Vous êtes sur la page 1sur 22

R V O

Manuel Domingos
Professor da Universidade Federal do Ceará e vice-presidente do CNPq

A Trajetória do CNPq

Este texto reúne comentários sobre a This text deals with the contribution of
contribuição do Conselho Nacional de Conselho Nacional de Desenvolvimento
Desenvolvimento Científico e Tecnológico Científico e Tecnológico (CNPq) for the
(CNPq) para a construção do Brasil moderno; development of modern Brazil; it concerns
trata do surgimento, da trajetória funcional e de the creation and main aspects of the mission of
aspectos da atuação dessa entidade. this public body.
Palavras-chave: ciência, tecnologia, pesquisa, Key words: science, technology, research,
desenvolvimento. development.

O
Brasil conta atualmente com pecialidades. Mesmo com grandes li-
importantes instituições de mitações infra-estruturais e proventos
ensino e pesquisa, possui cer- reduzidos, o cientista brasileiro mos-
ca de dois mil cursos de pós-gradua- tra empenho e criatividade, ganha re-
ção e forma mais de oito mil doutores conhecimento internacional e, em di-
por ano; pode qualificar profissionais versas especialidades, disputa prestí-
de alto nível em todas as áreas do co- gio com colegas de países mais desen-
nhecimento e em quase todas as es- volvidos.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 17, nº 2, p. 19-40, jul/dez 2004 - pág.19


A C E

O desempenho do pesquisador brasilei- capacidade científica e tecnológica bra-


ro é obscurecido por sua pouca sileira com a de cinqüenta anos atrás,
expressividade nos indicadores estatísti- quando a maioria das instituições hoje
cos internacionais e por sua limitada re- consolidadas sequer existia, as diferen-
percussão socioeconômica. Mas os indi- ças são notáveis.
cadores usuais da produção científica
O CNPq cumpriu importante papel na for-
(quantidade de artigos publicados e de
mação desta capacidade; ao longo de
patentes registradas) apresentam consis-
seus 54 anos de existência, oferece cer-
tência e valor discutíveis, sobretudo para
ca de novecentas mil bolsas-ano de di-
estimar aspectos qualitativos e impactos
versas modalidades, apóia pesquisas em
sociais. A comparação de dados estatís-
todas áreas do conhecimento, assegura
ticos de países com tradições, dimensões
a presença de milhares de brasileiros
e possibilidades distintas pode inclusive
em importantes instituições estrangeiras
induzir a graves equívocos. Além disso,
e a estada no Brasil de influentes pro-
quem detém conhecimentos importantes,
fissionais estrangeiros. No CNPq nascem
capaz de conferir superioridade bélica ou
diversos institutos científicos
comercial, não costuma divulgá-los em
renomados. 1

periódicos.
Ao longo de sua trajetória, o Conselho,
Quanto à apropriação social do traba- entre outras coi-sas, credencia e impul-
lho científico, é algo que transcende a siona programas de pós-graduação; reco-
vontade do cientista e o desempenho nhece formalmente novas áreas do co-
pontual de instituições como as univer- nhecimento e fomenta a investigação de
sidades e agências de fomento, por mais novos objetos estudos; incentiva o inter-
que elas se empenhem nesse sentido. câmbio de pesquisadores e instituições,
O aproveitamento da pesquisa na indús- ampara publicações especializadas, equi-
tria, nos serviços públicos, nas políticas pa laboratórios e universidades, financia
sociais depende das opções estratégicas expedições, fortalece as agências esta-
de quem exerce o poder, da cultura e duais de fomento e amplia o acesso da
do interesse de empresários e sociedade brasileira à cultura científica.
governantes. O Brasil, de fato, não ba-
O CNPq detém hoje o maior banco de
seia o seu desenvolvimento em um sa-
currículos da América Latina; nenhuma
ber produzido internamente; baseia de
outra instituição mantém mais contato
forma muito limitada o crescimento eco-
direto com pesquisadores em atividade.
nômico à complexidade tecnológica, ou
O sistema de avaliação por pares que
seja, restringe a ampliação de suas pos-
adota lhe permite conferir o selo de qua-
sibilidades mercantis.
lidade mais disputado pela comunidade
Não obstante, comparando-se a atual brasileira de pesquisadores.

pág.20, jul/dez 2004


R V O

O CNPq integra um aparelho de Estado tas e invenções; as guerras revelam a


de complexidade crescente. Assim, para estreita associação entre o trabalho
observar sua trajetória, é preciso consi- dos pesquisadores e a afirmação das
derar o processo sociopolítico brasileiro, entidades políticas legitimadas: sem ci-
em particular as orientações dos segmen- ência e tecnologia, nenhum Estado na-
tos sociais politicamente hegemônicos. cional se defende militarmente, fomen-
ta o progresso econômico e satisfaz as
Por outro lado, na formação da capaci-
demandas sociais.
dade brasileira de produzir saber, é im-
possível eludir as especificidades do tra- Ao longo do tempo, novidades como o
balho intelectual, que tem dinâmica pró- motor à explosão, a eletricidade, a aero-
pria, não pode ser estritamente contro- náutica, o rádio, a energia nuclear, os
lado pelo poder e não se volta necessa- medicamentos, as técnicas agrícolas, os
riamente para os interesses da socieda- satélites e a informática alteram as con-
de. Como toda instituição com forte pre- dições sociais, excitam a imaginação co-
sença de trabalhadores intelectuais, o letiva e induzem governantes a cuidar
CNPq reflete em boa medida as tensas sistematicamente do ensino de massa, da
relações entre a comunidade de pesqui- formação de quadros e do apoio à pes-
sadores e o poder. quisa científica.

Neste trabalho amparo-me na literatura No Brasil, até a Revolução de 1930, es-

disponível sobre o CNPq, aliás, ainda tão em pauta o conhecimento do territó-

modesta. Utilizo documentos oficiais, em rio, o inventário das riquezas naturais

particular a coleção de atas das reuni- passíveis de exploração econômica, o

ões do Conselho Deliberativo (CD) do combate a pragas na agricultura, a mo-

órgão, relatórios anuais de sua diretoria dernização das grandes cidades e o

executiva, discursos e entrevistas de controle de endemias. Engenheiros, sa-

seus presidentes e informações de funci- nitaristas, médicos, mineralogistas, bió-

onários e cientistas. logos, botânicos e agrônomos são os por-


tadores de saber mais prestigiados.
O SURGIMENTO DO CNP Q

A
Outros intelectuais, como os antropólo-
produção, difusão e uso do gos, historiadores, estudiosos da econo-
conhecimento preocupam os mia, juristas e críticos literários, geral-
governantes ao longo da his- mente movidos pela vontade de indicar
tória. No tempo moderno, essa preo- rumos à sociedade, tentam desvendar os
cupação é avivada pela disputa por traços da identidade nacional, as
mercados e pela grande capacidade dos especificidades do Estado brasileiro, o
engenhos destrutivos. O desenvolvimen- funcionamento das instituições e os obs-
to econômico baseia-se em descober- táculos ao desenvolvimento.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 17, nº 2, p. 19-40, jul/dez 2004 - pág.21


A C E

Muitos, a rigor, são quase autodidatas: o para apoiar a pesquisa e a pós-gradua-


país dispõe de raras instituições de ensi- ção. A Segunda Guerra Mundial,
no superior e pesquisa, o apoio governa- aprofundando a distância entre o país e
mental aos cientistas é débil e pouco sis- as potências detentoras de conhecimen-
temático, faltam equipamentos, labora- to científico e tecnológico, induz altera-
tórios e bibliotecas. A noção de que o ções nesse quadro.
conhecimento é permanentemente reno-
O Brasil não conseguira defender sua
vado, as teorias estão sempre sujeitas à
costa de submarinos inimigos durante o
revisão e o aprendizado deve estar asso-
conflito e, para enviar soldados à Euro-
ciado à investigação e à criação é pouco
pa, dependera inteiramente do suporte
disseminada; o valor do saber especi-
norte-americano. Num mundo eletrizado
alizado, ensejado por cursos de pós-gra-
por invenções extraordinárias, pelo de-
duação e pela dedicação exclusiva, é pra-
senvolvimento industrial e pela intensifi-
ticamente desconhecido; não há mecanis-
cação do comércio, suas possibilidades
mos formais de aferição do mérito para
de trocas internacionais persistem base-
o trabalho científico.
adas na produção agrícola e no

