua .
data não permitiriam texto dessa natureza. A Consti-
tuição outorgada de 1824 era uma obra de compromisso
entre o liberalismo da Revolução Francesa, então já ate-
nuado pela Restauração, e o princípio monárquico tradi-
cional. Seu principal inspirador doutrinário foi o suíço-
-francês Benjamin Constant, "o pai do liberalismo parla-
mentar", de cuja obra Cours de Politique Constitution-
nelle alguns trechos foram traduzidos quase literalmente
para a primeira Constituição do Brasil.
A respeito da influência dêsse livro, Carlos Maximi-
liano disse que alcançou o "prestígio de bíblia no parla-
mento brasileiro, durante 50 anos; era invocado a cada
passo nas grandes batalhas tribunícias; adquiriu, entre nós,
autoridade quase igual à do Federalista nos Estados Uni-
dos" . (3) Há, porém, uma diferença. O Federalista é a
coletânea de artigos escritos por Alexandre Hamilton, Ma-
dison e Jay, com o fim de catequizar a população norte-
-americana para a ratificação da Constituição dos Estados
Unidos. É obra, portanto, posterior a essa Constituição,
enquanto o Curso de Política Constitucional é anterior à
Constituição de nossa monarquia e sua fonte inspiradora.
(3) Comentários à Con~·t. Bras. de 1946, Livr. Freitas Bastos, Rio, 1948,
1.0 vaI., pág. 34.

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Um exame da Constituição do Império revela-nos a
adoção de uma espécie de sistema misto, muito em voga
na Europa como uma fórmula de conciliação entre os
ideais democráticos e os interêsses dos monarcas recoloca-
dos nos tronos pelo princípio do legitimismo. A expressão
';govêrno misto" está empregada no sentido que lhe dava
Aristóteles, como uma forma que reunisse os princípios da
monarquia, da aristocracia e da democracia, evitando as
falhas de cada uma destas e consolidando suas respectivas'
virtudes. Foi também assim que um jurista imperial, em
comentário famoso, viu a Constituição de 1824: "O poder
soberano é confiado a um chefe único, com a participação
do elemento aristocrático e do elemento popular em certos
atos do poder". (4)
Os três princípios estavam assim configurados: o mo-
nárquico, no soberano hereditário; o democrático, na Câ-
mara temporária, a Câmara dos Deputados; o aristocrá-
tico, no Senado vitalício, espécie de Câmara dos Lordes,
em que os membros eram investidos por um processo com-
binado de eleição e nomeação. O Imperador nomeava o
senador numa lista de três nomes, formada por eleição.
O esquema da divisão dos podêres foi tomado de Ben-
jamin Constant: Poder Moderador, Legislativo, Executi-
vo e Judiciário. Só uma leve diferença de terminologia:
Benjamin Constant preferia a denominação de Poder Real
à de Poder Moderador. O Moderador e o Executivo eram
enfeixados nas mãos do Imperador. O primeiro era exer-
cido sem necessidade do referendo dos ministros, exigin-
do-se apenas o parecer do Conselho de Estado. Quanto
ao Poder Executivo, o Imperador "inviolável e sagrado"
partilhava-o com os ministros. A Constituição dizia que
o Imperador era "o chefe do Poder Executivo e o exercita
pelos seus ministros de Estado" (art. 102). Bastaria a

(4) Er2s Florentino Henrique de Scusa Em sua obra Do Poder Mooe-


rE:.dor - Ensaio de Direito Constitucional Contendo a Análise de Tit. V. Capo I
da Constituição Política do Brasil (Recife, 1862), citado por João Camillo
de Oliveira Torres, A. Democracia Coroada, José Olympio, Rio, 1957, pág. 164.

