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SISTEMA PRISIONAL: CONHECENDO AS VIVÊNCIAS DA MULHER

INSERIDA NESTE CONTEXTO

PRISON SYSTEM: KNOWING THE EXPERIENCES OF WOMEN WITHIN THIS CON-


TEXT
Camila Valéria Minzon1
Glaucia Karina Danner2
Danielle Jardim Barreto3

MINZON, C. V; DANNER, G. K; BARRETO, D. J. Sistema prisio-


nal: conhecendo as vivências da mulher inserida neste contexto.
Akrópolis Umuarama, v. 18, n. 1, p. 71-81, jan./mar. 2010.

Resumo: O presente artigo busca uma compreensão em torno de al-


gumas experiências vivenciadas pelas mulheres que se encontram
encarceradas, procurando contribuir para a produção de conhecimen-
tos específicos sobre esta realidade. Para tal objetivo, utilizaram-se
pesquisas bibliográficas que problematizam a relação entre o sistema
penitenciário e o encarceramento feminino no Brasil. Serão discutidos:
(1); o conceito de prisão (2); as relações de gênero (3); a construção
de identidade da mulher presa (4); o perfil das mulheres presas e as
estratégias de enfrentamento no cárcere (5); a importância do traba-
1
Discente do 4º ano do curso de Psicologia lho do psicólogo no contexto prisional. A partir deste estudo, pode-se
da Universidade Paranaense – UNIPAR. concluir que este assunto necessita de mais discussões a respeito dos
E-mail: mmilla.vm@gmail.com. End. Rua direitos das detentas e da diversidade humana, o que poderia lhes
Cambé, 4496. Residencial Porto Seguro, proporcionar condições para uma melhor qualidade de vida, mesmo
apto 42. Zona II. CEP: 87502-160
que aprisionadas.
2
Discente do 4º ano de Psicologia da Uni- Palavras-chave: Sistema prisional feminino; Gênero; Identidade.
versidade Paranaense – UNIPAR. E-mail:
danner.gk@hotmail.com. End. Rua Cambé, Abstract: The present article seeks an understanding on some expe-
4496. Residencial Porto Seguro, apto 42. rience lived by arrested women in order to contribute for the production
Zona II. CEP: 87502-160. of specific knowledge concerning such reality. Literature review was
conducted on the problems between the prison system and the female
3
Professora Orientadora da Universidade
incarceration in Brazil. The concept of prison (1), the genre relations
Paranaense – UNIPAR. Mestre em Psicolo-
gia e Sociedade, pela UNESP/Assis SP. E-
(2), the construction of identity of the arrested woman (3), the arrested
mail: danibarreto@unipar.br. End. Rua Fran- women’s profile and the strategies of coping inside the prison (4), and
cisco Rodrigues Jr, 2415. Parque Alphaville. the importance of the psychological support in prison (5) are discussed.
CEP 87504640 We concluded that this issue needs to be more addressed with respect
to rights of the prisoners and human diversity, what could provide the
same conditions for a better quality of life, despite of being arrested.
Keywords: Female prison system; Genre; Identity.

Recebido em outubro/2009
Aceito em dezembro/2009

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MINZON, C. V; DANNER, G. K; BARRETO, D. J.