N
esse panorama, as escolas mi- extrativismo vegetal que, após a Guerra,

litares se destacam, em parti- têm seus preços reduzidos.

cular as do Exército. Desde o Todavia, é um país mais bem identifica-


século XIX, profissionais formados nas do, mais ciente de suas potencialidades e
academias militares ganham lugar nas ávido de mudanças. O Estado Novo usara
instituições de ensino, nas academias li- a escola, o rádio, a literatura e a arte na
terárias e na direção de empreendimen- exaltação do sentimento nacional; promo-
tos complexos. Modernizado após a Pri- vera grandes símbolos da identidade bra-
meira Guerra Mundial, o Exército é pio- sileira e disseminara a importância do
neiro na institucionalização da formação conhecimento. Paralelamente, a experiên-
continuada e permanente de quadros pro- cia socialista animara o confronto políti-
fissionais. co, inspirando demandas que não seriam
atendidas sem iniciativas estratégicas.
Com as rupturas verificadas no país a
partir de 1930, os militares ampliam sua Os impactos da bomba atômica, a corri-
influência e, entre 1937 e 1945, empe- da armamentista e a disputa por merca-
nham-se de forma discricionária na re- dos impulsionam em todo o mundo o fo-
dução da defasagem entre a corporação mento ao trabalho dos pesquisadores;
modernizada e o país que a mantém. O cresce o respeito aos cientistas, em par-
sistema de ensino é alterado e surgem ticular o prestígio dos físicos. Em 1948,
as primeiras universidades, mas o Esta- é organizada a Sociedade Brasileira para
do persiste sem instrumentos eficazes o Progresso da Ciência; em 1949, surge

pág.22, jul/dez 2004


R V O

o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas do conhecimento , conforme a lei que o


(CBPF) e, em 1950, o Instituto cria. De fato, destina-se especialmente à
Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Em busca da tecnologia nuclear. A mesma lei,
1951, são criados o Conselho Nacional inclusive, define a posição governamen-
de Pesquisa (CNPq) e a Coordenação de tal sobre o tema: proíbe a livre exporta-
Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino ção de minerais estratégicos e atribui ao
Superior (Capes). 2 novo órgão a responsabilidade de domi-
nar a tecnologia nuclear. Para esse efei-
A criação do CNPq não atende a interes-
to, o CNPq, acompanhado atentamente
ses econômicos específicos; responde a
pelo Estado-Maior das Forças Armadas,
uma confluência de vontades: a da co-
pelo Gabinete Militar da Presidência e
munidade científica excitada pelas reve-
pelo Conselho de Segurança Nacional,
lações da Guerra, carente de reconheci-
mantém relações com pesquisadores e
mento e amparo material; a dos milita-
instituições estrangeiras.
res, ansiosos por um instrumento sem o
qual estaria congelada a assimetria dos Um almirante, Álvaro Alberto, renomado
meios de defesa, o engenho nuclear; a em sua corporação, bem inserido na re-
de letrados urbanos de variados matizes duzida comunidade científica e dispondo
ideológicos interessados na superação da de acesso direto ao presidente da Repú-
economia agroexportadora e da depen- blica, general Eurico Dutra, lidera os tra-
dência externa; a de industriais necessi- balhos de criação do Conselho. Álvaro
tados de novas tecnologias e, finalmen- Alberto conta com a assessoria de pro-
te, a de governantes em busca de legiti- fessores reputados, entre eles Carneiro
midade por meio de acenos ao padrão Felipe, da Escola Nacional de Química.
moderno.
O almirante representara o Brasil na
Disseminada a idéia de que ao Estado Comissão de Energia Atômica da ONU,
cumpre planejar o desenvolvimento, o em Nova Iorque, e enfrentara as preten-
Congresso Nacional acata a criação do sões norte-americanas de monopólio da
CNPq. O decreto que regulamenta esta tecnologia nuclear; tornara-se o princi-
entidade revela intenções grandiosas: o pal formulador da orientação conhecida
órgão surge tendo em vista o bem-estar como política de compensações especí-
humano e os reclamos da cultura, da ficas , pela qual o Brasil forneceria mi-
economia e da segurança nacional . nério radioativo em troca de equipamen-
to e apoio técnico para o enriquecimen-
Concebido como autarquia subordinada
to de urânio, não se obrigando a man-
diretamente à Presidência da República,
ter, nesse sentido, relações exclusivas
o CNPq é encarregado de promover e
com os Estados Unidos.
estimular a pesquisa científica e o desen-
volvimento tecnológico em qualquer área O CNPq inaugura a oferta institucional de

Acervo, Rio de Janeiro, v. 17, nº 2, p. 19-40, jul/dez 2004 - pág.23


A C E

bolsas no país. Sob a direção de Álvaro Juarez Távora, chefe do Gabinete Mili-
Alberto, cerca de trezentas bolsas de tar, pede afastamento da presidência do
estudo/pesquisa são implementadas em CNPq. Cientistas renomados, como César
diversas áreas do conhecimento, sen- Lattes, então dirigente do CBPF, contri-
do os pedidos aprovados diretamente buem para o seu desgaste pessoal.
pelo CD, que reúne nomes de grande
Por indicação de Távora, o engenheiro
projeção. A antiga aspiração de estu-
José Batista Pereira substitui o almiran-
dar a Amazônia é atendida com a cria-
te e aceita a extinção paulatina das atri-
ção do INPA.
buições do CNPq relativas ao programa

O Conselho volta-se prioritariamente para nuclear autônomo. Como integrante do

os problemas da pesquisa nuclear, o que, CD, Pereira combatera anteriormente a

no clima da guerra fria, lhe garante o política de compensações específicas .

centro das atenções. A posição do almi- Sem inserção na comunidade científica,

rante e da maioria dos membros do CD sem a autoridade moral de Álvaro

reflete a tendência dita nacional- Alberto, o novo presidente do CNPq so-

desenvolvimentista , defensora de empre- fre resistência de conselheiros. No CD,

endimentos estratégicos para o futuro do ecoa vivamente o confronto de idéias

país. Nesse período, além das instituições sobre os rumos do país.

de pesquisa e ensino, são criadas enti- Juscelino Kubitschek, que assume o go-
dades voltadas para a busca da autono- verno em 1956, amplia a distância do
mia nacional, do desenvolvimento indus- CNPq das atividades relacionadas à ener-
trial e da redução das disparidades regi- gia nuclear, nomeando o coronel-aviador
onais como o BNDE, a Petrobrás e o BNB. Aldo da Rosa para dirigir o órgão. Ex-es-
O CNPq surge integrando o rol das insti- tagiário da aviação naval dos Estados
tuições que encarnam o sonho do Brasil Unidos, íntimo da NASA e admirador as-
autônomo e moderno. sumido da indústria aeronáutica norte-
americana, esse oficial é desconhecido
I NDEFINIÇÕES E AMEAÇAS dos cientistas brasileiros. Vitimado por

A
um acidente de avião, Aldo Rosa logo é
radicalização do confronto po-
substituído por Christóvão Cardoso, um
lítico, fortemente alimentado
conservador, avesso à mobilização polí-
por pressões externas, é ex-
tica do mundo acadêmico e ao apoio a
pressa pelo suicídio de Vargas, em 1954.
cientistas sociais.3
Desde então, a corrente favorável à apro-
ximação com os Estados Unidos ganha O CNPq amarga então fortes reduções
terreno. Em 1955, Álvaro Alberto, falsa- orçamentárias. As dotações vão de
mente acusado de irregularidade na ad- 0,28% do orçamento da União, em 1956,
ministração financeira, pressionado por para 0,09% em 1960, o que se reflete

pág.24, jul/dez 2004


R V O

na quantidade de bolsas implementadas, árias, de vida efêmera.