Hev. Dir. Públ. c Ciência Politica - Rio úe Janeiro - \'01. \'11. n') 2 - maio/i'gõ"to 19'; i
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união pessoal dêsses dois podêres para dar predominân-
cia ao princípio monárquico em relação aos demais --
o aristocrático e o democrático_
Sôbre essa estrutura de clara predominância do Po-
der real, as práticas e usos políticos foram, paulatinamen-
te, erguendo uma fachada de linhas parlamentaristas, por
vêzes em visível desarmonia com a arquitetura do texto
constitucional. Se algumas normas da Constituição pa-
reciam possibilitar uma evolução des~a ordem, outras re-
presentavam um estôrvo à adoção do govêrno de gabinete.

DISPOSITIVOS CONTRÁRIOS AO PARLAMENTARISMO

As principais disposições dessa natureza encontram-


-se nos artigos relativos ao Poder Moderador (arts. 98 a
101). A definição constitucional dêsse Poder não deixa
dúvida quanto à sua supremacia sôbre os demais. Leia-se
o art. 98: "O Poder Moderador é a chave de tôda a orga-
nização política, (5) e é delegado privativamente ao Im-
perador como chefe supremo da nação e seu primeiro re-
presentante, para que, incessantemente, vele sôbre a ma-
nutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos
mais podêres políticos."
Ê claro que a supervisão da independência dos outros
três podêres implica que o vigilante esteja acima dêles.
Um dêsses Podêres, - o Executivo - , estava, como vi-
mos, nas mãos do mesmo titular do Poder Moderador.
Quanto aos outros dois Podêres, o Imperador podia inter-
ferir amplamente na composição e funcionamento. Sem
falar na influência de fato sôbre o processo eleitoral, exer-
cida indiretamente, o monarca nomeava os senadores, cs---

(5) A frase é de Benjamin Constant, encontrando-se no Cours de Po-


Jitique ConstitutionneIle, voI. 1.0, pág. 176 (edição de 1861). Observe-se,
p:rém, que êle usa a expressão para realçar a importância da distinção entre
C' poder "real" e o pcder executivo: "On s' etonnera de ce que je distingue ie
pouvoir royal du pouvoir executif. Cette distinction, toujors meconnue est tres
importante. EIle est peut-être la ele! de tcute organisation politique". Em
seguida, Constant esclarece que bedeu essa idéia em Clermcnt-Tonnerre.

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colhendo-os em cada lista tríplice. Ao Imperador cabia
ainda convocar extraordinàriamente a Assembléia Geral
(Câmara dos Deputados e Senado), prorrogar ou adiar os
seus trabalhos, e dissolver a Câmara dos Deputados "nos
casos em que o exigir a salvação do Estado". Essa últi-
ma faculdade era, pois, excepcional - verdadeiro poder
de emergência - , mas perdeu êsse caráter, uma vez que
o monarca era o único juiz da existência ou não do mo-
tivo de "salvação do Estado". O Imperador também era
competente para conceder anistia "em caso urgente, e que
assim aconselhem a humanidade e bem do Estado" .
Em relação ao Judiciário, o Imperador nomeava os
juízes de direito, que eram vitalícios ("perpétuos" é o têr-
mo usado pela Constituição), mas podiam ser removidos
e até suspensos pelo Imperador. Êste dispunha também
do direito de graça.
Mas o maior obstáculo ao sistema parlamentar en-
contrava-se no dispositivo que conferia ao Poder Mode-
rador a prerrogativa de nomear e demitir livremente os
ministros de Estado (art. 101, n.o 6). Êsse item da Cons-
tituição foi dos mais invocados no Império, tanto pelos
defensores das atribuições monárquicas como pelos críti-
cos liberais, cujas propostas de reformas VIsavam princi-
palmente a retirar essa competência das mãos do Impera-
dor. É óbvio que, tomada no rigor da expressão, a liber-
dade de o monarca nomear e destituir os ministros afas-
taria a responsabilidade política dêstes perante o parla-
mento.
Outro artigo, o 126, fornecia pelo menos um argu-
mento literal para a tese de que o Imperador não só rei-
nava mas governava. De fato, aí se usa a palavra "go-
vernar" no seguinte contexto: "Se o Imperador, por causa
física ou moral, evidentemente reconhecida pela plurali-
dade de cada uma das câmaras da assembléia, se impos-
sibilitar para governar, em seu lugar governará, como re-
gente, o Príncipe Imperial, se fôr maior de 18 anos."
Re,"" Dir" públ. e Ciência Politica - Rio de Janeiro - \"01. \"11. nO 2 - maio/agôsto 196-1
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DISPOSITIVOS FAVORÁVEIS A UM ENSAIO DE PARLAMENTARISMO