1. INTRODUÇÃO nhece por meio do encontro com o outro e se


realiza em determinados momentos de sua exis-
Desde os tempos remotos a criminalida- tência. A partir das relações que ocorrem dentro
de é um tema que gera discussões polêmicas, das prisões cada detenta irá adquirir novas ca-
por se tratar de um grave problema que preo- racterísticas em sua subjetividade. No entanto,
cupa toda sociedade. Os atos criminais são co- cada uma dessas mulheres possui sua própria
metidos tanto por homens quanto por mulheres, singularidade e esta é o que irá diferenciá-las
sendo que o número de mulheres presas é ex- umas das outras.
pressivamente menor que o número de homens, Quanto ao perfil das mulheres encarce-
mas na atualidade a criminalidade feminina vem radas, Moura e Frota (2006) apresentam que a
aumentando e se intensificando. No entanto, há maioria das mulheres foram presas por estarem
poucas pesquisas bibliográficas que abordam envolvidas no tráfico de drogas. No entanto, es-
especificamente este tema, o que tornou a ela- ses não são os únicos motivos que levam as
boração do presente artigo um trabalho árduo e mulheres a cometer atos criminosos, já que al-
desafiador. gumas têm a necessidade de manter o vício e se
Desta forma, busca-se o entendimento sentirem úteis e valorizadas, e outras por passa-
de alguns aspectos ligados a criminalidade fe- rem dificuldades econômicas. Ao serem presas
minina, sendo necessária, inicialmente, a clari- essas mulheres precisam criar estratégias para
ficação do conceito de prisão. Foucault (2003) enfrentamento do cárcere, então participam de
fundamenta que esta se constituiu fora do apa- grupos de apoio, de oficinas de oração e de
relho judiciário, a fim de aprisionar os indivíduos, música e realizam alguns trabalhos. As visitas
classificá-los e tirar deles o máximo de tempo e íntimas não são permitidas em muitas penitenci-
forças, para modificar os seus comportamentos árias, fator que pode favorecer o relacionamento
e formar em torno deles um aparelho completo afetivo e sexual entre as mesmas.
de observação, registro e notações. É uma for- O presente artigo também tem como ob-
ma geral de aparelhagem utilizada para tornar os jetivo apresentar as formas como os psicólogos
indivíduos dóceis e úteis à sociedade. O mesmo podem atuar dentro do contexto penitenciário,
ainda apresenta que além da privação de liber- por meio de grupos de apoio e de atendimentos
dade a prisão deve seguir três princípios: o isola- individuais, destacando as dificuldades que es-
mento dos condenados, a oferta de trabalho e a ses profissionais enfrentam, pela falta de recur-
modulação da pena que serão melhores discuti- sos oferecidos e pelo estigma que marca essas
dos no decorrer do artigo. Também problematiza mulheres.
a questão do abuso de poder, no qual a prisão Nesta perspectiva, o referido artigo se
se utiliza de técnicas disciplinares de forma per- desenvolve com o intuito de proporcionar subsí-
versa, o que pode contribuir para o aumento da dios para melhor compreensão das experiências
violência e aparecimento da delinquência. vividas pelas mulheres encarceradas, apresen-
Outro aspecto importante a ser discutido tando o conceito de prisão (1), as relações de
são as relações de gênero ligadas à criminalida- gênero (2), a construção de identidade da mu-
de, sendo que gênero refere-se ao significado de lher presa (3), o perfil das mulheres presas e as
ser homem e de ser mulher para a sociedade e a estratégias de enfrentamento no cárcere (4), e a
cultura na qual estão inseridos, e na qual onde se importância do trabalho do psicólogo no contex-
pode perceber a desvalorização da mulher, que to prisional (5).
ocorre também no sistema prisional. Segundo
Santa Rita (2006) a maioria das penitenciárias 2. DESENVOLVIMENTO
brasileiras passa por graves problemas, porém,
pela discriminação de gênero, nas penitenciárias 2.1 Sobre o Conceito de Prisão
femininas esses problemas se agravam.
Partindo deste pressuposto, pretende-se Um sistema judiciário e repressivo, desde
compreender o processo de subjetivação pelo muito tempo, tem sido organizado e considerado
qual essas mulheres passam, e no qual produ- necessário para a defesa dos direitos privados e
zem novas identidades e adquirem novas formas públicos, punindo de muitas formas os indivídu-
de se perceber no mundo. Seabra e Muszkat os considerados judicialmente como criminosos.
(1985) apresentam que o indivíduo só se reco- Foucault (2003) apresenta que cada época tem

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criado suas próprias leis penais. Os condenados, de modos de poder. Desse modo a prisão se fun-
nos séculos anteriores ao XVIII, eram expostos damenta em primeiro lugar na forma simples de
ao massacre e execução pública, seus corpos privação de liberdade, já que vivemos em uma
eram esquartejados e seus membros amputa- sociedade em que esta é um bem que perten-
dos, eram marcados no rosto ou nos ombros, e ce a todos da mesma maneira e sua perda tem,
por fim eram queimados em grandes fogueiras. portanto, o mesmo prejuízo para todos.
Esses atos eram justificados como sendo formas A partir daí a prisão como forma de casti-
de salvação da alma do condenado. No entanto, go aos atos criminosos, se consolidou e se fixou,
esta prática passou a ser vista como negativa não devendo funcionar apenas como privação
e como geradora de mais violência, visto que de liberdade, mas se exige também que ela mo-
um ato criminoso era punido com outro. Assim, difique os indivíduos.
as formas de punição vão se transformando até De acordo com o mesmo autor, esta ins-
chegar aos direitos penais modernos, os quais tituição total deve captar os aspectos dos indiví-
pregam o respeito e a liberdade dos direitos hu- duos presos, sua moralidade, seu aspecto físico
manos. e seu comportamento, visto que a disciplina im-
Segundo Goffman (1987) as institui- posta aos mesmos deve ser incessante e inin-
ções são como estabelecimentos sociais onde terrupta.
ocorrem determinadas atividades. Há certas Por conseguinte, as técnicas corretivas
instituições que proíbem seus membros de se vão além da privação jurídica de liberdade, e
relacionarem com o externo e com o social, im- devem ter como base três princípios. Foucault
possibilitando a saída destes das dependências (2003) apresenta que o primeiro princípio é o
físicas de tal estabelecimento, ou seja, é uma re- isolamento dos condenados, não somente do
sidência onde se encontra indivíduos que estão mundo exterior, mas também dos outros deten-
na mesma situação. À estas instituições, Goff- tos. Seu intuito é evitar que ocorram dentro das
man (1987) nomeia “instituições totais”. prisões as revoltas e os complôs e de diminuir
Partindo deste pressuposto, a prisão é a possibilidade de que quando os detentos esti-
uma das formas de instituições totais. Segundo verem livres, ocorra cumplicidade entre os mes-
Foucault (2003), seu nascimento se deu antes mos, o que poderia levar a um aumento na crimi-
de ser utilizada para as detenções penais. nalidade. O isolamento também leva o indivíduo
a solidão, e esta funciona como um dispositivo
Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, para a reflexão, podendo levar o detento a re-
quando se elaboraram, por todo o corpo so- pensar suas atitudes, e entrar em contato com
cial, os processos para repartir os indivíduos, sua própria consciência.
fixá-los e distribuí-los espacialmente, classi- O segundo princípio que Foucault (2003)
ficá-los e tirar deles o máximo de tempo, e
expressa é o trabalho, que juntamente com o
o máximo de forças, treinar seus corpos, co-
dificar seu comportamento contínuo, mantê- isolamento, funciona como agente da transfor-
los numa visibilidade sem lacuna, formar em mação carcerária. Este princípio não deve ser
torno deles um aparelho completo de obser- entendido como um corretivo ou como um acrés-
vação, registro e anotações, constituir sobre cimo da pena, mas sim como uma forma de tirar
eles um saber que se acumula e se centrali- os detentos da ociosidade que o regime de de-
za (FOUCAULT, 2003, p. 195). tenção causa. O trabalho faz com que os deten-
tos se movimentem e ocupem seu tempo, dimi-
Portanto, surgiu com a premissa de for- nuindo a agitação e facilitando que as regras da
mar indivíduos submissos e úteis por meio de prisão sejam introduzidas sem o uso de meios
um trabalho detalhado de seus corpos, sendo de violência. Os detentos que recebem salários,
criada antes que a lei a definisse como pena possivelmente irão adquirir amor e hábito ao tra-
para os atos criminosos. balho, dando a estes que ignoram a diferença
Foucault (2003) apresenta que na passa- entre o meu e o teu o sentido de propriedade e
gem do século XVIII para o século XIX ocorre a condição de sua existência. No entanto, o traba-
transição da prisão, e esta se torna peça indis- lho não pode transformar a prisão em uma ofi-
pensável no conjunto das punições, marcando cina, mas deve constituir uma relação de poder
um momento importante na história da justiça na qual os detentos absorvam os princípios de
penal e introduzindo processos de dominação e ordem e de regularidade a partir do desempenho

