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Vida

Dr.William P Wilson
_______ com Kathryn Sldttery_______________

G raça
PARA7
Crescer
O Poder da Fé Cristã na
Cura Emocional
D urante anos, a psiquiatria e a religião têm-se atacado
mutuamente como adversárias. Mas o Dr. William P.
Wilson, Professor de Psiquiatria no Centro Médico dá
Universidade Duke, na Carolina do Norte, diz que a
religião e a psiquiatria podem trabalhar em cooperação
como poderosas aliadas na efetivação da cura. Pioneiro no
campo da psiquiatria cristã, o Dr. Wilson crê que uma
compreensão cristã da natureza humana, do pecado, e do
poder transformador da salvação pode preencher o vazio
existente nos métodos atuais da psicoterapia.

ISBN 0-8297-0743-3
Dr.Willicim P Wilson
.com Kdthryn Sldttery.

G raça
PAR£
C rescer
O P oder da Fé Cristã na
Cura Emocional

j, Traduzido por
Éágar Lourenço Lima Júnior *

©
Editora Vida
ISB N 0-8297-0743-3

Categoria: Psicologia/Aconselhamento

Traduzido do original em inglês:


The Grace to Grow

Copyright ® 1984 by Williams P. Wilson & Kathryn Slattery


Copyright ® 1986 by Editora Vida

Todos os direitos reservados na língua portuguesa por


Editora Vida, Miami, Florida 33167 — E .U .A .

As citações bíblicas são tiradas da tradução de Almeida,


Edição Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil,
exceto onde for citada outra fonte.

Capa: Hector Lozano


A meu Pa'
por
de oração
quarenta e quatro anos
ÍNDICE

Prefácio............................................................................ 7
I. MINHA HISTÓRIA
A Graça de Deus Revelada
1. Não Há Mais Nada a C onquistar........... 11
2. Imerso Num Banho de A m o r................... 18
3. Os Princípios da Transform ação.............. 27
4. Perguntas D em ais........................................... 32
5. Bem-Vindo ao Reino ................................... 38
6. De Pródigos e O r a ç ã o ................................ 46
7. Tocar 'a Orla de Suas V estes.................... 59
8. Um Médico C ren te........................................ 69
II. QUANDO A SALVAÇÃO NÃO
É SUFICIENTE
A Chave Para a Inteireza:
A Psicoterapia C ristã.......................................... 83
III. TOCADOS PELO AMOR DE DEUS
Quatro Vidas Transformadas
Introdução ......................................................... 107
1. Pedro: Com o o Cristianismo Constrói
a Auto-Estima.................................. 109
2. Rosa: O Poder Restaurador da
Comunidade Cristã ....................................... 123
3. Miguel: O Poder Restaurador do
Arrependimento, da Confissão, e do
P e rd ã o ............................................................... 135
4. Elena: A Centralidade de Cristo
em Relação Com a C u r a ...... ................... 152
E p ílogo.............................................................. 169
Prefácio

Há anos, a psiquiatria e o Cristianismo têm sido


adversários. Por um lado, o crente fundamentalisca tem
desconfiado da ciência médica em geral, acreditando ser
a fé em Deus tudo quanto a pessoa necessite para ser
curada. Do outro lado, o cientista incrédulo tem posto
pouca confiança na religião, acreditando representar ela
nada mais que ilusões arcaicas.
Como médico e cientista, e também cristão, creio que
a religião, longe de ser um empecilho, é, de fato,
benéfica à saúde mental. J á não existe justificativa para
um conflito ou dissidência entre a religião e a medicina,
em particular, a psiquiatria. Cristianismo e psiquiatria
podem com grande proveito atuar juntos para melhorar
e restabelecer vidas destruídas. Em mais de trinta e cinco
anos de prática, ensino e pesquisa, tenho testemunhado
tantas curas e acumulado muitas provas para concluir
senão desta forma.
Uma das maiores desventuras da humanidade é que
através dos anos a medicina moderna tem-se afastado,
intencionalmente, das suas origens teologicamente en­
raizadas. Em contraste com o tratamento do corpo e da
mente, que são mais facilmente compreendidos, o
tratamento da pessoa no seu todo, incluindo o espírito,
tem sido desconsiderado, ignorado e negado. Em seu
livro, Milagres, C. S. Lewis fala sobre essa infeliz dissidência
entre a religião e a ciência nos seguintes termos:
“Desde o século XVI, quando a ciência nasceu, a
8 Graça Para Crescer
*
mente dos homens está voltada para o domínio e
conhecimento da natureza. Eles têm-se ocupado desses
questionamentos específicos aos quais o pensamento
truncado é o método correto. Não é, portanto, de
admirar que eles tenham esquecido a evidência do
sobrenatural. O hábito profundamente arraigado do
pensamento truncado, ao qual chamamos ‘Hábito cien­
tífico da mente’, era, sem dúvida, o caminho para o
Naturalismo, a menos que essa tendência fosse conti­
nuamente redirecionada por alguma outra fonte. Mas
nenhuma outra fonte estava disponível, pois durante o
mesmo período os homens de ciência tomavam-se
metafísica e teologicamente incultos.”
Na presente época de vasto avanço científico e
tecnológico, muitas idéias propostas neste livro podem
parecer desconcertadoramente transcendentes. Mas as­
sim deve ser, à luz dos fatos, meu propósito em escrever
este livro é demonstrar, por meio da minha história
pessoal e de histórias dramáticas de outros, que o nosso
Deus é um Deus de amor, que deseja ardentemente que
o seu povo tenha saúde e inteireza. Por intermédio do
Espírito Santo, Jesus Cristo continua transformando
vidas e operando curas maravilhosas do mesmo modo
que quando andou na terra há quase dois mil anos,
intervindo às vezes de forma milagrosa na vida de uma
pessoa, usando geralmente habilidades e talentos de
servos disponíveis como eu e outros.
Meu maior desejo é, que por meto deste livro, você não
só experimente o poder maravilhoso e restaurador do
amor de Cristo em sua própria vida, mas que, por sua vez,
transmita esse mesmo amor aos que se encontram ao
seu redor.
Dr. William P. Wilson

l C .S . Lewis, Milagres (Editora Mundo Cristão, S a o Pauto).


PRIMEIRA PARTE

MINHA
H ISTÓ RIA

A G R A Ç A DE D EU S REVELADA

}I
1
Não Há Mais Nada a
Conquistar

— Olã Bill, você tem um minuto?


Levantei os olhos e vi um velho colega e querido
amigo, em pé à porta do meu escritório no Centro
Médico da Universidade Duke. Ele era um dos
melhores especialistas do país em moléstias internas.
Eu era um psiquiatra.
— Certamente — disse-lhe, pondo de lado o relató­
rio do paciente no qual estivera trabalhando. — Entre,
por favor.
Era fevereiro de 1 9 6 4 e, com o de costume, eu
trabalhava até tarde. Olhando para o relógio, percebi
já serem quase oito horas. A iluminação fluorescente
lançava leves sombras azuis sobre o semblante geral­
mente alegre e animado de meu amigo, que parecia
exausto. Com um suspiro cansado, sentou-se numa
cadeira à minha frente.
— Que há de novo? — perguntei.
— Bem — respondeu com um pequeno e apertado
sorriso — você pode achar difícil de entender, mas
ultimamente minha vida parece um vazio. — Balan­
çou a cabeça. — Simplesmente não entendo. Isto é,
eu pensava ter todas as coisas deste mundo, tudo o
que alguém pudesse desejar. Assim com o você,
recentemente fui nomeado professor catedrático aqui
na Universidade. Nada mau para um homem que mal
chega aos quarenta anos. Com o você, tenho acesso
ilimitado a um excelente laboratório, às melhores
facilidades de pesquisas e a uma biblioteca fabulosa.
Periódicos renomados publicam meus artigos. O go­
verno concede-me privilégios. Tenho uma excelente
esposa, e filhos maravilhosos. Então por que sinto esse
vazio por dentro? — Recostando-se na cadeira, olhou-
-me com um sorriso forçado.
Por um momento não pude pensar em nada para
dizer. Claro que a queixa — o sentimento de vazio —
não era indicação de nenhuma doença mental. Não
sentimos todos essa mesma sensação às vezes? Sei
que sim.
Subitamente, uma estrofe de um poema de Samuel
Butter, hudibras, veio-me à mente.
O mundo inteiro não era bastante amplo para
Alexandre, quando se lamentava por ter apenas
um mundo a conquistar.
Essas linhas referem-se a Alexandre III, da Macedô-
nia, o grande conquistador do mundo dos tempos
antigos.
— Olha — disse-lhe — sei qual é o seu problema.
Você está sofrendo da Síndrome de Alexandre, o
Grande!
— Quê?
— Você é como Alexandre, 0 Grande — repeti.
— Como diz a lenda, não tendo ele mais mundos a
conquistar, sentou-se e chorou. Isso não descreve
como você se sente?
— Sem dúvida — replicou meu amigo, contente
com a comparação. — Açredito que você esteja certo.
Síndrome de Alexandre, o Grande! Olhe, gostei
dessa.
Nos minutos seguintes discutimos as possíveis ra­
zões para a sensação de vazio de meu amigo e
examinamos as maneiras pelas quais ele poderia
remediar a situação. Concordamos que na literatura
médica atual não havia um nome específico para a
enfermidade do meu amigo; dentro da filosofia e das
artes, entretanto, era comumente conhecida como
desespero existencial — uma sensação profundamen­
te perturbadora de que a vida não tem significado
algum e não há propósito para a própria existência.
Embora o tema da nossa discussão fosse estimulan­
te, não conseguimos chegar a nenhuma solução para
o problema do meu amigo. Eu desejava dar-lhe uma
resposta que lhe fosse de real ajuda; porém, tudo o
que consegui dizer foi: — A maneira como você se
sente é comum. Caso sirva de consolação, eu muitas
vezes sinto-me assim também.
Meu amigo sorriu pesaroso.
— Não deixe que isso o deprima — aconselhei.
— Tudo b e m —: concordou, levantando-se para
sair. — Acho que você tem razão.
Essa conversa deixou-me levemente deprimido. Por
que, espantei-me, sentia-me como meu amigo, e com
uma frequência muito maior do que estaua disposto a
admitir?
Nessa noite não consegui dormir, pensando na
conversa que havia tido com meu amigo, e como sua
vida, a despeito de todo o sucesso secular, não tinha
significado.
Quanto mais pensava sobre isso, tanto mais o
assunto me parecia digno de algum comentário na
literatura médica. Em questão de minutos, decidi
escrever um artigo sobre o tema. Sentei-me na cama,
acendi a lâmpada de cabeceira, apanhei o bloco e a
caneta e com ecei a fazer algumas anotações. Depois
de uns cinco minutos de trabalho, senti em meu braço
o toque suave da mão de minha esposa.
— Querido, ainda está acordado? — perguntou ela
suavemente.
— Que mania, Elizabeth! Será que não percebe que
estou ocupado? — Retruquei asperamente.
Assim que as palavras me escaparam da boca senti-
-me tomado pelo remorso. Sem pre fui temperamental
e sempre conseguia contaminar o ambiente com
maldições se assim o desejasse. Devido a esse tempe­
ramento, acabei ganhando fama de um verdadeiro
terror entre os médicos do hospital. Ultimamente,
parecia que minha linguagem desagradável e meu
temperamento estourado vinham piorando. Outro
dia, ao fazer a leitura eletroencefalográfica (o eletroen-
cefalógrafo é um instrumento usado para registrar a
atividade elétrica do cérebro), aborreci-me com o
trabalho malfeito dos técnicos do laboratório e atirei o
gráfico defeituoso, cerca de quinze metros de papel
pregueado, pelo laboratório. O “eletro” bateu na
janela do fundo, danificando as persianas e afugentan­
do os técnicos. Tal comportamento também deixou-
-me embaraçado e cheio de remorso.
— Sinto muito — desculpei-me com Elizabeth.
— Tudo bem — respondeu. Acostumada já com
minhas explosões, sentou-se e, olhando por cima dos
meus ombros, perguntou: — Você está preparando
um artigo novo?
— Sim.
— Gostaria de falar-me sobre ele?
Larguei a caneta.
— Um amigo meu esteve no escritório; ele sentia-se
meio perdido, completamente deprimido. Disse-me
que estava cansado de viver. A própria vida não lhe
tinha significado algum.
— É uma pena — disse Elizabeth.
— Sim — concordei. — Mas não é a primeira vez
que ouço esse tipo de queixas. Gostaria de investigar
mais a fundo o assunto do desespero. Pretendo
escrever um artigo sobre as pessoas que, no meio do
sucesso, sofrem como meu amigo. Elizabeth, você
nunca tem o sentimento de que a vida não significa
nada para você? — Perguntei-lhe olhando por cima
dos óculos e observando-a atentamente.
Ela sacudiu a cabeça.
— Não — respondeu. — Você pode até pensar ser
uma tolice o que vou dizer, Bill; mas desde que eu era
menina, quando cri em Deus, com ecei também a
sentir dentro de mim existir uma razão para todas as
coisas que nos acontecem na vida — mesmo as
más — e que no final tudo dará certo.
— Não penso que seja tolice — respondí. — É bom
que sua fé signifique tanto para você. O problema é
que a religião não é científica. Não pode ser provada.
A religião não pode ser usada para curar uma pessoa
doente. Que coisa! — percebi que estava ficando com
raiva. — Como é que fomos entrar nessé assunto?
— Seu artigo — lembrou-me ela temamente —
você falava a respeito dele. Pareceu-me bastante
interessante, Bill. Sei que fará um bom trabalho —
beijou-me no rosto. — E, por favor, não fique acorda­
do até tarde. Você precisa descansar.
Mas absorto novamente com minhas idéias, preocu­
pado com minhas anotações, não respondí.
Nas semanas seguintes comecei a fazer pesquisas
sobre o desespero existencial, gastando horas incontá­
veis na biblioteca, procurando na literatura médica
alguma citação desse mal, sem resultado algum. Não
obstante, quando questionei alguns colegas sobre o
assunto, um número surpreendente admitiu que sofria
sintomas similares àqueles demonstrados por meu
amigo.
Quase um ano depois, em janeiro de 1965, meu
artigo intitulado: “A Síndrome de Alexandre (o Gran­
de)” , foi publicado na Clinicai Research, uma das
revistas de medicina mais conhecidas. Nas semanas
após sua publicação, fiquei impressionado com a
avalanche de cartas de médicos de todo o país que
recebi, muitos deles confessando sofrer da Síndrome
de Alexandre, e agradecendo a publicação do artigo.
Meses mais tarde, quando o British Medicai Journal
publicou um editorial a respeito do meu artigo,
novamente recebi um dilúvio de cartas — dessa vez
de médicos do mundo todo.
Todavia, somente numa noite tranqüila de primave­
ra de 1965, quando sentado à mesa da cozinha, lia
algumas dessas cartas para Elizabeth, foi que me
ocorreu, repentinamente, ser eu também um caso
típico da Síndrome de Alexandre!
Por quê, perguntei a mim mesmo, demorei tanto
para chegar a essa conclusão? Afinal de contas, não
estava claro que apresentava todos os sintomas?
Eu tinha quarenta e quatro anos de idade e era
catedrático de psiquiatria de uma das melhores univer­
sidades dos Estados Unidos. Possuía uma bibliografia
que podia concorrer com qualquer outra em minha
especialidade. Era membro ativo da diretoria da
Sociedade Profissional, tanto regional como estadual.
Tinha um casamento feliz, cinco filhos adoráveis e
muitos amigos. Contudo, de um modo inquietante,
minha vida carecia de significado. Acordava todas as
manhãs com uma necessidade desesperada de desco­
brir novos desafios, novos objetivos, qualquer coisa
que desse à minha vida algum sentido.
Sem outros mundos para conquistar, que mais
havia para eu fazer?
2
Im erso Num Banho de
Amor

Era o com eço do verão de 1965. Na busca desespe­


rada por preencher o tempo com atividades e projetos
que me proporcionassem um propósito na vida,
aceitei servir com o líder do grupo de escoteiros no
qual meu filho mais velho participava.
Em duas semanas eu sairia com Bill e seus amigos
escoteiros para uma viagem de oito dias pelas terras
selvagens do norte de Minnesota. A viagem, uma
expedição de canoa, nos levaria além da fronteira
canadense por uma rota circular de 2 7 0 quilômetros,
culminando com um trecho de vinte e quatro horas
ininterruptas visando a sobrevivência. C o m V so em
mente e para voltar à forma, dei início a um programa
de corrida e de exercícios de ginástica.
— Sabe, papai — comentou Bill durante um dos
meus exercícios — acho que o senhor está tão entu­
siasmado com esta viagem quanto eu.
Ele tinha razão.
Quando menino, gastei boa parte da infância caçan­
do, pescando e explorando as maravilhas das florestas
da Carolina do Norte. Nunca fui uma pessoa religiosa,
mas algo de especial acontecia naqueles momentos
tranqüilos e repousantes passados na floresta.
Realmente eu desejava muito fazer essa viagem e
esperava que a mudança de ambiente me fizesse bem.
No momento que cumprimentei Ray Mattson, o
chefe da nossa expedição, fiquei gostando dele.
Estudante universitário, alto, musculoso, barba e ca­
belos avermelhados, parecia dos pés à cabeça um
contemporâneo de Lewis e Clark. Trajava uma camisa
verde e calças amarradas na cintura com uma faixa
feita à mão. Com um metro e noventa e oito de altura,
Ray era o tipo do rapaz que poderia carregar uma
canoa de 5 0 quilos, mais uma mochila de 18 e ainda
correr oito mil metros sem parar.
Com entusiasmo incansável, Ray levou-nos numa
jornada inesquecível, que exigia força e habilidade do
membro mais forte da tropa. Corrio eu já esperava, foi
muito agradável estar ao ar-livre, ouvir o sussurro do
vento no pinheiral e, â noite, contemplar o céu
iluminado por miríades de estrelas à semelhança de
diamantes esparramados num dossel de veludo.
O sétimo dia da expedição caiu num domingo.
Naquela manhã, de acordo com as leis do escotismo,
Ray nos reuniu para um breve culto. Em pé nüma
rocha íngreme, ele leu uma passagem do capítulo
vinte e três do Evangelho de Mateus e a seguir fez um
breve comentário sobre o versículo vinte e seis, c[ue
d iz: “Fariseu cego! limpa primeiro o interior do ccjpo,
para que também o seu exterior fique limpo!”
Ele comparou o deserto com todo o seu esplendor e
beleza com a nossa vida interior. A seguir nos levou a
entoar uma série de corinhos que ressoavam de forma
clara e pura no ar matinal. Ao ouvir aquelas melodias,
senti algo — uma em oção incontrolável — agitar bem
dentro de mim.
Há muito tempo que eu não pensava em Deus,
concluí.
Naquela tarde, ao pôr-do-sol, decidi dar um passeio
até a margem do lago Basswood, imenso e brilhante
sob um céu de suave colorido. Em pouco tempo
estaríamos empreendendo a última etapa de nossa
competição de resistência em canoa, que duraria a
noite toda. Depois voltaríamos para casa.
Divisando um tronco robusto a uns trinta metros de
distância, caminhei em sua direção e sentei-me.
Retirando os mocassins, deixei que meus pés brincas­
sem com a areia da praia do lago. Meus pensamentos
voltaram-se para o culto matutino e para o estranho
efeito que ele me causara. Sendo cientista, um campo
em que a religião era comumente vista com certo
ceticism o, a idéia de um Deus vivo p arecia-
-me remota e arcaica. Mas não havia nada de arcaico
na mensagem da manhã — Deus nos quer limpos e
sadios, tanto por dentro quanto por fora, a fim de que
sejamos o tipo de seres humanos criados por ele.
Inerente a esse conceito, puro e simples, estava a
essência da psiquiatria moderna.
Com tristeza, lembrei-me do vazio e da falta de,
propósito que sentia com freqüência. Também pensei'
em meu temperamento impulsivo e rude que constan­
temente levava-me a magoar as pessoas que mais
amo.
Que poder era esse, pensei admirado^ute^onseguí-
ria limpar a minha uida interior?
De repente tomou-me claro que a única maneira de
limpar minha vida e sentir-me realizado não era por
meio da ciência, da medicina ou da psiquiatria, mas
por intermédio de Deus. Contemplando as águas
tranqüilas do lago Basswood, percebi que o de que eu
mais precisava e mais queria, mais que tudo no
mundo, era que Deus entrasse na minha vida e me
transformasse.
Sem perceber, as lágrimas começaram a correr-me
pela face. Assim como o pôr-do-sol a que eu assistia
dissipou-se num borrão dourado, assim senti-me
com o se tivesse sido imerso num banho de amor. Era
um sentimento de amor — de ser amado — algo que
nunca havia experimentado antes e que lavou os mais
profundos recessos da minha alma, desfazendo a
solidão, o desespero, a culpa e a ira. Enquanto
desfrutava, emudecido, a experiência, algo admirável
começou a acontecer. Gradualmente, tomei-me cien­
te de uma Presença. Alguém estava comigo!
. Esse Alguém, percebí, não só era responsável por
todo o amor que eu estava experimentando, mas
também era a própria encarnação do amor. Foi então
que descobri que estava na presença de Deus. Ele era
real. Ele estava verdadeiramente comigo.
Por que está acontecendo isso? Pensei. Não sou
ninguém especial e Deus não tem motivo algum para
desperdiçar seu tempo comigo. Certamente ele come­
teu algum erro.
Mas Deus não me deixou. Como se em resposta às
minhas dúvidas, ele permitiu que seu amor fluísse
ainda mais forte dentro de mim. Desfrutei a experiên­
cia o quanto pude; mas logo chegou a hora de voltar.
Aquela noite, enquanto remávamos ao clarão da
lua, permanecí calado, perdido em pensamentos
sobre o que havia acontecido no lago Basswood.
Depois, olhando para a canoa que ia ao nosso lado,
por uns breves momentos vi-a erguer-se nas ondas. A
luz da lua projetou-se por baixo dela, e os remos
molhados reluziram como se tivessem sido banhados
em mercúrio. Era tudo incrivelmente belo!
Apesar de não saber dizer exatamente como, sabia
que algo em mim havia mudado. Tudo parecia tão
claro, tão límpido, tão novo. Nunca me havia sentido
tão tranqüilo! E pela primeira vez em muitos anos,
senti que minha vida tinha significado e propósito —
tive um senso agudo de antecipação do que podería
reservar-me o futuro.
Ao voltar para casa, não contei a ninguém a minha
experiência no lago Basswood — nem mesmo a Eliza-
beth. Era como se a minha comunhão com Deus fosse
nova e frágil demais para ser partilhada. Ao mesmo
tempo eu sabia que o que me havia acontecido era
muito real e concreto, que eu o defendería até a
morte. Isso, penso eu, era o que mais me assustava.
Quem acreditaria em mim? Que prova teria eu do que
havia ocorrido?
Mas nos dias que se seguiram, ocorreram mudanças
notáveis em mim. Não se podia dizer que meu
temperamento houvesse melhorado; porém, em mui­
tas ocasiões surpreendi-me às raias de uma explosão,
para afinal descobrir que era capaz de controlar-me.
Meu desejo de amaldiçoar havia desaparecido. S a ­
bendo com o esse velho hábito se arraigara em mim e,
como psiquiatra que sou, conhecendo a dificuldade de
quebrar tais normas de conduta, achei a experiência
toda fascinante. Apesar de ainda não entender bem o
que me havia acontecido no lago Basswood, interpre­
tei a reabilitação de minha boca como uma confirma­
ção da ocorrência. Parecia tambéi... que eu amava
ainda mais a minha esposa, e era mais tolerante para
com as crianças. Esses exemplos, embora pequenos,
constituíam uma prova mais tangível que simples
sentimentos, de que eu havia mudado.
Porém não disse a ninguém o que havia acontecido.
Retomei ao trabalho e, com o de costume, comecei a
ensinar, escrever, cuidar dos pacientes e fazer pesqui­
sas. Algumas semanas depois de voltar à rotina
familiar, comecei a imaginar se o ocorrido no lago
Basswood não teria sido um sonho.
Uma noite, enquanto revisava o capítulo sobre o
amor, preparado havia alguns meses para um livro
que eu vinha escrevendo acerca das em oções huma­
nas, percebi o quanto ele era falho em profundidade e
conteúdo. Como não tinha eu percebido isso antes?
Então ocorreu-me que a literatura religiosa podería
ajudar-me, dando-me mais informação sobre o amor.
Curioso, visitei a biblioteca da universidade e retirei
emprestada a obra clássica de William Jam es, “As
Variedades da Experiência Religiosa” .
Desde o início achei o livro fascinante e logo vi-me
envolvido na discussão de Jam es acerca da emoção
do amor nas experiências religiosas. Para ilustrar esse
aspecto, Jam es descreve com detalhes as experiências
de conversão de vários indivíduos. Um relato em
particular pareceu-me bastante familiar. Era o teste­
munho de um jovem que estivera em excursão por
vários dias nos Alpes suíços:
Era o sexto dia de nossa caminhada; eu estava
em perfeita saúde e em boa form a. . . não sentia
fadiga, não tinha fome e nem mesmo sede;
minha capacidade intelectual era igualmente
saudável.. . Não havia nem uma sombra de
ansiedade presente ou remota, pois tínhamos
um bom guia, e não havia incerteza a respeito do
caminho que deveriamos percorrer. Eu podería
descrever melhor a condição em que me encon­
trava dizendo que era um estado de equilíbrio.
Quando de repente tive a sensação de ser
elevado acima de mim mesmo e, senti a presen­
ça de Deus — falo do assunto exatamente como
tive consciência dele — com o se sua bondade e
poder m e estivessem penetrando. A emoção foi
tão forte que mal pude dizer aos rapazes para
seguirem e não me esperarem. Então, incapaz de
permanecer de pé por mais tempo, sentei-me em
uma pedra, com os olhos inundados de lágrimas
. . . Aos poucos, esses momentos de êxtase
foram passando, isto é, senti que Deus retirava a
comunhão que m e havia concedido; eu era
capaz de prosseguir, porém devagar, tão forte
era ainda a emoção interior. Além disso, eu não
queria que meus companheiros me vissem com
os olhos inchados de chorar por vários minutos
ininterruptamente. O estado de êxtase deve ter
durado uns quatro ou cinco minutos, apesar de
ter-me parecido muito mais . . . A impressão foi
tão profunda que ao escalar vagarosamente a
encosta, perguntei-me se teria sido possível que
Moisés, no Sinai, tivesse recebido uma comuni­
cação mais íntima com Deus do que essa que eu
experimentara. É bom acrescentar que no estado
de êxtase por que passei, Deus não tinha forma,
cor, cheiro, nem mesmo sabor; e mais ainda, a
sensação da sua presença não veio acompanha­
da de uma localização. Foi com o se minha
personalidade tivesse sido transformada pela
presença de um espírito espiritual Quanto mais
palavras busco para expressar essa ís^ma rela­
ção, mais sinto a impossibilidade de descrtívê-la
por meio de imagens comuns. No fundo, a
melhor expressão para traduzir o que senti é:
Deus estava presente, ainda que invisível; ele
não foi alcançado por nenhum dos meus senti­
dos, todavia minha consciência o percebeu . . .
De repente, essa incrível conclusão explodiu em
minha mente: Sou como esse homem! Estou converti­
do!
Por uma fração de segundos fiquei extático com tal
descoberta. Porém no instante seguinte fiquei estupe­
fato!
Não! Protestei energicamente. Não posso ter-me
convertido! O que pensarão os outros? Serei rejeitado.
Pensarão que estou louco. É melhor não contar a
ninguém. Talvez isso nem tenha acontecido realmen­
te. Talvez não passasse de uma reação histérica ao
esgotamento e à tensão. Talvez seria melhor esquecer
tudo o que aconteceu.
Mas ao ler e reler a história do jovem nos Alpes
suíços, reconhecia não poder negar o que me havia
acontecido no lago Basswood. Admitir minha expe­
riência feria meu orgulho. Não correspondia à imagem
que eu fazia de mim mesmo, uma pessoa racional,
inteligente e estudada. Além do mais, ser convertido
era, até onde eu entendia, diametralmente oposto à
minha identidade de psiquiatra.
Durante toda a minha educação e minha carreira, a
maior parte dos meus professores e colegas se opuse­
ram a qualquer forma de religião. Na verdade um de
meus professores tom ava-se violentamente hostil
quando o assunto era ventilado na sua presença.
Tanto na escola secundária quanto na faculdade de
medicina, haviam-me ensinado que as crenças religio­
sas eram invenções mitológicas do homem.
A verdade baseava-se nos ensinamentos de Sig-
mund Freud, de B. F. Skinner, no método científico.
Afinal de contas, não conhecia cada psiquiatra pelo
menos um indivíduo desajustado que se considerava
um profeta dos dias modernos? Não havia cada
psiquiatra tratado pacientes — casos comoventes —
que padeciam desnecessariamente devido à auto-
-imposição de fardos de culpa ou de ódio, e que
insistiam em justificar tal comportamento à luz das
Escrituras? Não tinha, de fato, meu próprio hospital
um regulamento que impedia o paciente de possuir
Bíblias?
Eu, Bill Wilson, convertido?
Francamente, parecia impossível.
3
Os Princípios da
Transform ação

Certo sábado, algumas semanas após minha volta


de Minnesota, Elizabeth e eu desfrutávamos de uma
noite tranqüila em casa. As crianças jã haviam ido para
a cama, e nós dois, encolhidos nos extremos do sofá
da sala de estar, estávamos absortos cada um em um
livro. Isto é, Elizabeth estava absorta. Eu não era capaz
de concentrar-me em nada nos últimos dias devido a
uma questão que me .vinha importunando. Era um
assunto trivial, na realidade. Assim decidi retirá-lo do
pensamento.
— Elizabeth, você não acha que seria bom levar as
crianças à igreja amanhã?
Tirando os olhos do livro, ela arqueou as sobrance­
lhas e me olhou curiosamente:
— Igreja? Mas Bill, você não tem posto os pés
dentro de uma igreja em vinte anos! Qual é o motivo?
— Oh, nada especial — gaguejei. — Eu acho que
seria um bom exemplo para as crianças.
Eu ainda não havia contado a Elizabeth a minha
experiência no lago Basswood; e a última coisa que eu
desejava no mundo era que ela desconfiasse ser eu
quem estava querendo ir à igreja.
— Honestamente, você nunca deixa de surpreen­
der-me — disse ela sorrindo. — Acho uma excelente
idéia, e sei que as crianças também gostarão.
Elizabeth não exagerava ao dizer que eu não havia
posto os pés dentro de uma igreja havia mais de vinte
anos. Aos domingos eu preferia dormir até tarde,
andar de barco, pescar, cultivar o jardim, fazer algum
trabalho de pouca importância no quintal — qualquer
coisa para evitar ir à igreja. Depois do lago Basswood,
entretanto, encontrei-me não somente querendo ir
aos cultos dominicais, mas por algum motivo difícil de
explicar, eu sentia necessidade de fazê-lo.
Segundo William Jam es, eu havia sido “converti­
do” . Apesar de essa palavra ainda me fazer estreme­
cer, parece que eu realmente apresentava os efeitos
comuns da conversão:

• Perda da preocupação.
• Percepção de verdades espirituais que antes fora
incapaz de compreender.
• Uma visão nova do mundo, uma sensação de
novidade e pureza, por dentro e por fora.
• Um sentimento de bem-estar e humor positivo
constituído predominantemente de uma emoção
de amor saturada de sentimentos de reverência e
alegria.

