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Loucura do Espelho

A Realidade Interna 1
Loucura do Espelho

LOUCURA DO ESPELHO

A REALIDADE INTERNA

A Realidade Interna 2
Loucura do Espelho

Abel Biasi

LOUCURA DO ESPELHO

A REALIDADE INTERNA

A Realidade Interna 3
Loucura do Espelho

2005 por Abel Biasi

Título
Loucura do Espelho – A Realidade Interna
Todos os Direitos Reservados
ABEL BIASI

Capa
ABEL BIASI

Revisão Ortográfica:
Abel Biasi

EDIÇÃO
JANEIRO DE 2019

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Loucura do Espelho
A nossa mente produz ilusões tão grandes que chega a ser difícil
apenas imaginá-las, quanto mais senti-las. Ou até, podemos senti-las,
mesmo somente as imaginado. Temos muito que aprender com tal
máquina, que desperta em nós, algo que não conseguimos distinguir, algo
surreal. Será então tudo real? Ou será ilusão?
Temos ainda algo a mais, que os cientistas “quebram a cabeça”,
tentando entender seus significados. Somos seres invejáveis quanto à
capacidade de raciocínio, dedução e junção de idéias. Mas, estamos ainda,
usando menos do que realmente poderíamos usar e, usando para fins
maléficos. Se assim pensarmos e conseguíssemos fazer com que pessoas
parassem de fabricar bombas atômicas e transformassem, essas suas armas,
em resultados de energias quase que inexpiráveis, sendo esse o seu único e
verdadeiro pensamento, teríamos um fim pacífico. Seríamos um povo, ou
uma raça, cada vez mais perto do sentido da palavra “evolução”.
Se realmente existe uma evolução genética, nós, como os únicos
seres pensantes e com intelecto desenvolvido e que assim se acha, estamos
estagnados nessa cadeia evolutiva. Estamos provando que, de nada adianta
a inteligência se não conseguirmos controlá-la para um bem único.
Se, realmente existe um Deus, estamos indo contra os seus
princípios de vida perfeita ou vida eterna. E se viemos do macaco,
comprovando assim que sempre estamos em evolução, estamos regredindo
com essas guerras e formas diferentes de viver. O que vemos que tudo isso
o que tornamos, estamos acabando com o planeta. Somos ao mesmo tempo,
a raça invejável, com atos detestáveis. Mas, há quem diga que as guerras é
um dos frutos da evolução, fazendo com que a tecnologia se estenda.

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Loucura do Espelho
Somos capazes de muitos afazeres benéficos. Somente nos basta
reaprender a caminhar, não em passos carnais, mas, sim, em passos
espirituais.
Loucura do Espelho, A Realidade Interna, é um livro para causar
reflexões, com muitas coisas de nosso cotidiano simples. O uso de uma
linguagem nada complicada mostra a compreensão e o segmento de uma
história verídica, em algumas partes do desenrolar do enredo, juntamente
com fatos cômicos, de igual intensidade e ao mesmo tempo trágicos,
inventados, ou não, logicamente. O leitor, poderá entender que os fatos
reais são os que aconteceram em minha descoberta interior dos dezessete
aos vinte e três anos de idade. Partes inventadas para criar mais drama e
mais loucura, são inevitáveis e tornam a leitura agradável e surpreendente.
Não subestime a capacidade do intelecto da mente humana!
Podemos ir longe, somente em nossas mentes!
Mas agora, responda: Costuma “se ver” ao espelho? Já imaginou,
ou fez perguntas a si mesmo diante do espelho? Se você fez, houve
resposta? Se não o fez, foi por qual motivo? Medo? Vergonha? Por parecer
um estúpido com esta ação? E se houvesse resposta? E se a resposta fosse
completamente diferente do que já havia pensado antes a respeito deste
assunto? Como se sentiria agora, vendo que sua mente pode lhe
surpreender? Consegue profundamente olhar aos seus olhos refletidos ao
espelho?
Vivemos em uma realidade que nem nós conhecemos, não
imaginamos a verdade que há dentro de nós. A certeza, que desde criança
temos e que sabemos ser verdade, é esquecida enquanto os anos passam e
vamos envelhecendo. A mente se esquece da pureza que temos e damos

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passagem ao cepticismo. Vemos causas e coisas estranhas, mas, ao mesmo
tempo em que acostumamos a vê-las, acostumamos a esquecê-las, no
segundo seguinte.
Nossa mente é completa! Basta somente sabermos o que fazer com
ela e aprendermos como pensar direito!

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Loucura do Espelho

Parecia um sonho! Era lindo ver aquele cenário! Tudo era de uma
cor muito pura, parecia pintura em três dimensões. As cores vibravam,
assim como o vento vibrava ao tocar meu rosto. Era um campo muito
esverdeado e uma grama bonita e vistosa. Bem aparada. Podia-se até
mesmo deitar-se sem nenhum receio de sujar-se, era densa como um tapete.
As árvores, impunham-se de um verde causador de inveja a qualquer
Pantanal. As frutas, eram grandes e pareciam ser mais puras do que as que
costumava ver, ou as quais, achava estarem perfeitas. As pessoas,
alegravam-se em pequenas rodas de amigos sempre com um sorriso
verdadeiro ao rosto, dizendo coisas belas. Relatos bons. Esse sorriso puro
em seus rostos contagiava a todos que ali estavam. Era, verdadeiramente,
um cenário de pura alegria e tranquilidade. Vestiam-se uniformemente,
com roupas dentro da tonalidade da cor bege e todos, todos, eram de uma
beleza invejável.
Uma bela garota de cabelos cacheados à cor do sol, alta, chegou ao
meu lado. Seus olhos azuis me contaminaram de pureza.
- Olá Coiote! Chegou cedo! Não esperávamos que chegasse tão
cedo assim! Mas, já que está por aqui, venha, vou lhe apresentar a todos! –
disse assim e foi puxando-me pela mão.
Enquanto andávamos, percebi que tudo era mais perfeito ainda.
Crianças divertiam-se correndo e jogando-se à grama. Havia uma música
quase que angelical sendo tocada em meus ouvidos. Alguns metros de
distância, debaixo de uma árvore, um grupo de jovens tocava alguns

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instrumentos. Parecia eu conhecer a composição a que tocavam, mas, seus
instrumentos pareciam distintos e não havia como entendê-los. Comecei a
perceber que as cores iam desfazendo-se e pouco a pouco iam borrando-se,
até que tudo se desfez num redemoinho instável de tintas borradas. Tudo
aquilo sumiu da minha frente e voltei à minha realidade.

Encarei-me ao espelho de meu pequeno banheiro. Cabelos


despenteados, completamente desbotados e viam-se apenas os resquícios
das tintas que eu usava. Meu rosto cansado, meus olhos vermelhos,
completamente estáticos. Percebi logo o barulho de alguém batendo à
minha porta e deduzi que isto havia me trazido de volta dos meus pouco
insanos pensamentos. Dei uma última olhada em meu rosto, joguei uma
água para acordar mais depressa e respondi gritando que já iria atender a
porta, por fim peguei um boné pendurado à maçaneta da porta escondendo
o cabelo bagunçado.
Saí do banheiro, peguei o maço de cigarros na cozinha e acendi um.
Cheguei à porta e olhei ao olho mágico. Vi que se tratava de algum amigo
meu, mas, mesmo sem diferenciar quem era abri a porta.
- Fala Coiote! – disse Marquinho.
- O que conta meu velho? – respondi cumprimentando-o da forma
que tínhamos costume.
- Trouxe algumas primas da Lenice. Podemos entrar? – disse e
entraram todos.
- Claro! Claro! Acho que está um pouco bagunçado, nem lembro o
que fiz ontem. – falei enquanto entravam.

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A casa tinha somente duas cadeiras à cozinha, onde existia uma
mesa de metal, dessas de bar. Havia, onde era para ser a sala, um grande
tapete verde que já estava ali quando cheguei. Sempre que amigos vinham
me visitar, sentávamos todos ali para fumar, para beber e para contar
histórias engraçadas enquanto escutávamos alguma boa música de Rock
and Roll. Assim, como era o costume, liguei o som e ficamos escutando um
bom CD de uma banda chamada Dream Theater.
O cigarro foi preparado e logo aquela fumaça invadiu a sala, os
pulmões e nossas mentes.
As conversas logo tomaram um rumo sem sentido algum. As duas
garotas, primas de Lenice, estavam dando gargalhadas e olhando em volta.
Minha casa não era realmente muito interessante. Paredes brancas, um
aparelho de som e um tapete verde surrado e cheio de manchas de cervejas
e outras bebidas “tri” destiladas. Da sala, via-se um pedaço do quarto com a
cama desarrumada, algumas roupas jogadas ao carpete azul escuro e
algumas caixas empilhadas a um canto, que me serviam de guarda-roupas.
A cozinha era pequena, não maior do que precisava e não menor que minha
descrição. Tinha fogão e geladeira em miniatura, até mesmo o botijão de
gás era em miniatura, como assim gostava de chamar, além de mesa e duas
cadeiras de bar, como já havia dito. O banheiro, simples com um boxe, um
armarinho e outro espelho às costas da porta. Havia dois espelhos, o que se
tornou muito interessante quando eu os descobri. Este era meu apartamento
e não mais do que realmente precisava. Muitos gostariam de ter aquilo que
eu tinha, pelo menos disso eu tenho absoluta certeza.

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- Mas, o que estas garotas estão rindo tanto? – perguntou
Marquinho.
- Deve ser por causa desta casa. Elas me disseram que nunca
fumaram dentro da casa de alguém. – respondeu Lenice vagarosamente
dando uma risadinha picada, curta, daquelas que tem e não tem graça ao
mesmo tempo.
- Hei! – houve silêncio. – Garotas! – chamei demorando um pouco
para conseguir chamar a atenção. – Podem levantar-se e olhar minha casa.
Ela é desarrumada, mas podem olhar à vontade. Parecem estar curiosas.
- Nossa! Como é morar sozinho? – perguntou Dani, uma das
garotas.
- Normal! – respondi.
- Como assim, normal? Só isso? – perguntou Cristiane, a outra
prima de Lenice.
- Tem seus momentos. Não tem hora pra chegar, mas você tem que
arrumar tudo. – falei.
- Mesmo assim deve ser legal! – disse Dani olhando para a pilha de
louças sobre a pia.
- Deve ter também seus puros momentos de solidão. – retrucou
Marquinho.
- Sim, tem sim. Estes momentos são cruéis, mas depois que se
acostuma, tira-se de letra. – respondi.
- Você está sumido Coiote! – disse Lenice com seu jeito tranqüilo
de falar. – O que anda fazendo?
- Fico em casa a maior parte do tempo. Fumando, pensando,
dormindo. – respondi.

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- Isso que é vida. – disse Dani.
- A conversa está boa, mas a loucura está pouca. E agora, o que
fazemos? – disse Marquinho.
- Vamos fumar de novo! – respondi indo ao meu quarto e trazendo
mais um cigarro pronto.
Em alguns minutos, todos estavam de pé curtindo o som de outra
banda de Rock, desta vez era um estilo mais pesado e não nos deixava ficar
parados. Como todos gostavam deste tipo de música, estávamos
balançando a cabeça como se estivéssemos tocando guitarra em cima de um
palco. Eu já estava um pouco distante em meus pensamentos e nem mesmo
percebi que estava dentro do banheiro, novamente, brincando com as gotas
d’água da torneira, enquanto caiam no ralo da pia. Virei-me em seguida,
quando havia terminado de lavar minhas mãos e levantando os olhos
encontrei-os ao espelho, ao qual estava atrás da porta. Ali fixei meu olhar.
Lembrei-me o que havia acontecido alguns momentos antes e ali parei meu
pensamento.
Meus olhos estavam estagnados novamente ao espelho, sem
movimento algum, nem sequer um espasmo óptico. Em algum tempo
pareciam já estarem cansados de não fazerem movimento, então o meu
reflexo ao espelho fez um movimento levantando a pálpebra. Incomodei-
me. Achei aquilo engraçado, pois, não havia eu feito movimento algum, ou
pelo menos, não havia sentido.
Continuei a observar-me ao espelho e, segundos depois, comecei a
me sentir estranho, como se sentisse nauseado. Meu reflexo ao espelho
começou a mudar, primeiro devagar, depois com certa rapidez obteve um
aspecto bem diferente. Não era de um reflexo, mas, de uma realidade

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conflitiva, como se fosse uma janela, onde poderia visualizar outro mundo,
completamente diferente e, por conseguinte, outro eu.
O meu reflexo ao espelho começou a transformar-se. O cabelo, ao
reflexo, que era de um azul desbotado, tornou-se um preto vistoso e muito
bem cuidado. Parecia estar penteado, para meu espanto. Meu semblante,
que sempre era de um cansaço extremo, por sempre estar distante da
realidade e por um imenso toque de desmazelo, tornou-se belo e bem
aparentado. Barba feita, olhos mais vivos do que os meus aos quais já havia
acostumado. Em seguida, as roupas também se modificaram para um tom
mais vivo do que as minhas. Por ter um estilo mais agressivo, minhas
roupas eram um tanto desgastadas e rasgadas. Mais porque eu queria que
fossem assim, surradas. Mas, tudo aquilo era incrível! Fora uma
transformação que vi em meu próprio reflexo! Ainda sério, olhava aquela
moldura sem ação, que se tornara viva! Uma piscada e, em seguida, um
largo sorriso abriu-se. O susto levou-me a dar um passo para trás, quase que
me fazendo bater a parede e assim pensando que a mesma não estivesse ali,
construída atrás de mim.
- Me desculpe. – disse o espelho para mim numa forma muito
gentil. – Mas, você mostrou-se muito mais do que pronto para isto. Acho
que seu susto não será tão grande assim.

Fiquei alguns segundos sem ação. A voz, que saia do espelho era
realmente igual a minha, mas tinha um toque de sutiliza que não sabia ser
possível em meu jeito de falar, ou assim pensava. Estático, observei, até
que tive forças para fazer algo. Fechei os olhos e abaixei a vista colocando
minhas mãos sobre meu rosto.

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- Eu devo estar pirando! – falei com os olhos fechados e em voz
baixa.
- Não! Você está apenas enxergando a realidade. – disse a voz
calma saindo do espelho.
Levantei meus olhos e vi seu sorriso, idêntico ao meu.
- Incrível! – sussurrei ainda com as mãos tapando metade de meu
rosto. – Quem... ou... o que é você? – perguntei observando a borda do
espelho.
- Não me reconhece? – disse o reflexo em tom de zombaria. – Sou
seu outro eu! Mas, um pouco melhor cuidado, como pode notar. – disse
olhando para si mesmo.
- Mas... Mas... isso... Como é possível? – perguntei indignado.
- Simples! Sua mente chegou a um ponto, quando as realidades
vêm a se convergirem, uma com as outras, não existe ilusão. – respondeu
ele. – Mas, a pergunta que deveria ter feito, ainda não é essa.
- E qual seria? – perguntei.
- Não sou eu que irei perguntar! – disse ele olhando para o lado
como se estivesse vendo alguém do seu lado do espelho que eu não
conseguia ver.
- Mas, eu nem sei o que devo perguntar! Não sei agora nem se
estou vivo? – indaguei.
- Vivo? - disse e riu-se vagarosamente. - Sim, está vivo, e diga-se,
muito vivo! Agora, você pode começar a fazer todas aquelas perguntas sem
resposta que você tem aí dentro, guardadas em sua mente tão grande, como
já sabemos que é.

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- Tenho que fazer perguntas então? Bem, acho que tenho muitas
perguntas sem respostas, mas, devo perguntá-las a você? Talvez suas
respostas sejam iguais as minhas respostas, nas quais, verdadeiramente, não
fazem sentido algum.
- Não necessariamente. Não irei lhe responder automaticamente.
Vou lhe mostrar o caminho certo para achá-las por si só. – disse o espelho.
– Respostas, todos podem dar, aprender a encontrá-las que é o difícil.
- Mas, não entendo. Quem é você? Você é meu outro eu? –
perguntei finalmente sem ao menos perceber que havia feito uma pergunta.
- Chegamos ao ponto! Você fez sua primeira pergunta certa! E
agora respondendo, não! Por enquanto é assim. Sou seu outro eu, até que
você tenha entendimento suficiente para diferenciar você mesmo de outra
pessoa, com personalidade diferenciada.
- Meu Deus! – exclamei colocando as mãos à boca e olhando o
espelho em volta. – Acho que estou ficando cada vez mais louco.
- Muito bem! É disso que precisamos agora! Loucura! – respondeu
ele.
- Não estou entendendo nada. – falei.
- Na hora certa irá começar a entender. – falou calmamente
enquanto eu olhava para ele de forma interrogativa. - Agora vá! Seus
amigos estão preocupados contigo. Não deve deixá-los esperando, nem
mesmo dizer o que está acontecendo. Não é uma situação agradável de
explicar. Bem, seria a deixa para uma internação em algum sanatório do
estado. – disse e riu-se.
O espelho começou a voltar ao normal, sem que eu quisesse.
Vagarosamente as cores iam mudando e a as formas também voltavam ao

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normal, até que vi meu reflexo novamente. Movimentei meu rosto para ver
se era eu mesmo e vi que agora era a minha realidade. Eu estava pálido,
como se estivesse presenciando algum fato sobrenatural, o que não deixava
de ser verdade. O meu cabelo despenteado voltou a estar ali. Levantei o
braço e vi que este era meu. As batidas na porta estavam cada vez mais
fortes. Abri-a com cara de assustado e pálido. Todos estavam assustados
junto à porta do banheiro.
- Por que não respondeu Coiote? – perguntou Marquinho. –
Estávamos querendo arrombar a porta já!
- Pensamos que havia desmaiado aí dentro! – disse Dani com cara
de muito assustada.
- O que é que está havendo contigo? – perguntou Lenice olhando-
me com cara de quem não estava me conhecendo mais.
- Galera. – falei calmamente. – Estava apenas usando o banheiro. O
que há de mal nisso?
- Ficar meia hora no banheiro não é uma coisa normal, não acha
Coiote? – disse Marquinhos. – Você realmente está muito estranho! Não
parece mais com aquele velho Coiote que conhecia! Pra mim já deu o que
tinha que dar, vamos embora daqui pessoal! – disse por final virando as
costas e indo em direção à porta com as meninas.
Todos eles ficaram temerosos com que havia acontecido, pareciam
estar indo embora da casa de um psicopata que lhe tentaria contra suas
vidas. Acharam ainda, que iriam me encontrar morto dentro do banheiro e,
sinceramente, minha aparência não estava das melhores. Mas, encontrava-
me muito bem, cada dia estava mais consciente, embora para muitos, isso
não era nem um pouco convincente.

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Foram embora assim, sem dizerem muita coisa. Não era de se
admirar pensando bem, embora no momento, para mim, não fazia o menor
sentido. Olhei então para o relógio e vi que haviam se passado um largo
período desde que entrei em meu banheiro. O que foi de principal motivo
para que eles achassem que eu estava me drogando com outros tipos de
drogas pesadas e escondido deles. Fiquei um tempo pensando no ocorrido e
depois cheguei à conclusão de que eles na verdade tinham razão. Se eu
contasse o que realmente estava se passando dentro do banheiro, daí sim,
eles me internariam em algum sanatório ou em alguma clínica de
recuperação para adictos.
Achando graça da situação, fui até meu quarto e peguei mais um
cigarro enrolado e ascendi indo de volta ao banheiro. Agora, o banheiro
fazia parte de uma grande verdade, da qual ainda não estava ciente de que
seria a maior descoberta de minha vida.

Tragando a fumaça e soltando-a em seguida, em frente ao espelho,


percebi que o reflexo mudava novamente. Foi tornando-se um filme e logo
eu estava dentro dele. Mesmo com o cigarro à mão, ao qual tirava um trago
longo e lento, observava que não estava mais dentro do meu banheiro,
estava agora num cenário totalmente diferente. Esta primeira observação
fez-me vibrar, pois nunca, jamais acreditaria se alguém me contasse que
isso podia acontecer dentro de uma mente.
Vi que estava em uma época em que eu nem mesmo pensava em
existir, se é que pensamos antes de existir. Meus pais deveriam ser
adolescentes. Todos estavam com roupas largas e soltas, óculos escuros
grandes, calças boca de sino, camisetas coloridas, cabelos compridos

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amarrados com fitas. A paz reinava entre as rodinhas de jovens sentados ao
chão junto aos seus instrumentos de cordas. Tudo aquilo me lembrava do
quanto gostaria de ter vivido esta época gloriosa. Mesmo que meus pais
estivessem vivendo o fim desta época de ouro.
A um canto, observei a figura de quem poderia ser minha mãe.
Morena, de cabelos longos, um tanto jovem. Camisa indiana florida e calça
azul bem larga, mais larga ainda na altura do tornozelo, fazendo jus ao
nome “boca de sino” onde provavelmente os sinos eram os tornozelos das
pessoas. Seus olhos pareciam deslumbrar o infinito enquanto seus amigos,
sentados à grama, faziam canções que diziam sobre paz, alegria, drogas e
liberdade. Dizia-se que todos eram irmãos, não importando a origem, a cor
ou forma de pensar. Se ainda estivéssemos assim, poderíamos ter evitado
muitos desastres na vida humana, até mesmo os sistemas desta sociedade
seriam completamente diferenciados. Mas, como tudo o que é bom, dura
pouco, aqui está o que viramos.
Assim enquanto via o filme, fumava também o meu cigarro, dando
asas à minha pequena mente. Logo escutei a voz de meu outro eu.
- Vê? Sua mãe sentada à grama está a pensar o que fará no futuro.
Ela queria ser médica, mas, como você mesmo sabe, as coisas não se
realizaram do jeito que ela desejasse que fosse.
- Por que estou vendo isso? – perguntei olhando para os lados,
procurando-o.
- Para que entendamos o presente, temos que saber alguns
acontecimentos passados. – disse ele.
- Interessante! Nunca pensei que minha mãe tivesse sonhos, e ainda
mais, que desejasse ser médica! Surpreendente!

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- Seu pai queria ser astronauta. – disse a voz.
- Meu Deus! E eu pensava que eu viajava muito!
- Realmente, aquela foi a época de ouro! Gostaria de ter vivido
nesta ocasião. – disse meu outro eu, fazendo surpreender-me com seu
comentário.

Aquele filme parou novamente. Vi que estava olhando ao espelho,


vendo-me. O filme novamente voltou a se movimentar, quando percebi,
estava dentro dele. Estava ali, propenso às vontades que até então,
mostravam não serem minhas. Aparecia agora, a época em que meus pais
se conheceram. Era uma grande bagunça na verdade. Correria e gritos,
tiros, bombas e cavalaria armada debandavam ao lado contrário dos
estrondos. Cachorros latiam, sendo dificilmente contidos pelos policiais da
tropa canina. Numa esquina, meu pai, ainda bem forte e com cabelos
compridos, bate de frente com minha mãe. Pequenina, ela cai e seus óculos
também vão ao chão. Ela se levanta, pega seus óculos e sai correndo para o
lado ao qual meu pai vinha. Vendo que ela corria para o lado errado, meu
pai a puxou e a segurou em seus braços. Beijou-a. No momento certo, pois,
em seguida, a tropa da cavalaria passou ao lado deles perseguindo um
grupo de jovens arruaceiros. Desvencilharam-se um do outro. Olharam para
o bando de garotos que agora apanhavam cruelmente dos policiais. Os
olhos se encontraram numa forma de agradecimento mútuo e correram de
mãos dadas para o outro lado da rua. Saíram assim da confusão e
começaram a conversar.

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Voltei a mim. Ao espelho, estava o outro eu. Meu cigarro havia
chegado ao fim de forma que o joguei ao vaso sanitário, dando descarga em
seguida. Peguei o maço de cigarros e acendi um.
- Isso realmente aconteceu? – perguntei enquanto soltava fumaça
do cigarro.
- Bem, você acabou de ver com seus próprios olhos, não foi?
- Sim, mas, é real?
- O que acha ser real? Acha que eu sou real? – perguntou ele num
tom de sarcasmo com seu rosto dentro da moldura do espelho.
- Não sei. – respondi olhando para o seu reflexo e dando uma volta
olhando o meu banheiro. – Pode ser que sim, pode ser que não. Ainda
tenho dúvidas. Não sei se posso acreditar.
- Tenho muitas coisas para lhe mostrar ainda. Dentro de pouco
tempo irá saber se é ou não é real, como pensa.
- Acho tudo isso uma loucura. Está me dizendo que fui ver o
passado de meus pais? – perguntei incrédulo.
- O que acha que viu? – perguntou novamente ironizando.
- Não sei! Mas, o que quer mostrar-me com tudo isso?
- Isso! Isso mesmo! Mais uma vez chegamos ao ponto!
- Como? Não entendo? – falei levando o cigarro ao canto dos
lábios.
- Tudo isso começa com uma pergunta, lembra-se? Se você faz
uma pergunta, eu posso respondê-la ou lhe mostrar a forma de entender a
resposta. Mas, se não a faz, eu não posso mostrar-lhe o caminho para você
saber uma resposta sem ter uma pergunta, não é mesmo?
- Que complicação! Explique melhor, por favor?

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- Sim, claro! Como quiser! Bem, é simples. Quando fazemos uma
pergunta, e embora seja ela de forma imediata, existe um mecanismo em
nosso cérebro que faz com que todas as informações que temos sobre tal
assunto, sejam conectadas e trazidas à tona, fazendo assim, que formulemos
a pergunta. Então, sendo assim, as perguntas são feitas somente a partir de
um ponto de reflexão sobre tal assunto, mostrando que a pessoa está
realmente pronta para ter a resposta sobre este assunto. Se não, a pergunta
ficará disforme, sem conexão e terá que passar novamente por uma reflexão
para que se coloquem as palavras certas. Ou, somente, a pergunta ficará
superficial e a reposta, obviamente, tenderá a ser superficial também, até
mesmo leviana, eu diria. – disse ele com um sorriso e terminando a
resposta.
- Nossa! Isso realmente é muito interessante e faz completo
sentido! Magnífico! – falei empolgado.
- Mas, voltemos à pergunta. Você disse: “O que quer mostrar-me
com tudo isso?”, não foi?
Concordei apenas balançando a cabeça em forma afirmativa
enquanto fumava meu cigarro.
- Bem. Muito podemos conhecer de nós mesmos vendo o nosso
passado, visto que tudo o que passamos foi o que nos criou. Quero lhe
mostrar aqui, o poder de nossas escolhas. Podemos ser felizes ou
completamente solitários. Abastados ou miseráveis, saudáveis ou
debilitados. O que nos modifica são nosso conhecimento, nossa
consciência, o que nos faz termos nossas escolhas, acertadas ou erradas.
- Então quer me mostrar que as escolhas fazem à diferença em
nossas vidas?

A Realidade Interna 21
Loucura do Espelho
- Sim! Mas existem antes, as nossas referências profundas, nossos
conhecimentos sobre algo, ou não, que formam as nossas escolhas.
Lembra-se?
- Ah Meu Deus! Estou ficando louco!
- Não diga isso! Embora precisemos de um pouco de loucura. É
simples. Acompanhe novamente meu raciocínio. Para termos uma escolha,
precisamos saber o que queremos ao final de tudo. Para sabermos o que
estamos realmente dispostos a fazer, temos primeiro que fundarmos uma
opinião através de conhecimento a respeito de tal assunto. Agora entende?
- Acho que estou entendendo. Mas, isso parece loucura. Embora
faça o maior sentido. – falei olhando para o chão.
- Sim, meu rapaz! Mas é justamente isso o que você esqueceu. –
retornou ele.
- De fazer escolhas?
- Não, de ter suas opiniões fundadas em seu íntimo.
- Nossa! Perdi meu tempo então?
- Não necessariamente, não perdemos algo que não existe!
- Como assim? O tempo não existe? – perguntei ficando novamente
afobado com a ideia.
- Calma! Depois eu lhe explicarei isto. Mas, voltando ao assunto,
você deixou ser levado por idiotices e momentos, não tendo nenhum
fundamento, nenhum conhecimento que lhe levaria a ter opinião formada
sobre tais assuntos. Com isso, está hoje com a mente completamente longe
e sem nenhuma diretriz a seguir. Você é o que chamamos de “Mente
Aberta, sem opinião”. Um barco “a todo pano” sem um leme.
- Mas, isso, de certa forma, é bom? Não é? – perguntei.

A Realidade Interna 22
Loucura do Espelho
- Sim, é ótimo! Mas, acho que já está na hora de começar a ter
conhecimento próprio e formular opiniões, não acha? Tomar o leme e
providenciar uma direção!
- Agora ferrou tudo! - Falei soltando a tragada.
- Sabia que iria dizer isto. Bem, vejamos em que ponto eu começo.
Você, mediante suas loucuras, que se tornaram cada vez maiores, chegou a
um ponto em que pôde aceitar quase tudo, mas sem saber o que é, e, o que
não é realidade. Este amadurecimento mental é muito complexo e torna
difícil a vida de quem é assim. Mas, precisamos esperar o tempo certo para
que entendamos o que significa tudo isso e comecemos a assimilar idéias e
fatos que acontecem diante nossos olhos.
- Meu amigo, vai devagar que o “santo é de barro”! Daqui a pouco
eu caio ao chão! – falei e ele sorriu ao espelho.
- Não se preocupe. Você aguenta! Mais à frente explicarei melhor o
porquê disso.
- Tudo bem então. Vou lhe fazer mais uma pergunta. Como irei ter
ou construir minhas opiniões?
- Ótima pergunta! Seguinte. Você já as tem, mas elas estão
deturpadas com a vida que você levou até hoje e com o decorrer do tempo
elas foram ficando cada vez mais guardadas em seus pensamentos, em seu
íntimo. Cada vez mais profundas em seu íntimo. Irei lhe mostrar o seu
passado, que fora esquecido e lhe ajudarei a entender o que lhe falta. Por
enquanto, irei lhe ajudar, quando chegarmos mais à frente, você terá que
descobrir sozinho. Muito bem, está pronto?
- Sim! – respondi jogando o cigarro na pia.

A Realidade Interna 23
Loucura do Espelho
Num rodopio brusco tudo se transformou mais uma vez. O espelho
me sugou, pois, senti meus pés sem apoio e logo me vi ao lado do meu
outro eu, dentro do que era para mim, o espelho.
- Estou dentro do espelho? – perguntei assustado olhando para
todos os lados, vendo que tudo era escuro e não pisávamos em nada.
Parecia que estávamos suspensos ao ar.
- Bem, estamos entre o espelho e o seu mundo. Digamos que,
estamos num buraco entre as dimensões.
- Isso é de assustar! Se eu contar, realmente, ninguém iria me levar
a sério.
- Com certeza! Jamais conte. Ninguém entenderia. – disse sorrindo.
O que antes era negro e sem vida, tornou-se um grande filme. Era
como se estivéssemos em uma grande sala em terceira dimensão, e em que
nela fazíamos parte do cenário do filme. Embora, as pessoas que estivessem
“atuando”, não nos viam na verdade, e, os “atores”, eram meus pais e eu
mesmo, quando pequeno.
Tudo acontecia em meu primeiro aniversário. Eu, pequenino, aos
braços de meu pai e minha mãe brincando comigo. Todos estavam
sorridentes. Não havia luxo, meus pais estavam quase que vestidos como se
fossem hippies. Havia muitas pessoas as quais desconhecia e pareciam ser
muito amigos de meus pais. Era uma família de dar gosto de tanta
felicidade. Como num pulo, já me vi com cinco anos, arteiro como eu,
dando trabalho à minha mãe. Logo também vieram os machucados, as
vontades, as birras e os tapas, ganhados de minha mãe. Também, eu
deixava a todos de cabelo em pé com as artes que fazia.

A Realidade Interna 24
Loucura do Espelho
Mostrei também que podia ser muito inteligente, desde que me
interessava em algum assunto. Para os outros, aos quais não me criavam o
mesmo interesse, dava de ombros e me fazia de difícil para entender.
Na escola, quando cobrado, mostrava ser extremamente capaz,
mas, deixado de lado, dava vazão a inquietude e quando chamado à atenção
chorava como um bebê sem mamadeira. Era até engraçado de se ver.
Posteriormente, pois na época, era um sofrimento para mim.
As primeiras artes mais sérias foram aos dez anos. Foi a primeira
vez que peguei dinheiro da carteira de meu pai e comprei tudo em chiclete.
Quando meu pai descobriu, tomei uma surra de amargar e fiquei sem ver
televisão por um mês.
Até os quinze anos, mostrei-me ser entendedor das normas de
minha casa, que, eram um tanto rígidas e extremamente irreais, como assim
vejo hoje. Quando tive maturidade suficiente para sair de casa, maturidade
essa que “achava ter”, percebi o quanto os outros adolescentes eram
diferentes de mim. Invejei-os de forma errada. Comecei a perceber que
somente eu tinha horário para voltar para casa todos os dias, entre outras
coisas. Todos tinham liberdade irrestrita, e eu, não possuía isso.
As drogas começaram a fazer parte de minha vida e de meu
cotidiano. Tudo era novo para mim e descobri muitas coisas “legais” com
os meus amigos. Percebi que havia passado muito tempo dentro de casa.
Comecei, a partir daí, a desconsiderar o horário estabelecido por meu pai.
Chegava fora de hora e às vezes nem mesmo chegava. Dormia na casa de
amigos e passava dias sem voltar para casa. Isso fez com que meu pai
ficasse sem saber o que fazer.

A Realidade Interna 25
Loucura do Espelho
As discussões tornaram-se rotina e a cada dia eram mais ferozes de
minha parte. Até que numa manhã chuvosa, a discussão foi muito feia, pois
meu pai havia encontrado droga em meu quarto. Fiz questão de arrumar
minhas coisas, colocar em uma mochila às costas e uma pequena mala,
botei o violão na capa e fui saindo de casa. Minha mãe chorava
desesperadamente com seu coração de mãe moído e meu pai dizia que “se
eu saísse por aquele portão eu nunca mais voltaria a ser seu filho”. De
costas, eu parei, respirei fundo e decidi que dali para frente eu não teria
mais uma família.
Desci caminhando pela rua, sozinho. Nem sequer olhei para trás.
Meus olhos cheios de lágrimas e com um medo estampado em seu brilho.
Não tinha idéia do que iria fazer. Tudo virou uma grande incerteza e um
arrependimento de ter um orgulho tão aflorado junto com uma rebeldia
incapaz de sentir-se errado em toda aquela história. Uma lágrima escorreu
de meu olho, vendo-me naquela situação que havia esquecido ou até
mesmo apagado de minha mente.
- Vê? – disse meu outro eu. – Sua escolha levou a ser o que é hoje.
- Mas, nisso, eu não tinha escolha. – revidei enxugando a lágrima
que escorreu dispersa.
- Guarde muito bem isso que lhe direi! Em todos os momentos de
nossas vidas, temos as escolhas à nossa frente. Basta decidirmos entre
observá-las e descobrir o certo do errado ou desconsidera-las e deixarmos
nossa vida a mercê. Sem direção.
- Mas, onde estaria a escolha ali, naquela situação? – perguntei.
Ao mesmo tempo da pergunta, o meu outro eu, voltou o que seria
aquela reprodução de minha vida. Fez-me agora ver a mesma cena de outro

A Realidade Interna 26
Loucura do Espelho
ângulo de visão. Enquanto estava no portão, não olhei para meu pai. Mas,
pelo ângulo em que eu estava vendo agora, podia ver que meu pai chorava
enquanto falava aquelas duras palavras. Seria talvez seu último resquício de
uma tentativa desesperada para me fazer mudar, ou parar com minhas
atitudes de rebeldia. Era, na verdade, o seu amor e desespero tentando me
corrigir. Meu eu do passado, nem mesmo se virou, e, sem ver esta cena, foi
embora. Um aperto no peito me fez ficar com raiva de mim mesmo com
tamanha rebeldia que agora eu percebia não fazer sentido. Depois que já
não estava mais no campo de visão, meus pais se abraçaram e choraram de
angustia por ver seu único filho indo embora daquela maneira, debaixo de
uma garoa fria e fina. Mesmo assim, ainda continham uma preocupação por
mim. A mesma que eu tinha em não saber onde dormiria e onde comeria.
Em seguida tudo parou e fiquei observando a figura de meus pais
abraçados e chorando com tristeza imensa. Chorei também, não havia meio
de segurar as lágrimas. Não somente uma lágrima agora escorreu.
- Agora entende? – perguntou meu outro eu.
- Da pior maneira possível. – respondi com palavras e olhos
encharcados.
- Se apenas tivesse olhado para trás, teria mudado a sua opinião, em
que pensava que seus pais não gostavam de você, por lhe tratarem com
tanta crueldade, para você, mas, que para eles, era somente uma forma de
lhe proteger.
- Acho que nunca teria feito isso se eu visse as lágrimas no rosto de
meu pai. Meu erro foi não ver a preocupação em forma de lágrimas.
- Este foi seu primeiro erro quanto a desconsiderar as escolhas que
são apresentadas a você. Agora, você tem que saber que as opiniões estão

A Realidade Interna 27
Loucura do Espelho
intimamente ligadas não só ao que ouvimos, mas, ao que vemos também.
Temos de dar valor aos pequenos detalhes. Os detalhes constroem um
muro, ou o deixam pela metade. Os detalhes são os tijolos de uma
construção de opiniões.
- Agora eu entendo. – falei ainda cabisbaixo.
- Este é apenas o primeiro deslize ao qual voltamos. Existem
muitos outros que ainda tem que reaprender.
- Reaprender? – perguntei levantando a cabeça.
- Sim! Reaprender! Ou acha que estou lhe mostrando tudo isso por
um mero acaso? – houve um silêncio e eu o olhava. – Toda a nossa
trajetória é constituída por nossas opiniões. Mas, ao nosso caminho, temos
que aprender coisas que nos serão úteis, que serão usáveis e posteriormente,
realmente usadas! Você esqueceu-se de aprender aqui, neste momento, que,
todas as pessoas têm seus sentimentos, embora não saibam, muitas das
vezes, expressá-los de modo correto para outras pessoas. Entendeu?
- Nossa! Tudo isso é muito estranho. Mas, jamais poderia ter
pensado nisso. – falei pegando outro cigarro.
- Vamos continuar? – perguntou meu outro eu num tom de
animação.
- E tem mais? – perguntei assustado e desligando o isqueiro.
- Muito mais! Nem mesmo sabe o quanto! – disse.
Fiquei em silêncio enquanto meu outro eu sorria desdenhando,
porém, amigavelmente. Sabia que estava deixando-me apreensivo e
curioso. Como mágica ou ilusão muito bem executada, voltamos a assistir
ao filme de minha vida, vendo coisas que nem mesmo lembrava ter vivido.
Era muito interessante tudo aquilo.

A Realidade Interna 28
Loucura do Espelho
Eu descia a rua de minha casa. A chuva molhava meus cabelos e
meu rosto pingava algumas gotas. Alguns carros passavam ao meu lado e
sempre olhava para o lado, conferindo se não iriam jogar água em mim.
Vez ou outra parava debaixo de alguma marquise, olhava o tempo e
pensava que até o clima conspirava contra mim naquele dia. Por fim,
cheguei a um terminal de ônibus. Sentei-me numa cadeira e fiquei a pensar.
Sem me dar conta, falei sozinho, como que resmungando em voz alta.
- “O que faço agora? Sem dinheiro, sem casa, sem comida e sem
rumo. Ainda para completar, essa chuva parece não querer me dar trégua.”
Algumas poltronas ao meu lado um senhor de meia idade esperava
alguém, lendo um jornal. Parecia ser muito dono de si, o que não percebi
naquele dia e nem mesmo dei atenção a qual jornal ele lia. A minha visão
agora, vendo-me de fora, foi que havia feito aquilo pretensiosamente. Mas,
não. Havia sido um desabafo interno, sem qualquer pensamento de chamar
a atenção de alguém. Entretanto, como às vezes não sabemos o que as
outras pessoas pensam e interpretam de nós, o que falei deu resultado.
- Com licença meu jovem. – disse o Senhor sentado ao meu lado, a
algumas poltronas de distância. – Não sei se disse isso esperando que
alguém o ouvisse, ou esperando algo em troca, mas, funcionou. – disse ele
sorrindo mostrando seus dentes amarelados, bigode encurvado, suas rugas
de seus cinqüenta e tantos anos de idade e uma calvície modesta no alto da
cabeça.
- Desculpe meu Senhor, eu não queria perturbar sua leitura. – falei
com jeito de moleque e ele sorriu ainda mais.
- Parece que não está muito bem hoje, não é meu rapaz? Posso
sentar-me com você? – perguntou lisonjeiramente.

A Realidade Interna 29
Loucura do Espelho
Nada respondi, somente tirei o violão que estava a ocupar algumas
cadeiras ao meu lado, e o coloquei do outro lado, de forma que pudesse
abrir espaço para que se sentasse mais perto. O Senhor levantou-se
calmamente, dobrou o seu jornal e o colocou debaixo do braço. Era alto,
forte, vistoso. Trajava-se de pano muito bom pelo que pude ver. Sentado ao
meu lado notei que parecia menor do que realmente era.
- O que está acontecendo com você meu Jovem? – perguntou ele.
- Saí de casa. – respondi secamente e continuei a olhar para fora,
onde parecia contar as gotas da chuva que não desistiam de cair.
- Algum motivo especial? – perguntou ele enquanto tirava uma
cigarreira do bolso, muito “chique”, por sinal.
- Idiotice, talvez. – respondi, acompanhando com meus olhos os
seus gestos para com a cigarreira. – Poderia me dar um cigarro? –
perguntei.
- Você é muito jovem para isso meu rapaz. – disse ele com um
cigarro ao canto dos lábios rindo-se.
- Eu já fumo há algum tempo. – respondi.
Virou a cigarreira para mim de modo que eu peguei um cigarro,
logo ascendeu seu isqueiro de “bacana” e levou até perto de meu cigarro e
depois se voltou para acender o seu.
- Para onde está indo? – perguntou.
- Boa pergunta para eu mesmo me fazer. Acho que não tenho idéia,
nem mesmo alguma parada. Qualquer lugar está de bom tamanho para
mim.
Ele riu um pouco e perguntei:

A Realidade Interna 30
Loucura do Espelho
- Qual é a graça de ver um rapaz da minha idade, sentado numa
rodoviária e sem destino para tomar?
- Toda a graça do mundo! Com certeza! – respondeu ele com seu
trejeito, tragando a fumaça de seu cigarro e agora ele era quem olhava as
gotas da chuva caindo na parte de fora da rodoviária. – Estou vendo que
nos parecemos muito meu jovem. – disse ele soltando a fumaça, rindo e
intrigando-me.
- Como? – falei.
- Qual a sua idade? – perguntou.
- Dezesseis.
- Somente um ano mais velho que eu. – disse e continuou a olhar
para fora, a chuva com um sorriso leve aos lábios.
- Qual a graça? – insisti.
- Quando eu tinha quinze anos eu também saí de casa. – disse ele
inclinando-se um pouco sem virar o rosto, somente com os olhos fazia
contato comigo. - Sozinho, sem ninguém. Fiquei andando pela cidade.
Tinha muitos conhecidos de forma que não foi difícil encontrar pousada.
Eu era muito rebelde, para minha época. E minha época já está bem
distante desta realidade que temos hoje meu jovem. – disse olhando um
pouco para a chuva como se tentasse relembrar sua época. - Tomei uma
caixa de engraxate e fui ganhar dinheiro para comprar uma passagem.
Quando consegui, fui parar na cidade grande. Quinze anos, inexperiente e
com um grande sonho, ainda bem que o tempo era bem diferente de hoje. –
relembrou. - Ali estava eu, parado na rodoviária imensa daquela cidade,
sem saber o que fazer, igualzinho a você.
- E o que fez?

A Realidade Interna 31
Loucura do Espelho
- Falei alto também, contando a minha situação e um senhor achou
engraçado. Eu era pequeno, raquítico, assim como você. – disse ele e nada
pude fazer, era realmente um tanto magro. - E o homem deu-me um serviço
e um lugar para morar. Daí em diante, fiz tudo o que queria. Minha vida foi
uma loucura, uma bela loucura. – disse empolgando-se.
- Interessante. – comentei. – Pena eu não ter a mesma sorte. Nem
mesmo ter ido para cidade grande.
- Quem sabe? – disse o homem. – Às vezes você dá sorte com
alguém!
- Acho que por aqui eu não vou encontrar alguém desse tipo.
- Não se sabe, às vezes, tudo conspira contra nós, outras vezes,
conspira-se ao nosso favor.
Escutei estas palavras e levantei-me. Coloquei a mochila às costas
enquanto sentia os olhos daquele senhor me sondando.
- Aonde vai? – perguntou ele depois de observar-me.
- Vou arrumar uma caixa de engraxate. – falei. – Arrumar algum
dinheiro para ir embora daqui.
- Muito bem! É uma decisão acertada filho. Mas, e se eu lhe disser
que não precisa fazer isto?
- Como assim? – perguntei. – Acabou-me de dizer o que fazer
enquanto contava a sua vida. Acho que preciso fazer isto!
- Qual é o seu nome? – perguntou apertando os olhos.
- Me chamam de Coiote. – respondi.
- Sente-se meu rapaz. Quero lhe fazer uma proposta.

A Realidade Interna 32
Loucura do Espelho
Sentei-me colocando a mochila ao chão novamente como antes ela
estava. Fiz todos esses movimentos vagarosamente. Media a situação e o
senhor que estava à minha frente.
- Quero lhe ajudar. Gostei de seu jeito de rebelde. Vou lhe poupar
de ir para outra cidade. Gostaria de trabalhar para mim?
Fiquei um tempo ainda a observar ele e a minha sorte, como se
fosse pessoa sentada ao lado dele.
- Sim! Preciso trabalhar! – respondi. – Faria isso por mim sem ao
menos me conhecer?
- Claro! – disse ele num sorriso grandioso e paterno. - Existem
situações que estão além de nossas compreensões. Esta, é uma delas.
- Obrigado! – falei timidamente. – Não sei nem o que dizer. – falei
abaixando a cabeça.
- Não diga nada! – pausa entre a conversa. – Está bem! Tenho uma
sobrinha de sua idade que está chegando daqui a pouco. Ela está um tanto
abatida, pois, seus pais faleceram num acidente de trânsito. Minha irmã,
que é sua mãe, faleceu. Ela está sozinha e irá morar comigo, sou seu único
parente vivo. Acho que vocês podem se dar muito bem, virarem amigos.
Ela precisará de alguém da sua idade aqui em sua nova vida.
- Nossa! Realmente não compreendo por que está me ajudando
desta maneira!
- Eu já passei por muitas coisas nessa vida meu rapaz. Você não me
parece ser um “mau sujeito”, somente está um pouco desatento a sua
própria vida e desatento entre as ações de um mero adolescente, mas, o
tempo, ah! Esse cura qualquer ferida. Até rebeldia! – disse rindo-se.

A Realidade Interna 33
Loucura do Espelho
Fiquei em meu profundo silêncio e pensei muito a respeito de tudo,
inclusive das boas palavras faladas pelo homem. Achei um tanto estranho,
mas, logo percebi que em seu rosto havia uma expressão facial muito
segura de si. Senhor de si. Fiquei mais tranquilo, pois realmente precisava
de uma ajuda daquelas e pensando bem, até mesmo parecia que já o
conhecia. Coisas de nossa mente.
- Estamos conversando há um bom tempo e eu nem mesmo sei o
seu nome. – falei.
- Francisco Fagundes. Pode chamar-me de Fagundes. É assim que
todos me conhecem. – respondeu. – Bem, esse é o ônibus. – disse
levantando-se.
Fiquei esperando um bom tempo, ali mesmo onde estava. Uma
garota ruiva desceu do ônibus, correu e abraçou o tio, derramando algumas
lágrimas. Esses momentos são realmente aflitivos para mim e fiquei quieto
em meu canto, não o conhecia e muito menos sua sobrinha para estar ao
meio dos dois num momento tão difícil. Mas, compreendo que seria uma
época difícil para ela e para ele também. Algum tempo depois, a garota
pegou sua mala e Fagundes a puxou pela mão. Vieram ao meu encontro.
Seus olhos vermelhos e algumas lágrimas transformaram seus olhos
castanhos claros em dois vitrais mostrando o reflexo, até então
desconhecido da própria rodoviária, agora, com ar de alguma arte. Um
nariz fino condizia com seus lábios delicados, porém bem desenhados e até
certo ponto carnudos e proporcionais.
- Renata. Este é o filho de um amigo meu. – disse ele dando uma
piscadela para mim, já montando um “álibi” acaso sua sobrinha quisesse
perguntar de onde eu havia surgido. - Vou-lhe dar um emprego na fábrica e

A Realidade Interna 34
Loucura do Espelho
arrumar um apartamento de um dos meus prédios. Espero que se dêem
bem. – disse pegando as malas da sobrinha.
Cumprimentei-a com a cabeça e fui correspondido pela mesma
maneira. A timidez e as lágrimas em seus olhos me comoveram, bem como
também me encantaram. Ficamos nos olhando por um tempo, enquanto
Fagundes ia à frente levando a mala de Renata. Após isso, peguei minhas
coisas e carreguei meus pertences, sempre atrás dos dois. Chegando ao
carro do Sr. Fagundes, pude perceber que não se tratava de pessoas simples.
Tinham posses, e muitas, pois o carro importado dava mostras de que
levavam uma vida extremamente luxuosa. Abriu o porta-malas e colocou as
coisas de Renata e as minhas também. Levei meu violão comigo, pois era a
coisa mais valiosa que julgava ter na época.
Depois de um tanto andar pelas ruas da cidade debaixo de uma
garoa fina e sem ao menos uma palavra dita dentro do carro, chegamos a
um condomínio de luxo. Eram casas com requintes indiscutíveis e nesse
momento foi que percebi onde estava. Parecia não estar na mesma
realidade, parecia estar em outra cidade.
- Bem Coiote. Hoje ficará conosco e amanhã bem cedo irei levá-lo
a Fábrica. Lhe mostrarei o seu serviço. Por enquanto, será meu convidado e
jantará e dormirá em minha casa. Tudo bem? – perguntou ele em tom
paternal.
Parou assim seu carro diante da casa mais luxuosa da rua, quisá, do
condomínio! Descemos do carro e eu admirei aquele lugar, tão diferente da
realidade a qual morava. Anestesiado com tanta beleza, mesmo debaixo de
chuva, fiquei parado observando aquela linda construção com um jardim
magnificamente trabalhado e ornamentado. Não havia sido feito sem

A Realidade Interna 35
Loucura do Espelho
alguém especializado para executar ornamentos em jardins, pois assim se
mostrou.
Renata suspirou profundamente ao olhar aquele paraíso, que para
ela já era um tanto familiar e com algumas lembranças.
- Boas recordações me vêm quando chego a sua casa tio. – disse ela
abraçando-se novamente ao tio deixando uma lágrima escorrer pela face e
deixando-me um pouco mais deslocado.
- Bom, crianças! - disse amistosamente chamando mais a minha
atenção do que a de Renata. – Vamos entrar, podemos pegar um resfriado
nesta chuvinha gelada. – disse ele se encolhendo em seu paletó e
esfregando as mãos.
Algumas pessoas que trabalhavam para Sr. Fagundes vieram e
pegaram nossas coisas. Assim que entramos, uma senhora, nitidamente
emocionada, veio abraçar a Renata. Era uma senhora baixa e protuberante.
Aparentava ter mais ou menos os seus sessenta anos de idade, mas, era bem
viva em seu olhar e gesticulações.
- Minha querida! – disse ela abrindo os braços e abraçando o corpo
miúdo de Renata diante do seu.
- Abigail. – disse a voz forte do Sr. Fagundes. – Apronte mais um
quarto de hóspedes para o nosso amigo Coiote. Irá pernoitar aqui.
Abigail soltou Renata e pôs seus olhos miúdos por cima dos óculos
a fim de me inspecionar, mas, de um jeito simples e maternal. Eu não
estava vestido como eles. Era um mero garoto de família simples e estava
com roupas bem surradas. Meu rosto também estava surrado, por golpes de
rebeldia dados por mim mesmo.
- Sim Sr. Fagundes. – disse ela olhando para mim.