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do mesmo, o que se torna essencial para sociali- Onde desapareceu o corpo marcado, recor-
zação desses detentos. tado, queimado, aniquilado do supliciado,
Por fim, o terceiro princípio, Foucault apareceu o corpo prisioneiro, acompanhado
(2003) apresenta como a modulação da pena, pela individualidade do “delinqüente”, pela
pequena alma do criminoso, que o próprio
visto que a prisão tende a se tornar um instru-
aparelho do castigo fabricou como ponto de
mento desta modulação. “A justa duração da aplicação do poder de punir e como objeto do
pena deve, portanto variar não só com o ato e que ainda hoje se chama a ciência penitenci-
suas circunstâncias, mas com a própria pena tal ária (FOUCAULT, 2003, p. 213).
como ela se desenrola concretamente” (FOU-
CAULT, 2003, p. 205). Portanto, o aparelho judiciário faz uso de
Assim, a pena deve ser individualizada, seu poder para aplicar as leis de forma perver-
ter como foco o indivíduo punido, sua transfor- sa, castigando e punindo os detentos, ao invés
mação e o modo como reage ao sistema carce- de reestruturar suas vidas assim a prisão acaba
rário. E, se é da justiça que depende o princípio contribuindo para o aumento da violência e para
e a determinação da pena, é da prisão que de- a revolta desses indivíduos. Porém, se essa re-
pende a qualidade, a gestão e os rigores do cár- siste há tanto tempo e seus princípios não so-
cere. Então, as punições e as recompensas não frem questionamentos, é porque essa instituição
devem servir apenas para que os detentos res- total está enraizada e promove funções precisas
peitem o regulamento da prisão, mas também no processo de subjetivação do sujeito contem-
para que sua ação sobre os mesmos seja efetiva porâneo.
(FOUCAULT, 2003). Assim sendo, a clarificação sobre a pri-
Portanto, o papel da prisão não é so- são se fez necessária, por conseguinte, o pre-
mente conhecer a decisão dos juízes, aplicá-la sente trabalho visa apresentar uma pesquisa em
e privar o criminoso da liberdade, mas observar, torno das experiências vividas pelas mulheres
coletar dados que levem a um melhor conheci- que se encontram encarceradas, sendo que o
mento de cada indivíduo preso, oferecer formas (re)conhecimento das relações estabelecidas
de trabalho para que possam ocupar seu tempo no ambiente onde são inseridas, é fundamental
e não serem jogados à ociosidade, tornar a pena para entendimento das questões de gênero liga-
individualizante para que possam entrar em con- das a criminalidade e a construção de uma nova
tato consigo mesmo e refletir sobre seus atos, identidade. Assis e Constantino apud Guedes
enfim criar meios para a transformação do indi- (2006)4 descrevem que existe todo um imaginá-
víduo, prevenindo que cometa outros atos que rio social construído em torno da criminalidade
possam fazê-lo retornar à prisão. feminina, no qual as questões associadas ao gê-
Foucault (2003) problematiza o funciona- nero dificultam a aceitação social da inserção da
mento da prisão. Segundo ele, a mesma pode mulher no universo do crime.
se tornar perigosa, no entanto não há uma for-
ma de substituí-la. Elas não diminuem a taxa de 2.2 Sobre as relações de gênero
criminalidade, que podem continuar estáveis ou
até aumentar, pois após o indivíduo sair da pri- De acordo com Strey (2007) gênero não
são a possibilidade de o mesmo voltar para ela está relacionado apenas a diferenças sexuais
cresce, ou seja, “a prisão é detestável solução e fisiológicas do homem e da mulher, mas tam-
que não se pode abrir mão” (FOUCAULT, 2003, bém ao modo como a sociedade vê a relação
p. 196). que transforma um macho em um homem e
O mesmo autor apresenta ainda que por uma fêmea em uma mulher. É o que significa
utilizar-se de técnicas disciplinares contra os de- ser homem e o que significa ser mulher para a
tentos, a prisão pode fabricar delinquentes. Ela sociedade e a cultura na qual estão inseridos,
se propõe a ensinar as leis e a respeitá-las, no tornando possível uma compreensão entre suas
entanto utiliza-se do abuso de poder, o que de- diferenças e desigualdades.
senvolve nos detentos sentimento de injustiça Essa autora ainda diz que tanto homens
que acaba gerando mais violência. como mulheres podem desempenhar os mes-
4
ASSIS, S. G.; CONSTANTINO P. Filhas do mundo: infração Juvenil no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FioCruz, 2001. In: GUEDES, M.
A. Intervenções Psicossociais no sistema carcerário feminino. Revista Psicologia: Ciência e Profissão, 2006. Disponível em: <http://
pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141498932 006000400004&lng=pt&nrm=> Acesso em: 22 abr. 2009.