A idéia de que eu me havia convertido deixava-me


vagamente perplexo. Convertido a quê? perguntava-
-me eu. Embora tivesse parado de maldizer, meu
humor continuava tão volátil como antes. Tudo o que
sabia com absoluta certeza era que no lago Basswood
eu havia encontrado Deus e experimentado o seu
amor e poder de uma forma muito pessoal e real.
Desejar, pois, ir à igreja, parecia uma resposta comple­
tamente apropriada.
A manhã do dia seguinte encontrou aos sete
membros de nossa família ocupando um banco todo
da Igreja Metodista Unida de Durham. Muitas cabeças
viravam-se para cumprimentar-nos; Elizabeth e as
crianças pareciam especialmente felizes por estarem
ali.
De um modo geral o culto da igreja pouco havia
mudado desde a minha época de jovem. A organista
tocava os mesmos prelúdios familiares. A oração e a
liturgia de abertura eram quase as mesmas. Não foram
necessários muitos domingos para que eu entendesse
que, se a igreja não havia mudado muito, eu, definiti­
vamente, havia mudado grandemente.
Cada vez que cantávamos um hino que falava da
grandeza ou santidade de Deus — ou do amor de
Jesus — eu me surpreendia com as lágrimas que me
corriam pelas faces. Às vezes isso me era completa­
mente embaraçoso. Mais curioso ainda, era que na
hora das ofertas, eu realmente queria contribuir, não
só com alguns trocados, mas com cheques pessoais e
de boa monta. Tais coisas jamais haviam ocorrido
antes, e eu não sabia bem como agir.
O mais estranho em tudo isso era meu crescente
desejo de ler a Bíblia. Uma noite, incapaz de conter o
ímpeto por mais tempo, desengavetei minha única
Bíblia — uma versão antiga, encapada com couro
preto, toda empoeirada, que eu havia adquirido
quando jovem. Abrindo o livro ansiosamente, fiquei
consternado ao ver que quase não conseguia compre­
ender o inglês antigo do texto. Nas semanas seguintes,
continuei lutando para ler a Bíblia, mas com pouco
sucesso; a linguagem arcaica provou ser uma grande
barreira.
Passou-se quase um ano e eu já não conseguia
encontrar mais nenhuma mudança significativa em
minha vida como resultado da minha conversão.
Então, em 1 9 6 7 , introduziu-se um novo movimento
chamado “Missões de Testemunho Leigo” na Igreja
Metodista Unida. O ptopósito das missões era com ­
partilhar a realidade do amor de Deus com outras
congregações metodistas por todo o país, mediante
equipes de crentes leigos.
Um domingo de manhã, algumas semanas antes da
primeira visita de uma equipe de Testemunho Leigo à
nossa igreja, o pastor anunciou que havia vários
períodos vagos na vigília de oração que precedería à
chegada da equipe. Eu nunca havia ouvido falar de
uma vigília de oração, muito menos participado de tal
acontecimento. Por isso surpreendi-me ao ouvir uma
tênue e insistente voz em minha cabeça ordenando:
‘ ‘Apresente-se! apresente-se’’!
Não, eu resistia. Esse tipo de coisa é para as pessoas
religiosas.
Mas a voz era persistente, e após o culto eu me
achava em pé no vestíbulo da igreja examinando a
lista de nomes dos que se haviam inscrito para a vigília
de oração.
S ó restavam dois períodos vagos de quinze minu­
tos, ambos para a madrugada de sexta-feira às
2h l5m in e 2h30min.
Embora não compreendesse por que, anotei meu
nome no horário das 2h l5m in da manhã.
Na noite de vigília, fui cedo para cama e pus o
despertador para tocar à lh45m in. Acordei, vesti-me,
passei água fria no rosto e fui à igreja. Cheguei com
tempo e entrei no santuário. Ajoelhando-me no
genuflexório, cerrei os olhos — quando de repente
ocorreu-me que eu não sabia a finalidade da vigília.
Pensei por alguns instantes e então disse em voz alta:
— Senhor, não sei do que a Missão necessita; mas
seja o que for, permita-lhes consegui-lo.
No restante dos quatorze minutos e trinta segundos,
fiquei ali ajoelhado, confuso, abismado com a com­
preensão de que eu não só não sabia com o orar pela
equipe visitante, como também não tinha idéia algu­
ma de com o orar.
— Senhor — sussurrei apressadamente, ao ouvir soar
os passos do meu substituto que se aproximava —
ajuda-me a entender o que significa orar. Ensina-me
como fazê-lo!
Perguntas Demais

A primavera de 1 9 6 8 foi uma temporada de


contendas e inquietações sem precedentes. Em muitos
campus universitários, de um extremo a outro do país,
estudantes faziam manifestações, e a Universidade de
Duke não era exceção. Alguns estudantes estavam
sendo feridos em pequenas escaramuças.
Inevitavelmente, na tarde de uma sexta-feira nubla­
da de maio, aconteceu um tumulto importante, duran­
te o qual mais de cem alunos revoltados ocuparam o
prédio da administração. Rumores sinistros de mais
violência circulavam pelo hospital. Deixei meu escritó­
rio transtornado e inquieto.
A salvo em casa, tentei desprender-me dos aconte­
cimentos do dia brincando com as crianças, escreven­
do, tomando um banho quente bem dem orado.. .
porém nada disso funcionou. Finalmente, exausto, fui
para cama. Mas nem mesmo assim consegui descon­
trair-me.
Com a clareza de pesadelo, imagens de sofrimento,
morte e desespero — aqueles lados mais escuros da
vida e da natureza humana que eu preferia negar ou
ignorar — invadiram-me a m en te.. .
Cresci em Fayetteville, Carolina do Norte — uma
cidade infame por suas casas de jogos, prostituição e
tráfico de drogas — exposto ao pior lado da vida, pois
meu trabalho de entregador de jornais depois das
aulas incluía boa parte da zona de meretrício da
cidade. Vieram-me à lembrança os rostos endurecidos
de senhoras idosas que, com dedos de unhas verme­
lhas, tiravam moedas de suas bolsas trabalhadas com
contas brilhantes, para colocá-las em minhas mãos.
Muitas vezes, a caminho de casa, eu pedalava
minha bicicleta e passava na frente de tabernas
arruinadas onde traficantes conduziam seus negócios
em saletas enfumaçadas. Foi então que comecei a
descobrir que nem todos passavam a noite sob
cobertores aconchegantes, nem tinham um reforçado
café da manhã com mingau de aveia e suco de laranja.
Em 1947, formei-me pela Escola de Medicina da
Universidade Duke. No ano seguinte, trabalhando
com o residente no Hospital Gorgas de Ancón, na
região do Canal do Panamá, continuei sendo confron­
tado com sofrimento e desespero.
Meu primeiro encargo foi na unidade de isolamento
do hospital na época da disseminação da poliomielite,
quando grande afluência havia de pacientes em todos
os estágios da doença.
Algumas noites após a minha chegada, eu estava de
plantão na sala de emergência quando admiti uma
adorável garota de dezoito anos chamada Catarina,
que se queixava de dores no pé direito. Suspeitei
imediatamente de pólio, e meu diagnóstico foi confir­
mado após o exam e de uma amostra do líquido
espinhal. Os olhos castanhos da garota se arregalaram
de espanto com a notícia. Não havia ainda tratamento
para a pólio nessa época; tudo o que podíamos fazer
com o médicos era observar. . . e esperar.
Nos próximos quatro dias, Catarina apresentou os
sintomas de paralisia da perna direita, depois, ambas
as pernas, logo em seguida o abdômen, o tórax, e,
finalmente — aquilo que temíamos — o diafragma.
Fomos forçados a colocar Catarina em um pulmão de
ferro. Dois dias mais tarde, todos os seus músculos
haviam-se paralisados. Dentro de dois dias mais ela
morreu. Eu estava ao lado de Catarina quando seu
coração parou; ao sentir sua última pulsação, meu
próprio coração clam ou: Por quê ? Por que teve ela de
morrer? Havia nela tanta vida pela frente. Tanto amor
para dar!
Não houve resposta.
Com freqüência, outro médico e eu costumávamos
viajar num caiaque (canoa de mogno), até a região
selvagem da Zona do Canal, para levar medicamentos
e assistência aos nativos. Vítimas indefesas da pobreza
e da escassez de saneamento, os nativos estavam tão
infestados por parasitos intestinais que não tinham
energia para trabalhar.
As crianças, sem dúvida, eram os que mais sofriam.
Embora o alimento fosse suficiente, três dentre cinco
crianças nascidas em cabanas cobertas de sapé, sem
higiene, morriam antes de completarem cinco anos de
idade. Um dia, depois de segurar em meus braços
uma dessas crianças mortas, olhando para os olhos
aflitos dos pais, Comecei a fazer-me algumas perguntas
sérias.
Existe vida depois da morte? Se não houver, que
consolo posso oferecera um sobrevivente afligido pela
dor?
Perguntas demais; mas sem respostas.
Ironicamente, meu encontro mais significativo com
o sofrimento e o desespero não iria ocorrer nas selvas
do Panamá, mas muito mais perto de casa, no hospital
estadual Dorothea Dix, em Raleigh, no estado da
Carolina do Norte.
Ao retomar ao meu país, depois do meu ano como
residente no hospital em Ancón, ainda estava indeciso
quanto à área da medicina em que eu deveria fazer
especialização. Por esse motivo, também estava sem
residência fixa. Foi um dos meus professores de
psiquiatria em Duke, o Dr. Leslie Hohman, que me
sugeriu que trabalhasse um ano no hospital estadual,
onde havia uma vaga na área psiquiátrica. Apesar das
incertezas (naqueles dias a medicina psiquiátrica ainda
estava na sua infância e os hospitais estaduais eram
bem conhecidos pelas más condições de trabalho),
segui o conselho do Dr. Hohmam.
Nessa época, o hospital estadual Dorothea Dix,
construído no início da guerra civil, era formado de
um conjunto de prédios brancos revestidos de estu­
que, infestados de insetos. Embora alguns edifícios
fossem mais novos, estavam todos em mau estado de
conservação. Havia somente cinco médicos para
cuidar de 2 .3 0 0 pacientes. Havia poucas enfermeiras
ou ajudantes e pouco equipamento médico moderno.
Em meu novo emprego, eu era responsável por 5 0 0
pacientes com doença mental crônica, além dos
importantes encargos administrativos.
O que m e preocupava, mais do que as condições
deploráveis de trabalho, mais do que o acúmulo de
responsabilidades, era a desesperança esmagadora que
sentia pelo destino da maioria dos meus padentes.
Devido à falta de pessoal treinado, não havia tempo
bastante para uma psicoterapia individual; e por não
termos dinheiro, não podíamos contratar outros que nos
ajudassem. Nossos instrumentos terapêuticos básicos
consistiam nas drogas mais comuns (medicamentos
farmacêuticos eficazes para a terapia farmacológica
como conhecemos hoje ainda não haviam apareddo) e
tratamento por meio de choque elétrico.
Quanto mais tempo trabalhava no Dorothea Dix,
mais nervoso e frustrado me tomava. Por que parece
que ninguém se preocupa com os doentes mentais?
Indagava de mim mesmo. Por experiência própria, eu
sabia que o governo estadual não se importava. Nem
o público. Nem, lamentavelmente, a classe médica.
Querendo fazer algo para ajudar essas pessoas
esquecidas e abandonadas — e desejando salvá-las
de se deteriorarem em instituições como aquela onde
eu trabalhava — decidi me tornar um psiquiatra. C o­
mo tal, eu esperava ansiosamente ajudar os doentes
mentais, não somente trabalhando com eles indivi­
dualmente, com o também fazendo pesquisas. Meu
maior desejo era poder, de alguma forma, aliviar a dor
e o sofrimento que pareciam fazer parte da condição
humana.
Recordando os anos passados na Zona do Canal do
Panamá e no hospital estadual Dorothea Dix — e,
lembrando-me agora dos estudantes ricos que tumul­
tuavam nossa universidade, fiquei furioso. De que
outra maneira podería eu reagir diante de jovens que,
com jeans desbotados e camisetas esfarrapadas fin­
giam-se de pobres e iam para as reuniões subversivas
em carros de luxo? Ao se cansarem de perturbar,
retiravam-se para os bares locais para uns tragos de
cerveja ou voltavam para os dormitórios para fumar
maconha. O cenário total não me parecia honesto.
Ainda mais, tudo isso não fazia sentido. O mundo
parecia estar de cabeça para baixo. Sistemas de
valores tradicionais que já foram a base da nossa
sociedade agora se desmoronavam. Contudo, eu
percebia que meus alunos — em suas buscas deses­
peradas de algo em que acreditar— achavam-se
ainda mais perdidos e eram mais dignos de pena do
que as crianças que trata no Panamá. Com essa
compreensão, minha raiva transformou-se numa sen­
sação muito grande de desesperança — maior do que
a que havia sentido por meus pacientes quando eu era
um médico jovem no hospital estadual Dorothea Dix.
Eu amava meus alunos. Como professor universitário,
aborrecia-me o fato de não ter nada de valor perma­
nente para oferecer-lhes.
Remoendo mentalmente a situação confusa e an-
gustiosa, senti um forte desejo de orar. Nunca havia
experimentado um impulso tão intenso, mas, sem
questioná-lo, orei em voz alta:
— Senhor, sei que nada tenho feito para tomar o
mundo um lugar melhor; mas se tu quiseres, irei
aonde me mandares e tudo que me pedires eu o farei.
Ajuda-me a compreender-te melhor. Ajuda-me a
entender o que queres que eu faça com a minha vida.
Deus não me disse nada. Mas fui invadido por uma
grande sensação de paz. Ao escutar o som da suave
respiração de Elizabeth perto de mim, senti que minha
ansiedade se dissipava. Virando-me para o lado,
adormecí.
Bem-Vindo ao Reino

Três dias mais tarde, numa noite de segunda-feira,


eu me encontrava num salão da igreja assistindo a
uma reunião do conselho, do qual eu era membro
desde alguns meses, quando foi anunciado que Jim
Patrick, a quem eu conhecia muito pouco, havia sido
eleito Líder da Conferência de Leigos da Carolina do
Norte. Nessa posição, ele seria responsável pela
liderança leiga na área, inclusive pela coordenação de
várias Missões de Testemunho Leigo.
No final da reunião, aproximei-me de Jim e felicitei-
-o pela eleição.
— S e houver algo em que eu possa ser útil, conte
comigo — disse-lhe apertando-lhe a mão.
— Obrigado, Bill — respondeu ele. — Aliás, existe
algo que você pode fazer. Daqui a três semanas, uma
equipe nossa estará a caminho de Manteo para liderar
uma Missão de Testemunho Leigo. Passaremos o fim
de semana numa pequena igreja lá, e gostaria muito
de tê-lo conosco.
— Oh . . . Jim — balbuciei surpreso por haver ele
aceitado minha oferta — obrigado por pensar em
mim, mas. . .
Eu ia para declinar o convite quando me lembrei da
oração feita três noites antes; da promessa a Deus de
que eu iria aonde ele me enviasse, e faria o que ele
ordenasse. Mas isto? Questionei. Um fim de semana
longe de casa em companhia de estranhos? En­
tretanto, eu não podia deixar de sentir que essa era,
sem dúvidas, exatamente a vontade Deus para mim.
— Por certo, irei — surpreendi-me dizendo. — Mas
acho bom você ficar sabendo que nunca tomei parte
em tais campanhas. Assim sendo, não sei de que
maneira serei útil.
— Não se preocupe — respondeu Jim com um
sorriso. — Nós cuidaremos disso.
A pequena vila de Manteo está localizada na região
conhecida por Outer Banks na Carolina do Norte;
uma reentrância escarpada e acidentada da costa
litorânea do Atlântico, e que recebe o impacto violento
dos fortes furacões. Na sua maioria, os habitantes de
Manteo ganham a vida no mar ou na terra, como
pescadores e lavradores. Descendentes de ingleses,
muitos ainda falam um curioso dialeto que mantém
algo do “estilo” da época da rainha Elizabeth. As
pessoas de Manteo são simples e trabalhadoras.
Comparadas com as pessoas das cidades universitá­
rias sofisticadas, com o Durham, a apenas algumas
centenas de quilômetros, parecia-me um anacronis­
mo. E enquanto fazia as malas, comecei a perguntar-
-m e o que teríamos em comum.
Foi numa tarde quente do mês de maio que nossa
equipe de Testemunho Leigo entrou no estaciona­
mento da Igreja Metodista de Manteo. Uma multidão
estava esperando para saudar-nos, e enquanto deixá-
vamos os carros e nos reuníamos no pátio gramado,
Jim , que havia feito contato com nossos anfitriões
anteriormente, aproveitou para apresentar-me.
A primeira pessoa que conheci foi um lavrador cuja
cabeça calva brilhava aos últimos raios do sol poente,
e cujo rosto e pescoço eram de um vermelho como
beterraba, devido ao trabalho do campo. Sua calça
mal ajustada estava desbotada e gasta. Quando ele
sorria, duas gengivas amareladas apareciam mostran­
do a falta dos incisivos.
— Oi, irmão! — Saudou-me o lavrador batendo-
-me no ombro com a mão grande e calejada. — Bem -
-vindo ao Reino.
Voltei-me para cumprimentar uma senhora forte,
que deveria pesar pelo menos cento e trinta quilos. Ela
não estava usando maquiagem, e uma protuberância
em seu maxilar esquerdo revelava uma grande porção
de rapé acumulada entre a gengiva e o lábio inferior. A
mulher saudou-me de forma jovial, e, de repente
abraçou-me dizendo:
— Deus am a você e eu também.
Insüntivamente, recuei. Mas antes que eu conse­
guisse libertar-me, ela depositou em minha face um
beijo úmido e manchado de rapé.
Procurando um lenço para limpar a mancha de
tabaco, ocorreu-me que, se essa maneira estranha e
singular de comportamento representava de alguma
forma a coletividade de cidadãos do “Reino” de Deus,
eu não estava certo de querer fazer parte dela.
Sentindo-me constrangido e incomodado, pergunta-
va-me a mim mesmo a razão por que Deus me havia
levado para esse lugar.
Às seis horas da tarde a M issão com eçou formal­
m ente com uma ceia bem ao estilo da região. Os
m em bros da igreja de M anteo haviam preparado
uma quantidade enorm e de pratos caseiros: ostras
frescas, cam arão grelhado, frango frito, vegetais
refogados, saladas variadas, broa de milho quenti-
nha e pãezinhos de m anteiga, etc. Para sobrem esa
havia um sortim ento interm inável de bolos casei-
ros, tortas de frutas, biscoitos e crem es.
Terminada a lauta refeição, encaminhamo-nos para
o santuário, onde Jim dirigiu a abertura da primeira
noite dos trabalhos da Missão. Para minha surpresa,
Jim deu a palavra ao lavrador desdentado para fazer a
oração de abertura.
Essa não! pensei. Isso não está certo! Somente os
ministros é que devem orar. Eu não tinha conheci­
mento de que leigos orassem em voz alta nas igrejas,
muito menos uma pessoa tão desqualificada como
esse homem!
— Senhor Jesus — começou o lavrador — obriga­
do pela oportunidade de estarmos todos reunidos.. .
Enquanto ele continuava, eu me surpreendia ao
notar que ele não fazia uma oração em estilo formal,
isto é, usando Tu e Vós; antes, era como se estivesse
conversando com alguém numa linguagem simples e
clara. Eu nunca havia ouvido ninguém orar dessa
maneira. Era como se o homem estivesse falando com
um irmão, com o pai ou com seu melhor amigo.
O lavrador encerrou a oração pedindo a Deus que
abençoasse nosso esforço nessa Missão de Testemu­
nho Leigo, e que estivesse sempre conosco de uma
forma real. Isso é uma boa idéia, pensei. Mas havería
alguma maneira pela qual Deus pudesse estar de uma
forma real conosco ? Mesmo após minha experiência
no lago Basswood, eu ainda imaginava Deus assenta­
do no céu, cuidando, de longe, da sua criação. Deus
conosco? Aqui? Neste salão? Isso era algo novo.
Terminada a oração de abertura, cópias de hinos
foram distribuídas, e, sob a direção de um entusiasma­
do regente, com eçam os a cantar. Eram cânticos
novos, os quais eu nunca tinha ouvido antes. Alegres e
felizes, tinham um ritmo bem marcado e interessante.
Algumas pessoas batiam palmas enquanto cantavam.
A letra dos hinos também era diferente. Falavam de
Jesus e do seu poder de salvar pecadores. Salvar
pecadores? Eu sempre tive a impressão de que
somente os batistas eram “salvos” .
A seguir, Jim chamou uma mulher que estava
sentada em um dos bancos da frente para dar
testemunho do que Jesus havia feito por ela. Era
justamente a minha amiga “gordinha” que mascava
fumo.
Ora, que podería ela ter para dizer?
Ela começou explicando que não era uma das
melhores oradoras; e então pediu a um amigo que
estava sentado ali por perto que orasse em favor dela.
A seguir, tfmida e pausadamente, começou a contar­
mos como Jesus havia entrado em seu coração,
transformando-a gradualmente de uma pessoa depri­
mida e cheia de autopiedade em uma pessoa confian­
te e feliz como ela era agora.
Eu jamais ouvira falar do efeito que Jesus fazia na
vida de alguém, descrito de forma tão pessoal. Assim
como o lavrador, essa mulher parecia realmente
conhecer a Jesus, como se ele fosse seu mais chegado
amigo. Lágrimas subiram-me aos olhos ao descobrir
que Deus amava verdadeiramente essa mulher; por
haver ela aceitado seu amor, recebeu de Deus o poder
de amar a si mesma e aos outros. As palavras “Deus
ama você, e eu também” , ditas quando nos conhece­
mos, não eram mero refrão religioso, mas expressão
sincera da mais importante verdade que ela conhecia.
O resto do fim-de-semana, que incluiu grupos de
discussão à hora do café, preleções informais e
oportunidades para as pessoas darem seus testemu­
nhos, foi de todo agradável e passou rapidamente.
Durante a viagem de regresso, achei-me cantarolan­
do algumas das canções novas que havia aprendido;
sentia-me cheio de alegria e esperança, uma sensação
muito diferente daquela que experimentara três anos
atrás ao retomar do lago Basswood.
Deus está vivo! Era como se meu coração fosse
explodir com essas boas novas. Quão errado estivera
em supor que nada havia para aprender com o povo
de Manteo! S e existia algo que essa boa gente parecia
ter muito mais do que eu, era a capacidade de'
exprimir o que significa ser crente. Eu invejava a forma
natural e íntima com que falavam com Deus em
oração. Eu ansiava pela maneira simples e comovente
com que compartilhavam a sua fé. Eu também
gostaria de ter pelo menos a metade de sua familiari­
dade com a Bíblia. Muitos pareciam saber o livro
quase todo de memória.
Não eram só as pessoas de Manteo que tinham este
relacionamento especial com Deus. Com o decorrer
do fim-da-semana deu para perceber que Jim e vários
outros membros da nossa equipe também o pos­
suíam. O que tomava a religião dessas pessoas tão
real? Indagava. Afinal de contas, eu acreditava em
Deus. Isso não fazia de mim um crente também?
Acercando-me dos limites da cidade de Durham,
cheguei à conclusão de que havia alguma falha crucial
na minha maneira de compreender o Cristianismo.
Algumas vezes me sentia bem próximo da compreen­
são da fé, e, contudo, em momentos como este,
sentia-me bem distante.
Em casa, enquanto desfazia a mala, dei uma olhada
nos vários livros que havia adquirido durante o fim-de-
-semana na mesa de livros da igreja. Um livro em
particular chamou-me a atenção: “Boas Novas para o
Homem Moderno” . Na contra-capa estava escrito:
“Uma Versão Inglesa Atual” do Novo Testamento.
Parecia-me que qualquer versão da Bíblia me ajudaria
a compreender a tradução King Jam es.
Aquela noite, foi com uma sensação de prazer
antecipado que desci as escadas com meu novo
exemplar de “Boas Novas para o Homem Moderno” .
Recostei-me em minha poltrona favorita, para uma
noite de leitura. Mesmo assim mal estava preparado
para o que aconteceu.
Começando com o livro de Mateus (o primeiro dos
quatro Evangelhos), e prosseguindo com Atos dos
Apóstolos, as Epístolas Paulinas, escritas para várias
igrejas primitivas e perseguidas, e o Apocalipse de
Jo ã o — a Bíblia parecia adquirir vida!
Quando Jesu s falava, parecia estar-se dirigindo
diretamente a mim; o mesmo acontecia com Paulo,
Jo ã o e todos os demais. Cada palavra do livro era rica
em significado. Fascinado, ali fiquei, esquecido do
tempo; li o livro de capa à capa. Nas semanas
seguintes, tomei a lê-lo duas, três e quatro vezes.
Gradualmente, comecei a entender que embora fosse
Deus Pai quem se revelara a mim no lago Basswood, eu
teria de me tomar um crente sincero mediante a
aceitação de Jesus Cristo como seu único Filho — um
filho cuja missão tinha sido morrer pelos pecados da
humanidade para que todo aquele que nele cresse
pudesse ser reconciliado com Deus e recebesse o dom
da vida eterna. Eu teria também, e da maneira mais
fundamental, de pedir a Jesus que entrasse em minha
vida como meu Senhor e Salvador pessoal, e receber
assim seu Espírito Santo, ser regenerado espiritualmen­
te, ou “nascido de novo”. Embora essas doutrinas
básicas da fé cristã fossem óbvias e claras, eu não as
tinha compreendido inteiramente. Eu não havia antes
entendido a centralidade da pessoa de Jesus no Cristia­
nismo. Sendo assim, Jesus parecia o elo que me faltava
na minha ligação com Deus, .
Mais significativo ainda era o fato de que agora, com
esse novo conhecimento e compreensão, eu era
chamado para tomar a mais importante decisão da
minha vida.
Em Jesus, na verdade, quem ele reivindicava ser?
Era Jesus o “Filho Unigênito” (João 3 :1 6 ), “o cami­
nho e a verdade e a vida” (João 14:6)? Respondendo
à pergunta dos apóstolos, Jesus afirmou: “Ninguém
vem ao Pai senão por mim” (João 14:6) e: “Quem
não é por mim, é contra mim” (Mateus 12:30).
Finalmente, em Atos está escrito: “E não há salvação
em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe
nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo
qual importa que sejamos salvos” (Atos 4:12).
Afirmações dogmáticas como essas fizeram-me pa­
rar e pensar. É claro que na sociedade pluralista de
hoje, elas dificilmente seriam aceitas, quer social quer
intelectualmente. Ao mesmo tempo eu tinha de lem­
brar que Deus não se preocupava com o lado
intelectual do indivíduo, nem com seus padrões
sociais, mas sim com a redenção da alma mediante a
fé salvadora em Cristo.
Era Jesus, na verdade, quem ele reivindicava ser?
Considerando tudo o que eu havia lido e visto,
estava convencido de que ele, realmente, o era.
De Pródigos e O ração