A Realidade Interna 36
Loucura do Espelho
Fui levado para o quarto e não era diferente da casa inteira. Era
muito luxuoso e bem ornado. O banheiro do quarto em que estava, parecia
maior do que o quarto que eu tinha em minha casa. Na verdade, parecia ser
maior que a casa inteira onde vivia com meus pais. Tentei não ficar
estaqueado com tudo aquilo, mas, simplesmente, era impossível. Tomei um
banho quente ao qual me fez nascer novamente. Nunca havia sentido tal
prazer tomando um simples banho. Logo que estava pronto, Abigail bateu a
porta do quarto onde estava.
- Venha Coiote. O jantar já está servido. – disse a voz ecoando no
comprido corredor do andar superior da mansão.
Desci com a ânsia de querer comer um búfalo. Tamanha era a
fome. Mas, não contava com aquela comida estranha que fora trazida e
colocada à minha frente. Mesmo sem saber se iria gostar, fiquei
imaginando quantos pratos daquele teria que comer para me sentir
satisfeito. Tão pequena era a porção, que talvez, fosse para uma criança de
alguns meses de idade! Renata desceu sorridente e disse que havia ligado
para sua melhor amiga e que já estava com saudades de tudo por lá. Sentou-
se em sua cadeira de frente para mim e seu tio estava ao seu lado esquerdo,
olhou para o prato que já estava posto a sua frente e fez uma cara de
espanto e ao mesmo tempo de repugnância.
- Tio? – disse ela pegando e mostrando o prato para Fagundes que
já havia dado algumas garfadas. – O que é isso?
- Sabia que não iriam gostar. – disse olhando ironicamente para ela
e depois para mim, vendo que eu ainda não tinha juntado coragem para
experimentar.

A Realidade Interna 37
Loucura do Espelho
- Você vai comer isso Coiote? – perguntou Renata ainda com a
mesma cara de repugnância.
- Se eu soubesse o que é isso talvez eu até experimentasse, mas eu
nunca vi isso na minha frente. Nem por televisão! – falei olhando para o
prato tentando entender o que seria aquela comida estranha arrancando
gargalhadas dos dois sem perceber.
- Tudo bem então. Vamos pedir pizza! – respondeu Fagundes
levantando-se da cadeira e fazendo a felicidade minha e de Renata.

Subitamente, o filme em que passava a minha vida, parou. Olhei


para o lado e vi meu outro eu, no mesmo plano em que estava. Disse-me:
- Vê? Lembrava-se disto?
- Não. Nem sequer achava que teria sido assim! – falei mostrando-
me estar um tanto espantado com aquela velha lembrança.
- Você, meu caro Coiote, esqueceu muito mais do que pensa e do
que precisava esquecer. Terá que relembrar tudo agora, como já lhe disse
antes.
- Chega a ser estranho. – falei. – Vendo-me mais novo, dessa
forma. Na verdade, eu compreendo e não compreendo ao mesmo tempo. É
tudo muito novo e muito louco para mim!
- Estamos somente no começo. Ainda verá muita coisa. –
respondeu meu outro eu olhando novamente para frente, para a cena que
estava parada.

A Realidade Interna 38
Loucura do Espelho
Tomada de movimento assim que me virei também para frente, o
filme de minha vida voltou a movimentar-se. Estávamos todos em uma sala
de TV. Assistíamos a um filme que nem fiz questão de prestar atenção.
Deitados ao grande sofá diante da tela que mais parecia um cinema de tão
grande e luxuosa, mesmo para a época, nem mesmo percebi que Renata
estava agora feliz por estar ali. Nascia ali um aconchego familiar. Mas, no
dia, nem mesmo entendi tudo aquilo.
Fomos dormir, pude ver agora que consegui ter uma bela noite de
sono. No outro dia, Abigail, a governanta da casa de Fagundes, foi-me
chamar bem cedo. Disse que eu iria conhecer meu apartamento num dos
prédios de Fagundes.
Logo que arrumei meus pertences, desci. Coloquei as mochilas e o
violão ao canto da grande sala. Fui até a copa, onde encontrei a materna
governanta Abigail. Já estava servindo Sr. Fagundes, ao qual estava
comendo um pedaço de pão e fez-me sentar à cadeira apenas com um
gesto.
Sentei-me a mesa e tomei café comendo junto algumas bolachas
deliciosas as quais nunca havia provado. Alguns minutos depois, Renata
desceu e sentou-se alegre ao meu lado. Deu bom dia ao tio e pegou algumas
bolachas. Fagundes terminou de tomar seu desjejum e esperou-me terminar.
Sr. Fagundes tirou do bolso algumas notas e deu para Renata e disse que
era para comprar algumas coisas que achasse necessário. O valor daquelas
notas e a quantidade delas me deixaram um tanto constrangido. Logo
descemos, eu e o Sr. Fagundes.
Saímos da casa de Fagundes. Eu deixei aquele lugar luxuoso e
sabia que seria muito improvável que voltasse ali novamente,

A Realidade Interna 39
Loucura do Espelho
nostalgicamente olhei para trás e nunca mais voltei àquele local. Mesmo
assim, agradecia intimamente a bela e agradável noite que passei ali. No
caminho, fiquei a lembrar das coisas que aconteceram e vi a distância da
desigualdade a qual eu pertencia em relação à Renata. Descobri aí o
desinteresse em ser amigo dela, pensando que eu sendo pobre, nunca teria
assunto em comum com ela.
- Bom Coiote. – disse o Sr. Fagundes. – Vou lhe mostrar o seu
serviço em uma das minhas fábricas.
Fomos então para a Fábrica de tecido, na qual, logicamente,
produzia diversos tipos de tecidos. Senhor Fagundes mostrou-me o
funcionamento de toda a linha de produção como se fosse à coisa mais
maravilhosa do mundo, o que não achei a primeira vista e não pude
perceber isto no dia, quando ainda era um moleque, mas, agora, vendo tudo
novamente, pude ver que Senhor Fagundes tinha ao mesmo tempo amor e
profunda realização por tudo aquilo. Ao final, mostrou-me os diferentes
tipos de tecidos depois de prontos e ainda me fez ter uma aula de qualidade
de tecido. Era realmente a sua paixão, pois o quanto sabia me deixava
desnorteado. Explicou-me também que aquilo era enviado como matéria
prima para confecções de grifes famosas. O meu serviço, como me
mostrou, era anotar quantos metros de tecidos foram feitos pelas máquinas
e tomar os pontos, que eram as assinaturas dos funcionários. Havia então a
troca de turnos às seis da manhã e às seis da tarde. Neste meio tempo, eu
podia fazer o que quisesse.
Disse-me ainda que meu salário seria descontado durante três
meses, para que pagasse as coisas que estavam dentro de meu apartamento,
ao qual, não seria de graça, obviamente. Mas, teria o necessário em

A Realidade Interna 40
Loucura do Espelho
alimento para este período. Depois disso, o salário seria meu e o aluguel
seria descontado direto da folha de pagamento. Um tanto cômodo para
mim, claro.
Saímos da empresa e fomos para o prédio. Chegando, o porteiro foi
avisado que teria um novo locatário do apartamento e trabalharia na mesma
empresa que ele, de forma que mesmo em serviços completamente
diferentes, iríamos ser amigos de trabalho e funcionários da mesma
empresa. Subimos em seguida e paramos no sétimo andar. Andamos por
alguns metros saindo do elevador e chegamos ao apartamento que seria o
meu. Setenta e sete. Fagundes abriu a porta do apartamento e me fez entrar
primeiro. À minha frente havia um tapete ao chão, verde, que cobria quase
toda a extensão da sala. Ao lado do tapete, a um canto, um pequeno som
portátil que me serviria muito. Na cozinha havia a pia pequena, uma
geladeira pequena e um fogão. Havia duas cadeiras e uma mesa de bar
também, daquelas de metal, a qual já disse estar lá. No quarto, um colchão
ao chão sobre o carpete e alguns pregos na parede que serviriam de cabide.
- Não é muita coisa, mas pra você, que nem sabia onde iria dormir,
acho que já está de bom tamanho. – disse Fagundes com a mão à cintura e
um sorriso largo nos lábios.
- Não tenho como agradecer Sr. Fagundes. – falei emocionado. –
Nunca irei esquecer tudo o que está fazendo por mim.

- Agora se lembra como veio parar aqui? – perguntou meu outro eu


parando o filme de minha vida.
- Sim. Nunca poderia esquecer o que o Sr. Fagundes fez por mim
naquela ocasião. Nem ao menos me conhecia e abriu as portas para mim.

A Realidade Interna 41
Loucura do Espelho
- Por que será que ele fez isso por você, hein?
- É uma ótima pergunta que somente naquele dia eu me fiz. – falei.
- Nem pensou o que ela achou de você?
- Pensei. Mas, àquela hora em que Fagundes deu a Renata aquela
quantidade de dinheiro, suficiente para pagar a compra mensal de minha
família e ainda mais, para gastar com futilidades, eu logo percebi que ela
não seria para mim. – respondi.
- Estes são os opostos que deve prestar mais atenção. Nem tudo que
vemos pode ser levado tão seriamente. Ela estava acostumada com aquilo,
você não. As pessoas têm muito mais do que apenas uma aparência externa.
Todas as pessoas, embora às vezes pensássemos que não, têm seus valores
escondidos no fundo de sua alma. Até mesmo as pessoas que achamos que
não estão nem aí para a vida, têm seus momentos de tristeza, seus valores e
assim por diante. Somos seres humanos, assim sendo, somos frágeis. E o
que acontece com você, acontece com todos os que estão classificados
dentro desta categoria de “raça humana”. Claro que muitas pessoas
escondem seus verdadeiros sentimentos, pois acham que devem se mostrar
fortes, sempre. Mas, bem, não estou aqui para lhe falar de psicologia,
embora este assunto esteja inteiramente ligado com nosso interior.
Assim que terminou de dizer estas palavras, voltei ao normal e vi
que estava novamente em meu banheiro. Vi-me ainda ao espelho e meu
outro eu disse:
- Bem Coiote, já são quinze para as seis da tarde. Acho que precisa
ir cumprir o seu papel na Fábrica, não é?
- Sim, é verdade. – disse. – Quando eu voltar ainda estará por aí?
- Se você quiser que sim, estarei. – esmaeceu-se.

A Realidade Interna 42
Loucura do Espelho
Peguei meu maço de cigarros e desci do jeito que estava. Nunca
havia me preocupado com roupas. Passei pelo porteiro o cumprimentando
assim como fazia há anos e rumei para meu serviço, sempre pensando no
que estava acontecendo comigo. Tive a impressão de estar sendo seguido.
Talvez por mim mesmo. À beira da loucura. Andava pela rua soltando
fumaça e olhando para os lados com sensações difíceis de serem descritas.
Cheguei ao serviço na Fábrica. Já fazia um bom tempo em que eu
trabalhava ali e havia feito muitas amizades com os funcionários e sempre
me cumprimentavam alegremente. Fiz meu serviço normalmente enquanto
escurecia uma noite bonita, fria, de lua bem feita e em um céu límpido e
estrelado.
Acabei de fazer o que era de minha incumbência e saí da Fábrica.
Não queria voltar para o meu apartamento, de forma que fui andar um
pouco. Sentei-me no banco de uma praça no centro da cidade e comecei a
olhar tudo com outros olhos. A realidade estava um tanto estranha para
mim, estava com uma cor de ilusão, ou de sonho. Decidi voltar para casa
depois de algumas horas, uma lata de cerveja e um tanto de idéias
mirabolantes e sem nenhuma conexão.
Chegando a casa, peguei um dos meus cigarros prontos e ascendi
sentado ao meu colchão. Alguns minutos depois, me lembrei do espelho e
fui até ele, ao banheiro. Olhei novamente o espelho e meu reflexo aos
poucos fora se modificando.
- Você voltou meu caro! – disse meu outro eu.
- Tenho algumas perguntas a fazer. – falei incrédulo.
- Pois então! Vamos tentar achar as suas respostas! – disse ele
confiante.

A Realidade Interna 43
Loucura do Espelho
- Depois que saí do serviço, minha realidade estava um tanto
diferente, dispersa. Parecia que eu estava dentro de meus sonhos. O que
vem a ser isso?
- Nossa! Você já consegue diferenciar? – se surpreendeu e me
perguntou o outro eu.
- Como? Não entendo? Diferenciar o que?
- Realidades, ora! Bem, de qualquer forma, acho que você está indo
depressa demais.
- Depressa demais? O que significa isto? – perguntei já esquecendo
a antiga pergunta e ficando um pouco atônito visto ter mudado
completamente o assunto.
- Deixe-me ver como explicar esta questão. – disse ele olhando
para baixo e coçando a cabeça. - Temos realidades diferentes no mundo e
em nossas cabeças, digo, nossas mentes. As escolhas, novamente, são
responsáveis por essas realidades. De acordo com uma escolha pode-se ter
uma realidade, ou, uma mudança de realidade. Mas, voltando a sua
pergunta anterior, essa mudança de coloração realística, para uma coloração
onírica, mostra que sua mente está se modificando, pois, agora, está tendo
mudanças de opiniões. Não é todo dia que conversamos com nossos
reflexos ao espelho e com outra personalidade. Não é verdade? Por isso,
tudo tende a mudar dentro e fora de você.
- Então, hoje, como estou lhe vendo e conversando com você, toda
a minha realidade está mudando? – perguntei um tanto absorto.
- Sim! Em resumo, isto é o que está acontecendo. A nossa mente é
uma máquina superpoderosa e ainda não a conhecemos. Esta frase é o que

A Realidade Interna 44
Loucura do Espelho
dá a percepção de que podemos muitas coisas que nem mesmo ainda
conseguimos imaginar! Nossa mente é fantástica!
- Mas, eu achei estranho. Tudo estava diferente do que eu
costumava ver. Mesmo com a mente entorpecida pela bebida, tudo estava
colorido de uma forma diferente, como se já esperasse que as coisas fossem
assim.
- Você está mudando internamente. O que achava antes ser real se
tornará ilusão. E a ilusão tornará uma nova parte da sua realidade.
- Ei! Espera um minuto aí camarada! – falei olhando ao espelho. –
Agora você pirou? Está ficando louco e me deixando também! Como o que
é real pode virar ilusão, e, a ilusão pode virar uma nova parte da minha
realidade?
- Eis o nosso problema. Não seria irrealidade de sua mente
conversar consigo mesmo olhando ao espelho e ainda mais, se o seu
próprio reflexo tomasse outra personalidade?
- É. – pausa e fiquei a analisar o que ele disse. - Faz muito sentido
isto que me disse. – falei ainda pensando em sua explicação.
- Com isso chegamos ao ponto em que a realidade virou ilusão e a
ilusão virou realidade, pois isso está acontecendo com você neste exato
momento e não podemos negar que isto até parece insano. Não é verdade?
- Isto está ficando assustador demais para mim. – falei rindo.
- Assustador é ver onde sua mente é capaz de chegar! Esta primeira
visão de que a realidade que você achava ser verdadeira está modificando-
se, é prova de que sua mente é mais rápida do que achávamos que era! Está
nos surpreendendo! Enquanto muitos que fazem esta experiência de
conhecimento interno demoram de quinze a quarenta dias para entender

A Realidade Interna 45
Loucura do Espelho
que não era loucura e conseguir concentrar diante do espelho, você
demorou apenas algumas horas! E poucas horas na verdade.
- Espere um minuto? Isto o que está acontecendo comigo também
acontece com outras pessoas? – perguntei novamente sem ao menos
perceber que saíamos e voltamos várias vezes do assunto.
- Sim! A cada momento! Mas, cada mente anda de acordo com sua
capacidade de entender suas próprias realidades, ou melhor, suas realidades
internas. Cada um é um universo à parte. – respondeu ele. – Mas, agora,
voltemos ao nosso “filme”. Faltam ainda muitas coisas para serem vistas.

Como se eu fosse sugado, voltei a entrar no espelho e agora vi


novamente meu eu mais jovem, olhando o meu apartamento, ao qual estava
até o momento. Apertei a mão agradecendo o que estava fazendo. Fagundes
sorriu gentilmente e entregou-me as chaves.
- Espero você às seis da tarde, hein? – falou ele e entrou ao
elevador.
Entrei ao apartamento assim que fechou a porta. Minha vontade era
de gritar de pura felicidade, mas achei melhor não. Fiquei observando
encantado todo aquele apartamento que agora seria meu. Nem passou pela
minha mente que eu iria ficar um bom tempo sem receber um salário.
Havia muitas coisas no armário debaixo da pia, muito bem limpo e
arrumado. A geladeira, embora quase em miniatura, estava repleta de coisas
gostosas. O banheiro era pequeno, embora não apertado. Naquele
momento, era tudo o que eu precisava. Um espelho pequeno e um
armarinho. Atrás, pregado na porta, um espelho maior que permitia ver

A Realidade Interna 46
Loucura do Espelho
quase o corpo todo. O apartamento estava de acordo com que um garoto de
dezesseis anos gostaria de ter.
Os três meses se passaram e neste intervalo fiquei em casa.
Aproveitava para ficar fumando e escutando música. De vez em quando
pegava algum livro para ler, coisas como psicologia ou neuro-linguística,
coisas deste ramo. Quando terminou o período, no quarto mês, recebi meu
primeiro salário e voltei à rotina de sair. Tratei de encontrar meus amigos.
Fui encontrar com eles em uma praça, a qual sempre estavam. Muitos
começaram a me perguntar por que havia eu sumido daquele jeito.
Expliquei que estava trabalhando e que tive um tempo em meu apartamento
pensando em besteiras e viagens engraçadas.
- O que está rolando por aí? – perguntei com aquele jeito de
moleque de dezesseis anos, o que, vendo-se, causa certo espanto.
- Vai rolar uma festa daquelas que não podemos perder! Festa
Eletrônica na casa do Carlinhos! Você vai, não é Coiote? – Falou
Marquinho e toda a galera olhou para mim.
Havia mais ou menos umas dez pessoas, entre garotas e rapazes
alguns conversavam entre si, outros escutavam música no fone de ouvido e
outros ainda tocavam violão. Era uma turma legal, todos tinham seus
pensamentos insanos de vez em quando.
- É. Vou sim. Faz muito tempo que não saio por aí. Tenho que ir
nesta festa. Arejar a cabeça do cubículo em que moro.
- Legal! – retrucou Marquinho pegando em minha mão e fazendo
um estalo alto. – Vamos comprar algumas bebidas pra chapar a mente!
Era ainda muito cedo para a festa, de forma que fomos matar o
tempo, matando algumas garrafas de Vodka, como era de nosso costume

A Realidade Interna 47
Loucura do Espelho
beber. Ficamos fora de nossas percepções, alguns cigarros fizeram com que
nossas mentes despertassem para o que poderia ser a pura irrealidade.
Chegando à hora da festa, todos, inclusive eu, estávamos completamente
bêbados. Por várias vezes tentei acender um cigarro, mas sempre acendia
ao lado contrário, caia na risada em seguida e até mesmo esquecia que
queria fumar.
Chegamos à porta da festa e havia muitas pessoas ali. O som da
festa estava alto o suficiente para que da esquina pudesse ser ouvida as
batidas graves da música eletrônica, com isso fiquei um tanto alto. As
batidas do bumbo hipnotizavam-me, grave como elas, eu, longe de minhas
condições normais, dava cada passo em conformidade com a música.
Achava que escutando aquela música poderia eu voar, e, pelo que me
contaram depois, acho que consegui planar, pelo menos em pensamento.
Quando entrei na casa, vi que estava repleta de pessoas e minha
mente estava alucinada, talvez, longe do que poderia ser a realidade
daquele simples momento ‘festil’. Entrei junto com Marquinhos e no meio
da escuridão esfumaçada, com a ajuda sonora, fiquei perdido ao meio de
todos. A música mais uma vez forçou um colapso e fui envolvido num
transe. Parecia estar em um ritual indígena ao qual eu fazia parte e era o
prato principal. Queriam pegar-me e assar na chama de uma fogueira.
Fogueira essa, existente somente em minha mente. As pessoas olhavam-me
e as luzes especiais, colocadas para dar um efeito a mais às músicas
eletrônicas, fizeram com que minha viagem fosse quase real. Ao meio da
multidão tive um grande susto. Vi meu próprio rosto a alguns metros de
distância de mim, ao meio da multidão, completamente estático. Joguei-me

A Realidade Interna 48
Loucura do Espelho
ao chão com medo de ter-me visto. Neste momento Marquinho me achou
caído ao chão num canto da festa e me pôs de pé.
- Segura a onda Coiote! Nunca foi de pirar e vai começar a viajar
agora? Segura a onda Maluco!
- Cara? Você viu? – falei assustado.
- Vi o “que” cara? Está ficando louco? É melhor tu te controlar,
tem muita gente olhando para você!
Olhei para um lado e para outro. Tentei procurar-me novamente.
Olhei para Marquinho e este estava com cara de quem não estava gostando
da minha piração. Peguei meus cigarros e acendi um.
- Vou tomar um ar lá fora. – falei e sai.
Andando em volta das pessoas tentei achar caminho para sair.
Cheguei até o portão e algo me fez parar e olhar para trás e novamente me
vi. Estava agora mais nítido, pois havia luz e não era aquela escuridão de
dentro da casa onde rolava a festa. A casa, por si só, já era grande e na parte
de fora da casa, também era de uma proporção cinematográfica. A minha
visão de mim mesmo agora era totalmente fora da realidade. Senti o arrepio
entrar pelos pés e, num segundo, subir e descer mais de trinta vezes o meu
corpo até a cabeça. Em questão de segundo, olhei para o lado tentando ver
se alguém estava vendo o mesmo que eu. Em seguida, a visão de mim
mesmo desapareceu. Foi neste momento em que pensei que estava louco.
Não louco de bebida e drogas, mas louco, louco de ir para o sanatório.
Corri para casa e naquele dia não consegui dormir.
O “filme”, parou. Voltei ao meu banheiro.

A Realidade Interna 49
Loucura do Espelho
- Você foi longe demais naquele dia. – disse meu outro eu ao ver
que estava chocado com o que havia visto.
- Era você, não era? – perguntei espantado.
- Sim. Era. – disse calmamente.
- Por que quis assustar-me daquele jeito? – perguntei.
- Bom, foi neste dia que provamos que sua mente pode ir mais
longe do que a mente comum das outras pessoas. – disse em bom tom.
- Deu nó! Agora eu não entendi “patavina” nenhuma! – falei.
- Neste dia, sua mente saiu vagando pela ilusão. – dizia ele. - O
consumo exagerado de bebida alcoólica relacionada às drogas, fez com que
você chegasse muito longe, quase que num desligamento completo. Com
isso, você estava entrando numa realidade paralela. O seu corpo
entorpecido fez com que sua mente ficasse mais ágil, embora possa parecer
um tanto contraditório. Eu estava ali para lhe ajudar a voltar ao normal.
Nunca pensaríamos que você pudesse me enxergar. Mas, como já disse, sua
mente nos consegue surpreender.
- Então, existem diversas realidades paralelas? – perguntei tentando
entender sua explicação.
- Sim! Existem diversas realidades paralelas! As quais não
podemos simplesmente visitar e ficar por isso mesmo! Uma mente que faz
este tipo de transição, pode nunca mais voltar a sua realidade natural.
- E eu consegui visitar uma realidade paralela?
- Sim, conseguiu. Pra lhe ser sincero, agora você está visitando uma
realidade paralela. Mas, neste momento, você está pronto para entendê-la.
Não entraria “ao espelho” se sua mente não pudesse conceber.

A Realidade Interna 50
Loucura do Espelho
Fiz silencio por um minuto. As respostas de meu outro eu, estavam
começando a me perturbar de forma assustadora. Depois que vi toda aquela
cena novamente e agora por um novo ângulo de visão, pude perceber que
todo aquele local de nada me interessou. Eu realmente estava vendo tudo de
forma destorcida e não entendia nada que as pessoas falavam. Comecei a
lembrar agora fora da visão, que eu tinha um sério problema de me
“desligar” em algumas determinadas situações. Estar sempre mais distante
que o normal quando estava sobre o efeito das drogas e do álcool. Além da
dor de cabeça tremenda da ressaca, sempre havia um efeito moral também
no outro dia, o de nunca se lembrar destas coisas que aconteciam comigo e
outras pessoas vinham até mim para contar-me o que eu havia feito. Era um
tanto constrangedor.
- Mas, aconteceu muito mais do que viu naquela festa. – disse meu
outro eu interrompendo minha profunda reflexão e fazendo-me olhar ao
espelho novamente. – Você perdeu mais detalhes desta vez.
- Mais detalhes?
- Sim! Mais detalhes que construiriam uma opinião, foram
deixados para trás. E estes podiam mudar, talvez, a perspectiva do que faria
dali para frente.
- O que foi que deixei para trás?
- Olhe por você mesmo. Vou deixar-lhe andar pela sua lembrança.
Todo o caminho que fez, irá fazer novamente.

Entrei novamente ao espelho e o filme estava no mesmo ponto, e


caminhava como se fosse eu, mas, sem o efeito trágico das drogas e o
álcool, com a idade presente. São e lúcido. Logo na porta tive um susto. Ao

A Realidade Interna 51
Loucura do Espelho
lado de onde parei Renata, a sobrinha de Fagundes, meu ajudador, estava
parada no portão da festa. Tentava de todas as maneiras chamar minha
atenção e eu desapercebendo àquele detalhe. Renata vendo-me numa
situação deplorável, tresloucado, encharcado em banho de vodka, logo me
deixou em paz. Coisa que para mim nem fora percebido no dia em que tudo
aconteceu. Vendo isso agora, causou-me espanto.
Tudo parou e voltei ao meu banheiro.
- É. Nisso você tem razão! Deixei um muro inteiro para trás, não
foi só um tijolo! – falei.
- Você deixou uma vida passar, jogando fora o que poderia ser o
começo de um grande amor.
- Nunca imaginei que Renata fosse uma pessoa que gostasse de
festas deste tipo. – falei.
- Renata é mais interessante do que você possa imaginar! – disse
ele surpreendendo-me por ele saber de quem tratava e ainda saber detalhes
sobre sua vida. - Terá uma nova chance, se sair bem... Logo poderá
conhecê-la melhor, de uma forma que irá espantar-se com ela.
- Assim espero. Não posso dar uma de louco novamente. – disse
isso e ri envergonhado acendendo outro cigarro.
- Bem. Acho que hoje é só isso. Devo dizer-lhe que você nos
surpreende. Sua mente permanece intacta quanto à velocidade de
raciocínio, mesmo enquanto está se vendo ao espelho. É fato
impressionante. Acho que devo aprender outras coisas contigo. – disse meu
outro eu.
- Sempre temos que dizer que não sabemos de tudo. E é melhor
dizer que não se sabe, do que provar o que realmente sabe-se. – falei.

A Realidade Interna 52
Loucura do Espelho
- Belas palavras! – disse ele. – Agora, tente dormir, refrescar a
mente um pouco é necessário. Amanhã poderemos conversar um pouco
mais. Peço-lhe então para que descubra sozinho o que se esqueceu de
aprender e agarre em pensamento. Amanhã conversaremos.

Como se fosse uma televisão sendo desligada sobrou somente o


meu verdadeiro reflexo. Um rosto aparentemente cansado foi mostrado ao
reflexo e pude ver que aquela loucura realmente cansava-me muito, embora
pudesse ficar mais um bom tempo sobre esta viagem interna.
Deitei-me. Meu pensamento continuava freneticamente a pensar
em coisas mirabolantes. Pensava coisas do “arco da velha”, como dizia o
ditado popular. Quando fechava meus olhos ainda podia ver meu outro eu
falando comigo, dizendo que tinha de aprender o que havia esquecido ou
deixado para trás. Assim, difícil foi para conseguir descansar
merecidamente e conseguir fechar os olhos.

Mesmo ainda dormindo, meus sonhos ainda me diziam algo. Foi


neste ponto que percebi que mesmo em meu subconsciente podia
encontrar-me com meu outro eu.
- Olá Coiote! Não esperava ver-me aqui, não é? – disse ele.
- Bem, devo dizer que é surpreendente, mas, já li algo sobre sonhos
e sei que o quanto mais se pensar em determinado assunto logo na fase de
transição de estado acordado para estado sonolento, é possível que sonhe
este mesmo assunto. Estou certo? – perguntei sorrindo.
- Sim, isto é bem verdade. Não nessas palavras, mas é por aí. Acho
que por isso então você está mais preparado para ver tudo isto que está

A Realidade Interna 53
Loucura do Espelho
passando. Sua mente já está aberta o bastante para conseguir diferenciar
ilusão e realidade. Ou, diversas realidades.
- Mas, diga-me, o que quer? Se apareceu dentro de meu sonho,
acho que é para me ensinar alguma coisa, não é?
- Não necessariamente. Disse a você para que descansasse.
Somente passei por aqui para dizer-lhe, que pelo sonho, podemos também
encontrar respostas. Quando comandamos o que acontece nos nossos
sonhos, podemos entender porque determinadas coisas acontecem e
possivelmente acontecerão.
- Então, você está me dizendo que pelos meus sonhos, posso ver
meu passado, assim como me vejo ao espelho? – perguntei entusiasmado.
- Sim. Pode se enxergar ainda mais! – exclamou. – Pode-se usar de
outras formas e assim ver o que você poderia ter feito. O resultado de outra
ação pode ser obtido. E, com estas possibilidades, podemos ter a ação que
quisermos, bastando controlar o que queremos sonhar. É um tanto difícil ao
tentarmos de início, mas, depois, acostumamos com que podemos fazer.
Em outras religiões, e filosofias de vida, isto é chamado de “Cordão de
Prata”, desligamento do corpo e assim outras formas existem para explicar
isto.
- O que vem a ser isto? – perguntei.
- É isto o que está fazendo agora! – exclamou.
Pude perceber que neste instante, estávamos em algum lugar que
parecia um vazio, todo pintado de branco. Quando andávamos o eco do
barulho do salto do sapato era muito profundo, embora, não pisássemos em
nada concreto. A voz ecoava como se fosse uma concha acústica sem fim.

A Realidade Interna 54
Loucura do Espelho
- Eis a questão garoto. Estamos longe do que poderia ser a
realidade. Estamos num plano astral. – sua voz ecoava. - Somos seres que
vivemos em uma dimensão, real e concreta, assim é como todos pensam.
Mas, esta é uma realidade que poucos conseguem enxergar e entendê-la.
Passamos por ela todos os dias enquanto estamos querendo dormir e
quando vamos acordar na manhã seguinte. Isto é o que outras pessoas
dizem como um desligamento do corpo e o espírito e este plano espiritual,
vaga há uma dimensão superior ao da terceira dimensão a que vivemos. –
ficou um pouco em silêncio para que eu pudesse acompanhar seu
raciocínio. - Assim, preso o espírito ao corpo por um cordão espiritual da
tonalidade prata, é chamada por esse nome. Cordão de Prata ou viagem
astral. Você pode encontrar isto em vários livros sobre budismo,
espiritismo, ocultismo e por outros escritores que dizem saber o que se trata
a espiritualização.
- Isto é muito interessante. – comentei vagarosamente e observando
o local onde estávamos.
- Sim. Mas, mais interessante ainda é observar que há tempos,
você, é possuidor do dom desta viagem astral, como mencionei antes,
cordão de prata. Como disse também, são poucos que conseguem viajar
astralmente e quando conseguem muitos não se recordam do que fizeram,
falaram ou ouviram. Acordam, depois pensando que fora mais um de seus
sonhos comuns e que não dão valor algum a eles. – deu-se outro silêncio
para ele ver se eu estava o acompanhando. – Acredita que muitas pessoas,
milhões, sequer sabem controlar seus sonhos? Quisá se lembrar deles no
dia seguinte! Não imaginam que suas mentes, ligada ao espírito, poderiam
tê-los levados para outros lugares do universo em outra dimensão.

A Realidade Interna 55
Loucura do Espelho
- É muito para minha mente. – falei.
- Não! Isto é só o princípio! Começará a ver isto com mais
freqüência e verá que é tão simples como tomar um elevador para um andar
superior ou inferior, ou tomar uma escada rolante que lhe conduz ao andar
superior de um estabelecimento qualquer.
- Surpreendente! – falei parando para digerir o entendimento. –
Então, estou tendo agora uma viagem astral?
- Sim! Bem-vindo ao mundo do qual realmente viemos! – disse ele
se curvando como se fosse ele um súdito dando boas vindas ao rei.
A minha volta tudo continuava branco. Uma sensação de paz
interior, se posso dizer, que já estou interiormente em um todo e que me
livrei de meu corpo moribundo afetado pelas imperfeições e pelo cansaço.
- Agora Coiote, eu irei embora e o deixarei sozinho em seus
pensamentos. Observe o que pode controlar, este será um bom teste para
que consiga soltar todo o seu potencial mental e espiritual. O controle desta
viagem irá mostrar o quanto pode aprender. Rápido, ou, vagarosamente.
Mas, já está mais do que provado que seu potencial é de quem pode
aprender muito mais rápido do que podíamos e o que você pode imaginar.
- Mas, o que devo fazer nesta imensidão branca? – perguntei
inocentemente.
- Veja por si só o que pode fazer! Tente! – disse andando um pouco
mais para o fundo, se é que existe profundidade ali, e foi aos poucos
desaparecendo.

Vi-me sozinho naquela imensidão. A todo momento eu sentia que


poderia estar ficando realmente louco. Um arrepio de quem está ansioso e

A Realidade Interna 56
Loucura do Espelho
desesperado ao mesmo tempo somente deu ar de passar em mim e logo não
senti mais isso. A paz voltou e senti que estava em harmonia. Tudo o que
jamais pensei acontecer comigo, sim, estava acontecendo realmente. Todas
as matérias interessantes que havia lido a respeito de viagem astral, naquele
momento, não me ajudaram de nada. Eram todas praticamente obsoletas.
Comecei a pensar nas coisas que haviam acontecido até ali. Aquela
imensidão tornou-se parte da minha vida antiga e que eu já havia vivido e
observado ao espelho. Vi meu pai chorando e eu sem virar para olhá-lo e
indo embora. Depois, as cenas foram andando mais rápido e parou quando
as cenas começaram a me chamar a atenção. Era o dia da festa em que me
vi pela primeira vez. As cenas eram nítidas como se eu estivesse vendo ao
vivo. Até mesmo sentia o cheiro das bebidas e da fumaça dos cigarros que
as pessoas soltavam. Isto sim era uma das viagens mais estranhas e, ao
mesmo tempo, interessantes que já pude ter.

Acordei no outro dia em minha realidade, e fui para a Fábrica


trabalhar. Achei que poderia estar ficando louco e esta frase me
acompanhou por um bom tempo. A todo o momento eu me perguntava
mentalmente: “Eu estou ficando louco?”. Chegando ao meu serviço na hora
costumeira, pude ver um carro prateado, chegando quase ao mesmo tempo.
Encostei a bicicleta, que em alguns dias usava, e coloquei-a em seu lugar de
costume. O carro quase parou em cima de mim e quando olhei para gritar
com a pessoa que estava ao volante, tomei um susto ao ver que aquele rosto
sorridente era muito conhecido. Para meu espanto, era Renata. Estava

A Realidade Interna 57
Loucura do Espelho
totalmente diferente. Abriu a porta do seu carro e enquanto descia já gritava
pelo meu nome.
- Coiote! Bem que meu tio disse que você estava do mesmo jeito! E
vejo que disse a verdade! – Disse ela sorrindo e vindo até mim com os
braços aberto pedindo um abraço.
No tempo real, ou seja, no presente e fora do espelho, Renata e eu
havíamos ficado muito amigos, embora não nos víamos com tanta
freqüência, pois ela fazia faculdade em outra cidade. Somente nos
encontrávamos nas festas em que íamos, o que não era sempre também. Às
vezes eu estava muito distante de tanto beber e fumar, outras vezes ela
estava com algum acompanhante e assim os nossos encontros eram
basicamente “oi, tudo bem?”. Na verdade, sempre foram meros
desencontros.
Suas palavras me deixaram um pouco constrangido, por estar do
“mesmo jeito”, pensei que poderia estar estagnado no tempo, mas depois de
refletir nos pequenos segundos em que estivemos abraçados, vi que era
muito bom estar do mesmo jeito, pelo menos exteriormente, mas dentro,
havia acontecido e ainda estava acontecendo, uma revolução imensa.
- Nossa, Coiote! Você nunca me abraçou deste jeito. – houve um
silêncio. – Como você está? – perguntou olhando para mim de cima em
baixo.
- Como você mesma disse, estou do mesmo jeito. – falei abrindo os
braços e dando um giro em torno de mim mesmo como se estivesse vendo
como estava. – E você? Como está?
- Vou bem! Agora vou trabalhar com meu tio! Não é legal? – disse
sorridente.

A Realidade Interna 58
Loucura do Espelho
- Sério? Legal! Iremos nos ver sempre então?
- Pois é. O tio Fagundes pediu para que eu melhorasse o
rendimento da fábrica. Espero que eu consiga.
- Vai conseguir sim. Você é muito inteligente. E ainda mais, você
estudou para saber fazer isto, não é verdade? – falei convencendo-a.
- Obrigada! Você também é muito inteligente. Dá pra se notar em
seus olhos. Mas, agora eu preciso subir. Passe lá em cima no escritório
qualquer hora. Quem sabe me ajuda?
- Sim, passarei. – respondi.
Renata foi andando do estacionamento até a entrada do escritório.
Fiquei a observá-la e seu jeito de andar cativou-me. Antes, uma menina.
Agora, uma mulher. Era de uma doçura seu olhar e até em seu jeito de
andar. Ainda mais, vi que havia se tornado uma mulher magnífica. Seu
perfume ficou em meu corpo e meu rosto, e, chegando à porta virou-se,
acenou balançando a mão ao ar em sinal de despedida.
Aquela cena ficou gravada em minha mente enquanto trabalhava.
Meu trabalho era pouco, logo foi encerrado e enquanto eu estava ali parado,
conversando com os amigos da fábrica, senti alguém me observando lá de
cima, da janela do escritório superior. Era uma grande janela que começava
logo depois de um metro de cada lado das paredes laterais. Trinta por cento
da janela era de uma só sala, que, nesta ocasião, estava escura e fechada,
sendo a sala do Sr. Fagundes. Os setenta por cento de janela eram divididos
entre a sala de Renata e a dos outros funcionários que trabalhavam no
escritório da Fábrica. Vi então o rosto de Renata observando-me lá de cima.
Acenou e sorriu rapidamente e voltou ao seu serviço.

A Realidade Interna 59
Loucura do Espelho
Saí do trabalho e fui direto para meu apartamento. Enquanto
andava, meu pensamento estava onde Renata talvez estivesse. Este
reencontro me proporcionou lembranças e uma satisfação inimagináveis.
Quando escutei que teria outra chance com ela, através de meu outro eu, e
pedi realmente que acontecesse, não imaginei que seria tão rápido assim!
Entrando em meu apartamento, fui surpreendido pela voz de meu outro eu.
- Olá! – disse ele do banheiro enquanto passava e fui obrigado a dar
um passo para trás.
- Você? – falei vendo-o na “janela” que na verdade era o espelho. –
Ainda bem que está aí! Quero lhe perguntar.
- Então pergunte! – exclamou ele enquanto parava à porta do
banheiro.
- Se esquecemos de aprender o que tínhamos que aprender, o que
temos que fazer para ter este aprendizado, quando tomamos consciência de
que o esquecemos?
- Esta sim é uma ótima pergunta! – respondeu ele. – Mas, vejamos.
Quando vamos à escola, aprendemos a matéria que o professor nos explica,
certo?
- Sim, copiamos a matéria e temos a explicação. – dei de ombros.
- Pois bem, quando o aluno falta em alguma aula deste professor
ele perde a explicação resumida, que é mais fácil para que os alunos
entendam. Embora, o aluno possa copiar a matéria de algum colega seu,
posteriormente.
- Sim, mas perdeu a explicação. – falei mostrando que já havia
entendido.

A Realidade Interna 60
Loucura do Espelho
- Isso mesmo! Então, este aluno não irá ter a explicação correta de
forma que terá que aprender sozinho esta matéria. E é isso o que está
acontecendo contigo agora Coiote. Você perdeu a aula e agora terá que
aprender sozinho! – disse ele.
- Interessante. Bom, hoje eu encontrei com Renata. – falei.
- Sim, eu sei. – disse.
- Como assim você sabe?
- Existem muitas coisas que você ainda não sabe sobre mim. – disse
ele balançando o dedo em forma negativa.
- Então me explique! – questionei. – Gostaria de entender o que
está acontecendo comigo! Já é um tanto difícil estar sozinho e conversar
comigo mesmo, não acha?
- Tudo bem Coiote, vou lhe explicar. Sente-se.
Olhei ao banheiro e não vi nada em que pudesse sentar-me. Vi que
podia então abaixar a tampa do vaso sanitário e fechar a porta do banheiro e
ter o espelho maior para ver meu outro eu. Assim o fiz. Neste espelho pude
ver melhor meu outro eu, quase que corpo inteiro.
- Algumas pessoas sentem medo demasiado em ter uma loucura,
mas, mal sabem que todos vivem numa extrema loucura dia-a-dia. – disse
categoricamente. – Não de forma literal, mas se prestarmos a devida
atenção, este mundo se torna uma loucura generalizada. Pessoas correm
desesperadas atrás de dinheiro para comprar artefatos de luxo, outras
correm desesperadamente catando as sobras dos ricos, para somente se
alimentarem. Tudo isso é uma grande loucura. Tudo chega a ser uma
tremenda ilusão! Todos deveriam ser felizes e ter o que gostariam de ter.
As riquezas do mundo são praticamente infinitas, pois elas se renovam, ou

A Realidade Interna 61
Loucura do Espelho
assim era o que deveria acontecer. – disse perdendo um pouco a sua
verdade. – Mas, não é a grande maioria que tem esta capacidade de ver o
mundo desta maneira. Embora todos podem vê-la, muitos não querem
acreditar. Embora vejam, não o vivem. Com isso, a loucura que era para ser
normal, torna-se insanidade. E ainda existem pessoas que se desligam desta
forma de realidade e estão assim aptas a ver a verdadeira realidade. Muitos
ainda dizem: “Quero viver meus sonhos, pois, são as minhas verdades”.
- Está me confundindo. Está dizendo que a realidade é uma
loucura? – perguntei.
- Sim! Esta é a resposta! Isto é o que está acontecendo com você, é
apenas ilusão?
- Às vezes parece. Mas, às vezes parece uma forte realidade! –
falei.
- Por isso estou aqui. Para você, esta é sua realidade! O que para
outros é uma pura ilusão, para você é um pedaço da sua realidade!
- É algo de deixar cabelo em pé! – falei.
- Sim, é verdade. A sua realidade passou do ponto da loucura e
agora elas se misturam sem que você fique perturbado. Já se acostumou
com essas, digamos, “viagens”. E sabe lidar com elas com proeza, o que
seria difícil para outras pessoas.
- Já me acostumei com a loucura de minha mente? – perguntei a
mim mesmo.
- Isso é o que chamamos de “Linha da Loucura”.
- Linha da loucura? – espantei-me.
- Vou lhe explicar. Imagine que temos uma linha que nos separa a
realidade, da loucura ou ilusão. Nós estamos acostumados a separar estas

A Realidade Interna 62
Loucura do Espelho
duas “coisas”, de realidades. Digo realidade, pois, a loucura também é uma
realidade. Um tanto quanto exótica, posso dizer, mas, é uma realidade. Pois
bem, quando alguém nos diz que viu um “fantasma”, dizemos logo que isto
está fora da realidade, porém, da nossa realidade. Mas, nós não sabemos a
que ponto esta pessoa acha normal o que vê. – continuei olhando para ele,
incrível o que estava acontecendo e também a explicação. - Se estivermos
acostumados com coisas totalmente irreais, sabemos que nossa linha da
realidade está um pouco mais distante do que a maioria das pessoas, por
isso, muitos acreditam em fantasmas e outros não! A linha da loucura da
maioria está intacta, no mesmo lugar! Não crêem em coisas deste tipo. Mas,
você, por sempre fazer com que sua mente “viaje”, fez com que sua mente
levasse a linha da loucura para extremos jamais antes considerados! Você
pode acreditar que um fantasma pode conversar contigo! Se não, eu não
estaria aqui!
- Você então é um fantasma? – perguntei assustado.
- Não, mas não é normal alguém conversar com ele mesmo ao
espelho e este ainda com uma personalidade diferente da sua, não acha?
- Sim, é um tanto estranho, como eu mesmo já disse.
- Então! – continuou ele. - Esta linha da loucura, quanto mais
adiante estiver, mais a pessoa poderá ver coisas irreais e pensar que são
reais. Pois, na verdade, todas as coisas que são vistas, são reais, mas
algumas pessoas disseram, um dia, que tudo isso eram somente loucuras de
nossas mentes. Criação de nossa mente. A mente não é louca, é
incompreendida por ser grande demais. Ou seja, o que sua mente cria, se
torna real! – disse terminando de forma espetacular.

A Realidade Interna 63
Loucura do Espelho
- Então esta linha da loucura é que irá dizer quanto estou avançado
mentalmente? – perguntei.
- Bingo! Está aí a resposta! Mas, ainda temos outra linha que anda
junto com a linha da loucura. – disse ele me espantando mais uma vez. - É
a linha do Medo. Se a pessoa tem medo do que pode pensar, então a linha
da loucura fica completamente estagnada e com isso não obtêm nenhum
avanço mental. E o que difere o medo de um medo de segurança é o que
cada um acha possível ou não que aconteça. Bem, se você acha que eu
posso estar aqui a ensinar-te, então acho que você está muito longe com
suas linhas, tanto da loucura quanto a do medo.
- Agora eu tenho certeza de que estou realmente longe da realidade
de muitos. – falei.
- Sim, é uma mente quase que desligada da realidade. Você acha
tudo isso muito normal, embora às vezes confunda com o que é a sua
realidade, com a realidade dos outros. Este é o seu maior e único problema.
- Como assim? – perguntei.
- A sua realidade não é igual à de outras pessoas. Você é mais
interior, enquanto as pessoas são exteriores. Bem, você é mais mental,
enquanto as pessoas ao seu redor são materiais, terrenas, não espirituais
como você. Entendeu?
Acendi um cigarro. Mesmo sendo algo material para lhe causar
prazer. Fiquei olhando para o espelho enquanto soltava a fumaça e do outro
lado não vi o reflexo da fumaça. A minha imaginação era realmente muito
grande.