que cai de 316 para 287. O desgaste do
Na época, o CNPq chama mais a atenção
Conselho é ainda ampliado com o acirra-
devido a uma comissão parlamentar de
mento da disputa entre cariocas e
inquérito sobre a energia atômica do que
paulistas em torno de seus parcos recur-
por empreendimentos como o apoio aos
sos. A entidade é desacreditada exata-
estudos da flora amazônica, dos cerra-
mente quando os vôos espaciais alimen-
dos e do semi-árido nordestino, e a com-
tam o imaginário coletivo acerca das
pra, em parceria com o Ministério da
amplas possibilidades da ciência e da
Guerra, a Companhia Siderúrgica Nacio-
tecnologia.
nal e a PUC-Rio, do primeiro computador

Empenhado em acelerar o desen- eletrônico instalado no país.

volvimento do país, Kubitschek quer re- Em 1961, Jânio Quadros nomeia outro
sultados de curto prazo, enquanto a for- almirante, Octacílio Cunha, presidente
mação de capacidade científica deman- do Conselho. Esse oficial tenta recupe-
da tempo, esforços sistemáticos e re- rar o prestígio da instituição recompon-
cursos regulares, como observa Shozo do seu orçamento, mesmo que de ma-
Motoyama. Descontente com a máqui-
4
neira nada ortodoxa: o presidente da
na estatal, Kubitschek cria instâncias República ordena à Petrobrás que envie
paralelas e forma “comissões” com au- recursos ao CNPq.
toridade e recursos para executar seus
O almirante Octacílio, treinado para pla-
planos relativos às indústrias química,
nejar, como costumam ser os militares
naval e automotora de forma
modernos de alta patente, assessorado
desvinculada da capacidade científica e
por Antônio Couceiro, dirige a elabora-
tecnológica do país.
ção de um plano qüinqüenal . Nessa oca-
Uma iniciativa revela a pouca percepção sião, o CD, pela primeira vez, aborda sis-
de Juscelino quanto ao papel estratégico tematicamente os problemas que absor-
do CNPq na capacitação científica e verão os formuladores da política cientí-
tecnológica do Brasil: a criação, no Mi- fica brasileira nas décadas seguintes: a
nistério da Educação, de uma Comissão formação de pesquisadores e suas con-
Supervisora do Plano dos Institutos, en- dições de vida e trabalho; o intercâmbio
carregada de organizar 14 instituições de e a formação de grupos; o amparo às
pesquisa. Essa Comissão, além de repre- instituições e às publicações científicas;
sentar uma sobreposição de esforços, a difusão tecnológica por meio da absor-
leva ao desperdício de recursos financei- ção, pela indústria, de pesquisadores
ros, esvaziando drasticamente as verbas qualificados; a desarticulação entre as
do CNPq. Juscelino ordena ainda a cria- diversas instâncias e instituições vincula-
ção de um Instituto de Pesquisas Rodovi- das ao setor; a desconcentração espaci-

Acervo, Rio de Janeiro, v. 17, nº 2, p. 19-40, jul/dez 2004 - pág.25


A C E

al dos investimentos e o estímulo para a rar o processo modernizador e construir


fixação de competências no Norte, Nor- uma grande potência.
deste e Centro-Oeste. Cumprindo deter-
Desde as reformas corporativas ocorri-
minação governamental, Octacílio orga-
das na Primeira República, os oficiais
niza o Grupo de Organização da Comis-
sentem na pele as fragilidades do país, a
são Nacional de Atividades Espaciais
ausência de uma indústria capaz de for-
(GOGNAE), embrião do Instituto Nacional
necer armas e equipamentos, a
de Pesquisas Espaciais (INPE).
inexistência de uma infra-estrutura capaz

A crise financeira legada por Kubitschek, de permitir operações militares segundo

a instabilidade provocada pelo o padrão moderno, as deficiências do

intempestivo Jânio e as indefinições polí- ensino fundamental que tanto prejudicam

ticas de Goulart agravam a situação do a instrução dos soldados. Em 1964,

CNPq. Recursos da Fundação Ford alivi- retornam ao mando discricionário e dão

am a crise, mas, no período que antece- continuidade às mudanças não efetuadas

de o Golpe de 1964, a existência do Con- pelo Estado Novo; outorgam-se a condi-

selho é ameaçada. A proposta de refor- ção de legítimos e indiscutíveis detento-

ma administrativa coordenada pelo almi- res da fórmula para desenvolver o país.

rante Amaral Peixoto estabelece que o A ditadura é pródiga em iniciativas. Dis-


CNPq se subordinaria ao Ministério da pondo de colaboradores devotados e
Educação e Saúde. Um projeto de divi- entrosados com as idéias de agências
são do órgão em duas fundações, uma multilaterais, como o BID, o BIRD e a
voltada para a ciência, outra para a Unesco, estabelece uma pletora de pro-
tecnologia, é apresentado ao Congresso jetos, planos básicos, planos especiais,
Nacional. Os pesquisadores, divididos planos integrados, programas, conselhos,
politicamente, não assumem com vigor a comissões, fundos permanentes e fundos
defesa da instituição que, outrora, che- especiais, tudo apresentado à maneira
gara a ser designada como a Casa do redentorista e destinado a afetar todos
Cientista . Após mais de uma década de os aspectos da vida nacional, da política
funcionamento, o CNPq ainda não é uma agrária ao sistema educacional; da saú-
instituição consolidada. de pública ao planejamento urbano; da
preservação do patrimônio histórico à
S OB A DITADURA política científica.

O
s militares assumem o poder dis- Sob a ditadura, o CNPq se firma como
cursando contra os comunistas instituição de apoio ao desenvolvimento
e a corrupção; não têm “progra- da ciência. O ensino e a pesquisa tornam-
ma de governo”, mas uma idéia do país se objeto de planejamento e contam com
que desejam; pensam, de fato, em acele- volume de recursos inéditos. Um grande

pág.26, jul/dez 2004


R V O

sistema de pós-graduação é implantado, ção? Ao CNPq, portanto, estaria destina-


os salários e as condições de trabalho da a articulação de atividades de vários
dos professores e pesquisadores são ministérios.6
substancialmente melhorados; a partici-
O presidente do CNPq esclarece a orien-
pação da comunidade científica nas ativi-
tação governamental: o Brasil está preci-
dades da Capes e do CNPq é possibilitada
sando no momento, e durante um tempo
pelo reconhecimento institucional das áre-
que não é curto, muito mais de ciência e
as do conhecimento e a subseqüente or-
de cientistas do que de um ministério da
ganização da avaliação do mérito científi-
ciência. Ligado depois à poderosa Secre-
co por meio do julgamento pelos pares.
taria de Planejamento da Presidência da
Já no primeiro ano do regime militar, fi- República, encarado como arma para o
cam superadas as indefinições quanto à desenvolvimento e contando com recur-
sobrevivência do CNPq. Por orientação sos do BNDE, o CNPq volta-se para a pós-
do general Castelo Branco, são sepulta- graduação, pretendendo dirigir um siste-
das as tentativas de criar um ministério ma nacional de ciência e tecnologia em
da ciência e tecnologia ou ainda a de gestação. Os generais determinam a cri-
substituir o órgão por duas fundações ação de secretarias de ciência e
públicas. O presidente do CNPq, Antô- tecnologia em pastas ministeriais, ampli-
nio Couceiro, que mantinha entendimen- am a rede de universidades federais e
tos diretos com o general, explica ao levam os governos estaduais a apoiar a
Conselho Deliberativo a vantagem de a pesquisa.
Presidência da República garantir o con-
O autoritarismo garante estabilidade à
trole da instituição: se, realmente, a
administração do CNPq: nos treze anos
pesquisa científica é a arma para pro-
que precedem o golpe de 1964, o órgão
mover, dirigir e acelerar o desenvolvi-
fora dirigido por seis presidentes; nos 21
mento, deve estar sob o domínio e sob
anos de ditadura, por apenas cinco. Ali-
o controle do governo . 5
ás, ninguém permaneceria tanto tempo
O argumento de Couceiro contra a cria- como presidente quanto Couceiro (1964-
ção de um ministério da ciência e 1970), que lhe imprime capacidade de
tecnologia revela a amplitude do papel planejamento e execução de programas,
que os governantes concebiam para o recebe regularmente recursos importan-
órgão. Caso o ministério fosse criado, tes e consolida sua estrutura funcional.
afirmava Couceiro, haveria uma disputa Por intermédio do CNPq, o Estado passa
de competências . Quem programaria, a interferir de forma mais global e siste-
indagava, pesquisas na agropecuária e na mática na produção do conhecimento e
educação? O Ministério da Ciência e a contribuir com a modernidade aspira-
Tecnologia, da Agricultura ou da Educa- da pelo comando militar.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 17, nº 2, p. 19-40, jul/dez 2004 - pág.27