Em menor número eram os preceitos pelos quais se


poderiam insinuar as praxes parlamentaristas. O mais ge-
nérico e mais citado dêles estava no art. 102, já transcri-
to, onde se lia que o Imperador exercitava o Poder Exe-
cutivo "pelos seus ministros de Estado". Uma vez que o
Imperador não estava sujeito à respÓnsabilidade, argumen-
tavam os parlamentaristas que o govêrno devia estar nas
mãos dos ministros responsáveis, os quais deveriam depen-
der da confiança da Câmara. Observe-se, porém, que o
texto da Constituição não fala em responsabilidade "polí-
tica" dos ministros, mas, sim, em responsabilidade penal
(art. 133), que legitimaria o processo de impeachment:
acusação pela Câmara dos Deputados (art. 38) e julga-
mento pelo Senado (art. 47, n.o 1).
Outros artigos favoreciam certa articulação entre os
ministros e as Câmaras. Assim, os arts. 29 e 30 permi- -
tiam a acumulação do mandato parlamentar com o cargo
de ministro. Somente se exigia - a exemplo do que vi-
gorou na Inglaterra até 1926 - que um deputado nomea-
do ministro se submetesse a nova eleição a fim de con-
servar os dois cargos (art. 29). Se já era ministro ao ser
eleito, dispensava-se a reeleição (art. 30). Os ministros
parlamentares poderiam assistir às sessões da Câmara e do
Senado e participar, sem direito a voto, das discussões.
Em 1845, o Regimento da Câmara estendeu a todos os
ministros o direito de tomar parte nos debates.

AS PRÁTICAS PARLAMENTARISTAS

À sombra de tais dispositivos, foi-se ampliando o


campo de ação do parlamento no sentido de limitar as
prerrogativas monárquicas. Uma das mais recuadas ini-
ciativas dessa ordem talvez seja a de Bernardo Pereira
de Vasconcelos quando, em 1827, defendeu a tese de que
a Câmara podia convocar ministros e derrubar os que não
pertencessem à Assembléia. Dois anos depois, o mesmo
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deputado apresentou a primeira emenda à "fala do tro-
no", isto é, ao discurso em que o monarca expunha a situa-
ção dos negócios do reino, ao inaugurar, cada ano, os tra-
balhos do Poder Legislativo.
Ainda na Regência, o ministério conservador de 1837
compareceu à Câmara, numa espécie de reconhecimento
da responsabilidade política dos ministros perante êsse
ramo do Parlamento. Nesse mesmo ano, surgiram os dois
partidos do Império. Eram, na verdade, grupos de par-
lamentares e de políticos de cúpula, sem sólida organiza-
ção nem séquito de massas, pois estas não tinham voz na
estrutura aristocrática que era o Brasil de então. Não
obstante, êsses partidos facilitaram o revezamento dos gru-
pos no poder, no estilo dos sistemas parlamentares. Os
nomes dos partidos - Liberal e Conservador - denun-
ciam a sedução do modêlo inglês, fruto da ascendência
econômica, política e financeira da Inglaterra vitoriana.
Popularmente, os Liberais e os Conservadores eram apeli-
dados, respectivamente, "luzias" e "saquaremas", - no-
mes tirados de vilas em que cada um dos partidos tinha
domínio quase absoluto.

