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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – São Luís - MA – 30/05 a 01/06/2019

ESTRATÉGIAS TRANSMÍDIAS EM AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS


RELACIONADAS À SEXUALIDADE NA FICÇÃO SERIADA DA GLOBO1

Diego Gouveia2
Ayrton Hascemberg3
Carla Nogueira4
Gabriel Pedroza5
Rayanne Elisã6
Sarah Rêgo7

Universidade Federal de Pernambuco

Resumo: ​A ficção televisiva brasileira é acompanhada por milhões de espectadores e


tem um papel importante na educação. Ciente dessa função, as emissoras de TV
investem em inserções sistemáticas e intencionais de conteúdos com propósitos
educativos, conhecidos como ações socioeducativas ou ​merchandising social. O
objetivo deste artigo é analisar, a partir das questões LGBTQIA+, novas configurações
do ​merchandising social diante da cultura da convergência e também as estratégias
discursivas utilizadas para criar novas formas de entender sexualidades. Por fim, o
trabalho conclui que há uma nova modalidade de ​merchandising social e também que,
mesmo sendo um produto de entretenimento para consumo, as novelas constituem
espaços importantes para educação sobre a pauta LGBTQIA+.

Palavras-chave: ​Merchandising social; LGBTQIA+; Telenovela; Rede Globo.

1 Introdução
No Brasil, a televisão está presente, de acordo com o Mídia Dados 2018, nas
casas de 98,2% da população e recebe a maior parte das verbas publicitárias. Nesse
cenário, a TV Globo desponta como a principal emissora comercial do país, com a
maior audiência e faturamento em relação às concorrentes.

1
​Trabalho apresentado no DT07 - Comunicação, Espaço e Cidadania do XXI Congresso de Ciências da
Comunicação na Região Nordeste, realizado de 30 de maio a 1 de junho de 2019.
2
Professor do Núcleo de Design e Comunicação do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de
Pernambuco. Email: ​dgmgouveia@gmail.com
3
Estudante do curso de Comunicação Social do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de
Pernambuco. Email: ​hascemberg@gmail.com​.
4
Estudante do curso de Comunicação Social do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de
Pernambuco. Email: ​carlanogueira3000@gmail.com​.
5
Estudante do curso de Comunicação Social do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de
Pernambuco. Email: ​pedrozagabriel32@gmail.com​.
6
Estudante do curso de Comunicação Social do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de
Pernambuco. Email: ​elisayanne@gmail.com​.
7
Estudante do curso de Comunicação Social do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de
Pernambuco. Email: ​sarahrebekarego1@gmail.com​.

1
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Poucos anos após sua fundação, o sustentáculo da programação da emissora foi


estabelecido a partir de jornalismo, variedades e teledramaturgia. Com um forte
planejamento estratégico, não foram necessários muitos anos para a Globo atingir bons
índices de audiência e conquistar sua hegemonia diante das concorrentes. Em 1966,
menos de um ano desde a sua estreia, com a novela ​Eu Compro essa Mulher​, graças a
um triângulo amoroso, alcançou o primeiro lugar em audiência no Rio de Janeiro.
De lá para cá, as novelas se consolidaram como o gênero mais popular e
lucrativo da TV, além de figurar como um dos mais importantes produtos da indústria
cultural brasileira.
A escolha da emissora por investir na telenovela não se deu por acaso. A novela,
desde sua veiculação diária, a partir de 1963, aparece como produto prioritário no
contexto de produção das diferentes emissoras. É importante lembrar que o custo de
produção de uma telenovela pode ser considerado baixo quando relacionado ao retorno
obtido com vendas publicitárias e ​merchandising.​ Então, com baixo custo e alta
rentabilidade, ela se tornou uma das produções por excelência da TV Globo.
Como foi dito, à medida em que a televisão se tornou um meio de comunicação
de massa no Brasil, o veículo tornou-se também uma nova oportunidade para o
exercício da publicidade por meio do ​merchandising​. Definindo essa prática de forma
geral por meio dos estudos de Sant’anna (2002), o ​merchandising trata-se das
características de venda de um produto ou serviço por meio de práticas comuns do
comércio, sendo estes ou não veículos de publicidade. O ​merchandising nas novelas se
tornou uma das principais fontes de patrocínio de uma produção cara e complexa.
Desde a inserção das novelas como parte do cotidiano de um público
consideravelmente representativo no Brasil, o ​merchandising acumulou um cunho
social, inserindo por meio das novelas, temas que se tornaram presentes nos debates do
dia a dia do público. Enquanto o ​merchandising em sua ideia inicial propõe a inserção,
propagação e divulgação de produtos, o ​merchandising social está relacionado a criação
e expansão de debates sociais, pensados e executados de forma estratégica para
promover o diálogo entre os telespectadores.