A C E

Ainda em 1964, apesar da política de res de alto nível através de programas


contração econômica, é criado, no BNDE, de pós-graduação é estabelecida como a
o Fundo de Desenvolvimento Técnico-Ci- grande prioridade do primeiro plano
entífico e o CNPq recebe mais recursos qüinqüenal (1968-1972), que pretendia
que nos quatro anos anteriores. Em triplicar, no mínimo, em cinco anos, o
1967, no bojo de um plano estratégico efetivo de cientistas no país . 7
de desenvolvimento, os governantes es-
A aproximação com os Estados Unidos,
tabelecem um plano básico da pesquisa
iniciada após o afastamento de Álvaro
científica e tecnológica. Em 1968, o CNPq
Alberto em 1955, ampliada no governo
adota um plano qüinqüenal para o desen-
Juscelino e confirmada no período de
volvimento científico e tecnológico.
Goulart, toma ritmo acelerado nos gover-

P
reocupados com a inovação nos militares, incluindo domínios delica-

tecnológica, ou seja, com a dos como o da pesquisa aeroespacial. Em

transformação de conhecimen- 1968, enquanto o mundo acadêmico se

tos em produtos ou serviços co- agita contra o acordo MEC-USAID, o Con-

mercializáveis, os governantes criam a selho negocia convênios com a National

Financiadora de Estudos e Projetos Academy of Science e o National

(Finep), em 1967. No ano seguinte, a Research Council.

Embraer. Em 1969, instituem o Fundo Comentando a disposição do governo


Nacional de Desenvolvimento Científico norte-americano para investimentos em
e Tecnológico e, em 1972, estabelecem pesquisa na América Latina por meio de
o Primeiro Plano Nacional de Desenvol- bancos multilaterais, Couceiro manifes-
vimento (PND), que enseja o Primeiro ta contentamento e esperança: “é chega-
Plano Básico de Desenvolvimento Cien- do o momento de o governo americano
tífico e Tecnológico (PBDCT). Em 1975, confiar no trabalho que os pesquisado-
surgem o II PND e o II PBDCT; o último res deste país realizaram”. 8 As negocia-
da série – que, aliás, já não reproduz as ções passam obrigatoriamente pela ava-
mesmas concepções dos primeiros – liação do Estado-Maior das Forças Arma-
aparece em 1980. das e compreendem diversas atividades
consideradas estratégicas como a botâ-
A oferta de bolsas, que em 1964 não
nica, a produção agrícola, os recursos
chegava a quatrocentas unidades, sendo
minerais e a computação.
mais da metade na modalidade iniciação
científica, sobe para cerca de treze mil É durante a ditadura que o CNPq se en-
em 1985. Nesse ano, a modalidade de volve com as grandes mudanças no pa-
bolsa mais beneficiada é a de pós-gradu- norama agrícola brasileiro. Sob a orien-
ação, com cerca de cinco mil bolsas. A tação de organismos multilaterais, em
formação de professores e pesquisado- particular o Banco Mundial, os

pág.28, jul/dez 2004


R V O

governantes abraçam vigorosamente a endemias, com destaque para a


bandeira do desenvolvimento rural inte- esquistossomose e a doença de chagas.
grado que, sem redistribuir a terra e a
Um dos problemas mais delicados enfren-
renda, sem alterar a concentração espa-
tados pelo CNPq durante o regime mili-
cial da riqueza ou propiciar melhorias na
tar é a evasão de cientistas. Nos primei-
qualidade de vida da maioria dos traba-
ros anos da ditadura, a direção do órgão
lhadores, agrega vastas porções da zona
procura diretamente pesquisadores que
rural ao desenvolvimento econômico sus-
tencionam deixar o país. 10 O agravamen-
tentado pelo regime.
to das tensões após o ato institucional n.

O uso da ciência e da técnica para favo- 5 leva o CNPq a organizar uma denomi-

recer a exploração agrícola das zonas nada operação retorno, oferecendo isen-

semi-árida e de cerrados, cogitada duran- ção de tarifas de importação para os bens

te a presidência do almirante Octacílio dos que trabalham no exterior.

Cunha e esboçada sob a direção de A partir de 1970, o general Arthur Faça-


Couceiro, torna-se objeto de programas nha, um ex-diretor da Escola Militar de En-
oficiais sob o comando do general Arthur genharia, contando com a colaboração de
Mascarenhas Façanha, nomeado presi- cientistas respeitados, entre eles o mate-
dente do CNPq pelo general Garrastazu mático Maurício Matos Peixoto, vice-pre-
Médici, em 1970. 9
sidente do órgão, empenha-se na
reaproximação dos pesquisadores. Entre-
Entre as justificativas desses progra-
tanto, o acirramento da repressão polici-
mas estão a descentralização das ati-
al atemoriza os cientistas e até a SBPC,
vidades da pesquisa e a integração do
que apoiara os investimentos governamen-
território nacional. O CNPq passa a atu-
tais na pesquisa, denuncia as violências.
ar com órgãos como a Sudene, a
Sudam, o DNOCS e a CODEVASF. Care- Durante o governo do general Ernesto
cendo de técnicos para o geren- Geisel (1974-1979), o CNPq, sob a pre-
ciamento de seus planos, o regime in- sidência de José Dion de Melo Teles, um
centiva, por intermédio do CNPq e da engenheiro formado pelo ITA, muda de
Capes, a formação de planejadores e denominação para Conselho Nacional de
cientistas sociais voltados para o desen- Desenvolvimento Científico e Tecnológico,
volvimento . Sociólogos, historiadores, torna-se uma fundação pública de direi-
cientistas políticos e antropólogos, tra- to privado e sofre alterações funcionais.
dicionalmente afastados dos benefícios A sede é transferida do Rio de Janeiro
do CNPq, recebem inédito apoio para Brasília e seu Conselho Deliberativo,
institucional. Paralelamente, sob a co- onde historicamente tinham assento
ordenação de Frota Moreira, o órgão membros destacados da comunidade ci-
cria um programa de estudos de entífica, é extinto.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 17, nº 2, p. 19-40, jul/dez 2004 - pág.29


A C E

Reproduzindo o estilo imperial, marca do áreas do conhecimento científico, inicia-


governo Geisel, respaldado por Golbery da pelo CNPq em 1974 e concluída em
do Couto e Silva e dispondo de recursos 1976, a avaliação pelos pares adotada
continuamente ampliados, o presidente por instituições públicas configura não
do CNPq, sem reconhecimento na comu- apenas o reconhecimento formal dos cam-
nidade científica, dirige um Conselho Ci- pos de trabalho dos cientistas, mas, so-
entífico e Tecnológico (CCT), espécie de bretudo, o acatamento da autoridade in-
comissão interministerial com atribuições telectual para efeito de aferição de méri-
de coordenar um vasto sistema nacional to. O pesquisador, certamente, não defi-
de ciência e tecnologia. ne prioridades e programas governamen-
tais nem interfere em aspectos adminis-
Mas, em 1975, por ocasião do lançamen-
trativos, mas a autoridade governamen-
to do I Plano Nacional de Pós-Graduação,
tal já não pode escolher unilateralmente
quando o país já dispunha de 551 cursos
os beneficiários do auxílio ou do investi-
de mestrado e duzentos de doutorado, o
mento público. O comitê assessor , orga-
CNPq reduz sua capacidade de interferir
nizado por área do conhecimento, é o
no ensino. Até então, o órgão apoiara di-
mecanismo-chave na mediação entre a
versos programas sem ter em conta o
vontade do Estado e a do produtor de
papel da Capes, tida inclusive por Couceiro
conhecimento. Não por acaso, é adotado
como entidade de critérios duvidosos. 11
exatamente quando o regime militar vive
Paralelamente, o CNPq organiza os comi-
seu momento de profundo desgaste e
tês assessores , que materializariam a
reconhece a necessidade de preparar a
avaliação do mérito científico por meio do
transição para a democracia.
julgamento de pares.