A EXPERttNCIA DO REINADO

Só no II Reinado, entretanto, as práticas parlamen-


taristas encontram clima menos desfavorável. Juridica-
mente, os precedentes que se vinham formando no sentido
do sistema parlamentar culminam com o decreto n.O 523,
, de 20 de julho de 1847, que criou o cargo de Primeiro
, Ministro. Com êsse ato, o Brasil antecipou-se aos pró-
prios países europeus, que ainda não haviam reconhecido
êsse pôsto em texto legal, embora êle já existisse de fato
na Inglaterra desde a primeira metade do século XVIII,
com a figura de Robert Walpole.
Antes da subida de Pedro II ao trono, não houve
ambiente para o funcionamento normal das instituições.
O I Reinado conheceu constantes lutas entre Pedro I e
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a Assembléia Geral. A Regência foi profundamente tu-


multuada por guerras civis, que apressaram a decretação
precoce da maioridade de Pedro 11 a fim de pacificar os
brasileiros. Com o advento do 11 Reinado, os partidos
podem alternar no poder com aparente regularidade, em-
bora ainda restem, por certo tempo, algumas guerras civis
para serem liquidadas. Sôbre estas, porém. acabaram pre-
dominando as guerras externas. O sociólogo talvez possa
observar que, nesse período, os impulsos hostis na socie-
dade brasileira foram canalizados contra os adversários ex-
ternos, desviando-se das lutas fratricidas.
Durante os 49 anos do 11 Reinado tivemos 36 Con-
selhos de Ministros, isto é, a duração média de cêrca de
um ano e quatro meses para cada um. O único que se
manteve por mais de quatro anos foi o de Visconde de Rio
Branco, prolongando-se de 7 de março de 1871 a 25 de
junho de 1875 (4 anos e 3 meses). O segundo mais du-
radouro foi o presidido pelo Marquês de Paraná, que inau-
gurou, em 6 de setembro de 1853 a chamada política de
conciliação, que estêve sob sua chefia durante a maior
parte de sua duração, até a morte do Marquês, em 3 de
setembro de 1856. Durou, pois, três anos. O mais curto
gabinete foi o de Zacarias de Góis e Vasconcelos (liberal)
de 24 de maio de 1862, que caiu 6 dias depois ~
A instabilidade ministerial não foi produto só de
ação da Câmara, pois esta se mostrava cautelosa em votar
moções de desconfiança, sabedora de que isso lhe podia
valer a dissolução. Somente oito ministérios caíram por
voto de desconfiança. Cinco renunciaram por se sentirem
sem apoio parlamentar, antecipando-se à manifestação for-
mal da Câmara nesse sentido. Os outros 22 gabinetes se
exoneraram por desinteligências com o Imperador, cuja
decisão predominava tanto na formação como na queda
dos gabinetes. Na fase de organização dos ministérios, o
Imperador estudava minuciosamente os candidatos e fazia
valer as suas preferências. O máximo que a Câmara po-
dia fazer era provocàr a derrubada do ministério, como fêz
na minoria dos casos, como vimos.
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A grande arma com que o Imperador impunha a sua


vontade à Câmara era a dissolução dêsse ramo de Assem-
bléia Geral. A Câmara que se atrevia a opor-se a um
gabinete minoritário provocava geralmente a dissolução
parlamentar e, conseqüentemente, novas eleições, que da-
vam a êsse gabinete a oportunidade de conseguir a maio-
ria parlamentar necessária na nova legislatura. Por vê-
zes, o gabinete minoritário alcançava uma nova câmara
unâniml€. A maioria das dissoluções visou a êsse objetivo
de "inversão das situações políticas". Das onze dissolu-
ções da Câmara, no Segundo Reinado, nada menos de nove
tiveram essa finalidade. Anote-se, porém, que nesse nú-
mero está incluída a chamada "dissolução" de 1.0 de maio
de 1842, que foi antes uma anulação da eleição, pois dis-
solveu a Câmara recém-eleita antes que esta se reunisse.

FOI PARLAMENTARISTA ÊSTE SISTEMA?