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De acordo com Lopes (2009), a ação socioeducativa, presente nas tramas das
telenovelas, também chamada de merchandising​ social,
[...] tem por objetivos: difundir conhecimentos, promover
valores e princípios éticos e universais, por exemplo, a
defesa dos direitos humanos, voto consciente etc.; estimular
a mudança de atitudes e a adoção de novos comportamentos
(inovações sociais) frente a assuntos de interesse público,
por exemplo, o aleitamento materno, uso do preservativo,
quebra de preconceitos etc.; promover a crítica social e
pautar questões de relevância social, incentivando o debate
pela sociedade, por exemplo, o desarmamento, educação
inclusiva etc. (LOPES, 2009, p. 38).

Os enredos dramáticos das novelas potencializam os discursos implantados na


vida dos personagens por meio do ​merchandising social, oferecendo ao público a
oportunidade de refletir e discutir temas de uma forma indireta, baseando-se na vivência
de personagens fictícios. Por isso, de acordo com Clemente (2010, p. 62), o
merchandising social também pode ser tratado como uma ferramenta educativa, “uma
vez que contém visões de mundo daqueles que o realizam. É inegável o seu poder
formador de opinião, pois, “contracenando” com os personagens, adquire status
pedagógico e poder imitativo”.
A telenovela é um dos mais populares fenômenos midiáticos
no país, sendo considerada um excelente produto por meio
do qual se pode promover junto ao grande público a
discussão acerca dos dilemas e paradoxos presentes na
sociedade brasileira (LOPES; OROZCO GÓMEZ, 2009,
p.101).

Para Baccega (2003, p.8),


Toda a sociedade, com maior, menor ou sem escolaridade,
homens e mulheres, crianças, jovens e adultos, residentes nas
mais diferentes regiões do país discutem a temática social
pautada pela telenovela. Até porque os meios de
comunicação em geral – jornal, rádio –, pautados também
pela telenovela, abrem espaço para tal temática.

Não é de hoje que a ficção televisiva brasileira investe em ​merchandising social.


A incorporação de temáticas sociais pelos autores foi diluída no novo tipo de
merchandising surgido no final dos anos oitenta. A abordagem de temáticas da
realidade brasileira levaram as emissoras a caracterizar melhor o ​merchandising​ social.

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Atualmente, ao que parece, a TV Globo propõe em apresentações e relatórios de


responsabilidade social que o ​merchandising social seja entendido como ação
socioeducativa. "[...] numa indicação clara de assunção da função educativa de sua
teledramaturgia, através de pautas de debates de temas relevantes oferecidas para a
sociedade" (JESUS, 2013, p. 15).
As inserções de ​merchandising social na grade de programação da Rede Globo
aumentaram ao longo dos anos. De 1990 a 1995, foram computadas 764 ações, com a
média de 127 ações por ano. De 1996 a 2005, foram 10.865 ações, inseridas em
aproximadamente 6.900 capítulos de 46 telenovelas (SCHIAVO, 2006).
Mais recentemente, observa-se que as ações socioeducativas das ficções seriadas
deixam de ocupar apenas o espaço da novela, mas tem seus conteúdos lançados em
múltiplas plataformas. Outro fato que desperta atenção é o investimento no
merchandising social ligado a questões LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais, Travestis, Queers, Intersex, Assexuais e outras possibilidades).
Durante a realização do VI Encontro Obitel Brasil 2017, na mesa sobre
“Gêneros, arcos narrativos e ações socioeducativas. Casos de A Força do Querer e Sob
Pressão”, a diretora de responsabilidade social da Globo, Beatriz Azeredo, apresentou
dados que mostravam como as questões de gênero, violência contra a mulher, HIV e
AIDS e doação de órgãos fizeram parte dos temas abordados na ficção seriada televisiva
em 2017 e também como a emissora teve a preocupação de enfatizar tais assuntos.
Foram exibidas, no ano mencionado, 1591 cenas com temáticas sociais e 497 com ações
socioeducativas. Na ocasião, ela também destacou que as questões de gênero constituem
pauta importante e que devem continuar alimentando as novelas, minisséries e seriados.
“O que se passa na ficção acaba sendo rebatido em outros programas da Casa”, alertou.
No evento, a estratégia 360 graus foi mencionada. Ela prevê a disseminação dos
conteúdos pelas mais variadas possibilidades de espaço: telenovelas, programas
jornalísticos e de entretenimento, além de campanhas específicas criadas e veiculadas
nas mídias do grupo Globo.