A Realidade Interna 64
Loucura do Espelho
- Então, é tudo muito simples? – perguntei. – Quanto mais eu levar
a linha do medo para longe, mais eu terei levado a linha da loucura para o
horizonte e tudo será possível?
- Sim, mas, deverá ter extremo cuidado! A linha do medo serve
para duas coisas. Para lhe mostrar onde está o seu início e seu fim. E para
que não caia na ilusão de uma mente, fazendo-o que nunca mais volte a
diferenciar as realidades. Em miúdos, ela serve de parapeito para que não
caia no abismo da irrealidade e ali fique preso.
- Então ter medo é bom? – indaguei.
- Sim! Logicamente é o instinto que mais nos protege! Sem sombra
de dúvidas! Assegura-lhe que não irá ficar vivendo em algo que não existe.
- Então, pelo jeito, temos várias, inúmeras realidades? – perguntei.
- Bingo! Não entendo como você pode ser assim tão capaz de pegar
as respostas no ar e com tanta facilidade! – pausa e soltei a fumaça ao ar
com um sorriso no canto dos lábios. – Existem diversas realidades. Eu
mesmo sou de uma realidade bem distante desta que você vive. Existem
ainda dimensões em que as pessoas são diferentes em estilo, personalidade,
e tantas outras diferenças. Existem realidades passadas e futuras. Existem
até mesmo realidades distintas dentro de nossas mentes. Mas, por enquanto,
você não precisa saber destas coisas, embora você possa entender
perfeitamente. Vamos voltar à questão da sua realidade. Você viu Renata, e
como ela estava? – disse ele como um maestro, mudando a vibração de
nossa conversa.
- Linda! Quase fiquei sem respirar quando a vi. – falei mostrando
felicidade.

A Realidade Interna 65
Loucura do Espelho
- Realmente ela ficou muito bonita! Tornou-se uma mulher de
beleza inconfundível. E o que você acha? – perguntou ele.
- Não sei. O que deveria achar? – falei sem sentido.
- Bem Coiote, você não encontrava com ela há muito tempo, não é?
- Sim, fazia um bom tempo. – falei olhando para o chão, tentando
imaginar a última vez que encontramos.
- Como te tratou?
- Sempre fora educadíssima, quase nobre. – falei lembrando.
- Pois é. E o seu olhar?
- Como assim o seu olhar? – perguntei.
- O olhar mostra o que sentimos Coiote. Você já deveria saber, ou,
se lembrar disto.
- Sim, eu sei! Mas, como iria saber, depois de tanto tempo sem a
encontrar? Talvez pudesse estar diferente em seu olhar. Quando
amadurecemos, isso muda muito. Então, temos que ter calma para entender
um olhar. – respondi.
- Isso mesmo Coiote. Você ainda consegue surpreender. Mas, e
agora? O que pensa em fazer?
- Não sei! O que deveria fazer?
- Isto eu não posso lhe responder. Cabe a você e somente você
achar o que deverá fazer. Mas, não se preocupe! Você terá que achar a
resposta antes e esta resposta lhe ajudará a entender tudo.
- Você às vezes atrapalha ao invés de ajudar-me. – falei.
- Nem tudo cai como chuva meu rapaz, nem brota do chão, nos é
dado pelo ar, ou desaparece com o fogo. Temos que aprender a achar.
Temos que aprender a cavar e finalmente, a criar.

A Realidade Interna 66
Loucura do Espelho
- Mas Coiote? – perguntei e me surpreendi por tê-lo chamado pelo
meu nome, achando assim um tanto estranho. – Se tivermos que voltar a
aprender o que esquecemos, isto prova que deveria acontecer de outro
modo, então, seria justo pensar que tudo o que aconteceu depois de um
primeiro esquecimento seria diferente! Não seria assim?
- Está certo Coiote. – disse ele respondendo e usando também o
meu nome. – Tudo ao nosso redor tende a mudar diante as nossas escolhas,
e isto é fato! Mas, depois que deixamos passar uma escolha significativa,
tudo tende a ser realmente diferente. Mas, não podemos imaginar qual será
o fim disto, pois tudo é feito como uma reação em cadeia. Não podemos
sequer imaginar quando foi à primeira escolha errada que fizemos. Não
temos registro disto, nem ao menos alguém em outra realidade pode nos
dizer. É algo totalmente diferente. Mágico.
- Então, as coisas poderiam sim, serem diferentes do que estão? –
perguntei.
- Lógico! Como eu disse, tudo tende a mudar diante de uma
escolha! Um bom exemplo disto é quando entramos num ônibus. Até
entrarmos dentro dele, estamos na realidade da plataforma de embarque,
certo?
- Sim, esta é a realidade do momento. – falei compreendendo onde
ele queria chegar.
- A partir do momento que o ônibus segue seu rumo, nossa
realidade é ver que estamos parados dentro do transporte e nos levando a
uma nova realidade. Esta nova realidade é uma nova cidade, um novo ar,
novos companheiros e assim por diante. Se escolhermos então pegar um
novo ônibus para outro destino qualquer, estaremos mudando novamente o

A Realidade Interna 67
Loucura do Espelho
que iria ser a nossa realidade! Física! – disse meu outro eu e em seguida
riu.
- Entendi! As escolhas são semelhantes a ônibus. Cada um nos leva
a diferentes lugares, ou a diferentes possibilidades.
- Sim, isso é a lógica mais banal que poderia ter-lhe dito e
compreendeu perfeitamente! – disse tentando banalizar as escolhas.
- Tudo é tão simples, mas, ao mesmo tempo é tudo tão cheio de
mistérios. Será isso o que dá a sensação de prazer em viver? – perguntei.
- Sim Coiote! São os pequenos detalhes que nos fazem sorrir ou
chorar. Mas, agora, tenho que ir embora novamente. Você já tem muito o
que pensar. Quando resolver estes pequenos problemas, eu voltarei, com
algumas novas lições surpreendentes. – disse ele.
- Surpreendentes? – falei. – Você quer me deixar maluco de
hospício! A linha da loucura nem existe mais!
- Não se preocupe amigo! – disse ele rindo descontraído. – Você
aguenta estas loucuras. Somente não se preocupe, pois, as respostas,
encontrarão lugar dentro desta sua mente fértil.
Logo que terminou suas palavras, desapareceu. Restou somente o
meu velho rosto novamente estampado ao espelho. Olhos vermelhos
mostravam a loucura do dia anterior. Com sono e bem cansado de tanto
pensar, resolvi dormir antes do almoço. Beirava-se às dez horas da manhã e
havia tempo de sobra para isso.

Depois de um belo sono reparador, sem a invasão de nenhum


pensamento, nem mesmo meu outro eu apareceu em algum sonho, levantei-
me e pus a descobrir onde estavam as panelas para que pudesse preparar o

A Realidade Interna 68
Loucura do Espelho
meu almoço. Liguei a pequena TV e fiquei escutando notícias do mundo
inteiro. Terremotos, furacões, secas, enchentes. Os alimentos ficando cada
vez mais caros e em proporções alarmantes. Fome tomando conta de países
pobres e regiões pobres dos países ricos, se tornando cada vez maiores. E
tudo isso que pode ser visto, é fruto de nossas próprias mãos terrenas.
Cheguei a pensar que o planeta estava uma bagunça, assim como a minha
cozinha, mas lógico, em proporções consideráveis. Até encontrar as panelas
e preparar o alimento demorou um pouco.
Logo consegui almoçar. À tarde, recostei-me e fiquei analisando o
que teria que aprender naquelas situações que havia visto.
Primeiro, as pequenas coisas que eu havia esquecido em aprender,
era, na verdade o maior de todos, sendo o de dar valor aos pequenos
detalhes. Quando saí da casa de meu pai, não olhei para trás e minha
decisão seria diferente hoje do que a de quando tudo aquilo ocorreu. Daí
seria, talvez, o início de tudo. Se houvesse parado e simplesmente olhado
para meu pai, descobriria que o amor tem faces diferentes. Quer dizer, o
amor, pode chegar ao desespero de se falar algo severo a fim de tentar
corrigir uma situação.
O amor é uma faca de milhões de gumes, não somente de dois,
pois, pode ser sincero, como pode ser possessivo e causar dor e morte. O
amor pode ser doentio, ou perder a razão, como aconteceu com meu pai.
Mas, fica uma pergunta em tudo isso. Será que teria que acontecer
daquele jeito? Ou será que as coisas seriam do mesmo jeito no futuro?
Enquanto acendia um cigarro e soltava a fumaça, o tempo passava
e eu, em meus devaneios longínquos, tentava entender o que é o amor.

A Realidade Interna 69
Loucura do Espelho
- Bem. – exclamei sozinho sentado ao meu tapete verde. – O amor
pode ser de várias maneiras. Pode chorar, pode rir, pode matar e pode
também criar. Ainda não sabemos qual amor é o verdadeiro. Existe o amor
de pai, de mãe, de irmãos, de amigos, de namorados e casados. Mas, a
questão é ainda maior. – parei e fiquei a pensar. – Amar é padecer. Amar é
crescer. Amar é destruir para criar. Sim! Destruir! Destruir para criar!
Destruir um jeito de ser para criar um novo, melhor. Isto foi o que
aconteceu. Destruiu meu estilo de vida naquele momento e vim parar onde
aqui estou hoje! Conheci o Sr. Fagundes e tantas outras pessoas, inclusive
Renata! Se eu virasse para trás eu teria visto as lágrimas de meu pai, mas
talvez não estivesse vivendo desta maneira que estou hoje! – pausa. –
Incrível! Eu descobri! O Amor é o princípio de tudo! O encontro com
Renata na porta da festa, também poderia ter sido o começo de algum amor.
Vendo como ela me olhava, talvez tivesse algum sentimento por mim. Ou
talvez pudesse ser mais fácil aparecer algum nobre sentimento.
Falando sozinho, eu descobri o que estava dentro de mim. Lembrei
o que deveria ter aprendido naquela época.

Assim, já eram três horas da tarde. Levantei-me, vi a bagunça que


estava a minha casa, mas, não estava certo de que iria arrumar. Fui ao
quarto e peguei um dos cigarros, acendi. A fumaça do primeiro trago ficou
vagarosamente deslizando ao ar enquanto eu a olhava, agora com outros
olhos. Perguntava-me, o que seria real. A fumaça seria algum véu que
esconderia algum outro significado? Vi que agora sim, estava pensando em
coisas irreais, assim, parei.

A Realidade Interna 70
Loucura do Espelho
Terminei de fumar e saí de casa para dar uma volta antes de ir
trabalhar. Fui sentar-me em uma praça para ver o movimento. Não
demorou muito e um de meus amigos chegou e sentou-se comigo. Falamos
algumas coisas sobre bandas de Rock e assim por diante, logo me disse:
- Pô Coiote! Tão dizendo aí que você está usando drogas pesadas
cara! Não cai nessa não! Depois você se deixa levar e não sai mais.
- Não é bem assim Fábio. O Marquinho que lhe disse, não é?
- É cara. Não dá pra esconder e ele, assim como eu e muitos outros,
estamos preocupados contigo.
- Não é verdade Fábio. – falei sério.
- Então por que ele iria inventar aquilo tudo o que aconteceu? –
perguntou ele sério também.
- Bem, aquilo que ele deve ter falado, que eu fiquei algum tempo
no banheiro, é verdade, realmente aconteceu.
- Então? – disse Fábio.
- Mas, não que eu esteja usando drogas pesadas! Longe disto!
Estou até pensando em parar de fumar maconha, pra falar a verdade. – falei
rindo e descontraindo um pouco.
- Sério? Então o que está acontecendo com você? – perguntou ele
agora interessado.
- Olha Fábio, eu não sei como explicar de uma forma que você não
me ache louco.
- Tente explicar, quem sabe eu entendo! – disse rindo.
- Bom, eu estou tendo uma viagem interna, conversando comigo
mesmo. Conhecendo-me. Sabe do que estou falando?

A Realidade Interna 71
Loucura do Espelho
- Ei! Isto é muito bom! Mas, parece que não está lhe fazendo bem.
Está com cara de quem não dorme, não come. Acho que você está querendo
nos enganar. – disse ele olhando para os lados, como se estivesse
procurando por alguém. - Coiote. – continuou agora olhando para mim. -
Pare com estas drogas pesadas e não comece a dizer que não está usando-
as. Você parece que nem se cuida mais. Se você precisar de ajuda, pode
contar com qualquer um dos seus amigos. Todos estão preocupados com
você. Bom, agora eu preciso ir. Qualquer coisa, se precisar de ajuda, conte
conosco. Até mais e se cuida meu velho! – disse ele levantando-se e indo
embora como se eu fosse um louco desvairado.
Fiquei ali sentado e comecei a rir sozinho. Ninguém acreditaria
mesmo que eu estou muito bem. Mas, minha aparência está um pouco
“quebrada” mesmo. Meus olhos estão cansados e minha barba malcuidada
mostra o quanto a preguiça me contaminou. Minhas roupas desbotadas
confundiam-se com meu cabelo azul, também desbotado. Ri sozinho ainda
mais. Meu interior, não condiz com minha imagem exterior. Algo teria que
mudar.
Fui trabalhar com um sorriso no rosto, embora também parecesse
desbotado. Cheguei as cinco para as seis. Renata estava descendo e me viu
entrar. Fez sinal que a esperasse. Parei e fiquei-a esperando.
- Olá Coiote!
- Oi Renata. – deu-se o estalo do beijo de cumprimento ao rosto.
- O que vai fazer hoje? – perguntou.
- Bem, depois do trabalho, acho que nada. Por quê? – respondi.
- Acho que vou ao boteco tomar alguns chopes com amigos, por
que não aparece? – disse ela.

A Realidade Interna 72
Loucura do Espelho
- Bem, quem sabe? Não é um convite ruim. – respondi coçando a
cabeça e pensando. - Tudo bem então. Qual é o barzinho? – terminei
concordando.
- Aquele que a gente costumava ir, lembra?
- Sim, lembro. – falei.
- Depois das nove por estaremos lá! Até mais! – disse ela e dirigiu-
se ao seu carro.
Um sentimento de impotência me bateu como num nocaute. Ela
estava num carro muito bonito e muito novo. Eu, hoje, estava como
sempre, a pé. A distância entre nós era tão grande, que pareceu nem mesmo
existir. Parei de pensar em besteiras e fui fazer o que me era incumbido. E
tudo correu como era para ser. Terminado o meu serviço, às seis e meia da
tarde, parei à cozinha da fábrica para tomar café e lá estavam alguns dos
empregados da empresa.
- E aí Coiote? Já se arrumou com a sobrinha do Sr. Fagundes?
Linda e Rica. – disse Cézar, um daqueles empregados que nos fazem rir o
tempo todo, sempre alto-astral.
- É cara! – disse. – Está muito longe de mim. Sou um mero
empregado e ela é a única sobrinha do patrão! E mais, tudo isso aqui será
dela um dia!
- Você está se subestimando! Nós já notamos como ela lhe olha.
Diferente de todos que ela põe os olhos. “Se liga” rapaz, está perdendo o
“caminhão da sorte”! – disse ele com alguns sorrisos dos outros
funcionários ali.
- Caminhão da Sorte? – perguntei agora me interessando pelo que
havia ouvido.

A Realidade Interna 73
Loucura do Espelho
- Sim! Por que não? – disse ele e ficou em silêncio como se
quisesse que eu pensasse no que havia dito. – Caminhão da Sorte! – disse
novamente agora chegando mais perto e falando sussurrado.
Começou a despedir-se de todos, o que os alimentou em seu desejo
de partirem para suas casas. Todos foram embora, e eu, fiquei sozinho
pensando naquilo que ele havia dito.

Os pensamentos se enrolaram naquele assunto. Agora tudo fazia


mais sentido. Poderia ser ainda mais diferente e vi que a todo o momento
temos as escolhas, em pequeninos detalhes. Se apenas não estivesse tão
louco quando encontrava Renata pelas festas em que íamos, tudo poderia
ser diferente, com sua ajuda eu poderia ter estudado mais, ao invés de só
completar o ensino médio. Sim! Ela era realmente o Caminhão da Sorte!
Saí da fábrica com um sorriso ao rosto e fui para casa, tomei um
banho e fiz a barba, logo escutei a voz do meu outro eu vindo do espelho.
- Vejo que está ficando muito bem. Para que tudo isso? – disse em
tom de brincadeira.
- Bem, vou encontrar-me com Renata. – falei sorrindo.
- Pois bem. Já sabe o que irá falar?
- Não pensei nisso! – disse enquanto enxugava o cabelo.
- Bom, deveria saber. Quando temos oportunidades não podemos
desperdiçá-las. Às vezes, nunca mais iremos ter uma nova oportunidade.
- Sim, mas, nem mesmo estou certo de que vou encontrá-la.
- Mas, por quê? – perguntou ele.
- Ela irá com os amigos da faculdade que vieram aqui. Acho que
não vou nem sentar perto dela. – falei displicentemente.

A Realidade Interna 74
Loucura do Espelho
- Você tem certeza? – perguntou ele.
- Não. Estou sentindo que vai ser assim. – falei.
- Interessante. – disse de dentro do banheiro.
- Bom. Estou pronto. O que acha?
Estava com uma calça azul escura, um pouco desbotada em seu
estilo, mas era nova e uma camisa preta. O cabelo azul estava bem
penteado, ou melhor, bem jogado, pois nunca penteava o cabelo.
- Está muito bem. – disse ele inclinando-se para frente para ver a
parte de baixo. Era um tanto estranho, parecia que ele queria sair do
espelho.
- Então, estou indo. – disse.
- Não Coiote! Espere. – assim parei à porta do banheiro. – O que se
esqueceu de aprender? Já entendeu?
- Sim! – sorri. - Eu precisava diferenciar as qualidades do amor. E
ainda mais, ver que tudo se origina do amor!
- Isso mesmo. Conseguiu resumir de uma forma correta e sucinta.
Está absolutamente certo! Tudo se origina do amor. – pausa. - Agora vá e
faça o melhor quando estiver pronto!
- Até mais. – despedi-me.

Desci o elevador e saí. A noite estava um tanto agradável aquele


dia. Fui andando até a praça em que costumava ficar. Vários amigos
estavam lá. Preparavam-se para ir até uma fábrica abandonada um pouco
afastada da cidade. Era muito antiga, diziam até que as instalações eram de
propriedade do Sr. Fagundes, que há muito havia abandonado por motivos
desconhecidos.

A Realidade Interna 75
Loucura do Espelho
- Ei! Coiote! – disse Marquinhos vindo até mim.
- Cara, como vai? Tenho que lhe pedir desculpas. – falei.
- Não cara! Precisa não! Relaxa! Vamos beber com a gente? –
apontou e mostrou a galera que estava esperando, entre eles estavam alguns
que eu já conhecia e mais uns quatro que nunca havia visto.
- Onde está indo? – perguntei.
- Na Fábrica abandonada.
- Bom, acho que vou com vocês!
Tomei a decisão certa naquele dia. Tinha certeza que não seria
interessante em ir até ao bar e ser somente mais um numa grande mesa
onde tantos assuntos seriam ditos e não tendo nenhuma chance de
conversar calmamente com Renata.
- Beleza! Aí galera! – gritou ele virando-se para os demais. – O
nosso velho amigo Coiote irá nos acompanhar nesta noite!
Alguns dos que eu já conhecia gritaram meu nome e vieram me
cumprimentar, aos outros, somente acenei para que me vissem e
conhecessem.
Pensei em Renata. Mas nada fiz. Imaginei que ela poderia ter
sentido que não iria aceitar o convite naquela noite.
Fizemos as vaquinhas, tão válidas para comprar os artefatos
etílicos. Depois que tudo já estava pronto, partimos para a antiga Fábrica.
Primeiro. passávamos por toda a extensão da cidade, cortando bairros e
depois entrávamos numa estradinha de terra. Andávamos cerca de meia
hora até chegar ao local. A única amiga de nossos passos ao escuro era a
lua, que nesta noite nos presenteou estando cheia e reluzente. As estrelas
completavam a noite com seus pingos também reluzentes.

A Realidade Interna 76
Loucura do Espelho
Chegamos lá e logo fizemos com que as regras se cumprissem.
Toda vez que alguém chegava com a galera pela primeira vez, era
incumbido de procurar lenha. Até as garotas que vinham pela primeira vez
faziam isto. A fogueira foi acesa e ficou um lugar claro para que
pudéssemos começar a beber. Logo as garrafas de vodka, vinho e
refrigerante foram aparecendo.
O ritual para quem frequentasse este local pela primeira vez era de
virar uma dose de vodka e dar um trago no cigarro enrolado. Claro, que não
eram “obrigados” a fazer isto, somente se quisesse fazer esta experiência.
Fui eu a pessoa mais velha que ficou com os garotos que estavam
ali pela primeira vez. Coloquei um copo de vodka para cada um. Acendi o
cigarro e puxei o quanto podia e segurei. Passei para o segundo e assim foi-
se passando. Quando chegou a mim novamente soltei a fumaça e os outros
fizeram o mesmo. Demos o gole no copo. Depois de algum tempo é que se
vê o resultado. Os “novatos”, ficaram completamente fora da realidade, um
ria sem parar, o outro não conseguia ficar de pé, só ficou sentado e o outro
dormiu. A garota, ainda conseguiu trocar algumas palavras comigo, mas,
logo entrou em uma viagem que me assustou.
- Você tem irmão gêmeo? – perguntou ela.
- Não! Por quê? – perguntei assustado.
- Acho que vi alguém parecido com você. Ai. Acho que vou
vomitar. – disse e se deitou ao chão.
Marquinhos que estava por ali e sempre a me observar, viu que os
novatos estavam se acostumando com o chão daquele lugar e decidiu vir
ate mim para conversar.
- E aí Coiote? Como está? – disse sentando-se perto de mim.

A Realidade Interna 77
Loucura do Espelho
Estávamos numa laje da construção. Atrás de nós via-se a fábrica
inteira destelhada. Como se estivéssemos no escritório que em sua
construção estava mais alta que a fábrica, porém, na altura do solo, a
fábrica por si estava um nível abaixo. Era uma construção legal, muito
interessante. Ali, naquele lugar, havia um pouco de telhado e havia algumas
poltronas surradas, que nós mesmos guardávamos debaixo de onde ainda
estava coberto para que não molhassem e assim ficássemos sem cadeira
para sentar.
- Bem Marquinhos. – respondi. – Muito bem!
- Pois é. As crianças caíram cedo hoje, hein? – disse rindo.
- Sim. Não aguentaram desta vez. – falei rindo e tomando mais um
gole de vodka.
- Mas, e você? Acho que precisa me contar muitas coisas não é
meu velho? – disse ele.
- Bom, não sei nem por onde começar. – pausa para acender um
cigarro e Marquinho também acendeu um dos dele. – Acho que estou
aprendendo algumas coisas comigo mesmo e acho que tenho que
amadurecer. Preciso crescer na vida, já estou ficando para trás. – fiquei em
silêncio olhando em direção contrária, às luzes da cidade. - Por isso, às
vezes, - falei calmamente. - estou tendo alguns momentos para que eu
possa ficar sozinho. Aquele dia lá em casa, eu não estava usando drogas
pesadas, estava somente me vendo ao espelho. Acho que é difícil explicar,
mas, é muito interessante. Estou amadurecendo Marquinhos. – falei sem
perceber.

A Realidade Interna 78
Loucura do Espelho
- Bom, então está explicado. Vou confiar em tua palavra. Acho que
você tem que amadurecer mesmo. – disse ele colocando a mão em meu
ombro. – Mas, e agora? Vamos fumar mais um?
- Demorou! – falei.
Acendemos mais um cigarro enrolado e continuamos a beber.
Depois de muito tempo decidi ir embora. Já era mais de meia-noite.
Despedi das pessoas que ficaram ali e fui embora. No meio do caminho, caí
e rolei um pouco na terra, estava pisando alto e por ser cheio de pedras
pequenas, devo ter escorregado em alguma. Cheguei em meu apartamento
sujo e bêbado.
- Meu Deus! – disse meu outro eu. – Você está bem? –perguntou
ele.
- Acho que estou bêbado. – falei um pouco arrastado e ri.
- Bem, então acho melhor você se deitar e dormir um bocado.
- É bem interessante isso que disse. – falei já caindo na cama.

No outro dia acordei cedo e fiz um café bem forte. Fiquei olhando a
bagunça em meu quarto, cozinha, banheiro e sala. Estava realmente dando
nojo de estar ali, vendo tudo daquela maneira. Decidi que quando chegasse
do serviço na parte da manhã iria arrumar tudo e deixar um pouco melhor
aquela casa. Mesmo estando com um pouco de ressaca, e, infelizmente
nestas horas, a preguiça acaba falando mais alto.
Fui então para o serviço. Fiz o que era de meu costume e obrigação
fazer. Olhei para cima, aos escritórios e lá estava Renata. O Sr. Fagundes
ainda não havia chegado de viagem. Subi as escadas e fui dar um “oi” a ela.
- Olá? Como vai Renata?

A Realidade Interna 79
Loucura do Espelho
- Oi Coiote! – disse ela estendendo a mão para cumprimentar-me.
- Bem, passei para desculpar-me por não ter ido ontem ao barzinho
com vocês.
- Tudo bem. Fiquei um pouco chateada, mas não teria sido muito
legal mesmo. Os meus amigos só ficaram falando de faculdade.
Relembrando histórias e isso vem acontecendo sempre que nos
encontramos. Eu não aguento mais isso!
- Então, podemos marcar para outro dia? – perguntei.
- Agora eu não sei quando Coiote. Está tudo muito complicado
aqui. – disse ela com cara triste e se sentindo pressionada com tantos
papéis.
- Acho que você agora precisa de mim, não é? – falei brincando.
- Sim! – disse ela com cara de piedade mostrando que eu estava
certo em meu pensamento. – Eu não conheço muito de tecido. Acho que
você sabe um pouco mais, não sabe?
- Bom. Eu trabalho aqui há alguns anos. Sei alguma coisa sobre
tecido. – falei. – O que precisa?
- Eu preciso achar novos compradores, pois queremos aumentar a
fábrica e precisamos de novos clientes! – disse ela atrapalhada com os
papéis em cima de sua mesa. – Acho que havia alguns telefones aqui.
- Renata! – falei fazendo-a parar de mexer em sua mesa e dar-me
atenção. – Você está vendo o que está precisando aqui?
- Bom, acho que se refere a uma boa arrumação, não é? – disse ela
sentindo-se envergonhada.

A Realidade Interna 80
Loucura do Espelho
- Isso mesmo, mas não somente em sua mesa. Hoje em dia é a era
da informática. Precisa informatizar os setores. – falei ainda em pé com as
mãos uma a cada poltrona de frente para Renata.
- Verdade Coiote! Acho que seria uma solução, antes mesmo de
aumentar a Fábrica! Como eu não pude ter uma idéia dessas? – disse ela
para si mesma. – Não lhe desmerecendo Coiote.
- Bem, mas é a pura verdade!
- Mas Coiote? Você sabe alguma coisa de informática? –
perguntou.
- Sim, sei um pouco. Fiz um curso básico quando tinha uns treze
anos, e daí para cá eu sempre arrumei alguns computadores de amigos
meus.
- Então está perfeito! – exclamou. – Vou falar com meu tio assim
que ele chegar para falar desta sua inovação para a Fábrica. Você quer que
eu fale com ele, não quer?
- Bom, isto foi muito rápido, nem sei por que saiu esta idéia. Mas,
acho que vai ser legal falar com o Sr. Fagundes. – falei meio
desconcertado.
- Pois é Coiote! Eu sempre disse e meu tio sempre concordava.
Você é um cara diferente e muito inteligente, mas, sempre canalizava sua
inteligência para coisas nem tão importantes assim. – falou ela olhando
dentro de meus olhos fazendo com que ficasse estagnado com tamanho
olhar.
- Bom, então acho que vou embora e depois você me conta o que
seu tio achou a respeito desta idéia. – falei esticando a mão para despedir de
Renata, cortando o papo sério que tinha saído.

A Realidade Interna 81
Loucura do Espelho
- Tudo bem Coiote. Agradeço pela idéia, acho que realmente eu
errei em não pensar nisso antes, mas, agradeço por pensar por mim!
Ela realmente ficou um tanto feliz em eu ter dado uma idéia
daquelas, realmente era uma forma de estruturar melhor a empresa que já
há muito tempo não havia tido melhorias. Saí dali não mais entendendo a
mim mesmo. Jamais havia parado para pensar em questões de escritório,
embora soubesse o funcionamento de um computador. Mas, como se fosse
num estalo, disse aquilo para Renata, e não mais, foi uma idéia das
melhores possíveis. Realmente, Renata, por ter estudado e acabado de se
formar em Administração de Empresas, deveria ter pensado nesta
possibilidade de querer melhorar a empresa primeiramente informatizando-
a. Mas, que sorte a minha de ter tido aquele ímpeto de Administrador, antes
dela.
Cheguei em meu apartamento e quando abri a porta tomei um
grande susto. Havia barulho de música tocando e pratos e panelas batendo-
se na pia da cozinha, atrás da parede. Fiquei atônito, estagnado à porta.
Meus pés não queriam entrar e ver o que estava acontecendo dentro de
minha cozinha. A torneira foi fechada e um prato fora colocado de bruços a
um canto da pia a qual podia eu ver um de seus cantos. O pano foi pego em
cima da mesa e somente o rosto apareceu. Era meu outro eu.
- Olá Coiote. Como foi no serviço? – disse ele com o resto de seu
corpo atrás da parede da cozinha.
- Eu, agora, pirei! – falei muito devagar vendo o sorriso de meu
outro eu.
- Não pirou não. – falou ele ainda sorrindo.

A Realidade Interna 82
Loucura do Espelho
- Como não? – falei entrando e fechando a porta atrás de mim ainda
com o olhar em meu outro eu.
- Bem, isto tudo é explicável.
- Então, por favor, explique! – falei indo até o aparelho de som e
desligando-o.
- Chegamos a mais um ponto de seu conhecimento interno. Você
agora passou muito seu limite da realidade. Você consegue agora ver duas
realidades ao mesmo tempo. A minha, e a sua.
- Nossa! Então agora posso ver a sua realidade e a minha própria? –
perguntei.
- Sim. É isso o que está acontecendo.
- O que será que posso fazer com minha mente? – perguntei
ligando novamente o som e tirando a camisa e indo até meu quarto para
pegar um cigarro enrolado.
- O que quer fazer? – perguntou meu outro eu.
- Ainda não sei em especial. Mas, talvez, “ser” alguém maior e
melhor. O que acha?
- Está somente em suas mãos! Ou melhor, em sua mente!
Capacidade para fazer coisas grandes, todos nós temos. Mas, para quem
tem uma mente especial, digamos, intelectual, não sendo bem esta palavra,
pode-se fazer qualquer coisa. Criação! Isso muitos não possuem. Muitos
sabem copiar e alguns até copiam mal. Mas, poucos sabem criar. E existem
dois tipos de cópia. Um é aquele que realmente copia a idéia que está dando
certo, e o outro é aquele que copia alguns traços e completa o restante com
algum tipo de ideia, mas, ideia essa, que também é copiada de outra pessoa.
Estes são chamados de quebra-cabeças, pegam os pedaços de várias

A Realidade Interna 83
Loucura do Espelho
pessoas e formam um todo. Mas os raros, como estava dizendo, são os que
criam tudo novo. Estes são os criadores de idéias, formadores de opiniões,
e, opiniões estas, que depois irão formar outras por meio dos copiadores.
- Interessante! – falei. – Mas, deixe-me perguntar-lhe. Você leu
meu pensamento de que eu iria arrumar a casa hoje?
- Bom. Isto é uma coisa que não precisa de telepatia para saber, não
é verdade? – perguntou ele rindo ao olhar em volta. - Todos têm limites e
vejo que o seu limite é o mesmo que o meu. Estava esta casa tão suja que
decidi eu mesmo limpá-la. Mas, agora quero que me ajude.
- Sim, é o que estou pensando em fazer. Vou arrumar meu quarto
enquanto você termina a cozinha, certo?
- Certo. – respondeu ele e ficamos em silêncio durante uns poucos
segundos. – Você viu a Renata? – perguntou depois.
- Sim. Hoje eu fui até o escritório falar com ela.
- E aí? O que aconteceu? – perguntou ele da cozinha em meio aos
barulhos de alguém lavando a louça, embora ele pudesse saber muito bem o
que aconteceu.
- Bom. Talvez você já saiba. – respondi.
- Sim, eu sei. Mas, quero ouvir de sua boca. Você se apega a alguns
tipos de detalhes, lembra? Eu me apego a outros tipos de detalhes. Cada um
enxerga o que quer ver.
- Verdade. O único fato que me chamou muito a atenção foi que eu
tive uma idéia estupenda de informatizar a fábrica. Mas, agora pensando,
será que ninguém pensou nisto antes? – perguntei-me.
- Isso não se pode saber nunca. Uma idéia somente ocorre quando
se tem conhecimento daquilo em que se está pensando, lembra-se? – disse

A Realidade Interna 84
Loucura do Espelho
ele. – Analisemos. O Sr. Fagundes é uma pessoa muito inteligente, mas,
somente com o conhecimento de tecidos, foi o que aprendeu e sabe muito
deste assunto. Renata tem conhecimento de informática e formou-se para
Administrar Empresas, faltava-lhe o conhecimento mais aprofundado sobre
tecidos e suas formas. Você, um cara que nem sequer continuou seus
estudos têm seus conhecimentos de informática e trabalha há muito tempo
numa fábrica de tecidos. Sua mente foi capaz de conciliar os dois
conhecimentos, pois você os tinha registrado em sua mente. Renata e Sr.
Fagundes, não tinham as duas peças fundamentais dentro de uma só mente.
Talvez, futuramente, Renata pudesse ter esta idéia, ou talvez Sr. Fagundes,
mas, no momento certo, o que seria daqui alguns meses.
- Isto faz sentido. – falei. – Mas, isto não tem nada a ver com o que
está acontecendo comigo, ou tem?
- Claro que tem! Tudo isso faz o maior sentido! Se você não
começasse a prestar atenção aos detalhes, você não teria concebido essa
grande ideia! Mas, ainda assim, você está percebendo os detalhes pelo
subconsciente. Ainda não está fazendo a captura dos detalhes pela sua
mente consciente. Quando fizer isto, tudo irá ter um sabor diferente. Sua
mente ainda está captando isto por reflexo, quando perceber que pode
controlar isto, qualquer conversa se tornará um jogo de detalhes que
decifrará em segundos e conseguirá perceber o que as pessoas querem de
você e o melhor, sem esforçar-se.
- Isso sim é mais interessante ainda! – falei empolgado.
Ficamos arrumando a casa durante algum tempo. Depois fiz
almoço e para meu maior delírio, vi meu outro eu comendo a comida que
eu mesmo fiz. Era muito estranho ver alguém como eu, mas com

A Realidade Interna 85
Loucura do Espelho
personalidade e trejeitos diferentes, pensamentos às vezes contraditórios,
como se fosse um irmão gêmeo, que não havia conhecido antes e sabendo
que havia saído do espelho! Quase ficava enjoado, com vertigem, nessa
situação.

À tarde falei com meu outro eu que gostaria de tirar um cochilo.


Assim, a casa estava arrumada e já havia lavado a louça do almoço. Eu e
meu outro eu havíamos conversado muito, agora, cara a cara. Desta vez não
me senti cansado tanto quanto as conversas ao espelho. Mas, deite-me e
dormi.
Para minha surpresa fui acordado pela campainha de meu
apartamento. Levantei-me sonolento e cambaleante, apertando os olhos
com a palma das mãos. Cheguei até a porta e o olho mágico deu-me a bela
visão de Renata. Achei completamente estranho e diferente. Renata estava
apertando a campainha de meu apartamento? Abri a porta.
- Oi Coiote! Como vai? Posso entrar? – disse ela sorridente.
- Oi Renata! Claro que pode! Só não tem cadeira, aqui nós nos
sentamos no tapete.
- Já ouvi falar deste tapete verde. – disse ela sentando-se sem
cerimônias e jogando a sua bolsa ao seu lado.
- Como assim? – perguntei.
- Deixa pra lá. – silêncio. – Você estava dormindo?
- Estava dando uma cochilada. Ultimamente meu sono está um
tanto diferente. – falei procurando o meu outro eu em minha casa e agora
ele não estava. – Mas, ao que devo uma visita assim?

A Realidade Interna 86
Loucura do Espelho
- Olha Coiote, eu liguei para o meu tio ele simplesmente adorou a
idéia. Disse que algumas pessoas já estavam falando isso para ele e já
pensava em contratar alguém pára fazer isso. Agora que falei disso com ele,
ele respondeu que nos quer, nós dois, para fazer esta reformulação na
Fábrica! – disse empolgando a cada palavra – Não é o máximo! – terminou
elevando a sua voz mostrando que realmente estava empolgada com tudo
aquilo.
- Sim, é até atordoante! Nem mesmo imaginava que isso fosse
possível! – falei ainda sonolento e olhando para o chão tentando entender o
que estava acontecendo. – E está acontecendo rápido! Rápido até demais!
- Ainda mais! Disse que nos mandará para um curso de Gestão
Empresarial e Marketing Informatizado para nós dois! Isso não é ótimo?
- Não consigo nem entender Renata! Acho que eu estou dormindo
ainda! – falei realmente sonolento, sentando e encostado à parede, com meu
jeito tipicamente desligado.
- Pois é! Eu também achei que isso era muito, até para mim, por
isso vim correndo te dar a notícia! Achei que ficaria assim! – disse ela
sorrindo.
Fiquei um tempo coçando a cabeça e olhando para ela que ria de
ver meu rosto assustado e ao mesmo tempo sonolento.
- Bom, acho que isso merece uma comemoração! – falei. – Acho
que você já sabe do que estou falando. – falei e fui até meu quarto e peguei
um cigarro enrolado.
- Disso, eu já sei há muito tempo. – falou ela.

A Realidade Interna 87
Loucura do Espelho
Acendi o cigarro e a fumaça tomou conta da sala. Enquanto
fumava, Renata olhava-me com olhos de segurança. Soltei a fumaça
algumas vezes daí me perguntou:
- Não vai me dar um trago?
- Você fuma? – perguntei paralisado.
- Sim, e já faz muito tempo. – respondeu chegando perto para pegar
o cigarro.
O tempo passou e ficamos ali, conversando sobre vários assuntos
sem sentido e rindo de palavras erradas que falávamos. O resto da tarde
transcorreu no meio de pensamentos insanos. Logo chegou à hora de ir
fazer meu serviço na Fábrica. Renata fez questão de levar-me e assim disse
que iria pegar algumas coisas no escritório. Estávamos quase que sem
condições de falar alguma coisa que fosse inteligível a alguém. Ríamos no
carro por qualquer besteira. Isso é raro, ainda mais para quem já esteja
acostumado a fumar. Somente quando se está num estado de sensações
prazerosas que acontece isso. Energia, simplesmente.
Chegamos à Fábrica. Por um momento, enquanto a esperava
trancar o carro, uma vontade súbita de pegar em sua mão passou pela
minha cabeça e quase senti que ela também o queria fazer isso. Um
estranho movimento em nossas mãos quase se deu. Mas, não.
Fui fazer o meu papel, Renata foi ao escritório, mas, muitos de
meus amigos de dentro da fábrica viram que chegamos juntos e começaram
a falar algumas coisas.
Terminado o meu compromisso fiquei conversando com o pessoal
na cozinha.

A Realidade Interna 88
Loucura do Espelho
- E aí Coiote? Agora a patroa virou patroa mesmo? – disse o cara
mais gozador da Fábrica.
- Qual é cara? – falei. – Somos amigos!
- Sim, são amigos, é assim que começam belas histórias. – disse
rindo. – Até mais Coiote!
Logo Renata chegou à cozinha e tomou um café comigo e com
mais alguns que ali ainda estavam. Neste momento, os que estavam ali, se
tornaram sérios como se estivessem à frente do ‘Papa’. Conversas sérias
foram trocadas e logo fomos embora.
Renata deixou-me em frente ao prédio de seu Tio. Disse que iria
ver algumas coisas que iriam nos possibilitar entender melhor como fazer
esta transição para a modernidade da Fábrica.

Novamente em meu apartamento, tive a presença de meu outro eu.


- O que está acontecendo comigo? – perguntei indo à cozinha com
a intenção de preparar um bom café.
- Eu já lhe expliquei. Você está passando por um simples
amadurecimento. – dizia ele. – Disso você já sabe!
- Mas, as coisas estão acontecendo muito rápido! E volto a
questionar isso! – falei indo até a cozinha para fazer um café.
- Por que acha que está muito rápido?
- Pelo simples fato de ser promovido sem querer, quer dizer, sem
ao menos esperar! – falei.
- Bom. Então, temos de voltar às explicações. – falou tomando a
minha atenção. - Todos os momentos existem detalhes que devemos
enxergá-los, mas se não os vemos, não podemos evoluir na vida. Isso é o

A Realidade Interna 89
Loucura do Espelho
que está acontecendo. Você está observando detalhes, como já lhe disse
antes. Poucos detalhes ainda, mas está começando a enxergá-los.
- Me desculpe Coiote. – falei. – Mas, eu já entendi esta explicação,
eu gostaria de saber coisas mais profundas, como por exemplo, por que
pareço estar mais concentrado?
- Então, tomemos o café que está fazendo e depois daremos uma
volta. – disse ele.
- Como assim? – perguntei assustado. – Você pode sair daqui
também?
- Sim! Depois que sua mente se livrou das dependências de sua
própria realidade, eu, por minha vez, posso desvencilhar-me das minhas.
- Estou realmente ficando louco. – falei batendo a mão à cabeça.

Fiz o café, tomamos e saímos. No momento que entramos no


elevador, nos deparamos com uma senhora do andar superior que estava
dentro dele. Fiquei abismado por ela não ter visto que existiam dois “eus”
ali dentro, e nos ter cumprimentado normalmente. Depois que descemos e
fomos vistos pelo zelador do prédio é que fiquei mais confuso. Ele
simplesmente olhou para mim e cumprimentou balançando a cabeça como
sempre fazia de dentro da guarita.
- Não entendo? – disse. – Eles não lhe vêem ou não reconhecem?
- Muito bem Coiote! As duas explicações que poderia dar para isto!
Algumas pessoas olham e não nos vêem. Quer dizer, vêem somente você.
Enquanto outras pessoas que consegue me enxergar, me vê com um rosto
um pouco diferente do seu, talvez pensando que somos apenas parentes.
Entende?

A Realidade Interna 90
Loucura do Espelho
- Então, você está dizendo que mesmo se alguém puder vê-lo, verá
que apenas se parece comigo? – perguntei.
- Sim! Se visse de forma real, que eu e você somos iguais, e as
pessoas das quais lhe conhecem, sabendo que você não tem irmão gêmeo,
poderia acarretar algum distúrbio mental nestas pessoas! – respondeu.
- Mas, então me responda, por que você consegue entrar em meu
mundo?
- Simples. – disse sério. - Você abriu a porta das dimensões,
qualquer um pode fazer isto, desde que, sua mente seja um tanto
privilegiada e faça com que a linha da loucura ande por muito tempo à sua
frente. Esta porta das dimensões está ligada à nossa mente. E sua mente a
abriu. E, se qualquer pessoa acreditar que ela exista, então, abre-se a porta.
Neste caso, muitas pessoas acreditam sem saber que acreditam, pois vêem
pessoas que já morreram em suas realidades, mas, em outra dimensão elas
ainda vivem e quando acontecem coisas deste tipo, dizem que viram algum
fantasma de uma pessoa falecida. É um tanto interessante.
- Nossa! Realmente! – ri da situação.
- Agora Coiote, preste atenção! – disse ele quando dobramos a
esquina e pegamos a rua principal. – Veja o que está diferente agora.
- Está escurecendo. Tudo está estranho. As cores parecem estar
desbotadas. – falei depois de observar.
- Sim! Isso mesmo! Agora, analise tudo ao seu redor. – falou ele.
Paralisei-me por uns segundos. Olhei ao outro lado da rua e vi que
havia “choques de realidade”. Um garoto passava do outro lado da rua com
roupas bem-comportadas e segurando livros, nos quais ao que eu vira,
estava estudando. Um pouco à frente, quase que se chocando um ao outro,

A Realidade Interna 91
Loucura do Espelho
o mesmo garoto com um bando de moleques andando juntos fazendo
arruaça. Mais à frente, um senhor estava deitado ao chão com algumas
garrafas de bebidas destiladas ao seu lado. Estava barbudo e mal vestido,
era um mendigo. Do outro lado da rua, do lado ao qual estávamos, o
mesmo senhor trajava vestes limpas de algum missionário de religião
desconhecida e eloquentemente pregava as palavras da bíblia, referindo-se
ao fim do mundo. Um fato ainda interessante me chamou a atenção. Uma
caixa de papelão estava jogada ao meio da rua, mas, estava somente a
metade caixa. Logo um carro passou e metade dele era marrom e a outra
metade era vermelha, a metade marrom estava completamente conservada e
a vermelha estava suja de lama.
Fiquei maravilhado em ver tantas diferenças. Nem sequer pensei
que as pessoas pudessem ser irmãos gêmeos. Aquilo, sem dúvida nenhuma,
era um choque entre as dimensões!
- Viu? – perguntou meu outro eu. – As diferenças de escolhas
fazem acontecer isto. Enquanto na sua realidade é de um jeito, na minha
realidade tudo está acontecendo de forma diferente.
- Então as nossas escolhas afetam também as outras personalidades
que existem em outras dimensões? – perguntei.
- Não necessariamente. Tem certos motivos que fazem existir
muitas mudanças, o que nos traz as grandes diferenças entre um e outro.
Por exemplo, agora, eu estou mudando totalmente a sua personalidade,
fazendo que você veja tais coisas. Estou fazendo com que comece a
entender as realidades e é obvio que você irá fazer coisas diferentes daqui
para frente, não é certo?

A Realidade Interna 92
Loucura do Espelho
- Sim é verdade. Então somente as pessoas que conseguem se “ver”
no espelho é que conseguem enxergar como estou vendo tudo agora?
- Não que seja somente no espelho. – respondeu ele. - O espelho é
somente um dos mecanismos que as pessoas escolhem, ou que acontecem
quando estão prontas. Existem milhares de mecanismos para se abrirem os
portões das dimensões. E as escolhas fazem novas conexões brotarem
diariamente.
- Mas, me responda mais uma pergunta. Estamos todas as
realidades, juntas no mesmo lugar ou espaço?
- Não Coiote. – disse ele rindo um pouco enquanto andávamos e eu
ainda olhava as maravilhas que estavam acontecendo diante de mim. – O
universo é de um tamanho impossível de se explicar ou de calcular. E
conforme cientistas de todas as dimensões descobriram, o universo é divido
em partes iguais formando assim um sistema de “dobra”. O que vem a ser
isso? É meramente simples. Temos quatro pontos cardeais, norte, sul, leste
e oeste. Assim temos estes pontos no universo, mas para todos os lados. O
universo não tem altura nem distância profundidade ou largura. Sendo
assim, se dobrarmos ao meio irá ter duas galáxias iguais no mesmo ponto,
em cada dobra, como se fosse uma batalha naval. Os pontos se unem. Se
dobrarmos em quatro, teremos quatro galáxias iguais no mesmo ponto e
mais quatro em outro ponto. Como se fosse também um espelho. E assim
por diante nesse mecanismo de dobra. – disse. – Mas, logicamente, não é só
isso. Não podemos entender ainda este grande mistério que é o universo. Se
formos analisar, elas estão sobrepostas, mas ao mesmo tempo não.

A Realidade Interna 93
Loucura do Espelho
- Nossa! – exclamei e parei assim que terminou de falar. – Então
podem existir muitas outras dimensões iguais à nossa! – exclamei olhando
agora para o chão.
- Iguais e diferentes! Assim como achamos ter vida em outros
planetas pode ser verdade! Pois se estamos aqui, eu e você, sendo
diferentes as nossas dimensões, talvez, ou melhor, provavelmente, em
outras dimensões não exatamente iguais às nossas, pode-se haver outros
tipos de vidas inteligentes. Evoluídas ou ainda em estágio primário de
evolução.
Fez-se silencio. Fiquei imaginando tudo o que havia dito. Agora
sim, tudo ficou perdido dentro de minha mente. Foi um tanto confuso
entender que eu tinha outro eu, bem diferente. Mas, ali havia complicado de
vez. Existiria uma imensidão de outros eus, aos quais eu nem sabia, nem
imaginava se eram bons ou maus.
- Parece estar um tanto confuso, não é? – perguntou ele.
- Sim! Está sendo um pouco agitada a digestão desta idéia. É, de
fato, muito interessante, mas quase irreal! – falei olhando parado ao chão
de cimento. – Agora tudo parece que não existe!
- Eis a questão! Na verdade, não existe! – disse ele. – Eu nem estou
aqui! – terminou rindo.
- Espere um pouco! Agora deu nó! Você existe ou não existe? Eu
estou aqui ou não estou? Eu estou pirando! Não é possível! – falei um
pouco mais alto e coloquei as mãos ao rosto. – E eu nem fumei nada nos
últimos minutos! – terminei.
- Calma! Calma! – disse ele rindo-se um pouco e colocando a mão
em meu ombro, coisa que mais me assustou do que me acalmou.

A Realidade Interna 94
Loucura do Espelho
- Eu não estou entendendo agora estas realidades! Elas são
realidades ou são ilusões? – perguntei um pouco mais calmo.
- Bem, existem diversos pontos para se observar. – disse com a
mão ao meu ombro e empurrando gentilmente para que caminhássemos
novamente. – Se estivermos em sua realidade, a minha seria ilusão,
correto?
- Sim. Correto. – respondi tentando respirar fundo.
- Se estivéssemos na minha realidade, a sua seria ilusão, correto?
- Sim. Correto. – respondi novamente não tendo outra opção.
- Mas, e se estivermos em outra realidade, que não é nem a minha
nem a sua, seríamos o que? – perguntou ele parando e fazendo-me para
também.
- Vejamos. – refleti por uns poucos segundos. – Eu e você seríamos
ilusão.
- Isto! Chegamos ao ponto chave. Estamos em nossa realidade, às
outras, são apenas ilusões! Por isso muitos não acreditam que viram um
disco voador, outros, acreditam piamente. Assim é que temos que viver,
sabendo que existem outras realidades e que somos apenas uma parte de
um grande universo ainda desconhecido, até pelos maiores cientistas de
todas as realidades. E cada um aqui, têm a sua realidade!
- Nossa! – exclamei baixo enrugando o rosto todo em forma de
preocupação e assombro diante à nova explicação. - Já não sei o que é e o
que não é uma realidade. – terminei.
- Bem, para lhe mostrar o que tenho para lhe mostrar, temos que ir
a algum lugar discreto e que seja fora do alcance da visão de qualquer um.
– disse ele. – Existe um lugar por aqui assim, não há?