É curioso observar como, após decorridos 73 anos *


de desaparecido o Império, êsse assunto ainda se conserva
polêmico, não se tendo transformado em sereno objeto
de pesquisa. A razão disso é que o tema continuou vivo
durante a República e se associou com o debate apaixo-
nado que se trava até hoje entre parlamentarismo e pre-
sidencialismo . O calor dessa discussão se espraia retros-
pectivamente, não nos deixando encarar friamente o pas-
sado.
Daí a variedade das respostas a essa indagação. Os
monarquistas bem como os parlamentaristas não vacilam
em afirmar que praticamos o parlamentarismo no Impé-
rio . Outros, mais moderados, reconhecem que conhece-
mos as formas embrionárias do parlamentarismo, ou que
estávamos ainda em evolução para êsse sistema de go-
vêrno . Por fim, há os que negam a existência de tal re-
gime, enquanto alguns chegam a proclamar que conhece-
mos justamente o inverso do parlamentarismo.

* o presente trabalho foi escrito em março de 1962.

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NÃO EXISTIU PARLAMENTARISMO

As moções de desconfiança, as interpelações, algumas


quedas de gabinete e as dissoluções parlamentares geram
a impressão de parlamentarismo. Mas forçoso é confessar-,
que não fomos além da aparência. Um exame que per- :
mita ver sob essas exterioridades leva-nos a concluir que
não houve verdadeiro govêrno de gabinete. --
Em apoio dêsse ponto de vista, bastaria lembrar uma
série de verdades históricas, tais como a existência, por
vêzes, de ministérios minoritários, a decisiva influência do
Imperador na composição e sobrevivência dos gabinetes,
bem como o desvirtuamento das eleições em mecanismo
para fabricar a maioria desejada pelo govêrno.
O Brasil de então impedia a vigência do parlamen-
tarismo no rigor da palavra. Para tanto faltavam não só
condições legais, - como já vimos - , mas, sobretudo,
condições sociais. Dois obstáculos principais opunham-se
à realização do sistema parlamentar: um estava no vér-
tice' e o outro na base da estrutura imperial. No alto,
situava-se o predomínio da Coroa; embaixo, a ausência
de eleições livres e honestas.
Por todo o Brasil monárquico, não cessaram jamais
os clamores, partidos de diversas direções, contra ambos
aspectos da vida política: contra o chamado "poder pes-
soal" do Imperador e contra a denominada "mentira eleito-
ral" - clamores que se prolongam pela República aden-
tro com ecos que chegam até os nossos dias, sem mudança
das expressões. Apenas se teria mudado, na República,
o Imperador pelo Presidente como detentor do poder pes-
soal, enquanto a mentira eleitoral se alimentaria, até bem
perto dos nossos dias, nas mesmas fontes da violência e da
fraude.
o PODER PESSOAL DO IMPERADOR

Sobram os depoimentos de contemporâneos e os juí-


zos 4e pósteros sôbre o poder onímodo do monarca. Na
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terminologia constitucional, essa hegemonia chamava-se
Poder Moderador, cuja extinção a Câmara aprovou em
1831, mas o Senado repeliu porque tal reforma surgiu
vinculada com a abolição da vitaliciedade dos senadores.
Em 1868 o programa dos liberais radicais ainda incluía
a extinção do Poder Moderador.
Em virtude dêsse Poder, um grande jurista do Impé-
rio, o Visconde do Uruguai, reconhecia, em seu Ensaio Sô-
bre o Direito Administrativo, de 1862, que "a máxima -
o rei reina mas não governa - é completamente vazia
de sentido para nós, pela nossa Constituição". Falando
no Senado, em 1869, o Visconde de Itaboraí, proferiu,
como Presidente do Conselho de Ministros, a conhecida
frase: "O Imperador impera, governa e administra."
Se quisermos o depoimento de um historiador, pode-
mos tomar o do insuspeito Conde de Afonso Celso que, um
quarto de século após a queda da monarquia, sustentava,
em Memória escrita para o Congresso Nacional de Histó-
ria, de 1914, as seguintes teses:
"1. a - O Sr. D. Pedro 11 exerceu poder pessoal.
2. a - Exerceu êsse poder legitimamente, porque
lhe conferia a Constituição de 25 de março de 1825.
3.a - Do exercício do poder pessoal do Sr. D. Pe-
dro 11 provieram benefícios para o país." (5)

