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2018
2
Introdução
Assentada A: Os argumento dos fazendeiros com nós era
assim [...], “quem foi que te colocou aqui?”. [...]
Mandavam gente ir lá ameaçar nós, ameaçou dar tiro. [Um
fazendeiro] falou, “eu não quero nenhum vagabundo e
nenhuma vagabunda aqui dentro, porque eu já falei pra
vocês que isso aqui é minha fazenda, isso aqui não é terra
de Incra1 nem de governo não”. Aí eu fui e falei pra ele,
“[...] eu não sou vagabunda, eu sou trabalhadora”. Aí foi a
hora que ele levantou a mão pra dar no meu rosto [e] me
jogou pra trás [no] fogão a lenha [e] eu queimei aqui [...].
Aí depois disso ele foi mais umas três vezes lá em casa
brigar de novo. [Depois] acharam um ourão rico lá pros
fundos. [Aí os fazendeiros] começaram a arrumar a estrada
[...]. Eles tão estudando uma maneira de não deixar aquilo
ali virar um assentamento [...]. Aí a coisa não anda. [...] É
um negócio meio de ameaça [...] mas se nós tivesse medo
mesmo de ameaça, não tinha feito [nada]. Tem horas que
eu fico, meu Deus do céu, gente, olha quanta gente é
ameaçada! Ainda ontem eu tava assistindo a história da
falecida Dorothy [Stang] né, então... meu Deus... Nós
somos sobreviventes! [O irmão do fazendeiro] que tava
discutindo e que veio me bater [...], eu vi ele levar a mão
embaixo da camisa pra sacar a arma [na] hora que [o
outro] começou a me chamar de vagabunda [...]. E o gado
deles solto todo tempo, torturando a vida da gente,
devoram tudo [...].
Assentada B: [A gente ficou lá, mesmo com as ameaças,
porque um ex-diretor do Incra] dizia que se a gente não
fosse pra cima da terra, eles tomavam, davam pra outra
família e o nome da gente ainda ia ficar sujo, que não ia
receber terra do governo nunca mais. [...] eu tive que pedir
conta e me enfiar pra lá sem infraestrutura sem nada, as
estradas que tem lá foi nós que fizemos. [O Incra] não
vinha pra dar apoio pra gente, eles vinha pra humilhar a
gente [...]. Não fez assentamento, fez um jogamento de
pessoas.
1
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, autarquia responsável pela gestão de
assentamentos rurais e beneficiários da reforma agrária no Brasil.
3
O presente trabalho objetiva explorar algumas nuances das violências sofridas por
ativistas socioambientais na América Latina, com foco no Brasil, México e Honduras, a
partir dos confrontos em torno de projetos extrativistas, os quais envolvem Estados
Nacionais, empresas transnacionais e outros agentes que atuam em sua implantação.
Entendemos esse ativismo como parte importante de mobilizações e de movimentos
sociais contemporâneos relativos à terra e à defesa de territórios e populações frente ao
avanço de atividades extrativistas. Isto é, aquelas que praticam a exploração intensiva de
um grande volume de recursos naturais – principalmente produtos agropecuários,
florestais e minerários (metais, petróleo, urânio e gás natural) –, com pouco ou nenhum
processamento, voltadas sobretudo para exportação, nos termos de Gudynas (2013).
2
Para Svampa (2012), os conflitos socioambientais se caracterizam pela desigualdade no acesso e controle
dos recursos naturais e território, supondo interesses e valores divergentes em torno desses.
3
Chamamos de ativistas socioambientais para enfatizar o confronto com projetos extrativistas, mas
também podem ser chamados de defensoras(es) ou lutadoras(es) sociais ou ambientais.
4
Cerca de 80% desses assassinatos ocorrem na Amazônia Legal.
4
mortos e Honduras caiu para o oitavo lugar com 5 mortos – ainda que o país tenha
registrado um aumento significativo nesse índice e em outras violações de direitos
humanos desde o golpe de Estado de 2009. Na tabela abaixo podemos verificar algumas
das principais diferenças entre os três países, que, no entanto, convergem em altos
índices de desigualdade social que se manifestam em desigualdades étnico-raciais e de
gênero5.