A Realidade Interna 95
Loucura do Espelho
- Claro! Podemos ir até a fábrica abandonada. É um pouco afastada
e temos uma vista privilegiada de quem pode estar chegando. – falei.

Fomos andando vagarosamente e ele explicando-me um pouco


mais sobre estas realidades.
- Tudo está minuciosamente interligado. Desde nossos pequenos
pensamentos, que para muitos, não fazem o menor sentido, mas, acabam
virando a peça fundamental de algo em outra realidade. Talvez, aqui, para
você, não seja importante jogar um simples papel ao lixo, mas em outra
realidade, este simples papel, pode ser de interesse para que algo não
aconteça, ou, aconteça.
- Então se eu tossir aqui, na sua realidade alguém poderá ficar
resfriado? – perguntei tentando fazer uma brincadeira.
- Sim! É completamente possível! – exclamou ele para meu
espanto. – Acaso as realidades, estão nos mesmos pontos de referência, em
diferentes lugares do universo. Em sistema de dobra, como já havia dito,
estão sobrepostas, não é?
- Sim. – respondi.
- Então, se você tossir em uma esquina como esta que estamos
passando agora, e na outra realidade, que está sobreposta a esta, outro
alguém estiver passando também, isso é motivo para um contato entre
pontos de realidades. Mas, isto é muito complicado para se entender agora.
E pensando bem, nem mesmo podemos ficar conversando sobre tudo isso!
Não somos “tão” capazes ainda de entender o universo. Não conhecemos
nem mesmo a nossa mente, imagine discutir sobre o universo! – disse ele
terminando abruptamente a explicação.

A Realidade Interna 96
Loucura do Espelho
- Mas, por que não me explica? – perguntei.
- Daria um belo dicionário! – riu-se ele mostrando com a mão o
tamanho que um livro desses teria. - Primeiro teríamos que aprender física,
depois astronomia, depois coisas que a nossa mente infinita é capaz de
fazer, e, por último, entender como não se apegar a realidade, da qual
sabemos desde criança que é a nossa realidade, sem que ela seja realmente
o que dizem.
- Está certo. Eu odeio física, matemática, química. Estas matérias
são um tédio. – disse eu.
- Pois é meu rapaz. Estas matérias, ainda que não sejam matérias
desenvolvidas como já sei que são em outras realidades, são matérias que
formam as opiniões entre as verdades e mentiras de nossos mundos. Mas,
também são as culpadas de fazerem com que as pessoas esqueçam que
possuem uma mente ilimitada. Para alguns sentidos vivenciais, estas
matérias são importantes, mas, em outras determinadas áreas, não deveriam
ser chamadas de matérias de base. – respondeu ele secamente. - A mente
desconhece as regras, ignora como elas funcionam, simplesmente age sobre
elas, quer dizer, vivemos sobre as regras, sem as conhecê-las.
Neste momento já estávamos chegando perto da fábrica
abandonada. Estava no meio termo, do dia se encontrando com a noite, o
púrpuro do céu e o alaranjado mínimo que o sol havia deixado, coloria
fortemente o entardecer. Sentamos a entrada da fábrica onde ainda podia-se
ver o lindo entardecer. Alguns suspiros foram dados por nós por ver
tamanha beleza. Eu via aquele pôr-do-sol com outros olhos, a minha
realidade estava distorcida e via metade de um pôr-do-sol e metade de uma

A Realidade Interna 97
Loucura do Espelho
noite linda. Não sei o que meu outro eu via, mas pelo seu olhar congelado à
vista, era algo muito bonito, sem dúvida.
Peguei um dos meus cigarros prontos e acendi. Logo a fumaça
fazia seu efeito e o pôr-do-sol já estava indo embora. Decidimos pegar
lenha para que houvesse luz. Assim fui para um lado enquanto meu outro
eu ia ao outro. Foi uma cena que me chamou a atenção, embora meu outro
eu nem tivesse percebido que por um momento eu o observava. Parei, com
o cigarro enrolado ao canto da boca, com um pedaço de madeira à minha
mão. Olhei para o lado em que o outro eu estava a pegar seus pedaços de
madeira. Era um tanto engraçado, estranho e divertido. Via-me a agachar,
pegar gravetos, jogar ao monte ao lado e ir um pouco mais adiante para
descobrir mais redutos de lenha.
Encontramo-nos no lugar onde era propício se fazer uma fogueira.
Uma sala, como já havia descrito, onde se podia ver que fosse o escritório
da fábrica. A frente havia alguns degraus onde talvez fosse à entrada. Atrás,
era o galpão, onde realmente pudesse ter sido a grande parte da fábrica com
seus grandes maquinários.
Sentamos sem uma palavra a dizer. Acendi a fogueira e logo peguei
um cigarro de dentro de meu maço de cigarros. Sentei-me ao chão e vi que
meu outro eu estava sentado à poltrona olhando fixamente em um único
ponto. Fiquei curioso, mas não me meti a perguntar o que estava ele
pensando.
- O que acha de fumar? – perguntou ele.
- O que? – perguntei em resposta. – Do que está falando? Eu é que
fumo e você que fica doido?

A Realidade Interna 98
Loucura do Espelho
- Engraçado. – riu. – Mas, esta pergunta é séria. O que acha de
fumar?
- Nunca parei para pensar. – respondi, agora sim analisando o que
era a pergunta.
- Pare e pense então. Qual é sua opinião para fumar?
- Hum. Engraçado. Eu não tenho uma opinião formada do por que
fumar, talvez que seja legal, divertido, companheiro. – respondi olhando o
cigarro que jazia entre meus dedos soltando aquela fumaça que subia ao ar.
- Então. – disse ele inclinando-se de sua poltrona em minha
direção. – Por que está fumando agora?
- Não sei. Acho que porque sou um idiota? – respondi rindo um
pouco.
- Não. Esta não é a resposta, ainda, embora concorde que seja idiota
por estar fumando. – disse. – Quando começou a fumar?
- Aos treze.
- Muito Jovem! – exclamou. – Por quê?
- Acho que foi por motivos próprios. – respondi soltando a fumaça.
- Que motivos? Dê-me razões! Quero razões! – disse ele
empolgando-se.
- Deixe-me ver. Porque meus pais brigavam muito comigo e queria
fazer algo que os ferisse. – falei de súbito.
- Hum. Interessante. – disse ele recostando-se. – Você começou a
fumar por querer se vingar de seus pais. – silêncio. – Já se vingou?
Aquela pergunta que ele fez quebrou todas as correntes que me
aprisionavam com este vício do cigarro. Senti-me uma formiga segurando

A Realidade Interna 99
Loucura do Espelho
um galho a se queimar e pior, sabendo que iria virar cinza em poucos
minutos, mas que ainda jazia em minhas costas.
- Por que está sendo rude assim comigo? – perguntei numa
tentativa de me esquivar.
- Dizem que com os mais inteligentes, temos que fazê-los notar que
ainda agem como burros.
Aquilo me doeu mais ainda. Não sabia o que responder ou o que
gritar, nem mesmo sabia se achava graça naquela afirmação. Somente tive a
capacidade de por o cigarro à boca, puxar mais um trago e deliciosamente
soltar a fumaça, metade pela boca e metade pelo nariz.
- Bom. Esta realidade é a sua, mas digo, na minha realidade eu não
fumo, não bebo, nem mesmo uso drogas, e vejo que estou bem melhor, ou,
mil vezes melhor do que você está hoje. - Disse ele.
- Isto é que são escolhas! – respondi e fiquei surpreso com a reação
de meu outro eu em rir num tom bem alto e escandaloso, como era do meu
feitio fazer, quando dizia algo realmente engraçado.
- Você é mesmo que podemos chamar de mestre-aprendiz. Precisa
aprender muitas coisas, mas as poucas que já sabe, consegue usá-las para
ensinar outros. E muito do que sabe, você nem mesmo imagina que sabe!
Isto, sem dúvida, é muito engraçado! – terminou ele rindo sem parar.
- Não sei o que está falando, mas disse que iria mostrar-me coisas
interessantes a respeito de realidades, então, por que não as mostra agora? –
perguntei querendo sair desta conversa de deixar de fumar, beber e outras
coisas mais que não me interessavam em fazer.
- Está certo! Vamos ao que realmente nos interessa agora neste
momento. – silêncio, e ele respirou fundo. - Você viu e conseguiu entender

A Realidade Interna 100


Loucura do Espelho
o que são as diferentes realidades e como elas conseguem estarem no
mesmo lugar, ou melhor, no mesmo ponto, mesmo estando bilhões de
quilômetros luz uma da outra, não é?
- Sim, disto eu me recordo de sua explicação. – respondi sentando-
me com as pernas cruzadas ao chão.
- Você viu também, que as pessoas que tiveram suas diferentes
escolhas, de um lado pareciam de uma forma e depois se via a sua outra
forma. Mas, você reparou nas outras pessoas que estavam sem nenhuma
outra forma?
- Realmente eu não vi pessoas que não tivessem duas iguais. – falei
relembrando.
- Pois bem. Estas pessoas diferiram muito das escolhas de seus
“outros eus”. Foram mais longe em suas escolhas, em suas opiniões.
- Mas, o que elas fizeram, morreram?
- Pode ser que sim, pode ser que não.
- Ah! Eu odeio respostas assim! Nunca se sabe se sim ou se não!
Pode me responder com firmeza? – Falei um pouco exaltado com a
resposta.
- Calma. – disse ele. – Às vezes precisamos de respostas assim,
para perguntas que não foram formuladas corretamente. Se você
perguntasse de outra forma, a resposta seria de outra forma. Se me
perguntasse: “Algumas pessoas morreram?”, eu talvez respondesse que,
“sim”. Mas, outras foram morar em outra cidade, em outro estado ou ainda
em outro país! – disse ele calmamente mostrando-me a virtude da calma e
paciência.

A Realidade Interna 101


Loucura do Espelho
- Então, isto mostra o poder de escolhas e o poder de executá-las! –
falei impensadamente e com vergonha de ter falado daquela maneira antes.
- Ah! Você já conseguiu decifrar a diferença! – disse ele
esperançoso e com um belo sorriso ao rosto como pude ver ao levantar
meus olhos e deixando-me encabulado. – Mas, veja Coiote! – continuou. –
Se eu dissesse que o poder de sua escolha, hoje, pudesse fazer aquela
árvore, que está bem ali atrás de você, pudesse vir parar a poucos metros de
você, acharia isso possível dentro do que você conhece e acredita?
- Sim, eu acharia. – respondi convicto depois de olhar a distância
em que se encontrava a árvore.
- Mas, se eu dissesse a você que em minha realidade esta árvore
fica a poucos metros atrás de você, acreditaria?
- Bem, não sei se acreditaria, mas hoje vejo que quase nada é
impossível! – exclamei. – Vi você sair do espelho e ajudar-me a arrumar
minha casa!
- Bela resposta! Hoje você está pronto para ver maravilhas, pois já
me viu sair do espelho. Então olhe para trás e veja que a árvore não está
mais no mesmo lugar. – disse ele.
Quando me virei, vi que a árvore que estava há uns dez metros de
distância de mim, agora, estava a menos de três metros. Arrepios
inexplicáveis que nunca havia sentido grudaram em mim. Até mesmo
fiquei zonzo com o choque na realidade que havia acontecido. Daquela
forma, eu nunca vira! Uma árvore se movimentar às suas costas sem que
pudesse ver! Pense, é impossível! Pensei que ela pudesse ter se arrancado
do chão e dado passos largos enquanto eu e ele conversávamos, mas,

A Realidade Interna 102


Loucura do Espelho
mesmo para a minha realidade, um tanto já afastado da linha da loucura,
isso seria profundamente insano.
- Mas, mas... O que é que está acontecendo comigo? – disse
virando-me e não o encontrando.
- Com você? Nada! – disse a voz sem lugar de onde pudesse sair. –
Com sua realidade, tudo!
- Você está aonde? – perguntei levantando-me.
- De volta ao meu esconderijo. – disse ele. – Seus amigos estão
chegando. Olhe e verá que estão perto. Teríamos que explicar muito se
fôssemos vistos juntos, mesmo que não vissem quem eu era de verdade.
Então, estou eu dentro de sua mente novamente. – disse ele.
- Espera um pouco! – parei de súbito. – Você pode se esconder
dentro de minha mente?
- Isso eu explicarei outra hora, e um pouco mais a frente no seu
aprendizado. Agora, tente relaxar e mostrar para eles que está de bem com
a vida. – disse a voz em minha mente.
- Ah, mas isso não vai dar certo, você me mostra uma árvore que
anda e depois se esconde dentro de minha mente e fala para ficar tranqüilo?
Ah, isso não tem jeito não! – falei.
- Shi!... Silêncio. – terminou ele.

Fiquei ali parado esperando encontrar as respostas, sozinho. Ao


longe, meus amigos estavam chegando, mas bem devagar, com sacolas nas
mãos e tocando violão. Logo estavam já comigo na fábrica.
- E aí Coiote? – perguntou Marquinho.
- Fala meu Irmão! Tudo beleza? – respondi perguntando.

A Realidade Interna 103


Loucura do Espelho
- Tudo sossegado. A galera está aí de novo. – disse.
- Pois é. Eu também achei que deveria ficar no sossego hoje
também.
- É isso aí meu velho. Vamos curtir um pouco né?
- É pra isso que estamos aqui! – falei.
Logo a turma foi sentando-se ao chão, nada do que não era costume
de se fazer. Violão tocando, fazendo um fundo quase que romântico, não
com todo o poder da palavra, porém o som dos violões criava uma
harmonia entre todos que escutavam as músicas que nós mesmos
tocávamos. As pessoas que ali estavam, eram, na maioria, os grandes
amigos que tinha desde a época em que saí de casa. Desse jeito era até legal
vermos o pessoal todo reunido, mas, ali, naquele momento, seria a última
vez que tudo estaria assim.
Levantei-me depois de uns goles de vinho e algumas músicas
tocadas. Já era noite. Agradeci a todos que, sem nenhuma reclamação
deixaram-me ir. Desci sozinho. A estrada já estava escura e desta vez não
caí. Logo a voz em minha mente começou a falar.
- O que viu hoje com seus amigos? – disse meu outro eu.
- Bem, não sei direito. – respondi com uma pausa. – Acho que um
sentimento de nostalgia.
- Isso mesmo. Nostalgia. Mas, o que significa esta palavra? –
perguntou surpreendendo-me.
- Talvez, algo que fora um dia muito legal e que agora parece não o
ter o mesmo significado, ou o mesmo sentido. – pensei um pouco. – Isto é
triste.

A Realidade Interna 104


Loucura do Espelho
- Está vendo que as coisas mudam? Tudo muda! Antigamente, isto
era o que vocês mais gostavam, mas hoje, tudo está um tanto diferente.
Vocês envelheceram.
- Será que sempre vai ser assim? – perguntei.
- Assim? Não entendo! – disse a voz em minha mente.
- Os anos vão passando e ficamos cansados de levar uma vida
leviana? – falei.
- Ah sim! Com certeza! Todos nós ficamos esperando coisas
melhores para que possamos crescer.
- É verdade. Nunca havia pensado nisso, mas acho que tem razão. –
falei.
Continuei minha caminhada vagarosa para minha casa. Chegando
ao meu apartamento fui direto para cama e dormi um bocado. À noite tive
um sonho muito interessante. Chegava à mesa do Sr. Fagundes e sentava à
sua frente todo sorridente.
- O que quer Coiote? – perguntou ele olhando para mim como se já
soubesse o que eu iria dizer.
- Sr. Fagundes, acho que já estou trabalhando há muito tempo aqui
na sua empresa e agora eu quero crescer. Quero participar mais e acho que
tenho capacidade para isso. – falei.
- Isso mesmo Coiote! – respondeu ele colocando os óculos em cima
da mesa e dando uma alargada a mais em seu sorriso. – Você acha e eu,
bem, tenho certeza! Desde que lhe conheci, achei que fosse a pessoa ideal
para crescer na empresa. Mas, não achei que demorasse tanto para
amadurecer. Passou uns bons anos não acha?

A Realidade Interna 105


Loucura do Espelho
- Isso é verdade. Nem mesmo achei que isso fosse possível. –
respondi.
- Só é impossível o que ainda realmente não queremos! – disse ele.

Acordei de súbito. A campainha tocava. Quem será, perguntei-me.


Fui até a porta e a abri sem ver antes quem era.
- Desculpe Coiote, lhe acordei? – perguntou a voz doce de Renata.
- Sim, mas não tem problema. – falei. – Vou lavar o rosto, já volto,
fique à vontade.
Renata entrou já perguntando se havia café, disse que não havia
feito, mas já iria fazer, tomou então a minha frente e foi fazer o café.
Depois de lavar o rosto fui para a cozinha onde ela preparava o café.
- Então, o que anda fazendo? – perguntei meio sem saber o que
dizer.
- Vim lhe ver. Estava sozinha e não tinha ninguém para ir almoçar
comigo, daí pensei em vir lhe chamar, o que acha?
- Que horas são?
- Quase meio-dia. – disse ela olhando para o relógio e eu ainda com
cara de sono.
- Bom, acho que estou com fome. – disse.
- Então vamos? – perguntou.

Descemos o elevador e eu ainda parecia estar com dor de cabeça do


pouco que havia bebido na noite anterior. Renata olhava para mim e dizia
que um dia eu teria que amenizar as doses, se não, correria um sério risco
de me tornar um alcoólatra. Pegamos seu carro e fomos dar uma volta e

A Realidade Interna 106


Loucura do Espelho
achar algum restaurante. Renata disse que conhecia um ótimo restaurante a
beira de estrada e assim fomos para lá.
Realmente era um belo restaurante a beira de estrada e beira de um
belo lago. Altas palmeiras, chalés e alguns hóspedes que usavam a piscina,
deixavam o restaurante-pousada com um toque mágico. O grande lago à
frente mostrava o quanto era volumosa as águas daquela região. Jet-skis e
lanchas passavam sempre ao longe, algumas até paravam no pequeno cais,
muito bem feito por sinal, perto do restaurante para que os navegantes do
lago pudessem parar com conforto e deliciar-se com o almoço da terra.
Reinava um clima familiar e um tanto harmonioso. Romântico, eu diria. A
vista, simplesmente magnífica, e o atendimento juntamente com a comida
preparada no fogão à lenha, da roça, bem caseira, era um espetáculo digno
de qualquer “gourmet” de cidade grande. Neste clima, ficamos ali,
sentados, depois de uma bela refeição, conversando sobre muitas coisas,
nos divertindo muito com as piadas que nós mesmos soltávamos e ainda
olhando aquele grande cenário digno de um grande pintor.
Estávamos agora no píer em frente ao restaurante, onde cadeiras de
praia nos fizeram ficar recostados, quase deitados, debaixo de um guarda-
sol.
- Coiote? – disse ela depois de um momento de silêncio.
- Diga.
- O que acha que somos? – disse fazendo com que eu não
entendesse. – Não sei ao certo, mas acho que éramos para sermos algo
mais, não acha? – disse ela virando para o meu lado.
- Não sei Renata. Acho que talvez, naquela época, éramos um
pouco infantis.

A Realidade Interna 107


Loucura do Espelho
- Infantis? – perguntou sem entender.
- Sim! Eu de ter ficado em minhas loucas viagens e você por não
falar um oi para mim. Quem sabe eu acordaria de tudo vendo o seu belo
rosto. – respondi.
- É, acho que sim. – disse e se calou.
- Por que faz esta pergunta?
- Acho que eu gostava de você. – falou secamente.
- Sério? – perguntei espantado. – Então, quer dizer que não gosta
mais?
- Não, seu bobo, é claro que gosto. – silêncio e risos dos dois lados.
– Mas, eu falo que gostava de você de outro modo.
- Que modo? – falei.
- Não se faça de desentendido! – disse ela. – Acho que ainda gosto
de você, de uma maneira mais romântica. – disse sem olhar para mim e
olhando à frente vendo aquele lindo cenário.
- Bom, acho que perdemos a chance de quando éramos mais novos.
Mas, talvez agora, seja o momento certo, não acha? Estamos mais maduros.
Crescemos com nossas vidas.
- Isso é verdade. Mas, o que deu errado? – insistiu ela.
- Eu é que não percebi, com tanta droga em minha mente. Não
enxerguei o que estava a um palmo à minha frente. – disse olhando para
frente e Renata olhando para mim.
- Podemos começar. – disse ela.
Olhei para ela e aquele olhar juntamente com seu sorriso,
confabulando, me deixou constrangido de tanta beleza. Seus lábios eram
um convite para um beijo eterno. Assim, estávamos um pouco distantes, e

A Realidade Interna 108


Loucura do Espelho
suavemente, tanto eu como ela, fomos vencendo a distância e nos beijamos
suavemente.
Um estrondo de felicidade irrompeu dentro de mim. Estava
esperando por aquilo desde que a vi descendo do ônibus que havia chegado.
Os pés levantaram-se, as pernas sumiram, o estômago estava enrolado e os
batimentos cardíacos nunca estiveram tão acelerados. Minha cabeça doeu e
girou. Minhas mãos procuraram seu corpo e eu nunca mais queria sair dali,
daquele momento. As mãos de Renata eram macias e acariciavam meu
rosto enquanto nos beijávamos. Como se a sensação de estar ao paraíso
cessasse, estávamos um olhando para o outro, como se nos amássemos
desde a infância, desde a eternidade antes do nascimento.
- Vamos para casa? – disse Renata.

Levantamos dali e voltamos para a cidade. Fomos para meu


apartamento e lá chegando, peguei um dos meus cigarros prontos e
acendemos. Ficamos em silêncio deitados ao tapete verde nos acariciando e
falando baixinho no ouvido um do outro.
A campainha toca. Levanto-me e Renata também ajeita seu cabelo
e sua roupa, sentando-se mesmo ao chão. Chego até o olho mágico e este
me mostra que Marquinho está à porta.
- E aí Coiote?
- Fala Marquinho! Tudo beleza? Entra aí cara. – falei.
- Opa, vejo que está com visitas hoje! – disse Marquinho.
- É. Esta é, meio que, minha chefe! – falei. – Renata, este é
Marquinho, Marquinho esta é Renata.
- Muito prazer Marquinho! – falou Renata.

A Realidade Interna 109


Loucura do Espelho
- O prazer é meu Renata! Bom, já que está assim, eu vou chegando
nessa, depois a gente se fala. – disse Marquinho.
- Não pêra aê! – falei. – Vamos fumar um cigarrinho. – disse e ele
ficou com cara de assustado. – Não se preocupe não. Está tudo certo.
Sentamos ali no tapete verde e começamos a fumar. Os assuntos
foram aparecendo, desde bandas de rock, e que para mim foi uma surpresa
Renata gostar deste tipo de música, até assuntos sobre psicologia e noções
de mente humana. Depois de passado um tempo e alguns cigarros,
Marquinho foi embora no começo da noitinha e, a fome nos afligiu
novamente, fomos para uma pizzaria que freqüentávamos de vez em
quando, eu, na minha, ela às vezes com seus amigos.
A noite foi bela e tranqüila e logo ficamos mais entrelaçados.
Parecia que o tempo que nos fora cortado ajudou a que algo que fosse um
sentimento se tornasse mais prazeroso e delicado, romântico e seguro.
Depois de muita conversa insalubre e risadas sinceras, fomos cada
qual para a sua casa. Assim, o sábado terminou e me bati com meus
pensamentos internos.

- Bom dia! – disse meu outro eu acordando-me e puxando o


cobertor de cima de mim. – É hora de irmos. – disse ele.
- Irmos pra onde? – falei cobrindo-me novamente. – Ainda não é
segunda-feira.
- Coiote! – disse ele um pouco mais bravo. – Você irá entrar em
uma nova fase de seu aprendizado!

A Realidade Interna 110


Loucura do Espelho
Fui levantando e sentando-me em minha cama. Com os olhos
inchados, percebi que meu outro eu estava ali realmente. Novamente o
choque entre as realidades se tornou um transtorno em minha mente,
metade de meu apartamento estava bagunçada e a outra metade estava
limpa com um esmero indescritível.
- Por que antes eu não havia visto isso? – falei ainda coçando os
olhos com as palmas das mãos.
- Porque simplesmente não havia olhado. Eu arrumei a minha parte,
quer dizer, a minha realidade.
- Hã? – perguntei olhando a ele. – Eu não acredito que terei que
arrumar a outra metade. – falei deitando-me novamente.
- Levante-se! Agora se arrume que iremos sair. Precisamos de outro
lugar para que aprenda a ser você mesmo com mais qualidade e
integridade. – falou ele puxando-me da cama. – Vá tomar um banho que
logo o café estará pronto.
- Mas e Renata? Ela nem sabe que eu vou sair. – falei.
- Não tem problema algum, ela só irá vir na hora do almoço. –
respondeu. – Também deve estar dormindo como uma pedra. Igual a você!
Fui tomar banho e coloquei um bom “rock and roll” para escutar.
Quando se toma banho, ainda mais quando se levanta e ainda está com
sono, este é o melhor remédio para se acordar. Olhei ao relógio para
conferir e ainda não passava das nove horas da manhã. Pensei que
novamente estava ficando louco. No dia anterior, meu outro eu, não fez
nenhuma aparição, nem mesmo em minha mente. Hoje, levantava-me aos
berros antes das nove da manhã, sendo que é domingo. Domingo é dia de
se passar dormindo. Este é o meu lema.

A Realidade Interna 111


Loucura do Espelho
O café estava delicioso, não havia nada para comer, mesmo assim
saímos e eu tive que passar na padaria onde eu podia comprar fiado, pois o
dono já me conhecia tanto que sempre me deixava pagar no fim do mês,
quando recebia meu salário. Comemos, eu e meu outro eu, um pão com
queijo e mais uns goles de café, nem tão gostoso quanto ao que tomamos
em casa. Somente o dono do estabelecimento percebeu algo de familiar e
disse que eu e meu irmão nos parecíamos muito.
Saímos rindo do episódio e tomamos caminhos diferentes do que o
nosso costume. Fomos para um parque municipal, onde pais levam seus
filhos para que brinquem na grama, corram e façam algazarras. O parque é
imenso e as crianças adoram. No meio da tarde, ficam cansadas como
nunca e dormem debaixo das árvores frondosas que estão ali para
aconchegar as famílias na hora deste sono infantil. Os pais levam lanches e
por ali ficam de manhã até o finalzinho da tarde. Vários sorveteiros e
alguns ambulantes vendem quitutes salgados e doces para as famílias que
não trazem alimentos prontos de casa.
Procuramos um lugar afastado e sentamos à grama.
- Note Coiote. – disse meu outro eu. – Como é belo este parque.
Neste meio tempo, ainda as realidades, minha e dele, estavam
chocando-se.
- Sim, é belo, muito belo. – silêncio. – E tem uma calmaria. – falei.
- É por isso que estamos aqui. – disse ele. – Lhe trouxe até aqui
porque sei que não gosta muito de lugares assim, mas isso lhe vai mostrar o
que você deixou de aprender, em um lugar parecido com este que você e
seus amigos foram há tempos atrás. – disse ele ficando um tempo em
silêncio e respirando com calma. – Agora feche os olhos, e respire

A Realidade Interna 112


Loucura do Espelho
profundamente, com o máximo de calma possível. Sinta os seus pulmões
enchendo de baixo para cima. Primeiro o diafragma, depois o alto dos
pulmões. Assim estará se acalmando e relaxando.
Depois de alguns poucos minutos, vi o meu outro eu num campo
claro e ele vinha em minha direção sorrindo.
- Muito bom Coiote! Você é muito rápido para estes relaxamentos
mentais. – disse e sua voz parecia ecoar. – Agora veja, estamos em outro
nível. Estes níveis em que entramos nos fazem pensar melhor, encontrar
respostas e até mesmo nos curar. Aqui, estamos ligados principalmente
com a força que rege todo o universo, muitos o chamam de “Deus”, outros
de “Força Superior” ou “Eu Superior” e por aí existem outras
nomenclaturas que nem perco tempo em dizê-las. O que precisamos saber é
que aqui estamos e podemos ver coisas que nos ajudarão. Por isso, irei lhe
mostrar outro acontecimento, outro dia em que você não aprendeu o que
deveria aprender. – falava ele e eu ainda em silêncio somente a observá-lo
dentro de minha mente.
Tudo se transformou naquele mesmo filme de antes e agora me via
um pouco mais velho, mostrando que estava em uma época adiante das que
havia visto antes. Estávamos em um ônibus, regado a muita vodka e alguns
cigarros que andavam de mão em mão. A loucura era uma palavra
desconhecida entre todos ali. Estava sentado a uma poltrona já derrubado
de tanta bebida. O ônibus para. A turma toda gritando, desceram do ônibus
e continuaram bebendo. Com muita dificuldade eu e Marquinho descemos
do ônibus, um mais bêbado que o outro. Mas, assim mesmo fomos. Eu nem
mais lembrava daquilo tudo.

A Realidade Interna 113


Loucura do Espelho
Estávamos num local aberto, parecia no meio do mato. Para melhor
descrever, uma roça ou fazenda. Havia palcos montados de um lado e do
outro. Eram shows de rock que iriam acontecer ali. A turma ficou um
tempo parado num local, ainda bebendo e fumando. Eu e Marquinho
havíamos tomado um tipo de droga sintética que deixa a pessoa num estado
de letargia quase que infinita. Víamos coisas à nossa frente o tempo todo e
mal sabíamos o que estávamos fazendo. Nesta ocasião, como estávamos
muito longe de nossas realidades, não pudemos perceber a chacota que nos
atingia. Não somente a nós, mas a toda a turma de nossa cidade.
O local onde estávamos era para um grande show de rock, embora
fosse uma fazenda que estava sendo realizado, éramos uma das poucas
turmas de longe, não conhecíamos ninguém, e com tantas pessoas
estranhas, tínhamos que ficar um pouco mais sóbrios para entender como
eram aquelas pessoas. Mesmo assim, nem pensamos nessa hipótese. Como
estava vendo tudo, agora de outro ângulo, pude notar que algumas pessoas
estavam olhando de forma errada para nós. Falavam coisas desagradáveis
aos ouvidos de qualquer pessoa, zombavam e diziam que estávamos no
nosso lugar, na roça. Assim o que eu vi não me agradou muito, mas
também não entendi o que era para ser aprendido ali naquela ocasião. O
filme parou e ele disse para que voltemos ao parque e abríssemos os olhos.
Abri os olhos e o vi em minha frente.
- Então, o que me diz? – falou.
- Não entendi muita coisa. Mas, estou com uma imensa raiva
daqueles “playboys”, que estavam na arena do show. – falei.
- Pois então, você está sentindo o que era para aprender. Raiva. Era
isso o que deveria aprender ali, naquele dia. – falou.

A Realidade Interna 114


Loucura do Espelho
- Raiva? Isto era o que deveria aprender? – falei indignado e não
percebendo que estava nervoso com o que havia visto.
- Sim. – disse meu outro eu. – Não está vendo que está nervoso? –
falou ele fazendo com que olhasse para mim mesmo. – Pois bem, para isso
estamos aqui. Quero que sinta esta raiva sim, para que você aprenda a
controlar a raiva e encontrar a paz, dentro deste sentimento hostil.
- Como posso fazer isto? – perguntei ainda com raiva.
- Simples! Concentração. – disse ele. – Primeiro feche os olhos e
aprenda a respirar de forma correta.
Fechei os olhos e fiquei esperando pelo que iria dizer.
- Respire profundamente e de modo silencioso. Iremos fazer o
mesmo exercício que já fizemos, mas, desta vez, para outra finalidade.
Respire, encha o diafragma primeiro, depois encha a parte de cima dos
pulmões. Agora, faça um relaxamento em seu corpo, começando com os
seus pés, diga: “meus pés estão relaxados, minha panturrilha esta relaxada,
meus joelhos estão relaxados, minhas coxas estão relaxadas, meu quadril
está relaxado, meu abdômen está relaxado, meus órgãos internos inferiores
estão relaxados, meus órgãos superiores estão relaxados, meu tórax está
relaxado, meu pescoço está relaxado, minha cabeça está relaxada, meus
olhos estão relaxados, meu rosto está relaxado e minha mente está relaxada.
Tome conta do seu ser, você é o único que o pode comandá-lo!”.
Escutei tudo com calma e fui vendo cada parte de meu corpo sendo
relaxada, já havia sentido aquela sensação de paz, mas não sendo feita por
mim mesmo. Assim, fiquei relaxado. Por fim, comandava o meu corpo.
Não sentia mais raiva.

A Realidade Interna 115


Loucura do Espelho
- Esta é a forma que sempre iremos fazer para que encontremos a
paz. Este exercício por si só, já pode fazer uma grande diferença em nossos
comportamentos. – disse ele.
- Já estou me sentindo melhor. – falei.
- Pois bem. Sinta agora este local em que está. Veja a calma, sinta a
natureza, a grama a que está sentado, as risadas gostosas das crianças.
- Nossa. Isto é melhor do que qualquer droga! – falei.
- Sim! É verdade! – ele riu. - Esta forma de relaxamento e
concentração faz maravilhas ao nosso corpo e mente! Faça isto todos os
dias durante algumas semanas e verá que nenhum dos seus vícios terá mais
força que você! Você está aprendendo a se controlar, primeiro
mentalmente, depois fisicamente!
- Realmente estou me sentindo muito bem! – falei com um leve
sorriso ao rosto de pura satisfação.
- Fique relaxado durante algum tempo, no final, fale vagarosamente
que está despertando suavemente e que depois de acordado desta meditação
você ainda terá esta sensação de paz de espírito. – disse ele.
Durante um tempo ainda estive ali daquela forma, em estado
contemplativo. Sim, isto era uma coisa de que eu precisava e muito.
Aprender a meditar desta forma acalenta o espírito e tira todas as dúvidas
que temos dentro de nossas mentes.
No final, fiz como ele havia falado e voltei a ver a minha realidade,
mas, desta vez estava tão calmo quanto um bebê em seu sono, sem saber
das dificuldades do mundo e todas as suas ansiedades. Quando abri os
olhos, vi que meu outro eu não estava mais ali. Olhei em volta e vi todas
aquelas crianças correndo e brincando, o sorriso de seus pais os vendo com

A Realidade Interna 116


Loucura do Espelho
tanta alegria e isso me contagiou. Pela primeira vez pensei em ter um filho.
Achei que estava louco, pois nunca havia pensado num absurdo deste.
Levantei-me por fim, andei um pouco pela grama cumprimentando
com um sorriso a todos que olhavam para mim e eu me esquecendo de
minha aparência que chamava a atenção. Sentia-me novo, como se tivesse
nascido novamente. Já estava quase à hora do almoço e estava ficando com
fome. Saí do parque e procurei algum restaurante por perto e para minha
surpresa, enquanto atravessava a rua, uma buzina de carro chamou-me a
atenção. Olhei procurando em um lado e depois para outro e encontrei
Renata com um grande sorriso de surpresa. Parou o carro ao meu lado e
disse:
- Nem se combinássemos iríamos nos encontrar, hein?
- Olá Renata! Que bom lhe ver! Onde está indo? – perguntei.
- Almoçar, e você?
- Também! – respondi. – Que sincronia!
- Muita! – disse ela - Entra aí! Vamos almoçar juntos. – disse ela
dando uma piscadela.
Abri a porta do carro e entrei. Beijamos-nos como se fôssemos
namorados há tempos, mais de uma década e assim fomos almoçar.

- Segunda-feira, quer dizer, amanhã, meu tio irá voltar de viagem. –


disse Renata enquanto terminava a última garfada de seu prato.
- Legal! Assim poderemos conversar direito sobre a empresa.
- Sim. É verdade. Mas, estou muito curiosa Coiote! – disse Renata
olhando para mim enquanto eu ainda mastigava.
- Sobre? – perguntei antes de levar mais uma vez o garfo à boca.

A Realidade Interna 117


Loucura do Espelho
- Como você conseguiu pensar naquilo tudo? Bem, eu sei que você
é muito inteligente, mas me admira você com todo este potencial e deixá-lo
assim, ao vento, como se fosse algo que para você não tem valor. – disse
ela.
- Não é bem por aí. – falei rindo um pouco e tomando um pouco de
suco. – As coisas acontecem somente quando se está pronto. Se você está
pronto para receber um aumento de salário, é simplesmente porque o seu
trabalho aumentou e está se mostrando capacitado a executar tal trabalho,
que, consequentemente, exige um aumento. Tudo tem o seu momento.
Acho que o meu, é agora. – terminei tomando outro gole do suco.
- Nossa! – disse ela com um suspiro. – Você me surpreende a cada
instante! É tão bom e fácil conversar com você. – disse sorrindo belamente.
- Não é a primeira pessoa que me fala isto, e estou começando a
achar que posso muito mais. – falei rindo e tirando um sorriso magnífico de
seus lábios.

Nossas conversas tomaram outros rumos enquanto almoçávamos,


estávamos ficando cada vez mais íntimos e sabendo de assuntos que
guardávamos a sete chaves. Passamos a tarde juntos na casa de Fagundes,
onde Renata morava desde a época em que nos conhecemos. Foi a primeira
vez que voltei àquela casa, desde que Fagundes me arrumou o emprego na
fábrica, no fatídico dia que saí de casa. Assistimos a filmes e jogamos mais
conversa fora. Abigail, a mesma governanta que me recebeu quando era
apenas um moleque, se lembrou de mim e ficou muito feliz em me ver.
Disse que naquela mesma semana estava lembrando-se do garoto com

A Realidade Interna 118


Loucura do Espelho
cabelos vermelhos, o que na época em que estive lá, estava essa a cor do
meu cabelo.
Já era tarde e Renata levou-me até o meu apartamento. Subi
tranquilamente pensado em tudo o que estava acontecendo, eu estava
conversando comigo mesmo e estava conseguindo tudo o que realmente
queria, mas será que é tudo verdade? Pensei pela primeira vez.
Cheguei ao meu apartamento. O meu outro eu estava sentado ao
tapete verde.
- Como vai Coiote? - perguntou. - Estás bem?
- Sim. Por que devo reclamar? - falei.
- Continua calmo? - perguntou-me.
- Sim. Ainda calmo. Aquela forma de concentração é muito útil.
Nunca me senti assim, nem mesmo quando me desligava do mundo de
tanto entorpecente.
- Pois é bem útil mesmo, logo irá parar de fumar. - disse ele.
- Será? Acho que não acostumo muito com esta ideia. - falei indo
até o meu quarto e pegando um dos cigarros prontos.
Voltei à sala e começamos a conversar.
- Bem Coiote. - falou o outro eu. - Você está agora ao que
chamamos de nível intermediário. O básico, você já conquistou, ainda
embora vá ver alguns outros erros de aprendizado, mas, isto é coisa
simples. Agora, neste ponto, você irá aprender sobre o que a mente humana
pode realizar.
- Como assim? - falei soltando a fumaça. - Você poderia ser mais
claro e específico?

A Realidade Interna 119


Loucura do Espelho
- Está bem. – disse ele sentando-se melhor e se preparando para
falar enquanto sentava frente a ele. - Nossa mente é um poço sem fim, de
conhecimentos e paradoxos. Paradoxos, pois, temos dois tipos de mentes, a
mente consciente e a subconsciente. Uma trabalha pela outra e as duas
trabalham para que possamos viver. Assim, temos nossas próprias
divergências internas. Aí é que mora o perigo, se temos uma mente bastante
avançada, ao qual é o seu caso, onde a sua linha da loucura está a pontos
distantes e até inimagináveis, assim a mente subconsciente, deve estar
também, a um nível gradual perante a mente consciente, um tanto distante
também. - houve silêncio e ele observou que eu estava demorando a
entender o que havia dito. - Quer dizer, a sua mente consciente já acredita
em muitas coisas, assim você fez com que seu subconsciente esteja mais
distante e, sendo assim, você tem um poder oculto de seu subconsciente e
que ainda não sabe usá-lo. É extremamente paradoxal. Uma mente
controlada pelo subconsciente sem ao menos saber o que pode fazer.
- Até certo ponto eu entendi e muito bem, mas depois que você
disse que é extremamente paradoxal aí que eu não entendi nada. - falei.
- Sim, está certo, empolguei um pouco. Bem. – houve silêncio e ele
coçou o bigode como se estivesse pensando ao mesmo tempo. - Por que é
uma mente paradoxal. Certo! Vejamos este ponto em que estamos dizendo.
Sua mente consciente está além da linha da loucura certo?
- Sim. - respondi.
- A mente consciente é que faz todos os pensamentos, não é?
- Sim, até aí eu sei que é dessa forma que funciona.
- Então. Você acaba de se trair. - disse ele.
- Como me trair? - perguntei.

A Realidade Interna 120


Loucura do Espelho
- Na verdade, a mente consciente dita às regras para a mente
subconsciente. Assim, a mente subconsciente só está acompanhando num
ponto à frente, pois é assim que a mente subconsciente funciona à mente
consciente. Ditando as regras à mente subconsciente, a mente consciente
está fazendo com que os poderes ao qual o subconsciente possui sejam
deixados de lado. Mas, isto é o que estamos fazendo agora, estamos
tornando consciente algumas ações suas que são somente espasmos de uma
mente privilegiada. Estamos tornando algo inconsciente em algo
consciente. Entendeu agora? - perguntou ele.
- Ainda não. - falei.
- Você tem atos que às vezes nos consomem de inveja, sua mente é
esperta, privilegiada, mas isto ainda está guardado em seu subconsciente, e
o que estamos fazendo agora é fazer com que aprenda a usar a mente
subconsciente.
- Ah sim. Agora entendi. Mas, o que eu faço sem saber? -
perguntei.
- Uma das coisas que sempre fazemos sem saber, são as questões
dos vícios. Por exemplo, quando você começou a fumar você teve de
aprender a tragar a fumaça do cigarro não foi?
- Sim, tossi à bessa nas primeiras vezes em que traguei.
- Depois você acostumou-se, não foi?
- Sim. - respondi. - E por isso fumo até hoje.
- Então Coiote, quando estava aprendendo a fumar era um ato
consciente. Após o aprendizado, tornou-se um ato inconsciente, pois você
acende o cigarro e não precisa saber o processo de como tragar a fumaça,
somente traga. O mesmo se dá para quem aprende a dirigir um carro.

A Realidade Interna 121


Loucura do Espelho
Primeiro faz os atos conscientemente, como passar marcha dar seta e pisar
na embreagem e freios juntos, tudo isso são atos conscientes. Depois que se
pega prática, tornam-se atos inconscientes, podem os fazê-los conversando
com alguém ao seu lado e assim por diante. O mesmo se dá quando a
criança aprende a andar de bicicleta. Primeiro tem que aprender a se
equilibrar e a pedalar. Depois tudo se torna natural, a criança pega a
bicicleta e pula sobre ela e já sai andando calmamente sem pensar no que
está fazendo.
- Entendo. Então o que vamos fazer é tornar alguns atos que tenho
inconsciente em conscientes? Vamos fazer quase o contrário de um
aprendizado? - falei pegando a resposta.
- Sim. Como eu disse, isto o que fez agora é achar uma resposta em
seu subconsciente, assim, ele sendo melhorado, poderá ter respostas de
outros assuntos. O que deve saber é o seguinte, o nosso subconsciente sabe
tudo. É infinito. E dessa forma, isto se chama Aprender a Reaprender.
Significa buscar em seu subconsciente as respostas para tudo.
- Nossa, isto é muito mais interessante do que pensei. Achei que
iríamos ficar somente naquela de ver o meu passado. - falei.
- Não Coiote. Mesmo assim, o que está vendo de seu passado é
tirado de seu subconsciente. - falou meu outro eu.
- Como assim? - perguntei.
- Esqueça, outra hora você mesmo irá descobrir. - disse ele.
- Mas, e agora, o que irá se passar? - perguntei já empolgado.
- Agora? Bem, você irá descansar. - disse ele cortando a
empolgação. - Para se aprender a lidar com a mente subconsciente temos
que estar em estado mental bem controlado, coisa que você não está agora.

A Realidade Interna 122


Loucura do Espelho
Vamos descansar agora e, depois, você irá aprender a se controlar mais um
pouco. - disse ele.
- Tenho que dormir então? - falei como se fosse um garotinho que
não queria ir para a cama, cansado, mas elétrico.
- Sim. Lembre-se sempre disto. Para que consigamos controlar
nosso subconsciente, temos que estar calmos e relaxados, a mente deve
estar descansada e nada de droga na mente.
- Tenho que fazer aquela forma de relaxamento então? - perguntei
me levantando e indo para o quarto, arrumando meu colchão ao chão para
deitar-me.
- Sim, isso mesmo. Terá que praticar um pouco aquela meditação.
Comece por hoje, e, sendo você, ainda não sei quanto tempo irá precisar
para estar pronto. - falou. - Agora tente relaxar.

Deitei-me e comecei a pensar nas coisas que havia me dito. Tudo


era tão louco e distante do que achava ser o normal, mas, sem medo do que
poderia acontecer, lá estava eu, fazendo tudo o que meu outro eu ditava.
Nem ao menos percebi e já estava em estado contemplativo, meditando,
procurando somente a paz em meu interior e estava gostando muito de
fazer aquilo. Minha mente viajava à lugares que nem mesmo imaginava.
Via-me sentado em frente a um computador, fazendo algum trabalho que
nem sabia o que era, via-me dirigindo carros, via os belos sorrisos de
Renata, via até mesmo o Sr. Fagundes abraçando-me. A meditação fazia-
me ver pedaços do que nunca aconteceu. Por fim, adormeci.