A MENTIRA ELEITORAL

O poder pessoal, somado à manipulação das eleições,


produzia, a seu talante, "a inversão das situações políticas".
O govêrno sempre vencia as eleições. Podia dissolver uma ;
Câmara liberal para obter, à vontade, uma Câmara con-
servadora, e vice-versa. Conhecemos, como já se disse,
Câmaras unânimes.

(5) Afonso Celso: Oito Anos de Parlamento - Podet' Pessoal do Im-


~adot', Cia. Melhoramentos, São Paulo, Nova Ed. aumentada, pág. 185.

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As eleições foram indiretas até 1881, quando a cha-


mada lei Saraiva estabeleceu a eleição direta. A primeira
aplicação da lei proporcionou o pleito mais honesto do
Império, mas nas eleições posteriores os velhos vícios vol-
taram a grassar. Além de indireto, o sufrágio era censitá-
rio. Para ser eleitor de primeiro grau, - o chamado
"eleitor de paróquia" - , era necessário possuir "renda lí-
quida anual de cem mil-réis por bens de raiz, indústria,
comércio ou emprêgo". Para o eleitor de segundo grau
- ou "eleitor de província" - essa cifra se elevava a du-
zentos mil-réis (200$000). A elegibilidade também de-
pendia do requisito de renda: 400 mil-réis para a Câmara
dos Deputados; 800 mil-réis para o Senado.

o corpo eleitoral, como se depreende dêsse sistema


censitário, era muito restrito. O direito a ser eleitor do
primeiro ou segundo grau só se adquiria aos 25 anos, salvo
se o indivíduo fôsse casado ou oficial militar maior de 21
anos, "bacharel formado" ou clérigo de ordem sacra. Es-
tavam ainda excluídos do direito de voto: a) "os filhos-
-família que estiverem na companhia de seus pais, salvo
se servirem ofícios públicos"; b) "os criados de servir, em
cuja classe não entram os guarda-livros e primeiros cai-
xeiros das casas de comércio"; c) "os criados da casa im-
perial que não forem de galão branco, e os administradores
das fazendas rurais e fábricas"; d) "os religiosos e quais-
quer que vivam em comunidade claustral" (art. 91 da
Constituição) .
Os analfabetos votavam, dizendo o nome do candi-
dato preferido ao secretário da mesa eleitoral. Êste for-
mava, então, a cédula que o votante assinava com uma
cruz. É claro, entretanto, que raros analfabetos, cuja pro-
porção se calcula em 90%, podiam prevalecer-se dêsse di-
reito, em face das exigências econômicas para o exercício
do voto. O pequeno volume do eleitorado, que facilitava
as manipulações dos pleitos, era reflexo da própria estru-
tura feudal da sociedade: uma exígua camada de senhores
territoriais e de letrados, em cima, enquanto na base es-
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tava a grande massa da população pobre, seja de escravos


ou de pessoas livres. Entre os extremos era insignificante
a classe média, que é o esteio das democracias.
Nesse ambiente, não podiam medrar pleitos verda-
deiramente livres. A mais famosa caracterização do siste-
ma eleitoral encontra-se no tão citado sorites de Nabuco
de Araújo, enunciado no Senato, em discurso de 17 de ju-
nho de 1868, quando um ministério liberal caiu, apesar
de possuir maioria na Câmara, para dar lugar a um ga-
binete conservador. "Vêde - disse êle - êste sorites
fatal: o Poder Moderador chama a quem quer para orga-
nizar ministério; o ministério faz a eleição; a eleição faz
a maioria. Eis aqui o sistema representativo em nosso
país."