Fontes: Country Meters (2018); Index Mundi (2018); Wikipedia (2018); World Bank (2018).
*Dado referente a 2014. Os demais são para 2018.
Essa intensificação extrativista foi promovida em grande parte pela China, novo
parceiro comercial dos países desse continente7, num contexto em que os EUA reduziram
seu interesse geopolítico na região – com exceção do México, que possui um papel
proeminente na exportação de commodities graças ao Acordo de Livre Comércio da
América do Norte (NAFTA). Exemplos do crescente papel chinês são a construção de
um controverso canal na Nicarágua com capitais de empresas chinesas desde 2016 e a
criação do Fundo Brasil-China em 2017, voltado principalmente para o investimento em
projetos de infraestrutura que estimule a já existente exportação de commodities agrícolas
(principalmente soja) e minerais (ferro e petróleo). É significativo ainda o crescente
papel do Canadá enquanto um dos principais investidores na América Central,
notadamente em Honduras, influenciando suas relações econômicas e diplomáticas
(Gordon; Webber, 2016)8.
Uma das novidades desse período de consenso foi a legitimação dos projetos
extrativistas, o que possibilitou o engajamento de amplos setores da sociedade, inclusive
7
A China também fez grandes investimentos em projetos extrativistas na África. Cf. Arsel; Hogenboom e
Pellegrini (2006).
8
O Canadá, inclusive, segundo Gordon e Webber (2016), já influencia a política de defesa de Honduras,
notadamente após o golpe de estado em 2009.
7
de trabalhadores urbanos que contribuíram para a eleição de governos progressistas como
ocorreu em Honduras (2005-2009) e no Brasil (2003-2016). Estes defendiam a
centralidade do Estado na expansão desse modelo de desenvolvimento e se
fundamentaram na necessidade de se inserir de modo subordinado no mercado mundial
enquanto fornecedores de commodities para, com isso, se atingir o desenvolvimento
socioeconômico e promover justiça social através de políticas sociais, melhoria de
infraestrutura, geração de empregos e de renda 9 . Já em países onde governos
conservadores se mantiveram no poder durante esse consenso, como o México, não foi
observada uma expansão dos direitos sociais nos últimos decênios.
Já o México não sofreu com nenhum regime militar recente, apesar de ser
considerado o país da Ditadura Perfeita12, haja vista os 79 anos ininterruptos de governo
do Partido Revolucionário Institucional (PRI), um partido de direita, comprometido com
grandes projetos hidro e termoelétricos, além da mineração. Conquanto o autoritarismo
governamental, que incluiu mais doze anos do Partido de la Acción Nacional (PAN),
entre 2000 e 2012, seguidos da volta do PRI em 2012, tenha duramente reprimido os
movimentos, as organizações e movimentos sociais, ativismos e mobilizações no país são
uma constante desde a Revolução Mexicana, em 1910.
11
Ver, por exemplo, as mobilizações e resistências analisadas em Fernandes, Medeiros e Paulilo (2009).
12
O intelectual peruano Mario Vargas Llosa chamou, em um encontro com intelectuais latino-americanos
em 1990, o México de “a ditadura perfeita”, referindo-se às artimanhas usadas pelo PRI para manter-se no
poder durante quase um século.
9
tornou uma questão pública global, o que transformou o Estado – suas políticas públicas,
organização institucional, legislação e formas de mediação de conflitos sociais – e o
comportamento de variados agentes sociais (Leite Lopes, 2004) 13 . Em termos de
mobilizações sociais na América Latina, esse processo gerou a “ambientalização das
lutas indígenas e camponesas” e a “emergência de um pensamento ambiental
latinoamericano” (Leff, 2006, p.37-38; tradução livre). Houve, assim, um “giro
ecoterritorial” que reuniu a defesa da territorialidade por camponeses e indígenas com o
discurso ambiental, produzindo ações coletivas comuns que impulsionaram alterações
institucionais, bem como difundindo pautas como a descolonização, o Estado
plurinacional, a soberania alimentar, a justiça ambiental, o “bem viver”, direitos da
natureza, entre outras (Svampa, 2013, p.38-40)14.