Na primeira fase do regime militar, a Ca- Em 1979, refletindo o avanço na qualifi-

pes, além de viver indefinições cação do mundo acadêmico brasileiro

institucionais e programáticas, é abalada propiciado pelo regime militar, o CNPq,

pela freqüente mudança de seus dirigen- sob a direção de Maurício Matos Peixo-

tes, por disputas internas e pela ingerên- to, cria a bolsa de pós-doutorado.

cia de parlamentares na implementação


No ocaso do período militar, outro enge-
das bolsas de estudo. Apenas em 1977,
nheiro, Lynaldo Cavalcanti de
a entidade institucionaliza a avaliação dos
Albuquerque, assume a presidência do
programas de pós-graduação por comis-
CNPq. Administrador público experiente,
sões formadas por membros da comuni-
engajado no esforço pelo desenvolvimen-
dade acadêmica.
to do Nordeste, Lynaldo ganhara a sim-
Trata-se de um momento fundamental na patia de muitos pelas oportunidades que
institucionalização da atividade científica proporcionara, como reitor da Universi-
no país. A partir de uma classificação das dade Federal da Paraíba, a professores

pág.30, jul/dez 2004


R V O

perseguidos pelo regime. Apesar das di- te o país. O Brasil é urbanizado; a infra-
ficuldades financeiras e dos efeitos cor- estrutura econômica, ampliada; os seto-
rosivos da inflação, L ynaldo implementa res produtivos, diversificados; a capaci-
numerosos programas tendo em vista a dade dos meios de comunicação e trans-
absorção de tecnologia pelo setor produ- porte, multiplicada. Muitos brasileiros
tivo (depois designada como inovação) e passam a se perceber integrantes de uma
retoma a velha bandeira da redução das comunidade nacional, não obstante o
disparidades regionais. Nesse sentido, aprofundamento das desigualdades soci-
envolve particularmente as universida- ais e regionais. As mudanças, certamen-
des. Acreditando firmemente nas virtu- te, também não reduzem a
des do Estado como planejador do desen- vulnerabilidade da economia à vontade
volvimento socioeconômico, procura fa- estrangeira, não consolidam um sistema
vorecer a capacidade do CNPq na formu- de defesa do território, não resguardam
lação da política científica brasileira e, a a riqueza nacional para os brasileiros nem
despeito da centralização de decisões que protegem o meio ambiente. Mas o Brasil
marca seu trabalho, convive respeitosa- é outro, inclusive no que diz respeito à
mente com a comunidade científica. capacidade de produzir conhecimento.

É nesse período que a entidade multila-


O RETORNO À DEMOCRACIA

N
teral de maior capilaridade, o Banco Mun-
dial, deixa sua marca na produção de co- o Estado democrático, o CNPq
nhecimento no Brasil. Em 1984, é assi- encontrará, a partir de 1985,
nado o convênio que estabelece o Pro- além de questões que já afli-
grama de Apoio ao Desenvolvimento Ci- giam seus fundadores após a Segunda
entífico e Tecnológico ( PA D C T ) , Guerra Mundial, a herança do
objetivando complementar os recursos autoritarismo e os desafios da cena in-
destinados pelo Estado à pesquisa cientí- ternacional marcada pelo fim da guerra
fica. Como em todos os convênios assi- fria. O país amarga a crise da dívida ex-
nados pelo Banco Mundial, ao contratan- terna, o déficit público, a inflação cres-
te de empréstimos cabe assumir a mai- cente e fica na condição de exportador
or parte do valor financeiro do progra- líquido de capital. Para assegurar o seu
ma. Mais do que recursos, o Banco Mun- desenvolvimento e soberania, o Brasil
dial oferece, a título de ajuda, precisa continuar ampliando a infra-es-
paradigmas, conceitos e procedimentos trutura de ciência e tecnologia, formar
conforme um receituário estabelecido cada vez mais quadros e acompanhar o
para todos os países em que atua. melhor possível o avanço da produção
mundial de conhecimento.
Em duas décadas de regime discricioná-
rio, os militares alteram significativamen- O debate sobre os rumos do país deixa

Acervo, Rio de Janeiro, v. 17, nº 2, p. 19-40, jul/dez 2004 - pág.31


A C E

em evidência o distanciamento entre as versificação de atividades capaz de valo-


atividades científicas e as demandas so- rizar os múltiplos recursos naturais e a
ciais. O crescimento acelerado das gran- criatividade da cultura sertaneja.
des cidades, além de reproduzir a histó-
No rol da herança da ditadura, resta ain-
rica desigualdade de renda e oportunida-
da a absorção de pesquisadores que, por
des, faz emergir um grande leque de pro-
conta de perseguição política ou interes-
blemas a ser estudado e enfrentado, com
se profissional, trabalham no exterior.
destaque para as condições de moradia,

O
os problemas sanitários, a dificuldade de estabelecimento de uma agen-
transporte, a degradação ambiental e o da para a política científica e
que o jargão da época designava como tecnológica, entretanto, é difi-
marginalidade social . cultado pela ausência de um projeto de-
mocrático de país. O conjunto heterogê-
A concentração institucional e geográfica
neo de forças que agora governa o Brasil
da produção de conhecimento,
não fixa uma linha programática clara,
diagnosticada pelo almirante Octacílio
perde-se no enfrentamento do processo
Cunha antes do golpe de 1964, não fora
inflacionário e na administração de cri-
atenuada pelas iniciativas compensatóri-
ses conjunturais.
as do regime militar. O problema se tor-
na até mais visível por conta da deman- A pasta de Ciência e Tecnologia é entre-
da induzida : a ditadura instalara univer- gue pelo presidente Sarney (1985-1990)
sidades federais em todas as unidades a Renato Archer, ex-militar, admirador de
da Federação que, agora, querem quali- Álvaro Alberto. Em sua longa carreira
ficar quadros e pesquisar. A concentra- parlamentar, Archer se fir mara como
ção de investimentos em poucas univer- defensor do desenvolvimento autônomo
sidades do Sudeste torna-se particular- e baseado em tecnologia própria.
mente incômoda.
O Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT)
A Amazônia, que passara a ser objeto surge formalmente com atribuições pou-
de exploração econômica mais intensifi- co precisas, como a de cuidar do
cada, persiste sem programas sistemáti- patrimônio científico e tecnológico, elabo-
cos de pesquisa; o Semi-Árido, transfigu- rar e conduzir a política para o setor e
rado pelas rodovias e pela energia elétri- formular a política nacional de informática.
ca, persiste com seus insuportáveis pro- Os programas relativos à energia nuclear
blemas sociais, entre eles, a e à pesquisa espacial, que os militares
inacessibilidade dos trabalhadores rurais haviam desenvolvido secretamente e à
à formidável reserva de água acumulada revelia da comunidade acadêmica, esca-
artificialmente. O planejamento regional pam das atribuições do novo ministério.
do regime militar não propiciara uma di- O mesmo ocorre com os investimentos em

pág.32, jul/dez 2004


R V O

pesquisa realizados pelas grandes empre- As proposições de Roberto Santos, além


sas estatais, que atuam sem conexão com de representarem uma alteração signifi-
as agências de fomento da produção ci- cativa na atuação do CNPq, tradicional-
entífica e tecnológica. mente voltado para a pesquisa básica,
não correspondem exatamente às priori-
Archer define como prioridades a pes-
dades definidas por Renato Archer. A dis-
quisa em informática, biotecnologia,
puta de competência, prevista vinte anos
novos materiais, química fina e mecâni-
antes por Antônio Couceiro, emerge, con-
ca de precisão; empenha todo o seu pres-
tundente, na Nova República.
tígio pessoal na obtenção de recursos
para o ministério e ganha o centro das O político baiano dirige por pouco tempo
atenções com a defesa da política de o CNPq, sendo substituído por
informática. Crodowaldo Pavan. Renato Archer deixa