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mos papéis, mas há uma discriminação contra a ferença salarial entre homens e mulheres e na
mulher no exercício destes, o que será discutido divisão desigual dos afazeres domésticos, o que
posteriormente, pois a hierarquia de gênero des- ocasiona uma dupla jornada da mulher no mer-
creve uma situação na qual o poder e o controle cado de trabalho.
social sobre o trabalho, os recursos e os produ- Ao discutir a criminalidade feminina Fri-
tos, são associados à masculinidade, fazendo nhani e Souza (2005) apontam que as carac-
com que as mulheres se tornem subordinadas terísticas de gênero associadas à esta questão
aos homens. Assim, pode-se falar em subordi- geram um estranhamento social relacionado à
nação de gênero quando as mulheres não estão inserção da mulher no universo do crime. Des-
no controle das instituições, tais como os direitos se modo geralmente a mulher aparece como
reprodutivos e as práticas de emprego, devido a cúmplice de homens, como aquela que maltrata
uma relativa falta de poder. crianças ou que se envolve em crimes passio-
Costa e Bruschini (1992) acrescentam nais.
que a condição feminina está marcada por uma Santa Rita (2006) destaca também que
exclusão da esfera pública ou política das so- o Sistema Prisional Brasileiro aponta uma ne-
ciedades, por sua eterna associação de que a gação de gênero, criando assim uma desvalo-
tarefa da mulher seria apenas cuidar do marido rização da mulher dentro das penitenciárias por
e dos filhos. meio da desigualdade social, discriminação e
seletividade do sistema de justiça penal.
Os homens se tornaram mais agressivos e Martins (2001) afirma que o número de
mais capazes para o trabalho conjunto em homens encarcerados é maior que o número de
grupos, enquanto que as mulheres se torna- mulheres, porém a população prisional femini-
ram mais passivas e mais fixadas nos traba-
na vem aumentando de forma expressiva e os
lhos domésticos e cuidado com as crianças
problemas que afetam os presídios masculinos,
(STREY, 2007, p. 190).
aparecem também, nos presídios femininos. No
entanto, de modo mais grave e sério, por abran-
Pode-se dizer que desde as origens hu-
ger as relações sociais de gênero, na qual as
manas fica evidente esta discriminação de gêne-
diferenças biológicas pautam a inferioridade da
ro, quando o homem saia em busca de alimento
mulher.
e a mulher permanecia cuidando da casa e dos
Santa Rita (2006) traz que os principais
filhos, ou seja, os homens eram encarregados
problemas que afetam o Sistema Prisional Bra-
pela sobrevivência da família, enquanto a mu-
sileiro, tanto o masculino como o feminino são:
lher era encarregada da maternidade e do bem
condições precárias de aprisionamento; assis-
estar familiar.
tência jurídica e materiais insuficientes; estrutura
Seabra e Muszkat (1985) assinalam que
física sem manutenção; e baixa oferta de cursos
o sistema de estratificação social discrimina os
profissionalizantes e/ou atividades educacionais.
seus membros de acordo com a sua identidade
Porém, a mesma autora destaca que nas peni-
sexual. A mulher é vista como hierarquicamente
tenciárias femininas os problemas se agravam
inferior ao homem, o que dificulta e até mesmo
pela discriminação de gênero, pois a maioria das
impede seu acesso aos serviços e ao prestígio
estruturas que abrigam as detentas são improvi-
dentro da sociedade na qual está inserida.
sadas e em muitos estados essas ficam em alas,
Como mencionado anteriormente, ainda
no interior de complexos prisionais masculinos,
há diferenças nos papéis desempenhados por
não tendo assim, um local específico para seu
homens e mulheres. Souza (2005) destaca que
abrigamento.
à medida que mulher passou a reivindicar seus
Percebe-se portanto que, a mulher além
direitos e deveres políticos, ela migrou da esfera
de assumir essa posição de inferioridade ao ho-
privada para a esfera pública, tornando-se visí-
mem dentro do cárcere acaba não se perceben-
veis questões até então veladas, como planeja-
do mais como mulher desejante, e por meio dos
mento familiar, relacionamento com os filhos e
processos de subjetivação sua produção de de-
direitos sexuais, influenciando a conquista no
sejo fica estática, impossibilitando a construção
mercado de trabalho, na família e na sociedade
de novos modos de existir no mundo. Assim, dei-
em geral. Mas apesar de todas estas conquistas
xam de lado os seus sonhos e expectativas para
da mulher, a desigualdade e as discriminações
o futuro, o que acaba gerando um sentimento de
relacionadas ao gênero ainda continuam na di-