Em paralelo, a luta internacional por direitos humanos que vinha sendo construída
desde o pós-guerra se fortaleceu com a Declaração das Nações Unidas para Defensores
de Direitos Humanos em 1998 e, no continente, ganhou peso com a instituição em 2001
da Unidade de Defensores de Direitos Humanos, no âmbito da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA) (Santos;
Souza, 2017)15. Nesse processo de universalização da cidadania, foi constituída a defesa
da transversalidade e indivisibilidade dos direitos, sejam eles sociais, econômicos,
culturais, civis, políticos ou mesmo ambientais/difusos, o que implicou na ampliação da
concepção de direitos humanos e da base social das mobilizações, que foram articulando
identidades cada vez mais plurais (Scherer-Warren, 2006).
13
Para além dos atores estatais, poder-se-ia dizer que a governança de territórios e populações foi
transformada, enquanto configuração de forças (Neiburg, 2014), passando a incluir também no caso do
extrativismo: movimentos sociais e ONGs de diferentes escalas; forças militares, paramilitares e de
segurança; agências multilaterais; e empresas nacionais e internacionais.
14
Em exemplo disso é a rede Coordinadora Andina de Organizaciones Indígenas (CAOI), que desde 2006
agrupa organizações do Peru, Bolívia, Colômbia e Chile e defende a criação de um tribunal que julgue
crimes ambientais (Svampa, 2013).
15
A CIDH foi criada em 1959. A OEA foi fundada em 1948, quando já incluía Brasil, México e Honduras.
Já em 1992 havia sido criada a Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e
Desenvolvimento (PIDHDD) que começou na América do Sul e se expandiu para a América Central.
10
escalas em contraposição aos projetos extrativistas. Uma das principais identidades
plurais difundidas nesse contexto foi a de atingidos ou afetados, categoria já empregada
no Brasil desde o fim dos anos 1970, quando começaram a ser organizadas as comissões
que se contrapuseram às hidrelétricas de Tucuruí (Pará), Itaipu (Paraná), Sobradinho
(Bahia) e Itaparica (Pernambuco) e que deram origem ao Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB). Svampa (2013) e Scotto (2013) fizeram o levantamento dos seguintes
movimentos e redes, por país e ano, que seguiram a noção de atingido/afetado:
16
No Brasil, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registra os conflitos sociais no campo desde 1985,
atentando inicialmente para a questão fundiária e para as categorias de trabalhadores rurais ou pobres do
campo. Com o tempo, foi abarcando outras categorias identitárias conforme foram se apresentando.
17
Cabe lembrar do surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT) nesse período e que os movimentos
mencionados foram precedidos pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag),
fundada logo antes do golpe de 1964 na luta pela extensão de direitos trabalhistas para o campo. Apesar
dos sindicatos de trabalhadores rurais terem sido perseguidos durante a ditadura, continuaram tendo papel
fundamental nas lutas por direitos no campo (Fernandes; Medeiros; Paulilo, 2009).
18
Na Amazônia brasileira, o modelo de desenvolvimento extrativista que antes fazia parte da intenção
proclamada de integrar o país, em 1999 passou a se inserir num planejamento continental de integração
com a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da América do Sul (IIRSA). No Brasil, isso se traduziu
nos Programas de Aceleração do Crescimento (PAC), que investiram em expansão e melhoria da malha de
infraestrutura que já havia sido iniciada na ditadura, seja para a mineração, como o PGC, seja para projetos
agropecuários, como a pavimentação da rodovia BR-163 Cuiabá-Santarém (Castro, 2012). Sant’Ana Júnior
e Alves (2018) demonstram como o PGC continua produzindo grandes efeitos derrame ao integrar diversas
faces do extrativismo, não só no Pará, mas no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (Matopiba).