A ESTRATÉGIA ELEITORAL IDO GO~RNO

Perguntar-se-á qual o segrêdo do govêrno para sem-


pre vencer as eleições. Essa interrogação deve parecer
ociosa ainda nos nossos dias, principalmente para os mais
idosos, que se recordam dos tempos da República Velha.
t A regra de o govêrno não perder eleições perdurou até
h 1950. A máquina de fabricar eleições era a mesma na
Monarquia e na República, apenas já um pouco envelhe-
cida na fase republicana.
Além das facilidades, já apontadas, que o próprio sis-
tema eleitoral criava para o contrôle governamental dos
pleitos, essa tarefa era mais simples na Monarquia unitá-
ria do que na República federativa. O funcionalismo pú-
blico não possuía as garantias legais de hoje e todos os
funcionários, inclusive os presidentes de províncias, esta-
vam hieràrquicamente subordinados ao govêrno central.
A estratégia eleitoral do gabinete começava pela derrubada
geral: dos presidentes de províncias, dos delegados e dos
demais funcionários que não se prestassem aos manejos
do poder. Era o chamado "sistema de despojos" - o
spoil system dos norte-americanos - , conhecido popular-
Rev. Dir. Públ. e Ciência Politica - Rio de Janeiro - VaI. VII, n' 2 - maio/agOsto 1964
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mente pela frase "ao vencedor as batatas", ou seja, o sis-


tema que dava ao partido triunfante o direito de alijar
os adversários dos cargos públicos para substituí-los por
amigos.
Essa prática está reconhecida oficialmente, em cir-
cular de 1847, em que Manuel Alves Branco comunicava
aos presidentes de províncias sua nomeação - a primeira
que se fazia - para o cargo recém-criado de Primeiro Mi-
nistro. Aí se adverte: "o funcionário público que, esque-
cido dos deveres de sua posição, ligar-se com os adversários
do govêrno e maquinar contra a sua causa, constitui-se,
na impossibilidade de continuar a servir." ,
Eis como um documento da época, - é verdade que
partidário - , pinta uma eleição, a de 1840. Trata-se da
representação dirigida ao Imperador pelo Gabinete conser-
vador de 1841, na qual se pede a dissolução da Câmara
onde predominavam os liberais: "O Brasil inteiro, Senhor,
se levantará Rara atestar que, em 1840, não houve elei-
ções regulares. .. Roubam-se as urnas, substituem-se ne-
las as listas verdadeiras ou, pelo menos, publicamente re-
cebidas, por outras falsas; e até não se hesita diante da
escandalosa e tão pública falsificação das atas, quando o
resultado que apresentam não está em tudo ao sabor dos
interessados. .. Em alguns lugares é o número de elei-
tores aparentemente aumentado por uma maneira incrível
e espantosa. Colégios houve que, não podendo sequer
dar cem eleitores, apresentarem, todavia, mais de mil ...
Não há quase parte alguma do Império, Senhor, onde al-
guns dêsses atentados contra a liberdade do voto não fôs-
sem perpetrados em as eleições da atual Câmara dos Depu-
tados." (6)
Essa descrição não é fruto da paixão do momento.
A mesma eleição - a de 1840 - não é pintada com
côres mais suaves 90 anos depois, por um escritor repu-

(6) Em Max Fleiuss, História Administrativa do Brasil, 2,- ed., eia.


Melhoramentos, São Paulo, pág. 245.