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impotência. Segundo Guatarri e Rolnik (2005) o mas. O outro plano é de ordem visível ou molar,
desejo é produtivo, leva a um processo de pro- da ordem, da forma, da consciência, das repre-
dução de algo, sendo uma energia diferenciada sentações e do imaginário. O reconhecimento
que gera modos de estar no mundo, fazendo com da identidade do indivíduo se faz presente por
que este produza novos papéis, novas identida- meio dos processos de subjetivação, que levam
des e novas formas de existir como mulher. a construção da subjetividade.
Partindo deste pressuposto, a mulher ao
2.3 Sobre a construção de identidade da mu- ser inserida no contexto penitenciário passa a
lher presa adquirir uma nova identidade e acredita-se que
esta identidade atribuída pode se fixar no papel
Segundo Jacques (2007) a identidade de presidiária que marcará a sua vida mesmo
refere-se a traços, sentimentos e imagens que depois de sua saída da prisão.
o indivíduo reconhece como parte de si próprio,
que pode ser representada pelo nome, pelo pro- O novato chega ao estabelecimento com
nome e pelo papel social que o mesmo desem- uma concepção de si mesmo que se tornou
penha na sociedade, ou seja, pode ser definida possível por algumas disposições sociais es-
táveis no seu mundo doméstico. Ao entrar é
como um conjunto de representações que res-
automaticamente despido do apoio dado por
ponde a pergunta “quem és” e fazem reconhecer
tais disposições. Na linguagem exata das
o indivíduo como diferente dos demais. instituições começa uma série de rebaixa-
Seabra e Muszkat (1985) enfatizam que mentos, degradações humilhações e profa-
a identificação de si mesmo só existe por meio nações do eu. O seu eu é sistematicamente,
do encontro com o outro, se realiza sempre num embora muitas vezes não intencionalmente,
determinado momento histórico social entre dois mortificado (GOFFMAN, 1987, p. 24).
seres na luta pela sua existência.
Jacques (2007) ainda diz que os siste- Portanto, os indivíduos que se encon-
mas identificatórios são subdivididos entre iden- tram presos, vivem sob o domínio de uma forma
tidade pessoal e identidade social. A primeira cruel de poder. Segundo Moura e Frota (2006),
refere-se aos atributos específicos do indivíduo os que exercem esse poder justificam suas ati-
e a segunda aos atributos que assinalam o seu tudes pautados na crença de que esses indiví-
pertencimento nos grupos e outras categorias. duos que se encontram presos são delinquentes
É de acordo com o contexto histórico e social e culpados, por isso devem ser maltratados e
que o indivíduo vive que a sua identidade vai humilhados, o que acarretará na perda da digni-
sendo construída. Assim, o indivíduo configura- dade e da individualidade dos mesmos.
se ao mesmo tempo como personagem e ator Conforme Foucault (2003) apresenta, a
de sua história, personagem porque ele mesmo justiça penal utiliza-se do abuso de poder para
que constrói e ator porque ele que constitui esta punir os detentos e oferece aos mesmos uma
história por meio dos seus papéis sociais. Pa- forma de vida indigna, pois são isolados em ce-
péis estes, que são construídos nas relações las e seus direitos humanos são desrespeitados,
sociais estabelecidas com outros indivíduos, e são submetidos a castigos corporais, exposição
é por entermédio destas relações que se dá a ao uso de drogas e ao contágio a várias enfermi-
construção da subjetividade. dades e são esses fatores que podem contribuir
De acordo Guatarri e Rolnik (2005) sub- para o aumento da criminalidade.
jetividade são diferentes maneiras de o sujeito Não é somente a identidade e a subjetivi-
perceber-se no mundo, sendo essencialmente dade das mulheres presas que sofrem transfor-
uma produção social e cultural, que é assumida mações, sua singularidade também é um fator
e vivenciada pelos indivíduos em suas existên- importante para o entendimento de seu novo
cias particulares. Neste sentido, há dois planos modo de estar. Guattari e Rolnik (2005) apre-
diferentes que compõem a subjetividade, um sentam a diferença entre a identidade e a sin-
plano de ordem invisível, também denominado gularidade, visto que a primeira é um conceito
molecular no qual não existe ordem, estrutura, de referenciação ou quadros de referência, que
identidade, modelo, tampouco gênero, mas sim podem ser imaginários. Já a segunda é um con-
fluxos que, segundo os movimentos do desejo ceito existencial e o processo de singularização
buscam constituir máscaras em diferentes for- se dá por meio da forma como os elementos que