A Realidade Interna 123


Loucura do Espelho
No outro dia quando acordei, senti uma sensação de paz que me
invadia e irradiava como se fosse realmente radioativo. Parecia estar sob o
efeito de algum entorpecente que me acalmava e deixava leve. Tratei de
arrumar-me um pouco melhor e fui para o serviço. Peguei o elevador, desci
ao térreo, olhei para minha bicicleta que jazia encostada a um lugar feito
para elas e decidi que iria andando. Estava uma manhã muito bela, e,
embora ainda estivesse amanhecendo, por ser antes das seis da manhã,
estava uma coloração magnífica. A passos tranqüilos e mesmo meditativos
também, fui olhando a tudo com outros olhos, parecia ainda estar
dormindo. Havia mesmo mudado de um dia para o outro, achando que isso
não fosse possível. Observava coisas que nunca havia percebido. A forma
de vê-las estava realmente mudando, talvez estivesse eu amadurecendo, ou,
somente, estava são e de olhos abertos.
Não depois de muito tempo, cheguei ao serviço na fábrica. As luzes
dos escritórios ainda estavam apagadas, pois era cedo para que alguém
deste setor houvesse chegado. Mas, ali estava eu, junto com os operários da
Fábrica e que eu tanto gostava. Os operários, às vezes, por fazerem serviços
manuais, braçais e rotineiras, tem em suas vidas uma simplicidade
contagiante e até mesmo divertida, mas mostram-se conhecedoras de
assuntos que às vezes um grande empresário não conhece, como, por
exemplo, sentir um carinho excessivo quando realmente gostam de uma
pessoa e serem completamente abertos a demonstração deste sentimento. E
isso era o que eu mais gostava quando íamos tomar café juntos à cozinha da
Fábrica, reservada para este mesmo fim. Juntavam alguns pequenos
grupinhos de pessoas, umas falando de doenças na família, os jovens
contavam sobre suas façanhas nas baladas, outros falavam sobre o mau

A Realidade Interna 124


Loucura do Espelho
salário que ganhavam entre outras coisas que se conversavam. Ao meu
canto, gostava de ficar conversando com os mais velhos. Os mais velhos de
idade e de empresa também assim como eu. E ali passava um bom tempo
entre as trocas dos turnos, as máquinas ficavam paradas durante uma hora
contada, para que conseguissem descansar de seus turnos de trabalho.
Quando davam problemas nestas máquinas, eu as consertava. Às vezes com
intuição de onde estaria o defeito, outras vezes de pura raiva e acertava-as
com a chave inglesa fazendo-as voltar ao serviço obrigadamente.
Com os minutos escoando, as pessoas que tinham que rumar para
suas casas iam-se despedindo enquanto os outros novos funcionários deste
turno terminavam seus cafés e cigarros para começar um novo dia de
trabalho. Eu os olhava como se fossem meus amigos íntimos e com a
felicidade de conhecer cada um deles. Há tempos que eu trabalhava ali e já
havia um vínculo estabelecido com os funcionários.
Já marcavam quase sete horas quando disseram que haviam visto o
carro do Sr. Fagundes encostar primeiro e depois o de Renata. Fiquei a
vigiar enquanto as luzes estavam sendo acesas do andar de onde eram os
escritórios. Sr. Fagundes foi logo se sentando em sua cadeira de couro
acolchoada e Renata em pé a sua frente conversava como se fosse a
resposta de todas as questões. Tinha uma postura de quem realmente estava
por cima de tudo por ali, e, quer queira, quer não, realmente estava.
Enquanto Fagundes viajava, tudo passava por sua mão.
Sr. Fagundes, repentinamente, olha para baixo e vê que eu estava a
olhá-los. Com um sorriso leve de um pai, fez gesto para que eu subisse até
o escritório. Alguns do que estavam comigo também a acompanhar a cena

A Realidade Interna 125


Loucura do Espelho
disseram que “agora ia, ou desce ou sobe.” Eu ri da interpretação deles,
pois, era a pura verdade, talvez mais para crescer do que para descer.
Calmamente e irritantemente fui andando devagar, sem questão de
fazer importância para o chamado. Subi as escadas. Passei pelos escritórios
escuros e vazios dos contadores e assistentes, chegando à porta do
escritório de Renata, que me esperava ali.
- Bom dia Coiote! - disse vindo até mim e dando-me um beijo
rápido nos lábios. - Acho que vamos ter muito trabalho daqui para frente! -
completou muito empolgada.
- Por que diz isto? - perguntei ainda abraçado com ela.
- Meu tio está empolgado com a idéia de informatizar a fábrica! Já
estava fazendo planos para contratar novos funcionários para que pudesse
informatizá-la! Mas, agora, tudo está mais fácil. Você conhece informática!
- respondeu.
- Nem tudo de informática eu conheço. - falei. – Mas, acho que dá
para quebrar um galho.
- Vamos falar com ele, ele está lhe esperando! - disse ela dando-me
mais um beijo.
Entramos com as mãos separadas, não queríamos ferir ao Sr.
Fagundes que para mim era um pai e para Renata mais ainda.
- Bom dia Coiote! - disse ele em voz branda e levantando-se para
apertar minha mão. - Sentem-se.
Sentamos-nos cada qual em uma cadeira a frente do Sr. Fagundes.
Renata estava com um sorriso ao rosto simplesmente encantador. Parecia
explodir de tanta felicidade, não sei se por ela mesma ou por mim. Eu
estava achando tudo normal, como se já estivesse esperando por tudo

A Realidade Interna 126


Loucura do Espelho
aquilo. Na hora, eu nem sabia realmente o que iria acontecer, mas, depois,
analisando friamente tudo o que aconteceu, não conseguia explicar de que
forma fiquei tão calmo daquela maneira.
- Como foi sua viagem Sr. Fagundes? - perguntei para quebrar o
gelo da situação.
- Bem Coiote. Bem. - disse com seu sorriso. - Mas, o ponto que
quero conversar com você Coiote, não é bem minha viagem, mas sim a sua.
- disse.
- Como assim? - silêncio. - Minha viagem? - perguntei.
- Sim. Como chegou a uma conclusão destas, de que deveríamos
informatizar a Fábrica? – disse ele ternamente.
- Não sei Sr. Fagundes, só achei que deveríamos entrar no século
vinte e um, não acha? - respondi francamente.
- Século vinte e um! - disse ele dando uma gargalhada gostosa
daquelas que saem do fundo da alma e vendo aquilo, Renata e eu, também
rimos. - Coiote. - disse ele depois de se restabelecer. - Acho que você às
vezes pode surpreender qualquer pessoa, isso se você quiser.
- Isso é o que eu estou escutando várias vezes por dia. Acho que
agora eu realmente quero surpreender. - falei causando uma ótima
impressão.
- Se é isso o que você quer, acho que posso ajudar. - disse ele. -
Você quer crescer dentro da Fábrica?
- Não Sr. Fagundes. - houve um silêncio. - Quero simplesmente que
ela cresça com minha ajuda e como consequência, gostaria de crescer junto.
Acho que já faz um bom tempo que olho para todas aquelas máquinas e
todos aqueles funcionários que tanto prezo. Acabei formando uma aliança

A Realidade Interna 127


Loucura do Espelho
com eles e acho que agora é hora de eu fazer algo por eles e sinto-me capaz
de fazer isto. Se me der esta chance, acho, ou melhor, tenho certeza de que
não irei decepcioná-lo. - falei incisivo.
Houve um silêncio e Renata e Sr. Fagundes se entreolharam, talvez,
sentiram minha força enquanto falava.
- Bem Coiote, você e Renata estão incluídos em uma palestra que
irá ser dada nesta cidade vizinha. - disse ele jogando-me um “folder”
dizendo sobre a palestra, o local e a data a ser realizada tal convenção. -
Vocês irão para lá e irão aprender o que deve fazer para que um
empreendimento possa entrar na era digital e esse mesmo é o nome da
convenção. “Como Entrar na Era Digital”. - disse ele como se visualizasse
o nome da convenção à sua frente.
- Não tenho como explicar a minha gratidão Sr. Fagundes. - falei
olhando para ele e Renata que esboçava um leve sorriso.
- Não fale nada, só quero que vocês voltem de lá, como se diz, -
parou um segundo. - “Ninjas” em questão de informática.
Com o folder à mão fiquei olhando para aquilo tudo. Eu e Renata
saímos da sala de Fagundes e sentamos à sua mesa. Renata estava olhando
para mim com os olhos mais esperançosos do mundo. Aquela sensação de
ser desejado percorreu-me o corpo e me deixou sentindo calafrios. Não sei
o que era o causador disto, os olhares de Renata, ou o que acabara de
acontecer. Instantaneamente estava sendo promovido.
- E então? - perguntou Renata.
- É maravilhoso! - respondi meio encabulado.
- Quando é esta convenção?

A Realidade Interna 128


Loucura do Espelho
- Neste final de semana. Temos que sair na sexta-feira de manhã. À
tarde já teremos uma palestra. - falei olhando para ela.
- Nossa! Como as coisas mudam em nossas vidas! - falou ela
suspirando e encostando as costas em sua poltrona. - Parece até um sonho!
- Eu também nem tenho o que dizer. Tudo aconteceu tão depressa!
- falei.
- Mas, você não disse que as coisas somente acontecem quando
estamos prontos? - perguntou ela.
- Sim. - respondi imediatamente. – Mas, às vezes nós não sabemos
que estamos tão prontos assim. Ainda mais as pessoas que tem a tendência
em serem perfeccionistas. - falei.
- Nossa, e você é um perfeccionista? - perguntou ela em tom de
brincadeira.
- Acho que sim. - falei meio encabulado e rimos um pouco.
- Coiote? - perguntou ela cortando o silêncio. - Por que demorou
tanto tempo para “ficar pronto”?
- Acho que tudo isso tem a ver com as drogas que sempre usei.
Acho que por certo ponto me fez crescer mentalmente, tive muito tempo
para raciocinar e viajar em questões nem tão importantes, mas por outro
lado, perdi muito tempo útil não querendo algo realmente importante. Mas,
de alguma forma, este foi meu aprendizado. O tempo não volta, nem a
mente é a mesma. – olhei para ela e me olhava de forma magnífica. - Dizer
que errei, sim, errei e muito. Mas, o que eu aprendi, nem mesmo em sua
faculdade, em algum curso de pós-graduação ou mestrado me ensinaria
tanto. - falei bem sério conseguindo arrancar um daqueles belos sorrisos
dela.

A Realidade Interna 129


Loucura do Espelho
- Você realmente surpreende qualquer pessoa. Não tem diploma,
mas, sua vida lhe fez tornar sábio. - disse ela levantando-se e vindo beijar-
me.

Depois de um tempo ali conversando com Renata e fazendo planos


para o que poderíamos fazer depois de irmos àquela convenção, fui embora
e deixei-a em paz para que continuasse seu serviço.
Enquanto caminhava calmamente, assim como viera antes, comecei
a pensar calmamente em tudo e como aconteceu. Estava tão tranquilo, em
paz e extasiado pelo que aconteceu que poderia até mesmo apanhar sem
revidar e ainda manter o sorriso ao rosto. Quando cheguei ao apartamento,
logo fui surpreendido pelo meu outro eu.
- Como vai Coiote? - disse ele aparecendo pela metade à porta que
dava acesso à cozinha.
- E aí? - respondi. - Gostaria de fazer-lhe algumas perguntas. - falei.
- Sim? Diga! - respondeu ele enquanto eu ia à cozinha, vi que
mexia com as panelas e preparava o almoço.
- Por que tudo acontece tão rápido comigo? Será que não há
problemas com minha mente? E por que estou tão calmo? Parece que estou
à base de calmantes! - falei e sentei-me.
- Bem Coiote. Acho que tudo acontece rápido contigo porque está
preparado para isso, mas também, sua mente é privilegiada. - falou ele.
- Como assim, privilegiada. Explique melhor o que significa
privilegiada para você. - falei.
- Privilegiada significa, uma mente que não conhece limites, pronta
para qualquer tipo de loucura, tanto que aqui estou, fazendo o almoço para

A Realidade Interna 130


Loucura do Espelho
nós! E isso, quer dizer que você não conhece limites em que sua mente
pode ir. - disse.
- Ainda assim acho que não sou tudo isso o que falam. Se somente
eu soubesse como é que uma mente pode não ser conhecedora de limite! -
falei.
- Isso é só você quem pode saber. Sua mente que é privilegiada,
não a minha, por isso, não posso nem ao menos entendê-lo. - falou
seriamente.
- Mas, e quanto a esta calmaria que estou sentindo? Você
acreditaria se eu dissesse que eu conversei com o Sr. Fagundes sem ao
menos gaguejar uma só vez? - perguntei tirando o cigarro do bolso,
acendendo um e sentando a cadeira de bar que havia em minha cozinha.
- Sim, acredito, pois eu vi. Estava lá. - falou ele e fiquei com cara
de assustado tentando entender. - Deixa pra lá, mais dias ou menos dias
você entenderá. - continuou ele. – Mas, esta calmaria que está sentindo é
porque aprendeu a se utilizar de um sono reparador. Quando aprendemos a
utilizar o relaxamento com aquela respiração do diafragma e fazemos isto
antes de dormir, este exercício propicia uma calmaria em seu sono, que é
somente vista em bebezinhos. Quando os bebês nascem eles naturalmente
respiram com o diafragma, mas conforme vamos crescendo esta respiração
é deixada para trás, pelo simples fato que toda a correria do mundo nos
consegue mudar hábitos. Por isso, ficamos estressados e respiramos de
forma errada, sendo esta respiração pelo diafragma a respiração correta.
- Interessante. - falei soltando a fumaça de meu cigarro.
- Existe uma ramificação de nosso sistema nervoso bem aqui em
nosso diafragma. - disse ele apertando uns quatro dedos acima do umbigo. -

A Realidade Interna 131


Loucura do Espelho
Esta região é chamada de “Plexo Solar”, e é onde está o centro do
diafragma, este ponto permite que controlemos nossas emoções, assim
como o nosso nervosismo e, logicamente o contrário, proporcionando a
calmaria. Este chamado plexo solar é como se fosse a extensão de nosso
sistema nervoso central.
- Nossa! Que explicação hein? - falei.
- Não é como a de um médico que poderia explanar com mais
sabedoria, mas deu para entender o que nos faz melhor, não é? - disse ele
em tom de piada.
- Mas, não há nenhum problema em minha mente, não é? -
perguntei deixando séria a conversa.
- Não! A princípio acho que não! Por que está com este
pensamento?
- Meu raciocínio parece estar mais rápido, e às vezes ele se perde
em questões de segundo, durante um pensamento, entre aspas, “pequeno”.
– falei gesticulando as aspas com os dedos.
- Sim, eu compreendo. Sua mente está fazendo conjecturas mais
rápidas do que antigamente?
- Sim! Parece estar mais viva, mais ativa! - completei empolgando-
me.
- E também mais colorida, digo, formando imaginações mais
vívidas.
- Sim, acho que é isso também! - falei.
- Já analisou que não está se drogando tanto quanto antes? -
perguntou-me e fiquei em silêncio.

A Realidade Interna 132


Loucura do Espelho
- É verdade, parece que diminui muito o uso de drogas. – falei
pensativo.
- Quem sabe agora, você perceberá que sua mente trabalha melhor
sem, do que com o uso de drogas. - disse incisivo.
Pensei durante um tempo e vi que poderia ser verdade. Eu havia
diminuído bastante o uso destas substâncias e estava vendo na pele como a
minha mente estava reagindo a tudo isto. Porém, ainda não estava decidido
a mudar minha vida assim, de hora para outra e tão radicalmente, como
assim achava.
- Bem, acho que devo parar de usar drogas, mas não posso fazer
isto de um dia para o outro. Muitos dizem que é assim que se faz, mas eu
acho que posso ir diminuindo vagarosamente até parar. - falei.
- Eu também não lhe aconselharia que fizesse desta forma. Muitas
pessoas que param de fumar apenas cigarro, quase têm um “troço”, porque
depois de um tempo entram em pânico, causado pela “síndrome da
abstinência”. Acho que é melhor você parar aos poucos e assim conseguirá
se livrar das drogas e do cigarro. - falou meu outro eu. - Bem, está pronto!
Arroz, feijão, bife e batata frita.

Enquanto almoçávamos, fiquei olhando para meu outro eu. Era


uma estranha sensação, ver você mesmo com outra personalidade. Esta
sensação difere muito do que apenas olhar gêmeos, sabendo que os dois
irmãos gêmeos, são nascidos na mesma realidade. Mas, ali, era somente eu
nascido nesta realidade e meu outro eu era de outra realidade. No início
causava-me certo enjôo quando o via ao espelho e uma reviravolta em
meus pensamentos quando o vi sair do espelho pela primeira vez. Depois

A Realidade Interna 133


Loucura do Espelho
de tudo, agora, estava tão acostumado que sentia que ele seria um
companheiro indispensável em minha vida. Fez-me ver muitas coisas que
estavam diante de mim e não conseguia enxergá-las, vê-las, pois, estava eu
de olhos vendados tateando por uma resposta, que na verdade, estava o
tempo todo dentro de mim.
Depois de um tanto filosofar sobre os problemas da humanidade,
que vimos não passar de pequenos erros imperdoáveis, sentei-me em minha
cama como sempre fazia e esperei o sono vir. Comecei a fazer aquele
exercício da respiração e meus pensamentos fluíram quase que sem sentido,
mas no fim, descobri que seria muito bom aprender a controlar meus
sonhos.
“Estava encostado em um carro preto com seus detalhes prateados.
Era um carro de luxo, custara muito caro pelo que podia ver. As chaves do
carro estavam em minha mão e eu as jogava para o alto e as pegava quando
caia. Meu semblante estava muito bom, parecia um cara muito rico.
Encostado a uma praça, vi uma caminhonete virando em alta velocidade a
algumas esquinas abaixo. Logo comecei a escutar tiros vindos em minha
direção. Entrei correndo dentro de meu carro e fechei os vidros, as balas
pegavam na lataria do carro e no vidro e chicoteavam. O carro era blindado
e quando vi que as balas não me atravessaram ficava perplexo. Liguei o
carro e parti acelerado por caminho nem um pouco convencional. Estava no
meio do mato, guiando um carro quase que encostado ao chão, e, às minhas
costas, uma caminhonete imponente perseguia-me dando tiros e rugindo
com um grande motor envenenado. Com algumas manobras súbitas e sem o
consentimento de mim mesmo, consegui despachá-los. Em seguida estava
dirigindo o carro dentro de uma cidadezinha pequena e parei a frente do

A Realidade Interna 134


Loucura do Espelho
que achava ser uma escola. Desci do carro e corri para dentro da escola, ou,
como assim pensava ser. Andei de um lado para o outro e somente fui
encontrando pessoas que se mostravam alienadas em sentido mental,
doidas. Estavam comendo seus próprios vômitos, outros se cortando, entre
outras loucuras. Para meu desespero, me vi, como se fosse mais um outro
eu, no fim do corredor. Trajava roupas rasgadas e estava sujo de sangue.
Certo sentimento de incompreensão me afetou. Logo, o meu outro eu
estava sobre mim e atacando-me. Todos os outros internos estavam
vibrando, não se tivessem um lado para o qual torcer, mas porque estavam
todos loucos e querendo ver uma luta. E assim se deu. Lutei comigo mesmo
e quando estava prestes a perder a luta despertei de meu sonho.”
Acordei suado, ofegante e constrangido por este meu sonho. Estava
lutando contra mim mesmo! Que loucura! Isto é mais do que um paradoxo!
Levantei de minha cama e fui até a pequena geladeira, peguei um pouco de
leite gelado, literalmente “taquei” no copo quase derramando e o bebi como
se fosse um remédio que me traria de volta para a realidade. Olhei em volta
respirando ofegante ainda e não vi nenhum sinal do meu outro eu. Droga,
pensei. Quando se precisa dele, ele não faz questão nenhuma de aparecer.
Acalmei-me sentado à cozinha. Logo daria o horário para ir ao
trabalho e aquele simples sonho havia me deixado um tanto confuso. Não
consegui mais dormir aquela noite.

Fui para o serviço. Caminhando tranquilamente, mas, com a cabeça


a pensar naquele estranho sonho, vi que tudo estava muito esquisito.
Talvez, o sonho, tivesse feito com que eu me preocupasse demasiadamente.
Tentei esquecer o que estava pensando lembrando-me da Convenção em

A Realidade Interna 135


Loucura do Espelho
que eu e Renata iríamos. Logo a empolgação daquilo tudo tomou conta de
mim, e embora já estivesse acordado, fui acordando um pouco mais para a
realidade.
Cheguei ao serviço e Renata me esperava.
- Oi! - disse ela me dando um beijo. - Você tem uma surpresa! -
falou.
- Surpresa? - perguntei.
- Vamos até lá que eu lhe mostro. - disse me puxando pela mão.
Chegamos ao ponto onde eu trabalho, do lado da cozinha. Havia
uma pessoa diferente e que estava esperando por alguém. Estava sozinha e
vi que era alguém que iria começar a trabalhar. Logo Renata apresentou-me
a tal pessoa e disse:
- Bem Coiote, este é Ricardo e ele irá ficar em seu lugar. Você terá
que mostrar como é o seu serviço e durante o resto desta semana, você o
treinará. - disse ela.
- Não estou entendendo. - falei, mas com certo entendimento do
que estava acontecendo.
- Bem Coiote, você não irá trabalhar mais aqui. - disse ela sorrindo.
- Sim, é verdade. - completei. - Bem, então vamos ao serviço? -
falei olhando para o novo funcionário.
Assim, mostrei o serviço ao novo rapaz que iria trabalhar ali. Era
quase do meu tamanho, cabelos bem cortados e penteado com algum tipo
de gel, não tinha barba e nem mesmo usava roupas estranhas, era
completamente normal. Muito diferente do antigo funcionário que ali
trabalhava. Eu, somente usava calças rasgadas e camisas pretas ou de
bandas de Rock and Roll. Meu cabelo, nesta época, estava azul desbotado,

A Realidade Interna 136


Loucura do Espelho
minha barba estava por fazer, mas mesmo assim não parecia nada com o
“almofadinha” que iria entrar em meu lugar no serviço. Depois, imaginei
que seria daquela forma que alguém deveria se apresentar ao novo serviço e
ri de mim mesmo.
Ricardo, o novo funcionário ficou a observar-me enquanto
explicava-lhe o que teria que fazer. Atencioso em meus movimentos, logo
viu que não seria difícil e abençoou o serviço que arrumara. Era mesmo um
bom serviço, bem remunerado e além do mais, não tinha que fazer nenhum
esforço, somente deveria ter intelecto suficiente para que nada saísse
errado. Mas, abençoou novamente, talvez com um pouco de receio de mim.
Assim que terminei de fazer o serviço e ensiná-lo de forma correta,
fui procurar por Renata que havia ficado à cozinha, conversando com
alguns funcionários que estavam lhe perguntando por que eu estava a
ensinar outra pessoa, pelo que notaram, eu não mais trabalharia ali, naquele
setor. Renata, com sua presteza, disse que eu e ela iríamos ser os
responsáveis em informatizar a empresa, coisa que agradou muito os
funcionários mais antigos. Não pela informatização, mas por eu ter sido,
como se diz, “promovido”.
Saímos juntos de mãos dadas, eu e Renata, e isso foi pouco para
que todos fizessem brincadeiras com a situação.

Renata me deixou em casa e logo foi embora. Disse que eu teria,


terça na parte da tarde, quarta e quinta para ficar tranqüilo e se eu quisesse
aparecer na fábrica, seria bom, mas se não quisesse, ela trataria de tirar um
tempo para vir me ver.

A Realidade Interna 137


Loucura do Espelho
Assim subi para o apartamento. Logo que sai do elevador em meu
andar, lembrei-me do sonho que tivera naquela tarde, mas, escutei barulho
de música alta de Rock e vi que vinha de meu apartamento. Coloquei a
chave na fechadura de minha porta, notei que além de estar aberta estava
com um pedaço da maçaneta faltando. Foi estranho, ver um pedaço
faltando e logo à frente, o resto da maçaneta como se o pedaço estivesse
sido transformado em fantasma. Logo entendi que se tratava de choque
entre as realidades. Abri a porta e vi muitos de meus amigos ali dentro e
outros que eu jamais vira. Mas, quando entrei em meu apartamento notei
que ninguém havia me visto. Logo meu outro eu veio até mim.
- Olá Coiote! Não se assuste, mas isso teria que acontecer de uma
forma ou de outra.
- Como assim? Eu já não estou entendendo nada! - falei entrando e
fechando a porta atrás de mim com a música sendo muito alta.
Lembrava que há muito não fazia festas em minha casa daquele
jeito, pois, as vizinhas deram queixa na polícia e eu tive que pagar uma
cesta básica para quitar a dívida com a sociedade. Assim, o Sr. Fagundes
disse que se eu quisesse continuar ali, teria que entrar em acordo comigo
mesmo, e, se quisesse fazer algo, poderiam ser pequenas reuniões com
música baixa. Disse ele ainda, que entendia tudo aquilo que estava
passando em minha cabeça e não iria fazer nada contra mim, sendo ele o
dono dos apartamentos, mas também não poderia me proteger se
acontecesse novamente. Como fazia bastante tempo isso, eu já estava
acostumado a não fazer festas em minha casa.
- Coiote, na verdade, estamos em outra realidade. - disse ele
fazendo-me ver outras pessoas, andando dentro de meu apartamento.

A Realidade Interna 138


Loucura do Espelho
- O que? - perguntei. - Outra realidade? Como entro em minha casa
e estou em outra realidade?
- Sim, veja por si mesmo. - levou até meu próprio quarto e vi que
eu estava sentado à beira do colchão e algumas pessoas estavam comigo
bebendo e fumando. - Este é o nosso outro eu que desvairadamente se
tornou alcoólatra e viciado em drogas pesadas.
Olhei ao redor e percebi que algumas coisas de minha própria casa
estavam faltando e outras eu nunca havia visto. Pessoas também eram
diferentes, alguns de meus amigos eram mais estranhos que em minha
realidade, outras pessoas que eu apenas cumprimentava na rua, estavam ali
agora em minha casa, como se fôssemos amigos de longa data. Percebi
então que na verdade, aquela realmente não era a minha realidade.
- Nossa! - falei num tom de puro espanto. - Este é o outro meu eu? -
perguntei.
- Sim. Agora percebe claramente que as escolhas e os detalhes
fazem diferença, não fazem?
- Completamente! - respondi.
- Venha, vamos andar um pouco e conversaremos a respeito. - disse
ele e puxando-me pelo braço como se eu estivesse hipnotizado vendo todas
aquelas cenas.
Saímos e mesmo fora de meu apartamento, ainda no corredor, pude
perceber que até mesmo a vizinhança estava diferente. Em minha realidade
tudo era certinho, pessoas amistosas, tudo pintado e bonito. Ali, como pude
notar, tudo estava estragado, gritarias para todos os lados e a vizinhança
parecia ser uma miséria. Pichações nas portas e paredes dos apartamentos
mostravam o desprezo que tinha tudo aquilo ali. O elevador não funcionava

A Realidade Interna 139


Loucura do Espelho
e tivemos que descer as escadas. Lance a lance, víamos as pichações.
Quando chegamos ao primeiro andar, vimos que nem porta havia mais
naquilo que seria a entrada e o porteiro nem mais existia.
O outro Coiote nem precisou falar muito sobre o que estava
acontecendo, mas a realidade em que estávamos era um verdadeiro caos.
Tudo estava praticamente destruído. Ali eram as escolhas mais erradas que
todos poderiam ter tido. Até a Fábrica não existia mais, Sr. Fagundes havia
morrido e Renata havia se entregado as Drogas e estava sem condições de
continuar com a Fábrica.
- Vê Coiote? Estamos na realidade em que tudo está errado.
- Mas, espere! - falei. - De qual realidade você é?
- Bom. Existem muitas realidades entre os dois extremos. Esta aqui
é um dos extremos, o pior, como pode observar. Digamos que eu não sou
da outra realidade que seria o extremo bom. Nem mesmo você está no meio
dos extremos. - falou e ficou em silêncio enquanto eu olhava tudo ao redor.
- Nunca, iremos ver todas as realidades existentes. Nem mesmo
imaginamos quantas existem! O número de escolhas é indefinido e muito
logicamente infinito. Mas, podemos ver o que podemos mudar, para
melhorar a nossa própria realidade. – disse ele por final mostrando-se
também atônito com tudo aquilo.
- É tudo muito estranho. Mas, eu estou entendendo. Os detalhes são
os que fazem tudo mudar. - falei.
- Vamos voltar para o seu apartamento. Deu tempo de lhe mostrar o
valor das escolhas. E agora, acho que tudo já voltou ao normal.

A Realidade Interna 140


Loucura do Espelho
Chegando ao apartamento, tudo estava normal. Desta vez era a
minha casa, como assim eu a tinha deixado quando fui para o serviço. Para
o meu alívio!
- Bem Coiote. Agora você deve fazer um pouco mais de
relaxamento. Assim fazendo, logo estará pronto para continuar com seu
aprendizado. - disse meu outro eu.
Sentei-me ao tapete verde da sala. Fiquei observando o ambiente
com outros olhos, reparei em manchas nas paredes, alguns trincados na
pintura e muita sujeira no tapete. Encostei-me a algumas almofadas que
ficavam jogadas por ali ao tapete. Fechei os olhos e comecei a fazer as
respirações das quais já havia aprendido. A calmaria começou a tomar
conta de mim e comecei a entrar em um tipo de transe, não que fosse algo
fora do comum, mas agora eu poderia controlar. Meus pensamentos
estavam despertos e ligeiros como se fosse uma resposta rápida de um
supercomputador a espera de qualquer pergunta simples. Mas, ainda estava
bastante inexperiente com aquele potencial todo de autoconhecimento. O
simples fato de começar naquela calmaria, já era o bastante para mim.
- Vê Coiote! A sua calmaria, está passando para o local onde você
está. - disse meu outro eu.
Tentei imaginar a calmaria dentro de mim aumentando e saindo de
meu corpo e entrando em sintonia com o ambiente. Em meus olhos
internos, como são quando estamos de olhos fechados para a realidade,
estava ali, aquela sala, toda arrumada, como se o cheiro de tinta ainda
estivesse fresco. O ar puro que circulava enchia meus pulmões. Passei um
bom tempo neste estado de consciência. Quase ninguém consegue tirar
tempo para fazer isso e entrar nesse relaxamento, e ver quão revigorante é.

A Realidade Interna 141


Loucura do Espelho
- Coiote, agora vá se preparando para sair desta meditação. - disse
meu outro eu. - Vá respirando calmamente e dizendo à sua mente que irá
voltar à forma consciente e que estará muito bem-disposto para terminar o
dia.
Assim fui saindo da meditação e acordando novamente para a
minha realidade. Logo me senti renovado com forças para uma vida inteira.
Mas, havia formulado uma pergunta.
- Por que só agora me explicou que isso é um tipo de meditação? -
perguntei.
- Ah, Coiote. Isso é só um nome que as pessoas colocam neste
procedimento que há muito é conhecido. Muitos chamam de meditação,
outros, contemplação, outros, atingir o Nirvana. Outros ainda falam
somente em oração, outra em relaxamento. Cada religião, ou filosofia de
vida, coloca o nome que quer no mesmo ensinamento. A meditação em si é
uma religião dentro de todas as outras religiões, e, a prática dela, leva a
alma humana à transcendência. Talvez o nome certo para isso seja “Paz de
espírito”. – terminou.
Fiquei pensando em tudo o que estava falando e entendendo que na
verdade estes ensinamentos eram mais profundos do que eu realmente
imaginava, mas, até certo ponto, entendia perfeitamente o porquê de tudo.
Fazia extremo sentido. Logo olhei novamente em volta, com os olhos
abertos e vendo tudo o que havia visto antes, enquanto em contemplação,
antes de entrar na dita meditação. Logo vi as fissuras, os descascados nas
paredes e o tapete verde todo sujo. Resolvi que no dia seguinte iria fazer
alguma coisa a respeito. Comecei por ir até a cozinha e começar a lavar

A Realidade Interna 142


Loucura do Espelho
toda a louça suja que começava novamente a se empilhar sobre a pia. A
conversa não cessou.
- Mas, diga-me! Por que as pessoas não têm acesso a essas
informações, que, a meu ver, podem melhorar a saúde em todos os aspectos
de uma pessoa? - perguntei.
- Cada pessoa tem um pensamento. - respondeu meu outro eu. - A
verdade, às vezes, pode estar à frente da pessoa, mas ela não a encontra.
Por quê? - perguntou ele e assim mesmo o respondeu. - Porque as pessoas
acham que para se entenderem precisam de coisas mais complicadas. Não
compreendem que as coisas mais simples é que dão o melhor resultado.
- Entendo. Deixando as coisas cada vez mais simples é que se
chega ao conhecimento interno.
- Sim! Perfeitamente! Deixe lhe mostrar. - disse ele. - Quando se
trabalha com alta tecnologia, assim com computadores e outras coisas do
gênero, as pessoas fazem cursos, obtêm diplomas e às vezes, nunca param
de fazerem cursos. Continuam a fazerem mestrados, doutorados e alguns
que se acham humildes, depois de tantos cursos, dizem que não conhecem
ainda tudo o que a profissão pode desenvolver. Mas, nem sempre é assim
com alguns. – disse ele rindo um pouco. – Assim é para eles. Para entender
a alma humana, deve-se ter cursos para entendê-la, e isso, na verdade é uma
tremenda idiotice. Nós temos todas as respostas dentro de nosso
inconsciente. Basta temos um pouco de sensibilidade para entrarmos em
contato com ela, a mente subconsciente, e fazer com que nossa vida possa
progredir, tanto em sentido espiritual, como mental e físico.
- Então, tudo se mistura como no início. - falei. - As coisas simples
são os pequenos detalhes.

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Loucura do Espelho
- Novamente você me surpreendeu. - falou ele.
- Estamos num circulo vicioso, ou formamos um castelo de cartas.
Tudo está ligado, todos os detalhes sustentam um todo. Se perdermos um
detalhe, pode ser que não tenhamos nosso crescimento. - falei.
- Isso mesmo! Os detalhes novamente são a base de tudo. E você só
está desta maneira porque voltou atrás e resgatou alguns dos detalhes que
havia perdido. E agora, a todo instante, você está travando uma batalha
mental consigo mesmo. Está deixando para trás todos os pensamentos que
obtivera sem o estudo da questão em si e analisando o que será melhor para
você. Embora ainda não saiba disto. - houve silêncio e eu olhei em seu
rosto, ainda segurando um prato que acabara de enxaguar.
- Quer dizer que estou travando uma batalha dentro de minha
mente, comigo mesmo? - perguntei incrédulo.
- Sim! Todas as pessoas, que passam por uma situação similar de
querer se entender e conhecer o desconhecido de suas mentes, passam por
isso. Trava-se uma luta árdua entre questões conscientes e questões
inconscientes.
- Nossa! Isso tudo é muito impressionante. – falei.
- Você é o pássaro que voa acima, enquanto a sua mente “in”, fica
lá embaixo, sentada e olhando atentamente para você, esperando que você
se decida para qual detalhe irá observar, ou dar mais atenção.
Imaginei aquela ilustração. Olhei para as louças que ainda
restavam. Fiquei tentando observar-me de cima e vi que era muito
engraçado. Eu olhando para mim mesmo. Esperando tomar alguma decisão.

A Realidade Interna 144


Loucura do Espelho
- É engraçado. Tudo é muito engraçado. Analisar a si mesmo é uma
tarefa um tanto complicada. Ainda mais quando nos vemos assim, com
outro eu à nossa frente.
Ele riu um pouco, logo disse que iria embora e me deixaria
sozinho, agora, com os meus pensamentos.

Terminei de lavar as louças e ali fiquei sentado à cadeira de metal


da cozinha. Tudo estava em silêncio e eu fumava o meu cigarro. Olhei para
a ponta do cigarro em brasa a que acabara de acender. A fumaça saia sem
consentimento e inundava a casa com o odor. Por um pequeno impulso,
meu pensamento foi até meu pulmão, acabava de pensar em como ele
poderia estar por dentro. Aquele pensamento me assustou. Assim como via
a fumaça saindo do cigarro, imaginei aquela mesma fumaça entrando em
meus pulmões e fazendo-os ficarem negros e com aquele cheiro forte de
nicotina e outras substâncias que nem mesmo sabemos o nome. Um enjoo
apareceu e apaguei a ponta do cigarro na torneira da pia com uma sensação
de que eu iria vomitar se desse mais um trago naquele cigarro. Não era de
se espantar, pois, já há algum tempo que estava, sem perceber, diminuindo
os cigarros que acendia. Era uma dependência forte de modo que achei que
não iria conseguir parar de fumar tão cedo.
Fui para o quarto e decidi tentar pegar no sono e colocar a minha
mente em ordem. Pensamentos sobre o trabalho, Renata, e o futuro de que
eu queria, apareceram ali naquele momento, até que adormeci.
No outro dia, acordei com um pensamento que há muitos anos eu
tinha já gravada em meu subconsciente, o de ir trabalhar. Levantei, fiz um
pouco de café e pela primeira vez senti algo estranho. Estava já acostumado

A Realidade Interna 145


Loucura do Espelho
com ter que ir para o trabalho antes das seis da manhã, mas agora não
precisaria ir mais. Olhei para fora da janela e o sol estava começando a
aparecer. Os telhados das casas estavam coloridos com a cor alaranjada do
sol matinal.
Decidi que iria lavar o tapete, talvez perguntar ao zelador se no
almoxarifado do prédio teria um pouco de tinta para que pudesse arrumar o
meu apartamento. Algo novo estava brotando de mim e não sabia entender
o que era. Somente dei vazão àquilo tudo e comecei a arrumar. Desci com o
tapete às costas e num lado do prédio havia uma mangueira para que
regassem as plantas e lá estava eu esfregando o tapete verde com uma
vassoura. Logo o zelador do prédio veio perguntar-me o que eu estava
fazendo, pois em todos os anos que eu morava ali, nunca havia feito algo
parecido.
- Por acaso o Senhor tem alguma tinta sobrando da pintura do
prédio? – perguntei.
- Por quê? – perguntou ele. – Vai querer pintar o tapete?
- Não, não. Eu quero pintar a sala do meu apartamento. – falei
rindo com a piada que fez.
- Ah! Acho que tem sim. Vou dar uma olhada. Tem preferência de
cor? – disse ele indo até o almoxarifado enquanto eu ainda terminava de
enxaguar o tapete.
Logo o zelador do prédio voltou e trouxe-me duas latas de tintas,
uma da cor branca e outra laranja.
- É isso que tem lá de sobra. Tem uns jornais velhos para você
colocar embaixo, para não sujar o carpete. – disse ele simples
amigavelmente.

A Realidade Interna 146


Loucura do Espelho
- Obrigado pela ajuda. Vou pegar os jornais assim que terminar de
lavar o tapete. – falei com um sorriso.
- É bom vê-lo feliz Coiote. – disse o Zelador com um sorriso
paterno aos lábios.

Terminei de lavar o tapete e o deixei ali mesmo para que secasse,


não passava das sete e trinta, de forma que iria secar até o meio-dia, isso se
o sol ajudasse. Peguei uma pilha de jornais velhos e subi para meu
apartamento. Entrei na sala e logo fui colocando as coisas na cozinha, não
eram muitas coisas, mas tinha alguns pares de almofadas, meu aparelho de
som e alguns CDs espalhados pelo chão. Abri todos os jornais no chão de
modo que pudesse protegê-lo. Abri a lata de tinta e vi que era a tinta
laranja, pensei que seria legal as paredes da cor laranja e o tapete verde.
Assim comecei a pintar.
Depois de algumas horas tudo estava pintado, mas o teto havia
ficado com a mesma sensação de velharia. Desci novamente até o zelador e
pedi para que pudesse me emprestar uma escada, precisava pintar o teto se
não o trabalho seria uma maquiagem bem grotesca. Ele riu e foi buscar a
escada. Subi novamente e fui terminar a pintura, desta vez pintando e teto.
Olhei para o quarto e decidi que ali teria de dar uma mão de
pintura. Tirei tudo o que tinha ali, que somente era o estrado e o colchão,
junto com os cobertores, e as caixas que me serviam de armário. As roupas
penduradas aos pregos também foram retiradas. A tinta branca agora entrou
em ação e o quarto ficou novamente novo.
Fui para o banheiro e fiz uma pintura rápida. Logo me encontrei ao
espelho.

A Realidade Interna 147


Loucura do Espelho
- Hum! Vejo que decidiu renovar o apartamento. Muito bom! –
disse o outro eu.
- Pois é. Às vezes temos que mudar um pouco. O que acha, ficou
bom? – perguntei olhando em volta.
- Sim, muito bom! Você está começando a entender as coisas. –
disse meu outro eu.
- Detesto usar essa pergunta, mas, como assim? – perguntei, sendo
esta a minha pergunta preferida de tantas vezes que já havia feito.
- Está se construindo. Primeiramente, o homem que está fazendo
um autoconhecimento, faz as renovações no seu interior, para que consiga
ver depois que está mudando o seu exterior material.
- Quer dizer que, como estou mudando aos poucos por dentro, eu
vejo a necessidade de mudar tudo o que está fora? – perguntei.
- Sim. Esta é a Lei. Tudo o que se muda no exterior, tem o seu
início no interior. – disse ele.
- Muito certo isso tudo. Talvez a meditação então tenha surtido
pouco efeito. – falei.
- Sim. Pelo que vejo o primeiro passo foi dado ontem mesmo.
- Qual? – perguntei olhando para ele ao espelho.
- Você sentiu enjôo em fumar e decidiu joga-lo fora. Fumou
novamente algum cigarro hoje?
- É verdade! – surpreendi-me. - Ainda não fumei nenhum cigarro. E
não estou com vontade. – falei lembrando.
- Isso é o começo de uma nova forma de pensar. Trazendo ao vício
a junção da sensação de enjôo, você faz com que o vício tenha algo ruim e,

A Realidade Interna 148


Loucura do Espelho
consequentemente, logo parará de fumar. Daí, daremos mais um passo para
a espiritualidade.
- Espiritualidade? – perguntei.
- Sim, se tornará uma pessoa mais espiritualizada. Todos nós
podemos ter a nossa forma de espiritualidade, mas, se ainda continuarmos a
fumar, beber em excesso, e usar substâncias que nos levam para fora de
nossa realidade, ainda que seja indesejada, estamos indo ao caminho
contrário à espiritualidade, e tendo uma espiritualidade, temos assim o
nosso autoconhecimento, mais avançado ainda.
- Realmente, é tudo muito espantoso! Me admiro saber como tudo é
interligado!
- Sim, queria que tudo fosse jogado em nossas vidas a esmo?
Somos feitos maravilhosamente bem! Só ainda não somos perfeitos, mas
um dia! – disse ele desaparecendo aos poucos e surgindo o meu rosto sujo
de tinta laranja e branca.

A campaínha de meu apartamento tocou, deixei o rolo de pintura


dentro da tinta e fui atender à porta.
- Olá Coiote. – disse Renata entrando. – Nossa, está pintando! Está
ficando muito bonito!
- Pois é. Achei que estava tudo tão feio. O que achou do laranja na
sala?
- Ficou muito bom. – respondeu olhando em volta e voltando a
olhar para mim, vendo que eu estava todo sujo de tinta.
Mesmo assim, Renata veio e me deu um forte abraço e um beijo
terno. Estava começando a ficarem bons aqueles poucos momentos em que

A Realidade Interna 149


Loucura do Espelho
nos encontrávamos e ficávamos abraçados. Às vezes, somente os abraços
demorados já me faziam um bem enorme.
- Então! – falei largando-a e indo recolher os jornais que estavam
espalhados por toda a casa. – O que faz aqui?
- Estava com saudades e vim lhe ver. – falou ela observando o
quarto e o banheiro. – Nossa, mas como ficou bom seu serviço Coiote.
Você também é pintor?
- Não, nunca havia pintado nada antes. Agora sei que posso. – disse
rindo um pouco e Renata também.
- Se precisar de uma pintura chame o Coiote. – disse Renata ainda
brincando um pouco.
- E o seu Tio? – perguntei.
- Ah! Está todo empolgado! – disse ela se mostrando empolgada
também. - Falou que está querendo exportar agora. Com a ajuda da
informática, será muito mais fácil entrar em mercado estrangeiro. – disse
Renata empolgada.
- Então, poderia começar a fazer isso agora. – falei.
- Como? – perguntou Renata.
- Simples Renata. Entre na internet, você fala inglês não fala?
- Sim, falo.
- Procure por algumas páginas na internet de empresas estrangeiras
que compram o material que fabricamos e entre em contato com eles.
Anuncie a informatização da fábrica e que queremos entrar no mercado de
exportação e daí em diante eles é que mostrarão interesse em certificar que
esta empresa está apta para exportar. – falei. – Assim, ficamos sabendo

A Realidade Interna 150


Loucura do Espelho
quais são os requisitos básicos para uma empresa de nosso porte possa
exportar.
Renata ficou em silêncio com um ar de sorriso no rosto de
felicidade e ao mesmo tempo de espanto novamente com minha ideia.
- Como pensou nisso Coiote? – perguntou ela.
- Vi na televisão um tempo atrás, que as empresas que forneciam
carne para o exterior tiveram que ter um certificado de qualidade para
entrar neste mercado de exportação. Assim sendo, acho que deve ter um
certificado de qualidade para tecido! E quem sabe isto possa até melhorar o
desempenho da empresa? O Sr. Fagundes irá ficar animado em saber que o
mercado de exportação poderá fazer com que a empresa cresça ainda mais!
Por ela própria. – terminei.
- Eu não acredito que você não tenha feito nada em relação à
faculdade e tenha idéias tão fenomenais assim! – disse Renata vindo ao
meu encontro a me abraçar.
- Eu somente presto atenção às coisas. – falei. – Só isso.
- Modesto! – disse ela em resposta dando-me um beijo. – Bem, já
que deu esta idéia, vou correndo falar com meu tio. Acho que ainda não
saiu para o almoço. Se puder, passe lá na fábrica à tarde, acho que meu tio
irá querer falar com você, depois desta idéia. – disse e saiu jogando um
beijo ao ar.

Fiquei ali parado e pensando em como pude ter aquela idéia e ri de


mim mesmo balançando a cabeça em forma negativa, não acreditando no
que minha mente acabara de conceber.

A Realidade Interna 151


Loucura do Espelho
Vagarosamente fiz o que tinha de fazer, antes de chegar ao meio
dia já estava tudo terminado e tudo estava novamente ao seu lugar. Olhei
para meu quarto e vi que daquele jeito não poderia ficar. Decidi comprar
um armário e uma cama decente. Estava tudo velho e pequeno para mim.
Algo de empolgante ou imenso poderia estar crescendo dentro de mim e
isto realmente estava refletindo em tudo o que estava do lado de fora, quer
dizer, em meu exterior. Fiquei faminto depois de tanto trabalho e fui então
almoçar.
Não sabia ainda se tudo aquilo iria me render um aumento de
salário, de forma que almocei pensando no que deveria fazer. A única
forma certa de se fazer tudo seria ir conversar com o Sr. Fagundes.
Terminado o almoço, fui para a Fábrica.

Cumprimentei todos os funcionários que sempre gostavam de mim


e que me conheciam de longa data. Fui até os escritórios e todos me
cumprimentaram também. Cheguei até a sala de Renata que me recebeu da
forma que todos gostariam de chegar a algum lugar, recebendo abraço e
beijo.
- Vem! Meu tio está esperando você! Ele adorou a idéia!
Abriu a porta e disse que eu estava ali. Escutei-o dizendo lá de
dentro, com sua voz grave, para que eu entrasse.
- Coiote! – levantou ele e veio ao meu encontro e abraçando-me
continuou. – Você é o filho que não tive! Como teve uma idéia dessas? –
perguntou ele me fazendo sentar, dando tapinhas agradáveis em minhas
costas e sentando-se em seguida.
- Bem Sr. Fagundes.

A Realidade Interna 152


Loucura do Espelho
- Pode me chamar de Fagundes. Parece até que não nos
conhecemos Coiote!
Estranhei aquela intimidade.
- Bem Fagundes. – falei pausadamente. – Eu achei que os lucros da
empresa, embora eu não tenha acesso a este material, são muito abaixo, por
somente estarmos vendendo para o consumo interno, do que seria vender
para o consumo externo.
- Conhece economia? – perguntou ele.
- Não. Somente o que vejo do assunto nos telejornais. Dá para se
ter uma pequena noção de como funciona. – falei.
- Continue sua explicação. – disse ele.
- Então, pelo que eu vejo, pois a isso eu tenho em mãos, ou pelo
menos tinha nestes últimos anos, a fábrica produz cinqüenta quilômetros de
tecido e este ainda em fase crua, quer dizer, não beneficiado. Se aqui, na
sua própria fábrica, fizesse o acabamento do tecido, isso agregaria valores
para a fábrica, de forma que não precisaríamos de terceiros para fazer isso e
venderíamos mais caro diretamente para exportação, porém, mais barato do
que os terceiros que manufaturam o produto. – falei calmamente assim
como havia pensado.
- Bem, até então, isso faz muito sentido e é o que a informatização
irá fazer, não é? – perguntou.
- Não, somente com a informatização não é possível. Temos que ter
investimentos. Depois da informatização podemos aumentar a produção,
fazendo com que haja interesse de investidores em nossa empresa com
capital estrangeiro. De início, eu pensei que poderia se iniciar parcerias
com empresas estrangeiras que precisam deste material que fornecemos de

A Realidade Interna 153


Loucura do Espelho
uma forma mais barata, sem que se passe por outras mãos, fazendo com
que o preço suba muito mais do que sairia de uma fábrica como a nossa.
Assim iríamos ter o dinheiro para o maquinário e as despesas seriam pagas
em parcelas com mercadorias. Assim como existe a sua empresa querendo
crescer, do outro lado, empresas estrangeiras também querem crescer e uma
parceria dessas iria ajudar os dois lados. Somente precisamos encontrar
uma empresa que esteja disposta a fazer isso. Este é o único trabalho.
Sr. Fagundes olhava-me com certo interesse e tão profundamente
que parecia estudar a minha alma. Logo se fez silêncio depois de minha
explicação.
- Você parece muito comigo Coiote. Tenho até arrepios em ver
você explicando tudo isso para mim. – disse colocando os cotovelos sobre a
mesa e uma das mãos ao rosto, e, chegando mais perto de mim, somente
tendo a mesa para nos separar. – Você está crescendo, vejo que não está
mais do mesmo jeito. Mas, tenha calma. Tudo está indo a passos largos e
você pode se machucar. Uma criança, quando corre demais, pode se
machucar feio quando cair e depois, fica um bom tempo sem andar.
- Bom Sr. Fagundes. – falei. – Não entendo o que quer dizer.
- Na hora certa irá entender. – disse ele recostando-se novamente a
cadeira de couro de seu escritório. - Mas, vejo que também você quer falar
algo para mim. – disse ele mudando o tom de voz.
- Sim. Vejo que agora não estou empregado. – falei.
- Quem foi que lhe disse isso? – falou. – Você ainda está
empregado, por que pensa desse jeito?

A Realidade Interna 154


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- Não sei, acho que estou meio confuso quanto a tudo o que está
acontecendo. Acho que irei trabalhar em outro setor da empresa, certo? –
perguntei.
- Sim, será gerente de vendas! – disse intrinsecamente. – Pois,
agora, com estas palavras tuas, acho que vai trabalhar com Renata! – disse.
- Isso quer dizer que...
- Sim, isso quer dizer que você receberá aumento. – falou ele rindo-
se. – Estava preocupado com isso não é rapaz? – disse ele em tom de
alegria.
- Bem, estava preocupado com meu quarto, eu ainda não tenho nem
um guarda-roupa e nem uma cama. Acho que está na hora de começar a
comprar essas coisas. – falei meio sem jeito arrancando sorriso de
Fagundes.
- Vá Coiote, compre o que está precisando. Seu trabalho com a
empresa já lhe deu isso. Fale que é para as empresas Fagundes.
- Como assim? – perguntei.
- Somente pelas idéias novas que sugeriu que fizéssemos, acho que
você merece uma retribuição. Irá ganhar um bônus de incentivo da
empresa. Assim, poderá fazer essas compras novas que você tanto quer.
Assim saí agradecido e Fagundes também parecia estar agradecido
comigo. Mas, como sempre, fiquei um pouco surpreso com tudo aquilo.
- E aí? Como foi? – perguntou Renata toda empolgada.
- Estranho. – falei meio sem pensar olhando para o chão.
- Saiu alguma coisa errada?
- Não. – falei agora olhando os seus belos olhos. – Deu certo até
demais. Acho que vou ganhar um bônus de incentivo. – terminei.