Era o início de março de 1970, e eu tomava o avião


para Wauwatosa, Wisconsin, um subúrbio de Milwau-
kee e lugar de outro trabalho da Missão de Testemu­
nho Leigo.
Durante os dois anos após a visita a Manteo,
participei intensamente da vida da igreja e aprendi a
diferença marcante entre crentes nominais ou culturais
e aqueles que abraçavam uma fé regenerada ou
pessoal.
O crente cultural pode ser descrito com o um
freqüentador regular ou semi-regular da igreja, moti­
vado por algum senso de culpa, tradição ou vagos
motivos sentimentais. Não está disposto a falar de suas
crenças religiosas porque religião para ele é um
assunto muito particular. Considera aqueles que se­
guem práticas religiosas, com o leitura da Bíblia, ora­
ção e entusiasmo pela fé, estranhos ou fanáticos. Os
crentes culturais rejeitam os conceitos bíblicos espiri­
tuais, como a natureza pecaminosa inerente do ho­
mem, a batalha entre Deus e Satanás pela alma de
cada pessoa, o caráter incomparável de Jesus Cristo e
a existência do inferno. Basicamente, crentes culturais
acreditam que, sendo bons, se cultivarem bons hábi­
tos, se forem ativos no trabalho, se adotarem atitudes
positivas para com a vida, ser-lhes-á assegurado um
lugar no céu e na vida eterna com Deus — se é que
existe céu, vida etem a e Deus. Sem dúvida alguma era
essa a natureza da fé que eu havia professado durante
a maior parte da minha vida.
Mas, creio que foi por ter percebido a diferença
entre o crente cultural e o regenerado que me tomei
participante extremoso na Missão de Testemunho
Leigo. Era estimulante e compensador falar do evan­
gelho de forma pessoal, especialmente àqueles que
nunca tinham ouvido as boas novas. Mais emocionan­
te, porém, era descobrir — às vezes durante as Mis­
sões de fim-de-semana, outras vezes vários meses ou
anos mais tarde — que, como resultado do nosso
esforço, alguma vida havia sido transformada, revitali­
zada ou renovada por meio da fé em Jesus.
Em Wauwatosa, meus anfitriões foram o Dr. Jack e
Dóris Olinger. Dóris recebeu-me na porta.
— Estamos muito contentes por hospedá-lo neste
fim de sem a n a .— Disse ela cordialmente, conduzin­
do-me para a confortável sala de estar. — Ja ck deverá
chegar em breve. Ele está fazendo algumas visitas no
hospital.
— Ótimo — respondí. — Estou ansioso por encon­
trá-lo. Sendo eu do Sul, estou curioso para ver como
atua um médico aqui na terra dos ianques.
Dóris sorriu, porém um tanto preocupada.
Com eçamos logo a conversar sobre nossas famílias,
nossos lares, nossos trabalhos. Depois de alguns
instantes, comecei a falar sobre o trabalho da Missão
de Testemunho Leigo a se realizar na igreja do casal
Olinger, procurando contagiar Doris com meu entu­
siasmo, com o programa e com minhas esperanças
para o fim de semana. Doris respondia com polidez.
Percebi que ela e o esposo estavam participando da
campanha mais por dever que por qualquer outra
coisa. De fato, pelo que eu pude notar, os Olingers
pareciam um exemplo típico de crentes culturais:
bons, trabalhadores, dando o máximo que podiam
com os recursos espirituais limitados de que dispu­
nham.
Em pouco tempo ouvi a porta dos fundos bater, e
Jack apareceu na sala. Ele era um homem vistoso,
esbelto, forte e cauteloso.
— Prazer em conhecê-lo — disse, estendendo-me a
mão.
— Igualmente — respondí — . Eu acabava de dizer a
Dóris o quanto estava ansioso por conhecê-lo.
Jack sorriu. Então o barulho da porta dos fundos,
anunciando outra pessoa, fez com que a expressão de
Jack mudasse bruscamente.
Era Carl, o filho adolescente dos Olingers. Ele teria
passado por nós sem dizer sequer uma palavra, se a
mãe não o tivesse interceptado.
— Carl — disse ela suavemente — quero apresen­
tar-lhe o Dr. Wilson, da Carolina do Norte. Ele será
um dos líderes na campanha que se realizará este fim
de semana na igreja.
— Olá — murmurou ele entre dentes, sem permitir
que seus olhos encontrassem os meus. Seus cabelos
longos estavam sujos e desarrumados, bem como
toda a sua aparência era desleixada. Eu já havia feito
trabalho de aconselhamento com muitos adolescentes
envolvidos em tóxicos, e acreditava ser esse o proble­
ma de Carl.
— Oi — respondí — acha que poderá ir conosco à
igreja este fim de semana? Ouvi dizer que haverá um
grande programa para a juventude. Muitos garotos já
prometeram ir.
— Talvez— respondeu Carl.
— Talvez? — A voz do seu pai soou áspera. A voz
de Ja ck era fria e seu corpo estava visivelmente tenso,
com o que esperando a resposta do filho.
— Você me ouviu. — Disse Carl com calma, evitan­
do deliberadamente o olhar inflexível do pai. — Tal­
vez.
Com isso, virou-se e subiu as escadas.
Nos momentos que se seguiram eu temia que a sala
pegasse fogo caso alguém falasse, tão carregado
estava o ambiente. Jam ais havia presenciado tal
animosidade e hostilidade entre pai e filho. Claro que
o problema entre Carl e Jack era tão sério e por
demais profundo para ser explicado como rebeldia
comum dos adolescentes. E para complicar ainda
mais, percebi que enquanto o problema se desenrola­
va, a pobre Dóris ficava entre os dois, presa à sua
ingrata posição de pacificadora.
A seguir, tive compaixão dessa família embora
soubesse que, por ser estranho, a minha interferência
seria imprópria e indesejável.
Às 17h45min daquela tarde o programa da Missão
teve início com a ceia tradicional. A comida foi
excelente, a música alegre e os testemunhos apresen­
tados por selecionados elementos da equipe parece­
ram para mim mais comoventes que o normal. Olhava
de quando em quando na direção dos Olingers para
ver suas reações. Pareciam bastante atentos e concen­
trados no programa. Mesmo Carl, sentado longe dos
pais, no fundo do salão, parecia atento e interessado.
Mais tarde, acompanhados de outros amigos, volta­
mos à residência dos Olingers para um café com bolo.
Quando os demais se retiraram, Jack, Dóris e eu
ficamos conversando por algum tempo. No decorrer
da noite havíamo-nos familiarizado um pouco mais,
estávamos mais dispostos a abrir nosso coração e
compartilhar nossa vida. Contudo, a sinceridade com
que Ja ck dirigiu-me a palavra m e deixou surpreso.
— Acho que você percebeu o problema que temos
com C arl— . Disse ele calmamente enquanto mexia
devagar o café.
Preferindo que ele continuasse, permaneci calado.
— É difícil imaginar em que erramos — disse ele.
— Quando Carl era mais novo não tínhamos proble­
mas de espécie alguma. Mas aos treze anos, ele
começou a rebelar-se tomando-se revoltado e intratá­
vel. Então caiu nas drogas. — Fez uma pausa, olhou
para Dóris, com o que esperando que ela continuasse.
Ela, entretanto, permaneceu imóvel, mordendo o
lábio inferior, como se estivesse a ponto de chorar.
— Bem , ele caiu nas drogas — continuou Jack.
— E tem sido um pesadelo para nós desde então. Ele
não está apto para participar de um ambiente escolar,
e nem mesmo sabemos se estará apto a permanecer
na escola. Ele já saiu de casa várias vezes, recusa
qualquer tipo de ajuda. Deus sabe o quanto tenho
tentado controlá-lo, sem resultado. Em mais de uma
ocasião chegamos à agressão física. Simplesmente
não sabemos o que fazer.
Jack permaneceu em silêncio por alguns instantes.
— Você sabe, Bill, eu estou realmente surpreso por
ele estar participando desta campanha. Não consigo
imaginar por que ele está fazendo isto.
— Talvez Deus o queira lá — disse eu. — Talvez
Deus deseje ajudá-lo.
Jack fitou-me de forma esquisita, sem nada dizer.
O assunto do Carl foi abandonado.
O dia seguinte amanheceu claro e frio. Pela manhã,
Jack, Dóris e eu seguimos caminhos diferentes, já que
cada um participaria separadamente de reuniões reali­
zadas durante o café no lar de diversos membros da
igreja. Essas reuniões visavam a um cenário casual
cujo tópico era a oração. Enquanto isso, Carl partici­
pava de um programa para a juventude durante todo
o dia.
Mais tarde, Ja c k e eu nos encontramos de novo na
igreja para o almoço dos homens, onde discutiriamos
a maneira com o Deus participa de nossa vida profis­
sional.
Depois da sobremesa, enquanto era servido o café,
perguntei se alguns dos presentes gostariam de dar
testemunho das lutas ou vitórias que, porventura,
houvessem tido na vida cristã. Após um instante de
silêncio, um padre católico que nos visitava levantou a
mão. Com o esta campanha de fim-de-semana era de
uma Missão Metodista, não compreendí a presença
entre nós desse estranho participante. Porém logo o
saberia.
Com franqueza, mas com grande constrangimento,
o padre falou-nos do conflito íntimo e do sentimento
de culpa pelos quais estava passando, pois pretendia
abandonar o sacerdócio para casar-se com uma freira
a quem muito amava. Ela, por sua vez, passava
também pelo mesmo conflito e pelas mesmas dores de
culpa. O sacerdote estava visivelmente abalado; as­
sim, pedia a alguém que orasse em seu favor.
Ouviram-se pronta e rapidamente orações sinceras e
comoventes. A partir daquele momento, foi como se
uma comporta se abrisse, e perto de doze outros
voluntários contaram suas experiências. Após algumas
considerações e orações em favor daqueles que
expressaram suas necessidades, encerrou-se o almo­
ço.
— Ufa! — exclamou Jack, no vestíbulo da igreja,
abotoando o sobretudo e arrumando o cachecol para
enfrentar o frio que fazia lá fora. — Nunca vi algo
semelhante! Nunca ouvi homens falarem de maneira
tão franca! Parecia que eles realmente se importavam
uns com os outros e tinham uma confiança mútua. E
quando oravam, pareciam acreditar realmente que
Deus os estivesse ouvindo.
— Não é maravilhoso? — respondi. — Com eço
agora a entender quão saudável é uma pessoa orar
com outros por seus problemas. E do ponto de vista
psiquiátrico isto é fascinante!
— Sim — respondeu Jack, mas sua voz soava dis­
tante e algo duvidosa.
— Escute — disse-lhe enquanto caminhávamos pa­
ra o carro. — Temos o restante da tarde livre e sei que
você tem de fazer algumas visitas no hospital. Importa-
-se que eu vá junto?
— Não é preciso — respondeu Jack. — Vai-me
tomar pouco tempo. Não seria melhor você descan­
sar?
— Não, não — disse-lhe. — Gosto de visitar hospi­
tais, ver outros pacientes. Prometo não interferir no
seu trabalho.
— Está bem; se é isto o que você realmente
deseja — replicou Ja ck relutantemente.
Quando chegamos ao hospital, Jack falou-me a
respeito do seu caso mais complicado: uma senhora
de meia idade, com câncer. Nos últimos meses o mal
se lhe espalhara rapidamente pelo corpo, incluindo
vários órgãos vitais. Recentemente foi-lhe dito que só
teria seis sem anas de vida. Tal notícia deixou-a
bastante deprimida. A filha, solteira, já na faixa dos
trinta anos, recebeu a notícia com grande amargura. A
sua reação diante da morte próxima e inevitável da
mãe foi de revolta e ressentimento. A expectativa de
ficar sozinha no mundo, já que o pai havia falecido
alguns anos antes, a apavorava.
Ao entrarmos no quarto da doente, encontramos lá
a filha. Alta, magra e bem vestida, fisionomia aflita e
carregada. A mãe completava o quadro de desespero.
Quase definhada, ela parecia perdida no meio do
lençol branco. Quando Jack terminou de examiná-la,
conversei um pouco com ela sobre o seu estado e
sentimentos. Como Jack me prevenira, percebia-se
claramente que ela estava bastante deprimida. Termi­
nada nossa conversa, caímos num silêncio constran­
gedor. Quão desesperado fiquei, desejando dizer-lhe
alguma palavra de esperança e ânimo, mas não
conseguindo pensar em nada.
Quando eu já estava para levantar-me para sair,
Jack começou a falar.
■— O Dr. Wilson é um médico crente — disse para a
mulher. — Caso você queira, sei que ele gostaria de
orar em seu favor.
Quê?! Pensei. Orar por ela? Nunca orei por um
paciente em toda a minha vida! Deixemos de lado tal
coisa!
Mas era tarde. A mulher acenou com a cabeça,
concordando que eu orasse em seu favor. Engolindo
seco, tentei não parecer embaraçado.
— Obrigado Senhor — titubeei, procurando as pa­
lavras. — Obrigado por nos permitires ir à tua presen­
ça em o ra çã o .. .
Fmalmente, concluí pedindo a Deus que confortas­
se a mãe e a filha, e que curasse a mulher se ele assim
o desejasse. O que eu disse não deve ter sido tão
impróprio, pois quando nos levantamos para sair, a
mulher estendeu a mão e segurou a minha.
— Obrigado doutor— disse ela. — O senhor não
imagina o que sua oração significou para mim.
— Seus olhos estavam úmidos de lágrimas.
Duas vezes mais naquela tarde Jack pediu-me que
orasse por seus pacientes. Eu obedecia, sentindo que,
de alguma forma, era a coisa certa. Ao deixarmos o
hospital e encaminhar-nos para o carro, suspeitei que
Jack pensava ser um fato lógico os médicos cristãos
orarem por seus pacientes.
— Diga-me — falou ele quando saíamos do esta­
cionamento. — Com o é que você chegou a ser tão,
religioso? Quero dizer, com o pode você ter certeza
daquilo em que crê?
Pensei por um momento e então citei as referências
que mostravam que Jesu s era o elo de ligação entre
Deus e a humanidade, salientando as passagens que
muito me haviam impressionado na época em que eu
buscava a verdade.
Isto, contudo, trouxe à tona a questão da autorida­
de da Bíblia.
— Com o pode você, um médico, acreditar num
livro que não é científico? — perguntou-me Jack.
— Com certeza você está ciente do relato da criação
do livro do Gênesis, e todos os milagres. Com o
consegue você conciliar tais fatos com o conhecimento
científico?
— Bem , não vejo problema na conciliação entre a
Bíblia e a ciência moderna. S e você me perguntar, eu
digo que am bos os pontos de vista, quando levados
ao extremo, carecem de veracidade. S e alguém me
disser que o mundo com eçou com uma Grande
Explosão, eu perguntaria: quem a iniciou? E se
alguém disser que Deus criou o mundo em sete dias
literais, perguntarei: qual é a duração de um dia para
Deus?
— Bastante justo — disse Jack. — Mas ainda não
consigo entender com o você pode abraçar uma
religião que se baseia num livro não científico.
— Ja ck — respondí, segurando a Bíblia com üma
das mãos, enquanto com a outra apontava enfatica­
mente para ela — você precisa lembrar-se de que este
livro foi escrito por homens de fé, e não por homens
de ciência.
— Hum — murmurou Jack pensativamente.
Fizemos o restante do caminho para casa em
silêncio.
Mais tarde, durante o programa daquela noite de
sábado na igreja, eu pensava em Carl, e como estaria
ele se saindo, quando de repente dei-lhe um encon-
trão no patamar da escada do segundo andar. Junta­
mente com outros jovens, Carl estava participando de
um jogo chamado “Confiança” , um exercício espiri­
tual em que a pessoa, com os olhos vendados, é
levada por toda a igreja, nos andares superiores, no
térreo e no lado de fora do templo, e então volta ao
ponto de partida. Por meio desse exercício, Carl não
somente aprendia a confiar nos outros, com o também
a confiar em Deus. Qualquer que fosse o resultado do
jogo para Carl, eu ficaria feliz, pois ele parecia estar-se
divertindo.
Na manhã seguinte eu fui para a igreja logo cedo,
onde me encontrei com os demais membros da
equipe a fim de prepararmos o programa do culto
dominical das l l h , o programa final da nossa Missão
de Testemunho Leigo em Wauwatosa. Queríamos
uma reunião memorável e planejamos algo diferente:
na parte final do culto, um pouco antes do apelo,
quando as pessoas são chamadas à frente para
entregarem sua vida a Cristo ou renovarem sua
dedicação, cada membro da equipe diria algumas
palavras sobre o que Jesu s significava na sua vida. Fui
designado para falar por último.
No término do culto, ao ouvir com lágrimas nos
olhos os testemunhos comoventes dos meus compa­
nheiros de equipe, concluí que havíamos tido um bom
fim de semana. Um fim de semana maravilhoso. Eu
estava grato especialmente pela oportunidade de
comunicar o evangelho de forma compreensível, e
por ter feito novos amigos, muito em especial os
Olingers. Chegada a minha vez de falar, comecei
contando uma pequena história sobre meus dias no
Canal do Panamá.
— Foi com o médico interno que realizei o meu
primeiro parto. Quem já teve a oportunidade de
assistir a um nascimento, sabe que o quadro não é
exatamente bonito. Os bebês quase sempre nascem
cobertos de sangue e de uma camada branca de cera
que os protegem durante a difícil passagem através do
conduto vaginal; às vezes o corpo do recém-nascido
está manchado e a cabeça disforme. Para falar a
verdade, fiquei bastante chocado a primeira vez que vi
tudo isso. Mas vocês sabem o que me causou a maior
impressão? Foi a reação da mãe.
— Digo isto porque, apesar daquele parto ter-me
parecido tão desagradável, apesar do sangue e das
manchas daquele corpinho, no momento em que a
criança chegou ao mundo e foi colocada nos braços
da mãe, ela foi amada. Eu nunca havia visto coisa
semelhante! E o mais marcante ainda foi o amor da
mãe, que transcendeu todas as imperfeições do bebê.
Fiz uma pausa, considerando o que ainda tinha para
dizer.
, Assim é o amor de Deus; não importa quão
’ sujos, quão feios sejamos, Deus nos ama. Com todas
as nossas falhas, nossas enfermidades e nossos defei­
to s— Deus nos ama. Ele nos ama de maneira tal que
ser humano algum o consegue. Tudo o que ele requer
de nós é que compreendamos seu grande amor para
conosco e, em resposta, o amemos.
Quando voltei para o meu lugar, foi feito o apelo.
“Eu venho como estou” , aquele belo e antigo hino
era tocado suavemente ao órgão enquanto algumas
pessoas deixavam seus lugares, encaminhavam-se
para a frente e ajoelhavam-se ante o altar de comu­
nhão. Em poucos minutos mais algumas pessoas
foram à frente, depois mais outras, até não haver mais
lugar.
Foi então que percebi Carl, ajoelhado, cabeça
baixa, na ponta esquerda do genuflexório; no lado
direito e na mesma posição estava Jack; no meio,
Dóris. Por um instante Ja ck olhou fixamente para o
filho e, vencido pela em oção, cruzou rápido a frente
do altar, e pai e filho se encontraram num grande e
afetuoso abraço. Por alguns momentos ficaram os dois
ali abraçados, reconciliados pelo amor de Deus.
Lágrimas encheram-me os olhos, pois eu estava
impressionado com a incrível semelhança entre essa
cena e a parábola do Filho Pródigo:
Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou
e, compadecido dele, correndo, o abraçou e
beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o
céu e diante de ti; já não sou digno de ser
chamado teu filho. O pai, porém, disse aos seus
servos: Trazei depressa a melhor roupa; vesti-o,
ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés;
trazei também e matai o novilho cevado. Coma­
mos e regozijemo-nos, porque este meu filho
estava morto e reviveu, estava perdido e foi
achado (Lucas 15:20-24).
Embora eu soubesse que Deus atuava na cura de
relacionamentos desfeitos, mesmo assim o seu poder
de transpor um abismo tão profundo como o que
separava Ja ck e Carl me surpreendeu. Parece que
Deus, em um final de semana, realizara o que meses e
anos de aconselhamento e terapia psiquiátricos jamais
teriam conseguido. Graças aos Olingers, conheci, de
um modo marcante, o poder do Senhor que transfor­
ma e dirige a vida daqueles que nele crêem. (Carl
abandonou as drogas e continuou os estudos; hoje ele
é engenheiro eletricista. Tão profundo foi o efeito do
Cristianismo na vida de Ja ck e Dóris, que eles se
apresentaram para o trabalho missionário no Equa­
dor, na região da bacia amazônica, onde Ja ck atua na
área de medicina.)
Fiz também outra observação valiosa durante meu
fim de semana em Wauwatosa. Quando em compa­
nhia de Ja c k eu fazia visitas no hospital, senti o poder
de cura da oração. (Mais tarde, vim a saber que a
mulher com câncer morreu, porém deixou o mundo
sem tristeza ou medo, e com uma fé significativa. A
filha se converteu e continuou levando uma vida
produtiva e feliz com o solteira. Minhas orações em
favor de outros dois pacientes foram respondidas
também de forma positiva.)
Ao voar de volta para Durham, convenci-me por
completo de que, mesmo com todas as inconveniên­
cias que porventura surgissem, era chegada a hora de
tentar integrar a minha fé — de cuja validade eu tinha
certeza — à minha profissão.
— Obrigado S en h o r— disse em voz baixa, no
momento que o avião tocava a pista de aterrissa­
g em — por tudo o que me ensinaste neste final de
semana. Ajuda-me agora a aplicar à minha profissão
aquilo que aprendi. Ensina-me a ser um médico
crente.
7
Tocar a Orla de
Suas Vestes

Era uma tarde chuvosa de verão e eu estava


sentado em meu consultório no hospital, aguardando
a entrada do próximo paciente. Embora minha visita
aos Olingers em Wauwatosa tivesse ocorrido poucas
semanas antes, parecia-me há mais de um século.
Lembrei-me, então, do meu entusiasmo original e
resolvi pôr em prática tudo o que havia aprendido
naquele extraordinário fim de semana.
Embora convencido da ajuda que a conversão e a
oração desempenhavam na cura, eu me sentia com
dificuldades, sem saber com o começar a integrar esses
princípios ao meu trabalho. Pacientes vinham e iam, e
eu não estava mais perto de compreender o que
significava ser um psiquiatra cristão.
Certos aspectos da minha vida também eram
escravos da rotina. Meu temperamento, em especial,
continuava a ser um problema. Apesar de eu lutar por
permanecer sereno em situações de grande tensão,
nos momentos mais inoportunos eu perdia o controle.
Esses repentes atrapalhavam muito os que trabalha­
vam comigo, tanto alunos como associados; porém, *
os que mais me aborreciam eram os que ocorriam em
nossa casa. Elizabeth tinha uma natureza paciente e
tolerante, e recentemente havíamos decidido orar
juntos por meu temperamento, na esperança de que,
com a ajuda de Deus, eu pudesse sèr curado.
Meus pensamentos foram interrompidos pela recep­
cionista.
— Naomi está aqui; o senhor pode atendê-la?
Naomi! A simples menção do nome da mulher
deixou-me tenso, frustrado e enfadado.
Naomi era uma mulher de meia idade que eu
atendia em meu consultório de quinze em quinze dias,
já fazia mais de ano. S eu problema era cólera
incontrolável, manifestada por um comportamento
hostil contra os homens, tanto no lar quanto no
serviço.
É provável que a origem do problema de Naomi
fosse o abuso sexual que sofreu do cunhado, quando
tinha cerca de doze anos de idade. Discutindo o
problema com os pais, não encontrou neles nenhuma
solidariedade ou ajuda; pelo contrário, foi erronea­
mente acusada de haver seduzido o cunhado. Com e­
çou, então, toda a amargura da vida dela.
Anos mais tarde Naomi se casou. Mesmo tendo dois
filhos e um esposo que muito a amava, ela ficou cada
vez mais frustrada ao enfrentar o caso de impotência
incurável e progressiva marido. A frustração de Naomi
transformou-se em ira — embora cuidadosamente re­
primida — e que ultimamente estourava em acessos
de fúria contra os homens associados com os negócios
de seu esposo. Alguns anos mais tarde, Naomi foi
trabalhar fora e descobriu que era inexplicavelmente
hostil para com os colegas de trabalho do sexo
masculino.
Por causa das suas explosões incontroláveis, Nao­
mi, aconselhada por seu médico, procurou um psi­
quiatra. Após várias sessões, foi-lhe recomendado a
psicocirurgia — um tratamento drástico que implica o
corte de algumas fibras cerebrais, considerada como
uma medida de último recurso. Naomi recusou.
Entretanto, viveu os vinte anos seguintes em angústia,
incapacitada pela ira e pelo horror de pensar que
estava louca.
Pouco tempo depois que Naomi passou aos meus
cuidados, percebi que eu não podería ajudá-la. En­
quanto lhe ouvia os problemas e me esforçava para
confortá-la, sua ira era tal que eu não via meios de
controlá-la.
Agora ela entrava em meu consultório: uma mulher
de aparência enganosamente doce, com um sorriso
bondoso e faces rosadas. De fato, Naomi era uma
pessoa encantadora.. . enquanto sua ira não fosse
tocada.
Agora, Naomi estava revoltada com seus colegas de
trabalho, por isso gastamos os primeiros trinta minutos
revendo tudo o que havia acontecido em seu serviço
desde a última vez que nos encontramos. Enquanto a
ouvia relembrar os erros inumeráveis — segundo di­
zia — cometidos contra ela, eu imaginava, aliás como
em todas as outras sessões, qual seria a chave para
curar-lhe a cólera. Como, perguntava a mim mesmo,
aplacar emoção tão arraigada e destrutiva?
Meditando nessa questão, ocorreu-m e que o
único caminho pelo qual Naomi pudesse ser curada
de sua cólera seria fazê-la, em seu coração, perdoar
as pessoas — reais ou imaginárias — as quais a
teriam ofendido durante anos. Ao mesmo tempo eu
sabia que a maioria das pessoas, em especial aque­
las tão nervosas com o Naomi, eram incapazes de
perdoar por suas próprias forças; o poder de per­
doar vem exclusivamente de Deus. Aqui estava
minha resposta! A fim de receber forças para per­
doar e ser curada, Naomi precisava de Deus.
Tudo parecia tão simples. Todavia, dentro dos
limites do meu consultório — suas paredes decoradas
com diplomas e vários certificados por mérito profis­
sional — tal aproximação parecia improvável, embora
esse remédio fosse melhor que qualquer outro já
tentado por mim anteriormente. Na verdade, era tudo
o que eu tinha para oferecer.
— Naomi — interrompi-a com voz baixa.
Ela olhou-me curiosa.
— Diga-me uma coisa — respirei fundo. — Você é
cristã?
— Claro! Eu vou à igreja todos os domingos.
— Disse ela quase indignada.
— Você tem um relacionamento pessoal com J e ­
su s?— perguntei. — A fé que você nele deposita
ajuda-a de uma maneira real?
Por uns instantes Naomi ficou em silêncio. Depois,
com voz baixa, respondeu: — Eu acho que não.
— A razão por que lhe faço estas perguntas é saber
se há, dentro de você, poder para libertá-la da ira. A
única maneira de eu ajudá-la, é levá-la ao ponto de
perdoar todas as pessoas contra as quais você está
irada, não só aquelas mencionadas hoje, mas todas
aquelas do passado também. Você percebe o quanto
esse seu ressentimento e amargura para com essas
pessoas mantêm você escrava de sua própria angús­
tia?
Naomi, entre lágrimas, concordou balançando a
cabeça.
Continuei explicando que o único meio de encon­
trar poder para perdoar seria aceitar a Jesus e deixar o
Espírito Santo vir e entrar em sua vida.
— Perguntei-lhe alguns minutos atrás sobre o seu
relacionamento pessoal com Jesus. Você respondeu
negativamente — . Fiz uma pausa, quase não acredi­
tando no que estava prestes a perguntar. — Você
gostaria de receber a Jesus?
Naomi permaneceu calada por alguns instantes.
Então, com uma grande esperança transparecendo na
voz, respondeu chorando:
— Oh, sim, Dr. Wilson, eu gostaria muito!
Por acaso eu tinha na gaveta da escrivaninha um
folheto intitulado Quatro Leis Espirituais, distribuído
pela Cruzada Estudantil para Cristo, o qual apresenta­
va quatro passos fundamentais, baseados nas Escritu­
ras, para se tomar um cristão.
Lemos juntos o folheto, passo a passo, até o fim.
Depois de ler silenciosamente a oração final, ela
mostrou o desejo de repeti-la comigo em voz alta.
“Senhor Jesus, eu preciso de ti. Obrigada por
morreres na cruzpor meus pecados. Abro as portas da
minha vida e recebo-te como meu Salvador e Senhor.
Obrigada por perdoares meus pecados e pela vida
etema. Controla a minha vida. Faze de mim a pessoa
que gostarias que eu fosse."1
— O que quero saber — disse ela com um sorriso
depois de haver terminado, guardando o folheto na
bolsa — é por que ninguém me falou sobre Jesus antes.
A partir daquele dia Naomi começou a mudar de
uma maneira espetacular. O perdão, sem dúvida,
provou ser o ponto chave para curar-lhe a ira; e,
durante muitas sessões após sua conversão, explora­
mos seu passado, procurando trazer-lhe à memória
todos aqueles que a magoaram, intencionalmente ou
não, e assim ela perdoou um a um. Foi um processo
consciencioso, mas Naomi foi finalmente curada. Dali
para a frente nunca mais a ira e a fúria atormentaram-
-lhe a vida emocional. Nunca mais teve problemas
com os homens no trabalho. Melhor que tudo, um
amoroso relacionamento entre Naomi e o esposo foi
restabelecido, e o casamento foi salvo.
0 caso de Naomi representou um acontecimento
decisivo na minha busca para integrar minha fé com o
trabalho. Não só iria confirmar minha convicção
crescente de que a regeneração do espírito por meio
da conversão não era apenas útil, mas necessária à
cura, como também demonstrou o efeito benéfico da
oração com o um instrumento na terapêutica. Desse
dia em diante, sempre tenho tido o cuidado de orar
com meus clientes e em seu favor; quando não o faço
em voz alta na presença deles, faço-o em silêncio.
Outra razão por que o caso de Naomi me impressio­
nou foi a similaridade com o meu próprio problema.
S e Naomi pôde ser curada da sua cólera —- muito
mais profunda, muito mais arraigada e destrutiva que
a minha — por que não podería eu?
Algumas semanas após a conversão de Naomi,
encontrei a resposta que procurava.
Elizabeth, eu e seis crianças, três nossas e três de
amigos, íamos em nossa perua de Durham para Red
Bank, no Tennessee, para mais uma Missão de
Testemunho Leigo. Perto de Asheville, Carolina do
Norte, parei num posto de gasolina.
— Encha o tanque — disse para o empregado — e
gostaria que limpasse o pára-brisa também.
Pensei que ele não me tivesse ouvido, tão alheio
estava em sua fisionomia. Colocando a mangueira de
gasolina no tanque do carro, ele voltou como um
velho pano e um frasco plástico com líquido de
limpeza. Eu o observava enquanto ele passava descui­
dadamente o pano no pára-brisa, deixando longas
listras escuras. Eu já estava ficando irritado. Nunca fui
muito tolerante com mediocridades. Sou o tipo de
pessoa que espera dos outros um bom serviço, seja o
técnico de laboratório numa leitura eletroencefalográ-
fica ou o empregado de um posto de gasolina
limpando um pára-brisa.
Abaixando o vidro da minha janela e indicando com
a mão o pára-brisa ainda sujo, falei: — Hei, já que
você está nesse trabalho, por que não o faz bem feito?
Embora minha voz soasse um tanto sarcástica, eu
não esperava uma resposta.
— Você quer um serviço bem feito? — resmungou.
— Então você mesmo o faça— . Atirando o trapo sujo
numa lata de lixo, desapareceu por trás do carro.
Apesar de sentir meu rosto arder de raiva, esforcei-
-me por ficar calmo. Não podia deixar que esse
empregado mal-humorado me irritasse. Não queria
fazer uma cena para as crianças e Elizabeth.
Armando-me com todo o meu domínio próprio,
paguei sem dizer uma palavra, retomei a estrada e
tentei esquecer o incidente.
Chegando a Red Bank, paramos em outro posto e
descobri que o tanque de gasolina estava sem a
tampa. O atendente em Asheville não a tinha apertado
bem, ou deliberadamente deixara de recolocá-la após
encher o tanque. Aceitando a segunda hipótese, fiquei
furioso, tão furioso que o incidente quase me arruinou
o fim de semana. Compramos outra tampa, que não
se ajustava muito bem, e cada vez que eu olhava na
direção do tanque minha fúria aumentava. No final da
viagem decidi que na volta eu faria uma parada em
Asheville somente para reclamar a tampa de gasolina,
que eu tinha certeza estava com o empregado.
Quando paramos no posto e vi o homem me
olhando inocentemente, meu coração começou a
bater com mais força. Para surpresa minha, ele
pareceu não me reconhecer.
— Que é que há? — perguntou.
— Que é que há? — retruquei. — Suponho que
você saiba algo a respeito da minha tampa de
gasolina!
— Quê? — respondeu ele admirado, como se não
soubesse do que eu estava falando.
— Minha tampa de gasolina, aquela que você não
apertou direito quando paramos aqui dois dias atrás.
Aquela que perdemos e tivemos de repor — disse
asperamente.
— Desculpe-me senhor; não sei de que está falan­
do. Seria melhor o senhor se acalmar antes que tenha
um enfarte.
— Acalmar-me? — gritei — Acalmar-me?! — abri a
porta e desci do carro. — Onde está o gerente? Quero
falar com ele.
— Desculpe senhor, mas ele não está— respon­
deu.
— Não está? — gritei. — Então chame o proprietá­
rio! Quero falar com ele.
— Desculpe senhor; nem mesmo sei o nome do
proprietário.
A esta altura Elizabeth já havia descido do carro e se
encontrava de pé ao meu lado.
Puxando-me pela manga da camisa, ela disse:
— Bill, por favor, vamos. Por favor, não fique
nervoso. Não vale a pena.
Furioso, desprendí meu braço.
Vendo um nome escrito no alto da porta do posto,
pensei que fosse o do proprietário. Decidido a telefo­
nar para ele, encaminhei-me até uma cabina telefôni­
ca ali perto, procurei o número do telefone, e fiz a
ligação. Ele também não quis ajudar.
Quando colocava o fone no gancho, ainda consu­
mido pela ira, parei de repente, em silêncio, ao ouvir
aquela voz calma e suave que eu sabia ser a voz de
Deus.
— Olhe para si mesmo — disse ele, não de maneira
acusativa, mas em tom de grande desapontamento.
— Simplesmente olhe para si mesmo.
Eu sei, Senhor — respondi. — Realmente fiquei
louco e fiz isso de novo, não foi?
Ele nada disse.
Humilhado, voltei para o carro. Exausto e abalado,
dei partida e saímos.
O único som que se ouvia era o do motor e dos
pneus na pista. Ninguém falava, temendo a minha
reação. Eu dirigia naquele silêncio cheio de tensão, e
ficava cada vez mais perturbado. Como um nadador
apanhado pela contra-corrente, eu me via como que
sendo afogado pelo peso esmagador do remorso e da
vergonha do meu comportamento. Era a mesma
velha história. Uma vez mais meu temperamento
havia levado a melhor. Quando isso terminaria?
‘‘Sinto muito, Senhor; lamento realmente.” Orei
silenciosamente.
Assim que as palavras me passaram pela mente,
percebi que era a primeira vez que me desculpava
ante Deus por meu mau temperamento. Antes eu
podería ter expressado minhas desculpas às pessoas a
quem tivesse ofendido; mas diante de Deus nunca!
Durante as três horas seguintes, continuei orando
até que, de repente, ao entrar na interestadual 8 5 , já
perto de nossa casa, experimentei uma tremenda
sensação de alívio, de transform ação e de purifica­
ção. Ao mesmo tem po um sentimento de esperança
e de novos propósitos para o futuro se apossou de
mim. Eu havia sido perdoado.
Assim com o Naomi, mediante o poder do perdão
de Deus, eu me encontrava nos primeiros estágios de
libertação do meu temperamento. Eu sabia que era
cedo para dizer que nunca mais perdería o controle de
minhas em oções, mas também sabia que doravante
minhas explosões seriam menos freqüentes e menos
intensas, tendendo a desaparecer.
No restante do caminho para casa, continuei oran­
do, agradecendo a Deus a cura operada em mim, e os
meios que ele me ensinara para aplicar aos outros
tudo o que eu vinha aprendendo. Embora eu perce­
besse que tudo o que havia aprendido sobre o poder
de curar e sobre o amor de Deus não passava de um
simples toque à orla de suas vestes, por assim dizer,
tudo estava bem para mim. Afinal, era um começo.1