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constituem o ego se articulam e funcionam, ou que não é fácil o retorno à sociedade devido ao
seja, é a forma como o indivíduo se sente, e tem estigma de ex-presidiárias.
vontade de ir, até o modo como respira. Esta sin- Para a mesma autora a prisão consegue
gularização é produzida a partir da relação entre reproduzir modelo de exclusão e violência que
a expressão e a criação, na qual o indivíduo se perpassam a vida das detentas, tomando como
apropria dos componentes da subjetividade e se referência a precariedade das condições pro-
diferencia no contexto social. porcionadas pelo aprisionamento, o que pode
Para Almeida (2006) o estigma e a de- diminuir assim as perspectivas de vida destas
terioração da identidade se fazem presentes a pessoas ao saírem do sistema carcerário.
todo o momento na mulher presa, o que pode A partir do contexto apresentado, faz se
desencadear uma nova subjetivação, que envol- necessário uma contextualização do perfil da
ve moral versus sobrevivência, o que acarreta mulher presa, apresentando os motivos pelos
uma necessidade de se tornar alguém e refor- quais entram no crime, quais os atos cometidos
mular a si própria, adquirindo assim, uma identi- e as estratégias de enfrentamento no cárcere.
dade que é supostamente criminosa.
Aqui se faz necessário uma definição do 2.4 Sobre o perfil das mulheres presas e as
que vem a ser estigma. Goffman (1988) define estratégias de enfrentamento do cárcere
que estigma se refere às características que
são consideradas diferentes, que fogem do que Moura e Frota (2006) apresentam que
é imposto pela sociedade. É uma relação entre grande parte das mulheres que se encontram
a identidade real e a identidade virtual, ou seja, encarceradas, foram presas por estarem en-
entre o que o indivíduo é realmente e o que a volvidas no tráfico de drogas. Algumas sofrem
sociedade espera dele. Assim, o estigmatizado é influência dos companheiros, maridos ou namo-
aquele que não consegue viver ou ser de acordo rados, outras buscam nesses atos ilícitos uma
com o que é esperado, o que acaba dificultan- forma de geração de renda, pois se encontram
do seus relacionamentos sociais. Aos indivíduos desempregadas e responsáveis pelo sustento
que não fogem das expectativas da sociedade da família.
o autor os apresenta como sendo normais. Por Partindo deste pressuposto, fica eviden-
outro lado, se o indivíduo possui alguma carac- te que a relação de gênero é determinante nas
terística que não é considerada normal, irá so- práticas criminais, pois a maioria dos crimes co-
frer discriminações e isso poderá impossibilitar o metidos por mulheres estariam associados ao
reconhecimento de outros atributos de sua per- modelo de socialização das meninas, nos quais
sonalidade. estas são vistas como mais frágeis perante aos
Portanto, essas mulheres que se encon- homens, devido suas diferenças físicas e psíqui-
tram presas passam pelo processo de estigmati- cas. Daí a origem da participação subalterna das
zação, pois elas cometeram crimes e fugiram às mulheres e a dificuldade de aceitação social das
regras impostas pela sociedade. Assim, elas são mesmas nas práticas de seus crimes. Por esse
vistas sempre como presidiárias e este estigma motivo, as mulheres são vistas como alvos fá-
impede o reconhecimento de outras caracterís- ceis pelos traficantes, pois a sociedade em geral
ticas e habilidades que as mesmas podem vir a tende a não desconfiar das mesmas, portanto,
possuir, reduzindo as chances de reestruturação teriam mais facilidade no tráfico.
de suas vidas após o cumprimento da pena o Segundo Frossard apud Ferreira (2007)5
que poderá dificultar sua reinserção na socie- a mulher ocupa papel importante no mercado
dade facilitando que cometam os mesmos atos das drogas, fazendo vendas nas ruas e até mes-
criminosos. mo levando para outras cidades, ou seja, o mun-
Guedes (2006) aponta que as detentas do do tráfico está cada vez mais feminino.
geralmente desejam recomeçar suas vidas e rei- No entanto, Souza (2005) afirma que a
niciar atividades como cuidar dos filhos, estudar, inserção de mulheres no tráfico de drogas não
afastar-se das drogas e trabalhar, mas sabem deve ser relacionada somente com questões

5
FROSSARD, Denise. Entrevista concedida à revista Isto É on line, em 24/05/2002. Disponível em: <http: // www.terra.com.br/
istoe/1704vermelhas.htm>. In: FERREIRA M. do R. N. P. Gênero e Crime: um olhar sobre o perfil da população carcerária do estado
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depen.pr. gov.br/arquivos/File/monografiarocio.pd f> Acesso em: 24 abr. 2009.

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MINZON, C. V; DANNER, G. K; BARRETO, D. J.