A Realidade Interna 155


Loucura do Espelho
- Que legal Coiote! Eu também ganhei este “Bônus de Incentivo”
dele. Foi o carro quando entrei na Faculdade. – disse ela. – O que ganhou?
- Não sei se entendi direito, mas era para eu comprar os móveis
para meu apartamento. – falei meio bobo de novo.
- Que legal! – disse. – Você está satisfeito agora?
- Acho que nem caiu a ficha ainda. Estou meio passado. As coisas
andam me surpreendendo. – falei. – Bem, deixe-me ir para que você possa
trabalhar, e eu, ir dar uma olhada no que devo comprar para minha casa.
Depois a gente se fala. – falei dando um beijo em Renata que me retribuiu
com um forte abraço.

Saí pensando em tudo aquilo, a conversa com o Sr. Fagundes me


deixou um tanto encabulado. Não havia como não ficar assim. Depois de
andar um pouco entendi o que Fagundes queria me dizer. A criança que
corre. Seria eu, uma criança que estava correndo e que podia cair com tudo
aquilo. Mas, as coisas estavam acontecendo sem a minha vontade,
simplesmente aconteciam e por isso estava eu ficando cada vez mais
empolgado e ao mesmo tempo atônito. Não estava correndo, estava
somente recebendo tudo o que estava vindo, e para isso, eu estava
preparado, se não, não estaria acontecendo daquela forma.
Logo, a compra do que eu precisava, havia sido feita, com muita
rapidez, devo dizer. Parece que eu já estava realmente decido, por ter
imaginado justamente o que, e que tipo de móveis eu queria.
Havia um tapete novo na sala. Era verde também, mas, agora era
maior e estava novo, sem manchas. Não fiquei com pena de dar aquele
tapete velho para alguém, pois, a matéria é para isso afinal, mesmo se tendo

A Realidade Interna 156


Loucura do Espelho
uma história com aquilo, às vezes, é bom somente ficarmos com a
lembrança do que algo entulhado num canto fazendo com a energia não
fluísse. Comprei uma televisão nova, mas, o rádio era o mesmo. Para o
quarto, comprei uma cama de casal e um guarda-roupa, para a cozinha
comprei um fogão novo e uma mesa com quatro cadeiras, a geladeira era a
mesma, pois não havia necessidade de algo maior.
Meu outro eu estava ali quando tudo estava pronto.
- Vejo que conseguiu subir na empresa.
- Sim. Mas, estou achando tudo muito estranho. É rápido assim?
- Não costuma ser, somente se a pessoa consegue suportar tudo isso
é que acontece rápido. – respondeu ele.
- Sr. Fagundes falou que estava eu indo rápido demais.
- Sr. Fagundes esconde conhecimentos até dele próprio. É uma
pessoa com um nível espiritual elevadíssimo.
- Nível espiritual? O que é isso? – perguntei.
- Já lhe falei, e agora, neste treinamento que você está fazendo de
concentração e meditação, seu próximo passo é este, o amadurecimento
espiritual. – falou ele relembrando-me.
- Então acho que vou fazer mais um pouco de meditação. – falei e
fiquei sem resposta. Ele já havia sumido novamente.
Sentei-me recostado há algumas almofadas e fiquei observando
toda aquela alteração que havia acontecido em meu apartamento. Fiquei
feliz de ter conseguido tudo aquilo. Mas, eu queria mais, queria entender
agora o que é um nível espiritual. Comecei a respiração calmamente, como
o meu outro eu já havia me ensinado. Fechei os olhos e comecei a entrar
em estado contemplativo e de puro relaxamento. Por fim meu corpo estava

A Realidade Interna 157


Loucura do Espelho
completamente relaxado. Meus pensamentos me levaram até uma data
muito distante, quando ainda morava na casa de meus pais e havia
começado a usar droga. Saímos, eu e alguns colegas para fumar pela rua.
Íamos de um lado para o outro sem ter onde parar. Era uma sensação que
eu gostava muito, não ter o que fazer e ficar com a mente solta, pensando
em coisas sobrenaturais e coisas um tanto irreais. Acho que daí foi o
começo desta loucura que acontece comigo agora, pensei.
Ficávamos a tarde inteira fumando e andando pela cidade. Meus
pensamentos nesta época eram de que um dia seria um cara muito rico e
que não teria problemas nenhum na vida, mas ali, naquele tempo, já estava
com enormes problemas de personalidade, não porque estava indo com os
outros, mas porque mostrava que minha personalidade já era um tanto forte,
um tanto difícil. Meus pais diziam que eu era “Maria vai com as outras”,
mas, a realidade não era bem assim. Eu era as “outras” que as “marias”
acompanhavam, quer dizer, eu era a má pessoa que infelizmente levava
outros para o “mau caminho”. Mas, isso meus pais não conseguiam
acreditar. Um dos maiores erros dos pais é acreditarem que seus filhos não
possuem personalidade, e às vezes, mais complicadas do que as deles
próprios, quer dizer, dos pais.
Observando tudo aquilo, vi que o tempo realmente não existe. Em
volta, somente pensamentos insanos e de nenhum valor, alguns poucos
pensamentos, formavam-se de uma utopia imatura provocada por uma
adolescência conturbada. Mesmo assim, era muito interessante ver-me com
a idade tão tenra e já com pensamentos absurdos. Um pensamento se ligava
ao outro, formava-se cadeias que nem mesmo eu acreditava naquela época.
Pensava em maionese e no final de uns três minutos de pensamento a

A Realidade Interna 158


Loucura do Espelho
pergunta era como os astronautas de outros planetas seriam. Coisa de doido
mesmo, absolutamente.
No fim de tudo voltei ao meu apartamento. A respiração fazia com
que eu voltasse ao meu mundo real, que, diga-se de passagem, nestes
últimos dias já não sabia se era o mesmo plano de minha realidade.
Entretanto, a paz agora resplandecia em minha alma. Acho que nunca mais
gostaria de sentir outra sensação a não ser aquela. Paz, pura paz.
- Você ainda não está preparado para isso Coiote. – disse meu outro
eu.
- Não estou? Por que ainda não estou?
- Você ainda tem apegos materiais. – disse ele.
- O que seriam esses apegos? – perguntei levantando-me e pegando
um cigarro.
- Bem, isso! – disse ele apontando para meu cigarro. – Achei que já
havia conseguido parar.
- É verdade. Eu também achei que havia parado.
- Bem, isto é o que se diz. Sua mente ainda não achou que parou.
- Mas então, como devo fazer? – perguntei soltando um grande
trago depois de algum tempo sem fumar.
- Esta mesma meditação que aprendeu, não somente serve para lhe
dar a paz. Serve para você entrar em contato consigo mesmo e até se curar.
Lembra-se que já lhe disse isto?
- Nossa. Então isto não é simples?
- Não! De forma alguma, você, meditando desta forma, entra em
contato com as suas maiores forças de seu interior, é o que chamamos de
“poder mental”. Quando estamos conscientes estamos despertos, e nosso

A Realidade Interna 159


Loucura do Espelho
subconsciente faz o trabalho de nosso interior. Assim, não nos
preocupamos em respirar, em fazer com que nosso coração bata entre
inúmeras outras funções vitais. Quando meditamos, entramos em contato
com essa força que praticamente age sozinha.
- Este é um novo conhecimento? – falei.
- Não, de maneira alguma, isto nós já sabemos, mas não nos damos
conta. – disse ele. – Sabe aquela intuição que às vezes vem e nos diz que
não deveríamos fazer tal coisa e, quando fazemos, temos a certeza de que
não era mesmo para ter feito?
- Sim. Já tive isso várias vezes, achei que não deveria ir para
algumas festas e fui mesmo assim, me dei mal em todas elas. – respondi.
- Então! Este é o nosso mecanismo de resguardo, nosso
subconsciente. Mas agora, vamos aprender a usá-lo. Esta intuição da qual
mencionei, pode ser mais aflorada do que imaginamos. Acho que agora é
que iremos iniciar a visita ao nosso verdadeiro eu. – disse ele seriamente.
- Bem, então tudo o que conversamos antes, era apenas a primeira
etapa?
- Não é nem o começo de uma etapa! Talvez seja a explanação do
que virá. – disse ele. – Agora, medite, entre em contato consigo mesmo, se
já não está vendo-me aqui à sua frente. - falou o outro meu eu fazendo uma
piada.
- Mas, preciso lhe perguntar. Se, até aqui, fizemos somente uma
“explanação”, como você mesmo disse, então aquele papo de corpo astral
nem mesmo começou? – perguntei encabulado.
- Sim, isso é verdade. Nem mesmo começamos. Acha que algo tão
profundo pode ser feito assim, apenas querendo e sem nenhum profundo

A Realidade Interna 160


Loucura do Espelho
poder espiritual e mental? Às vezes Coiote, você surpreende, mas às vezes
tem de se deixar ser surpreendido, senão acaba a graça da vida.
- Então ainda tenho que aprender a controlar tudo isso o que disse?
– falei.
- Lógico! Algumas coisas você já sabe e age por impulso. Agora o
que falta, é o impulso ser controlado. Com este tipo de meditação você
consegue melhorar seu desempenho para que as coisas não saiam de seu
controle. Primeiro você irá começar a meditar em todo o mal que o cigarro
faz dentro de seu corpo. Comece quando você vai até o comércio qualquer
e vê a sua marca de cigarros favorita, você fica com muita vontade de
acender um cigarro, pega o dinheiro da carteira e dá para o atendente que
lhe entrega o maço. Você o abre, as suas papilas degustativas já sabem o
que o cérebro interpreta quando seus olhos vêm o filtro vermelho do
cigarro. Você tira um e acende, aquela fumaça e o gosto da nicotina em sua
língua provocam uma sensação de reconforto, transformando a sua vida um
pouco mais aceitável com a realização de um desejo e a realização de um
vício. A sua garganta arde, mas você agora vê que ela fica vermelha e
irritada com a fumaça de seu cigarro favorito. Seu cérebro delira com a
sensação de paz provocada pela nicotina e outros produtos químicos e
assim ele fica dependente de uma substância tóxica. Seu pulmão espera por
ar e daí entra o dióxido de carbono em quantidade elevada, as suas células
esperam um ar puro, transparente, mas entra um ar negro que empretece
todas as células e os alvéolos de seu pulmão. Quando entra na corrente
sanguínea, todo o seu corpo que precisava de oxigênio é enganado, começa
a se debilitar, como se estivesse há muitos mil metros de altitude acima do
mar, onde para pessoas que vivem em regiões mais baixas o ar se torna

A Realidade Interna 161


Loucura do Espelho
rarefeito. Tudo isso depois, tem que sair, e assim, quando você joga a
primeira tragada de seu cigarro favorito para fora, você também joga alguns
minutos de vida junto. A cada cigarro você joga horas, a cada maço, você
joga dias. A cada mês fumando você joga anos fora. – Silêncio. – Agora
você pode começar a meditar nisto.
- Acho que nem mesmo preciso fazer isto. Já imaginei e não gostei
nada de ter imaginado.
- Bom! Muito bom! Se já o fez enquanto falava, quando estiver
meditando, faça a segunda parte que é a seguinte. Como você já viu todo o
mal que o cigarro lhe provoca, comece a ver você mesmo ingerindo ar puro
e fazer com que o contrário do que eu disse aconteça. Todos os órgãos e
partes de seu corpo agindo perfeitamente conforme a sua natureza, sem
ameaças, sem tóxicos para afetar o seu funcionamento.
Sentei-me numa posição confortável e fechei os olhos. Sentia a
presença de meu outro eu ali naquela sala. A respiração começou do
mesmo jeito, lenta, porém profunda. Logo já estava sentido aquela sensação
apaixonante de paz interior. À voz de meu outro eu, comecei a pensar
rapidamente em como o cigarro fazia mal. Visualizava todos os processos,
desde a dependência e do desespero de ficar sem cigarro, até que se compre
um, e o de soltar a fumaça e com ela um pedaço de sua força vital à qual
nos faz ficar vivos. Após todo o processo de visualização da parte errada e
perigosa, o outro eu pediu para que eu voltasse e fizesse com que eu não
tivesse ido até o comércio para que pudesse comprar o tóxico tabaco. Em
minha visualização, a primeira reação, foi de puro desconforto, como se
alguém estivesse privando-me de alguma necessidade fisiológica.

A Realidade Interna 162


Loucura do Espelho
- Mas, é isso o que quero que aconteça. – disse ele. – Desconforto.
E o que mais está sentindo?
- Ansiedade. Quero um trago do cigarro e ele está tão perto de mim
que posso senti-lo.
- Pegue mentalmente um cigarro. – falou.
- Como?
- Imagine que você foi até o comércio e comprou o cigarro. Agora
ao invés de imaginar o que ele provoca em seu corpo, quero que imagine o
que ele provoca somente em sua mente. – disse calmamente e assim
obedeci e imaginei. – O que sente?
- Calmaria. – respondi assim que soltei o trago somente em
imaginação.
- Ótimo. Dê outro trago. – dei outro trago e soltei-o em seguida. –
Dê outro.
Assim foi sucessivamente até que meu cigarro imaginário chegou
ao fim.
- Agora Coiote, - disse meu outro eu. – imagine que você acabou de
fumar o melhor cigarro de sua vida. Você conseguiu suprir as suas
necessidades fisiológicas com este cigarro, está calmo e que vai sair de sua
meditação com esta sensação de paz conseguida.
Com vagarosidade em meu pensamento, fui voltando da meditação
e mantendo firmemente em minha mente que estava sentindo a paz que
desejava ter.
- Sente vontade de fumar? – perguntou ele quando abri os olhos e
virei para enxergá-lo.
- Por enquanto não. – respondi.

A Realidade Interna 163


Loucura do Espelho
- Você realmente fumou um cigarro mentalmente.
- Mas o que acontece? – perguntei interessado e ainda sentado.
- Às vezes, quando nos viciamos em algo, viciamos em hábitos, ou
em dependência química, que, nada mais é, do que uma reação após alguma
substância que ingerimos ou tragamos. Muitas pessoas têm reações até a
determinados toques, que proporcionam algum tipo de felicidade ou
alguma lembrança. Isso é o que chamamos de dependência controlada. O
bom é explicarmos o que é vício em termos mais simples. Não sou nenhum
psicólogo nem psiquiatra, mas de médico a louco, todos temos um pouco.
Mas, o vício é algo que sempre buscamos fazer para obtermos uma
determinada sensação, existindo sim outros tipos de vício, e, após isso, vem
o retorno da sensação que é sempre, ou é assim que deveria ser, o de
euforia, de prazer. Por exemplo, um jogador de sinuca vicia-se no jogo?
Não! Vicia-se na sensação de que o jogo o faz se sentir importante,
matando todas aquelas bolas que outros não conseguem matar. Fica
eufórico quando ganha a partida e sente-se importante. Ou até mesmo o
desafio de estar jogando com outra pessoa e se demonstrar melhor do que
ela. Para deixar de ser viciado em sinuca deve deixar de ser jogador de
sinuca? Não, deve encontrar outro tipo de atividade que faça com que ele se
sinta mais importante e se sinta mais eufórico do que somente matar
algumas bolas na frente dos amigos.
- Como isso é interessante. Eu era viciado em sinuca. – falei. – E
nem me lembro mais do que fiz para parar de jogar.
- Pois então, no caso do cigarro, já encontramos outro tipo de vício,
que é o retorno da sensação através de algo que se inala. É agora outro tipo
de sensação, a de paz e calmaria que o cigarro provoca. Então, se em

A Realidade Interna 164


Loucura do Espelho
pensamento, fizermos com que, fumando um cigarro imaginário sentimos a
mesma sensação de paz e tranqüilidade e sem os danos da fumaça que o
cigarro tem, e deixamos de mencionar o valor em dinheiro que o cigarro
arranca de seus bolsos, fumar um cigarro imaginário, supostamente, é
melhor! Quando sentir vontade de fumar, somente imaginar que está
fumando um cigarro, é puramente simples. Mas, se o corpo sente falta da
nicotina e das outras quatro mil e quinhentas composições químicas que
existem dentro do cigarro, basta fumar diminuindo gradativamente o
número de cigarros. Logo, dentro de algumas semanas você irá parar de
fumar sem mesmo perceber. Todo o vício não nasceu conosco, foi adaptado
ao nosso subconsciente e novamente pode ser readaptado.
- Nossa! – silêncio. – É realmente interessantíssimo. Nenhum vício
nasce conosco!
- Isso mesmo. Então podemos e temos a força para fazer com que
isso volte para o mesmo do que era antes, quer dizer, sem o vício nos
dominando, mas dominando o vício adquirido.
- Então é isso o que devo fazer? – perguntei.
- Sim, já era para ter feito enquanto eu falava. – respondeu
secamente.
- Me desculpe. Perdi-me em meio aos floreios de suas palavras. –
falei arrancando um sorriso.
- Treine este tipo de pensamento. Tem alguns dias até que vocês
viagem para a palestra que irão assistir.
- Sim! É verdade! Temos que ir à palestra. O que acha de tudo isso?
– perguntei me lembrando deste próximo acontecimento inesperado.
- Não posso dizer nada a respeito, pelo menos ainda. – disse.

A Realidade Interna 165


Loucura do Espelho
- Então você já sabe o que vai acontecer?
- Até mesmo você sabe, mas não liga para o seu subconsciente!
- O que está falando? Eu posso ver o futuro também? – perguntei.
- Todos nós podemos! – disse ele como se estivesse falando algo
repetitivamente. - Assim como vemos o passado como se fosse um filme,
vemos o nosso futuro de acordo com nossas escolhas e decisões. Claro que
não iremos ver tão claramente como se fossemos lembrar o nosso passado,
mas podemos ter uma idéia bem ampla do que irá acontecer. Não somos
prognosticadores de eventos, mas as circunstâncias e as escolhas podem
nos mostrar o futuro!
- É! – falei tentando entender o que havia falado.
- Vamos! – disse ele cortando minha viagem. – Está na hora de
começar a treinar a meditação que passei para que você consiga parar de
fumar. Vou embora e depois eu volto. Agora, você poderá fazer muitas
coisas sozinho e eu aqui, somente irei atrapalhar. Até mais Coiote. – disse
isso e foi para o banheiro e vi que entrou no espelho e logo desapareceu
como se fosse uma porta.

Olhei em volta e fiquei tentando me lembrar de tudo que ele havia


falado. Era muito interessante ver que meu outro eu falava coisas sensatas
e, muitas vezes, longe de minha própria percepção. Estava em meu mundo
entrando em universos paralelos e ao invés de ficar assustado, estava
aprendendo comigo mesmo! Pus-me em posição mais ereta, estava sentado
ao chão, cruzei as pernas e coloquei as mãos sobre as coxas. Fechei os
olhos e entrei em minha mente para a meditação. Vi-me indo ao bar que

A Realidade Interna 166


Loucura do Espelho
tinha costume de comprar o cigarro. Quando se tem o vício do cigarro,
sempre se compra o cigarro da mesma marca e no mesmo lugar, o vício de
lugar também é muito interessante. Imagine! Comprar os cigarros sempre
no mesmo estabelecimento! Ali mesmo, dentro do bar, abri o maço de
cigarros e já ascendi um. Dei a primeira tragada, desta vez, não pensei em
quão bom era fumar aquele cigarro. Visualizei a fumaça cinza entrando e
irritando desde os meus lábios, a língua, a gengiva, os dentes e descendo
pela garganta e também a irritando. Entrando nos pulmões a fumaça
cozinhou os alvéolos e os derreteu. A coloração do pulmão era de um cinza
escuro. Fui mais adiante, entrei na corrente sanguínea e vi que o sangue
precisava de oxigênio e que não o havia suficientemente. A pressão arterial
subiu, os vasos dilataram-se. O sangue irrigava todas as partes do corpo e
daí as células precisavam de mais oxigênio, lutavam loucas para que isso
acontecesse. Quando percebiam que havia nicotina e outras substâncias
tóxicas, o próprio organismo tinha uma queda de produção, fazendo-o ficar
mais lento, por isso a sensação de cortar o nervosismo. O corpo está há uma
velocidade, quando entra a fumaça, ele, o corpo, aumenta a velocidade de
funcionamento para buscar mais oxigênio. Porém parece ficar dopado. Essa
sensação é levada ao cérebro e ali ela se transforma em algo que faz mal,
para algo que causa tranqüilidade. Como se não ligasse para a falta de
oxigênio! O próprio cigarro e seus componentes maquiam as conseqüências
desastrosas que provoca.
Voltando ao pulmão, era hora de que a fumaça saísse. E lá fui eu
junto. Seguindo a fumaça, vi que além de prejudicar-me internamente,
como obviamente não enxergamos, fora no ambiente comum, no ar puro
que outros respiram, causam ainda mais outro mal atingindo as crianças,

A Realidade Interna 167


Loucura do Espelho
idosos e outras pessoas que não fumam. Estes fumantes passivos, somente
com um pouco de fumaça sentem-se mal e tem suas alergias trazidas à tona.
Com esse pensamento vi que o cigarro me prejudica e prejudica um milhão
de outras pessoas. Fui respirando calmamente depois desta visualização e
calmamente voltei a minha realidade. Acordando de minha meditação olhei
para o maço de cigarros e senti nojo, mas, ao mesmo tempo senti vontade
de fumar mais um cigarro.
Voltei a fazer a visualização fechando os olhos para uma nova
meditação. Percebi que ainda estava dentro da meditação anterior. Para que
se saia completamente de uma meditação é preciso passar alguns minutos
dentro da realidade, olhando para algum ponto fixo. Assim foi fácil entrar
novamente nesta visualização e desta vez, vi acendendo um cigarro e
fumando-o com muito gosto. Senti o prazer pleno de um viciado em
nicotina e no hábito de acender um cigarro. Mas, não bastava sentir o
cigarro aceso, mas sim, sentir o que ele provocava, desde a sensação de
quando ele está entre os dedos, até ser levado aos lábios, à força que os
músculos da face e lábios tecem para que a fumaça entre na boca, o jeito
que tiramos o cigarro dos lábios e como fechamos e abrimos a boca em
seguida para que a fumaça e o ar sejam tragados para nossos pulmões. A
paz, depois a volta da fumaça em forma de brincadeira, virando uma
cortina, e em outras, viram bolinhas no ar. Isso é o que faz um fumante
viciar-se.
Fui aos poucos voltando da meditação e assim voltei a mim. Deixei
alguns minutos passarem até que pudesse de fato me levantar enquanto
olhava minha realidade. Fui até a cozinha e vi que minha vontade de fumar
havia passado. Não estava ciente de que horas eram. Ficava fora do tempo

A Realidade Interna 168


Loucura do Espelho
real e nem mesmo importava-me com as horas, ainda mais como não
precisava ir para o trabalho.
Lembrando-me do trabalho, era impossível não me lembrar de uma
pessoa. Renata. Ela estava fazendo parte de minha vida agora. Estava
querendo entender o que eu sentia por ela e ela por mim. Mas, logo meu
pensamento foi levado para fazer algo para que eu comesse. Estava com
fome e ainda assim queria fumar mais um dos meus cigarros especiais. Fui
ao quarto e peguei o último que havia feito, olhei onde guardava e vi que
não havia mais. Antes, quando via aquela situação, de não ter nenhum outro
cigarro pronto, ficava atônito e saia logo em busca de mais para fumar. Não
dei importância, acendi aquele mesmo e fui cozinhar. Logo meus
pensamentos estavam mais longe do que antes. Fiquei com medo de não
voltar das viagens que tive. Sozinho, escutando os sons da banda, diferentes
e bem trabalhados que gostava de ouvir, as horas foram passando e tive
medo de mim mesmo, pela primeira vez.

Os dias passaram, e chegou à hora de ir para a palestra sobre a


informatização. Renata e eu estávamos animados e Sr. Fagundes estava
também empolgado. Estávamos no pátio da empresa que servia de
estacionamento e havia alguns quiosques com mesas e cadeiras que eram
usadas para os lanches dos empregados quando não queriam ficar
conversando na cozinha da empresa. Perto do carro de Renata
conversávamos sobre coisas corriqueiras e Sr. Fagundes chegou.
- Olá meus meninos de ouro! – disse primeiro dando um beijo terno
em Renata e depois me cumprimentando com firmeza com aquele sorriso

A Realidade Interna 169


Loucura do Espelho
grande ao rosto. – Minha sobrinha querida e meu filho adotivo. Estão
animados?
- Sim tio! Estamos animados para melhorar tudo isso aqui! –
respondeu Renata.
- E eu, estou tendo a minha grande chance de ouro! – Falei. –
Muito obrigado Sr. Fagundes!
- Sim, meu rapaz! Vocês estão na idade de começar a entender
muitas coisas. E, pelo que vejo, já estão indo pelo caminho certo. Filha!
Dirija com cuidado e você meu rapaz, tome conta dela! Sei que estão
felizes e quero que continuem assim. – disse isso e foi para dentro da
empresa acenando com as mãos.
- Então. Vamos? – disse Renata.
- Claro, por que não?

Saímos em viagem tranquilamente. Nada falamos enquanto


estávamos dentro dos limites urbanos do trânsito que Renata fazia questão
de dirigir habilidosamente. Assim que saímos de dentro da cidade, a estrada
se mostrou ser tranqüila e espaçosa. Renata tinha um som equipando seu
carro de dar inveja a qualquer um que gostava de uma boa qualidade
sonora. Disse que havia sido presente de seu tio, que se fascina também por
som e música de boa qualidade. Sr. Fagundes gostava de escutar música
clássica enquanto dirigia seu carro, Renata gostava de algumas músicas de
Rock And Roll assim como eu. Levei alguns CDS que eu mais gostava,
entre eles estavam a banda Dream Theater. Coloquei o CD pedindo

A Realidade Interna 170


Loucura do Espelho
permissão a Renata e ali fomos escutando aquele arsenal de músicas
“quebradas”.
A viagem foi realmente uma viagem, depois que fumamos um dos
cigarros diferentes que Renata mesma levou. Por fim, chegamos ao hotel da
cidade vizinha em que seria a palestra. Descemos do carro e nos esticamos,
isso sempre é bom depois de uma viagem. Fomos até a recepção e demos
entrada. Assim que viram nossos nomes nas reservas, nos avisaram dizendo
que as palestras haviam sido canceladas e que eles já haviam ligado para
avisar a todos do ocorrido. Eu e Renata ficamos sem saber o que estava
acontecendo. Renata pegou seu celular e ligou para seu tio.
- Oi tio! Renata, tudo bem? Por que não disse que a palestra havia
sido cancelada? – perguntou Renata.
- Sim eu soube, mas achei melhor vocês dois irem viajar um pouco.
– disse ele rindo pelo telefone como assim consegui escutar.
- Então temos que ficar aqui? – disse Renata olhando para mim
como se não entendesse.
- Você não quer? Já viu o hotel como é bonito? E já está pago
mesmo. Aproveitem. Tchau. – disse Sr. Fagundes desligando o telefone.

Renata fazia cara de quem não estava entendendo nada. Olhava


como quem está perdida ou surpresa com algum ato inesperado. Eu
também fiquei surpreso, mas para mim a surpresa não era tanta, assim
como Renata.
- Bem, vamos subir então e aproveitar. – falei.

A Realidade Interna 171


Loucura do Espelho
- É, verdade. Já que estamos aqui, não é? – respondeu Renata,
olhou para a recepcionista do hotel e continuou. – Vamos ficar assim
mesmo.
Logo nos entregou as chaves e pediu para que levassem nossa
bagagem, não era muita coisa, somente uma bagagem de mão de cada um.
Subimos o elevador e Renata somente dizia que não estava entendendo
aquilo tudo. Eu ria de ver como ela não estava preparada para coisas
inesperadas. Embora eu nunca houvesse pensado por este ângulo, o
inesperado é muito interessante, revela o que a pessoa é. Se ela for
medrosa, fica atônita sem saber o que é para se fazer. Se não, acha tudo
legal e divertido esperando sempre ser surpreendido. Esta pessoa, sim, é
aquela que faz a diferença no mundo, tudo o que acontece com ela não a
pode derrubar, mas dá esperança de que tudo não é o mesmo e que tudo e
todos sofrem mutações.
Renata e eu estávamos, respectivamente, cada um à frente da porta
de nossos quartos. Abrimos as portas e entramos em nossos quartos ao
mesmo tempo. E que quarto, digno de Reis! Luxuosos e confortáveis.
Havia um sofá como se fosse uma sala de visitas e logo ao fundo uma mesa
de trabalho de madeira de lei. Ao lado disto havia o quarto em si, onde
tinha uma cama muito grande e confortável. Demos também um passo para
trás ao mesmo tempo e nos víamos ao corredor.
- Vou tomar um banho, depois lhe chamo para darmos uma volta,
certo? – disse Renata.
- Sim, certo. Vou tomar um banho também. – respondi.

A Realidade Interna 172


Loucura do Espelho
Entrei no meu quarto e fiquei um tempo olhando para todo aquele
luxo. Estava mais uma vez maravilhado por ver tamanha riqueza de
detalhes num ambiente. O sofá e a poltrona eram de um material muito
vistoso. Aveludado, porém não incomodava se estivesse sentado. Pelo
contrário, parecia abraçar. A mesa de centro era ao contrário. Os pés
pareciam estar de ponta cabeça e onde deveria ser a parte de cima, estava
ao chão sendo à base do móvel. Por cima do que para mim seria os pés do
móvel estava uma prancha de vidro fume como um belo arranjo floral sobre
ele. A mesa logo ao lado, o que me parecia uma mesa de escritório tinha
um abajur feito de pedaços de bambu e feito de papel reciclado. Luminárias
ao mesmo estilo estavam por todo o quarto. A cama era tão macia que
afundava. Senti-me estranho quando me deitei sobre ela. Fazia muito tempo
que gostaria de me sentir tão bem quanto estava ali.
- Está satisfeito? – perguntou a voz do meu outro eu.
- Como chegou aqui? – perguntei levantando-me na cama e ele
assim se jogando sobre ela.
- Onde você está eu também estou. Por que pergunta? Não queria
me ver?
- Não é bem isso. Pensei que não pudesse vir comigo. – falei.
- Não somente posso, como estou aqui, não é? – falou levantando-
se e indo ao frigobar que estava escondido atrás de uma porta debaixo da
televisão que ficava no quarto.
- Estou achando que gosto disso. – falei sentando a cama e
recebendo uma lata de refrigerante que meu outro eu jogou para mim e
coloquei-a ao chão.

A Realidade Interna 173


Loucura do Espelho
- É verdade. Gosto disso. – disse meu outro eu. – Pena que vocês
vão ficar somente alguns dias por aqui.
- Pois é. – olhei para aquilo tudo. - O que acha que devo fazer? –
perguntei voltando ao teor do que realmente deveria fazer.
- Não sei! Você é quem deve escolher. Você é quem deve saber a
resposta. Lembra-se, quando fazemos uma pergunta é que de alguma
maneira já pensamos em tal assunto, talvez já possuímos a resposta, talvez
precisamos escutar algo que nos faça realmente ter a escolha em nossos
pensamentos. Entre em contato com você mesmo e veja o que pode fazer. –
respondeu ele.
- Meditação! – falei.
- Sim! – disse calmamente enquanto bebia o refrigerante. - Esta é a
primeira resposta. Ache agora a segunda. – terminou ele.
Recostei na cama macia, o que proporcionou um grande
relaxamento. Fechei os olhos e comecei a meditar. Por que estava ali, eu e
Renata, mesmo que a palestra havia sido cancelada, Sr. Fagundes não havia
cancelado as reservas e nem mesmo nos avisado sobre o ocorrido. O que
ele queria com isso? Será que ele sabia o que estava acontecendo comigo e
com Renata? Estas foram as perguntas das quais não obtive respostas.
Voltei a mim e levantei-me. Fui ver o banheiro.
O banheiro parecia maior do que meu apartamento. Luxuoso e com
todos os mimos que qualquer pessoa gostaria de ter. Lembrei-me que
deveria tomar um banho. Renata, em seu quarto, também estava fazendo o
mesmo. Abri o chuveiro e coloquei a mão debaixo do jato de água que saia.
Era talvez o banho que eu nunca havia tomado em minha vida. Com
exceção daquele que havia tomado, quando ainda era um mero adolescente

A Realidade Interna 174


Loucura do Espelho
na casa de Fagundes. O relaxamento proporcionado por aquela ducha era
até maior do que a meditação a qual havia aprendido, vendo que depois isso
não seria igual, pois aprendi outros tipos de meditação a qual me
proporcionaram outros tipos de relaxamento. Mas, naquela hora, meus
pensamentos foram embora e me deixaram somente com aquela ducha de
água quente em minhas costas, era como tomar banho em uma cachoeira,
tamanha era a força do jato d’água, mas, quente, não gelada como na
natureza.

A campainha de meu quarto toca. Eu desligo o chuveiro e escuto


novamente a campainha tocar.
- O que eu respondo? – perguntou meu outro eu.
- Ora, não responda! – gritei do banheiro que havia ficado com a
porta aberta.
- É Renata. Não vai atender? – disse ele apontando para a porta
meio desajeitado com a situação.
- De que jeito? – respondi pegando a toalha e saindo do banheiro.
- Assim. – disse meu outro eu olhando para mim sentado à
poltrona.
Enrolei-me um pouco mais na toalha e peguei outra e coloquei ao
cabelo desbotado como já estava. Abri a porta, e, Renata estava linda.
- Oi. Acho que tomei banho mais rápido. – disse ela.
- Pois é. Eu enrolei um pouco e já estou terminando, se quiser
esperar no saguão do hotel? – falei e vi que ela achou estranho, mas,
concordou.
Fechei a porta e fui me trocar.

A Realidade Interna 175


Loucura do Espelho
- O que está pensando em fazer? – perguntou meu outro eu.
- Não sei. – respondi. – Já lhe disse isso!
- Por que está tão quieto?
- Não achei que você poderia estar por aqui! – disse ríspido.
- Não gostou?
- Não seja bobo! Não é isso, somente estou surpreso. – falei
gesticulando mais forte enquanto colocava a camisa do outro lado do
quarto.
- Surpreso? Hum, sei. Com o que?
- Ora, Surpreso! Existem diversos tipos de se estar surpreso?
- Aí é que está garoto! – disse ele levantando-se e vindo até mais
perto. – Existem diversos jeitos para tudo. Desde como respirar e não
respirar. – houve silêncio enquanto se jogava em cima da cama. – Por isso
o mundo está como está. Não existem dois gestos que sejam iguais e isso
para o mesmo fim. Agora imagine, mesmo sabendo que Renata gosta de
você, será que ela quer ficar com você para o resto dos seus dias?
- A que ponto está querendo chegar? – falei indo ao banheiro.
- Hum, vejo uma ponta de decepção. – disse ele.
- Todos os seres humanos se decepcionam algumas vezes durante
sua vida. Esta é a lei. – falei sendo um pouco comum.
- Sim, está certo. Mas, já pensou nisso? – falou.
- Pensei em várias possibilidades. Desde que a conheci. – cheguei
até a porta do banheiro. – Até mesmo quando pensei que éramos de
mundos diferentes, pensei em todas as hipóteses. – falei olhando para cima
tentando lembrar-me de como havia pensado.

A Realidade Interna 176


Loucura do Espelho
- Então, pensar é uma coisa, achar é outra e ter certeza então, é
outra coisa mais diferente ainda. – falou. – E depois vem a ação!
Parei para pensar num segundo e vi que ele tinha razão no que
falava. Tudo era muito bonito e havia somente se passado alguns dias em
que Renata havia começado a trabalhar por ali. Justamente quando eu
comecei com estas viagens de querer aprender comigo mesmo. Tudo estava
passando rápido demais, e eu, estava tendo alucinações reais, via a mim
mesmo com outra personalidade. Devia esconder isso o mais que pudesse.
Uma correnteza de pensamentos fluiu pela minha mente, logo
estava tomado de uma sensação nova de desespero. Estava incontrolado por
dentro, sentia meu coração palpitar demasiadamente, minha saliva secara e
meus olhos ficaram parados em um único ponto, tentando desencavar com
o pensamento alguma resposta daquele ponto.
- Mas, isso, isso, é loucura! - falei sentando-me na porta do
banheiro.
- Viu? Você está se deixando levar pelos seus pensamentos, não
pensando em como eles devem lhe ajudar. No que você pensar
internamente, você o terá!
- Estou me esquecendo de algo? – perguntei, o fazendo sentar-se na
cama.
- Sim.
- O que?
- Simplesmente tudo! – silencio. – Veja bem, você veio até aqui
para fazer alguma coisa e não sou eu quem vai lhe dizer o que deve fazer.
- Mas, eu também não sei o que devo fazer! – falei desesperado.

A Realidade Interna 177


Loucura do Espelho
- Vamos. Levante-se! Eu irei lhe mostrar o que deve fazer. Mas,
somente desta vez eu devo lhe mostrar. Esse tipo de pensamento deve ser
sempre rápido. Rápido o bastante para você mesmo se surpreender.
Assim nos levantamos, eu da porta do banheiro e meu outro eu da
cama.
- Vou ficar dentro de seu pensamento. Vai ser divertido.
Logo meu outro desapareceu. Estava pronto. Peguei minha carteira
e o maço de cigarros, ainda estava fumando, pouco, mas não havia parado
ainda mesmo com as meditações. Porém, já havia diminuído drasticamente.
Fechei a porta do quarto e a chave era um cartão magnético o que achei
muito interessante. Dirigi-me ao elevador e desci. Ao saguão estava àquela
bela figura feminina com seu olhar penetrante e seus cabelos a altura do
ombro, ruivos, como um belo entardecer.
- Olhe para ela! – dizia a voz de meu outro eu. – Veja como ela se
levanta.
Renata estava sentada de pernas cruzadas e com uma elegância
tremenda se ergueu.
- Perceba que ela gosta de ser olhada. Veja como ela faz um
movimento delicado e olha para os homens percebendo que eles a estão
olhando. Ela é esperta, inteligente e sabe que é bonita. – continuou a voz. –
O que deve fazer?
- Não sei? – respondi em pensamento.
- Corteje ela, seja gentil! – falou meu outro eu.
- Como está linda Renata, nem percebi quando tocou a campainha
de meu quarto. – falei pegando sua mão e a beijando.
- Obrigada Coiote. Você me dizendo isso me deixa muito feliz.

A Realidade Interna 178


Loucura do Espelho
- Posso acompanhá-la em alguma bebida? – falei.
- Aprendeu rápido meu rapaz. – disse meu outro eu.
- Sim, claro. Era isso o que eu precisava. – disse Renata.
- E para onde você quer que eu a leve? – perguntei.
- Pra qualquer lugar. – respondeu Renata provocativa e insinuante.
– Mas vamos dar uma volta pela cidade, ainda está começando a escurecer,
quem sabe encontramos um lugar que seja legal.

Saímos e fomos dar uma volta na cidade, a noitinha estava se


mostrando agradável e caminhamos de mãos dadas até encontrarmos um
barzinho de esquina com algumas pessoas que vimos nos arredores do
hotel. Sentamos-nos e pedimos o que beber. Logo o papo começou a entrar,
no que eu diria, na primeira demonstração de conhecimento de ambas as
partes.
- E então Coiote? O que pretende fazer?
- Bom Renata, eu ainda não sei ao certo, mas vou fazer algo muito
grande.
- Como assim, irá fazer algo muito grande? – disse ela sorrindo e
inclinando-se mais a frente.
- Não sei. Mas acho que muitos ainda dirão meu nome por aí. –
falei. – E você?
- Eu? – disse ela no meio das risadas que soltava por escutar minha
resposta nem um pouco convincente. – Acho que penso em fazer muitas
coisas ao mesmo tempo.
- Tipo o que? – perguntei.

A Realidade Interna 179


Loucura do Espelho
- Às vezes eu penso que o mundo inteiro é uma grande bola de
gude. – fiquei a observar enquanto ela olhava para o céu tentando pintar ali
mesmo no ar o que estava vendo. – Nós fazemos planos. – voltou a olhar
para mim. – E depois esses planos viram outros planos e nós vamos
adequando-nos ao que o destino nos oferece.
- Você acredita em destino? – perguntei.
- De certa forma sim, e você? – retrucou.
- Não sei. Acho que às vezes penso que ele existe e comanda tudo,
mas às vezes percebo que temos as nossas escolhas. Acredito mais que o
destino possa ser uma força que não quer que façamos algo ruim para nós
mesmos, mas sem atrapalhar as nossas escolhas, que, estão
fundamentalmente ligadas à força divina que rege a lei do Livre-arbítrio. E
também não nos protege de tudo, algo que façamos mostra se devemos ser
pobres ou ricos, felizes ou tristes. É, na verdade, acho que acredito mais em
nós mesmos do que no destino.
- Falou muito bem meu caro Coiote. – disse a voz do meu outro eu
assustando-me e quase que Renata percebe algo.
- Nossa! Que palavras mais fortes você disse agora! Um momento
de introspecção. – silêncio. – É raro ver pessoas falando assim hoje em dia.
Tudo está tão estranho, as pessoas são egoístas, não pensam nos
sentimentos das outras pessoas e depois ainda culpam a Deus por tudo de
ruim que acontece no mundo.
- Isso é verdade, mas por que diz isto? – perguntei tomando mais
um gole de cerveja.
- Não sei. Sinto que com você meus pensamentos fluem de uma
forma estranha, como se você completasse perfeitamente o que parece não

A Realidade Interna 180


Loucura do Espelho
existir dentro de mim! – respondeu sem perceber e olhou pra mim,
mostrando seu lindo sorriso!
- Nossa Renata, dessa forma eu é quem fico encabulado. – falei
acendendo um cigarro e logo Renata acendeu o seu, fazendo com que o
garçom, esperto como ele, trouxesse um cinzeiro para nossa mesa.
- Não! É sério! Você me faz lembrar algo que há muito eu esqueci!
– houve um silêncio enquanto tragávamos nossos cigarros. – Será que, se
um dia, pudéssemos voltar ao passado, faríamos tudo de outra forma?
- Como assim? Estamos na realidade agora. – falei sorrindo.
- Calma, deixe a garota explicar! Ouça mais e balbucie menos! –
ralhou meu outro eu.
- Assim! Um dia acordamos e vemos que tudo não passou de um
sonho, daí vemos que tudo está como estava antes, e temos a única chance
de fazer diferente. Será que o faremos?
- Acho que eu o faria. Já estive pensando em tudo o que aconteceu
em minha vida, inclusive entre nós dois. Acho que se pudesse voltar, eu
faria tudo de outra forma. – respondi.
- Mas, muitas coisas não poderiam acontecer de forma diferente,
não nos levando para o mesmo fim.
- O que está dizendo? – perguntei intrigado.
- Simples Coiote! A cada momento temos uma escolha, se voltar no
tempo e não escolhermos, ou simplesmente escolhermos outra direção a
tomar, ali, tudo o que acontecerá conosco, será modificado. Acho que por
pouco, uma cidade inteira terá sua história mudada. – disse ela
terrivelmente certa.

A Realidade Interna 181


Loucura do Espelho
- Sim, isto é fato. Chama-se reação em cadeia, estamos presos ao
elo de nosso passado, se o mudarmos, mudará assim nossos aprendizados. –
falei.
- Então, quer dizer que por esse motivo é que não podemos voltar
ao nosso passado! – disse Renata empolgada.
- Sim. Mas por que a empolgação?
- Simples! Você me deu a resposta do que estou procurando! –
disse feliz e com cara de louca atordoada ao mesmo tempo.
- Resposta? Nem sabia qual era a pergunta! – falei rindo.
- Estamos presos ao elo de nossos passados! Quem sabe há uma
forma de quebrar o elo do passado? – falou agora com cara de louca.
- Opa! Segura ela que se não ela vai longe! – disse meu outro eu.
- Olha Renata. – falei calmamente. – Isso que está pensando é
tecnicamente impossível.
- Então, tecnicamente. Quer dizer que pode ser possível para uma
mente avançada! – disse.
- Opa, o que disse? Mente Avançada? – peguei ao ar.
- Sim! Diga-me que nunca ouviu falar sobre isto? – falou ela
assustando-se comigo.
- Não, quer dizer, claro que já ouvi e por isso eu assustei! Não
imaginei que você pudesse entender algo sobre isso.
- Então, você sabe o que dizem de mentes avançadas? Podem
provocar coisas alucinantes e até mexer com as “realidades”. – disse ela
mexendo com os dois dedos simulando as aspas.
- Ela está entrando em terreno quente. – disse meu outro eu dentro
de minha mente.

A Realidade Interna 182


Loucura do Espelho
- Mas, você conhece alguma pessoa que tem esta “mente
avançada”? – perguntei fazendo o mesmo gesto que ela com os dedos.
- Não tenho certeza, mas acho que meu tio tem a mente
avançadíssima! – disse empolgada.
- Opa! – disse meu outro eu. – Isso é interessante!
- Sim é muito interessante. – pensei e assim comecei a ver que
podia conversar com meu outro eu dentro de minha mente e assim parecia
que o tempo parava e eu não perdia nada do que Renata estava falando.
- Descubra agora o que esteve pensando antes em seu quarto,
quando viu como o Sr. Fagundes o tratou e o que lhe falou. Você deve ter
percebido algo diferente nele. Aí está a sua chance de se convencer que ele
é alguém mais treinado do que você! – disse meu outro eu. – Mas, por
favor, faça as perguntas certas.
- Mas, por que acha que ele tem isso? – perguntei sem empolgação.
- Simples, pelo fato de ele saber sempre o que eu quero e fazer
antes. – respondeu Renata apagando o cigarro no cinzeiro e eu fiz o mesmo.
- Me diga algumas das vezes que aconteceu isto. – falei novamente
sem empolgação.
- A primeira vez, foi quando eu iria dizer que estava querendo fazer
faculdade de administração em outra cidade, ele agiu simplesmente como
que já soubesse.
- E isso a assustou? – perguntei.
- Sim, claro! Eu estava pensando em um milhão de coisas e assim
que me decidi, ele parecia que já sabia. Até me disse que havia acabado de
alugar uma casa para ele na cidade em que eu queria fazer faculdade. Isso
porque havia outras várias cidades para que eu pudesse escolher, mas,

A Realidade Interna 183


Loucura do Espelho
nenhuma em especial, e, justamente a que escolhi. Não sei se eu escolhi
verdadeiramente ou fui induzida por ele.
- Nossa! Isso é impressionante! Aconteceram mais vezes? –
perguntei completamente interessado.
- Sim! Assim que estava na faculdade, todos tinham carro, não que
eu quisesse ser como todo mundo da faculdade, mas eu estava andando de
um lado para o outro naquela cidade para ir à faculdade, para fazer trabalho
então era uma correria. Até para me divertir eu precisava de carona, quando
não, andava de transporte coletivo. Não que eu sou chata, mas isto cansa.
Ainda mais numa faculdade. Carregar livros é um porre! Daí um dia, eu
pensei, “acho que vou pedir para meu tio me ajudar a comprar um carro”.
Tomei coragem e liguei:

- Oi tio! Como vai?


- Oi Renata, que saudades! Como vai a faculdade?
- Bem tio, está tudo legal. Estudando muito, mas isto faz
parte do contrato, né?
- É sim, para se chegar a algum lugar, primeiro temos que
suar muito. Renata! Tenho uma surpresa para você! – disse meu tio.
- Surpresa?
- Sim. Surpresa! Acho que vai gostar. – disse meu tio.
- Que surpresa é Tio?
- Comprei um carro para você. – disse ele com todas as
palavras.
- Comprou o que? – perguntei estasiada.

A Realidade Interna 184


Loucura do Espelho
- Um carro! Acho que você precisa para se locomover sem
ter que esperar ônibus, e outra coisa, eu fiz as contas aqui e vi que
se eu comprasse esse carro, iria economizar depois dos anos de
faculdade andando de coletivo.
- Nossa tio! Não tenho como descrever minha alegria! –
falei.
- Agora só falta você vir buscar. – disse ele.

- Daí para frente eu já sei o que aconteceu. – falei interrompendo o


monólogo de Renata.
- Pois é. O carro era da marca e a cor que eu queria. Isso não pode
ser coincidência!
- Isso é fato, uma vez é coincidência, duas vezes, é no mínimo
estranho. – falei.
- E a terceira, o que é? – perguntou ela.
- Paranormalismo? – falei brincando. – Houve a terceira vez? –
perguntei molhando os lábios com a cerveja.
- Sim, houve.
- Como foi? - perguntei.
- Foi a mais estranha de todas!
- Por que estranha?
- Escute! Foi assim. Havia acabado de terminar o curso de
Administração, não sabia o que fazer, estava planejando voltar para a casa
do meu tio e tomar coragem para dizer a ele que gostaria de trabalhar como
estagiária em sua fábrica, sem ganhar muito e apenas para aprender. Lá no

A Realidade Interna 185


Loucura do Espelho
fundo eu estava com saudades de tudo lá, inclusive de você. E foi daí que
meu tio me ligou e disse:

- Oi Renata.
- Oi tio.
- Peço desculpas por não ter ido a sua formatura, houve
compromissos inadiáveis aqui.
- Não se preocupe tio. O importante é que eu consegui me
formar.
- Então, estou ligando por esse motivo.
- Por quê? – perguntei ingenuamente.
- O que vai fazer agora que esta recém-formada?
- Na verdade tio, ainda não sei.
- Gostaria de ser Gerente Administrativa das Empresas
Fagundes?
- Sim! – respondi depois de alguns segundos, no mínimo
uns dez, tentando entender o que estava acontecendo.
- Que bom! – disse ele feliz. – Acho que você precisa voltar
para cá. Acho que um rapaz a espera até hoje. – disse ele
terminando. – Acho que você fará bem para ele e ele fará bem a
você. Então, espero que venha assim que puder. Tudo bem?
- Sim tio. – falei engasgando com as palavras.