1 Usado com perm issSo. Copyright e Cam pus Crusade for Christ, Inc., 1 9 6 5 .
Direitos reservados.
Um Médico C rente

Primavera de 1972. Sete anos haviam-se passado


desde a minha experiência de conversão no lago
Basswood. Durante muitos meses continuei procuran­
do realizar a integração do Cristianismo com a psiquia­
tria, porém com resultados insatisfatórios. Conquanto
soubesse que minha teoria sobre o Cristianismo fosse
válida e benéfica à saúde mental, receava discutir o
assunto com meus colegas por causa da minha falta de
evidência empírica. Mais ainda, eu tinha medo de ser
completamente excluído como um verdadeiro malu­
co.
Nunca minha covardia nesse assunto havia sido
posta em evidência quanto em uma tarde fria de
sábado, em Chicago, algumas semanas a n tes.. .
Em meados do inverno de 1972, eu atuava como
supervisor em uma Banca de Examinadores para
selecionar candidatos ao diploma em neurologia e
psicologia no Instituto de Psiquiatria de Illinois. Como
é de costume nessas ocasiões, os médicos participan­
tes tomam as refeições juntos e passam o tempo em
conversações de caráter profissional.
Naquele sábado em particular, enquanto almoçáva-
mos com vários psiquiatras proeminentes, não sei
como, entramos no assunto de religião. Para desapon­
tamento meu, o consenso geral desse distinto grupo
de psiquiatras era que “fé em Deus ou em Jesus é
uma ilusão; quem crê nisso é louco” .
Não ! Meu impulso foi saltar do meu assento e gritar:
Não é verdade! Deus existe! E!e é real! Ele cura! Mas,
censurado por meu próprio medo, calei-me. Final­
mente, sem conseguir permanecer ali por mais tempo,
desculpei-me e saí do restaurante para dar um passeio
a pé.
“Senhor>’, orei, tentando afastar as lágrimas provo­
cadas tanto pelo meu estado emocional como pelo
forte vento de inverno. “Dá-m e a coragem necessária
para compartilhar com os outros aquilo que sei ser a
verdade sobre tua realidade e teus caminhos. Ajuda-
-me a obedecer-te neste particular, não por temor ou
obrigação, mas pelo amor que a ti devoto. Senhor,
quero ser obediente; para isso, preciso da tua ajuda.
Mostra-me o que queres que eu faça”. Terminada a
oração, mais uma vez meu espírito teve consciência da
voz calma e suave de Deus.
— Que é que você faz melhor? — perguntou ele.
— Ensinar e fazer pesquisas — respondí.
— Então vá e faça essas coisas para minha gló­
ria!— disse ele.
Com essa ordem ressoando em minha mente, voltei
ao ponto de partida. De alguma forma eu teria de
encontrar um meio para comunicar aos meus colegas
de profissão, pacientes e alunos, que o Cristianismo é
benéfico à saúde mental. Não mais a perspectiva de
fazer isto me intimidaria. Não mais me importaria com
o que outros pensassem a respeito. Assim, minha
preocupação se dissipou como a neblina da manhã.
Arregacei as mangas e comecei a trabalhar.
Para começar, eu sabia ter de pesquisar cuidadosa­
mente tudo o que havia sido documentado sobre a
intervenção restauradora de Deus, desde as informa­
ções populares até às poucas referências da literatura
médica. Com renovado interesse, revi meu próprio
esforço e tentativa nesta área amplamente inexplora­
da, especialmente na pesquisa que havia feito no ano
passado com a ajuda de Jim Timmons, um estudante
do quarto ano de medicina. Jim , um cristão, também
interessado em integrar sua fé à carreira profissional,
pedira para trabalhar comigo como clínico facultativo.
Juntos, pesquisamos sobre a vida religiosa de trinta
pacientes. Dez sofriam de depressão, dez de câncer
inoperável e dez eram alcoólatras. Depois de inquirir
deles sua história religiosa e gastar um tempo conside­
rável com entrevistas, fizemos várias observações
interessantes.
Começamos nosso estudo com os alcoólatras. O
primeiro entrevistado, um operário obeso, de rosto
vermelho, trazia visíveis as profundas marcas de
grande sofrimento interior. O homem descreveu-nos
com detalhes a extensão do seu vício e como havia ele
contribuído para o mau trato dos filhos e da esposa, e
o levado ao adultério e à perda de seus salários em
jogos de azar. Descreveu sua vida religiosa como
inexistente. Quando terminamos a entrevista, voltei
atrás e resumi para ele o alto preço que o alcoolismo
havia cobrado de sua vida. Para meu assombro, o
homem começou a soluçar. Ao recobrar a compostu­
ra, admitiu estar desesperado. Embora soubesse que
as coisas que havia feito eram moralmente erradas,
sentia-se incapaz de controlar sua conduta. Para os
nove alcoólatras restantes, a história foi mais ou
menos a mesma.
Jim examinou os pacientes de câncer por conta
própria. Voltou das entrevistas relatando que vários
pacientes eram cristãos regenerados. A atitude destes
em relação à doença ameaçadora era bem diferente,
quando comparada com a dos cristãos nominais ou
culturais, ou daqueles que de modo geral não pos­
suíam fé. Os crentes pareciam estar psicologicamente
mais bem preparados para enfrentar tal situação. Não
se desesperavam diante da morte porque criam e
confiavam na vida futura.
Finalmente, Jim e eu entrevistamos os pacientes
deprimidos. Muitos deles sofriam depressão de origem
biológica. Este tipo de depressão também é conhecido
como um desajuste afetivo ou a depressão média da
moléstia maníaco-depressiva. É causada por uma
provável disfunção bioquímico-fisiológica do cérebro.
Alguns sofriam depressão neurótica. Este tipo de
depressão, uma reação exagerada aos estímulos da
vida, é geralmente causada por pais que, intencional­
mente ou não, ensinam seus filhos a reagirem de tal
forma. Entretanto, três dos pacientes sofriam de um
tipo diferente de depressão. Estes estavam seriamente
deprimidos porque suas vidas não tinham significado e
sentiam-se presos em sua sensação de falta de propó­
sito. Embora considerasse a depressão existencial
benigna como uma doença comum às pessoas de
'sucesso, eu não sabia que poderia tomar-se tão grave
a ponto de levar as pessoas a desejarem suicídio.
Na minha busca contínua de informações, os livros
de Paul Toumier, eminente psiquiatra cristão suíço,
foram-me de grande valia, mas não respondiam a
todas as minhas questões. A obra de Quentin Hyder,
um psiquiatra da cidade de Nova York, também
cristão, acrescentou mais esclarecimentos, mas ainda
não me deixou plenamente satisfeito. Passado um
ano, na primavera de 1973, recebi uma carta que dizia
mais ou menos assim:
Prezado Dr. Wilson,
Sou um jovem estudante de medicina do
terceiro ano da Universidade de Temple, na
Filadélfia. Quero ser um psiquiatra cristão. Have-
rá possibilidade de trabalharmos juntos?
Em Cristo,
Dave Larson
Escrevi imediatamente a Dave, convidando-o a
passar o verão trabalhando comigo, mas ele já tinha
um compromisso na Filadélfia. Contatos posteriores
levaram-no a aceitar a vir, a título de experiência, na
primavera seguinte. Devido aos gastos da transferên­
cia, convidei-o para ficar em nossa casa durante as
doze semanas que permanecería em Duke. Ele acei­
tou, e esperei sua chegada com impaciência.
Desde o momento que Dave chegou, nossos filhos
o adotaram como irmão. Dave era um escandinavo
alto, musculoso, olhos claros e de uma energia
ilimitada. Sociável e entusiasta, ajudava as crianças
nas tarefas escolares, brincava com os pequenos e
compartilhava sua profunda fé de modo amoroso e
natural. Essas características, somadas ao conheci­
mento bíblico de Dave, enriqueceram imensamente as
nossas vidas.
No trabalho, Dave também sobressaía, excedendo
as expectativas. Depois de entrevistar cuidadosamente
o paciente, ele me procurava com pergunteis perspica­
zes, perguntas essas que no futuro me desafiariam a
decidir como melhor integrar o Cristianismo com a
psiquiatria. Nessa ocasião eu tinha um número cres­
cente de pacientes cristãos com problemas psiquiátri­
cos. As perspicazes perguntas de Dave concernentes a
esses indivíduos resultavam em longas discussões e,
finalmente, na formulação e reformulação de teorias
para um sistema único de psicoterapia cristã.
Durante nossas conversas, Dave e eu percebíamos
mais e mais a necessidade de um ponto de partida.
Desde o começo eu entendia que a psicoterapia cristã
só podería existir a partir do conhecimento de que há,
de fato, um Deus onipresente e onisciente, o qual se
revelou à humanidade por meio de seu Filho Jesus
Cristo e da sua palavra, a Bíblia, e que pode revelar-se
ainda hoje por meio do Espírito Santo. É natural que
tal pressuposição implica que, para a pessoa que não
crê nem aceita os fatos acima, a psicoterapia cristã
parecerá, na melhor das hipóteses, uma ilusão, e na
pior, uma farsa. Mas isso já estava previsto. Na carta
de Paulo aos Coríntios, ele escreveu: “Certamente a
palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas
para nós, que somos salvos, poder de Deus” (1 Corín­
tios 1:18). Eu mesmo não tive escolha senão aceitar a
realidade do poder restaurador do amor de Deus. Eu
havia testemunhado sua eficácia muitas vezes, quer
em minha própria vida, quer na de outros, para chegar
a outra conclusão.
Também era evidente que se eu esperava estabelecer
um verdadeiro sistema de psicoterapia cristã, não pode­
ría começar tomando várias dinâmicas cristãs (como:
conversão, arrependimento, confissão, perdão etc.) e
tentar “dar-lhes validade” de acordo com sua correlação
com o conhecimento psiquiátrico da época. Esse méto­
do seria nada menos que um absurdo, visto que todo o
conhecimento científico está em constante mudança e
evolução. Ao contrário, supondo que Deus seja a fonte
imutável de toda perfeição e todo conhecimento, o que
eu teria de fazer era: 1) Determinar o ponto de vista de
Deus quanto à natureza humana (em comparação com
o ponto de vista humano e suas muitas interpretações), e
2) Tendo a Bíblia por base, construir uma estrutura
bíblica com a qual pudéssemos relacionar e validar
verdades seculares advindas da medicina, da psiquiatria,
da psicologia, da sociologia, da antropologia e da outras
ciências afins.
Definir a natureza do homem sob o ponto de vista
divino, de acordo com a Bíblia, não foi uma tarefa
fácil. Dave e eu passamos longos dias e longas noites
pesquisando as Escrituras e comparando os resultados
com o conhecimento médico e psiquiátrico atual.
Após muita busca, concluímos que a natureza huma­
na, aos olhos de Deus, possui três dimensões: Corpo,
alma, e espírito. Na carta de Paulo aos Tessalonicen-
ses, ele escreve: “O mesmo Deus de paz vos santifique
em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam
conservados íntegros., . ” (1 Tessalonicenses 5:23).
Este conceito tridimensional do homem era bastante
interessante, já que a definição clássica científica do
homem apresenta-o com o um ser bidimensional ou
biopsicológico, desprezando as considerações a res­
peito do espírito humano.
Com o médico, eu estava bem familiarizado com o
corpo humano. O corpo é mais do que a casa onde
moramos. É também caracterizado por instintos bioló­
gicos, com o o sexo, o sono, o apetite. Paulo refere-
-se a esses impulsos com o “a carne” . Conquanto se
saiba que tais impulsos involuntários podem ser mais
ou menos inibidos, é com grande dificuldade que
serão dominados completamente. O corpo está, natu­
ralmente, sujeito às doenças, ao envelhecimento, e,
por fim, à morte.
Ao investigar a alma humana, a princípio Dave e eu
encontramos dificuldades. J á sabíamos que os livros
de estudo de psiquiatria e psicologia não usavam essa
palavra; até em certos meios teológicos o conceito de
alma tem sofrido um eclipse parcial. Psiquiatras e
psicólogos preferem usar o termo psique, ou os termos
freudianos ego e superego, ou ainda um termo mais
vago como “eu” . Sir Jo h n Eccles, famoso neurologis­
ta australiano, prefere o termo psique. Historicamente,
o mais destacado psicólogo e pensador moderno a
considerar a alma foi Carl Jung. Mas em suas conside­
rações ele jamais definiu especificamente ao que se
referia quando usava o termo. Há quem afirme que
Jung considerava os termos alma e psique como
sinônimos.
Havería, então, validade nesse aparente abandono
do conceito de alma? Ou podería, de fato, a alma ser
definida? Após muita investigação, concluí que a alma
pode ser definida. No final do século passado, o
reverendo Henry Lincicome fez uma relação das
faculdades encontradas na alma humana, as quais
facilmente se traduzem aos conceitos modernos de
psicologia. As mais importantes são: 1) emoções; 2)
intelecto, incluindo memórias e as emoções que elas
evocam; 3) valores que tenhamos aprendido; e 4)
habilidades cognitivas ou de raciocínio. Qualquer
psiquiatra concordaria que são estas características
que formam a “psique” ou o “eu” , ou, como prefiro
chamá-la — a alma. Assim como o corpo, a alma está
sujeita à enfermidade. A esse tipo de enfermidade
comumente denominamos doença mental, cuja ori­
gem é psicológica e não biológica.
Até aqui, tudo bem. Mas que dizer do espírito do
homem? Raras vezes Dave e eu conseguimos encon­
trar na literatura científica algo que, mesmo de longe,
fizesse alusão a esta terceira dimensão do homem.
Entretanto, era importante para nossos fins tentar
definir o espírito e determinar se, assim como o corpo
e a alma, ele também está sujeito à enfermidade.
Faz alguns anos, o psicólogo Joseph Jastrow obser­
vou que dentro da vida animal existe um impulso ativo
chamado o élan vitale, ou instinto de vida. É este
instinto que confere vida a todos os organismos vivos,
especialmente aos animais. É esta força que ativa os
cflios de um paramécio ou cria “redemoinhos” e fluxo
no protoplasma. É esta força que induz a migração dos
pássaros e impulsiona o homem a explorar o sistema
solar. E mais, esta força de vida produz um tônus —
um estado emocional interno, que pode ser neutro,
agradável ou desagradável. Esta força de vida, ou
espírito, como prefiro chamá-la, tem influência sobre
cada função mental. Neste sentido, sua influência
sobre os pensamentos e a conduta humana é ainda
mais fundamental que os próprios instintos biológicos.
Talvez a descoberta mais importante tenha sido a de
que, assim com o a alma e o corpo, o espírito também
está sujeito a enfermidades. Começamos a descobrir
que há doenças que se originam no espírito e que há
outras que afetam o espírito de maneira secundária.
Como não havia nada na literatura da época que
enfocasse a patologia espiritual, podíamos somente
formular hipóteses a respeito. Entretanto, mais tarde,
aprendi que entre as doenças que se originam no
espírito, contam-se o alcoolismo e a depressão exis­
tencial. A depressão (ou desespero) existencial pode
ocorrer sob três formas: 1) desespero de significado
(uma sensação de falta de objetivo na vida); 2)
desespero moral (desespero que advêm de deixar de
se aderir a um sistema de valores); e 3) desespero da
morte. Numa espécie de círculo vicioso patológico,
estas são as mesmas enfermidades que afetam o
espírito de maneira secundária. Deve-se notar que é
por meio da conversão, quando a pessoa recebe o
Espírito Santo, que mais amiúde pode realmente ser
curada dessas doenças.
Muito embora Dave e eu tivéssemos agora definido
uma visão bíblica tridimensional do homem, outros
três termos ainda restavam para ser definidos: mente,
vontade, e coração.
Uma pesquisa exaustiva, na Bíblia e na literatura
científica secular, revelou que a mais coerente defini­
ção de mente é que ela é a parte não corpórea ou
sobrenatural do homem, incluindo os instintos biológi­
cos, a alma (ou psique) e o espírito — mais a qualida­
de capacitadora da vontade. A vontade, para ser
melhor definida, é a função combinada do espírito e
da alma. O termo bíblico “coração” é um vocábulo
coletivo para todas as diversas em oções humanas.
Havendo definido a visão divina tridimensional do
homem, e havendo resolvido de maneira satisfatória a
terminologia relacionada, fui finalmente capaz de
determinar um sistema único de psicoterapia cristã,
por meio do qual obtivemos resultados notáveis e
excelentes com muitos dos meus pacientes. (Veja a
segunda e a terceira parte deste livro). Finalmente,
mediante técnicas sofisticadas de pesquisa, pude co­
meçar a colecionar dados que serviríam para docu­
mentar que o Cristianismo de fato não é prejudicial,
mas benéfico à saúde mental.
As notícias de minha pesquisa e o êxito com casos
até então considerados sem esperanças, espalharam-
-se rapidamente. Com o tempo, os colegas estavam
passando por meu consultório para conversar acerca
do meu método de terapia. Escolas Médicas e organi­
zações profissionais começaram a convidar-me para
discorrer sobre a psiquiatria cristã. Contudo, o fato
mais marcante foi a procura por parte de muitos
alunos meus, para que eu lhes ensinasse tudo o que
eu havia aprendido. E com o resultado, comecei a
promover um curso facultativo chamado: “Cristianis­
mo, Medicina e Psiquiatria” , que se tomou muito
popular. Isto, contudo, veio a ser apenas o primeiro
passo em direção ao meu alvo final.
Em 1 9 7 6 implantamos, na Universidade Duke, um
programa de Cristianismo na medicina, que oferecia
um estudo amplo, oportunidades para pesquisa super­
visionada e experiência em aconselhamento neste
campo emocionante. A procura foi tal que, quase cem
alunos, de vinte diferentes escolas de medicina, de­
vem ter completado o curso no final do ano escolar de
1 9 8 3 -1 9 8 4 .
Eis uma citação do folheto do Programa:
O Cristianismo é o único sistema religioso que faz
de toda a humanidade o objeto de preocupação de
cada pessoa. Seu interesse maior está no bem-estar
e na integridade de cada h om em .. .
No mundo atual, onde a tecnologia moderna tem
feito tantos progressos mecânicos, a educação e a
prática médica têm perdido a visão de suas origens
espirituais. A preocupação com o profissionalismo
tem amiúde substituído a preocupação com o ser
humano; a atenção para a técnica e o processo têm
superado a atenção ao ser humano e seus senti­
mentos; e em algum lugar ao longo do caminho, a
palavra amor foi tirada dó vocabulário médico.
Existe, pois, uma necessidade de reintroduzir e
enfatizar os aspectos positivos do cuidado e amor
cristão na medicina. Os jovens médicos cristãos
devem ser encorajados na prática da medicina
cristã — servindo, assim, como o fermento neces­
sário para todas as áreas do mundo médico.
Deve ficar entendido que eu não me considero o
único inovador no campo da psiquiatria cristã. Outras
pessoas dedicadas e perspicazes foram pioneiras mui­
to antes que eu. Mas é emocionante compartilhar com
elas, e com você, esta descoberta maravilhosa e a
minha convicção de que a religião e a psiquiatria
podem, realmente, trabalhar unidas na recuperação
de vidas desfeitas.
SEGUNDA PARTE

QUANDO A
SALVAÇÃO NÃO
É SUFICIENTE
A CH AVE PA R A A INTEIREZA:
A PSICO TER A PIA C R ISTÃ
A Chave P ara a
Inteireza:
A Psicoterapia Cristã

O título desta seção indica que a psicoterapia cristã


existe e que difere significativamente dos métodos
terapêuticos seculares. Um leitor casual da literatura
sobre a psicologia cristã ou aconselhamento pastoral
pode não se convencer de que existe uma forma cristã
bem distinta de psicoterapia, pois muitos terapeutas
cristãos usam somente métodos seculares. S ão poucos
os escritores dessa literatura que tomam a Bíblia como
base e apresentam uma técnica de aconselhamento
apoiada nos ensinos bíblicos. E é justamente dos livros
e artigos desses poucos escritores e do meu próprio
trabalho, que eu tenho procurado determinar o que
especificamente constitui a psicoterapia cristã.
Correntes atuais de psicoterapia
uma breve análise
Os psiquiatras atuais têm muitos instrumentos sofis­
ticados com os quais trabalham no tratamento da
doença mental, sendo dois deles as drogas e o choque
elétrico. Entretanto, a psicoterapia é mais conhecida
pelo público leigo e é certamente também a que
alcança a maior atenção. Sem dúvida, por muitos
anos fazer terapia era estar na moda. Quase todo
mundo, às vezes, gosta de bancar o terapeuta para
amigos e família, valendo-se da recente popularidade
dos livros de auto-ajuda.
Nos círculos científicos, as categorias e controvérsias
de vários sistemas de psicoterapia também são gran­
demente , confusas. Em uma recente revisão dos
métodos usados corretamente, T. B. Karasu, psicana­
lista da Escola de Medicina Albert Einstein na cidade
de Nova York, relacionou no mínimo 1 4 0 delas, que,
por sua vez, são diferentes entre si. Após discutir cada
uma, Karasu conseguiu reduzi-las em três grupos
básicos: 1) dinâmico; 2) comportamental; 3) experi­
mental.
Para se compreender bem a natureza da psicotera­
pia cristã, é-nos importante um conhecimento dos três
grupos básicos apresentados por Karasu, brevemente
descritos com o segue:
Os dinamistas abraçam os conceitos de origem
freudiana. A ênfase maior deles é a repressão sexual.
Creem que toda doença mental é causada pelo
conflito entre os desejos e os impulsos sexuais incons­
cientes do passado. Afirmam que a saúde m en tal;
depende da solução desses conflitos.
Os que defendem a teoria comportamental dão
ênfase à ansiedade. Supõem que todo comportamen­
to humano, saudável ou não, é adquirido; para eles a
doença mental é o resultado do excesso ou deficiência
do comportamento que tem sido reforçado pelo meio
ambiente. Os comportamentalistas afirmam que um
indivíduo experimenta saúde mental quando há au­
sência ou redução da ansiedade.
Os experimentalistas enfatizam a alienação. Defi-
nem doença mental como desespero existencial, frag­
m entação da personalidade e não aceitação das
próprias experiências. Estes definem saúde mental
com o “auto-afirmação” , que é o catalisador do cresci­
mento pessoal.
Visto que os proponentes dos diferentes grupos de
psicoterapia tendem a valorizar demais certos aspectos
dos seus métodos, é difícil determinar onde ficam os
méritos e onde estão realmente as diferenças significa­
tivas. Com isso em mente, Karasu adotou o método
de atribuir a cada sistema de análise vários componen­
tes específicos, dando assim certa ordem ao caos. Este
método também proporciona uma estrutura-modelo,
dentro da qual sistemas diferentes de psicoterapia
podem ser objetivamente comparados e avaliados.
Esta é a estrutura que tenho usado para formular o
seguinte enfoque da psicoterapia cristã.
O homem aos olhos de Deus
Como mencionei anteriormente neste livro, o ponto
inicial ou fundamental de todas as psicoterapias é um
conceito da natureza do homem. Para resumir, a
Bíblia ensina que o homem se compõe de três
dimensões: corpo, alma e espírito.
“O mesmo Deus de paz vos santifique em
tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam
conservados íntegros e irrep reen sív eis.. . ”
(1 Tessalonicenses 5:23).
Infelizmente, parece que a maior parte dos terapeu­
tas modernos possuem uma compreensão um tanto
limitada da natureza do homem e dos fatores que
determinam o seu comportamento. O maior esforço
secular feito até hoje, para formular um conceito da
natureza humana, foi o realizado por Sigmund Freud.
Ele a dividiu em três partes: 1 ) 0 id (impulsos sexuais
primários), 2) O ego (a parte da psique que sente o
mundo externo e conscientemente controla os impul­
sos do id), 3) O superego (a parte da psique que
controla inconscientemente os impulsos do id). O
conceito de Freud ignora por completo a dimensão
espiritual da natureza humana, e inclui apenas idéias
incompletas do corpo e da alma.
Os que defendem a tese comportamental oferecem
um conceito ainda menos abrangente, pois reconhe­
cem somente a alma. Como acreditam que todo
comportamento é adquirido, o que fazem com os
impulsos biológicos físicos, e com o espírito, não é
claro ou explicado; no mínimo pode-se dizer que
admitem a existência do corpo e do espírito, mas
negam a sua importância.
Os experimentalistas, por sua vez, enfocam o mo­
mento experimental — no “ser” humano no presen­
te. Isto podería ser considerado uma ênfase “espiri­
tual” primária, mas também tende a excluir quase que
totalmente a importância da alma e do corpo.
Paul Tournier, por muitos considerado deão dos
psicoterapeutas cristãos, tem baseado seu método de
aconselhamento no ponto de vista global do homem.
Ele prefere interpretar o homem biblicamente, e
admite que a natureza humana consiste em três
dimensões: corpo, psique, e mente. De acordo com
Toumier, o corpo inclui instintos, apetites e funções
fisiológicas. Ele envelhece, adoece, e morre. Psique é
a dimensão do homem que experimenta emoções e
pode imaginar coisas. Mente é a dimensão que pensa,
raciocina, resolve e ocupa-se de idéias abstratas.
As idéias de Toumier diferenciam-se em muitos
detalhes da? de outros escritores cristãos, mas o maior
problema que eu vejo é sua falha em relação ao
homem, por não incluir a importantíssima dimensão
do espírito, ainda que ele esteja ciente do sobrenatural
e dê ênfase à sua função. Contudo, as teorias e
técnicas de Toumier têm tido uma profunda influência
no campo da psicoterapia cristã, principalmente, creio
eu, porque ele reconcilia conceitos seculares e bíblicos
de tal forma que revela as verdades essenciais de
ambos.
O homem, contudo, tem um espírito.
E é neste nível que Deus se comunica com o
homem, e o homem com Deus. Como já mencionei
anteriormente, só os experimentalistas levam em
conta a possível existência de um agente motor, o qual
percebem como alguma vaga consciência universal.
Ao contrário, a psicoterapia cristã baseia-se no conhe­
cimento exato de que o agente motor realmente existe
e é mais do que uma vaga consciência. Ele é Deus,
aquele que há dois mil anos manifestou-se na terra na
forma de seu Filho, Jesus Cristo. Este Jesus morreu,
foi ressuscitado e, depois de voltar ao Pai, enviou seu
Espírito Santo para revelar a verdade aos crentes, dar-
-lhes poder e enchê-los com um amor ativo por seu
próximo.
O homem experimenta a Deus de duas maneiras.
Primeiro, através do Espírito Santo.
“Ora, nós não temos recebido o espírito do
mundo, e, sim, Espírito que vem de Deus, para
que conheçamos o que por Deus nos foi dado
gratuitamente.. . Ora, o homem natural não
aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe
são loucura; e não pode entendê-las porque elas
se discernem espiritualmente” (1 Coríntios 2:12,
14).
Segundo, Deüs é experimentado de modo sobrena-
8 8 Graça Para Crescer
tural através de sua Palavra, a Bíblia.