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Este artigo tem por objetivo estudar as novas configurações do merchandising


social, a partir da questão LGBTQIA+, além de analisar as estratégias discursivas
utilizadas para criar novas formas de entender sexualidades8.
Para isso, foi feita uma revisão bibliográfica de estudos ligados à ficção seriada e
merchandising social. Não é, no entanto, objetivo deste trabalho se aprofundar na teoria
queer. Além disso, as ficções seriadas (​Segundo Sol,​ ​Malhação Vidas Brasileiras,​
Orgulho e Paixão, ​O Outro Lado do Paraíso, ​A Força do Querer,​ ​Liberdade,
Liberdade​, ​Onde nascem os fortes)​ foram acompanhadas com registros
descritivos-interpretativos em diários de observação. Neste trabalho, serão utilizados
exemplos de ​A Força do Querer​, ​Orgulho e Paixão e ​Segundo Sol​. A pesquisa realizada
compreende-se qualitativa, uma vez que os programas foram analisados a partir dos
dados coletados e descritos nos diários de observação. Possui natureza descritiva, uma
vez que estes correspondem a diários de campo, utilizados como ferramenta de
sistematização dos dados para sua posterior análise. Os diários são compostos pela
transcrição das falas dos personagens, em cenas nas quais ficaram claros os esforços de
abordar as questões de gênero e sexualidade. Paralelamente à observação das cenas na
TV, foram acompanhadas as redes sociais da TV Globo no Facebook, Twitter e
Instagram para observar o lançamento de conteúdos ligados às cenas nessas
plataformas.
Na próxima seção, vamos compreender mais sobre as adaptações do
merchandising​ social diante da cultura da convergência.

2 Reconfigurações do merchandising social em novelas diante da cultura da


convergência
A cultura da convergência é definida, por Jenkins (2008), como o cenário em
que os conteúdos circulam por múltiplos suportes e mercados midiáticos, considerando
o comportamento do público, que utiliza diversos canais em busca de novas
experiências de entretenimento. Jenkins ressalta outros dois importantes princípios: o da
inteligência coletiva e o da cultura participativa. A inteligência coletiva está relacionada

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Este trabalho faz parte da pesquisa do Obitel-UFPE para o biênio 2018-2019 da Rede Obitel de
Pesquisadores.

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à nova forma de consumo, que se tornou um processo conjunto e pode ser considerada
uma nova fonte de poder. A expressão cultura participativa serve para caracterizar o
comportamento do consumidor midiático contemporâneo, cada vez mais distante da
condição de receptor passivo. São pessoas que interagem com um sistema complexo de
regras, criado para ser dominado de forma coletiva.
A televisão não fica imune às determinações dessa cultura participativa e, no
Brasil, sua principal “resposta” é a adoção de modelos de produção transmídia. Esse
modelo televisivo de produção transmídia é ditado pela articulação dos conteúdos da
programação com outros disponibilizados em outros meios de comunicação. A
transmidiação é:
[...] um modelo de produção orientado pela distribuição em
distintas mídias e plataformas tecnológicas de conteúdos
associados entre si e cuja articulação está ancorada em
estratégias e práticas interacionais propiciadas pela cultura
participativa estimulada pela digitalização e convergência
dos meios (FECHINE et. al., 2013, p. 26).