econômicas e de gênero, pois esse fato pode femininas não são permitidas, e quando são
estar vinculado também, com a necessidade aceitas são limitadas somente a companheiros
que essas mulheres têm de manter o vício e o fixos.
desejo de se sentir útil. Assim, fica clara a discriminação de
Moura e Frota (2006) expõem a questão gênero existente dentro do cárcere, pois aos
das desigualdades sociais que assombram as fa- homens são permitidas as visitas íntimas e a
mílias brasileiras e faz aumentar a criminalidade. relação sexual é aceita, já para as mulheres a
No entanto, os mesmos ressaltam que nenhum relação sexual é vista como uma regalia, o que
dos motivos acima citados deve servir como for- pode favorecer envolvimentos afetivos e sexuais
ma de justificativa para os atos criminosos. entre as detentas.
Segundo dados do Sistema Integrado de
Informações Penitenciárias (INFOPEN) do Mi- A maioria das mulheres inicia tais experiên-
nistério da Justiça, relativos a junho de 2008 – cias durante o aprisionamento, o que gera
os mais atualizados disponíveis – do total apro- dúvidas sobre a continuidade ou não dessa
“escolha”, embora percebam a importância
ximado de 440 mil presos no Brasil, cerca de
dessas relações para o enfrentamento da
27 mil (6,1%) são mulheres, sendo que das 443
condição carcerária, na medida em que ofe-
penitenciárias ou similares brasileiras apenas 43 recem e recebem proteção e cuidados (GUE-
são destinadas a elas (9,7%). A maioria das mu- DES, 2006 p. 07).
lheres presas tem entre 18 a 24 anos (20,3%),
seguidas pelas que tem 25 a 29 anos (18,6%), Portanto, a homossexualidade pode ser
35 a 45 anos (14,5%), 30 a 34 anos (13,7%) e 46 uma estratégia de enfrentamento do cárcere no
a 60 anos (6,3%). sentido de preservação de afetos, havendo tam-
Quanto ao grau de instrução, os dados bém a possibilidade de algumas detentas já pos-
informam que do total de presas, 1.153 (4,2%) suírem esta orientação antes de serem presas.
são analfabetas, 2.267 (8,3%) são alfabetizadas Guattari e Rolnik (2005) apresentam que essa
e 9.009 (33,3%) possuem o ensino fundamental homossexualidade que não é específica da es-
incompleto e representam a maioria. Entre os sência do indivíduo, é algo que está intimamente
crimes cometidos, em primeiro lugar vem o tráfi- ligado com seu corpo e seu desejo, ou seja, é
co de entorpecentes com 7.819 casos (28,9%), um devir homossexual, sendo que devir é defi-
seguido do roubo qualificado com 1.368 casos nido pelos mesmos autores como um processo
(5%), o furto simples com 993 casos (3,6%) e o de vir-à-ser, uma passagem na qual os fluxos do
roubo simples com 734 casos (2,7%). desejo se originam por meio de afetos e devires,
De acordo com os dados acima, fica claro levando o indivíduo a outras formas de experi-
que há um grande número de mulheres presas mentação de existência.
no país e ao serem inseridas no cárcere, as mes-
mas necessitam criar estratégias para suportar o 2.5 Sobre a importância do trabalho do psi-
encarceramento. Frinhani e Souza (2005) enfa- cólogo no contexto prisional.
tizam que as detentas utilizam como estratégias
para suportar o cárcere: o trabalho, a aprendiza- Segundo Guedes (2006), perceber os su-
gem de artesanato, a participação em oficinas jeitos como construtores de sua própria história,
de oração e de canto, cuidam da aparência e é permitir que eles compreendam os fenômenos
do espaço, buscando torná-lo mais semelhante que os cercam, e também é abrir espaço para
possível ao ambiente doméstico conhecido por que se percebam como sujeitos sócio históricos
elas. Participam de terapias individuais e grupos ativos nesse processo. Portanto, o trabalho dos
de apoio, que quando são oferecidos por psi- psicólogos no contexto prisional é importante por
cólogos, caracterizam-se como grupo de apoio estar voltado para a compreensão da totalidade
psicológico. do sujeito, por procurar proporcionar bem estar
Guedes (2006) também destaca a ques- psicossocial, acolhimento e escuta terapêutica,
tão da sexualidade, visto que a ausência mas- bem como entender a trajetória da vida desses
culina é considerada um fator agravante para a sujeitos e o que os levou a praticar esses atos
permanência no cárcere, já que faltam relacio- criminosos.
namentos afetivos e sexuais com o sexo oposto. O trabalho deste profissional deve ser
As visitas íntimas, na maioria das penitenciárias pautado no resgate do “humano”, oferecendo

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Sistema prisional: conhecendo as vivências...