Rev. Dl,. públ. e Ciéncia Política - Rio de Janeiro - Vol. VII, n<> 2 - maio/agOsto 1964
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blicano, adepto convicto do parlamentarismo. Lembra-


-nos êle que o Ministro da Justiça de então, Limpo de
Abreu, havia assegurado à Câmara que as eleições se rea-
lizariam com a máxima liberdade. E acrescenta: "Não
foi, porém, cumprida essa promessa. O ministério da
maioridade exerceu tremenda reação, demitiu 14 presiden-
tes de província e seus respectivos secretários, removeu
muitos juízes de direito para comarcas distantes e infe-
riores àquelas em que estavam, exonerou chefes de polí-
cia, suspendeu comandantes e oficiais da guarda nacional
das províncias, demitiu altos funcionários do tesouro. As
vítimas da reação política não encontravam garantia nas
leis, para exercerem com independência as suas funções.
O abandono dos funcionários públicos à discrição do go-
vêrno foi o grande mal das eleições do Império. Cada
vez que um partido subia ao poder demitia os funcionários
pertencentes ao partido contrário, e assim ganhava as elei-
ções." (7)
Assim eram os pleitos. Feita a derrubada geral dos
funcionários, começava a cata de votos mediante a distri-
buição de favores, nomeações, concessões de títulos nobi-
liárquicos ou de patentes da guarda nacional. Para os re-
calcitrantes, havia a violência no dia da eleição. A fraude
no votar e na apuração completava o funcionamento da
máquina eleitoral.

A AÇÃO DO IMPERADOR E DA ELITE POLíTICA

Se era essa a realidade social e política do Império,


não admira que houvesse quem defendesse a interferên-
cia do Imperador para forçar a rotação dos partidos. O
Conde Afonso Celso, entre outros, sustentou êsse ponto de
vista, argumentando que o Imperador "praticava um bem,
porque, sem verdade eleitoral, os partidos se perpetuariam
no poder se D. Pedro 11 não substituísse a nação de que

(7) Olímpio Ferraz de Carvalho, Sistema Parlamentar, Editôra Pirati-


ninga, São Paulo, 1933, pág. 212.

Rev. Dir. públ. e Ciência Politica - Rio de Janeiro - \'01. VII, "" 2 - maio/agôsto 1964
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era o principal representante". (8) Não duvidamos de


que os gabinetes se perpetuariam no poder, fabricando
eleições à vontade, sem essa intervenção do Imperador, até
que o revezamento dos grupos políticos se desse por pro-
cessos violentos. O monarca teria, de fato, "moderado" a
luta das facções, e o Poder "Moderador" mereceu, de certo
modo, a denominação. Mas não deixa de ser uma apo-
logia paradoxal essa, a de proclamar que o monarca subs-
tituía a nação, ainda sem maioridade para falar por si,
através das urnas. Tanto vale dizer que não tivemos ver-
dadeiro parlamentarismo nem, muito menos, democracia.
O regime foi o que permitiam o momento histórico
e as condições do país. Pode-se admitir que o Imperador,
de um lado, e a aristocracia dominante, do outro, desem-
penharam saliente papel para melhorar as instituições.
Dêsse duplo jôgo de fôrças resultou certo equilíbrio polí-
tico e uma tradição liberal legada à República.
Ao arremêdo de parlamentarismo deve-se certo tra-
balho de educação política, com um persistente esfôrço
para limitar as prerrogativas monárquicas. O princípio
monárquico, por seu turno, evitou o desenfreio das ambi-
ções caudilhescas e os grandes abalos das eleições presiden-
ciais que a República iria conhecer. Que os males exis-
tentes não decorriam apenas da forma monárquica está
demonstrado pela sua sobrevivência sob a República. É
que esta não poderia realizar o milagre de transformar
nossas condições sociais, econômicas e educacionais com
a simples mudança de um chefe de Estado vitalício por
1m} temporário.

(8) Obro cit., pág. 213.


,
DO INQUERITO
PARLAMENTAR

do Prof. Nelson de Souza Sampaio -


da Universidade da Bahia. Tudo sô-
bre a investigação parlamentar, desde
o seu histórico, a sua formação, até a
apresentação do relatório e projeto de
resolução.

"Livro destinado tanto a leigos como


a especialistas, pois, além de informar,
constitui vasto subsídio para os estudos
da matéria."

PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL À

FUNDACAO GETÚUO VARGAS


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praia de botafogo, 186, rio de janeiro, gb.

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