O CNPq, dirigido por Roberto Santos, um o ministério em outubro de 1987, seguin-

médico que governara a Bahia durante do-se um período tumultuado, com mu-

o regime militar, cede seus quadros para danças sucessivas de ministros,

a montagem do MCT e fica com atribui- indefinições institucionais, redução de

ções reduzidas. Mas seu presidente não verbas e perturbações decorrentes das

abdica de formular a política científica políticas anti-inflacionárias.

para o país, pretendendo inclusive atu-


Pavan utiliza, com sucesso, o talento de
ar em áreas de outros ministérios, como
articulador político desenvolvido na pre-
a formação de professores para cursos
sidência da SBPC e consegue
profissionalizantes do ensino médio.
suplementações orçamentárias para a
Roberto Santos firma como prioridades ampliação do número de bolsas. O cres-
para o órgão a tecnologia de alimentos cimento foi significativo: em 1986, o
de consumo popular, a fabricação de CNPq concedia 13.628 bolsas-ano; em
imunobiológicos e de insumos para me- 1990, passou a conceder 28.696. Res-
dicamentos que o país não produzia, o tabelecido o Conselho Deliberativo, a
tratamento de água servida e a comunidade acadêmica volta a ter voz na
tecnologia para construção de casas condução do órgão; até processos admi-
populares. Além disso, pretende que o nistrativos, outrora de atribuição exclu-
CNPq se envolva no apoio técnico-cien- siva da Diretoria Executiva, passam a ser
tífico à expansão da agricultura irrigada discutidos no colegiado. Entretanto, per-
no vale do São Francisco, opção de de- siste a dificuldade para definir com niti-
senvolvimento regional assentada des- dez uma linha de atuação e mesmo o
de o Império, sempre com resultados papel institucional. O problema é agra-
inócuos para atenuar as agruras da po- vado pela ausência de interlocutores qua-
pulação rural do Nordeste. lificados no MCT. 12

Acervo, Rio de Janeiro, v. 17, nº 2, p. 19-40, jul/dez 2004 - pág.33


A C E

NO TEMPO LIBERAL entre a pesquisa e o setor produtivo como

A
o grande entrave ao progresso brasilei-
posse de Collor de Mello, em
ro. Ambos querem favorecer a iniciativa
1990, inaugura um período
privada voltada para produtos de alta
de revisão intensiva no apa-
complexidade e protagonizam sérios con-
relho de Estado, conforme as novas ori-
flitos com os funcionários do CNPq.
entações das agências multilaterais. As
instituições governamentais, tidas como Jacob e Mares Guia, profissionais reco-

ineficientes, perdulárias e subservientes nhecidos pela comunidade acadêmica,

a interesses corporativos do servidor manifestam desconforto com o funciona-

público, representariam o grande entra- mento de comitês assessores, instância-

ve ao desenvolvimento do país. Collor, chave do processo de julgamento do

mesmo propiciando inicialmente grande mérito pelos pares, já então plenamente

tumulto administrativo, inicia profundos consagrado. A movimentação de nume-

e alongados movimentos de retração da rosos cientistas no CNPq escolhendo,

capacidade de intervenção do Estado e, bem ou mal, os projetos merecedores de

paralelamente, de avanço do interesse apoio público nas diversas áreas do co-

privado sobre o negócio público. Os mo- nhecimento restringe-lhes a capacidade

vimentos, conjugados, são apresentados de arbítrio. O Conselho Deliberativo do

como inerentes ao padrão moderno. As CNPq, a presença, na Diretoria Executi-

expressões primeiro mundo e va, de experientes cientistas como

modernidade tornam-se usuais para ex- Lindolpho de Carvalho Dias e Jorge Gui-

pressar os objetivos propostos ao país, marães e, sobretudo, a cultura desenvol-

sendo inclusive absorvidas por muitos vida pela comunidade, asseguram a con-

dos que se opõem a Collor. tinuidade dos comitês assessores.

Jacob e Mares Guia enfrentam também


Gerhard Jacob e Marcos Luiz de Mares
grandes problemas financeiros. A falta de
Guia, dirigentes do CNPq nomeados pelo
meios impede novas iniciativas de fomen-
novo presidente, mesmo não acompa-
to e compromete o pagamento de bolsas
nhando seus arroubos liberais, mostram-
concedidas. Marcos Mares Guia,
se afinados com as idéias em voga.
remanejando os parcos recursos das di-
Jacob, um físico-matemático dedicado à
versas modalidades de bolsas, acatando
cooperação científica entre o Brasil e a
sugestão de Jorge Guimarães, introduz
Alemanha, considera a abertura econô-
uma novidade, a taxa de bancada, como
mica benéfica à ciência do país dado que
forma de atenuar as dificuldades das
empresários brasileiros, obrigados a
pesquisas em andamento.
competir no âmbito internacional, inves-
tiriam em pesquisa; Mares Guia, um Apesar da penúria, com o empenho pes-
bioquímico-empresário, toma o divórcio soal de seus presidentes, o CNPq amplia

pág.34, jul/dez 2004


R V O

significativamente o número de bolsas, programas que, na ótica de Tundisi, seri-


mesmo que com valores sempre avilta- am relevantes para o desenvolvimento
dos por conta da inflação: se, em 1990, brasileiro. Julgando a comunidade cien-
as unidades implementadas somam tífica incapaz de repensar suas ativida-
28.696, em 1993, chegam a 40.955. des no sentido de apoiar um desenvolvi-
Mares Guia envolve o CNPq no esforço mento sólido e consistente para o país,
pelo desenvolvimento da informática por Tundisi se envolve no planejamento nos
intermédio do Programa Nacional de moldes do chamado programa Avança
Software para Exportação (SOFTEX 2000) Brasil, proposto por Fernando Henrique,
e toma iniciativas visando informatizar a apresentado como marco da retomada do
administração da agência. planejamento estratégico por meio de
planos de investimentos estabelecidos a
Os enfrentamentos com o corpo de ser-
cada três anos (os PPAs).
vidores refletem mais que a insatisfação
com o aperto salarial da época: revelam Tundisi recupera a prática desenvolvida
o espírito de corpo de funcionários pelo ór gão no final do regime militar,
crescentemente qualificados do ponto de quando Dion e Lynaldo apóiam pesqui-
vista técnico e acadêmico e interessados sas visando alterar o padrão
em desempenhar papel como socioeconômico. 13

formuladores políticos. A indefinição do


A atuação mais notória do CNPq nesse
governo quanto à instância responsável
sentido foi o apoio ao agronegócio. Em
pela política brasileira de ciência e
convênio com o Ministério da Agricultu-
tecnologia contribui para mobilizar os
ra, Tundisi quer apoiar a irrigação de um
funcionários no sentido de garantir espa-
milhão de hectares no Nordeste, trans-
ço na estrutura da administrativa. O Mi-
formando-o em exportador de frutas. A
nistério de Ciência e Tecnologia sofre com
proposição, amparada numa concepção
a inconstância de seus titulares e as
de desenvolvimento regional condenada
mudanças de orientação programática.
pela experiência histórica, é particular-
As dificuldades financeiras e a impreci- mente estranha quando formulada por
são do papel do CNPq agravam-se quan- quem se preocupa com o meio ambien-
do Fernando Henrique Cardoso assume te: sendo a fruticultura irrigada voraz
o gover no e nomeia Israel Var gas minis- consumidora de água, tratar-se-ia de dar
tro da Ciência e Tecnologia. Sob a dire- à região de menor disponibilidade hídrica
ção de Galizia Tundisi (1995-1999), um a condição de exportadora de água sem
limnologista-empresário voltado para a que, não obstante, os volumosos manan-
gestão dos recursos naturais, o CNPq, ciais acumulados artificialmente no semi-
mesmo sem recursos assegurados e com árido chegassem à população necessita-
imprecisões sobre o seu papel, define da. Uma política científica voltada para