12
hectare19. Ao lado disso, enquanto na primeira há historicamente um elevado registro de
conflitos por terra e de ações coletivas, segundo dados da CPT, na área da rodovia
Cuiabá-Santarém não foi construída uma tradição equivalente de organização de ações e
movimentos sociais de luta pela terra e recursos naturais. Mesmo assim, sobretudo
posteriormente ao anúncio da pavimentação da BR-163, ativistas socioambientais dessa
região recorreram no passado e ainda aplicam práticas de luta como: a criação e
ocupação de associações locais e sindicatos de trabalhadores rurais (filiados à Fetagri-
PA20, da Contag) e, desde 2004, de sindicatos de trabalhadores na agricultura familiar
(Fetraf-PA, da Contraf-CUT 21 ); ações coletivas como abaixo-assinados, cartas de
denúncia ao Ministério Público e manifestações como os bloqueios da rodovia; reuniões
com autoridades governamentais; além da resistência cotidiana expressa em rumores e
boicotes a reuniões organizadas por fazendeiros, madeireiros e mineradoras.
19
Cf. Castro, Monteiro e Castro (2004); Incra (2018); Torres, Doblas e Alarcon (2017).
20
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará.
21
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado do Pará (Fetraf-PA) e Confederação
Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf), ligada à CUT.
13
região 22 (Gomes, 2016). Nesse país, a categoria mais amplamente utilizada é a de
luchador social, que implica em sujeitos que não necessariamente seriam quadros
orgânicos de um movimento social, mas cuja identificação, em Guerrero, mas não
exclusivamente, é exaustiva, como pudemos observar. Cabe mencionar que o México se
tornou símbolo da luta indígena com o surgimento do Exército Zapatista de Libertação
Nacional em 1994, quando se posicionaram internacionalmente contra o NAFTA. Foi
ainda importante na articulação da luta camponesa no continente, visto que sediou a
Segunda Conferência Internacional da Via Campesina23, em 1996, quando foi declarado
o dia 17 de abril como “Dia Internacional da Luta Camponesa” em homenagem aos
camponeses assassinados logo antes no Massacre de Eldorado dos Carajás (Pará).
É importante enfatizar que entendemos que as(os) ativistas não são apenas
aqueles que confrontam abertamente os empreendimentos associados ao extrativismo,
mas também aqueles e aquelas que resistem politicamente ao modelo extrativista, às
“estratégias de deslegitimação e criminalização e à ausência de reconhecimento social de
suas demandas” (Santos; Souza, 2017, p.7). Visto que as identidades foram produzidas
não só ritualmente em ações coletivas, mas no cotidiano das comunidades afetadas pelo
extrativismo, incluímos no conceito de resistência política as práticas elencadas por Scott
(1986), as quais são pouco visíveis ou mesmo invisibilizadas, como a disseminação de
22 Fonte: Sistema Integral de Administración Minera da Secretaría de Economia. Disponível em:
<http://www.siam.economia.gob.mx/es/siam/em_2014>. Acesso em: 01 nov. 2015.
23
Segundo seu site oficial, a Via Campesina surgiu em 1993 na Bélgica para fazerem frente às políticas e
empresas agrícolas que se tornavam cada vez mais globalizadas.
14
fofoca, e a realização de roubos e boicotes dirigidos a agentes dominantes, bem como a
rejeição de categorias impostas por estes, a produção de memórias coletivas e a
transmissão de experiências prévias de expropriação e de valores em contextos de
violação de direitos24.
Outra prática semelhante muito empregada não só pelas empresas, mas por
autoridades estatais, é a criminalização dos ativistas e populações locais. Embora possua
uma aparência legal, ela implica no uso abusivo do direito e da administração pública
com suas forças repressivas. Além da judicialização dos conflitos, inclui a produção e
divulgação de informações mentirosas e a estigmatização de ativistas socioambientais,
podendo tomar a forma de calúnias (no caso de acusação de crime), difamações ou
injúrias27. Soma-se a isso os processos administrativos nos órgãos públicos, que atingem
a parcela de funcionários públicos que busca agir legalmente em defesa dos direitos
humanos. A criminalização implica em um conluio entre o Estado, enquanto
26
Cf. Alarcon; Millikan; Torres (2016); Cardoso (2015); Carvalhosa (2016); Torres, Doblas, Alarcon
(2017); Witness (2015, 2018); Zhouri (2018); entre outros.