No contexto da cultura da convergência, é possível observar que a queda nos


índices de audiência e a concorrência frente a novos meios de comunicação levaram a
Rede Globo a reconfigurar sua programação e, dessa forma, atrair audiência e
investidores. Nota-se, um esforço da Globo em lançar suas produções para outros meios
de comunicação dentro deste conceito da nova televisão.
Com a emergência e popularização das redes sociais on-line, os padrões de
produção e consumo de bens culturais vivem um processo contínuo de transformação,
produzido pelas tensões entre o modelo tradicional e consolidado e o padrão emergente
de cultura das mídias e das imagens digitalizadas.
A observação das transformações na teledramaturgia nos últimos anos revela um
empenho por parte da emissora em divulgar conteúdos em outras plataformas e convidar
o telespectador a interagir com autores e personagens.
A incorporação crescente dos usuários na Rede propicia a
configuração de um entorno midiático onde as fronteiras
entre produção e recepção são cada vez mais difusas, que
está transformando a rede no principal aliado da ficção
televisiva (LACALLE, 2010, p. 79).

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O primeiro passo realizado pelo Grupo Globo, responsável pela TV Globo, foi a
criação, em 2001, do Globo.com, portal e provedor de internet. Os conteúdos giravam
em torno do jornalismo, esporte e entretenimento, incluindo notícias sobre a
teledramaturgia. Os sites das novelas só foram criados anos depois. Em buscas pela
internet no domínio da Globo, foi encontrado site para novelas a partir de ​Mulheres
Apaixonadas (​ 2003).
Antes disso, a emissora já havia criado o seu primeiro perfil em redes sociais.
Em dezembro de 2008, a Globo criou uma conta no Twitter para divulgar sua
programação e interagir com consumidores. Ela chegou a criar perfis oficiais para
personagens de novela como os de Jacques Leclair e Victor Valentim, estilistas da
novela ​Ti-ti-ti​. Depois, a emissora não criou mais perfis para personagens e, atualmente,
mantém apenas o perfil da Rede Globo e de alguns programas específicos31​.
As primeiras experiências com blogs, hospedados dentro do site das novelas,
surgiram com ​Caminho das Índias. O personagem Indra, vivido pelo ator André
Arteche, tinha um blog, mas não havia envolvimento direto com a história.
A partir de 2 de janeiro de 2012, foi criada a página no Facebook da Rede
Globo. A emissora chegou a criar, em 2011, uma página exclusiva para dramaturgia (o
Novelas - TVG), mas tirou do ar, ficando apenas com o da Rede Globo e de alguns
programas específicos. No Instagram, a emissora anunciou sua entrada na rede social de
compartilhamento de fotografias em 12 de março de 2013. Há o perfil da Rede Globo e
de alguns programas específicos.
Em janeiro de 2014, a emissora criou o portal Gshow. Anunciado como o canal
de entretenimento da empresa, nele, é possível encontrar informações sobre os
programas favoritos dos telespectadores. Com a criação do Gshow, todos os sites de
teledramaturgia migraram para o portal. Com ele, pode-se dizer que houve mais uma
mudança, como a que houve em 2010 com ​Passione.​ Dessa vez, foram intensificados os
espaços de interação com o público a partir do acionamento de redes sociais, como
Facebook e Twitter, no próprio site da emissora.
Com a cultura da convergência, gera-se uma expectativa diante da audiência de
continuidade dos assuntos nas mídias on-line (JESUS, 2013).

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Durante muitos anos, o público de telenovela não tinha


muitas ferramentas para interagir a respeito da trama das
telenovelas, porém hoje percebe-se pelo empenho e
qualidade dos roteiros de telenovelas uma sofisticação deste
quadro. A cultura digital acelerou e dinamizou a recepção
possibilitando um espaço de conversação e troca de
informações, que antes poderia ser espontânea e informal
(JESUS, 2013, p. 35).
O formato da telenovela é estruturado para gerar conversação entre as pessoas e,
hoje, esse diálogo se dá muito fortemente na internet.
Esse fenômeno de lançamento do ​merchandising social em outras plataformas
midiáticas começou a poder ser observado, especialmente, a partir da novela ​Mulheres
Apaixonadas.​ Na trama, a produção focou principalmente em três tipos de ações
socioeducativas: violência contra a mulher, alcoolismo e ciúme. Os conteúdos
educativos era abordados a partir do enredo com seus personagens e as discussões
dominavam o site da telenovela com textos, fotos, informações e alguns vídeos.
Como veremos mais adiante, é constante, o lançamento das temáticas
socioeducativas no on-line. Antes, no entanto, é importante observar o ​merchandising
social LGBT na teledramaturgia, foco de investigação desta pesquisa.