Acervo, Rio de Janeiro, v. 17, nº 2, p. 19-40, jul/dez 2004 - pág.35


A C E

as necessidades sociais deveria necessa- Administrando a penúria e seguindo ori-


riamente ter em vista, além do abasteci- entações do Banco Mundial, Israel Vargas
mento humano, a diversificação das ati- procura apoiar os pesquisadores de elite.
vidades produtivas privilegiando merca- Inspirado no modelo dos laboratórios as-
dorias de valor agregado. sociados do Centre National de Recherche
Scientifique, da França, organiza o Pro-
Os rumos do CNPq deixam a comunida-
grama de Núcleos de Excelência
de científica desesperançada. Se os ajus-
(PRONEX), a ser gerido pelo CNPq.
tes estruturais na economia durante o
Lindolpho de Carvalho Dias preside a co-
primeiro mandato de Fernando Henrique
missão organizadora do PRONEX, que con-
reduzem as verbas do CNPq para bolsas
ta, entre outros, com Moysés Nussenzveig,
e fomento de cerca de quinhentos mi-
Gilberto Velho, Antonio Cecchelli e Evando
lhões de reais, em 1995, para 441 mi-
Mirra. A iniciativa, que reforçaria a histó-
lhões, em 1999, o planejamento de
rica tendência de concentração espacial
Tundisi resulta numa forte retração da
dos investimentos, não é seguida de me-
oferta de bolsas. No período 1995-1999,
didas compensatórias.
o número de bolsas-ano implementadas
é reduzido de 52.041 para 41.969, sen-
Em 1999, quando Fernando Henrique
do as bolsas de mestrado e de produtivi-
Cardoso nomeia Bresser Pereira minis-
dade em pesquisa as mais afetadas. A
tro da Ciência e Tecnologia, o CNPq vive
redução é particularmente perturbadora
momento de grande confusão administra-
tendo em vista que, no período, os cur-
tiva. Anteriormente, como ministro de
sos de pós-graduação saltam de 1.775
Administração e Reforma do Estado,
para 2.158.

F
Bresser dirigira uma reforma administra-
rente às dificuldades financeiras tiva gerencial reduzindo o aparelho de
e na esteira das privatizações em Estado em favor do setor privado. Bresser
setores estratégicos da economia pretendera, inclusive, fundir o Ministério
como a exploração do petróleo, as tele- da Ciência e Tecnologia com o da Educa-
comunicações e a energia elétrica, Isra- ção. Agora, concentrando o mando no
el Var gas busca uma nova forma de fi- setor de ciência e tecnologia, acumula os
nanciamento da pesquisa desvinculada cargos de ministro e presidente do CNPq.
dos recursos do Tesouro Nacional. Em Sua proposta para imprimir maior
1997, a lei que cria a Agência Nacional racionalidade à concessão de bolsas e
do Petróleo (ANP) estabelece que parce- auxílios e reduzir conflitos administrati-
la dos royalties da produção de petróleo vos é a adoção de um sistema rotativo
e gás seja destinada à pesquisa. Em em que três vice-presidentes, Evando
1999, é implantado o primeiro Fundo Mirra, Fernando Reinach e Denis
Setorial, dito CT-Petro. Rosenfield, revezar-se-iam no cargo em

pág.36, jul/dez 2004


R V O

interstícios de seis meses. A iniciativa, À revelia do que possam oferecer ao


desrespeitando a experiência firmada combalido sistema nacional de ciência e
durante décadas, assusta os servidores tecnologia, os fundos setoriais, objetiva-
e a comunidade, sendo logo abandona- mente, reduzem a capacidade do CNPq e
da. Quanto a ações programáticas, do próprio MCT de contribuir na formula-
Bresser, simplesmente, nada acrescenta. ção da política de ciência e tecnologia:
os novos recursos integram o Fundo Na-
Nos últimos anos do mandato de
cional de Ciência e Tecnologia (FCDCT),
Fernando Henrique, o embaixador
mas têm finalidades pré-estabelecidas,
Ronaldo Sardenberg, ministro da Ciência
pois são destinados ao financiamento de
e Tecnologia, retoma os trabalhos para
programações específicas.
a implantação dos fundos setoriais. A ini-
ciativa enquadra-se no ideário de redu- Além disso, a criação do Centro de Ges-
ção do financiamento das políticas públi- tão e Estudos Estratégicos (CGEE), orga-
cas: trata-se de atenuar as obrigações do nização social mantida pelo MCT para as-
Tesouro Nacional em relação à produção sessorar sua orientação programática por
de conhecimento. meio de estudos prospectivos do desen-
volvimento científico internacional e de
Na expectativa de maiores aportes à pes-
definição de oportunidades de investimen-
quisa, a iniciativa é saudada como
tos, restringe ainda mais a possibilidade
benfazeja pela comunidade científica, por
de o CNPq influir no destino dos novos
meio da ABC e da SBPC. Os recursos que
recursos. O CGEE é concebido, objetiva-
alimentam os fundos são de origens vari-
mente, como entidade formuladora da
adas como parcelas de royalties, de re-
política científica brasileira.
ceitas de empresas beneficiárias de in-
centivos fiscais e da contribuição de in- Evando Mirra deixa a presidência do
tervenção no domínio econômico (Cide). CNPq para dirigir o CGEE em 2000, quan-
A gestão desses fundos é submetida a do se inicia a implementação dos fundos
comitês integrados por representantes de setoriais, sendo substituído por Esper
ministérios, agências reguladoras, cien- Abrão Cavalheiro. Ao tempo em que o
tistas e empresários. O CNPq, indicando CNPq deixa de abrigar institutos de pes-
um representante nesses comitês, pou- quisas, alguns transformados em organi-
co interfere em suas decisões. zações sociais, firma-se como repassador
de recursos para pesquisas provenientes
A possibilidade de os fundos favorecerem
de convênios com diversos ministérios.
a concentração geográfica e institucional
de investimentos é agora enfrentada com A orientação do BIRD, de fomentar a
a fixação de percentuais obrigatoriamen- excelência, já manifesta no PRONEX,
te destinados às regiões Norte, Nordeste prossegue agora com um instrumento de
e Centro-Oeste. apoio aos que operam com a fronteira