27
Um caso recente que ilustra essas práticas é a prisão do Padre José Amaro Lopes de Sousa em março de
2018, agente da CPT que sucedeu o trabalho da irmã Dorothy Stang, religiosa estadunidense naturalizada
brasileira, assassinada em 2005 a mando de grileiros em Anapu. Ele foi preso por noventa dias no mesmo
presídio em que se encontram os condenados pelo assassinato de Dorothy. Desde junho ele aguarda o
processo em liberdade. O processo se baseou em calúnias dos fazendeiros que o acusaram, sem provas, de
assédio sexual, lavagem de dinheiro e até de assassinato, tendo por fim não só prendê-lo, mas também ferir
sua imagem frente à sociedade local e nacional (Análise..., 2018).
16
protagonista, e as empresas, incluindo-se nestas os meios de comunicação empresariais.
Seu objetivo último é silenciar e destruir as oposições aos projetos extrativistas, minando
sua organização política e seu potencial de adesão social (OCMAL, 2016).
28
Para uma análise sobre a imprensa e hidrelétricas, cf. Alarcon, Millikan e Torres (2016) e Zhouri (2018,
p.65-110, p.221-258) para a relação entre imprensa e mineração.
29
Ver, por exemplo o 24th World Mining Congress de 2016 (IBM, 2016).
17
Em Honduras, a criminalização e assassinato de ativistas como prática sistemática
dos governos data mormente da década de 1980. Em 1998, foi assassinado Ernesto
Sandoval, um proeminente ativista do Comité de Derechos Humanos de Honduras
(CODEH), mas também Padre Tamayo, padre e ativista ambiental do Movimiento
Ambiental de Olancho (MAO), em 2001. Nos anos 2000, eram rotineiras as notícias de
ameaças, o desaparecimento e assassinato de juízes e advogados de direitos humanos no
país. Em 2013, Tomás Garcia, ativista indígena envolvido com movimentos contra a
hidroelétrica em Intibuca, foi assassinado, além de Bertha Cáceres, da Frente Nacional
de Resistencia Popular (FNRP), em 2016. O ativista sindicalista e membro da resistência
ao golpe Julio Fúnez Benitez, foi assassinado em 2009, e nos anos seguintes, entre maio
de 2012 e novembro de 2013 (quando houve eleições), dois ativistas e candidatos do
LIBRE foram assassinados. Somente no ano de 2014, segundo dados da Global Witness
(2015, p.8) foram 12 ativistas ambientais assassinados no país.
A situação no México é preocupante, ainda que o país não figure entre os cinco
primeiros países onde mais se assassinam ativistas e líderes sociais. Desde 2014 foram
aprovadas cinco leis conhecidas como “leis anti-protesto”, na qual figuram reformas,
iniciativas e leis que restringem a liberdade de expressão e a ocorrência de mobilizações
nas ruas, com a coação dos manifestantes a usar determinadas vias e horários, com a
obrigação prévia de fornecer detalhes das marchas, entre outras obrigações (Frente Por la
Libertad De Expresión y Protesta Social, 2015). Ademais, a repressão direta do aparato
de segurança contra os ativistas cresceu significativamente nos últimos anos. Conforme
30
Fonte: https://viacampesina.org/es/honduras-dia-internacional-de-las-luchas-campesinas-2017-derechos-
de-los-campesinos-derechos-humanos/ Acesso: 20 set. 2018.
18
afirma o relatório da Ocmal foram documentados casos de uso desproporcionado da
força, sequestro relâmpago feito pela polícia, violência sexual contra mulheres, censura,
entre outras violações de direitos humanos.