“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para


o ensino, para a repreensão, para a correção,
para a educação na justiça, a fim de que o
homem de Deus seja perfeito e perfeitamente
habilitado para toda boa obra” (2 Timóteo 3 :1 6 -
17).
Na Bíblia, Deus providenciou diretrizes para uma
vida correta e para a disciplina emocional; deu tam­
bém uma série de valores que farão uma diferença
benéfica na vida do homem. Um dos conceitos mais
importantes no sistema da fé cristã, é que Deus dá a
seus seguidores o poder para viverem esses valores,
por meio da presença do seu Espírito Santo. Esta
dádiva do Espírito Santo foi prometida por Jesus a
todos os crentes, quando ele disse aos seus discípulos:
“E rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consola­
dor, a fim de que esteja para sempre convosco, o
Espírito da verdade, que o mundo não pode
receber, porque não o vê, nem o conhece; vós o
conheceis, porque ele habita convosco e estará
em vós” (João 14:16-17).
O Homem vs. Deus:
A raiz de toda doença espiritual
S e o sistema da fé cristã é verdadeiramente benéfico
à saúde mental, por que cristãos necessitam de
psicoterapia? S e existisse uma comunidade cristã
perfeita, formada por cristãos perfeitos (o que em si
mesmo é uma coisa impossível), a psicoterapia não
deveria então ser necessária. Entretanto, é muito mais
provável que tal necessidade continuasse a existir, pois
vivemos em um mundo degradado. A Bíblia é clara
A Chave Para a Inteireza. . . 89
em afirmar que existe uma força ativa do mal agindo
no mundo; e esta força está personificada em Satanás.
“Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adver­
sário, anda em derredor, como leão que ruge
procurando alguém para devorar” (1 Pedro
5:8).
A Bíblia também afirma que o mal e o bem
coexistem igualmente em todos os homens:
“Como está escrito: Não há justo, nem sequer
um, não há quem entenda, não há quem busque
a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram
inúteis; não há quem faça o bem, não há nem
um sequer” (Romanos 3:10-12).
E diz que, às vezes, o mal pode, de certa forma,
sobrepujar o bem. O apóstolo Paulo é eloqüente em
sua descrição da luta aberta contra si mesmo inerente
à natureza humana.
“Porque eu sei que em mim, isto é, na minha
carne, não habita bem nenhum: pois o querer o
bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo.
Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal
que não quero, esse fa ç o .. . Porque, no tocante
ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus;
mas vejo nos meus membros outra lei que,
guerreando contra a lei da minha mente, me faz
prisioneiro da lei do pecado que está nos meus
membros. Desventurado homem que sou! quem
me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus
por Jesus Cristo nosso Senhor” (Romanos 7:18-
19, 22-25).
Tais crenças contrastam com aquelas idéias defendi­
das pelos dinamistas e comportamentalistas, que inter-
pretam o homem como uma entidade em branco, que
aprende a ser má. Os experimentalistas negam ou
minimizam a maldade humana, e lhe exaltam a
“bondade inata” . Os cristãos creem que o homem traz
dentro de sl um mal inerente ou natureza decaída, a
base da doutrina do pecado original.
A maior parte dos psicoterapeutas cristãos admitem
a existência do pecado e consideram-no a causa
primária dos problemas espirituais do homem e de
muitas de suas neuroses.
Mas, que é o pecado?
A maioria das pessoas pensam no pecado como um
tipo específico de conduta negativa, como mentir,
roubar, assassinar, ou ser um libertino sexual. Tudo
isso, com certeza, são manifestações de pecado; mas
pecado é mais do que ações negativas específicas.
Pecado é rebelião consciente contra a autoridade de
Deus.
Por causa dessa tendência natural à rebeldia, o
homem não consegue controlar seus impulsos biológi­
cos e prefere relacionar-se com os outros de forma
contrária às normas que Deus estabeleceu, normas
que dispõem que ele se relacione com Deus e com os
seus semelhantes em amor. Estando afastado de Deus
devido a sua rebelião, o homem não é completo. Sua
vida toma-se incompleta, vazia, e sem sentido.
O pecado tem consequências que resultam em
patologia, ou enfermidade. Em sua carta aos Roma­
nos, Paulo chega a dizer: “Porque o fim delas
[referindo-se ao pecado e todas as suas ramificações]
é morte” (Romanos 6:21). Este conceito bíblico de
“morte” tem diversas interpretações. O aspecto mais
significativo delas é a alienação de Deus. Outro é a
perda da vida abundante e eterna prometida aos fiéis.
Ainda outro é o sofrimento resultante da incapacidade
humana para controlar sua conduta e por não corres­
ponder ao amor de Deus. Assim, o sofrimento é com
freqüência resultado do mal. Em seu livro, The
Problem o f Pain, C. S. Lewis afirma:
Enquanto o homem mau não encontrar de
forma inconfundível o mal presente em sua vida,
sob a forma de sofrimento, ele vive numa ilusão.
Uma vez que o sofrimento o desperta, ele sente
que se levanta de uma forma ou de outra contra
o verdadeiro universo: ou se reb ela.. . ou fará
uma tentativa de adaptação que, se continuada,
o conduzirá à religião.*
As dolorosas emoções de pesar, medo, ira, ansieda­
de, vazio, confusão, vergonha, inveja, desgosto e
culpa são todas manifestações da patologia espiritual.
A salvação: o primeiro
passo para a inteireza
O conceito de saúde, considerado, em geral, como
uma característica da psicoterapia cristã, é o da inteireza
da “santidade” . Toumier é um dos principais defensores
da santidade no mundo da psicoterapia hodiema, um
mundo onde tal palavra íreqüentemente evoca imagens
de instabilidade emocional e fanatismo religioso. Mas
isto não é o que santidade originalmente significava.
John Wesley', um franco defensor da santidade, cria que
a santidade (ou santificação) começava com uma expe­
riência transcendental (a salvação mediante a conversão
cristã), mas que no início era incompleta. Após a
salvação, a vida cristã é uma constante introspecção e
um esforço em direção ao aperfeiçoamento. É neste
contexto que afirmo que a salvação não é sempre
suficiente para a inteireza. É, contudo, o primeiro e mais
importante passo.
Wesley acreditava também que confissão, repreen­
são, instrução e prática de boas obras em amor faziam
parte do processo mediante o qual o comportamento
seria modificado e os fiéis se tomariam completos ou
inteiros. Num mundo onde não existiam os cuidados
médicos dos dias atuais, Wesley teve o trabalho de
escrever um livro sobre cuidados médicos no lar. É
óbvio que ele, em sua consideração da inteireza
humana, não omitiu o corpo. A consideração de
Toumier do homem inteiro faz parte dessa mesma
tradição.
O poder restaurador da conversão cristã
Embora a psicoterapia cristã empregue muitas das
mesmas técnicas usadas na psicoterapia secular, sua
primeira meta é a reconciliação do paciente com Deus
por meio da fé em Cristo, caso isso já não tenha
acontecido. Uma experiência transcendental com
Deus é um dos propulsores primários da transforma­
ção.
Talvez a chave para a compreensão e aceitação
desse fenômeno se encontre nas palavras de Paulo, ao
escrever à igreja em Corinto: “E assim, se alguém está
em Cristo, é nova criatura: as coisas antigas já
passaram, eis que se fizeram novas” (2Coríntios
5:17). Quando uma pessoa se toma crente, recebe o
Espírito Santo e com esse Espírito o potencial para ser
completamente curada. Com o médico e cientista,
houve um tempo em que eu escarnecia de tal
conceito. Mas como crente, tenho testemunhado
tantas curas, que não posso negar sua validade.
Por que o passado é importante
Na terapia cristã, como em muitas terapias secula­
res, aceita-se que a realidade presente do paciente é
analisada mediante o passado em antecipação do
futuro. Por essa razão, faz-se necessário um profundo
conhecimento do passado a fim de determinar as
mudanças que devem ocorrer, para que novos pa­
drões de conduta sejam estabelecidos, padrões estes
determinados pelos sistemas de valores cristãos do
paciente.
Os cristãos não podem ignorar mais o passado
como não podem ignorá-lo os demais, pois aí estão
sepultadas as experiências boas ou más, que alteram
suas reações para com o presente e suas atitudes para
com o futuro. Por conseguinte, os terapeutas cristãos
devem entender como o passado do paciente está
influenciando seu presente e sua antecipação do
futuro. O conhecimento emocional e intelectual adqui­
rido dessa forma pode então ser usado para ajudar o
paciente a compreender melhor sua conduta atual.
Depois de o terapeuta e o paciente, juntos, examina­
rem os resultados à luz do ideal bíblico, é possível,
então, iniciar-se as mudanças de conduta necessárias.
Duração e intensidade do tratamento
Pouco se tem escrito a respeito do tipo e duração
do tratamento em pregado por psicoterapeutas cris­
tãos: terapia intensiva e não-intensiva a longo prazo
e intensiva e não-intensiva a curto prazo. Com base
em minhas próprias experiências e no conhecim ento
da terapia empregada por Toum ier e outros, acredi­
to que qualquer tipo usado é válido; e que o tipo a
ser empregado é determinado som ente pela necessi­
dade individual do paciente. Afinal de contas, a
unicidade do indivíduo é um dos dogmas básicos da
fé cristã. E uma estreiteza conceituai do pior tipo
supor que todas as pessoas podem ser tratadas da
mesma forma.
Entre o terapeuta e o paciente:
um relacionam ento de am or
Pode-se dizer que a tarefa do psicoterapeuta cristão
é mais formidável do que a do terapeuta estritamente
dinamista, comportamental ou experimental, porque
deve ser capaz de executar as tarefas dos três.
O terapeuta cristão inicia estabelecendo um clima
de confiança mútua, a fim de encorajar o paciente a se
expressar livremente. Para ser eficiente nesta tarefa, o
terapeuta deve ser um crente maduro, capaz de
influenciar o paciente não sob uma forma de julga­
mento, mas, sim, de amor. Deve ser capaz de aceitar o
paciente assim como ele é e amá-lo, a despeito de
seus problemas, com aquele tipo de amor revelado
por Deus, amor conhecido com o amor divino ou amor
âgape. Tal amor é abnegado, isto é, nada exige, e a
sua preocupação principal é o bem-estar da outra
pessoa. É um amor não sexual, não explorador, mas
duradouro. Tal tipo de amor só é possível caso o
terapeuta já tenha recebido, mediante a conversão, o
Espírito Santo do Deus de amor para aumentar o seu
próprio.
Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o
amor procede de Deus; e todo aquele que ama é
nascido de Deus, e conhece a Deus. Aquele que
não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor.
Nisto se manifestou o amor de Deus em nós, em
haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao
mundo, para vivermos por meio dele . . . Nós
amamos porque ele nos amou primeiro (1 Jo ã o
4:7-9, 19).
O vínculo de amor que se estabelece entre o
terapeuta e o paciente será, naturalmente, maior se
am bos forem cristãos. A princípio, o terapeuta deve
determinar a natureza do relacionamento do paciente
com Deus ou o seu grau de maturidade na fé cristã.
Isto requer um conhecimento completo do sistema da
fé cristã.
D. E. Carlson, em sua excelente análise da maneira
com o JesuS se relacionava com as pessoas como um
modelo para o aconselhamento, descreve-o nas fun­
ções de sacerdote, profeta e pastor. Estas funções
correlacionam-se bem com aquelas empregadas pelos
três tipos básicos de psicoterapia esboçados por
Karasu.
A função sacerdotal, onisciente ou de toda autorida­
de, é a que assumem tipicamente o terapeuta dinamis-
ta e, em menor grau, o comportamentalista. A proféti­
ca, ou função paterna da confiança, é a que o
terapeuta comportamentalista mais assume. E a pasto­
ral, ou função igualitária, é a que assumem os
terapeutas experimentalistas.
Terapeutas de todos os tipos têm uma infeliz
tendência para assumirem a função sacerdotal ou
profética com os pacientes, evitando a pastoral. Psi­
quiatras, psicólogos, ministros e outros conselheiros,
amiúde se esquecem de que são humanos. Mas sua
natureza humana é por demais óbvia, pois há mais
suicídios, mais problemas com abuso de drogas,
alcoolismo, e muito mais divórcios e problemas de
desajustes com os filhos entre aqueles que labutam
nas assim chamadas profissões de ajuda ou socorro,
que na sociedade em geral.
Com isto em mente, é bom notar que o apóstolo
Paulo, em sua carta a Tito, requer que os líderes da
igreja sejam humildes e maduros, cujas vidas reflitam
sua integridade com o cristãos.
“Porque é indispensável que o bispo seja irre-
preensível como despenseiro de Deus, não arro­
gante, não irascível, não dado ao vinho, nem
violento, nem cobiçoso de torpe ganância, antes
hospitaleiro, amigo do bem, sóbrio, justo, piedo­
so, que tenha domínio de si, apegado à palavra
fiel que é segundo a doutrina, de modo que
tenha poder, assim para exortar pelo reto ensino
como para convencer os que contradizem” (Tito
1:7-9).
Talvez Paulo reconhecesse que é muito fácil para o
líder cristão, que falha em reconhecer sua própria
neurose, passá-la às pessoas que está tentando ajudar.
Há, portanto, ocasiões em que o terapeuta cristão será
amoroso, aceitador e permissivo. Outras vezes será
frio, confrontador e frustrador. Cada posicionamento,
entretanto, deve ser tomado com amor, tendo em
mente o melhor interesse do paciente.
Em sua análise, Carlson também nota que Jesus se
relacionava com as pessoas de muitas maneiras diver­
sas, e de forma mais significativa como crítico, prega­
dor, professor, intérprete, mediador, contestador, re­
provador, sustentador, ajudador, ouvinte, consolador,
perdoador e levador de cargas. A maioria dos terapeu­
tas estão hoje comprometidos com uma função única.
Carlson, porém, acredita que o terapeuta cristão deve
ser flexível, expandindo seu repertório de estilos de
aconselhamento para incluir todos aqueles acima
mencionados, quando o paciente o requeira.
A fé cristã afirma que Deus amou o mundo de tal
maneira que enviou seu único Filho para ser servo e
sofrer por toda a humanidade.
Pois ele, subsistindo em forma de Deus não
julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes
a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de
servo, tomando-se em semelhança de homens;
e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se
humilhou, tomando-se obediente até à morte, e
morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou
sobremaneira e lhe deu o nome que está acima
de todo nome, para que ao nome de Jesus se
dobre todo joelho, nos céus, na terra, e debaixo
da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo
é Senhor, para glória de Deus Pai (Filipenses
2 6 11
: - ).

Dentro dos modelos de aconselhamento apresenta­


dos por Carlson, os únicos que sugerem a função de
servo são os de ajudador, defensor e levador de
cargas. Mas o desejo de Jesus, de que todos os seus
seguidores fossem um em amor, remove toda a noção
de que o relacionamento entre as pessoas deve ser
outro, que não o de igualdade. A humildade é uma
qualidade que se origina, em parte, do amor ao
próximo.
O relacionam ento do terapeuta cristão com seu
paciente é, por conseguinte, de aceitação em amor.
O terapeuta não se considera um sacerdote com
virtudes especiais ou com acesso especial a Deus.
Ele reconhece que não é superior e não tem, em si
mesmo, nenhuma habilidade extraordinária para
solucionar conflitos. Ele é, entretanto, uma pessoa a
quem foram conferidos dons de conhecim ento e
cura, os quais devem ser empregados para ajudar a
humanidade em um mundo cruel. O terapeuta
cristão e seu paciente são parceiros de luta. O
relacionamento deles é genuíno, pois am bos depen­
dem de Deus, se inspiram na mesma fonte e dela
retiram direção e força.
Os instrumentos e as técnicas
do terapeuta cristão
Os principais recursos e instrumentos fundamentais
do psicoterapeuta cristão são os mesmos usados por
seus colegas dinamistas, comportamentalistas e expe-
rimentalistas, porém com vários importantes acrésci­
mos.
Uma vez estabelecido o ambiente apropriado, ten­
do já o terapeuta definido o nível em que ele e o
paciente vão relacionar-se, o terapeuta deve explorar
logo a área de conflito e suas origens. Em muitos casos
será necessário desfazer as defesas por meio das quais
o paciente mantém reprimidas as experiências que
deram origem aos seus sintomas.
Os cristãos, de modo particular, são propensos a
negar o conflito, simplesmente por não ser ele compa­
tível com suas (mal orientadas) noções de perfeição
cristã. Tendo sido ensinados (erroneamente) que os
cristãos “nunca ficam irados, nunca têm pensamentos
sensuais, nunca praticam fomicação ou adultério, e
andam sempre em amor” , o paciente que se conside­
ra cristão deve negar ou reprimir qualquer sentimento
ou comportamento “não cristão” . O terapeuta deve
estar familiarizado com essas defesas e saber como
contorná-las, a fim de compreender o conflito mental
inconsciente do paciente e seus significados históricos
e ocultos.
A seguir, a tarefa do terapeuta é ajudar o paciente a
entender com o esse conflito inconsciente influencia
sua conduta atual. Respondendo ao paciente de certo
modo que não recompense os comportamentos que
produzem sofrimento e ansiedade, o terapeuta ajuda a
provocar a extinção ou inibição de tais comportamen­
tos. Então deve ensinar ou programar novos padrões
de comportamento capazes de fornecer ao paciente
um reforço positivo. Como é certo que o terapeuta
cristão usa orientação bíblica para selecionar novos
comportamentos, a sua familiaridade com a Bíblia é
essencial. Psicodramas, técnicas de visualização ou
dramatização frequentemente ajudam o paciente a
entrar em contato com seus sentimentos há muito
reprimidos, de forma tal que consiga encontrar um
meio definitivo de enfrentá-lo.
De especial importância é o controle da ira. Em
muitos casos, os sintomas ou aberrações do comporta­
mento do paciente derivam-se do ódio, do ressenti­
mento, ou do que a Bíblia chama de ressentir-se do
mal (1 Coríntios 13:5): o registro de agravos, os quais
as pessoas tendem a usar umas contra as outras. A
única maneira eficaz de tratar desses registros de
agravos é buscar o perdão de Deus, mas parece que a
psicologia moderna não tem lugar em seu programa
para tal conceito. Os psicólogos dinamistas creem que
um simples entendimento ou discernimento resulta
em perdão; os comportamentalistas, com o não acredi­
tam na responsabilidade moral, não vêem necessida­
de de perdão; os experimentalistas consideram o
homem inerentemente mau e não vêem a necessida­
de de perdão. Para os cristãos, porém, é impossível
negar a existência dessa responsabilidade moral.
Quando um indivíduo quebra uma das leis de Deus,
ele se toma culpado de transgressão e deve arcar com
o resultado dessa culpa.
A maioria dos terapeutas cristãos enfatizam a função
do perdão na psicoterapia cristã. Segundo a Bíblia,
Deus é a fonte de todo perdão, porque o perdão só
pode provir do infinito amor que Deus tem pela
humanidade. É, pois, tarefa do terapeuta ajudar o
paciente a invocar esse perdão a fim de resolver o
problema da ira dirigida contra os outros, e também
da ira e do sentimento de vergonha decorrentes de
seu próprio comportamento. Assim que o paciente
aceita o perdão de Deus para si e ao mesmo tempo
perdoa aos que julga o haverem ofendido, pode
relacionar-se com os outros em amor e desenvolver
um conceito realista de sua própria personalidade.
Contudo, o instrumento mais essencial à disposição
do psicoterapeuta cristão é a conversão. Firmada na
Bíblia, a psicoterapia cristã leva a sério a afirmação de
Jesus: “Em verdade, em verdade te digo que se
alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de
Deus” (João 3:3). A regeneração espiritual mediante a
conversão é o elemento essencial da verdadeira
terapia cristã. A inteireza não pode ser alcançada sem
esse elemento. Mesmo os incrédulos atestam a impor­
tância e a utilidade da conversão em certas curas,
especialmente no alcoolismo. Com efeito, o surpreen­
dente sucesso creditado à Associação dos Alcoólatras
Anônimos deve-se à dimensão espiritual dos seus
participantes. Para ilustrá-lo, consideremos os três
primeiros passos do famoso método de “Doze Pas­
sos” dos Alcoólatras Anônimos.
1. Admitimos nossa falta de domínio sobre o
álcool — nossas vidas tomaram-se incontrolã-
veis.
2. Chegamos a crer que um Poder maior que nós,
poderia restaurar-nos o juízo.
•t 3. Tomamos a decisão de entregar nossa vontade e
vida aos cuidados de Deus quando cremos
nele., .
Contudo, outro instrumento singular disponível ao
terapeuta cristão é o sistema de recompensas que
produz um paciente altamente motivado. Para os
cristãos, existe a promessa do fruto do Espírito Santo:
“amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade,
bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio”
(Gãlatas 5:22-23). Existe também a promessa de vida
abundante e eterna:
Eu vim para que tenham vida e a tenham em
abundância (João 10:10).
Porque Deus amou ao mundo de tal maneira
que deu o seu Filho unigênito, para que todo o
que nele crê não pereça, mas tenha a vida etema
(João 3:1 6 )
Todas essas promessas servem como um poderoso
incentivo à cura.
O terapeuta cristão pode utilizar também a oração,
o estudo bíblico, e a adoração para ajudá-lo em sua
tarefa de ensino e condicionamento. Um bom exem­
plo do uso terapêutico da oração é ilustrado na teoria
de Norman Grubb, de que a oração não tem o fim de
convencer a Deus da necessidade de mudanças, mas
convencer ao suplicante. A Ceia do Senhor, devida­
mente compreendida, também é um instrumento
poderoso para provocar tanto a renovação como a
cura espiritual.
Conclusão
A psicoterapia cristã é mais que a secular, mesmo
quando executada por um terapeuta cristão em um
ambiente cristão. Com o já enfatizamos antes, a psico­
terapia cristã fundamenta-se na premissa de que a
causa primeira do universo é um Deus que se revelou
à humanidade na pessoa de seu Filho, Jesus Cristo,
mediante a sua palavra, a Bíblia, e que é capaz
também de habitar numa pessoa através do seu
Espírito Santo.
A chave para a cura na psicoterapia cristã é,
Inicialmente, a reconciliação do paciente com Deus
por meio de uma fé regeneradora em Cristo. Através
da conversão o paciente recebe o Espirito Santo de
Deus — um consolador e conselheiro muito pessoal, e
fonte de poder restaurador. É-lhe dado também o
potencial para nada menos que uma personalidade
inteiramente nova.
Inspirando-se no poder transformador e restaurador
do Espírito Santo, o psicoterapeuta cristão trabalha no
sentido de eliminar do paciente as emoções de culpa e
as normas de conduta indesejáveis. Ele tem à sua
disposição uma ampla variedade de técnicas e méto­
dos terapêuticos, incluindo aqueles elementos cristãos
tão especiais como a conversão, a oração, o perdão e
a Ceia do Senhor. Ele estimula no paciente a adoção
de novos valores de comportamento baseados na
Bíblia, que servirão para dar lugar a uma diferença
notável em sua vida. Como motivação, ele oferece ao
paciente a esperança de um futuro que promete vida
abundante nesta terra, assim com o vida etema após a
morte.
A continuação do processo de cura e crescimento
acontece não somente por intermédio dos esforços do
terapeuta cristão, mas também por meio da aceitação
do paciente por uma comunidade cristã local e sua
participação nela, incluindo-se a instrução religiosa e a
adoração coletiva, e através de uma vida pessoal de
oração e estudos da Palavra de Deus, como se revela
na Bíblia.
Uma palavra aos terapeutas
A terapia cristã está disponível desde o Pentecoste,
porque foi nessa ocasião, há quase dois mil anos, que
as personalidades dos discípulos foram dramatica­
mente mudadas ao serem eles cheios com o Espírito
Santo. (Este fato é narrado com detalhes no segundo
capítulo do livro de Atos.) A verdade revelada no
Novo Testamento fornece orientação para a terapia
continuada de todos os crentes depois de sua conver­
são. As técnicas modernas seculares oferecem apenas
os fragmentos da verdade revelada na Bíblia, porque
sua preocupação principal não é pela pessoa como
um todo, mas por alguma dimensão limitada de sua
vida.
Para o terapeuta que não acredita em um Deus
pessoal, o uso da conversão, da oração e do perdão
como instrumentos terapêuticos pode parecer tolice, e
a crença de que o Espírito Santo possa habitar numa
pessoa e ser um agente de sua transformação, pode,
igualmente, parecer absurda. S e o paciente, no entan­
to, tem estas crenças, o terapeuta deverá ser sábio e
usá-las em seu tratamento ao invés de ignorá-las ou
mesmo atacá-las. A pessoa que foi espiritualmente
regenerada por meio da sua crença em Cristo, tem
uma fé que deve ser aceita e utilizada caso se espere
sucesso na terapia, pois é certo que tal pessoa não
desistirá dela.
O terapeuta também deve reconhecer que alguns
dos conflitos dos pacientes podem originar-se fora de
sua fé e prática. Muitos pacientes cristãos têm proble­
mas oriundos de má interpretação dos princípios
bíblicos, ou de uma ênfase exagerada em certos
aspectos dos valores cristãos, das crenças e da expe­
riência. Condenar as crenças de um paciente cristão, a
menos que estejam claramente erradas e contribuam
para reforçar os problemas, somente criará obstáculos
à terapia, pois aumentará a ansiedade do paciente. É
imperativo, portanto, que os terapeutas tenham uma
boa compreensão da teologia e das doutrinas defendi­
das por diferentes denominações cristãs. Quando um
terapeuta cristão adere rigidamente a um ponto de
vista bíblico estritamente legalista, pentecostal ou
fundamentalísta, pode criar alguns dos mesmos pro­
blemas causados pela terapia secular.
Não foi sem motivo que Jesus se referiu ao Espírito
Santo com o o agente exclusivo que revela a verdade
acerca de Deus (João 14:17). Por esta razão, é
necessário que tanto o paciente como o terapeuta
entendam claramente o trabalho e a pessoa do
Espírito Santo. Sem este conhecimento, o progresso
pode ser lento.
Por fim, os psicoterapeutas cristãos devem, sem
falta, utilizar a oração com o a sua principal técnica
terapêutica. A oração é uma conversa entre duas
pessoas que se amam mutuamente — Deus e o
homem. Os membros do trio terapêutico: Deus, o
paciente, e o terapeuta, têm de estar em comunhão
para que a terapia seja eficaz. Orar com um paciente e
a favor dele, geralmente abre o caminho para um
relacionamento mais íntimo e mais honesto entre duas
pessoas que amam a Deus e procuram sua ajuda.
Os resultados da psicoterapia cristã, como ilustram
as histórias dos casos a seguir, são freqüentemente 1
surpreendentes.

* C . S . Lewis, T he Problem o f Pain (Nova Y ork: MacmiUan; Londres: William


Collins S o n s & C o. Ltd., 1 9 4 3 ). Usado com permissão. (Este livro existe em
português com o titulo O Problema d o Sofrimento, (S. Paulo: Editota Mundo
Cristão).
TERCEIRA PARTE

TO CA D O S PELO
AMOR DE DEUS

Q U A TR O V ID AS TR A N SFO R M A D A S
Introdução

Como afirmei anteriormente, a salvação apenas


nem sempre é suficiente para curar. Entretanto, é o
primeiro e principal passo para esse fim.
Durante a minha carreira, tenho tratado literalmente
de milhares de pacientes. Os quatro casos a seguir
foram escolhidos para figurar neste livro não só por
ilustrarem vividamente quando e por que a salvação
não é suficiente, mas também por fornecerem uma
excelente visão dos princípios básicos da psicoterapia
cristã:
1. Como o Cristianismo constrói a auto-estima.
2. O poder restaurador da comunidade cristã.
3. O poder restaurador do arrependimento, da
confissão, e do perdão.
4. A centralidade de Cristo e a sua relação com a
cura.
É importante o leitor entender que cada pessoa aqui
apresentada sofria de doenças que não respondiam às
mais modernas técnicas médicas nem aos tratamentos
da medicina secular. Era necessário algo mais para
que essas pessoas alcançassem a inteireza. E esse algo
mais só podia ser o toque curador do amor de Deus.
No livro de Jerem ias, no Antigo Testamento, o
profeta invoca ao Senhor em triste pranto pelo fato de
seus filhos, por várias razões, não poderem ou não
serem curados: “Acaso não há bálsamo em Gileade?
Ou não há lá médico?” (Jeremias 8:22).
Estou convencido de que graças ao poder restaura­
dor do amor de Deus, experimentado mediante a
aplicação da psicoterapia cristã, nós podemos afinal
responder afirmativamente: “Sim, Senhor, há bálsa­
mo! Sim Senhor, há médicos!”
As vidas dessas quatro pessoas oferecem um teste­
munho glorioso das boas novas da inteireza por meio
de Cristo.
1
PEDRO
Como o Cristianismo
Constrói a Auto-estima