informações sobre métodos preventivos que cidas pelos agentes penitenciários, acabam por
possam proporcionar uma melhor qualidade de manter esse processo de objetivação, manten-
vida, tanto física quanto mental, e utilizar-se de do as detentas no lugar de sempre estarem cri-
técnicas que clarifiquem aos detentos que são minosas. Desta forma, dificilmente são tratadas
cidadãos com direito a ter direitos. com respeito e dignidade, passando a ser vistas
Como modelo norteador de intervenção como “coisas” e sendo marcadas apenas por
na prisão, Freitas (S/D) apresenta cinco etapas seus atos criminais e como pessoas sem possi-
que o psicólogo pode seguir para desenvolver bilidade de mudança.
seu trabalho. A primeira etapa se refere à Entre-
vista Inicial, esta é realizada com o objetivo de 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
colher dados identificatórios do detento e infor-
mar ao mesmo sobre o funcionamento da prisão, Tratar as particularidades do encarcera-
seus direitos, as regras e as visitas familiares. mento feminino possibilitou perceber os fatores
A segunda etapa o autor define como En- que repercutem na vida destas pessoas e que
trevista de Orientação, pela qual o psicólogo for- influenciam nas mudanças que poderão ocorrer
nece informações ao detento sobre saúde, famí- após a vivência dentro do cárcere. Desta forma,
lia, situação jurídica, dificuldade de convívio e de observa-se a importância de compreender a mu-
ordem pessoal. É nesta etapa que normalmente, lher enquanto sujeito privado de sua liberdade,
se estabelece o vínculo de confiança entre o de- sendo que ao ser presa ela passa a vivenciar
tento e o psicólogo. novas experiências que irão influenciar na cons-
A terceira etapa é a Orientação Psicológi- tituição de um novo modo de estar no mundo e
ca. Este atendimento tem um caráter psicotera- na formação de uma nova identidade.
pêutico mais específico, e permite que o detento Assim sendo, este artigo permitiu a am-
juntamente com o psicólogo buscar compreen- pliação de um olhar em torno das complexidades
der seus aspectos individuais, sua subjetividade que envolvem esse tema e o que sua ocorrência
e sua singularidade. causa na vida pessoal e social dessas mulheres,
Freitas (S/D) apresenta como a quarta possibilitando uma reflexão a cerca das ideias
etapa do trabalho os Grupos de Convivência. estereotipadas a respeito das mesmas, fazendo
Estes, têm o intuito de estabelecer relações que perceber que a diversidade deve ser compreen-
promovam a reflexão e a interação dos sujeitos dida e respeitada.
por meio de aspectos referentes a dignidade, Vale esclarecer que essas mulheres co-
auto estima, respeito por si mesmo e pelo ou- meteram crimes e devem cumprir a pena esta-
tro. belecida. No entanto, a maioria dos complexos
E por fim a quinta etapa é o Atendimento prisionais, além de utilizarem técnicas disciplina-
Familiar, que tem como propósito a manutenção res abusivas, reproduzem várias formas de ex-
dos vínculos familiares do detento. clusão e discriminação, deixando evidente a ne-
Porém, esses objetivos nem sempre são gação de gênero, a dificuldade de exigência de
alcançados, pois na maioria das vezes o trabalho seus direitos e a desvalorização das mesmas,
do psicólogo não é reconhecido nesse espaço e visto que ficam marcadas pelo estigma de pre-
os recursos oferecidos para o desenvolvimento sidiárias e de indivíduos sem a possibilidade de
do referido trabalho é escasso. mudança. Esses fatores podem levar ao aumen-
Segundo Pio (2006) o psicólogo que to da criminalidade, pois a procura pelo reconhe-
atua no contexto prisional se depara com uma cimento, pela inclusão e pela aceitação social,
complexa realidade. As mulheres que estão en- muitas vezes, faz com que essas mulheres bus-
carceradas, muitas vezes são julgadas de modo quem o poder por meio da criminalidade.
preconceituoso. Por passarem por um processo Este estigma que afeta as detentas sur-
de objetivação, estas deixam de ser compreen- ge, principalmente por parte da sociedade civil,
didas como seres humanos, tanto pela socieda- pois ao invés de criar condições necessárias
de quanto pelo sistema penitenciário. para sua ressocialização, a mesma as mantém
As práticas institucionais pouco criativas no lugar de criminosas, através do não reconhe-
e inovadoras, através das restrições ao acesso cimento do cumprimento da pena como forma
ao trabalho, aos grupos terapêuticos, às visitas de punição, exigindo para empregabilidade a
íntimas entre outras práticas disciplinares exer- “ficha limpa”, sendo essa, só disponível após

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MINZON, C. V; DANNER, G. K; BARRETO, D. J.

cinco anos de liberdade, sem novas ocorrências (Especialização em Gestão Penitenciária) - Uni-
policiais. A exigência da ficha de antecedentes versidade Federal do Paraná, Curitiba, 2007.
criminais as mantém vinculadas ao crime. Serão Disponível em: <http://www.depen.pr. gov.br/ar-
eternas condenadas, e possivelmente clientes quivos/File/monografiarocio.pdf> Acesso em: 24
recorrentes do sistema prisional. abr. 2009.
O desenvolvimento do referido artigo,
também propiciou uma reflexão em torno do tra- FOUCAULT, M. Vigiar e punir. 10. ed. Petrópo-
balho do psicólogo, oferecendo subsídios que lis: Vozes, 2003.
podem favorecer a atuação deste profissional
no contexto penitenciário. Segundo Pio (2006), FREITAS, J. A. M. de. O sistema prisional bra-
o psicólogo deve atuar de forma que provoque sileiro e a psicologia. Artigos Jurídicos. Dis-
mudanças significativas na vida do sujeito, e ponível em: <http://www.advogado.adv.br/estu-
compreenda a criminalidade por meio da intera- dantesdedireito/federal/ufrn/josealeixonmoreira
ção entre o indivíduo criminoso e a sociedade. defreitas/sistemaprisio nal.htm>. Acesso em: 22
Portanto, estes profissionais devem conhecer as ago. 2009.
experiências vividas pelas detentas neste con-
texto, visando o conhecimento da totalidade de FRINHANI, F. de M. D; SOUZA, L. de. Mulheres
cada uma, para que possam desenvolver seu encarceradas e espaço prisional: uma análise
trabalho de forma ética e coesa. de representações sociais. Revista Psicologia,
Por fim, o mesmo permitiu um conheci- Teoria e Prática, 2005. Disponível em: <http://
mento mais amplo e aprofundado do universo pepsic.bvspsi.org.br/scielo.php?script=sci_
institucional das mulheres encarceradas. Contu- arttext&pid=S1516-36872005000100006-
do, por se tratar de um assunto interdisciplinar, &lng=pt & nrm=iso>. ISSN 1516-3687. Acesso
torna-se difícil à Psicologia isoladamente com- em: 19 mar. 2009.
preender todos os aspectos que abrangem esta
complexa realidade. GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipu-
lação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de
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MINZON, C. V; DANNER, G. K; BARRETO, D. J.

2010

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