- Sim. Esta foi muito interessante. Ele falou desse jeito? – falei.
- Sim. Sem colocar nem tirar nenhuma palavra. Dizem que quando
passamos por experiências vívidas de algo que não conseguimos explicar,

A Realidade Interna 186


Loucura do Espelho
guardamos mais do que qualquer outra lembrança, e estas experiências com
meu tio, foram muito marcantes para mim. Quase que “inelucidáveis”.
- Nossa! Que palavra mais difícil. Será que existe no dicionário?
- Na verdade, acho que acabei de criá-la, mas é a única palavra a
altura do que ficou dentro de minha mente. – houve silêncio e ela respirou
fundo. – Não acha agora que meu tio é uma mente avançada?
- Bem, para mim, acho que ele tem algum poder mental, mas isso
não quer dizer que ele possa quebrar os elos do passado. – falei.
- Mas, não sabemos a que ponto ele está avançado. – disse ela. –
Você também às vezes me parece alguém com a mente avançada. –
continuou ela.
- É mesmo? – perguntei. – Você também, sabia?
- Se somos, estamos apenas tentando não o ser diante um do outro.
- Não, você não conseguiria esconder por muito tempo. – falei.
- Nem você. – respondeu ela.
- Bem, a conversa foi muito produtiva. – disse tomando o resto do
que havia em seu copo. – Vamos para o hotel?

Viemos conversando coisas bobas e sem sentido. Renata, que havia


saído com uma sandália um pouco alta, neste momento a carregava sobre o
ombro, assim como nós homens, carregamos um casaco às costas. Todos
no hotel não puderam deixar de ver como ela havia saído e como estava
voltando.
- Agora eu quero pisar como os pés no chão. – dizia pulando
quadro a quadro o piso do hotel ate chegar ao elevador.

A Realidade Interna 187


Loucura do Espelho
Renata foi para o seu quarto e eu para o meu. Abri a porta e vi que
não estava sonhando. Assim que entrei as luzes do quarto de luxo se
ascenderam. Vi aquele belo cenário a minha frente. Joguei-me a cama e
nada de meu outro eu me incomodar. Deitado na mesma posição, comecei a
falar baixinho, como se fosse um “mantra”, a formula que havia
desenvolvido para entrar em meditação rápida.
- Estou entrando em meu nível mental de meditação e encontrando
a minha paz.
Falava isso algumas vezes bem baixo como se somente, meu eu,
internamente, pudesse ouvir, juntamente com a respiração correta a qual a
havia aprendido. Tive assim um sono profundo e tranqüilizante além de
sonhos que elucidaram algumas perguntas.

Vale muito à pena contar um dos sonhos que tive nesta noite. Achei
que estava dirigindo um carro. Daqueles grandes importados, utilitários de
luxo. Não precisava fazer força para que andasse, nem me lembro de
acelerar, lembro-me dentro do sonho, que precisava somente parar o carro
segurando-o com o pé ao freio. Estava em uma cidade vizinha e estava à
procura de uma casa, esta casa parecia ser minha e quando encontrei, vi que
era uma casa grande, talvez, quase que uma mansão. Achei surpreendente,
mas disse que a minha casa não era aquela. Mas, todos os que estavam no
sonho, diziam veementemente, que aquela casa era minha. Não dando por
satisfeito, no momento seguinte estava em cima de uma daquelas motos de
muitas cilindradas e o barulho do motor da moto chamava muita atenção de
todos. Percebi que estava no meio do carnaval e muitas alegrias e confetes
estavam no ar. Como não gosto muito de carnaval, embora seja brasileiro

A Realidade Interna 188


Loucura do Espelho
como muitos dizem, tentei sair o mais rápido possível. Encontrei com Sr.
Fagundes que dizia que queria ser o Rei Momo, mas eu lhe disse que não
tinha gordura, mas ele simplesmente se inchou assoprando seu dedo e foi
para o concurso. Diante daquele espanto, acordei com a campainha do
quarto tocando.
- Serviço de quarto. – dizia a voz de uma senhora com sorriso largo
quando abri a porta.
- Nossa, que legal! Café na cama! – falei deitando novamente.
- Não senhor. Isto aqui é o aperitivo dado antes do café da manhã.
No restaurante até as dez horas é servido o café da manhã completo. – disse
ela deixando a bandeja em cima da mesinha e saindo com aquele largo
sorriso de camareira e empurrando o carrinho que levava mais algumas
bandejas.
- Nossa! – disse meu outro eu. – Desse jeito eu não quero mais ir
embora. – falou dentro de minha mente.
- Ainda está aí? – perguntei em voz alta.
- Sim. Agora que entrei em sua mente não posso mais sair. Por um
lado, é bom, não temos que nos preocupar com as pessoas que podem
enxergar tais coisas, mas por outro lado, temos que saber a hora certa de
conversamos. – disse ele.
- Sim. Isto é bem verdade. Não podemos nos dar ao luxo de sermos
vistos como loucos, parece que todos já pensam que eu sou! Ainda mais se
eu sair andando e falando sozinho por aí – falei.
- Vamos Coiote. Levante-se. Ou não quer provar estas coisas
deliciosas.

A Realidade Interna 189


Loucura do Espelho
Levantei-me e tirei a tampa da bandeja que já era muito luxuosa
por sinal. Debaixo da tampa descobri o que os ricos comem, ou pelo menos
recebem em seus quartos. Havia uma bandeja menor com pedaços de
queijo e pãezinhos doces delicados, uma jarra de suco de laranja e uma
cumbuquinha de açúcar. Tomei o suco e comi uns pedaços de queijo.
Arrumei-me colocando algumas roupas surradas e logo estava do mesmo
jeito de sempre. Um perfeito roqueiro. Desci pelas escadas encontrando vez
ou outra com alguns hóspedes do hotel que horrorizavam com meus modos
de vestimenta.
Chegando ao restaurante do hotel, havia uma mesa ao meio do
grande salão. Ali era servido o café da manhã em estilo “self-service”,
peguei um pratinho e comecei a colocar alguns tipos de pães salgados e
outros tipos de queijo. Havia mais do que isso, mas havia me encantado
com o paladar dos tipos de queijo que foram servidos no pequeno lanche
antes de descer. Enquanto sozinho falava das pequenas delícias ali a minha
frente, nem percebi que Renata estava logo atrás de mim, rindo de minhas
palhaçadas que saiam sem serem vistas por mais ninguém.
- Você costuma ser bobo assim quando levanta de manhã? –
perguntou Renata.
- Olá! Bom dia! Não quis chamá-la. – cumprimentei-a dando um
beijo.
- Podia ter chamado. Estava acordada já há algum tempo.
- O que está a fim de fazer hoje?
- Não sei, mas acho que vi um parque quando chegamos ontem,
parece bem familiar e tem muitas árvores, quero dar uma caminhada por lá.
O que acha?

A Realidade Interna 190


Loucura do Espelho
- Sem problemas. Não sou muito de fazer caminhada ou algum tipo
de exercício físico, mas acho que para mim está muito bom. Quem sabe não
aprendo e tomo gosto. – falei.
- Ah Coiote. Você é um amor! – disse ela passando a mão por meu
rosto com barba por fazer.

O sol estava lindo, como se fosse uma pintura de um lindo dia no


paraíso, embora ali não fosse o paraíso, eram tão belos os grandes
gramados do parque que quase lembram os jardins do parque de nossa
cidade. Renata, que havia decidido ir caminhar assim foi. Decidi sentar-me
embaixo de uma árvore e meditar sobre aquele sonho estranho que tive
naquela noite. Algo diferente estava para acontecer e eu nem mesmo
imaginava.

- Olá Coiote! – disse a voz que lembrava muito a de Sr. Fagundes.


- Quem é que está aqui? – perguntou a voz de meu outro eu.
- Não é você? – perguntei ao outro eu.
- Não! – respondeu ele com voz confusa assim como a minha.
- Não se assuste Coiote. Se isto lhe responde, sou uma mente
avançada, como minha sobrinha havia dito.
- Então é o Senhor mesmo Sr. Fagundes! – falei completamente
espantado.
- Sim! E vejo que está com seu outro eu dentro de sua mente. Foi
mais rápido do que eu pensei. – falou a voz de Sr. Fagundes. – Então acho
que posso também aparecer dentro de sua mente, você já pode suportar
isso.

A Realidade Interna 191


Loucura do Espelho
Não entendendo o que estava acontecendo nem mesmo respondi.
Os arrepios foram imensos e pude perceber que, se houvesse um momento,
ao qual pudesse enlouquecer, seria este. Mas, logo, toda a minha meditação
se transformou e eu estava sentado na poltrona do escritório do Sr.
Fagundes, só que havia um detalhe, não estava na fábrica. O escritório era
diferente do que eu conhecia em plano real.
- Onde é este escritório Sr. Fagundes? – perguntei.
- Em minha mente meu caro Coiote. – disse em sua voz forte,
porém adocicada.
- Vejo que o Senhor é um homem experimentado. – disse a voz de
meu outro eu.
- Sim Coiote. Desde que o vi naquele terminal rodoviário, percebi
que aquele garoto um dia seria como eu. Experimentado nas artes da mente.
Ou melhor, na loucura da mente. – disse rindo.
- Tem razão Sr. Fagundes. – falei.
- Mas, vejo que não conhece um simples detalhe. – falou ele.
- Qual? – perguntei.
- Acho que a melhor resposta seria, “você tem que descobrir
sozinho”, mas você já está à beira de entender isso, então, acho que já
posso dizer, não é Coiote?
- Sim Senhor. – respondeu meu outro eu.
- Pare de procurar respostas fora de você, assim encontrará sempre
o seu outro eu, tentando lhe guiar para dentro. Não se preocupe comigo, já
teve seu sonho e viu que sou um homem “experimentado”, assim como
você mesmo disse. Renata tem ainda muito que aprender, mas não será
agora, será somente quando você descobrir o que tem de descobrir. Agora

A Realidade Interna 192


Loucura do Espelho
pare de procurar respostas, procure as perguntas e faça-as a si mesmo. Seu
outro eu, na verdade, é você mesmo!
Houve um silêncio aterrador. Meu outro eu sequer se pronunciou a
respeito. Estava tentando assimilar tudo o que o Sr. Fagundes disse quando
o meu outro eu disse:
- Não faça força para entender, eu não sou outro você, sou você
tentando lhe acordar para o seu mundo interior.
- Agora terminou de estragar mais um pouco. – falei e se fosse
possível para eu mesmo ver meu rosto, estaria sem entender nada.
Abobalhado seria a palavra correta nesta ocasião.
- Não meu caro! – disse Fagundes. - É simples! Basta olhar e ver
que você mesmo já tem o conhecimento, mas não acredita que o possui.
Agora é só acreditar que você encontrará respostas inimagináveis. Somente
basta fazer as perguntas corretas.
- Nossa! Todo esse tempo pensando que estava aprendendo com
“outro eu” que havia aparecido no espelho e agora, vocês me dizem que é
somente eu mesmo? – falei um pouco indignado.
- Sim! – disse meu outro eu, aparecendo junto ao Sr. Fagundes em
minha meditação. – É somente você e mais ninguém.
- Opa! Assim a responsabilidade recai somente sobre minha
pessoa! – falei.
- Bingo! – disse Sr. Fagundes. – Você achou mais uma resposta.
Aliás, todas as respostas a qual fez perguntas, foram respondidas por você
mesmo, e de tanto que não esperava respostas tão sábias, pensava que havia
um “outro eu” fora de você.

A Realidade Interna 193


Loucura do Espelho
- Mas, isso, isso é muita loucura! – falei olhando para Sr. Francisco
e me vendo novamente ao seu lado com a mão segurando a parte de cima
da cadeira a qual Fagundes estava sentado.
- Na verdade a loucura é simples. – disse Fagundes deixando de
estar recostado à sua cadeira. - Vou tentar lhe explicar de modo muito
simples. Eu, Fagundes, sou um homem experimentado e consigo fazer mil
e uma coisas. Como por exemplo, quando lhe vi pela primeira vez,
encontrei uma mente que poderia ser mais avançada do que a minha, mas
não a toquei, a mente, propriamente dita. Deixei que ficasse por perto, para
que não prejudicasse a si mesmo. – houve silêncio e eu fiquei a olhar ao
chão tentando entender, se ali realmente houvesse um chão, e logo Sr.
Fagundes continuou. – Há dois tipos de loucuras. A loucura boa ou a
loucura má. A loucura má lhe é proporcionada através de um trauma de
infância, fazendo com que você questione a realidade das coisas em si,
fazendo a seguir, com que essa pessoa seja considerada louca por falar a
todos que seu mundo é diferente. Mas, o que quase ninguém fala, inclusive
e principalmente os psiquiatras, é que a maioria de nós, vivemos em
mundos completamente insanos dentro de nossas próprias mentes. Com o
decorrer do tempo, nossas mentes vão se acostumando com nossos tipos de
realidades, fazendo com que nos tornemos pessoas com mentes avançadas.
Acho que já conhece a linha da loucura e a linha do medo, certo?
- Sim, conheço. – falei meio enrolado de tão concentrado em que
estava somente escutando.
- Então sabe do que estou lhe falando. Nós temos a loucura boa. –
disse por fim Sr. Fagundes.
- Nossa! – falei sussurrando. – É mais que inacreditável!

A Realidade Interna 194


Loucura do Espelho
- Sim. Parece ser muito mais do que nossas mentes podem
conceber! – disse Sr. Fagundes. – Mas, é realmente o contrário! É apenas o
que nossa mente pode conceber, não criaríamos isto, se nossa mente não
fosse capaz de imaginar e pensar isso. Vê? De acordo com o tamanho de
nossa mente é que podemos enxergar a realidade à nossa volta.
- Então, é quase tudo possível à nossa mente? – perguntei
empolgado e com a volta de minha voz.
- Quase! – disse Sr. Fagundes com cara de um pouco mais sério. –
O nosso corpo ainda não agüenta o que nossas mentes podem criar. E isso é
muito mais interessante. Pense comigo Coiote. Nossas mentes são
imperfeitas e ainda não usamos nem um pingo do imenso poder que ela
tem! Agora estou falando com você, dentro de meu escritório psíquico e eu
estou a mais de trezentos quilômetros de você! – silêncio. – Tome, pegue
esta caneta e verá o que pode acontecer. Mas pense, o nosso corpo perfeito
poderá talvez produzir tele-transporte! Mentes um pouco mais evoluídas,
ou melhor, avançadas, podem ter “tele-cinese”. Acho que na verdade,
estamos na era em que o homem irá descobrir que não está em evolução,
está simplesmente estagnada no mesmo ponto para que um dia alguém
descubra as incríveis soluções que a nossa mente pode dar. Daí sim, iremos
dizer que começamos a evoluir!
- Nossa! – falei surpreso com toda aquela explicação. - É realmente
fascinante! Quero voltar para a Empresa, temos muito que conversar! –
falei empolgado levantando-me da cadeira.
- Não, não! – disse Sr. Fagundes. – Primeiramente, quero que você
suma com essa imagem de seu outro eu. Daqui para frente será somente
você e sua mente. Não você e seu “outro você”.

A Realidade Interna 195


Loucura do Espelho
- Como faço isso? – perguntei.
- Ora, é simples! Pense! Pense que ele não precisa mais estar aqui!
– disse ele.
Fechei os olhos, dentro de minha meditação a qual estava vendo e
conversando com o Sr. Fagundes e pensei, assim como tinha dito. Abri os
olhos e percebi que agora estava somente eu e Sr. Fagundes.
- Viu como é simples?
- Sim, é!
- Agora comece a fazer com que as coisas se tornem simples. E
controle a loucura de sua mente. Somente assim conseguirá achar a
pergunta, e assim, a resposta. Lembre-se, as perguntas sendo feitas, sua
mente se sentirá coagida a lhe dar a resposta e sempre de acordo com a
pergunta. Por isso, pense muito bem antes de fazer a pergunta. – silêncio e
eu pude analisar essas palavras. - Agora comece a pensar em sair de sua
meditação, Renata está chegando perto de você, e lembre-se, ela não pode
saber de nada disso que estamos conversando. – disse isso e sua imagem
começou a ficar turva e logo sumiu em espiral indo para trás, como se
estivesse voltando para o lugar de origem.

Voltei a mim da forma que fazia, contava de cinco a um


vagarosamente e regressando com a mente desperta e corpo sadio e com
aquela paz a qual havia encontrado dentro da meditação. Assim que abri os
olhos vi que estava segurando um pedaço de um galho, e incrível, do
tamanho da caneta que Sr. Fagundes havia me dado dentro da meditação.
Sorri ao ver aquilo e levantei os olhos vendo que Renata realmente se

A Realidade Interna 196


Loucura do Espelho
aproximava correndo com seus cabelos sendo jogados de um lado para o
outro. De tão linda, parecia estar correndo em câmera lenta.
Percebi que havia me esquecido de perguntar o motivo que levou,
eu e Renata a estar ali.

- Oi! Esteve meditando? – disse Renata sentando-se ao lençol que


colocamos ao chão e pegando a garrafa de água que estava ao lado.
- Sim.
- E sempre volta sem palavras assim?
- Não. – silêncio. – Não sempre.
- Como é meditar? É não pensar em nada? – perguntava ela ainda
um pouco ofegante por causa da corrida.
- Não. Muitos pensam que é isso, mas na verdade não. Não
conseguiríamos não pensar em nada, pois querer pensar em nada já é pensar
em alguma coisa. Meditar é a mesma coisa que rezar, mas de uma forma
diferente. Ou melhor, é pensar em um assunto que precisa ser elucidado.
Entende? Achar explicação pensando de forma correta. – falei calmamente.
- Hum, isso deve ser interessante. Você me ensina? – perguntou. –
Aposto que meu Tio também medita.
- Um dia, por que agora você está cansada e suada demais para
ficar alguns minutos quieta. – disse isso e me joguei sobre ela e começamos
a nos beijar de forma muito carinhosa.

Logo estávamos com fome e voltamos para o hotel. Não conseguia


parar de pensar em como o Sr. Fagundes conseguiu aparecer dentro de

A Realidade Interna 197


Loucura do Espelho
minha mente, enquanto estava em minha meditação. A resposta veio na
hora, como se fosse meu outro eu que continuar a me responder.
- Ele provavelmente mentalizou que na hora em que eu começasse
a meditar, ele iria sentir, entraria ele em meditação e viria até mim. – pensei
comigo mesmo.
Essa foi a minha resposta? Perguntei a mim mesmo. Percebi que
agora poderiam acontecer duas coisas, ou ficava louco de vez, por
perguntar a mim mesmo e obter resposta, ou encontraria todos os desejos
que tivessem dentro de mim, adormecidos, esperando a hora certa para que
pudessem correr para fora.
Fui para o meu quarto, me sentei no belo sofá esperando que
Renata pudesse tomar um banho refrescante em seu quarto. Em seguida,
apertou a campainha de meu quarto e descemos para o restaurante do hotel
para almoçarmos.

Não ficamos conversando muito a respeito de coisas interessantes


nas quais eu pudesse usá-las para colocar neste livro, mas, o telefone tocou,
mudando tudo o que iria acontecer a partir daí.
- Alô? – respondeu Renata atendendo ao telefone celular.
- Oi? Renata? – disse a voz com o toque do telefone.
- Sim, sou eu, quem está falando? – disse Renata.
- Sou eu, Ricardo? Lembra-se de mim, não é? – perguntou a voz do
outro lado do telefone.
- Lembro! Claro que lembro, como é que você está? Tudo bem?
- Sim, claro! Tudo ótimo! Estou ligando para você para lhe fazer
um convite.

A Realidade Interna 198


Loucura do Espelho
- Um Convite? – perguntou Renata olhando para mim.
- Sim, e acho que será irrecusável!
- Sério?
- Lembra-se de meu tio, que lhe falei na faculdade?
- Sim, o que trabalha em Portugal?
- Isso mesmo! Ele precisa de alguns recém-formados em
Administração para um intercâmbio que nos dará uma carga bastante
irrecusável.
- Sério? Quantas vagas? – disse Renata começando a se mostrar
interessada.
- Bem, ele disse umas quatro pessoas, mas o seu nome está em
primeiro lugar. Até mesmo primeiro que o meu. E então, topa? – perguntou
ele.
- Mas é claro Ricardo! Eu adoraria fazer isso em Portugal! Nosso
currículo irá ficar mais enriquecido! – disse Renata toda empolgada.
- Então está certo, depois eu te ligo para combinarmos tudo
direitinho. Tenho que ligar para os outros. Até mais! – disse desligando o
telefone.
Fiquei em silêncio enquanto sentia uma pontada de tristeza.
Olhando para Renata, parecia que ela estava completamente diferente.
Estava agitada e até mesmo boba em seu olhar.
- Eu não acredito! – disse ela. – É a oportunidade da minha vida!
Fazer um curso com intercâmbio desses em Portugal? É incrível! – dizia.
Eu estava em completo silêncio, estava feliz por ela ir fazer o que
estava querendo, mas um tanto triste por ela ter que deixar o Brasil por isso

A Realidade Interna 199


Loucura do Espelho
e não sabia quanto tempo iria ficar por lá. Justo agora que estávamos
começando a nos entender. Uma ponta de ciúme comoveu-me.
- Coiote, você ficou triste? – disse ela fechando um pouco o sorriso
vendo que minha alegria não era como a dela.
- Acho que não tem como não ficar, não é? – respondi largando os
talheres sobre o prato.
- Mas, por favor, entenda, eu preciso ir! – disse numa tentativa de
se justificar.
- Vá! Ninguém lhe prende. Acho que nem mesmo seu tio iria lhe
prender diante uma chance profissional tão grande assim.
- Você vai ficar legal? – perguntou ela.
- Não sei, posso tentar. – silêncio. – Assim, tão de repente, você
recebe um telefonema e tudo se acaba. Ou melhor, nem tem chance de
começar.
- Não gostaria de começar assim, mas eu volto. Dentro de seis
meses o intercambio acaba, daí poderemos ficar juntos. – disse ela
sentimentalmente.
- Não será a mesma coisa. – respondi. – E seu tio? Irá ficar do
mesmo modo do que eu. Feliz por você, mas decepcionado por ter que
perder uma funcionária. Acho que deve pensar muito bem a respeito. – falei
notando-me um tanto enciumado e não pensando na forma correta como fui
notar posteriormente.

Não consegui comer mais nada naquele dia e assim que subi para o
quarto, um nó na garganta me acompanhou durante alguns bons dias.
Fiquei deitado em minha cama pensando no que havia acontecido até ali.

A Realidade Interna 200


Loucura do Espelho
Quase desisti da idéia de tentar meditar novamente. Achei que isso tudo era
uma babaquice, e que de nada adiantaria fazer pela dor que estava sentindo
naquele momento. Era triste, mas era enraivecedor vê-la indo embora e eu
nada poder fazer a respeito. O sentimento de impotência a qual ficamos
nesta hora é indescritível. Parece que nossos sentimentos não valem nada
para a pessoa a qual amamos, e daí surge a pergunta que quase ninguém
gosta de se fazer, “será que realmente sou amado, ou amei sozinho?”.
Cochilei um pouco naquela tarde e meus sonhos me deixaram. Não
via nada além de uma grande tela negra, na qual, por mais esforço que
fizesse, não mudava de cor.
No fim da tarde, Renata foi até meu quarto e apertou a campainha.
Fui até ela e fiquei pensando se deveria abrir ou não. E não a abri, por
infantilidade talvez, mas por pura dor também, de não querer ver mais o seu
rosto.
- Coiote! Sei que está aí. – disse ela encostada à porta. – Sei que
está triste comigo, mas às vezes, nada sai como queremos. Ficamos tristes,
mas, temos que superar.
Eu, do outro lado da porta nada falava, somente escutava.
- Ricardo ligou de novo e disse que iremos amanhã. Eu estou com
todos os meus documentos aqui, então, não vejo o porquê preciso voltar até
nossa cidade, assim eu vou economizar tempo. Pedi para Abigail despachar
as minhas malas amanhã para o aeroporto. – silêncio. – Eu já liguei para
meu Tio e ele comprou a passagem para você voltar. Espero que entenda a
minha situação. Tchau. Até a volta. – disse ela e bateu vagarosamente a
mão na porta em sinal de despedida.

A Realidade Interna 201


Loucura do Espelho
- Espero que entenda o meu lado também. – falei segurando as
lágrimas.
Não fazia muito tempo que estávamos em um relacionamento, mas
por ser assim sensitivo às coisas do mundo, sou sensível também ao amor,
e foi inevitável, algumas lágrimas encontraram o chão, várias e várias
vezes. Fiquei atordoado e meus pensamentos começaram a querer me trair.
Pensei que o mundo não prestava, pois quando achávamos que
encontramos a pessoa certa, tomávamos “um tapa” com luva de pelica e o
amor se transformava em raiva e dor. Como diz uma amiga, “quero rimar
amor com bom humor, não com dor”.
Assim, lembrei-me de um acontecimento, entre os anos loucos que
havia vivido. Havia uma namorada, a qual conheci ao acaso, se é que
podemos falar assim. Era bonita, fazia faculdade de Direito, descolada em
seu jeito e completamente “underground”, quer dizer, não se fazia aparecer
na sociedade, na verdade, o tipo ideal de garota para mim. Ficamos amigos
e ela acabou vendo uma cena interessante. Estávamos em uma praça, lá
pelas oito da noite e outra garota, a qual eu não conhecia, chegou perto de
nós pedindo um cigarro. Era meu último cigarro de meu maço e mesmo
assim fui gentil e dei-lhe o cigarro. Ela acendeu e ficou conversando
conosco, logo esta minha amiga, viu que estava sobrando do assunto e logo
se retirou indo ficar com outras pessoas de nosso grupo. Eu e a garota que
havia chegado para pedir um cigarro, entramos numa conversa muito
interessante e as vezes conseguia ver a sua ingenuidade em alguns assuntos.
Logo começou a falar dela de um jeito meio convencido e dizendo que era
modelo publicitária, embora eu não a conhecesse tanto, imaginava que
poderia ser verdade por sua beleza. A princípio eu não acreditei, mas logo

A Realidade Interna 202


Loucura do Espelho
outras pessoas que a conheciam chegavam perto dela confirmando, sem eu
perguntar, que ela realmente era uma modelo. Comecei a vê-la de forma
diferente, por ser uma morena muito bonita de corpo muito escultural e
traços faciais orientais interessantíssimos, comecei a me perguntar o por
que estava ali e o que havia visto em mim. A conversa continuou e logo
começamos a chegar mais perto um do outro e assim, logo nos beijamos.
Ficamos algum tempo ali e muitos viram minha “façanha” de ter beijado
uma garota tão linda. Logo que voltei, quando a levei embora, minha amiga
chegou perto de mim e disse:
- Nossa, que garota bonita aquela, hein?
- Pois é. Disse que é modelo. – respondi meio disperso com aquele
ar de bobo de quem consegue beijar uma garota incrível.
- Nossa! Seu papo deve ser muito bom. – disse ela.
Depois deste dia, eu e essa minha amiga, começamos a nos ver
todos os dias e ficamos íntimos. Logo começamos um namoro muito louco,
fazíamos as mesmas coisas e gostávamos das mesmas loucuras. Até que
por fim, as mesmas loucuras nos aproximaram, também nos separaram.
Numa discussão besta, enquanto estávamos altos, houve um
desentendimento no qual foi o motivo de terminar o namoro e assim
começar uma parte de minha vida que pra mim é muito difícil de lembrar.
Fiquei atordoado com o que tinha acontecido e com a pouca
experiência em que tinha na época, isso foi o suficiente para que eu pirasse,
com todas as letras da palavra. Fiquei em estado de surto psicótico leve.
Escutava vozes me chamando no corredor e não fazia coisas simples sem
cometer algum erro crasso. E às vezes, de tanto que pensava, ficava
viajando em torno das hipóteses de um termino repentino de

A Realidade Interna 203


Loucura do Espelho
relacionamento. Isso daria talvez um novo livro. Como começam e como
terminam os relacionamentos.
Mas, tudo isso deu origem a uma coisa ainda mais grotesca, na
qual, foi uma das experiências mais bem suscedidas de minha vida. Quando
dei por mim que estava com o pensamento estranho, pude perceber que
meu raciocínio lógico havia aumentado, expandido. Depois de um leve
tratamento psiquiátrico de uma semana, voltei a mim, mas, agora tendo um
trunfo. Esses pensamentos lógicos deram origem a uma cena teatral na qual
percebi que muitas pessoas simplesmente são seus amigos, quando isso os
interessa. Ou seja, na verdade, de cem pessoas nas quais dizemos que
conhecemos, menos da metade não gosta de você, dez por cento fingem
que vão com a sua cara e depois, pelas suas costas, as mesmas que recebem
tapinhas amigáveis, falam tudo de sujo do que sentem por você, e agora, a
verdade é uma desilusão total, somente uma pessoa, somente uma, é seu
amigo, verdadeiro. E esse alguém, esse amigo sincero, é você mesmo.
Com esse tal, raciocínio lógico, pensei em testar algumas pessoas
as quais pensei que conhecia. Disse para todos que havia vendido a alma
para o “capeta”. Para minha surpresa, descobri que menos ainda dos amigos
que pensei que tinha, não gostavam de mim. Os outros, que ficaram ao meu
lado, ou pelo menos se mostraram ficar, eu descobri que simpatizavam com
as forças ocultas e assim pensaram que realmente eu teria algo a contribuir
com suas curiosidades, quanto aos rituais de magia negra. Bem, assim,
algumas amizades morreram. Essas, por fim, não eram amizades. Outras
ficaram abaladas, nunca voltando ao normal após o acontecido. Outras se
criaram vendo que somente eu enfrentava os assuntos que todos falavam e
não conseguiam provar. Pois muitos se diziam donos de poderes, até

A Realidade Interna 204


Loucura do Espelho
mesmo eu, mas, vi que na verdade as coisas que aconteciam e que faziam
as pessoas ficarem assustadas, eram somente as nossas energias se
debatendo, querendo encontrar saídas para que nossa rebelião juvenil fosse
escutada.
Aprendi muito a respeito de apenas aparências. Muitos se mostram,
poucos o são. Esta é uma frase a qual criei de tanto ver pessoas dizendo que
podiam ter poderes e que na verdade era tão falso quanto eu próprio.
Dizíamos que fazíamos o que queríamos, mas às vezes, os espíritos aos
quais nos seguiam, não estavam a fim de cooperar conosco, nos deixando
na mão, assim como vi várias vezes isso acontecer. Descobri também, que
nessa época é que havia sido o começo de tudo, o “clique” em minha
mente, pois comecei a entender as sutilidades das energias, não controladas
pelas mãos, mas sim controladas pela mente, que por si só controlam
nossos pensamentos e assim controlam palavras. E palavras são as chaves
de tudo. A energia me guiou até o meu encontro espiritual comigo mesmo.

Lembrei-me disso e vi que a dor era a mesma, não havia se


modificado, mas, estando eu agora mais preparado para enfrentá-la de igual
para igual. Quando nos entregamos dessa forma, não vemos o buraco ao
qual podemos cair, somente arriscamos por puro prazer de sentir um grande
amor. Mas, a cada vez que acontecia isso comigo, e não foram poucas, vi
que saia mais forte de tudo e conseguia galgar degraus mais altos ainda,
que antes eram ou somente pareciam ser intransponíveis. Se pudesse deixar
um conselho para o mundo, deixaria este:
- “Ame, ame, ame e ame. Só assim vemos quão fundo podemos cair
e depois, quando levantamos, vemos quão mais alto podemos subir.”

A Realidade Interna 205


Loucura do Espelho

Fui até o banheiro e lavei o rosto. Os olhos marejados ficaram um


pouco vermelhos. Procurei um cigarro pronto daqueles meus para acender e
descobri que não os possuía mais. Peguei um cigarro comum e fumei
olhando aquela tardinha da sacada do quarto. Assim que terminei fui até o
telefone e disse que precisava de um táxi para o terminal rodoviário. Neste
momento terminou a saga do que poderia ser uma “estação do amor”.
Antes de fechar a porta do quarto que havia sido meu por dois dias,
olhei para ele numa forma de respeito por tudo o que aconteceu ali. Alguns
dos meus sentimentos eu tinha certeza, haviam ficado junto com a porta se
fechando. Fui para a rodoviária pensando no que poderíamos ter vivido e
estes pensamentos me deixaram ainda mais triste e confuso. Desci do táxi,
paguei-o. Entrei na rodoviária e fui até o guichê da empresa, pedi a
passagem que deveria estar em meu nome, apresentei um documento e logo
a passagem já estava em minhas mãos. Fiz tudo isso sentindo ser tudo
desnecessário. Sentei-me num canto onde poderia ter ampla visão e fiquei
observando as pessoas que trafegavam por ali. Não era uma grande
rodoviária, mas seu movimento podia tomar o tempo de quem esperava um
ônibus como o meu. Os pensamentos fluíam e quando entrei no ônibus foi
muito fácil de entrar em uma profunda meditação.

O tempo da viagem inteira eu usei para ver muito de meu passado e


as coisas que havia me esquecido de aprender. E na situação que havia
acontecido na viagem era somente para que eu aprendesse que o maior
sentimento do mundo é o amor, quando é vivido intensamente. Disso, eu
não posso deixar de dizer, que é o mais belo de todos, até mesmo a bondade

A Realidade Interna 206


Loucura do Espelho
e a humildade ficam abaixo do Amor. Junção de defeitos e qualidades
existentes, dentro de um único ser.
À medida que ia fazendo as perguntas para mim mesmo, as
respondia. Fiquei ainda mais interessado quando vi que podia entender o
significado de tudo, se deixasse simplesmente meu eu interior, ou seja,
minha mente subconsciente, agir por mim e me fornecer ou levar-me à
resposta. Estava então começando a entender e a controlar o que antes era
apenas um espasmo.
A viagem transcorreu muito bem e logo estava de volta em minha
cidade. A madrugada era alta e estava na plataforma de desembarque da
grande rodoviária. Olhei para um lado, olhei para o outro. Tentei achar
alguém que gostaria que estivesse a minha espera. Mas, não vi Renata.
Estava longe agora. Comecei a caminhar de volta para meu apartamento e
tive uma surpresa. Enquanto caminhava com minha mala ao ombro e um
cigarro fazendo fumaça ao canto da boca, escuto um carro aproximando-se
e com um barulho baixo por se tratar de um carro de luxo. O vidro é
abaixado e nem mesmo percebo quem é, somente depois de falar.
- Como vai Coiote? Como foi de viagem? – perguntou Fagundes
com sua voz forte e adocicada.
- Olá Sr. Fagundes. Foi bem, tudo muito bem, se não fosse... – falei
parando ao meio vendo que já iria falar alguma besteira.
- Sim, sim Coiote, eu sei que é um pouco difícil. Mas, o que você
tinha que passar, somente você iria passar, não é? – disse isso por final e
me convidou. – Vamos! Entre, vamos comer alguma coisa.
Entrei no carro, o silencio dentro dele com a figura de Sr. Fagundes
ao meu lado e o som, de muita qualidade, que seja dito, tocava uma

A Realidade Interna 207


Loucura do Espelho
sinfonia muito bem executada. Pensei que aquilo sim era coisa do “capeta”,
não o Rock and roll. Se escutar uma sinfonia com todos os instrumentos e
vozes, “góticos”, como o são, pode-se ver que este som é muito mais
interessante que o Rock. Mas, este é um assunto que talvez não seja o
momento certo para que eu comente.
O som me fez ir muito longe a ponto de perguntar para o Sr.
Fagundes se ele tinha algum cigarro diferente com ele. Depois que fiz esta
pergunta é que notei o que acabara de falar. Fagundes primeiro se assustou
com o que eu disse, tão levianamente, mas, depois riu e colocou a mão ao
bolso, tirou uma caixinha e pôs em minhas mãos. Abri-a com os olhos
interessados e para minha surpresa estava ali o que eu queria. Coloquei-o a
boca e acendi. Tirei algumas tragadas e logo passei para Fagundes que
segurando a direção com uma das mãos conseguia dirigir perfeitamente.
Estava de volta à minha realidade dentro de minha mente. Precisava
daquilo para colocar a mente no lugar e conversar as coisas certas com
Fagundes, que, não por acaso, pois, sabia a que horas eu chegaria por ter
sido ele quem comprou a passagem.
- O que acontece agora? – perguntei.
- Coiote. Você tem uma mente muito interessante, talvez suas
perguntas sejam diretas demais para as outras pessoas e por isso digo que se
quiser entender alguma resposta minha, terá que fazer perguntas um pouco
mais longas. – disse ele e riu. – Não consigo entender perguntas ao pé da
letra, entende? – disse ele olhando para mim com um sorriso paterno.
- Bom, então me deixe reformular a pergunta. – fiquei um tempo
em silêncio cortado por ele.
- Coiote, lembra-se que antes falava consigo mesmo, não é?

A Realidade Interna 208


Loucura do Espelho
- Sim, eu jamais esquecerei disto!
- Pois bem, quando acontecia isso, como já lhe foi explicado...
- Então, aquilo tudo foi real? – perguntei interrompendo-o.
- Sim, lógico! Ou não se lembra do galho em sua mão?
- Lembro! – falei. – Mas não achava que...
- Coiote, apenas escute. Você tem uma mente avançadíssima, tanto
que conversava consigo mesmo pensando que estava conversando com
alguém de outra realidade. – disse Fagundes.
- Mas, e todas as coisas que eu e meu “outro eu” fizemos juntos?
Não foi real tudo aquilo? Eu o vi lavar a louça, fazer comida e várias outras
coisas! Como se explica isso? – perguntei o colocando na parede, ou pelo
menos pensei que o colocaria.
- Então Coiote. Isso tudo, foi sim, ilusão de sua mente. Acho que
agora você conseguirá entender que nossa mente pode fazer coisas
gigantescas, sabendo ou não que as podemos realizá-las. – disse ele sem
delongas.
- Nossa! Agora tudo faz mais sentido. – falei. – Minhas respostas
são mais diretas do que as perguntas, embora eu mesmo as fizesse.
- Chegou a mais um ponto de seu aprendizado. Aprendemos
conosco muitas coisas que achamos estar longe de aprendermos. Assim,
tudo fica mais confuso e o que é confuso é mais interessante, não acha? Se
aprendêssemos com alguém que esteja dentro de nossa realidade apenas,
acharíamos que estes ensinamentos fossem somente bagatelas de alguém
louco em seu modo de ser, até mesmo excêntrico. Mas não, se aprendemos
com “outro eu” que sai ao espelho, iremos dar mais créditos a nós mesmo
sem ao menos saber, e, quando descobrimos que se trata somente de nós

A Realidade Interna 209


Loucura do Espelho
mesmos, aí é que ficamos mais maravilhados ainda vendo que nosso
potencial mental é realmente infinito.
- Incrível! – falei.
- Agora se quiser perguntar, então? – disse ele.
- Por que somos assim? Digo, nossas mentes nos pregam peças, nos
fazem procurar coisas em nosso passado e ainda assim nos fazem sofrer
diante uma situação que não queríamos passar?
- Esta pergunta foi muito bem formulada. Acho que deve ter
pensado em muita coisa nestas horas de viagem, não é? – disse Fagundes
com seu sorriso.
- Sim, acho que não consegui pensar em outra coisa. – falei
desanimado. – Se estou aprendendo tanto comigo mesmo, por que ainda
tenho que me sentir triste, traído?
- Tudo bem Coiote, eu também me decepcionei com Renata, mas, o
livre-arbítrio é o nosso mais puro poder, é a nossa livre escolha. – houve
silêncio. – Vivemos todos dentro de uma realidade contextual.
Simplesmente há uma sociedade, cidadãos, empregos, dinheiro e artefatos
luxuosos para se comprar. Se limitarmos a somente isso, estaremos numa
realidade. Se não, se olharmos um pouco mais para dentro, iremos ver que
temos a nossa realidade dentro de nós. Nossos sonhos, nossos desejos,
ideologias e outros pensamentos que estão incrustados dentro de nosso ser.
Assim, “tudo o que está dentro é como está fora e o que está em cima, está
também embaixo”, vendo assim estas palavras antigas encontradas num
certo túmulo, as coisas podem ser feitas de uma forma que não há sentido
prático para nós, enquanto as passamos. Mas futuramente, tudo entra em
perfeita harmonia.

A Realidade Interna 210


Loucura do Espelho
- Parece complicado de se entender. Percebo que estou pegando o
que quer me dizer. – falei tentando enrolá-lo para dar tempo de entender o
que estava falando.
- Bem, vou explicar de outra forma agora. Enquanto vivemos as
coisas pensando num objetivo, tudo ao nosso redor conspira para
aprendermos o que precisamos para atingir nosso objetivo. Mas, isso não
acontece somente por estarmos pensando no que queremos. Tudo isso
somente acontece quando nossa mente está preparada para isso. Vê? Às
vezes pensamos em querer sair para desfrutar de uma noite em companhia
agradável. A primeira coisa que vem a minha cabeça quando penso nisso é
do bom banho que irei tomar e da roupa que eu irei usar. Isto é uma
projeção de minha mente quando iremos fazer algo deste tipo. E a nossa
mente sempre faz essas projeções, mesmo estando ainda inconsciente
quanto a esta tarefa realizada por ela.
- Nossa! Sr. Fagundes, como pode explicar-me coisas tão
impressionantes e ainda mais, fazer-me entender o significado? – falei
demonstrando estar realmente muito surpreso. – Tudo o que disse se
encaixou perfeitamente no que aconteceu no hotel.
- Sim Coiote. Eu sei! Tudo se interliga, lembra? Todos os assuntos
estão interligados por um pensamento, ou seja, pela mente. Sua mente
trabalha conforme o que tem que aprender, pois ela já sabe qual é o
caminho. A mente de Renata, por sua vez, trabalha pela sua necessidade de
aprendizado, por não saber ainda onde está o seu caminho, e nossa mente
infinita, quer dizer, a que está ligada a tudo e ao todo, faz que as pessoas
que precisam aprender determinadas coisas, sofram determinados
momentos com determinadas pessoas para que possa fazer com que elas

A Realidade Interna 211


Loucura do Espelho
aprendam o que necessitam aprender. Entendeu? É uma coisa muito louca,
mas não nos encontramos por acaso! Você precisava aprender uma situação
que somente iria passar com Renata, e ela, provavelmente iria, irá ou já
aprendeu algo que somente você pôde oferecer. Entendeu o pensamento
universal?
A cada palavra sua tudo fica cada vez mais transparente!
Surpreendi-me.
- Eu era cego e não podia ver, mas a hora certa chegou para que eu
visse isso, e com a sua ajuda, a qual eu tenho um respeito enorme! Quer
dizer, tudo está acontecendo desde que me encontrou na rodoviária! – falei
sentindo-me grato por ter encontrado ao Sr. Fagundes.
- Sim! Tudo que acontece, tem a sua origem! A sua origem, talvez
tenha sido quando decidiu sair de casa, e a minha, foi na hora que descobri
que eu não era o único garoto que tinha uma mente distante. – disse
Fagundes.
Houve um silêncio inevitável, a música ainda tocava. Baixa, como
estava, propiciava um grande prazer. Escutar a orquestra sinfônica e ao
mesmo tempo entrar em assuntos cada vez mais profundos sobre mente
humana. Comecei a pesar a minha sorte de ter encontrado pessoas tão
magníficas, e mágicas, quanto Sr. Fagundes, Renata, Abigail, meus amigos.
Ter nascido na família que nasci, mesmo às vezes não nos dando bem. As
coisas são assim para que consigamos chegar a sermos mais. Embora
algumas pessoas consigam deixar tudo de lado e se deixarem levar por uma
maré de azar ou de pura tristeza. Sabendo agora que tudo o que acontece é
fruto de nossas próprias mentes, podendo assim aprender a controlar, tenho

A Realidade Interna 212


Loucura do Espelho
certeza que podemos escrever a vida de forma mais bonita, sem
esgarranchos e chegando a uma pureza espiritual gigantesca.
- Está com fome? – perguntou Fagundes. – É bom comer alguma
coisa depois de fumar e escutar coisas tão mirabolantes. – disse ele jogando
o resto do pequeno cigarro pela janela do carro. – E ainda mais, quando
comemos algo depois de escutarmos algo tão gigantesco, a própria digestão
do alimento que ingerimos, ajuda o cérebro a também digerir o que
escutamos. Os processos são os mesmos. De todas as palavras que disse o
cérebro irá refletir e depois ficará somente com a essência do que eu disse,
assim como a digestão de alimentos.
- Ainda tem mais essa? – perguntei.
- Sim! Muitas coisas se assemelham, não somente em explicações,
até mesmo quando despejamos besteiras em forma de pensamentos
sórdidos. Mas, dentro, tudo já existe e são feitos de várias formas.
- Sr. Fagundes, nunca pensei em ter uma conversa destas, dentro de
seu carro, a essas horas da madrugada e ainda, depois de ter fumado um
cigarro “legal” com o Senhor! – falei olhando para ele como se fosse um de
meus amigos.
- Bem Coiote, as coisas às vezes se desenrolam de uma forma que
não podemos entender, somente temos que deixar fluir, para não estragar o
que o universo nos reserva e revela. E pelo que consigo sentir com tudo
isso, você irá se sair muito bem. Se fizesse simplesmente o mesmo que eu,
já iria estar bom, mas não, você parece ser querer fazer coisas a mais.
Aquelas palavras ficaram dentro de minha mente enquanto
fazíamos um lanche dentro de um posto de gasolina, onde havia uma

A Realidade Interna 213


Loucura do Espelho
lanchonete vinte e quatro horas. Logo que terminamos, Fagundes me levou
até seu prédio, onde havia me dado morada.
- Às vezes fico pensando. – falei enquanto saia do carro e fechava a
porta. – Meu apartamento, - falei agachando a beira da porta do passageiro.
– é tão estranho!
- Por quê? – perguntou Fagundes.
- Não sei, parece irreal. – falei.
- Tudo é irreal, somente o que está dentro de você é real, se assim o
desejar e realmente quiser. – disse ele em tom forte.
- Obrigado Sr. Fagundes! Por tudo! – falei a Fagundes.
- Sim, eu também lhe agradeço. Assim como vai, volta. E tenho
certeza que você é muito mais do que ouro, jade ou qualquer outro material
precioso. Se não, não estaria aqui. – disse. – Bem, está tarde, ou seja,
amanhã lhe vejo na fábrica. Seu horário agora é o horário de escritório,
tudo bem? – disse ele e concordei com a cabeça, fazendo-o arrancar com
seu carro importado.
Virei-me para entrar em meu prédio e o porteiro logo disse:
- Bom dia Coiote!
Olhei para o tempo e estava quase amanhecendo.
- Bom dia Osvaldo! Como vai?
- Tudo bem. Vi que chegou com o Sr. Fagundes.
- Sim, ele me pegou na rodoviária e fomos comer alguma coisa. –
respondi entrando no prédio não com muita vontade de conversar, gostaria
de entrar em contato com minha mente e não pensar, mas debater com ela.

A Realidade Interna 214


Loucura do Espelho
Subi o elevador e fiquei a observar a realidade dentro do elevador.
Vi um pequeno bichinho batendo asas no canto superior do elevador, daí
pensei que a sua realidade fosse muito pequena, menor que a minha.
Imaginei que as várias realidades as quais pensei que existia, quando
conversava comigo mesmo, eram em várias formas longe daqui, mas agora
percebo que todas essas realidades estavam sempre ao meu lado, nesta
própria realidade em terceira dimensão que a enxergamos. Primeiro, porque
não podemos enxergar outras dimensões existentes aqui, mesmo junto
conosco, pois temos um artefato que nos faz enxergar somente uma
dimensão. Se os homens construíssem, talvez um tipo de mecanismo, ou
máquina, para que pudéssemos ver outras dimensões, tenho certeza de que
assustaríamos com a imensidão das coisas que poderíamos ver, primeiro
por sermos imperfeitos e segundo por não sabermos o que há em torno de
nós mesmos.
Cheguei à frente de meu apartamento e lembrava-me de quando as
realidades convergiam. Foi para mim um susto vê-la pela primeira vez.
Mas, notei que mesmo eu não enxergando realmente a realidade, a
realidade sobreposta me fez imaginar coisas que antes eu nunca havia
parado para pensar. Entrei e olhei as paredes laranja, o tapete verde, novo e
ainda maior do que o outro. Isso tudo me chamou a atenção. O que está
dentro, também está fora! Como pensamos, assim executamos! Como
sonhamos, assim se concebe e se cria! Realmente estava extasiado e
contente por saber isto.
Fui para o quarto, os móveis haviam chegado e estava tudo bonito
dentro. Não havia mais as roupas jogadas em caixas e penduradas em
pregos pela parede atrás da porta. Tudo havia se renovado, inclusive eu!