Caminhando Jesus, viu um homem cego de


nascença. E os seus discípulos perguntaram:
Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que
nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pe­
cou, nem seus pais; mas foi para que se manifes­
tem nele as obras de Deus (João 9:1-3).
Um dia, uma jovem chamada Jenny aproximou-se
de mim e perguntou se seu esposo, Pedro, podia
marcar uma hora para ver-me. Pedro estava severa e
visivelmente debilitado. Segundo Jenny, dois meses
antes ele me ouvira apresentar uma palestra na
reunião da Missão de Testemunho Leigo, na igreja
deles, e ficou tão impressionado com o programa da
primeira noite que resolveu assistir a todas as reuniões.
No encerramento dos trabalhos ele ouviu testemu­
nhos de como Cristo havia transformado vidas e de
como Cristo podería fazer o mesmo para ele também.
Por vários meses, acrescentou Jenny, Pedro anela­
va crer, mas havia sido a primeira vez que alguém lhe
dissera como fazê-lo. Durante o culto daquela manhã
de domingo, quando o apelo foi feito, Pedro ficou
convencido e foi um dos primeiros a aproximar-se do
altar para entregar a vida a Cristo.
Pedro, porém, ainda tinha muitos problemas. S en ­
do eu um psiquiatra cristão, ela esperava que eu
pudesse ajudá-lo.
Disse a Jen ny que ficaria feliz em receber seu
esposo; assim, marcamos uma entrevista para o
com eço da semana seguinte.
Pedro era um homem robusto, de mais ou menos
um metro e oitenta de altura, na faixa dos trinta anos.
Vindo de uma cidade pequena,, sua maneira era
simples e modesta. Devido a sério problema de vista,
ele usava óculos de lentes muito fortes, o que fazia
seus olhos azuis parecerem imensamente pequenos.
Quando Pedro começou a falar sobre sua vida, ficou
claro que a deficiência de visão constituía apenas um
de seus muitos problemas.
Nascido quase totalmente cego, a visão de Pedro
era tão fraca que, mesmo com lentes corretivas, com
um olho ele só conseguia distinguir vultos e com o
outro, enxergava muito mal, o suficiente apenas para
caminhar.
Pedro cresceu numa das áreas mais pobres de uma
pequena cidade operária; em criança, devido à sua
enfermidade, ninguém o disciplinava.
— Eu era mimado e feliz, porém irresponsável, pois
ninguém exigia nada de mim — disse-me. A fim de
evitar qualquer responsabilidade ele se valia de aces­
sos de mau humor; e quando o pai tentava intervir
com medidas disciplinares, a mãe, de coração mole,
tomava o partido do filho, barrando os esforços do
esposo.
Pedro foi para escola, mas como não conseguia ver
claramente as letras impressas nos livros escolares,
não aprendeu a ler nem a escrever. O motivo de não o
terem mandado a uma escola para cegos, ele não
sabia. Nos seis anos seguintes, no curso primário, ele
ainda se esforçou para aprender, mas fracassou.
Quando, finalmente, conseguiu um livro impresso em
tipos grandes, ele via as palavras de modo inverso,
indicação de que sofria de algum tipo de dislexia,
embora fraco.
— Em toda a minha vida tive apenas três livros com
letras grandes o suficiente para eu enxergar — disse
ele constrangido e ressentido pela falta de cultura e
por haverem os pais falhado em obter ajuda profissio­
nal para o seu problema.
Com o passar do tempo, Pedro percebeu que, por
causa do seu problema de vista, não podería competir
com outros meninos em muitas das atividades escola­
res ou atléticas. Aos dez anos, num esforço para
superar seu baixo senso de auto-estima, ele começou
a roubar. A princípio, roubava em lojas de preço
popular, e somente coisas pequenas com o lápis,
borrachas, doces, gomas de mascar. Com o decorrer
do tempo ele começou a se interessar por lojas de
ferragens, de onde levava objetos maiores como
chaves de fenda, lâmpadas elétricas, serras, martelos
etc. Mesmo com a visão fraca, Pedro tomou-se perito
em furtos, especialmente de peças achatadas, que
escondia sob o suéter, nas mangas, ou num casaco
amplo dobrado sobre o braço. Roubar tomou-se um
hábito para ele, algo que jamais havia contado a
ninguém, e foi com grande dificuldade que ele mo
admitiu.
Algum tempo depois, Pedro desistiu dos estudos e
empregou-se num grande departamento de botânica
da universidade, onde era responsável pela rega e
alimentação das muitas variedades de plantas, incluin­
do árvores de tamanho natural, que crescem em um
local apropriado e são estudadas sob condições am­
bientais controladas. Foi mais ou menos nessa fase da
vida que Pedro conheceu Jenny, com quem mais
tarde se casou.
Uma vez casado, parecia que Pedro havia afinal
ajustado a sua vida. Mas ainda continuava tendo
problemas. Sujeito a crises de depressão, foi hospitali­
zado várias vezes. Em outra ocasião, ele e Jenny
buscaram aconselhamento devido a problemas matri­
moniais. Basicamente, os problemas de Pedro tinham
origem em seu comportamento infantil. Como resulta­
do de sua educação indisciplinada, ele era egoísta,
egocêntrico e emocionalmente imaturo. Tanto no lar
como no trabalho, ele era sujeito a explosões incontrolá-
veis; se não conseguisse as coisas à sua maneira, ficava
amuado por vários dias. Pedro mesmo reconhecia que
Jenny gastava muito do seu tempo apaziguando-o.
Cerca de um ano e meio antes de nossa primeira
sessão, Pedro começou a ir à igreja. Ao mesmo
tempo, matriculou-se numa escola especial de leitura.
Como resultado, sua habilidade para ler aumentou,
mas não o suficiente para satisfazê-lo.
Depois da conversão, Pedro via a necessidade
imperiosa de mudança na sua conduta negativa e
destrutiva. Ele se preocupava ainda mais por causa do
seu hábito de furtar compulsivamente. Havia dois
anos ele vinha roubando coisas em duas lojas de
ferragens. Os materiais roubados (e nunca usados), de
valor aproximado a dois mil dólares, ele os guardava
em sua garagem, em caixas de papelão.
— Por favor, Dr. Wilson — suplicou Pedro no final
da nossa primeira sessão — ajude-me. — Seus minús­
culos olhos azuis transmitiam medo e profunda humi­
lhação.
Devo mencionar aqui que o termo médico para
roubo compulsivo, com o o de Pedro, ê cleptomania.
Da mesma forma que o jogador compulsivo e aqueles
que sofrem de perversões sexuais compulsivas, como
exibicionismo ou fetichismo (que consiste em amar
não à pessoa, mas uma parte dela ou um objeto do
seu uso), o cleptomaníaco obtém certa satisfação no
seu ato de roubar. Tipicamente, a cleptomania é
causada por um profundo senso de inferioridade ou
inadequação. Roubar faz a pessoa sentir-se tempora­
riamente importante. A cleptomania é uma neurose
psicológica e quase sempre requer um tratamento
profissional, sendo mesmo assim extremamente difícil
de curar.
Durante as sessões das semanas seguintes, Pedro e
eu conversamos Iongamente sobre seu hábito. Empre­
gando uma perspectiva cristã, discutimos a fundo a
natureza e realidade do pecado, e de como o ato
compulsivo de roubar era, de forma bem real, um
exemplo de conduta pecaminosa. Falamos sobre o
preço destrutivo que o pecado cobra de uma pessoa,
e, de novo, mostramos a vida infeliz de Pedro como
um bom exemplo disso. Também exploramos as
razões ocultas do desejo pecaminoso de roubar. Ele
roubava por ter uma necessidade de fazê-lo; porque
tal comportamento trazia-lhe uma espécie de satisfa­
ção, e, embora por poucos instantes, fazia-o sentir-se
importante.
Discutimos também o único meio pelo qual Pedro
podería livrar-se de sua conduta pecaminosa e da
culpa que a acompanhava. Ele deveria (1) arrepen­
der-se dos seus pecados (arrepender significa “vol­
tar” ou mudar); (2) confessar seus pecados a Deus
(e aos outros, se necessário); (3) pedir e aceitar o
perdão d e Deus-, e (4) assumir o propósito de que,
daquele dia em diante nunca mais roubaria.
Foi durante a quinta sessão que Pedro, de repente,
exclamou que não conseguia ficar nem mais um
minuto com as caixas de mercadorias roubadas. A
presença de tais objetos em sua garagem tomara-se
uma fonte insuportável de culpa e ansiedade.
— Mas com o você acha que devo fazer para
devolver todas as coisas? — perguntou ele.
— Bem , você tem várias alternativas. Primeiro pode
simplesmente devolver as mercadorias, confessar a
falta ao gerente da loja, pedir-lhe perdão e sofrer as
conseqüências, quaisquer que sejam. Segundo, pode
devolver as mercadorias com um bilhete anônimo
confessando o ocorrido. Terceiro, simplesmente dei­
xar tudo com o está.
Pedro disse que ia pensar sobre o assunto.
Ele apareceu em meu consultório na semana se­
guinte para explicar que havia decidido devolver
pessoalmente os objetos roubados, pedir perdão ao
proprietário da loja e aceitar as conseqüências.
Eu gostaria de ter acompanhado Pedro quando ele
foi devolver as caixas de materiais roubados. Como eu
gostaria de ter visto o rosto do gerente quando um
homem praticamente cego, empurrando um carrinho
com caixas de mercadorias, entrasse na loja para
confessar que havia roubado aqueles artigos nos dois
últimos anos!
Pedro contou-me mais tarde com o seu coração
batia com força quando ele empurrou a porta da
primeira loja de ferragens. Por uns instantes, ele teve
ímpetos de voltar e fugir. Quando o gerente lhe
perguntou o que queria, ele lhe disse o seguinte: “Vivi
toda minha vida com um sentimento de inferioridade
terrível! Foi o que me fez roubar estas coisas para me
sentir melhor. Desculpe, por favor. Eu estava errado.
Quero devolver suas mercadorias e quero que saiba
que nunca mais roubarei de você. S e preferir que eu
nunca mais volte à sua loja, não voltarei. Eu só espero
que me perdoe.” Nas duas situações os gerentes
perdoaram a Pedro e o convidaram a voltar à loja
quando desejasse, assegurando-lhe de que teriam
prazer em tê-lo com o freguês.
Por causa dessa experiência positiva, Pedro sentiu-
-se menos culpado. Contudo, disse precisar de algo
mais a fim de sentir-se completamente livre do desejo
de roubar.
Desde nossa primeira sessão, usei um enfoque de
confrontação bondosa com Pedro. Devido a falta de
disciplina na infância e na adolescência, precisava de
alguém que se relacionasse com ele com firmeza e
autoridade.
— Pedro, você reconhece que agia erradamente
quando roubava, não é? — perguntei-lhe, quando me
disse que ainda sentia uma sensação de culpa.
— Sim, reconheço que aquilo que eu fazia era
errado.
— E você sabe que apesar da minha reprovação,
quando você confessou o erro, eu lhe perdoei,
correto?
— Correto.
— E você sabe também que os gerentes das lojas de
onde você furtava, embora não aprovassem sua
conduta, quando você lhes confessou o erro, eles
também lhe perdoaram, correto?
— Correto.
— Bem , então acredito que você saiba também que
há ainda alguém que desaprova seu comportamento e
espera pela sua confissão: esse alguém é Deus; você
não concorda?
Pedro calou-se.
— Pedro — prossegui com calma — está na Bíblia,
Deus disse que, se lhe confessarmos os pecados, ele
será fiel à sua promessa e nos perdoará. Você
compreende que ao confessar seu erro a Deus, ele lho
perdoará? E por perdão quero dizer que ele se
esquecerá do seu pecado. Assim com o o oriente está
distante do ocidente, ele afirma que afastará de você o
seu pecado.
Pedro continuava calado.
— Pedro — continuei — se eu lhe posso perdoar, e
se os dois gerentes também, quanto mais Deus, nosso
perfeito Pai que está no céu! Ele pode perdoá-lo!
De repente, foi como se um raio de sol atravessasse
os olhos de Pedro ao compreender que eu tentava
falar-lhe a respeito da plenitude do perdão de Deus.
— Você está certo! Entendo o que quer dizer! —
exclamou ele.
— Bem , agora que você conhece a grandeza do
perdão de Deus, creio ser o momento de separar
alguns minutos para uma oração. Você pode orar
comigo agora, se o desejar, ou poderá orar mais tarde
ao chegar a casa. De qualquer modo, fale com Deus
que você sabe o quanto tem andado errado. Diga-lhe
que lamenta os seus erros e deseja mudar de vida.
Diga-lhe que reconhece que ele é fiel à sua palavra e
que o perdoará, E que você aceitará o seu perdão, e
confiará na ajuda dele para jamais furtar outra vez.
— Eu gostaria de orar agora com v o cê— disse
Pedro.
E foi exatamente o que ele fez.
Daquele dia em diante Pedro jamais voltou a
roubar. Estava livre da cleptomania. Estava curado!
Restavam ainda na vida de Pedro vários outros
problem as para serem resolvidos, dos quais o
principal era o problem a em ocional relacionado
com a sua dificuldade de ler.
Um dia, quando conversávamos sobre a leitura,
perguntei-lhe se já havia tentado ler a Bíblia.
— Não tenho uma com letras grandes o suficiente
para eu ler — respondeu.
Casualmente havia, na gaveta da escrivaninha, um
exemplar da edição Boas Novas para o Homem
Moderno, em letras bem grandes, que um paciente
me havia dado de presente. Entreguei o livro a Pedro
e perguntei-lhe se conseguia ler. Caminhando até a
janela, Pedro segurou o livro a uns quinze centímetros
dos olhos, e . . . pela primeira vez na vida leu a Bíblia!
Sua reação à experiência foi júbilo total!
Nos meses seguintes dediquei bastante tempo in­
vestigando com Pedro seus problemas de baixa auto-
-estima e sensibilidade emocional. Devido a sua
acentuada tendência ao desânimo, o progresso foi
lento, mas ininterrupto. Com o tempo, o seu humor
mudou, a supersensibilidade diminuiu e ele tomou-se
mais satisfeito com a vida. Foi então que, mudando o
enfoque, levei-o a um colega para aconselhamento
matrimonial.
Passou-se um ano inteiro até encontrar-me com
Pedro novamente. Fui convidado a dirigir uma Missão
de Testemunho Leigo em uma igreja num bairro de
Washington, D.C., e estava selecionando os compo­
nentes da minha equipe. Lembrei-me de que Pedro
uma vez se oferecera para esse tipo de trabalho;
telefonei-lhe então, convidando-o a unir-se a nós.
Pedro aceitou prontamente. Quando chegou a minha
casa na manhã de sexta-feira para a viagem de seis
horas, seu entusiasmo para com o fim de semana que
se aproximava era patente.
S ó depois de chegarmos à igreja e começar a
conhecer os membros da congregação, foi que me
conscientizei do alto nível intelectual do grupo. Por
causa da localização do templo, muitos membros
eram funcionários do governo e de alta categoria; a
maioria deles trabalhava no Instituto Nacional de
Saúde e em outras instituições científicas ligadas à
área. Quase todos possuíam curso superior e grande
porcentagem deles tinha grau de mestrado ou douto­
rado. Havia também muitos médicos e advogados.
Felizmente, nossa equipe de leigos foi muito bem
representada. Entre nós havia vários médicos, advo­
gados, engenheiros e educadores. Pedro, com sua
educação primária, era a única exceção.
Por essa razão comecei a ter sérias dúvidas sobre a
validade do convite feito a Pedro para essa missão
especial. Pedro, afinal, mal podia ler. Que efeito
podería ter uma pessoa simples como ele, em um
grupo tão intelectual? No decorrer do fim de semana,
eu, deliberadamente, evitava chamar Pedro para dar
seu testemunho. Ao mesmo tempo em que me sentia
vagamente culpado a esse respeito, sentia-me feliz por
ver que o entusiasmo de Pedro não parecia ter
diminuído em nada.
No domingo de manhã, antes do culto das onze
horas e do almoço que marcaria o encerramento da
missão, designei dois ou três membros da equipe para
cada classe da escola dominical. Pedro foi indicado
para a classe de adultos. Apesar de ser esta classe
formada por muitos indivíduos de cultura elevada,
como a missão estava para terminar, eu já não me
preocupava com o efeito negativo que Pedro pudesse
produzir.
Quão enganado estava em me preocupar tanto!
Mais tarde, no almoço de encerramento, vários
membros da classe de adultos, para a qual Pedro fora
designado, vieram falar comigo; todos tinham um
comentário maravilhoso sobre a contribuição de Pe­
dro.
— Bill, você devia ter estado lá. Nunca fui tão
tocado como ao ouvir o testemunho daquele homem
quase cego! — disse-me um dos membros da classe.
Outro também expressou: — Não sei se continuarei
a ser o mesmo depois de ouvir aquele homem
chamado Pedro. Que pena que nem todos tiveram
oportunidade de ouvi-lo!
Reunindo tudo o que ouvi e o que Pedro contou-
-me durante a viagem de volta, eis o que realmente
aconteceu: .
Após fazer a introdução, o dirigente da classe de
escola dominical convidou Pedro para dar seu teste­
munho. Com o mesmo entusiasmo demonstrado
durante todo o final de semana, ele levantou-se, foi à
frente e contou-lhes haver nascido cego. Falou com
franqueza a respeito das dificuldades no início da vida,
dos problemas psicológicos e de sua incapacidade de
ler. Continuou dizendo como havia sido regenerado
espiritualmente ao aceitar a Cristo durante os traba­
lhos da Missão de Testemunho Leigo. Contou como
seus amigos, membros da igreja, o haviam ajudado
com a leitura e com o havia conseguido sua primeira
Bíblia em letras grandes.
Então, abrindo a Bíblia no livro de Efésios, Pedro
anunciou que iria ler as Escrituras. Levantando o livro
à sua posição costumeira para ler, a quinze centíme­
tros dos olhos, Pedro colocou o indicador embaixo da
primeira palavra e com eçou a ler. Lenta e laboriosa­
mente, com o um aluno de primeiro grau, leu esta
passagem:
Por esta causa me ponho de joelhos diante do
P a i , . . . para que, segundo a riqueza da sua
glória, vos conceda que sejais fortalecidos com
poder, mediante o seu Espírito no homem
interior; e assim habite Cristo nos vossos cora­
ções, pela fé, estando vós arraigados e alicerça­
dos em amor, a fim de poderdes compreender
com todos os santos, qual é a largura, e o
comprimento, e a altura, e a profundidade, e
conhecer o amor de Cristo que excede todo
entendimento, para que sejais tomados de toda a
plenitude de Deus (Efésios 3:16-19).
Seria impossível descrever o efeito que a leitura de
Pedro teve sobre os ouvintes. De acordo com o que
m e contaram, não houve na sala quem conseguisse
conter as lágrimas. Aqui estava um homem simples,
lendo com encanto especial um dos poucos livros que
conseguia ler, um entre os poucos que já possuira,
para um grupo de pessoas a quem acertadamente
chamaríamos de intelectuais. Enquanto lia sobre o
amor imensurável de Deus, Pedro — curado e reno­
vado mediante a fé em Jesus — era um testemunho
vivo daquela verdade; e todos na sala sabiam disto.
Mesmo o mais duro cético, depois de conhecer a
Pedro, não podería negar a realidade do poder e do
amor de Deus.
Em retrospecto, eu, talvez mais que qualquer outra
pessoa, sou grato por ter conhecido a Pedro, pois ele
ajudou-me a compreender, de modo mais completo,
não só a profundidade do amor de Deus, mas também
a natureza daquilo que Deus considera ser a verdadei­
ra sabedoria, o verdadeiro poder, e a verdadeira
força — qualidades essas que Deus e o homem enten­
dem de maneira diferente.
Porque a loucura de Deus é mais sábia do
que os hom ens; e a fraqueza de Deus é mais
forte do que os hom ens (1 Coríntios 1 :2 5 ).
À luz da psicoterapia cristã aplicada, o caso de
Pedro é um excelente exemplo de como a fé em Deus,
incluindo uma compreensão completa da natureza
incondicional e perdoadora do amor divino por meio
de Cristo, capacita uma pessoa — mesmo alguém tão
problemático com o Pedro — a reconhecer o seu
próprio valor.
A auto-estima é, em grande parte, determinada pela
maneira do indivíduo ser amado e aceito (ou como ele
se sente amado e aceito) pelos pais e, em menor grau,
pelos companheiros. Embora os pais de Pedro o
amassem muito, a falha em aplicar-lhe a disciplina e
em buscar ajuda para seu problema visual indicava o
contrário. E, para agravar a situação, havia o fato de
Pedro ser rejeitado e ignorado pelos colegas, o que fez
aumentar o seu já perigosamente baixo senso de auto-
-estima. Foi num esforço desesperado de ganhar
algum sentimento de importância e propósito que
Pedro recorreu ao furto.
Jesus sempre acentuou a necessidade de “amar-se
a si próprio” , uma frase que implica ter conceito
realista de si mesmo e um saudável senso de seu
próprio valor. Ele ainda foi mais longe, ao ensinar o
que é hoje uma verdade psicológica geralmente
aceita: uma pessoa só é capaz de amar aos outros na
mesma medida em que é capaz de amar a si própria.

Nós amamos porque ele nos amou primeiro


(1 Jo ã o 4:19).
Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma, e de todo o teu
entendimento. Este é o grande e primeiro manda­
mento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o
teu próximo como a ti mesmo (Mateus 22:37-39).
Mas com o aprende uma pessoa a amar-se a si
mesma ?
Em indivíduos como Pedro, que sofrem de extrema
deficiência de amor próprio, tenho observado que a
conversão ao Cristianismo pode fazer toda a diferen­
ça. Basicamente isso se deve ao conceito realista de si
mesmo que o Cristianismo exige. Para o crente, essa
avaliação realista de si próprio inclui primeiro a
convicção de ser um pecador, pois com o ser humano,
ele possui um espírito ímpio e decaído e está natural­
mente separado de Deus. Ao mesmo tempo, o crente
entende que foi salvo dessa pecaminosidade pela
morte redentora de Jesus Cristo na cruz, e que está
capacitado a experimentar a inteireza por meio da
presença do Espírito Santo de Cristo em sua vida. O
crente regenerado também compreende que está
perdoado para todo o sempre e que é amado
incondicionalmente por Deus Pai, um Pai que dá tanto
valor à personalidade de cada um de seus filhos ao
ponto de enviar seu Filho unigênito, Jesus, para
morrer por eles. Por meio de Jesus, o crente torna-se
“filho de Deus” no sentido mais exato da frase.
Saber que é profundamente amado por Deus,
fornece ao cristão um sentido muito sólido de si
próprio, que não pode ser encontrado em nenhuma
outra fonte, nem por meio dos pais, cônjuge, filhos, ou
amigos. A constância e magnitude do amor de Deus, e
a grandeza de sua misericórdia como expressa me­
diante a pessoa e a vida de Cristo, não somente
servem para encarecer o sentimento de amor próprio
do crente, como também para proporcionar-lhe uma
vida com propósito e significado.
2
ROSA
O Poder Restaurador da
Comunidade Cristã

Os escribas e fariseus trouxeram à sua presen­


ça uma mulher surpreendida em adultério e,
fazendo-a ficar de pé no meio de todos, disseram
a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em
flagrante adultério. E na lei nos mandou Moisés
que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois,
que dizes? Isto diziam eles tentando-o, para
terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se
escrevia na terra com o dedo. Como insistissem
na pergunta, Jesu s se levantou e lhes disse:
Aquele que dentre vós estiver sem pecado, seja o
primeiro que lhe atire pedra. E, tomando a
inclinar-se, continuou a escrever no chão. Mas
ouvindo eles esta resposta e acusados pela
própria consciência, foram-se retirando um por
um, a começar pelos mais velhos até aos últimos,
ficando só Jesus e a mulher no meio onde
estava. Erguendo-se Jesus e não vendo a nin­
guém mais além da mulher, perguntou-lhe:
Mulher, onde estão aqueles teus acusadores?
ninguém te condenou? Respondeu ela: Nin­
guém, Senhor. Então lhe disse Jesus: Nem eu
tão pouco te condeno, vai, e não peques mais
(João 8 :3 -1 1 )
Não foi nas melhores circunstâncias que encontrei
Rosa pela primeira vez. Era uma jovem prostituta que
havia dado entrada no hospital após uma tentativa de
suicídio com uma super dose de drogas; era sua oitava
tentativa nos últimos meses.
No início do ano, quando Rosa havia sido admitida
no hospital devido a uma das tentativas de suicídio,
permaneceu hospitalizada por quatro meses, acumu­
lando uma conta de quase seis mil dólares, a qual não
pudera saldar. Devido à falta de recursos, seu médico
regular recusou atendê-la. Som ente por ter sido eu o
médico de plantão quando Rosa foi levada ao hospital
é que ela ali estava sob minha responsabilidade. Para
complicar um pouco mais, fui notificado pelo hospital
de que, por causa da situação financeira de Rosa,
deveria providenciar a sua transferência para o Hospi­
tal Estadual o quanto antes (pois este cobra somente
dos pacientes que podem pagar). Caso Rosa se
recusasse a ser transferida, seria minha incumbência
encaminhá-la legalmente.
Foi, portanto, com certa carga nos ombros que
entrei no quarto de Rosa para apresentar-me e
informá-la desses assuntos.
Rosa estava nos seus vinte e poucos anos; alta,
ossos salientes, constituição volumosa e gordinha. Sua
conduta e seu vestuário eram o que se podia esperar
de uma mulher de vida livre. Seu cabelo castanho
repartido ao meio caía-lhe sobre os ombros. As calças
compridas, tão justas que modelavam suas formas
como uma segunda pele. Usava uma blusa muito fina,
sugestivamente desabotoada e amarrada na cintura.
Ela olhou-me apreensivamente com seus olhos verde-
-claros.
De maneira brusca, apresentei-me e expliquei-lhe
que seria seu médico somente enquanto ela permane­
cesse naquele hospital. Continuando no mesmo tom,
informei-a de que, devido a sua falta de dinheiro ser-
-lhe-ia necessário transferir-se para o Hospital Esta­
dual o quanto antes, fosse ou não isso do seu agrado.
Esperei pela sua resposta, mas ela continuou cala­
da. Entretanto, notei um brilho de medo em seus
olhos. Deixei o quarto com a promessa de que voltaria
em dois dias para discutirmos melhor o assunto.
Na manhã seguinte fiquei bastante chocado ao
saber que na noite anterior, algumas horas depois de
ter falado com Rosa, ela tentara o suicídio novamente,
desta vez por meio de antidepressivos, os quais, de
alguma maneira, conseguira às escondidas no setor de
enfermaria. Segundo contou-me Pickett, uma das
ajudantes atendentes de psiquiatria, Rosa disse que
tentara suicidar-se por não querer ser transferida para
o hospital estadual.
Desejando saber o porquê de Rosa ter ficado tão
aflita com a mudança de hospital, procurei sua ficha e,
examinando sua história, descobri rapidamente a
origem desse medo.
Filha ilegítima, Rosa não recebeu adoção por meio
de uma agência legalizada; ela foi deixada num lar
caótico, onde os pais adotivos eram alcoólatras daque­
les que esperam que a criança possa salvar um
casamento fracassado. Infelizmente, Rosa tomou-se
somente uma vítima da infelicidade do casal. Em sua
infância, ela foi seriamente injuriada, tanto no terreno
físico como emocional.
O abuso mais sério Rosa sofreu quando tinha oito
anos de idade e foi sexualmente usada por seu irmão
de criação, de dezesseis anos. Sabem os que as
crianças não devem ser levadas ao estímulo sexual
muito cedo na vida; portanto, não foi surpresa que
logo após a puberdade Rosa se visse comprometida
em sérias dificuldades sexuais. Pelo irmão de criação
ela foi abusada regularmente até quase a adolescên­
cia; daí para a frente ela se envolveu em atividades
sexuais com outros rapazes da vizinhança. Aos quator­
ze anos, teve um caso amoroso com um professor do
segundo grau, e foram apanhados em flagrante. Com
isso seus pais adotivos, não podendo aceitar desculpas
para tal procedimento, mandaram-na para o Hospital
do Estado como sendo uma incorrigível psicopata
sexual. Durante os seguintes quatro anos de sua
vida — na fase em que a maioria das jovens estão
envolvidas com a escola, namoricos e bailes estudan­
tis — Rosa consumia-se numa enfermaria em compa­
nhia de trinta mulheres mentalmente enfermas. Sua
educação escolar foi abandonada e, por receber
poucas visitas, suas habilidades sociais também desa­
pareceram.
O mais trágico de tudo foi o tratamento inadequado
que Rosa recebeu no hospital, à base de fortes
psicotrópicos. Rosa, de fato, precisava de um ambien­
te sadio — talvez outro lar adotivo — onde fosse
amada, cuidada e aconselhada com sabedoria. Não
era, pois, de espantar que Rosa preferisse tirar a
própria vida a retomar ao hospital estadual.
. Com a idade de dezoito anos, Rosa deixou o
hospital por sua própria conta. Mas para onde iria ela?
que teria ela para fazer? Sua família adotiva não
queria saber dela; ela não tinha nenhuma instrução,
nenhuma habilitação comercial. Rosa foi forçada a
vender a única coisa que possuía: o corpo.
Apesar de tudo, quando Rosa era questionada
diretamente, negava ser prostituta, embora admitisse
haver passado os últimos seis anos nas ruas, e que a
atividade sexual casual fora uma parte regular de sua
vida. Aos vinte anos, casou-se com um operário
itinerante, uns trinta anos mais velho que ela. Logo
que se casaram, o marido incentivou-a a procurar
homens mais novos, pois achava que ela teria mais
prazer com eles. E como ele passava a maior parte do
tempo fora, Rosa realmente encontrou outros parcei­
ros e em pouco tempo ficou grávida de um deles.
Quase um ano após o casamento, Rosa deu à luz um
menino com um defeito físico.
Quando o filho estava com três anos, Rosa separou-
-se do marido para viver com um namorado. Tal
relacionamento também não deu certo, pois o homem
abusava fisicamente dela. Foi então que Rosa parou
para analisar a sua vida. E em desespero total,
concluiu que não havia nada para rever no passado e
nada para esperar do futuro; e porque a sua vida não
tinha sentido, não tinha significado, decidiu pôr fim a
tudo.
Por quatro vezes quase que Rosa consegue o seu
intento. Foi a oitava tentativa de suicídio que a trouxe
até mim; agora eu tinha dúvidas se não teria sido eu a
causa do seu nono atentado.
Ainda que agora eu entendesse o medo de Rosa de
retomar ao hospital estadual, não tinha outra escolha
senão dar início a sua transferência conforme o
planejado. Notificando o hospital da situação de Rosa,
fui informado de que eles estariam prontos a recebê-la
tão-logo eu acertasse a internação, voluntária ou não.
Tudo o que me restava fazer era persuadir Rosa sobre
a transferência — uma tarefa obviamente difícil.
Foi com uma grande determinação que me aproxi­
mei do quarto de Rosa para apresentar-lhe um
ultimato: ou ela aceitava ser transferida voluntaria­
mente, ou eu seria obrigado a intemá-la. Ao mesmo
tempo disse-lhe que, após haver lido sua ficha, eu
entendia a sua relutância em voltar a um lugar de tão
tristes recordações. Deixei-a com instruções para que
pensasse sobre o assunto, e que eu retomaria no dia
seguinte para saber a sua decisão.
No dia seguinte pela manhã encaminhei-me à ala
psiquiátrica para meu encontro com Rosa. Acompa­
nhavam-me um jovem médico recém-formado, cha­
mado Russ Kilpatrick, que havia pedido para acompa­
nhar-me nas visitas aos pacientes. Entrando no quarto
de Rosa, encontramo-la sentada na cama com as
pernas cruzadas, conversando animadamente com
Pickett, a ajudante da ala de psiquiatria que havia
socorrido Rosa no seu recente atentado.
Para explicar a dinâmica de trabalho na história de
Rosa, devo desviar-me um momento para falar um
pouco a respeito de Pickett, cuja história vale a pena
ser ouvida.
Alta e magra, olhos escuros e risonhos, boa presert-
Ça de espírito, Pickett havia trabalhado como ajudante
em nosso setor, desde quando nem consigo me
lembrar. Sempre gostei muito dela, apesar de um
hábito desagradável seu: um linguajar vulgar e profa­
no. Esta característica não me havia aborrecido antes
de me tomar crente, pois minha própria linguagem era
igualmente abominável. Depois que me convertí, as
profanidades de Pickett me deixavam maluco.
Um dia, conversando com Pickett na enfermaria,
ela soltou uma série de imprecações que fizeram
escurecer o ambiente. Não é que Pickett estivesse
zangada ou furiosa: a profanidade simplesmente fazia
parte do seu vocabulário. Por fim, eu não consegui
mais tolerar aquilo.
— Pickett — interrompi-a — você sabe da estima
que tenho por você. Mas há tempo venho tentando
dizer-lhe algo. Seu palavreado obsceno me aborrece.
Gostaria que houvesse algo que pudesse fazer a
respeito.
Sua resposta pegou-me de surpresa.
— Eu também gostaria que houvesse — disse— . É
um hábito muito feio e desagradável e eu faria tudo
para abandoná-lo.
Permanecí em silêncio por alguns instantes, lem­
brando que um dos primeiros efeitos da minha
conversão foi parar de praguejar. Então, impulsiva­
mente, disse: — Você sabe, Pickett, há algo que você
pode fazer a respeito.
— Que você quer dizer? — perguntou ela.
Não querendo falar de Jesus na área das enfermei­
ras, sugeri que fôssemos até a sala de tratamento, do
outro lado do corredor.
— Magnífico — concordou Pickett — você indica o
caminho.— Juntos atravessamos o corredor em dire­
ção da sala de tratamento e lá, num cenário pouco
atraente, no meio de instrumentos e máquinas tera­
pêuticas, contei-lhe a experiência da minha conversão
e como a fé em Jesu s e no Espírito Santo havia
mudado totalmente a minha vida, especialmente meu
velho hábito de praguejar. Por intermédio da graça de
Deus devo ter dito a palavra certa na hora certa, pois
Pickett me ouviu com grande interesse. Antes de
deixarmos a sala de tratamento ela orou, convidando
Jesus para entrar em sua vida e transformá-la. Daque­
le dia em diante nunca mais a ouvi praguejar.
Nos meses seguintes, Pickett e eu achávamos
sempre um tempo para orar juntos, muitas vezes por
um irmão seu, que sofria de grave moléstia. Era com
uma sensação de alegria e admiração que eu acompa­
nhava o crescimento na fé na vida diária de Pickett,
bem com o a compreensão do poder restaurador do
amor de Deus.
Esta era a Pickett que se havia tomado amiga de
Rosa, e que agora cumprimentava a mim e a Russ
enquanto entrávamos no quarto.
— Dr. Wilson! — exclamou ela. — É justamente
por você que estamos esperando. Rosa tem algo para
lhe dizer.
— Que é? — perguntei.
Notei que Rosa segurava um bloco de papel, cujas
páginas estavam cortadas ao meio e arredondadas na
parte superior, semelhante às Tábuas da Lei que
aparecem com Moisés nas gravuras tradicionais.
Baixando os olhos, Rosa entregou-me o bloco. No
lado direito estava escrito:
“Pai Celeste, não haverá alguém no mundo que
venha falar-me de ti? Por favor, envia alguém para
falar-me a teu respeito. Com amor, Rosa.”
Lágrimas vieram-me aos olhos enquanto eu gague­
java com a voz empanada pela emoção.
— Rosa, você tem alguma idéia sobre quem seja
esse Pai Celeste para quem você acaba de escre­
ver? — perguntei-lhe.
— Não — respondeu— . Mas você tem. Pickett diz
que você sabe. Eu acredito nela e acredito que é você
quem vai contar-me tudo sobre Deus.
Olhei para Pickett que, com o Russ e eu, fazia
esforço para não chorar.
Durante a hora e meia que se seguiu, partilhei com
Rosa tudo o que sabia acerca do amor de Deus por
toda a humanidade e, especificamente, acerca de seu
amor especial por ela. Expliquei-lhe que, mesmo que
ela fosse a única pessoa no mundo todo, ainda assim
Deus teria enviado Jesus para morrer por seus peca­
dos. Disse-lhe como podería ser perdoada e purificada
pelo grande amor que Jesus sentia por ela; e que com
a ajuda do Espírito Santo, ela recebería o poder para
tomar-se uma nova pessoa. Expliquei-lhe que, se tão-
-somente encontrasse lugar em seu coração para
confiar em Deus, ele cuidaria de cada uma de suas
necessidades. Então prossegui contando-lhe sobre
minha experiência de conversão e o tremendo efeito
que ela teve em minha própria vida.
— Rosa, você gostaria de receber Jesus como
Salvador? — perguntei ao terminar.
— Oh, sim, sim senhor! — respondeu ela.
Nós quatro ajoelhamo-nos ao lado da cama en­
quanto ela pedia que Jesu s entrasse em sua vida.
Embora exteriormente nada houvesse mudado, eu
sabia que no interior ela estava sendo transformada.
Alguns dias mais tarde Rosa informou-me que,
voluntariamente, concordava em transferir-se para o
hospital estadual. Assegurei-lhe que não ficaria só; eu
arranjaria para que alguém a visitasse todos os dias.
Telefonei então para um grupo de senhoras, crentes
dedicadas, em uma comunidade das redondezas, e
perguntei se estavam dispostas a visitar Rosa assim
que ela chegasse ao hospital. As senhoras não somen­
te concordaram como também prometeram fazer todo
o possível para que Rosa fosse visitada diariamente
até receber alta.
Fiéis a sua promessa, as senhoras gastaram horas
com Rosa, além de lhe ensinarem como se vestir e
falar de maneira mais social e aceitável. E num ato de
imensurável bondade, decidiram retirar o filhinho de
Rosa da casa para onde fora mandado pelo departa­
mento do bem-estar social, e angariaram fundos para
uma cirurgia que corrigiria o seu defeito de nascimen­
to. Cuidaram do menino durante a hospitalização e a
recuperação, deram orientação a Rosa quanto à
maneira de cuidar do filho. Até mesmo os maridos
dessas senhoras se envolveram no caso, reformando o
carro de Rosa, que estava em péssimas condições,
deixando-o com o novo.
Depois de seis semanas no hospital, Rosa recebeu
alta. Ela não somente saiu com um carro novo, mas
também com uma nova perspectiva da vida e do
futuro, e uma nova identidade de mulher cristã.
Depois de morar algum tempo com uma das
senhoras do grupo que cuidou dela no hospital, Rosa
e o filho mudaram para uma localidade vizinha, onde
obteve um bom emprego e matriculou-se numa escola
de enfermagem. (Com a ajuda e o incentivo de seus
novos amigos, ela conseguiu passar num exame
equivalente ao segundo grau.) Desde então Rosa não
mais tem sofrido depressão nem tendências suicidas.
Nunca mais precisou de psiquiatras.
* * *
Não é preciso ir muito longe para descobrir que há
muitas pessoas feridas e magoadas por este mundo
afora que, como resultado das experiências infelizes
da vida, jamais aprenderam a se comportar de manei­
ra aceitável pela sociedade. Embora a cura para tais
indivíduos possa começar dentro das paredes do
hospital ou de um consultório médico, é essencial que
eles mais adiante recebam o cuidado adicional de uma
comunidade cheia de amor e carinho, se quisermos
que sua cura seja permanente e que cheguem a ser
finalmente membros aceitos e produtivos da socieda­
de.
Seria uma ingenuidade da pior espécie, por exem ­
plo, pensar que uma pessoa com o Rosa, simplesmen­
te por haver sido curada da depressão, ou por haver-
-se convertido, seria por isso automaticamente trans-
formada em todas as áreas mal-ajustadas de sua
personalidade e do seu comportamento. Afinal, se
durante toda a sua vida uma pessoa fosse forçada a
pensar e a relacionar-se com os demais unicamente
em termos sexuais para poder sobreviver, ou se, por
toda sua vida ninguém se importasse com a sua
maneira de vestir, comer, andar ou falar, essa pessoa
necessitaria sem dúvidas de instruções básicas antes
de reintegrar-se no seio da sociedade. Para chegar aí,
não somente é mister tempo com ensinos específicos,
mas também muita paciência e compaixão da parte do
professor.
Embora hoje existam numerosas agências cívicas e
governamentais, cujo propósito é assistir a indivíduos
semelhantes a Rosa e reintegrá-los na sociedade,
tenho observado serem poucos os grupos que podem
fazer esse trabalho melhor que uma comunidade cristã
ativa e interessada pelas necessidades alheias! Isso
talvez se deva ao fato de ser esse o único caminho
pelo qual o Espírito Santo capacita os crentes a amar.
Com o salientei anteriormente, amar no sentido
cristão significa colocar o bem-estar de outrem antes
do nosso próprio. É esse tipo de amor divino que
inspira nos crentes um desejo real de servir, pois
servindo aos outros eles estão, na verdade, servindo o
Senhor. Nas palavras de Jesus:

O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade


vos afirmo que sempre que o fizestes a um destes
meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes (Ma­
teus 25:40).