3 ​Merchandising​ social LGBTQI+


No livro ​A TV no armário,​ o autor Irineu Ramos Ribeiro se propõe a analisar a
identidade gay nos programas e telejornais brasileiros. Lançado em 2010, a publicação é
contundente nas críticas que faz a representação dos homossexuais nas emissoras e
televisão. De acordo com Ribeiro (2010, p. 19), se pode dizer que, em geral a mídia
apontava a sexualidade com deboche, discriminação e caricaturização. "Em geral, o gay
é tratado de forma pejorativa e sempre lembrado com linguajar jocoso" (p. 21).
Nas suas análises, o autor lembra como na novela ​Cobras & Lagartos,​ gays
caricatos serviam de escada para atores consagrados ou como no programa ​Zorra Total,​
o personagem Patrick era o tempo todo desqualificado pelos outros personagens que
colocavam sua masculinidade em jogo.
Na época, Irineu considerou que a TV não respeitava a diversidade de gênero
quando o assunto tratado girava em torno de grupos não hegemônicos como os
homossexuais.

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Nas novelas em geral, personagens gays são incorporados ao


elenco apenas para satisfazer a pressão social da comunidade
homossexual, que não se vê na telinha. Os personagens
ocupam uma posição sem destaque nenhum na trama das
novelas (RIBEIRO, 2010, p. 126).

As primeiras personagens LGBTQIA+ na TV brasileira foram vividas por Vida


Alves e Geórgia Gomide no teleteatro ​Calúnia,​ exibido em 1963 pela TV Tupi. Na TV
Globo, o primeiro personagem gay foi Rodolfo Augusto, interpretado por Ary Fontoura,
um costureiro e carnavalesco da novela ​Assim na Terra como no Céu (SILVA, 2015).
Uma análise atenciosa da ficção televisiva revela que, na década de 70, houve, de
acordo com Bernardo (2018), seis novelas com personagens gays. Nos anos 80, foram
15 e, nos 90, 13. Nos anos 2000, houve um salto para 28 produções. de 2011 a 2017, já
havia 25 telenovelas. A presença de homens gays é majoritária. No entanto, há também
lésbicas, intersex (Renascer), travestis (As Filhas da Mãe) e bissexuais (Segundo Sol).
O primeiro beijo gay da Globo foi em ​Mulheres Apaixonadas e a primeira cena de sexo
foi em ​Liberdade, Liberdade​. É importante destacar, no entanto, que a presença de
personagens homossexuais não significa que houve investimento em ações
socioeducativas. Muitos personagens ocuparam papéis de fato caricatos e sem uma
discussão sobre os direitos da comunidade gay.
Neste tempo, muitos personagens reforçavam estereótipos e não avançaram na
discussão de temáticas importantes sobre direitos LGBTQIA+. No entanto, é importante
ressaltar que houve também esforços por abordar personagens e temas de uma maneira
diferente, centrando em ações socioeducativas ligadas à questão de gênero e
sexualidade. É importante destacar que, nesta pesquisa, o foco não é se deter à análise
das representações dos personagens.
Como foi dito anteriormente, a Globo reconhece que a temática de gênero e de
sexualidade é prioridade de ações socioeducativas. Ininterruptamente, desde 1995, de
acordo com infográfico da Superinteressante (Bernardo, 2018), há pelo menos um
personagem homossexual na ficção televisiva da emissora. Existem, com o bem
observado por Ribeiro (2010), aqueles personagens que não colaboram para uma
educação social de respeito e valorização das diferenças, mas também há os que
contribuem para novos olhares sobre a questão.

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As possibilidades de discussão sobre direitos LGBTQIA+ não surgiram


aleatoriamente na TV. Integram, na verdade, condições que forçaram a emergência de
tais manifestações na teledramaturgia. O avanço do feminismo e, com ele, as discussões
das pautas de movimentos sociais LGBTQIA+ são os grandes responsáveis por novas
representações e também pela decisão da emissora em abordar sistematicamente e focar
ações socioeducativas nessa área.
Na próxima seção, serão apresentadas ações socioeducativas acompanhadas para
realização desta pesquisa tanto do ponto de vista da nova configuração do
merchandising​ quanto do ponto de vista do discurso usado pelo ​merchandising​ social.