No Brasil não é muito diferente. Como a epígrafe do presente texto mostra, com
relatos de agricultoras do PDS Terra Nossa que se assemelham a outros testemunhos pelo
país e América Latina, a luta contra violações de direitos é cotidiana. Estas incluem
desde a destruição da roça por gado criado solto até a agressão física, passando por
injúrias e difamações que podem se converter na judicialização dos conflitos. Na região
da BR-163 em Novo Progresso e Altamira, foram relatados em entrevistas ou em
reportagens locais ao menos quatorze assassinatos de agricultores e trabalhadores rurais
em decorrência da apropriação ilegal de terras públicas e recursos naturais desde 2002,
sendo que quatro ocorreram no mencionado assentamento.
Assim, foi aprovada uma nova legislação relativa à mineração logo após a queda
de Manuel Zelaya, posterior à lei de setembro de 2007 que previa medidas para impedir
um recrudescimento e eventual colapso ecológico em Honduras, designando quase 90%
do território nacional como áreas protegidas, além da recusa presidencial em privatizar a
Empresa Nacional de Energia Elétrica (Gordon; Webber, 2016). Dessa maneira, as novas
legislações relativas à mineração em Honduras, segundo Middeldorp, Morales e Haarb
(2016), pavimentaram políticas controversas de instalação de minas de ouro exploradas
por empresas canadenses em San Andrés e San Martín, por exemplo. Diferentemente da
legislação anterior, o novo marco jurídico requere um consentimento da comunidade para
a fase de exploração desse projeto, o que tem levado a esforços de intimidação, violência
e estratégias de criminalização aos opositores dessas minas. Os autores afirmam que
frente à ameaça de criminalização, os líderes dos movimentos vem adotando um perfil
mais discreto em suas ações.
31
Embora o volume de exportações tenha mantido o crescimento, passou a haver uma oscilação de preços
salientada nas quedas bruscas de 2008 e 2016, o que colocou em xeque o nível anterior de lucratividade
das atividades extrativistas. Com isso, aumentou a pressão dessas empresas por ainda maiores incentivos
estatais. Apesar de terem apoiado governos “neoextrativistas progressistas”, estes passaram a ser
insuficientes no trabalho de repressão às vozes que se opõem a esses incentivos (Ibase, 2018).
21
Nesse país, apenas em 2012, foram quarenta e três os assassinatos políticos de
civis, motivados politicamente, associados diretamente à resistência ao golpe, segundo
Gordon e Webber (2016), apoiados em dados do Comité de Familiares de Desaparecidos
de Honduras (COFADEH). Somente no governo de Lobo, iniciado em 2009, sessenta e
sete advogados e vinte e nove jornalistas foram assassinados, agregando ao panorama de
violência estatal e paramilitar e impunidade desde o golpe de Estado (Gordon, 2010).
Para Middeldorp, Morales e Haarb (2016), seguido ao golpe de Estado, houve um
aumento significativo da repressão estatal, com dados da Comissão da Verdade32 de 2013
indicando 5.418 violações de direitos humanos entre junho de 2009 e 2012, incluindo 94
casos de tortura e 58 assassinatos com motivação política.
32
Para mais informações ver Monge Yoder et al. (2013).
22
facilitação da estrangeirização de terras no país. Em outros tópicos, a contestação social
tem freado as tentativas de flexibilização, como no caso da tentativa de restrição da
concepção de trabalho escravo (Portaria nº1129/2017, Ministério do Trabalho e
Emprego), suspensa pela Ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber. Ou ainda
as tentativas de redução, recategorização ou extinção de determinadas áreas protegidas,
como a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), entre o Pará e Amapá
(Decreto nº9.142/2017), e a Floresta Nacional do Jamanxim na região da BR-163
paraense (PL nº8107/2017, antiga MP nº756), ainda em tramitação no Congresso. A
partir da implantação desse conjunto de medidas liberais, os conflitos sociais
aumentaram no campo, sobretudo onde predominam o agronegócio, a mineração e
grandes projetos de infraestrutura, segundo dados da CPT33.
Considerações finais
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27
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