Ao mesmo tempo, é importante que se entenda que


o amor ágape não é algo que se possa manufaturar ou
convocar segundo nossa própria vontade. É um
presente de Deus, gerado por intermédio da habitação
do Espírito Santo de Deus no coração do crente.
Reconheço que na minha própria vida descobri Uma
nova capacidade para amar, uma nova qualidade de
paciência e compaixão que eu simplesmente não
possuía antes de me haver tomado cristão; é algo que
não pode ser atribuído à minha própria personalidade.
O efeito coletivo desse tipo de amor, tal qual aquele
demonstrado pelas senhoras zelosas que procuraram
ajudar Rosa, é, sem dúvida, excepcional.
3
MIGUEL
O Poder Restaurador
do Arrependimento,
da Confissão e do Perdão

Porque com o coração se crê para justiça, e


com a boca se confessa a respeito da salvação.
Porquanto a Escritura diz: Todo aquele que crê
não será confundido. Pois não há distinção entre
judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor
de todos, rico para com todos os que o invocam.
Porque: Todo aquele que invocar o nome do
Senhor, será salvo (Romanos 10:10-13).
— Miguel! — exclamei, surpreso por encontrar meu
amigo esperando do lado de fora do consultório,
quando cheguei ao trabalho certa manhã. Fiquei
alarmado com sua expressão: nervoso, assustado,
transtornado. — Que aconteceu? Por favor, entre.
Sente-se.
Miguel era um homem elegante, na casa dos
cinqüenta, cabelos prateados e com a aparência de
um velho ídolo do público. Comumente Miguel
apresentava-se impecável, mas nessa manhã suas
roupas amarrotadas pareciam ter sido usadas para
dormir.
— Bill — falou Miguel nervosamente, sentado na
ponta da cadeira. — Preciso da sua ajuda. Passei a
noite em claro; não consigo dormir. Há semanas que
venho querendo falar com você, nas não tenho tido
coragem. Você me conhece melhor que ninguém, Bill.
E é por isso que é tão difícil dizer o que tenho para
dizer.
— Miguel — disse eu, estendendo a mão para
colocá-la sobre o seu ombro e tranqüilizá-lo — sou
seu amigo e nada que você diga mudará isso.
Miguel permaneceu em silêncio. Por um momento
pensei que ele fosse levantar e sair. Então, em voz
baixa, confessou o que lhe estava perturbando.
— Você conhece o meu passado homossexual —
disse ele. — Você é a única pessoa que sabe disso. Eu
nunca contei a minha esposa. Eu nunca quis que ela
ou meus filhos soubessem algo a esse respeito.
Quando deixei aquela vida, há quase vinte anos, eu
estava certo de que nunca mais voltaria. Eu estava
certo de que Deus me ajudaria. Mas B ill.. . — A voz de
Miguel falhou e seus olhos fundos encheram-se de
lágrimas. — Estou dentro dela outra vez, Bill. Deus
sabe que eu não quero estar, mas estou.
— Como isso aconteceu? — Perguntei, tentando
ocultar a dor que sentia por meu amigo.
— Foi num congresso de vendas, numa apresenta­
ção comercial no Oeste, alguns meses atrás. Eu estava
num coquetel promovido pela firma; certo homem
olhou-me daquela forma inconfundível, fez alguns
comentários sugestivos, e por alguma razão eu fraque­
jei e concordei em encontrá-lo em seu quarto mais
tarde. Desde então tenho estado com vários homens.
Estou me afundando como nunca! Meu Deus, Bill!
Que farei? Sinto-me tão desamparado! e tão culpado!
Sei que o que estou fazendo é muito errado. Não
estou somente traindo minha esposa e meus filhos —
nunca me senti tão separado de Deus em toda a
minha vida! Por favor, não me condene, Bill. A razão
principal pela qual tenho evitado conversar com você
é por temer a sua condenação.
— Você me conhece melhor que isto — respondí.
— Fico contente por você ter decidido afinal falar a
respeito. Você está sob grande tensão, Miguel. Vamos
ter de tirar tempo, pensar juntos e descobrir a maneira
de arrancá-lo dessa confusão toda. Nós já fizemos isso
antes. Podemos fazê-lo novamente.
Enquanto eu falava, fiquei contente por ver Miguel
mais calmo; ele recostou-se na cadeira, parecendo
respirar com maior facilidade.
Encontrei Miguel pela primeira vez alguns anos
antes de me tomar crente e antes de incluir em meu
trabalho alguma consideração das crenças religiosas
dos meus pacientes. Miguel havia conseguido a minha
atenção quando tentou suicidar-se com uma super
dose de pílulas para dormir. Quando o examinei
aquela vez, não havia razão para suspeitar de sua
história homossexual: Era um homem casado, com
quatro filhos, participava ativamente de sua igreja e
comunidade. Por causa de sua grave depressão e
arraigada tendência suicida, precisava de tratamento
imediato. J á que naqueles tempos não havia drogas
antidepressivas disponíveis, tratei-o com eletroterapia.
A princípio, parecia que Miguel se recuperava
rapidamente. Sua tendência suicida e os sintomas de
depressão — insônia, perda de apetite e choro incon-
tido — desapareceram. Dei-lhe alta.
Em menos de um mês, contudo, tive de readmitir
Miguel, quando os sintomas reapareceram. Tratei-o
com eletroterapia outra vez. Durante sua convalescen­
ça, comecei a suspeitar que algo, que ele não me
havia contado, o estivesse perturbando.
Quando confrontei Miguel pela primeira vez, negou
que houvesse maiores áreas de conflito em sua vida.
Não convencido, porém, continuei confrontando-o.
Afinal, com grande angústia e dificuldade, contou-me
a seguinte história:
Miguel nasceu numa pequena cidade costeira, num
lar que era, para não dizer coisa pior, caótico. Seu pai
era alcoólatra — um homem dado a fúrias de embria­
guez, nas quais abusava fisicamente tanto da sua
esposa com o do seu filho — e que finalmente aban­
donou a família. A mãe de Miguel, por outro lado, era
uma cristã muito dedicada, uma mulher muito religio­
sa, considerada um dos pilares da comunidade, mas
que também (talvez devido aos defeitos de seu
marido) fomentou um relacionamento demasiada­
mente íntimo e asfixiante com o filho.
Antes de Miguel atingir a puberdade, um primo
mais velho convenceu-o a realizar atos sexuais com
ele. Com o tempo, Miguel, seu primo e vários outros
primos e rapazes da vizinhança viram-se envolvidos
em muitos tipos diferentes de atividades homossexuais
e heterossexuais. Com as intensas alterações no
impulso e na orientação sexual que advêm da puber­
dade, Miguel finalmente tomou-se o que é conhecido
como pervertido homossexual polimorfo. Tal pessoa
participa de todo tipo de atividade sexual pervertida,
tão variada e extravagante quanto a mente humana é
capaz de conceber.
Com o estouro da Segunda Guerra Mundial, Miguel
foi convocado para o serviço militar. Terminado o
treinamento, ele foi transferido para uma unidade que,
por acaso, incluía trinta e cinco homossexuais. Tão
logo os homens se reconheceram, iniciaram uma série
de orgias, nas quais realizavam, em grupo, todo ato
sexual de que tinham ouvido falar ou experimentado.
Foi só uma questão de tempo para serem descobertos.
Uma noite, durante uma de suas orgias, foram surpre­
endidos e presos pela patrulha. Todos passaram pela
corte marcial e foram desengajados do serviço ativo
com desonra.
Uma vez em casa, Miguel decidiu cursar a faculda­
de. Ele ouviu uns amigos falarem da existência de uma
universidade ali por perto, onde se dizia, mais de 5 0
por cento dos alunos eram homossexuais. Miguel
matriculou-se. Os rumores se confirmaram, e logo ele
se viu envolvido em suas costumeiras atividades
homossexuais. Ao mesmo tempo, ele sobressaiu nos
estudos e esperava formar-se.
Foi durante o segundo ano do curso de pós-
-graduação que Miguel envolveu-se com o que é
conhecido no meio homossexual como uma “queen”
(rainha), um homossexual muito afeminado. Embora
Miguel estivesse bem familiarizado com “queens” em
geral, foi no decorrer desse relacionamento que
participou de um ato homossexual chocante, até
mesmo para ele, que tinha bastante experiência no
assunto. Certa noite, realizando o referido ato, Miguel
de repente sentiu-se paralisado com sentimentos de
repugnância por si mesmo, remorso, vergonha, e —
por alguma razão estranha — medo. Sem saber co­
mo, ele de repente reconheceu a total depravação de
sua conduta. Miguel estava em dificuldades — e sabia
disso. Contudo, ele lembrou-se da fé firme de sua
mãe, de que Deus salva uma pessoa — não importa
quão perdida e degenerada esteja ou seja — se clamar
ao seu Criador na hora da necessidade.
— Senhor, salva-me! — gritou em voz alta.
E, segundo a explicação de Miguel, foi exatamente
o que Deus fez.
Literalmente enojado de seu comportamento, Mi­
guel vesüu-se rapidamente, saiu para o corredor,
sentindo-se mal. Ele nunca voltou nem para dizer
adeus ao seu parceiro. Daquela noite em diante ele
evitou qualquer contato com homossexuais em geral.
Para todos os efeitos e por tudo o que aconteceu
naquela noite, poder-se-ia dizer que Miguel não era
mais homossexual. Por meio da conversão ele fora
instantaneamente curado.
Mesmo ainda não sendo crente, fiquei impressiona­
do com a história de Miguel. Isso porque a homosse­
xualidade, devido ao prazer e gratificação imediata
que oferece ao indivíduo, é um desajuste difícil de ser
curado.
Nessa ocasião, Miguel formou-se, mudou-se para
outra região do país e obteve um bom emprego.
Casou-se e tomou-se pai de quatro lindos meninos.
Devido a sua gratidão sincera e amor a Deus, ele
naturalmente atingiu uma posição de líder na igreja.
Ele era, na verdade, visto por muitos como um cristão
modelo. Não que Miguel procurasse tal qualificação;
seu grande amor pelo Senhor correspondia direta­
mente ao grau de perdão que recebera. Sua profunda
humildade era sincera. S er admirado pelos outros só o
fazia sentir-se constrangido.
Conhecendo tudo isso acerca de Miguel, era fácil
. prever que o próximo acontecimento a transpirar em
sua vida seria suficiente para levá-lo a uma depressão
tal que desejasse acabar com a própria existência.
Embora o pai alcoólatra houvesse abandonado a
família quando Miguel ainda era novo, muitos mem­
bros dela haviam mantido contato com ele. Certo dia,
Miguel recebeu uma chamada telefônica de um de
seus irmãos, informando-o de que seu pai estava
gravemente enfermo e sem esperança de vida. Depois
de pensar muito sobre o assunto, Miguel decidiu que
apesar de seu pai nada haver feito por ele, a não ser
surrá-lo quando criança, era seu dever moral visitar o
pai em seu leito de morte.
Mas ele desistiu de ir, ao lembrar que, ao deixar sua
cidade para o serviço militar e os estudos, muitas
pessoas — seus primos e muitos meninos que haviam
crescido com ele — conheciam sua vida e homosse­
xualidade. Miguel nunca havia falado do seu passado
com a esposa e nunca pretendia fazê-lo. S ó o
pensamento de que ela viesse a saber, o assustava.
Que aconteceria se, andando por uma das ruas de sua
cidade natal, alguém publicamente o ridicularizasse?
Ou pior, se alguém, chamando à parte a sua esposa,
murmurasse algumas palavras malévolas em seu ouvi­
do?
Quanto mais se aproximava o dia da morte do pai,
mais o medo de Miguel aumentava. De alguma forma
ele teria de voltar à cidade natal, mesmo que fosse
para o enterro do pai. Que iria ele fazer? Ele não
podería dizer à esposa que a razão por que evitava
visitar o pai era por manter um ressentimento contra
ele; tal atitude vingativa seria contrária a sua natureza.
Finalmente, desesperado, Miguel ingeriu uma dose
excessiva de pílulas de dormir. Foi assim que ele se
tomou meu paciente.
Embora naquela ocasião eu não pudesse oferecer a
Miguel aconselhamento especificamente cristão, Deus
concedeu-me uma solução lógica para o seu proble­
ma. Quando Miguel me perguntou como deveria fazer
para visitar o pai que morria, eu sugeri que ele
entrasse no carro com a esposa e filhos e fosse direto
ao hospital e depois voltasse imediatamente.
Miguel agiu assim, e com grande sucesso. Ninguém
escarneceu ou zombou dele ou dos membros de sua
família. Sem dúvida, parecia que todos os que o
encontravam haviam-se esquecido do seu passado.
Mais tarde, quando seu pai morreu, aconteceu o
mesmo. Finalmente, o profundo medo de Miguel
havia sido resolvido. Deus, como parecia, o havia
protegido.
Até agora.
Olhando para o rosto atormentado de Miguel e
considerando o que ele havia acabado de dizer-me
sobre seu retomo às atividades homossexuais, fiquei
muito preocupado. Pois eu sabia que a terapia que
Miguel e eu iniciaríamos não seria fácil, nem teria
garantia de sucesso.
A homossexualidade, com o já mencionei, é muito
difícil de ser curada. É interessante notar que muitos
psiquiatras assumem a postura de que a homossexua­
lidade não é doença; mas, mesmo assim, falam do seu
“tratamento” . Em um dos livros básicos de psiquiatria,
J . Marmor escreve que, embora os homossexuais se
apresentem para tratamento psiquiátrico por dificulda­
de em atrair parceiros, rompimento de relacionamen­
tos homossexuais, problemas de realização própria,
diversas neuroses e depressão, a maioria deles busca
só o alívio dos sintomas desses problemas específicos.
Existem, entretanto, outros homossexuais — pessoas
como Miguel — que procuram o tratamento psiquiá­
trico porque estão infelizes com sua orientação sexual
e desejam atuar como heterossexuais.
Basicamente, a homossexualidade pode ser defini­
da como uma doença em que a pessoa que a sofre
possui uma preferência sexual anormal. Há duas
escolas de pensamento que estudam a causa da
homossexualidade: 1) a que afirma que a homosse­
xualidade é biológica ou geneticamente determinada,
o que implica que o indivíduo homossexual não
consegue ajudar a si próprio e, 2) a que diz ser a
homossexualidade um comportamento adquirido, na
maior parte, como resultado amplo de conflitos psico­
lógicos no início da vida. Evidências científicas surpre­
endentemente apoiam a segunda escola ou linha de
pensamento, isto é, a preferência sexual não é deter­
minada biologicamente, mas adquirida.
Muito se tem dito e publicado acerca do ponto de
vista “cristão” da homossexualidade. Após muita
pesquisa neste assunto, é meu parecer que um
comportamento homossexual por parte de um crente
é, na melhor das hipóteses, um comportamento que
está em direta contradição com os princípios da fé. Isto
é especialmente verdade à luz da admoestação bíblica
encontrada na carta de Paulo aos Romanos:

Pois eles mudaram a verdade de Deus em


mentira, adorando e servindo a criatura em lugar
do Criador, o qual é bendito etemamente.
Amém. Por causa disso os entregou Deus a
paixões infames; porque até as suas mulheres
mudaram o modo natural de suas relações
íntimas, por outro contrário à natureza; seme­
lhantemente, os homens também, deixando o
contato natural da mulher, se inflamaram mutua­
mente em sua sensualidade, cometendo torpeza,
homens com homens, e recebendo em si mes­
mos a merecida punição do seu erro. E, por
haverem desprezado o conhecimento de Deus, o
próprio Deus os entregou a uma disposição
mental reprovável, para praticarem coisas incon­
venientes (Romanos 1:25-28).

Para o crente, há uma opção viável para o estilo de


vida homossexual — uma decisão ou escolha cons­
ciente. A “disposição mental reprovável” pode ser
transformada. Com o Paulo continua a dizer:
E não vos conformeis com este século, mas
transformai-vos pela renovação da vossa mente,
para que experimenteis qual seja a boa, agradá­
vel e perfeita vontade de Deus (Romanos 12:2).
A homossexualidade parece então, do ponto de
vista bíblico, não ser biologicamente determinada,
mas um padrão de comportamento adquirido. Tenho
observado que a homossexualidade — assim como
muitos padrões de comportamento impróprio, como o
alcoolismo e a glutonaria — é controlável e passível
de mudança. Para o cristão, semelhantes normas
impróprias de conduta indicam também enfermidade
espiritual. No caso de homossexualidade, a doença é
manifestada pelo distúrbio funcional do desejo sexual
e da escolha do objeto.
Seja cristão ou não o paciente, a homossexualidade
continua muito difícil de ser curada. Segundo Marmor,
o tratamento acertado produz resultados satisfatórios
na mudança da preferência do objeto sexual somente
em 20 a 5 0 por cento dos pacientes tratados. O
prognóstico é bom em: (1) pessoas jovens; (2) pessoas
com prévia experiência heterossexual; (3) pessoas
com início recente nas atividades homossexuais e (4)
pessoas com padrões de personalidade agressiva. O
prognóstico é pouco favorável especialmente para os
homossexuais passivos e efeminados.
Na literatura cristã existem inúmeros exemplos de
curas de homossexuais como resultado da conversão.
Além da experiência inicial de Miguel, tenho visto
muitos casos semelhantes. Que hã outros milhares é
coisa certa, mas são raramente descobertos.
A fé cristã em si, além de terapêutica para o
homossexual que busca a cura pelo fato de reorientar
instantaneamente a pessoa, atua também com o uma
força motivadora para efetuar uma mudança gradual.
No caso de Miguel, entretanto, a simples fé salvadora
não fora suficiente para a cura final. Mais terapia —
intensiva e de longa duração — seria necessária.
Quando expliquei tudo isso ao Miguel, ele abaixou
a cabeça em silenciosa aprovação. Entendendo total­
mente a energia e o compromisso que seriam requeri­
dos dele, afirmou que estava disposto a fazer uma
psicoterapia intensiva. Devido à fé cristã, ele estava
sumamente motivado para obter cura completa e
permanente.
Começamos por remontar-nos à infância de Miguel
e examinar metodicamente os muitos traumas daque­
les anos: o abuso ffsico e mental que sofreu por parte
do pai, o asfixiante relacionamento que suportou com
a mãe, e sua primeira e subseqiientes experiências
sexuais, nas quais havia participado com seu primo e
outros amigos. Por meio da recordação dessas expe­
riências, Miguel chegou a compreender muito melhor
a falta de estabilidade no casamento de seus pais e
com o isso determinou sua maneira de entender o
amor heterossexual; a falta de disciplina aplicada
amorosamente e como isso afetou negativamente o
sentido de sua própria dignidade; a falta de um
modelo do papel masculino forte, devido ao alcoolis­
mo e deserção do pai; e a falta de um sistema firme de
valores e instrução religiosa consistente, devido à
natureza contrastante dos sistemas de valores e cren­
ças religiosas de seus pais: uma mãe super-religiosa e
dominadora, e um pai sem religião, totalmente des­
controlado.
Com esse conhecimento mais completo do efeito
prejudicial de sua infância, Miguel pôde compreender
quão necessário era-lhe admitir e deixar para trás seu
passado, para, finalmente, crescer, por assim dizer,
sem pensar no dano que seus pais e primeiros
companheiros de brinquedo lhe causaram. Miguel não
podia retroceder jamais, mediante sua conduta ho­
mossexual, a seu “pequeno mundo infantil” , onde
seu crescimento sexual e emocional havia sido detido
e deformado tão tragicamente.
Ao mesmo tempo, examinei mais profundamente a
natureza da vida espiritual de Miguel; isto é, sua
conversão e subseqüente experiência cristã. Numa
tentativa de averiguar o efeito que sua fé podería ter
na cura de sua homossexualidade, expliquei-lhe a
importância dos seguintes pontos-chave com as cor­
respondentes perguntas:
1. Arrependimento: Estava Miguel verdadeiramente
arrependido de seu comportamento homossexual?
“Jesus, vendo-o deitado e sabendo que estava
assim havia muito tempo perguntou-lhe: Queres ser
curado?” (João 5:6).
2. Transformação: Queria realmente Miguel ser
transformado? “E não vos conformeis com este
século, mas transformai-vos pela renovação da vossa
mente, para que experimenteis qual seja a boa,
agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos
12 : 2 ).
3. Fê: Esperava Miguel realmente que Deus o
transformasse?
“Tudo é possível ao que crê” (Marcos 9:23).
4. Oração: Estava Miguel disposto a orar fervorosa­
mente por sua cura?
“Está alguém entre vós sofrendo? Faça oração . . .
E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o
levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão
perdoados. Confessai, pois, os vossos pecados uns
aos outros, para serdes curados. Muito pode, por sua
eficácia, a súplica do justo” (Tiago 5 :1 3 , 15, 16).
5. Vontade: Desejava Miguel realmente, acima de
todas as coisas, a vontade de Deus para sua vida,
mesmo que isso incluísse o abandono de todas as
atividades homossexuais?
“E dizendo: Pai, se queres, passa de mim este
cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e, sim, a
tua” (Lucas 2 2 :42).
A reação de Miguel ante todas estas perguntas foi
decididamente afirmativa, o que era indício animador.
Finalmente, com o propósito de curar Miguel de
todas as duras experiências e memórias, empreguei o
processo árduo e perioso dos três passos, arrependi­
mento, confissão e perdão.
Mediante o arrependimento, Miguel tinha de reco­
nhecer que era sua a responsabilidade de haver-se
tomado a pessoa que era; ele precisava aceitar sua
pecaminosidade como somente sua, não como falta
ou responsabilidade de ninguém mais. Ao arrepender-
-se, Miguel também teria de lamentar com sinceridade
os erros de seu comportamento e procurar realmente
mudar. De certa forma, a integridade do arrependi­
mento dele era algo que só devia ser conhecido
verdadeiramente por ele e Deus. Mas, até onde eu
podia determinar, Miguel possuía um coração arre­
pendido.
Quando Miguel reconheceu os seus pecados e deles
se arrependeu, ele os confessou. Confessou-os a mim
ao narrar sua longa história de encontros homosse­
xuais, como podia recordar. Às vezes tudo o que eu
podia fazer era ouvir as recordações de Miguel, tão
atormentado e angustiado estava ele com tais lem­
branças. E mais: Miguel confessou os pecados dos
pais, ao extravasar a ira, a amargura, o ressentimento
e o ódio acerbo que sentia para com eles por causa
das muitas vezes que fora por eles maltratado na
infância.
Finalmente, Miguel orou pedindo a Deus que lhe
perdoasse os pecados e tocasse todos os pontos
danificados de seu coração com seu amor restaurador,
o que Deus fez.
Foi através desse processo que Miguel recebeu a
cura. Desde que recebeu a psicoterapia cristã intensi­
va, não voltou às atividades homossexuais. Continua
profundamente convicto e em paz, com a confiança
de que jamais voltará atrás.
* * *

O procedimento dos três passos ou estágios, arre­


pendimento, confissão e perdão, é um dos instrumen­
tos mais poderosos que o terapeuta cristão tem para
efetuar mudanças e cura. A chave do êxito desse
método é a maneira como estabelece um relaciona­
mento adequado entre o paciente e Deus.
Como o caso de Miguel ilustra, a motivação clássica
para o arrependimento é o sofrimento emocional. O
sofrimento é uma parte inevitável da experiência
humana e uma conseqüência natural da natureza
decaída (pecadora) da humanidade. Isso é melhor
descrito com o sendo um estado emocional contínuo,
que surge como resultado de algum estímulo interno
ou externo (em muitos casos, pensamentos ou com­
portamentos pecaminosos), que causa sentimentos
angusüosos como a tristeza, o medo, a confusão, a
raiva, o vazio, a vergonha, a culpa e assim por diante.
S e o sofrimento é o tipo de angústia que se origina de
pensamentos ou comportamentos pecaminosos, en­
tão a dor é uma consequência da separação entre o
homem e Deus. Esse tipo de sofrimento só pode ser
aliviado ou curado quando a pessoa se reconcilia com
Deus.
Para que se compreenda a necessidade do arrepen­
dimento, é necessário que se reconheça também a
realidade e natureza do pecado. O pecado é sempre
cometido contra Deus. Jesus deixou isto claro ao
mencionar a confissão do filho pródigo a seu pai: “Pai,
pequei contra o céu, e diante de ti” (Lucas 15:21). E
Davi, no salmo 5 1 , escreve: “Pequei contra ti, contra ti
som en te.. (v. 4). A conduta pecaminosa, portanto,
envolvendo ou não outras pessoas, é pecado contra
Deus, e como tal necessita de arrependimento que
deve dirigir-se diretamente a Deus.
Note-se também que o verdadeiro arrependimento,
ou remorso pelo pecado, é uma atitude que somente
pode ser provocada pelo Espírito Santo. E o Espírito
Santo que leva a pessoa a compreender que um dia
terá de encontrar-se face a face com Deus e ser
julgada. O tema do julgamento de Deus não é muito
popular nos dias de hoje, mas é, contudo, um tema
sobre o qual Jesus falou com freqüência e com
firmeza. A aceitação por uma pessoa de seu julgamen­
to, faz que ela experimente uma sensação dolorosa de
inadequação, a qual, por sua vez, motiva sua humilde
súplica de alívio a Deus. Essa súplica — mediante o
ato de arrependimento com um coração “compungi­
do e contrito” (Salmo 5 1 :1 7 ) — é um momento
profundo, quando a pessoa experimenta uma mudan­
ça psicológica literal na personalidade. Para a pessoa
não regenerada, que está experimentando esse tipo
de arrependimento pela primeira vez, é nada menos
que seu momento de conversão. Para a pessoa que já
é crente (como era o caso de Miguel), é o momento de
mudança que resulta em pensamentos e conduta mais
santos (ou inteiros).
Com o arrependimento, a pessoa experimenta o
desejo de confessar — primeiro a Deus, e, em alguns
casos, a certas pessoas. Em Tiago, lemos: “Confessai,
pois, os vossos pecados uns aos outros, para serdes
curados” (Tiago 5:16).
O psicólogo Louis Monden observou que “confes­
sar a própria culpa é uma experiência arquetípica, tão
profundamente arraigada na psique humana que sua
necessidade jamais desaparecerá”. Novamente acen­
tuo que o ato de confessar o próprio pecado a outro
crente, com a intenção de obter a oração' dessa
pessoa, pode ser muito útil; porém, confessar o
próprio pecado a outro que, com o resultado, fique de
alguma maneira escandalizado ou ofendido, deve ser
evitado a todo custo. Para que ocorra a cura, é
necessário, entretanto, que o indivíduo confesse seu
pecado a Deus.
Uma vez que a pessoa tenha confessado a Deus,
então virá a resposta daquele que ama incondicional­
mente e é infinitamente misericordioso. Ele perdoa!
Recebendo o perdão de Deus, a pessoa é transfor­
mada; pode aceitar-se a si mesma porque é aceita por
Deus; pode perdoar os outros porque é perdoada por
Deus. Por meio do perdão de Deus, a pessoa é salva
não somente da morte e escravidão do pecado, mas
também do medo paralisante da escravidão futura ao
pecado. Mediante o perdão de Deus, a pessoa é
literalmente liberta.
Mas, como o exemplifica tão eficazmente a história
de Miguel, mesmo quando a pessoa é cristã tem,
contudo, coexistindo com o Espírito Santo, sua velha
natureza humana. S e o crente não é vigilante — e às
vezes mesmo quando o é — terá deslizes tanto de
pensamento como de conduta. As vezes o crente
procura inevitavelmente controlar sua própria vida, e
em seu desejo de ser “livre” da influência de Deus,
segue seu próprio caminho confuso. Quando isso
acontece (como ocorreu com Miguel ao retomar às
atividades homossexuais) o crente apaga ou entristece
o Espírito Santo, e uma vez mais se encontra separado
de Deus.
Não apagueis o espírito. . . . (1 Tessalonicenses
5:19).
E não entristeçais o Espírito Santo de D eu s.. .
(Efésios 4:30).
Essa separação de Deus é experimentada imediata­
mente com o uma sensação de perda e de dor
emocional. Tais sentimentos negativos na realidade
são iniciados pelo Espírito Santo, quando procura
levar a pessoa a sentir remorso por essa parte não
rendida e insubmissa de sua vida.
Na maioria dos casos, a conduta pecaminosa é
seguida pelos três estágios de arrependimento, confis­
são e perdão; então restabelece-se uma comunhão
adequada entre o crente e Deus. A dor e o sofrimento
emocionais já não serão problema. A pessoa está
curada.
4
ELENA
A Centralidade de Cristo
em Relação
Com a Cura