4 Ações socioeducativas LGBTQIA+ na teledramaturgia


É importante destacar que não é o fato de o personagem LGBTQIA+ pertencer
ao núcleo de humor de uma telenovela que não configure uma luta por direitos. Há sim
personagens associados ao riso de forma negativa, mas também existem os que, mesmo
nos núcleos de comédia, conseguem ajudar a pensar em questões de gênero, subversão
de masculinidade e feminilidade. Há personagens que ajudam a pensar o gênero como
algo fluido, socialmente construído, performado como bem descritos nos estudos de
Butler (2016).
Desde julho de 2017, foram acompanhados sistematicamente os personagens
LGBTQIA+ da ficção seriada da TV Globo. Além dos capítulos exibidos na televisão,
foram monitorados: o site Gshow e os perfis da emissora no Facebook, Instagram e
Twitter. Os dados foram registrados em diários de observação com a decupagem das
cenas e os prints dos posts da Globo e comentários dos usuários das redes.
Das telenovelas analisadas para este trabalho (​Orgulho e Paixão, ​A Força do
Querer, Segundo Sol​), ficou claro o investimento em ações socioeducativas em todas.
Além da representatividade, o discurso das telenovelas sobre os personagens
esteve associado à ideia de aceitação e respeito. A seguir, vamos trazer alguns exemplos
flagrantes desses momentos, destacando a estratégia transmídia da emissora na
configuração do ​merchandising​ social LGBTQIA+.
Na novela ​A Força do Querer,​ no capítulo do dia 29 de agosto de 2017, o
personagem Ivan se reconhece como homem trans para família.

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Ivana: Eu nasci um menino. Eu passei a vida toda brigando com o meu corpo. Mãe, me escuta, por
favor. Você nunca me escuta.
Eugênio: De onde você tirou essa ideia absurda?
Ivana: Eu não sou uma mulher, eu sou um homem, eu nunca fui uma mulher.
Ruy: Então você tá se assumindo lésbica?
Ivana: Não, eu sou um homem num corpo de mulher.
Joyce: É um surto psicótico. Só pode ser.
Simone: Tia, ela é um trans. Eu te expliquei o que é isso, lembra?
Ivana: Passei a vida toda brigando com meu corpo. Eu quis morrer quando começaram a nascer esses
peitos. Passei a minha vida tentando me procurar no espelho, mas não me achando. Vocês sabem o que
é isso? Se sentir num vazio sem identidade nenhuma. Nesse corpo que te incomoda, machuca. Eu
quero ser o que eu sou. E vou tirar esses peitos também.
Joyce: Vai se mutilar, Ivana!
Ivana: Não mãe, eu já nasci mutilada. Só vou concertar o que tem concerto. Quero ser que nem eu sou.
E eu vim aqui perguntar pra vocês se me aceitam e eu tô vendo que não.

Além da cena com um discurso sobre o que é transexualidade e como uma


pessoa trans se sente, a emissora investiu em lançar conteúdos sobre essa trama no site e
em redes sociais on-line.
Figuras 1, 2 e 3 - Posts da Globo no Twitter e Face sobre a cena de Ivan

Fonte: Twitter e Facebook

A partir das imagens, identificamos posts da Globo no Twitter e Facebook após a


cena, valorizando o fato de o personagem se livrar das exigências sociais e se
reconhecer como homem trans, destacando a fluidez dos gêneros. Usam termos como
"liberdade" e "nova vida", promovendo uma ação socioeducativa de que não há nada de
errada em ser trans. Errado é viver uma vida que não é a sua.
Um dia antes, no site da novela no Gshow, já se anunciava essa mudança na vida
da personagem.
Figura 4 - Notícia no site de A Força do Querer no GShow

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Fonte: Gshow
Na novela ​Segundo Sol,​ no dia 17 de julho de 2018, Rosa, irmã de Maura,
personagem bissexual da novela, conversa com os pais.