Acervo, Rio de Janeiro, v. 17, nº 2, p. 19-40, jul/dez 2004 - pág.37


A C E

do conhecimento , os Institutos do Milê- A disposição governamental segue clara-


nio, que visam integrar em rede grupos mente na contramão do empenho reve-
de pesquisadores brasileiros de alto pa- lado pela comunidade científica, manifes-
drão de qualidade internacional. ta, sobretudo, no crescimento
ininterrupto do sistema de pós-gradua-
Em setembro de 2001, é organizada uma
ção. A titulação de doutores por ano no
Conferência Nacional de Ciência,
país salta de 2.497, em 1995, para
Tecnologia e Inovação, cujas conclusões
5.335, em 2000, mas a oferta de bol-
são resumidas num livro branco . Esse
sas de produtividade em pesquisa fica
documento retrata as idéias hegemônicas
praticamente estagnada, passando de
no período em que o Brasil é governado
8.170 para 8.601. Um número ínfimo de
por Fernando Henrique Cardoso. Além de
doutores em atividade no país pode, con-
relatar antigos problemas, o livro bran-
cretamente, chegar à condição de pes-
co retoma noções comezinhas acerca do
quisador do CNPq.
papel da ciência na sociedade moderna
e sugere que o aumento da com- As oportunidades para os jovens pesqui-
petitividade internacional das empresas sadores são crescentemente limitadas,
brasileiras deve ser encarado como polí- mesmo com a criação de uma nova mo-
tica do Estado. Lembrando Cazuza, o tex- dalidade de bolsa, a de recém-doutor. O
to é um museu de grandes novidades , acirramento da disputa entre os pesqui-
com destaque para a defesa da sadores dificulta a avaliação do mérito de
vinculação entre a atividade científica e projetos e dos índices de produtividade
o setor produtivo. acadêmica. O recurso crescente à avalia-
ção por índices quantitativos em detrimen-
As afirmações de fé no futuro contidas
to de aspectos qualitativos torna-se inevi-
no livro branco se contrapõem à dura
tável. Mais uma vez, as regiões que con-
realidade enfrentada pelo pesquisador
centram pesquisadores menos titulados,
brasileiro. Desde sua fundação, o CNPq
com poucos programas de pós-graduação
nunca é tão limitado para conceder bol-
e menor infra-estrutura, são prejudicadas.
sas e auxílios quanto no período em que
Fernando Henrique governa o Brasil. En-
EM BUSCA DE NOVOS RUMOS

A
tre 1995 e 2002, o número de bolsas-
ano que implementa é reduzido de recuperação da capacidade
52.041 para 47.465, sendo as bolsas operativa da principal agência
de mestrado as mais afetadas, passan- brasileira de fomento à ciência
do de 10.960 para 5.604. O quadro é e à tecnologia tem início em 2003, no go-
mais grave quando se considera a não verno de Luís Inácio Lula da Silva. Roberto
reposição das perdas inflacionárias e a Amaral, ministro da Ciência e Tecnologia,
suspensão da taxa de bancada . à revelia de composições político-partidá-

pág.38, jul/dez 2004


R V O

rias, indica para dirigir o órgão o médico O enfrentamento do incômodo problema


parasitologista Erney Camargo. da concentração regional de investimen-
tos é conduzido de forma inovadora, pela
Os recursos destinados a bolsas têm um
indução de associações entre programas
incremento de 9,5%, em 2003, e de
de pós-graduação bem avaliados pela
13,4%, em 2004. Em 2003, pela primei-
Capes com cursos emergentes nas regi-
ra vez em quase uma década, o valor das
ões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Mas,
bolsas sofre reajuste (18%) e as dificul-
no enfrentamento da desigualdade regio-
dades dos pesquisadores são atenuadas
nal, nenhuma iniciativa supera a do for-
por meio de complementações como o
talecimento das agências estaduais de
restabelecimento da taxa de bancada e
fomento. O CNPq oferece múltiplas opor-
a criação do grant , forma de subvenção
tunidades de convênios com todas as fun-
consagrada nos Estados Unidos. O núme-
dações estaduais de amparo à pesquisa
ro de bolsas-ano, que, em 2002, era de
do país visando à consolidação de gru-
47.464, sobe para 49.803, em 2004.
pos de excelência, à fixação de pesqui-
As oportunidades para os pesquisadores
sadores titulados nos estados menos de-
são ampliadas com o lançamento contí-
senvolvidos, à oferta de condições
nuo de numerosos editais, com recursos
operacionais para pesquisadores em iní-
provenientes de fontes diversificadas.
cio de carreira e ao estímulo a jovens
Entre os editais, alguns se destacam pela
talentosos do ensino médio. A substitui-
originalidade, apesar de recursos relati-
ção do ministro Roberto Amaral por
vamente modestos, como os que benefi-
Eduardo Campos, em janeiro de 2004,
ciam as ciências humanas e a preserva-
não tolhe Erney Camargo na condução
ção de acervos históricos da produção do
dessas iniciativas.
conhecimento científico.

O sistema de avaliação por pares torna- As desigualdades espaciais da produção


se mais eficaz e transparente com a atu- do conhecimento científico resultam, es-
alização, pelo Conselho Deliberativo do sencialmente, da natureza do sistema
CNPq, das normas de composição e de capitalista e da postura do Estado que,
funcionamento dos comitês de ao longo da história brasileira, concen-
assessoramento . Enquanto a diretoria do tr a se us inve stime ntos nos espa ços
CNPq garante a autonomia e a autorida- agroexportadores. A omissão de gover-
de dos cientistas nos julgamentos, torna nos estaduais, por sua vez, ajuda a con-
públicos seus nomes e os critérios de solidar a tendência à desigualdade. A
avaliação utilizados. Além disso, alguns experiência de São Paulo, com a FAPESP,
comitês temáticos são criados para aten- mostra como os governantes estaduais
der a demandas prejudicadas pela inap- podem desempenhar papel relevante no
tidão dos comitês tradicionais. apoio ao desenvolvimento científico. Ao

Acervo, Rio de Janeiro, v. 17, nº 2, p. 19-40, jul/dez 2004 - pág.39


A C E

celebrar convênios com fundações esta- lidade do emprego do pesquisador e res-


duais, o CNPq não apenas amplia os re- tringem a atuação do CNPq, mas não lhe
cursos destinados à pesquisa, mas, so- atingem a personalidade. Trata-se de uma
bretudo, propicia a emergência ou a con- peça do aparelho de Estado inconcebível
solidação de novos e importantes agen- sem a participação de profissionais passí-
tes de fomento à pesquisa no Brasil. veis de indução, não de algemas. Regimes
políticos, mudanças de governo, estilos e
As mudanças no CNPq são complexas,
idiossincrasias de dirigentes, por mais que
transcendem a interregnos governamentais
o afetem, não alteram sua vocação de
e conjunturas políticas; dependem de trans-
mediador de fortes vontades, a do político
formações sociais, da evolução do conhe-
e a do cientista, ambos dependentes de
cimento e de estratégias do Estado. Os
legitimação pela comunidade nacional.
chamados ajustes estruturais na economia,
por exemplo, perseguidos desde que, nos Quaisquer que sejam as avaliações possí-
anos de 1990, as forças políticas veis sobre a trajetória do CNPq, não cabe
hegemônicas decretam a falência do naci- outra conclusão senão a de que essa enti-
onal-desenvolvimentismo, degradam a qua- dade é um esteio do Brasil moderno.

N O T A S
1. Por bolsa-ano, entenda-se não o número de beneficiários, mas de mensalidades pagas
durante um ano.
2. Logo em seguida, o CNPq cria o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e o
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia que, depois, incorpora temporariamente o
Museu Emílio Goeldi.
3. A propósito, ver suas manifestações nas sessões do CD, em 1957.
4. A observação de Motoyama está em 50 anos do CNPq :contados por seus presidentes,
São Paulo, FAPESP, 2002, p. 119.
5. Sessão CD 733, de 14.7.1964.
6. Sessão CD 758, de 14.12.1964.
7. Pronunciamento de Antônio Couceiro na 929 a sessão do CD, em 4.6.1968.
8. Pronunciamento de Antônio Couceiro na 907 a sessão do CD, em 23.1.1968.
9. Entre os programas então estabelecidos destacam-se o do Trópico Úmido, o do Trópico
Semi-Árido e o de Pesquisas de Utilização dos Cerrados.
10. Pronunciamento de Antônio Couceiro na 864 a sessão do CD, em 27.4.1966.
11. Entre as diversas manifestações de desconfiança em relação à Capes, uma das mais
severas ocorre na 956 a sessão do CD, em 21.1.1969.
12. Pavan, em entrevista a um grupo de professores organizados por Shozo Motoyama,
declara que teria ampliado o numero de bolsas de 13 para 44 mil bolsas. Na verdade,
está se referindo a uma cota fixada em lei, que não foi efetivada. Na mesma entrevista,
Pavan relata seus conflitos com os ministros da Ciência e Tecnologia.
13. Tundisi disserta sobre suas idéias e proposições em entrevista concedida à equipe de
Motoyama, em 50 anos de CNPq , op. cit.

pág.40, jul/dez 2004

Vous aimerez peut-être aussi