Ora, ensinava Jesus no sábado numa das


sinagogas. E veio ali uma mulher possessa de um
espírito de enfermidade, havia já dezoito anos;
andava ela encurvada, sem de modo algum
poder endireitar-se. Vendo-a Jesus, chamou-a e
disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade;
e, impondo-lhe as mãos, ela imediatamente se
endireitou e dava glória a Deus (Lucas 13:10-
13).
Pequena e mimosa, Elena me fazia lembrar exata­
mente um cãozinho de estimação. Brilhando em seus
olhos castanho-escuros, porém, estava a ira venenosa
de uma serpente mortal.
— Não serei transferida para a ala de psiquiatria! —
protestou — . E no que me diz respeito, você pode sair
de meu quarto, já.
Seus movimentos eram agitados enquanto com
dificuldade tentava assumir uma posição mais confor-
tável na sua cama de hospital.
— Com o ousa você afirmar que não estou fisica­
mente doente? — disse ela. — Você me viu cami­
nhando. S e você fosse um médico de verdade,
percebería o quanto esta dor me faz sofrer. — Aper­
tando os olhos, prosseguiu: — Eu lhe digo que sofro
de esclerose múltipla, e por Deus, vou conseguir um
tratamento para essa moléstia, seja onde for, aqui
neste hospital ou em algum outro lugar!
Eu tinha acabado de examinar Elena a pedido de
um colega neurocirurgião, que não havia encontrado
nela nenhuma evidência de esclerose múltipla, ou de
qualquer outra doença neurológica.
Elena, com trinta anos de idade, em seu segundo
casamento, era mãe de uma garota em idade pré-
-escolar, filha de seu matrimônio anterior, e parcial­
mente madrasta de um menino mais velho, filho do
primeiro casamento do marido. Além do mais, estava
empregada em período integral como professora de
crianças mentalmente retardadas.
Seus sintomas haviam aparecido pela primeira vez
uns nove meses antes, quando, depois de um forte
resfriado, queixou-se ao médico de depressão cres­
cente, escassez de memória, vertigens, dores no
estômago e nas costas e dificuldade para raciocinar e
concentrar-se. Passaram-se seis meses e ela ficou
sabendo que sua prima, sua conhecida desde criança,
havia contraído esclerose múltipla. E como alguns dos
sintomas apresentados por sua prima eram semelhan­
tes aos dela, Elena se convenceu de que este era
também o seu problema. Com o tempo, assumiu uma
postura encurvada, que quase a impedia de caminhar.
Após várias visitas sem sucesso a diversos centros
médicos, Elena foi encaminhada ao nosso hospital
para uma avaliação final. Nos exames realizados por
mim, também não consegui encontrar nenhuma evi­
dência de enfermidade neurológica. Contudo, consta­
tei que Elena sofria de uma forte depressão, com
sintomas hipocondríacos, principalmente por sua pos­
tura encurvada e maneira de andar. Percebi desde o
princípio que Elena não gostou de eu ter-lhe dito que
seus problemas tinham origem psicológica e não
biológica, tampouco gostou de minha sugestão de
transferi-la para a psiquiatria. Sua reação irada, contu­
do, não me surpreendeu.
— Lamento que você tenha ficado nervosa com os
resultados dos exames; mas como médico e como
cristão, isso é o melhor que tenho para oferecer-lhe.
— Disse-lhe.
Parei por um momento, surpreso por haver mencio­
nado involuntariamente minha fé. Não era meu
costume agir assim no primeiro encontro com um
paciente, não só por questão de diplomacia, mas
também porque naquela época eu ainda estava
começando a integrar minha fé ao meu trabalho.
Tentando disfarçar, encaminhei-me para a porta.
— Tenha um bom dia, Elena. J á que você não
concorda em ser transferida para o serviço psiquiátri­
co, vou informar seu médico de que você não deseja
mais o tratamento e que já está pronta para ir para
casa.
— Espere! — chamou Elena. — Volte aqui.
Parei, virando-me curiosamente para observá-la.
— Eu irei — disse ela com brandura.
— Bem, essa agora é uma grande mudança. Que
fez com que mudasse de idéia?
— Isso não importa. Vá em frente e faça a minha
transferência — titubeou. — Você será meu médico,
não é?
— É, serei seu médico. — Respondí.
— Ótimo! — disse Elena, mais para si mesma que
para mim. — É tudo que eu precisava saber. — Com
aparente dificuldade ela recostou a cabeça no traves­
seiro e fechou os olhos.
Assim que Elena passou para a ala de psiquiatria,
com eçam os o tratamento com uma sessão de uma
hora diária, durante a qual eu me esforçava para
desembaraçar seu passado, a fim de entender melhor
a origem da sua doença.
Criada em um lar de classe média, com muito amor
e afeição, os anos juvenis de Elena correram razoavel­
mente tranqüilos. Foi durante seus anos na universida­
de estadual que as coisas começaram a ficar mais
difíceis.
Antes de formar-se, Elena decidiu casar-se. Logo
depois, ela engravidou e desligou-se da escola. Antes
do nascimento da criança, ela concluiu que seu
relacionamento com o esposo se deteriorava de forma
rápida. Por isso, assim que a filha nasceu, Elena,
confusa e assustada, separou-se do marido e conse­
guiu divórcio. Para ela, que não havia experimentado
muitos conflitos em sua vida de criança e adolescente,
o efeito da ruptura de seu primeiro casamento foi
devastador. Ela, que sempre esperou se casar, cons­
truir família e viver feliz, só podia agora encarar o
divórcio como um fracasso pessoal.
Fmalmente, Elena voltou para a faculdade e for­
mou-se em educação especial. Foi assim que come­
çou a trabalhar com retardados mentais. Ela casou-se
pela segunda vez, e esse casamento foi, desde o
princípio, cheio de dificuldades. Seu segundo esposo,
Rick, dependia de modo doentio dos pais que mora­
vam perto e que freqüentemente interferiam na vida
do casal. Rick também tivera um péssimo relaciona­
mento com a ex-esposa, uma mulher que, infelizmen­
te, escolheu usar o filho com o uma arma em sueis
batalhas intermináveis. Para Elena, uma pessoa sensí­
vel, tais ocorrências eram fontes de estresse e ansieda­
de. A natureza sumamente emocional e geralmente
frustrante de seu trabalho com retardados mentais,
também não ajudava em nada.
Por haver ela vivido as experiências desagradáveis
do divórcio, a idéia de passar por isso pela segunda
vez era demais para a sua cabeça agüentar. Como
resultado, caiu em séria depressão.
Infelizmente para sua saúde mental, Elena negava
sua depressão — até mesmo para si — e fazia o
melhor que podia para aparentar um rosto feliz diante
da família, dos sogros, dos amigos e dos colegas de
trabalho. Num esforço supremo por manter sua frágil
auto-estima, ela começou de forma gradual a conside­
rar todos os seus problemas psicológicos e emocionais
como sendo de ordem física. A esclerose múltipla da
prima proporcionou a Elena a doença multi-sintomá-
tica ideal, na qual podería concentrar toda a sua
infelicidade.
Em psiquiatria, essa transferência de problemas
psicológicos para sintomas físicos (sintomas esses reais
para o paciente), é conhecida por hipocondria. Para a
mente de Elena, era mais aceitável estar física do que
mentalmente doente. E como infeliz vítima de esclero­
se múltipla ela deixaria de enfrentar a realidade da
depressão e dos problemas conjugais.
Embora Elena me houvesse confessado sofrer de
estresse e possivelmente de depressão, ela não admi­
tia não ter esclerose múltipla. Sessão após sessão
lutamos com esse assunto. Ela estava particularmente
desgostosa com a minha insistência em que, enquanto
ela não conhecesse a verdadeira origem de seus
sintomas, eles não desapareceríam.
Numa de nossas sessões, perguntei-lhe se era cristã,
explicando que se ela realmente desejasse ser curada
isso podería ser de grande ajuda. Ela respondeu que
pensava ser, mas que também havia desejado uma
compreensão mais profunda da fé.
Quanto mais conversávamos sobre isso, mais evi­
dente se me tomava que apesar de Elena ter recebido
instrução básica cristã durante o seu crescimento, seu
conceito de teologia era mais teocêntrico do que
cristocêntrico. Devido a isso, ela nunca procurou
estabelecer um relacionamento pessoal com Deus,
fortalecido pelo Espírito Santo, mediante a fé em
Cristo. Em resposta ao interesse de Elena, discutimos
o assunto mais demoradamente, salientando que para
ser regenerada no espírito, por meio da fé em Cristo, a
pessoa precisa entregar-se de forma total, ou “des­
truir” sua vontade em troca da vontade de Deus.
Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si
mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e
siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida,
perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa,
esse a salvará (Lucas 9:23-24).
Esse tipo de entrega total, expliquei, é uma ocorrên­
cia sobrenatural, um ato inteiramente contra a nature­
za do ser humano. É, contudo, mais fácil de realizar-se
quando a pessoa entende que, em se entregando, está
colocando a vida nas mãos de um Deus que a ama
incondicionalmente, que cuidará dela, colocará seu
interesse em primeiro lugar e — se ela permitir— irá
guiá-la no caminho da inteireza, da perfeição.
Certa tarde, pouco mais de uma semana depois de
sua admissão ao nosso hospital, Elena orou pedindo
que Jesus entrasse em sua vida e lhe desse a plenitude
do Espírito Santo.
Mesmo assim, Elena ainda não acreditava que não
tivesse esclerose múltipla.
Finalmente, com o último recurso, perguntei-lhe se
estava disposta a pedir a Deus que nos ajudasse a
confirmar se ela sofria ou não de esclerose múltipla.
Ela concordou que era uma boa idéia. Perguntei se
estava disposta a orar no sentido de os sintomas de
sua verdadeira enfermidade — fosse depressão ou
esclerose múltipla — aumentassem de maneira a não
nos deixar dúvida. Elena concordou outra vez, em bo­
ra estivesse confiante de que no final seria revelado a
mim que ela sofria de esclerose múltipla.
O que aconteceu depois surpreendeu até mesmo a
mim.
Nos três dias seguintes, com o resposta direta a
nossa oração, a depressão de Elena aumentou bastan­
te. Durante esse período ela chorou continuamente e
ficou tão deprimida que mal podia erguer a cabeça do
travesseiro. Finalmente, mandou-me chamar.
— Dr. Wilson — soluçou ela — você estava certo.
Eu não tenho esclerose múltipla. Estou é deprimida.
Terrível, terrivelmente deprimida. Eu não posso
agüentar esta situação por mais tempo. Por favor, que
posso fazer para me curar? — olhou-me com os olhos
cheios de lágrimas.
— Oremos novamente. Oremos para que Deus
alivie tanto a sua depressão como seu estado encurva-
do.
Em dois dias, Elena estava caminhando normal­
mente.
Quatro sem anas mais tarde, depois de uma
terapia intensiva, por m eio da qual Elena adquiriu
uma visão mais profunda da origem da sua enfer­
midade e tam bém aprendeu a integrar de m aneira
mais efetiva a fé cristã a sua vida diária, estava
suficientem ente bem para retornar ao lar.
No dia da saída de Elena, entrei em seu quarto para
dar-lhe uma despedida carinhosa. Considerando a
natureza sumamente positiva e cooperadora do nosso
relacionamento, era-me difícil entender o quão hostil
ela havia sido no dia em que nos encontramos pela
primeira vez. Curioso, perguntei novamente por que
ela havia mudado de idéia e concordado em ser
transferida para o tratamento psiquiátrico.
Por um momento Elena ficou pensativa, e então um
sorriso afetuoso e lindo brilhou em sua face.
— Quando nos encontramos pela primeira vez você
mencionou que era cristão. Você pode não acreditar,
mas, de alguma forma, senti que, por causa de sua fé,
você era a pessoa que tinha a resposta para o meu
problema.
Mas a história de Elena não termina aqui.
Duas semanas depois de ter saído do hospital,
recebi dela a seguinte carta. E uma carta, devo dizer,
que tem servido com o um catalisador para a cura de
pelo menos trinta e cinco outros pacientes que a leram
nos últimos anos.
Prezado Dr. Wilson,
Eu sabia que não seria fácil, quando chegasse
a hora, dizer adeus a você, mas realmente não
estava preparada para as emoções que me
tomaram no momento da partida. Parecia que
em cada passo que você dava, afastando-se de
nós (o esposo de Elena, Rick, veio buscá-la no
hospital) pelo corredor, levava consigo parte da
minha confiança. Ainda que eu nada dissesse,
meu desejo era gritar: “Pare! Espere! Estou com
medo!” Dúvidas e pânico me assaltaram a
mente: Agora quem me ajudará? Com quem
falarei? Como vou me sentir quando chegar a
casa? Que farei? Tentei orar, mas tudo que
consegui foi dar um grito silencioso pedindo
ajuda.
A viagem de Durham até nossa casa levou seis
horas. Durante esse tempo tentei expulsar da
mente o medo, a dúvida e o pavor, esperando
que o desejo de retomar a casa, para os meus
queridos e para uma vida normal, me confortas­
se e acalmasse. Rick e eu não falamos muito e à
medida que a distância entre nós e nosso lar
diminuía, eu já não podia negar minha ansieda­
de.
Fomos direto para a casa dos pais de Rick. A
primeira pessoa que vi foi Emily (filha de Elena).
Ela me abraçou e disse: — Mamãe, você está
bem? Por favor, esteja bem mamãe, e nunca
mais fique doente, nem nos deixe. Mamãe, você
perdeu o Natal e o aniversário do Davi (enteado
de Elena), e eu arranquei dois dentes, e mamãe,
eu amo você! — Sua tagarelice meiga deixou
meu coração em pedaços. Eu era incapaz de
falar, pois meu sentimento de culpa e pesar
devido a minha doença era muito intenso. Meu
sogro e meu cunhado me deram as boas-vindas.
Minha sogra, contudo, mal olhou-me. Não fica­
mos ali por muito tempo, mas o pouco que
ficamos passamos numa conversa tensa, apreen­
siva e superficial. Todos faziam um grande
esforço para evitar a palavra “hospital” ou
“psiquiatria” . Finalmente, falei espontaneamen­
te que me sentia bem e que meu psiquiatra era
realmente brilhante. Eu esperava, talvez, aliviar a
tensão mencionando as palavras proibidas. Não
consegui. Pareceu mais com a queda de um
grande pedaço de ch u m bo .. .Saímos.
Enfim, em casa! Mas não a casa que eu
conhecia. Tudo estava limpo e em ordem.
Demasiadamente limpo e em ordem. Não havia
xícaras sobre a mesa, nenhum brinquedo pelo
chão. Na biblioteca, cada livro em seu lugar, as
roupas, lavadas e guardadas. Não era a mesma
casa amistosa, confortável que recordava. À
medida que anoitecia, comecei a me sentir
deprimida. A primeira vez que me vi sozinha foi
no banheiro. Novamente, tentei orar. Eu disse a
Deus que não sabia o que estava causando a
depressão. Depois que minha mente começou a
divagar, não consegui orar.
O domingo não foi bem como eu esperava.
Para começar, não fomos à igreja. Ambos sabía­
mos que não desejavamos enfrentar as pergun­
tas inevitáveis dos amigos: “Que descobriram no
hospital? Por que você ficou lá tanto tempo?”
Comecei também a ficar apavorada com a idéia
de encarar minha supervisora na segunda-feira,
de maneira que telefonei para a minha substituta
e pedi-lhe que ficasse com minha classe mais um
dia. De alguma forma, a idéia de retomar ao
trabalho na terça-feira, em vez de segunda, não
me parecia tão assustadora. Durante o dia, notei
que meus sintomas estavam voltando. Eu me
sentia horrivelmente mal, tanto física como men­
talmente. Tentei pensar em Deus, e procurei
orar; mas somente encontrei uma sensação
incômoda, peculiar, dentro de mim. Estava,
porém, decidida a orar durante o dia. Você pode
orar, dizia a mim mesma. Vá devagar e com
calma. Caí no sono em agonia e confusão, e
odiando-me por me sentir tão mal. Na segunda-
-feira, acordei ainda pior.
Com grande esforço, preparei o café da ma­
nhã e, arrastando-me de um quarto para outro,
procurei ajudar Emily a vestir-se para ir à escola.
Depois de levá-la à escola, fui até a Secretaria de
Educação assinar meu contrato para poder reas­
sumir meu trabalho; assinei-o depressa e fui
diretamente para casa.
Quando entrei em casa sabia que alguma
coisa estava errada. Aquela sensação horrível de
dor e doença dentro de mim, aquela sensação
incômoda com eçou a aumentar e a espalhar-se.
Eu não conseguia enxergar direito; meu ouvido
zunia e parecia que tudo estava totalmente
errado. Tentei tocar piano, foi em vão. Tentei ler,
mas também não consegui. E por duas horas
senti dorzinhas por todo o corpo, que iam
aumentando, aumentando, cada vez mais.
E então, algo aconteceu. Eu me senti como
que empurrada à força para o chão. Não tive
forças para resistir. Comecei a sentir dor e minha
mente entrou em confusão. Todos os sintomas
de minha posição encurvada voltaram, mas
aumentados centenas de vezes! Foi a coisa mais
horrível que já experimentei! Quanto mais eu
lutava, pior ficava. Procurei resistir, procurei
lutar, mover-me, nada, eu não conseguia! Eu
estava lutando com o pouquinho de força que
ainda m e restava! De repente, com o que atingida
por um golpe poderoso, fui literalmente forçada
a cair de joelhos. Foi naquele momento que
entendi o que estava acontecendo. Tudo o que
você havia dito sobre a necessidade de entrega
total de minha vontade intratável e impetuosa a
Cristo veio-me numa torrente de recordações, e
reconhecí que estava lutando contra Deus! A
minha vontade contra a dele!
“Rendo-me!” Gritei. “Oh, Deus, toma a mi­
nha vontade! Toma-a toda, toda ela! For favor,
Deus, perdoa-me este meu horrível orgulho
humano! Eu só quero a tua vontade e a habilida­
de para servir-te! Por favor, toma a minha
vontade e usa-me!”
Senti algo semelhante a um leve roçar em
meus ombros e, instantaneamente, toda a dor,
confusão e zumbido desapareceram. Senti uma
sensação de levantamento e algo mais. Dr.
Wilson, você pode pensar que estou fora de
mim, mas digo-lhe que naquele exato momento
entendi o que levaria horas, talvez dias para
contar-lhe. Não era uma visão; eu nada ouvi;
mas entendi as coisas. Entendi exatamente o quê
e por que aconteceram tais coisas. Entendi o
papel de cada pessoa que se envolvera em
minha vida neste último ano. Entendi que não
era eu quem buscava a Deus; mas que era Deus
quem buscava a mim e quem havia estado
comigo a cada minuto de todos os dias. Cada vez
que eu falhava em aceitar as oportunidade para
cura e inteireza que ele me oferecia, mais
sobrecarregada eu ficava com a doença. Com­
preendí que fui enviada ao Hospital Duke com o
propósito específico de encontrá-lo. Fui colocada
sob os seus cuidados como numa preparação.
No hospital recebi paz temporária, a fim de ser
trabalhada e moldada, para orientar-me na dire­
ção certa. Por alguma razão, esta é a maneira
pela qual Deus usa você. Ele procura as pessoas
e as envia até você para que sejam curadas.
Você as vê com o num aglomerado de confusão,
e então com eça o seu trabalho de selecionar,
. arrumar, montar, preparar— até o ponto em
que Deus assume o comando. E cada um dos
que lhe são enviados é diferente. Eu podería
continuar escrevendo horas e horas. Mas espero
que em breve nos encontremos e então possa­
mos conversar a respeito disso. Mas deixe-me
somente dizer o que você fez por mim. A origem
do meu problema era nunca haver aceitado a
Cristo na minha vida, e nunca haver submetido
minha vontade a Deus. Você me encaminhou
diretamente a Jesus. Quando penso nele, mor­
rendo numa cruz para que eu pudesse viver,
sinto-me humilde e grata — e envergonhada —
pois não mereço tal dádiva. E maravilhoso ser
tão amada! Você também me fez ver a minha
vontade obstinada. Pensei haver rendido minha
vontade a Deus no hospital; mas descobri que
tinha mantido parte dela num cantinho da alma,
e em assim fazendo não fui honesta com Deus
nem comigo mesma. Acredite-me Dr. Wilson,
depois do que aconteceu na segunda-feira pela
manhã, não quero parte alguma da minha
vontade.
Não consigo deixar de perguntar-me por que
Deus me ama tanto assim. Não sou especial em
sentido algum e não sei exatamente o que o
futuro me reserva, mas sinto-me privilegiada
porque Deus me quer para instrumento seu.
Esse pensamento me enche de alegria e anteci­
pação.
Quase posso ouvir suas pergunteis: “Em que
sua vida mudou , devido a tudo isso?” Vou
contar-lhe. A primeira coisa que percebi é que eu
posso descansar em paz. Encontrei-me cantando
enquanto cozinhava. [Elena jamais gostou de
cozinhar.] Agora que tenho estado em casa
alguns dias, meu lar parece belo e amistoso.
Parece que amo mais a minha família.
Terça-feira fui trabalhar com o coração alegre.
Meus encantadores alunos me pareciam lindos!
Era maravilhoso estar de volta! De tarde minha
supervisora foi visitar-me na escola e dar-me as
boas-vindas. Ela disse que durante minha ausên­
cia toda a Secretaria de Educação havia orado
em meu favor!
Até os pais de alguns alunos me telefonaram
ou vieram visitar-me, dizendo que haviam orado
por mim. A minha assistente disse-me que os
alunos haviam orado diariamente em meu favor.
O diretor abraçou-me e disse: “Bem-vinda ao
lar.” Você acredita? Eu realmente não tinha a
menor idéia de que estas pessoas estivessem
orando por mim. Contei à minha supervisora a
experiência do dia anterior. Eu estava com um
pouco de medo de que ela pensasse estar eu
maluca; mas ela disse: “Bem, Elena, você sem­
pre foi uma boa pessoa. Contudo, sempre me
perguntei por que você não estava tão segura
com respeito ao Cristianismo.”
“Nova exuberância cristã” ?
Não sei, Dr. Wilson. Nem sequer quero pôr
em dúvida o que seja. S ó quero viver o dia a dia
e dedicar minha vida a Deus, mediante Jesus
Cristo, meu Senhor. Há algo que Deus deseja
que eu faça com minha vida. Não sei agora
exatamente o que seja. Talvez nem mesmo saiba
quando o estiver fazendo. Mas não importa. Seja
o que for que Deus tenha planejado para mim,
acontecerá quer eu saiba quer não. S ó sei que
L
quando suceder, ele me guiará em cada passo
do caminho. S o u sua feliz servidora!
Estou tão feliz por tê-lo conhecido, Dr. Wilson.
Dou graças a Deus todos os dias por ter-me
enviado a você. Você e sua família estão em
nossas orações todos os dias, e anelo a oportuni­
dade de nos encontrarmos outra vez.
Com amor e gratidão,
Elena
Ainda recebo notícias de Elena de quando em
quando. Embora seu casamento tumultuado fracas­
sasse realmente e ela se tenha casado pela terceira
vez — também sem êxito — agora está casada de
novõ^e feliz com seu segundo marido, Rick, que
também se converteu a Cristo. Conquanto os últimos
anos não tenham sido fáceis para Elena, ela suportou
seus sofrimentos com uma serenidade admirável; e
sua vida, na maior parte, tem sido repleta de muito
amor, alegria e paz. Segundo Elena, seu maior prazer
é compartilhar a história de sua cura, a fim de levar
outros a conhecerem a Cristo e serem curados. Sem
dúvida, sua história nos traz à mente a última parte da
passagem de Lucas quando Jesus curava a mulher
que estava “encurvada” . “E, impondo-lhe as mãos,
ela imediatamente se endireitou e dava glória a Deus”
(Lucas 13:13).
Devo acrescentar que a recuperação de Elena
sempre será de especial significado para mim, pois
deixou marcante impressão no começo da minha
carreira como psiquiatra cristão.
No passado, como médico secular que cultuava a
ciência, o humanismo e as realizações acadêmicas, eu
provavelmente teria aceitado todo o crédito pela cura
de Elena. Mas Elena havia sido diferente. Como
resultado da participação de Cristo em sua cura, ela
havia deixado os meus cuidados com uma nova
dimensão de sua própria personalidade que outros
tratados por mim não tiveram: a presença do Espírito
Santo de Cristo. Nesse sentido, Elena havia sido mais
do que curada. Por intermédio da psicoterapia cristã
aplicada, havia ido, de forma marcante, além da
recuperação.
* * *

Para que uma pessoa seja curada por meio da


psicoterapia cristã aplicada, é necessário que primeiro
se reconcilie com Deus. E característico, como ilustra­
do em muitos casos neste livro, que isto é completado
pela conversão, na qual uma pessoa entrega sua vida
a Cristo e, em troca, recebe seu Espírito Santo. A
história de Elena fornece-nos um excelente exemplo
de como uma pessoa que, mesmo criada em uma
igreja cristã, pode não ter procurado estabelecer um
relacionamento com o Cristo vivo. Seja qual for a
razão disso, tal pessoa nunca teve a experiência
maravilhosa de conhecer a Jesus como seu amigo
pessoal, seu guia amoroso, e mais importante — seu
intercessor perante Deus. Para a pessoa que não tem
Cristo como o centro de sua vida, a experiência cristã
é, com freqüência, fraca e ineficaz. Isto porque Cristo,
e somente ele, é a chave para um relacionamento de
poder com Deus.
A comunhão com Deus num relacionamento har­
monioso é, talvez, a necessidade primordial de uma
pessoa. Minha observação e minha experiência pes­
soal tem sido que não hã outra religião, filosofia, ou
pessoa — viva ou morta — que estenda uma ponte
sobre o abismo entre Deus e a humanidade como o
faz o Cristianismo, mediante o Cristo vivo. O teólogo
J. I. Packer, em resposta à pergunta: “Não é uma
religião tão boa quanto a outra?” em seu livro Hard
Questions (Perguntas difíceis), observa:
(O apóstolo Paulo] vê o homem como se tivesse
um senso inevitável de Deus, o qual obriga-o a
adorar alguma coisa, mesmo tendo uma antipatia
‘ por Deus, induzido pelo pecado [ou pela natureza
humana caída], que o impele a não adorar a Deus
que o criou. Assim sendo ele distorce e falsifica o
conhecimento de Deus concedido por revelação
direta [mediante a criação]. Nesse ponto é que
nascem muitas formas de religiões não cristãs,
^ todas contendo detalhes que são corretos em um
'^cenário global errado, e que falham visivelmente
no conhecimento do perdão de Deus em Cristo,
de cuja revelação geral nada diz (grifos do autor).1
É o próprio Cristo quem toma esse ponto bem claro
quando explica ao discípulo Tomé: “Eu sou o caminho,
e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por
mim” (João 14:6).
Foi abraçando, e não evitando um relacionamento
com Cristo que Elena tomou-se uma testemunha viva
da promessa de Deus: “E assim se alguém está em
Cristo, é nova criatura: as coisas antigas já passaram; eis
que se fizeram novas” (2 Corintios 5:17). Tenho obser­
vado, vez por outra, que as pessoas que permitem que
Cristo seja a parte central de suas vidas, são as mais
habilitadas a experimentar a cura e a inteireza, e cujas
vidas — no final — são gastas em serviço proveitoso a
Deus.

1 Extraído de Hard Questions, editado por Frank Colquhoun.c 1 9 7 6 by T he Church


Pastoral Aid Sodety, Londres, e usado com permissão d e InterVaisity Press,
Downers Grove, IL 6 0 515.
EPÍLOGO

Foi por um motivo especial que selecionei a história


de Elena para o final deste livro. É uma razão que se
tomará clara quando você tiver lido a seguinte carta, a
qual me escreveu uma amiga de Elena exatamente
alguns meses depois de ela haver deixado meus
cuidados médicos. A carta de uma mulher que não
conheço e que até hoje nunca encontrei.

Prezado Dr. Wilson,


Sei que nunca ouviu falar de mim, mas o
conheço por meio de Elena. Você a ajudou, e
curou sua alma doente. Ela contou-me tudo a
respeito dos seus problemas e do que você fez
por ela.
Eu tinha problemas igualmente angustiantes.
Embora minhas dificuldades físicas se tomassem
reais, felizmente não eram tão perigosas quanto
eu temia. Emocionalmente, entretanto, cheguei
a uma agonia e desespero tal — culminado em
quase trinta anos de depressão — que senti que
não conseguiría mais viver.
Como resultado, várias vezes perdi o contato
com a realidade. Dentro de um período de seis
semanas cometi duas tentativas de suicídio. Sim,
eu estava muito doente, completamente doente.
Diziam-me que eu precisava de Deus. Mas
tudo o que me diziam era insuportável para mim.
Eu não queria saber de religião. Não acreditava
nela. Não sentia necessidade dela. Pensava
poder simplesmente seguir meu caminho e
curar-me com a ajuda de um psicólogo.
Então Elena veio visitar-me no hospital. Quan­
do ela com eçou a contar sua história, pensei que
provavelmente impediría que terminasse, como
havia feito com outros. Bem , por alguma razão
não o fiz. Ouvi o que Elena tinha para dizer. Ouvi
com todo o coração, a alma e a mente. Ela
passou três horas comigo aquela noite.
Depois que Elena saiu, pensei em tudo o que
^ me havia dito. Era quase meia-noite quando me
ajoelhei no chão daquele quarto solitário de
' hospital e pedi a Deus para tomar-me — todo o
meu ser — e fazer de mim o que ele desejasse.
Eu disse a Deus que não mais podia cuidar de
mim. Disse-lhe que precisava dele, como uma
criança necessita dos pais. Foi então que uma
coisa maravilhosa aconteceu. Senti Deus entrar
em mim! Senti-lhe tomar-me as mãos e elevar-
-me à altura de me tomar humana outra vez,
pura e nova — assim como havia nascido.
Agora, oro constantemente. Leio a Bíblia com
novos olhos. Meus pensamentos são muito mais
positivos. Sempre que estou ansiosa ou temero­
sa, peço a Deus quê me dê segurança e fé. Peço-
-lhe que mantenha sua mão bem firme ao meu
redor. Ele responde a todas as minhas ora­
ções — não importa quão pequenas ou insignifi­
cantes sejam.
Eu havia perdido quase tudo: esposo, filhos,
minha vida, até que Elena, com sua história de
Epílogo 171
cura por meio de Cristo, ajudou-me a dar aquele
pequeno, e não obstante gigantesco, passo de fé.
S e você não houvesse ajudado Elena, ela não
podería ter-me ajudado também. Tendo estuda­
do psicologia na faculdade, sei agora que Cristia­
nismo e Psicologia andam lado a lado.
Reconheço que continuo a necessitar de acon­
selhamento psicológico, e que o será ainda por
algum tempo. Mas me sinto mais em paz, mais
autoconflante, mais realizada que nunca. Basica­
mente ainda sou a mesma pessoa; mas o inferno
que eu carregava dentro de mim já não existe. O
que é mais importante: acredito que se foi de
vez.
Obrigada, Dr. Wilson, por Elena e por mim.
Oro por você e por sua família; e oro para que
suas idéias concernentes à psiquiatria e ao Cris­
tianismo sejam universalmente aceitas ainda du­
rante sua vida. Eu, por mim, estou convencida
de que esse é o caminho certo para a cura
integral da pessoa.
Nas mãos e no am or de Deus,
Laura
* * #

Como a bela carta de Laura ilustra tão bem, a cura


mediante a psicoterapia cristã não só capacita a pessoa a
viver uma vida mais efetiva, como também a alcançar e
servir ao próximo. Servir ao próximo é, afinal, a meta
principal da fé cristã. Mas abnegação semelhante à de
Cristo só pode ocorrer quando a pessoa está completa­
mente curada e, por conseguinte, livre da escravidão do
“eu”; quando, por meio da presença personificada do
Espírito Santo de Cristo, ela realmente deseja ajudar os
outros e sente prazer em fazê-lo.
<
*
Foi o que aconteceu com Elena. Depois de ser
curada e receber a plenitude do Espírito Santo, ela foi
inspirada a estender a mão e oferecer a Laura o que
sabia do amor restaurador de Deus.
E isto, querido leitor, é precisamente o que pode
acontecer com você também.
Agora que você terminou de ler este livro, é meu
desejo que esteja apto a incorporar muitas das idéias
aqui expostas à sua própria vida, experimentando
assim um novo grau de inteireza, com o qual nunca
havia sonhado. Da mesma forma, espero que você, ao
receber o poder — como Elena — possa alcançar os
outros e oferecer-lhes o toque restaurador do amor de
Cristo.
Como muitos relatos em primeira mão neste livro
yioclamam, Deus está vivo! Ele pode curar! E mais,
ele ama você, é o seu mais profundo desejo que, pela
fé em Deus, sua vida seja imensuravelmente me­
lhorada. Ele tem feito isso aos outros. Ele o fará por
você.
Tudo que o você tem de fazer é pedir.

Imprttso nas o£diui


de
ArcaU
Prwe 4 Roiler Street
Kingaport, TN 37662
E. U. A.

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