Rosa: O senhor não pode banir Maura de nossa família, tá certo? Querendo, ou não, ela vai continuar
sendo minha irmã e filha de vocês.
Agenor: Olhe, pra mim, ela tá morta e enterrada, tá bom? E me fez passar a maior vergonha que eu já
passei na minha vida!
Nice: Não fale assim, Agenor.
Rosa: Meu pai, escute uma coisa. Minha mãe também. Maura não escolheu gostar de mulher, ok?
Agenor: Olhe, eu não quero mais ouvir falar dessa sem-vergonhice aqui na minha casa, tá bom?
Rosa: Não tem nada de errado. É da natureza dela.
Agenor: Natureza? Safadeza que você quer dizer.
Rosa: Não, meu pai, safadeza é quem mata, sacou? É quem estupra, é quem rouba, é quem prejudica os
outros. Que mal ela faz, recebendo qualquer pessoa que for na cama dela? Aliás, o que é que o senhor,
ou qualquer outra pessoa no mundo, tem a ver com quem ela coloca na cama dela, ​vamo pensar sobre
isso.
Agenor: Me admira você, que sempre foi uma boa filha. É! Respeitadora, trabalhadeira. Fica
defendendo essa fanchona.
Rosa: O senhor ainda vai se arrepender de estar sendo tão injusto com Maura.
Nice: Oh, Agenor, perdoe a sua filha...
Rosa: Que perdoar, minha mãe! Como pode perdoar? Maura é quem deveria perdoar meu pai por ele
ser tão ignorante. Maura não cometeu crime nenhum. Ela não tem que perdoar ninguém.

Para esta cena, não houve postagens no Facebook, no Twitter ou no GShow. No


entanto, ao longo dos capítulos, a emissora investiu no lançamento de posts com
conteúdos que focavam na felicidade da personagem, de como um relacionamento
homossexual deveria ser tratado como algo justo.
Figura 5 - Post da Globo no Twitter sobre Maura

Fonte: Twitter

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Na novela ​Orgulho e Paixão,​ houve uma torcida em torno do casal formado


pelos personagens Luccino e Otávio. a cena a seguir foi exibida no dia 14 de setembro
de 2018.

Mariana: Otávio, não me leve a mal, mas você não veio até aqui para me ajudar a pôr a mesa, não é?
Otávio: Não. O Luccino. Ele está bem?
Mariana: Por que você mesmo não pergunta a ele?
Otávio: Ah, Mariana! É complicado.
Mariana: Não, não é. Sente-se. O amor é a coisa mais simples que existe, mais simples e mais bonita.
Você não viu quanto tempo eu e o Brandão perdemos por medo?
Otávio: É diferente. Você e o coronel Brandão, vocês podem andar por aí de mãos dadas, trocar beijos,
inventar apelidos carinhosos um pro outro. Eu e o Luccino não. Por algum motivo o nosso amor
desperta o ódio nas pessoas, preconceito.
Mariana: Eu sei. Desculpe, mas é amor. O amor verdadeiro é raro e muito precioso. Otávio, quantas
pessoas passam pela vida e não têm a sorte de encontrá-lo? Então, não deixe, meu amigo, não deixe o
seu amor escapar preocupado com o que os outros vão pensar.

O texto é claro ao afirmar que há amor numa relação homossexual, que é preciso
enfrentar o preconceito e o ódio e também há um pedido de desculpas pela personagem
hétero pela impossibilidade, no ano retratado pela novela de época, de os personagens
poderem andar nas ruas de mãos dadas, trocar beijos.
O beijo dos personagens foi bastante comemorado nas redes sociais e a emissora
vibrou nas redes diante da cena, levando para outras plataformas de mídia o
merchandising social associado ao casal LGBTQIA+ da trama. Nos capítulos finais,
houve um pedido de casamento.
Figura 6 e 7 - Post da Globo no Twitter e no Facebook do beijo e do pedido de casamento,
respectivamente

Fonte: Twitter

5 Considerações Finais
Ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, constatou-se um novo movimento
da emissora, iniciado em ​Mulheres Apaixonadas,​ e ampliado com o avanço das redes
sociais on-line. Os conteúdos socioeducativos, potencializados pelas características da

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telenovela no Brasil, ganham, agora, a chance de serem divulgados não apenas na


televisão, mas também nos espaços on-line que passaram a ser utilizados pelas
emissoras no processo de transmidiação de seus produtos.
As ações socioeducativas LGBTQIA+ estão alicerçadas em uma chave de
respeito à diferença, de liberdade e de comportamento normal na contemporaneidade. O
merchandising desta temática é um produto embalado de entretenimento pronto para o
consumo. São avanços em relação ao tratamento dado em produções mais antigas da TV
Globo à temática gay, mas ainda há muito a abordar nas questões sobre gênero e
sexualidade, discutindo formas subversivas e até mesmo questionando categorias
tradicionalmente conhecidas.
Em pesquisas próximas, a subjetivação estabelecida pela ficção seriada
televisiva no que se refere às questões de gênero e sexualidade constitui um passo
importante e um horizonte profícuo de estudo.

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