A Realidade Interna 215


Loucura do Espelho
Deitei-me e fiquei a pensar naquela escuridão parcial, até que os
primeiros raios entraram pela janela, foi quando peguei no sono.
Acordei pelas oito e meia e levantei-me, estava cansado, mas sabia
que teria que estar na fábrica às nove horas da manha. Às oito horas era o
horário certo, mas, como o próprio Sr. Fagundes sabia a que horas havia
chegado e também, como tudo havia acontecido, com certeza e sem sombra
de dúvidas, me daria um desconto. Passei na padaria para o desjejum típico
e depois fui para fábrica. Passando em frente algumas lojas de roupas,
pensei que poderia mudar um pouco, tornar-me mais apresentável. Mesmo
assim, àquela hora, não seria a hora certa.
Cheguei a fábrica e todos me cumprimentaram da mesma forma.
Fui até o escritório do Sr. Fagundes que me esperava ansiosamente,
passando pelos outros escritórios e chegando ao escritório que era de
Renata, vi que havia uma caixa grande com estampa de um computador na
parte de fora.
- Olá Coiote. Sei que não tiveram a Convenção, mas, pedi um
computador, e agora tudo o que Renata faria passou para você. Então, você
será incumbido das tarefas de gerente. Comece por onde achar que pode dar
certo. Confio em você e somente espero resultados positivos. Pelas idéias
que surgiram de sua mente, tenho certeza que irá fazer tudo ficar mais
tranqüilo. Pode ficar com a sala de Renata agora. Tudo bem filho?
Ainda triste, voltei-me então para aquela sala. Era estranho ver que
agora, ali, ninguém me receberia de forma gentil e carinhosa com que
Renata me recebia. Não teria mais beijos e abraços. Abri a caixa e vi o
computador dentro dela. Olhei para cima da mesa e vi que algumas coisas
teriam que ser mudadas. Alguns dos livros que ficavam em cima da mesa

A Realidade Interna 216


Loucura do Espelho
foram para a estante, já abarrotados de livros caixa e outros do mesmo
gênero que ficavam de frente para mesa, encostado à parede.
Assim que terminei de instalar o computador em todas as suas
ligações periféricas, sentei-me a sua frente para ligá-lo. Vi o meu reflexo na
tela do computador. Meus cabelos desbotados estavam me deixando
abatido, estranho. Fagundes realmente sabia meu potencial, pois se não,
aquilo tudo não estaria acontecendo pelos meus modos de vestimenta e
estilo de cabelo. Antes mesmo de ligar o computador eu saí e fui cortar o
cabelo. Passei num salão de cabeleireiro ao qual costumava ir para pintá-lo.
Pedi um corte fino, sóbrio e pintei o cabelo da cor natural, um preto
luminoso. Fiquei um tanto mais jovem me cuidando daquele jeito. Voltei
para o meu trabalho.
Quando entrei e liguei o computador Fagundes saiu de sua sala e
tomou um susto.
- Quando foi que fez isto no cabelo? – perguntou.
- Agora. Saí durante meia hora e voltei. – respondi. – Espero que
não se zangue por não ter avisado. – falei.
Fagundes simplesmente não respondeu, mas sorriu de forma
surpresa.
- Desligue o computador, vamos ter que ir conversar com o gerente
do banco. – falou em seqüência.
Não entendi muito bem aquele pedido sério e sóbrio, nos mesmos
moldes do meu novo corte de cabelo. Mas, fiz o que pediu. Logo desci atrás
dele. Parou para tomar um café na cozinha e conversando com uma das
empregadas que faziam a limpeza. Tomei uma xícara de café e fomos para
o banco.

A Realidade Interna 217


Loucura do Espelho
No caminho Fagundes abriu suas idéias para mim o que me deixou
um tanto confuso.
- Coiote. Acho que agora tudo pode mudar muito, para você. E pelo
que vejo, para mim irá mudar um pouco também.
- Por que diz isso Sr. Fagundes?
- Pelo simples fato que agora está na hora de começarmos a agir.
Temo que o tempo passe e fiquemos para trás nesta “onda” de exportação.
Renata não está aqui, e você agora é meu supervisor de tudo. Quero que
você aprenda a como falar com gerentes de banco e outros donos de
fábricas, nas quais possivelmente estaríamos interessados em vender para
eles.
- E o que quer que eu faça? – perguntei ingenuamente.
- Faça o que sabe! Estas tuas idéias brotam de sua mente? Não
brotam? – perguntou ele olhando-me.
- Sim, às vezes, elas caem como se fossem um tijolo em minha
mente. – respondi.
- Então, as faça virem conscientemente. Entende?
- Sim, entendo. Fazer espasmos serem atos conscientes. – falei
olhando para o movimento da rua ao meu lado.
- O que disse? – perguntou Fagundes olhando para mim.
– Nada. Pensei alto. O que será o assunto que irá conversar com o
gerente do banco?
- Associação de Tecelagem. Mas, não tenho nenhuma interação
com este assunto. Estava conversando com ele sobre isso agora ao telefone
e pediu para que eu fosse ao banco para que conversássemos melhor. –
disse ele. – Não tenho nem idéia.

A Realidade Interna 218


Loucura do Espelho
- Isso pode ser muito interessante. – falei como se recolhesse
informação retida sobre isso dentro de minha mente.
- Então me diga o que sabe deste assunto! – exclamou ele num tom
do tipo, “me salve!”.
- Bem, pelo que sei, uma associação é sempre benéfica para que tal
produto possa ser beneficiado e depois ser vendido por um preço mais
honesto para quem teve o trabalho mais árduo de agregar valores ao
produto.
- Sim, isto é verdade. Mas, qual o benefício ao banco?
- Bem, isto eu não posso precisar, mas acho que o banco pode ser
beneficiado nas transações comerciais para o exterior. Sabemos que os
bancos ganham porcentagens de transações bancárias, se não, não teríamos
tantos impostos e taxas. E esta carga tributária de execuções de exportação
pode ser um pouco maior. E, sendo que antes não estaríamos vendendo
para o exterior, não estaríamos dando este tal lucro para o banco. Porém, se
nos ajudarem a fazer este tipo de associação para a exportação de um
produto, com certeza o banco também entraria em outro tipo de
negociações e até mesmo, o banco, sendo uma consultoria em detalhes de
exportação.
- Magnífico! – exclamou ele parando já a porta do banco.
Entramos eu e Sr. Fagundes dentro da agência bancária. Ali todos
que trabalhavam naquela agência conheciam o Sr. Fagundes e estranharam
ele entrar com um garoto ao lado que mais parecia um daqueles roqueiros
da cidade, embora já houvesse mudado um pouco. Pelo menos o corte e a
cor do cabelo. Fomos atendidos por também um jovem senhor que era o
gerente daquela agência. Logo, Fagundes me fez explicar todo aquele

A Realidade Interna 219


Loucura do Espelho
processo que havia dito e que na verdade não seria desconhecido para o
gerente, que, mesmo assim, ficou impressionado com a ideia que obtive.
- Não é impressionante? – disse Fagundes. – Ele somente terminou
o ensino médio!
- Pois bem, Coiote, não é? – disse o gerente do banco e acenei
positivamente com a cabeça. – Você está completamente certo com relação
ao que disse. Mas, será possível encontrar empresas no exterior que
pagariam bem para este tipo de material, ou produto?
- Bem, Sr. Antônio. – como vi em sua placa sobre a mesa
mostrando ser observador. – Acho que, não, melhor, tenho certeza que
como aqui se fabricam tecidos e nossa região é chamada de pólo têxtil, em
outro lugar do país, ou do mundo, alguém usa esses tecidos para que se
façam roupas. O detalhe em si, é a qualidade do produto. Se melhorarmos a
qualidade, não querendo dizer que este não tem qualidade, melhoraremos o
preço e depois melhoraremos os compradores. Algumas de nossas melhores
produções são compradas por marcas famosas, por que não melhorar a
produção, juntarmos os melhores tipos de material e vendermos prontos
para o consumo? Ou melhor, por que não criarmos nosso próprio logotipo
de roupas? Uma marca! – falei calmamente não sabendo de onde estava
tirando todas aquelas idéias.
- Este garoto vai longe Sr. Fagundes! – disse o gerente do banco
com um sorriso de espanto ao rosto.
- Pois bem. Como disse, como podemos fazer este aumento de
produções e depois uma marca? – perguntou Fagundes.

A Realidade Interna 220


Loucura do Espelho
- Bem, se demonstrarmos esta ideia para um grupo de empresários
neste ramo têxtil, podemos talvez formar esta sociedade, e daí, então,
colocarmos este mero pensamento em execução.
- Precisaríamos de costureiras, onde as encontrar? – perguntou o
gerente.
- Simples! Associações de bairros sempre têm aquelas costureiras
que trabalham para a própria vizinhança, daríamos cursos a elas e depois
em troca seriam funcionárias da fabricação de roupas.
- Impressionante! – disse o gerente.
- Pode arrumar isto? – perguntou Fagundes.
- Sim. Se tiver em minhas mãos o que eu preciso! – respondi.
- E o que precisa? – perguntou o gerente.
- Internet.
Os dois se entreolharam e riram. Logo estava eu em minha sala
com um computador avançado, com relatórios de empresas têxtil e
levantamento de empresas que pudessem sem possíveis compradores das
peças de tecidos.
Tínhamos primeiro que criar a associação, pois somente assim
deveríamos conseguir o dinheiro para fazer a nossa própria fábrica de
roupas, por meio de sociedade com todas as empresas participantes da
associação. Primeiro, iríamos ver o que aconteceria com um número maior
de toneladas de tecidos, depois, aumentaríamos os preços somente com
tecidos de primeira linha. Dois meses de experiência foram suficientes para
provar que nosso plano daria certo. Neste meio tempo, Sr. Fagundes
reformou a sua outra fábrica, que há muito estava desativada. Acabaram-se
assim os belos cenários que tínhamos do pôr-do-sol de cima da laje, do que

A Realidade Interna 221


Loucura do Espelho
era a parte dos escritórios. Com o fim da reforma, pudemos ver o tamanho
real da construção e, diga-se, era imensa! Mais ou menos depois de quatro
meses que foram iniciados os pensamentos, tudo se tornou realidade.
Estava eu agora, rodeado de pessoas influentes, donos de Fábricas
de tecido da região e políticos que estavam interessados em ver o que havia
de novo naquilo tudo, percebendo assim que não havia novidades, somente
uma força de fazer as coisas acontecer. Estava neste momento
completamente mudado em minhas vestimentas. Corria de um lado a outro
somente de roupas sociais e mesmo assim tinha tempo para minhas viagens
comigo mesmo. Estes seis meses que se passaram, estava eu outro homem,
mais seguro, social e até mesmo mais inteligente. Soluções práticas vinham
em minha mente a cada segundo fazendo outros se surpreenderem com a
velocidade de raciocínio, bem como a mim mesmo.
O tempo passou e aquilo tudo estava me cansando. Olhava ao
espelho e não me via. Somente um rosto novo que me tornei. Nem mesmo
lembrei que Renata iria voltar no fim desses seis meses.
Por final, estavam todos satisfeitos comigo. Recebi premiações das
empresas que eu ajudei a crescer com minhas pequenas idéias. Do banco,
que entrou em outro tipo de atividade em exportação e de Fagundes, que
viu sua fábrica antiga receber novos funcionários, o que o deixava
extremamente satisfeito.
Um belo dia sentei-me no banco da praça e fiquei a observar. Nesta
data não estava fumando, nem mesmo cigarros de nicotina. Vi o
movimento constante do centro da cidade. Pessoas caminhavam com suas
marchas, cada qual com a sua pressa. Jovens sentados aos bancos, alguns
encabulando aula, outros, somente por diversão ficavam ali conversando.

A Realidade Interna 222


Loucura do Espelho
Os universitários desfilavam com seus uniformes brancos, ou jaquetas de
seus cursos. Uma mistura de culturas era esta cidade, mas, todos, nem
sequer um, pensava em outra coisa a não ser as próprias questões materiais.
Fiquei a observar, o que uma cidade como aquela teria para que tantas
pessoas estivessem unidas, vivendo em comunidade, mas, ao mesmo
tempo, tão longe dentro de suas próprias mentes. Às vezes, não é o mundo
que está perdido, são somente as mentes que estão perdidas. Se perdem em
pensamentos superficiais.
A cada minuto que se passava e a noite ia caindo, eu olhava tudo
com certo desprezo. Mesmo as pessoas descansando, tudo era tão leviano,
outras vezes, tão sério. Hoje, as pessoas resolvem o que é de primeira
importância de acordo com o seu bem-estar. Não se preocupando com o
bem-estar dos outros. Alguns se deixam levar por momentos falsos de
alegria e depois choram copiosamente por dias a fio. Outros acham que seu
rico bolso trará a felicidade, mas tem medo de sair à rua e ser seqüestrado,
enquanto, outros, que por motivos que abstenho em mencionar, procuram a
loucura e a vida sem regras, deixando-nos constrangidos quando pedem
dinheiro para se embriagar ou se drogar. Por um lado, somos nós os
culpados, mas por outro, não temos nada a ver com a mente de ninguém,
somente com a nossa.
Se soubermos o que fazer para melhorar, devemos fazer e ainda,
devemos ensinar os outros a fazerem o mesmo, desde que este se disponha
a também melhorar. Não se ajuda quem não quer ser ajudado. Mas, todos
devem se sentir amados, da forma que também possam amar os outros e a
si mesmo.

A Realidade Interna 223


Loucura do Espelho
Com todos esses pensamentos fui para minha casa. Não estava mais
morando no prédio de Sr. Fagundes. Com as premiações estava satisfeito
com a casa que havia comprado, simples, com dois quartos, sala, cozinha,
banheiro e área externa, o que me possibilitou a obter um cachorro. Entrei e
o filhote já estava com fome e latindo para mim de uma forma encantadora
que um filhote faz. Sentei-me, depois de colocar a sua ração, para assistir
um pouco de TV. Olhei para o meu violão e vi que havia muito tempo
parado de tocar meu instrumento favorito. Antes, gostava de escrever
minhas músicas e me lembrando disso, fui até o quarto e baguncei-o
procurando pelas pastas onde estavam minhas músicas.
Quando achei, a sensação de nostalgia travou em minha garganta.
Lembrei-me quando toquei na primeira banda. Aquele filme novamente
voltou dentro de minha mente. Peguei-me pensando com dezoito anos, um
cabelo cacheado, uma faixa à cabeça e um cavanhaque engraçado. Não
tinha voz e meus companheiros cantavam melhor do que eu. Fazíamos
músicas na praça, sempre com três violões, sentávamos e começávamos a
cantar. Interessante é que muitos paravam para ouvir fazendo amizades
conosco e a nossa turma ali ia aumentando. Nesta mesma data é que
tivemos os primeiros contatos com o que dizíamos ser o assunto místico,
nada mais sendo, do que a nossa força mental. O filme transcorreu assim:
Estávamos sentados à porta da casa de um dos integrantes da
banda. Estávamos tocando violão e o bairro era de classe mais elevada, não
poderia ser diferente e tudo estava muito tranqüilo naquela rua. Eu havia
conseguido um cigarro “especial”, pequeno, e ali, acendi. Estávamos em
quatro, eu, mais dois da banda e um de nossos amigos. Acendi o cigarro,
um deles não fumou, o outro já fumava e ainda outro nunca havia

A Realidade Interna 224


Loucura do Espelho
experimentado aquilo. Mesmo assim passei para ele. Assim que
experimentou, gostou imediatamente do seu efeito. Foi o primeiro que eu
levei para o “mau” caminho.
Logo percebi que estávamos cheios de idéias mirabolantes,
musicais e outras nem tanto. Começamos a ensaiar e vimos que não
dávamos conta de tocar naquele estado. Paramos por ali mesmo e toda vez
que íamos ensaiar algo musical, deixávamos de fumar horas antes. Daí
transcorria bem os ensaios. Arrumamos mais um guitarrista e o baterista. A
banda começou a ensaiar quase que todos os dias. Ficamos bons e tocamos
em alguns lugares com as boas perspectivas de irmos tocar em outros
lugares ainda maiores.
Fomos chamados para tocar num clube, onde haveria uma festa de
uma escola da cidade. Levamos os instrumentos e começamos a ensaiar
bem cedo no clube. Tentávamos tirar alguma música nova, nem mesmo
lembrava-me desta cena que, pelo jeito, minha mente ainda sabia. Uma
discussão aconteceu e quase eu saí da banda naquele momento, mas éramos
muito bobos, e uma palhaçada fez com que toda a discussão fosse somente
um momento de rir um pouco.
Paramos de ensaiar e ficamos andando por ali até dar a hora certa
de subirmos ao palco, quer dizer, não havia palco, era um canto da quadra
onde íamos tocar. Mas, tudo bem, como éramos todos moleques, não nos
preocupava onde íamos tocar e o que iríamos ganhar, queríamos
simplesmente tocar.
Depois de tudo o que tinha que acontecer dentro do evento, antes
que tocássemos, terminou, começamos a reunir a galera da banda e um dos
integrantes foi encontrado completamente bêbado. Daí para frente pode-se

A Realidade Interna 225


Loucura do Espelho
imaginar o que aconteceu. O público foi saindo devagar e por final estavam
somente nossos amigos, alguns chateados e outros gostando do
desempenho do bêbado fazendo coisas engraçadas e sem sentido no que era
para ser um palco.
Saí de lá com pelo menos uma coisa na cabeça, não poderíamos
encontrar o sucesso se tivéssemos problemas com álcool. Algum tempo
depois tocamos bem, houve um evento grande na praça da cidade e nós,
bem como muitas outras bandas da cidade também tocaram. Ali, foi, sem
dúvida, a melhor apresentação de que pudemos fazer. Logo nos juntamos e
fomos gravar. Toda aquela cena me deixou muita saudade quando estava
vendo-a. Mas, lembrei-me também das discussões dentro do estúdio, por
sempre sair algo errado e ter que voltar tudo desde o começo.
Com o tempo as brigas e discussões foram tomando proporções
maiores e eu acabei desistindo de tocar. Disseram muitas coisas de mim
quando saí da banda, coisas que não eram verdades, e sim, mostravam o
quanto éramos muito imaturos quanto a tudo o que estava acontecendo e o
que ainda poderia acontecer. Tínhamos músicas muito boas, por se tratar de
três compositores na banda, cada qual com o seu estilo. Mas, a mente, não
estava preparada para o sucesso. Nenhum de nós tinha, suficientemente,
uma estabilidade para não contemplar tudo de uma forma somente onírica.
Ensaios foram ficando de lado, responsabilidades descumpridas e assim
tudo desmoronou. Depois que saí, ainda tocaram junto por mais um tempo
e fizeram muitas músicas boas, ganhando até mesmo festivais.
Neste tempo inteiro que fiquei parado, acabei tocando poucas
coisas com outras bandas e logo desisti de tudo também. A única coisa que
não parava de acontecer, era quando chegava alguma inspiração e eu

A Realidade Interna 226


Loucura do Espelho
escrevia uma música nova. Decidi que então, vendo todo aquele filme, que
voltaria a tocar.
Voltei a estar em minha casa agora, a visão de meu passado me
assustou um pouco e me deixou um pouco triste. A rapidez em que entrei
nesta viagem ao passado assustou-me, pois nem mesmo havia começado a
meditar. Porém, percebi que tudo aquilo era o que tinha realmente que
acontecer. Os planos que fazemos e que não dão certo, são porque
simplesmente não chegou a hora de dar certo. Ou, não estamos preparados
mentalmente para o que queremos. A maturidade não chega somente com
as coisas que dão certo. Sim, amadurecemos com um casamento, com um
bom emprego, com uma boa família, mas, aprendemos mais quando tudo
sai errado e nos joga ao chão de cabeça, causando até mesmo algum tipo de
ferimento. Daí nossa mente, se for trabalhada, irá não somente ver o
fracasso, mas poderá aprender algo com esse “lado” errado, ou melhor, o
“ferimento” do fracasso. Ferimento este que enquanto cicatriza, faz com
que meditemos, mesmo não sabendo meditar, no que deveríamos ter feito
para não chegar naquele fim desastroso. Temos sim as nossas escolhas, e
mesmo elas acertadas, ou não, elas nos levarão a diversos lugares como
final de um destino. Na verdade, os destinos são escolhidos como que numa
rodoviária. Se escolher ir para São Paulo, dentro de algumas horas estará
em São Paulo. Se escolher outro destino qualquer, estará lá. Assim, não
podemos espernear com o final que temos, pois nós mesmos escolhemos!
Quer dizer, pegamos o ônibus que nos trouxe até onde nos encontramos
neste momento. O detalhe é escolher um ônibus certo, ou agradável, para o
momento, pois, nunca paramos de pegar esses “ônibus”.

A Realidade Interna 227


Loucura do Espelho
Cheguei à conclusão do que era para aprender naquela ocasião e
fiquei satisfeito com tudo. Peguei o violão e comecei a tocar, dando vazão
novamente aos meus pensamentos.
Este pensamento se tornou um pouco confuso dali para diante.
Lembrei-me da Fábrica nova, onde antes íamos curtir a noite por ela estar
desativada. As roupas estavam sendo fabricadas ali agora e como já havia
visto quando imaginei tudo. Mas, aquilo não era o que estava me dando
satisfação. O que será que me daria tal satisfação a que procurava?
Lembrei-me de Renata. Um arrepio percorreu meu corpo somente com o
pensamento indo até ela. Tudo poderia ser diferente, mas, eu não estaria
fazendo tudo aquilo. Tudo era a hora certa para acontecer. E agora, estava
na hora certa de sair um pouco e ficar a mercê, ou seja, deixar que tudo
conspire ao meu favor para que eu consiga encontrar outra coisa para se
fazer.
Depois de um tempo pensando em algo, decidi fazer uma visita ao
Sr. Fagundes. Cheguei até a entrada daquela fábrica que antes era ali que
costumávamos beber.
Entrei nos escritórios e encontrei o Sr. Fagundes, todo feliz, como
se não bastasse àquela antiga fábrica ter voltado a funcionar.
- Como vai Coiote? – perguntou ele me dando a mão e me puxando
para um abraço como era de seu costume agora.
- Vou bem Fagundes. Tudo certo. E como vão as fábricas?
- Muito bem. Tudo está dentro do esperado e teremos em breve
mais uma grande quantidade de roupas populares para mandar para as lojas.
O que acha agora de me ajudar a fazer uma rede de lojas para vender direto
da fábrica? – perguntou ele.

A Realidade Interna 228


Loucura do Espelho
- Muito boa idéia Sr. Fagundes, mas, eu gostaria de perguntar isso
para o Senhor.
- Isso o que? – disse ele.
- Acho que tudo não me fez feliz, mas, vejo que o Senhor está feliz.
- Mas como? Não entendo por que não está feliz! – exclamou
Fagundes.
- Bem, isto é a verdade. Acho que preciso de mais, não dinheiro,
mas, espiritualidade.
- Sim Coiote. Agora lhe entendo. A espiritualidade o levará mais
longe. Está certo. O que está em sua mente? O que pensa em fazer?
- Bem Fagundes. Acho que vou pedir um tempo, talvez um mês,
para que eu coloque um rumo dentro de minha mente e consiga estabelecer
algum novo futuro para mim. – falei sério e sem esboçar algum sorriso.
- Se é assim! – disse Fagundes. – Tire um mês de férias! Depois,
veremos o que fazer. Mas, Coiote? Posso lhe perguntar?
- Sim, claro Sr. Fagundes?
- Não está tirando essas férias para não encontrar com Renata?
Está? – perguntou ele.
Ri um pouco com aquele jeito de moleque com que me perguntou e
logo respondi.
- Não, não. Sr. Fagundes, se algo tiver que acontecer, acontecerá,
mas por enquanto, estou procurando a minha espiritualidade e desde
quando comecei com este projeto, sendo sim uma parte de meu
aprendizado e desprendimento em questão espiritual e mental, não tive
como terminar de compreender o que me faltava. Este tempo que peço, é
somente para que eu entre em contato comigo mesmo.

A Realidade Interna 229


Loucura do Espelho
- Vá! Faça o que acha que deve fazer. Mas, nunca se esqueça do
que já lhe falei. A mente quando colocada a funcionar, se sobrecarregada,
pode fundir e depois, será muito difícil reorganizá-la. Vá com calma!
- Sim Sr. Fagundes, obrigado pela dica. Vou lembrar-me disso.
Saí assim do escritório. A primeira coisa que fiz foi novamente
voltar ao que eu era. Fiz meu bom e velho moicano no cabelo e o descolori,
ficando amarelo. Minha barba já havia sido cortada há tempos e o que
sobrara neste momento era somente uma leve barba por fazer. Voltei para
casa, com as roupas sociais e cabelo moicano, era até engraçado de se ver.
Chegando a casa, fui ao espelho com a esperança de encontrar meu outro
eu, mas, somente via a mim mesmo. Tirei aquelas roupas e coloquei as
minhas roupas antigas.
Novamente, era eu que estava ali. Eu e eu mesmo! Sem
maquiagem, ou falta dela. Lembrei-me que não fumava mais meus cigarros
“especiais”, nem mesmo os meus cigarros de nicotina. De repente, quando
me vi, estava na sala fumando um cigarro, vejo que havia novamente
deixado que o vício me carregasse para o velho hábito, então, veio-me
algumas perguntas pouco convencionais e perguntas estas que podem
deixar qualquer um louco. Porém, foram essas perguntas depois que me
salvaram.
- “Quem sou eu?” – pensei.
- “O que sou eu?” – pensei novamente.
- “O que quero fazer?” – eclodiu.
- “O que devo fazer?” – endoidecido.
- “Pra onde quero ir?” – levantei-me e fui até o espelho.

A Realidade Interna 230


Loucura do Espelho
Agora, neste momento eu já sabia o que acontecia em minha mente,
e eu próprio, ou melhor, meu subconsciente, era quem me falava ao
espelho, ajudado pela minha loucura provocada com a ajuda de
entorpecentes.
- Deixe isto garoto. – houve uma voz que não há compreendi de
imediato.
- Deixe isto. – disse novamente mostrando que a voz pertencia ao
Sr. Fagundes.
- Como isso é possível? – perguntei olhando-me ao espelho.
- Você está em meditação, e eu o esperava para entrar em contato. –
respondeu. – Suas perguntas me apavoraram. Eu também as fiz, com a sua
idade e até hoje me pergunto se encontrei a resposta certa.
- E quais foram estas repostas? –perguntei.
- Não serão como as suas. – disse Fagundes. – Você terá que as
encontrar.
- É sempre assim, não é?
- Sim. E sempre será! Cada um é um mistério a parte e cada um
deve desvendar o seu próprio mistério! Se não fosse assim, tudo seria
banal. Mas, deve tomar cuidado, sua linha da loucura já está muito
adiantada e parece não ter a linha do medo mais. Se pirar, nunca voltará
para este plano real.
- Como assim? Diz então que estou em outra realidade mental e
meu corpo está aqui? – perguntei.
- É quase isso. Seria realmente interessante você por si só,
encontrar a resposta. Agora lhe deixarei com seus pensamentos, cuidado
Coiote! Até mais. – disse a voz de Fagundes e assim foi embora.

A Realidade Interna 231


Loucura do Espelho
Fiquei ali, olhando-me ao espelho. Nada de novo. Meu cabelo
estava normal, normal para o que eu achava normal, como já havia dito,
meu rosto estava mais jovial com a barba por fazer. Olhei para o espelho
querendo rever aquele outro eu, que mesmo agora sabendo que era minha
própria mente, gostaria que me ajudasse. Logo fiz as perguntas novamente
e fui encontrando os pedaços que faltavam do quebra-cabeça.
- Quem sou eu? – dizia olhando-me ao espelho. – Sou uma forma
humana. Tenho minhas faculdades de raciocínio, ainda limitadas, mas, que
se forem usadas, mesmo sendo este pouco que temos, iremos conseguir
chegar a lugares longínquos. Sou um ser dotado de inteligência e que posso
fazer escolhas, às vezes erradas, às vezes corretas. Tenho consciência de
que nasci, e que, não sei ainda se felizmente ou infelizmente, irei morrer.
Tenho meus órgãos que me fazem estar vivo e eles funcionam naturalmente
de acordo com a lei do universo que rege todas as leis. Sim, sou dotado de
vida, mas até agora acho que somente existo. Existir. O que será uma
existência? Será uma forma de dizer que está realizando coisas? Muitas
pessoas existem, mas e eu? Será que realmente estou vivo? Sim! Agora
estou vivo, vendo-me desta forma, um corpo que se locomove. Achamos
que estamos vivendo. Mas o que será vida? Estamos vivendo, fazendo
nossa existência permanecer aqui enquanto nosso espírito seja a parte mais
interessante que temos. Espírito. Energia abundante de vida que não acaba
e que pertence a Deus. O que é deus? A força superior, a energia suprema,
tudo que há existente é Deus. Nunca se fez e jamais será destruído. Nunca
foi outra coisa e sempre se renova, é o tudo e o nada.
Parei olhando as minhas palavras como se elas tivessem tido forma
quando saíram de meus pensamentos. Tudo girava quanto aquele

A Realidade Interna 232


Loucura do Espelho
pensamento. Tudo é uma direção indefinida quando entramos nesses
assuntos. Mas eu precisava entender tudo aquilo. E havia uma forma
simples para que tudo fosse explicado com o pretexto de se conseguir ir
para o próximo passo. A vida não seria simplesmente nascer, crescer e
morrer. Assim esperava que não fosse. Muitos dizem que não o é, mas para
onde vamos? O que somos? O que estamos fazendo aqui, nesta realidade
que parece incontrolável? Deus nos colocou em alguma redoma para que
crescêssemos? Estamos presos na terra?
- Quem sou eu? – voltei à mesma pergunta. – Sou Coiote. Já fiz
muitas besteiras na vida, deixei pessoas tristes e fingi ser alegre. Outras
pessoas me levaram para vários lugares, mas levei mais pessoas junto
comigo. Sou eu assim, pois, acho que tudo é uma fantasia, e então, me
fantasio do pior modo possível. Sou eu assim como sou, existente e vivo.
- Quem sou eu? – perguntei novamente. – Sou um ser em completo
movimento, sempre em mutação.
Parei e analisei a pergunta e a resposta. Cheguei à conclusão de que
não havia como simplificar mais do que isto. Estou sempre em mutação! O
que acho hoje certo, amanhã será errado.
- O que sou eu? – perguntei agora. – Sou um emaranhado de
células e cada qual se transforma em tecidos diferentes e cada um tem a sua
função para manter meu corpo vivo. Dentro dessas células existe a energia
que nos faz sermos tais seres. Somos uma máquina bem projetada, éramos
para ser infinitos, mas algo nos falta. O que seria este, “algo”? Seria a
percepção correta da mente para que cheguemos à perfeição? Seria algo
externo? Seria algum componente no que comemos? Seria somente uma
molécula a mais na água, ou seria no ar? Somos máquinas. Defeituosas.

A Realidade Interna 233


Loucura do Espelho
Mas máquinas. Como robôs perfeitos com distinção de pensamentos e o
certo e errado divergem em opiniões em nossas mentes. O que é certo hoje,
amanhã não o é. O que somos? Somos a imagem e semelhança de quem
nos criou. Mas quem nos criou? A força suprema? O que é a força
suprema? Somos espíritos, somos carne, somos mente. O que somos?
Novamente analisei tudo o que disse.
- O que somos? Somos um conjunto de mente, corpo e espírito.
Cheguei à conclusão mais rápido do que a primeira pergunta. Vi
que estava funcionando mesmo não estando com meu outro eu. Percebi que
minha mente poderia fazer muitas coisas, antes não imaginadas. Achei que
tudo seria mais fácil e minha mente aceitou isso como lei.
- O que quero fazer? – perguntei a mim mesmo vendo os meus
olhos cada vez mais profundos. – O que quero fazer! Quero fazer milhares
de coisas! Quero fazer coisas que as pessoas pensem em mim, por ter feito
algo de que necessitavam. Quero fazer coisas que me deixem felizes, quero
fazer coisas que me dêem o que quero em sentido financeiro. Quero fazer o
que me faz bem. O que quero afinal? Quero andar pelo mundo, quero ser
conhecido. Quero ser feliz. O que quero em meu íntimo? Quero ser feliz e
fazer outros felizes.
Minhas palavras pareciam estar sem controle. As sentenças eram
formadas por outra pessoa, era essa a minha sensação! Não sabia que eu
poderia pensar assim! Vi então que minha mente poderia muito mais do
que a minha simples consciência poderia saber. A ponta do “iceberg” era o
início de meus pensamentos.
- O que quero fazer? – perguntei novamente. – Ter sabedoria para
chegar à felicidade.

A Realidade Interna 234


Loucura do Espelho
Nunca pensei que essa resposta sairia. Mas, ali estava ela, pairando
como se eu a estivesse escrevendo ao ar com alguma substância que
poderia ser tinta que se prendia ao vazio. Jactando-me de ter dito aquelas
palavras, senti uma felicidade de ter achado tal resposta. Senti-me cheio de
vida e ali estava eu, descobrindo que tudo poderia ser como queria. Eu
quero ser feliz, pensei, e assim irei ser.
- Para onde quero ir? – perguntei agora mais ciente de mim. –
Tenho tantos lugares para ir. Conhecer diferentes culturas e conhecer
diferentes tipos de mentes. Mas, primeiro preciso entender a língua. Quero
estar longe daqui, mas ao mesmo tempo quero vagar como a mente vaga.
Para onde quero ir? Quero ir para onde seja melhor para mim. O que é bom
para mim? O que me faz feliz. O que me faz feliz?
A pergunta nova que surgiu de dentro de mim me causou
preocupação. Ao mesmo tempo em que me via dar respostas construtivas,
vi também que às vezes as respostas eram tão realistas que perdia o rumo
do que estava fazendo.
- O que me faz feliz? – perguntei novamente.
Vi que ainda não tinha parado para pensar o que me faz feliz. O
meu trabalho não estava me deixando feliz, meus amigos, há muito que não
os via, então a presença ou a falta deles não importava para mim. O que me
faz feliz?
- O que me faz feliz? Não sei ainda o que me faz feliz. Talvez tudo
seja maquiado para que eu ache que sou feliz. Mas, será que sou feliz? Será
que falta algo para ser feliz? Qualquer realização lhe faz feliz, mas mesmo
a minha realização com a empresa do Sr. Fagundes não me fazia feliz. O

A Realidade Interna 235


Loucura do Espelho
que será que acontece comigo? Nem mesmo a falta ou a presença de Renata
está me fazendo diferença. O que me faz feliz? O que me faz feliz?
Os meus olhos estavam querendo encontrar a resposta certa, mas
tudo parecia fugir. Até então percebi que nunca havia dado um sorriso de
pura felicidade. Sempre estava preso ao que todos diziam ser felicidade e
nunca havia visto que meu gosto por felicidade poderia ser diferente!
Encontrava alguns momentos de felicidade quando andava sozinho em
meio à natureza, quando ia sozinho para a antiga Fábrica de Fagundes, a
qual havia aquele banco onde olhava para tudo de lá, sozinho, eu e meus
pensamentos.
- O que me faz feliz? Agora eu sei! Liberdade! Com ela posso
buscar o que mais me dá prazer e traga a felicidade. Liberdade!
Fiquei feliz em conseguir explicar todas as perguntas de uma forma
que achava correto. Cada um pode ter uma diferença de pensamento, mas
ali, estava eu de forma muito feliz comigo mesmo e as respostas
encontradas era o que necessitava naquele momento.
- Mas, o que eu sou? Sou o todo, ao mesmo tempo nada! Sou livre
e ao mesmo tempo estou preso! Sou uma dualidade!
Saí da frente do espelho e me deitei em minha cama, lembrei-me de
meu antigo treinamento de meditação que havia esquecido por um tempo.
Foi muito bom ter voltado para aquele treinamento mental. Deitei-me e
relaxei ao máximo pedindo à minha mente que fizesse isso por mim.
Quando me senti pronto, decidi entrar em contato com o meu passado e fui
muito feliz em achar o que faltava.
O início da minha viagem no tempo me fez sentir a falta de meu
outro eu. Mas, sempre que me lembrava disso, lembrava que ele era

A Realidade Interna 236


Loucura do Espelho
simplesmente a minha mente. Dessa forma aquela meditação levou-me há
um tempo não muito distante. Vi novamente o beijo que eu e Renata demos
quando fomos almoçar pela primeira vez. Tudo estava do mesmo jeito e
aquilo me lembrou que eu realmente a amava, mesmo passando tanto
tempo desde que viajou. Onde estaria agora? Pensei. As lembranças foram
indo cada vez mais para trás e fui sentindo bem em ver aleatoriamente o
meu passado. Lembranças de coisas erradas, que poderiam ter sido feitas
somente com uma decisão diferente.
Decisões! Muitas pessoas nem sequer imaginam o que pode ser
feito com decisões.
À noite foi caindo e eu estava cada vez mais emaranhado em meus
pensamentos. Dormi sem saber se ainda estava dentro da realidade ou
dentro de meus pensamentos.
No outro dia acordei de meus sonhos que nem mesmo me lembro,
olhei para os lados e acendi um cigarro. Olhei-o de forma que meus
pulmões o rejeitaram, mesmo assim, ainda o fumei. Fui para a cozinha, que
agora era um tanto espaçosa e fiz meu café. Afaguei o cachorro e dei ração.
Senti uma sensação que nunca havia sentido. Senti-me impotente,
não sabia o que queria e fiquei assustado comigo mesmo. A sensação de
medo de estar ali sozinho bateu-me e me jogou ao chão. Tive vontade de
morrer sentindo todo o meu corpo tremer. Me sentindo muito mal, fui para
o hospital e depois tudo tomou outro rumo. Estava tendo o meu primeiro
colapso nervoso, um ataque de pânico.
Descobri que estava sendo errado comigo mesmo. Não estava
fazendo o que realmente queria fazer. Embora as perguntas estivessem
sendo respondidas, ao meu modo, via que não estava fazendo o que

A Realidade Interna 237


Loucura do Espelho
realmente era para ser feito. Tudo conspirava para que eu realmente fizesse
o que era para se fazer. Mas não estava notando ainda isso tão claramente.
Semanas se passaram e eu não tive mais os problemas com
ansiedade nostálgica de não saber o que realmente queria. Decidi ter uma
ação que até mesmo eu me assustei. Como será que estariam meus pais.
Saí de casa e fui andando pela rua, minha intenção era ir até a casa
de meus pais. Inusitadamente, encontrei com Renata. Parou o carro e olhou
para mim com aquele sorriso. Pensei que ia ter um “troço” quando a vi.
Desceu do carro e veio dando-me um abraço. Meu coração parecia um
carro de fórmula um no final da reta.
O silêncio foi interrompido com alguns soluços de ambas as partes.
Engraçado, como tudo o que aconteceu em minha vida, de uma hora para
outra falei às palavras que quase ninguém já escutou sair de minha boca.
- Renata, eu te amo! Quanta falta você me faz!
- Nunca esqueci você Coiote! – respondeu ela.
Meu plano, como nem mesmo precisaria falar, foram mudados
naquele momento. Fomos nos sentar em um restaurante para beber e
conversar sobre tudo o que aconteceu. Tivemos uma tarde e uma noite
memorável!
- Eu estive em muitos lugares, trabalhei com quase todo o tipo de
investimento, aprendi muito como ganhar dinheiro e perder dinheiro. –
disse ela.
- Então realmente compensou passar tanto tempo longe de casa! –
falei.

A Realidade Interna 238


Loucura do Espelho
- Não, quer dizer, valeu à pena, mas a saudade de tudo e todos era
muito forte. Tinha finais de semana que não conseguia pensar em mais
nada a não ser no que eu havia deixado para trás.
- E o que deixou para trás? – perguntei dando uma de bobo para
escutar o que queria.
- Muitas coisas! Você! Meu tio! A fábrica. Abigail.
- Pois é. Todos sentiam a sua falta. Eu sei, foi difícil para mim,
estive muito chateado com você, mas não podemos mudar o pensamento de
alguma pessoa, mesmo estando ligados a ela. – falei.
- Meu tio disse que você fez mudanças surpreendentes! – disse ela
mudando o rumo da conversa. – Disse que os ganhos estão extraordinários
e ainda reativou a outra fábrica que há muito tempo não tinha nem idéia do
que fazer com ela. Acho que você mudou com tudo isso, os prêmios e
tantas outras coisas. Mas, seu cabelo está do mesmo jeito. – disse rindo um
pouco e passando a mão sobre eles.
- Pois bem, tudo mudou muito, aqui dentro então, nem se fala!
Mas, extraordinariamente, tudo está tão diferente do que queria, que agora
penso que estou pronto para mudar novamente. Tudo isso o que eu fiz, não
sei como é que consegui. Você é quem fez administração, e eu fiz as
reformas, é meio louco pensar dessa forma. Mas, se eu consegui entrar em
algo que não sabia e fazer a diferença, acho que posso muito bem cair no
que realmente sei. – falei.
- E o que sabe? – perguntou prontamente.
- Música! – silêncio. – Acho que o que me deixou feliz e ainda me
deixa feliz, é tocar. Acho, não, tenho certeza que quero fazer isso!
- Então o que está esperando? – disse ela.

A Realidade Interna 239


Loucura do Espelho
- Não sei! – silêncio novamente. – Talvez, você.
O sorriso que abriu mostrou-me que em seis meses ela havia
mudado drasticamente e assim percebeu o mesmo de mim. Eu mesmo
estava ciente de que havia mudado e por fim decidi voltar às origens.
Percebi naquele momento, que às vezes não é o caminho que está errado,
mas sim, a forma de caminhar. Podemos bater com a cara na parede, várias
vezes, mesmo fazendo o que achamos estar certo, mas o que não vemos, é
que do lado está a porta, qual ainda não estamos preparados para enxergá-
la. O medo de encontrar o que realmente queremos é que nos faz estarmos
de olhos fechados.
- Se então precisava de mim, aqui estou! – disse ela balançando
seus cabelos ruivos, que estavam mais bonitos do que antes.
A noite acabou como tudo estava planejado. Eu indo para minha
casa e Renata, indo para a casa de Fagundes. Muitos esperariam algo de
normal em um casal que se ama dormir junto depois de seis meses sem se
ver. Mas, eu ainda estava magoado e isso era completamente exteriorizado
em meus olhos, embora ainda assim, conseguia-se ver a ponta de amor que
ainda estava ali. Escondida, mas intacta.
Pensei em tudo o que aconteceu. Existem coisas que acontecem de
forma tão inesperada, que às vezes não damos o devido comando ao nosso
cérebro e perdemos a chance de fazer algo que deveríamos. Mas, parecia
que não precisava ser melhor do que aquilo. Estava já no “script de nossas
vidas”, que seria daquele jeito, quer dizer, não que estava escrito para ser
assim, mas as minhas ações eram exatamente aquilo que deveriam ter
acontecido, por questão de escolhas. Estava realmente bem comigo mesmo,
naquele assunto.

A Realidade Interna 240


Loucura do Espelho
Em casa e sozinho, pensei que tudo aquilo fora surreal. Esperava ir
para a casa de meus pais, mas como aconteceu, descobri posteriormente
que meus pais não estariam preparados para aquele encontro. Fui eu
novamente “abandonar” a minha realidade para que voltasse a minha
meditação.
- Olá Coiote! – a voz de Fagundes. – Vê que agora não precisa mais
se concentrar tanto?
- Sim. Pois bem. A meditação tem suas sutilidades que agora estou
vendo. – falei meio desmedido.
- Como assim? Agora me deixou sem entender. – disse Fagundes e
agora via ele andar chegando-se para perto de mim.
- Depois de tanto meditar, vejo que ela lhe dá bem-estar, até o
ponto onde ela lhe começa a fazer um “certo mau”.
- Desde quando a meditação faz mal? Acho que você deve estar
enganado. – disse ele.
- Irei lhe explicar. Tudo tende a ser mais concreto com a meditação.
Nossa saúde melhora, nossa concentração toma proporções dinâmicas,
nossa inteligência encontra a porta de saída e entrada dentro dela própria!
Mas, ao mesmo tempo, se estiver fazendo algo que realmente não o deixa
feliz, tudo tende a ser pior, mas isso é para que você encontre o que
realmente faz ser feliz! – falei.
- Sim, isto é verdade, mas nunca havia parado para pensar. – disse
ele sentando-se em um banco que apareceu a sua frente.
Tudo, ali naquele momento, pareceu como se estivéssemos na
antiga fábrica, mas, como era antes de entrar em parceria com o Sr.
Fagundes para que a reformasse.

A Realidade Interna 241


Loucura do Espelho
- Às vezes a própria meditação lhe traz o problema para que
resolva. Não percebemos quando estamos empurrando algum problema
com a barriga para longe, daí, dentro da meditação, ela lhe trás tal assunto,
mesmo você não o querendo ver. – falei.
- Sim. Muito interessante ver por esse ângulo. Tudo tende a ser
estranho e inexplicável quando se trata da mente humana, não é verdade? É
tudo muito magnífico!
- Pois sim, não temos nenhum tipo de explicação exata para a
mente, temos que achar a nossa própria, percebermos as sutilezas as quais
nos joga e ver até que ponto o certo é realmente certo para nós. – falei.
- Estou indo então. Encontraremos-nos novamente. Até mais! –
disse Fagundes e sumiu.
Voltei a estar sozinho em meus pensamentos. Achava que aquilo
era surreal de forma que nunca comentei com Fagundes sobre isso e nunca
ele havia dito algo a respeito, de uma forma aberta. Assim, eu achava que
tudo era irrealidade de minha mente. Deixei de meditar e a última coisa que
fiz, foi esquecer o cigarro. Quando saí da meditação não queria mais fumar,
pelo menos por aqueles instantes.
Saí de casa e fui dar uma volta naquela noitinha agradável. Sentei-
me numa praça e fiquei a observar o movimento das pessoas do outro lado
da rua. Pessoas andavam em seus carros, em suas loucuras de vida e assim
perdiam o melhor que cada um tinha dentro de si mesmo. Todos queriam
mudar o exterior, queriam trabalhar para ganhar mais dinheiro e para que?
Comprar coisas luxuosas para se entreter diante à sociedade. Que
desperdício de mentes que podem se compreender ou tentar apenas se livrar
de pensamentos mesquinhos e até então disfarçados de pessoas boas. A

A Realidade Interna 242


Loucura do Espelho
inteligência, às vezes, serve para que enriqueçamos e depois fiquemos a
mercê do que o dinheiro pode nos fazer. Ou, a mesma inteligência, se antes
recolhida e usada para se entender, compreender internamente, faz com que
o dinheiro fique a mercê de nossas escolhas salutares.
A roda do mundo está cada vez mais quebrada, tudo tende a ir por
água abaixo, por pessoas que trabalham nessa cadeia estarem cada vez mais
envolvidas em suas negligências quanto ao saber interno. Superficialmente,
o gelo sobre um lago parece ser forte, mas o primeiro que tenta deslizar no
gelo causa as fissuras, depois mais um, as trinca, depois mais um e todos
caem dentro de um lago congelante, fazendo sentirem a água gelada de um
só erro.
As pessoas buscam o que está aparentemente mais perto delas, e
isso é o exterior. Mas, o que está ainda mais perto de nós e que não vemos,
e pode sim com certeza nos deixar mais felizes, é o nosso conhecimento
interno, embora às vezes, com o conhecimento interno, consigamos ver
onde erramos e sentirmos tristes por isso, mas mesmo assim, é mais
simples ver, do que ignorar o que realmente não está se vendo. Não é
simples entrar em um barco e ignorar o seu buraco, é fato, aquilo irá
afundar! O mesmo se dá com alguém que tem os seus pesadelos internos e
não os encara, tudo em sua vida irá andar para trás, ou naturalmente, tudo o
que poderia dar certo por mais tempo, se dará em menos tempo, quer dizer,
acabará antes mesmo de se sentir feliz, e novamente, seus sentimentos de
impotência o perseguirão.
O que tento dizer é, tudo pode ser interessante quando se enxerga
de dentro para fora, não de fora para dentro. Não é um carro que o deixará
feliz, mas sim, o bem que ele trará para você se estiver preparado para

A Realidade Interna 243


Loucura do Espelho
aquilo. Não é a fama que trará felicidade, e sim o reconhecimento de todos
perante o seu talento. Não é uma boa remuneração que fará feliz, e sim, o
trabalho realizado para ser promovido.
Tudo sai de dentro, o que você faz em seu interior é o que
realmente transforma a sua vida exteriormente.
Pena ver todas essas pessoas andando pelas ruas e nem mesmo
metade delas sabem, ou se interessam pelo assunto que eu estou falando.
Voltei para casa e ali fiquei durante um tempo, somente meditando e
tentando entender o que ainda precisava fazer. A vontade de ir visitar meus
pais era imensa, mas algo dizia que não era tempo ainda, precisava esperar
algo acontecer, mas o que seria nem mesmo passava por minha cabeça.
Minha forma de meditação começou a tomar proporções intensas,
inacreditavelmente, mais do que antes era. Sentia que cada vez ia mais
longe. Meus pensamentos a partir daí eram cada vez mais realistas, talvez,
até realistas demais. Para outros, estes pensamentos reais seria as maiores
loucuras. Conseguia fazer com que minhas ilusões fossem naturalmente
possíveis dentro da realidade que estava acostumado em viver. Voltei a
pensar no que antes havia escutado de meu outro eu, como sendo a linha da
loucura. O que seria na verdade essa tal linha da loucura?

Enxerguei-me agora sentado, dentro de minha meditação, num


lugar onde parecia ser uma praia. A areia era de uma cor amarelada, bege.
As ondas, de cor um pouco barrenta, estavam vindo à minha direção, o
barulho que fazia me causava um prazer indescritível e uma sensação de
paz. Vi que estava somente em meditação. Abri os olhos e para minha
surpresa, estava naquela praia. Levantei-me e senti meus pés tocar a areia.

A Realidade Interna 244


Loucura do Espelho
Não achei estranho, por incrível que pareça, levantei-me e fui até onde a
onda estava terminando sua jornada. Senti aquela água densa e salgada
tocar meus pés, vi que o que pensava não ser possível, agora era! A linha da
loucura havia me levado para longe, muito longe. Mas será que isso é real?
Ou será fruto da minha mente?
Olhei para os lados e vi que ninguém estava ali naquela praia. Olhei
para trás e havia um muro, fechado e que não havia fim, tanto para um
lado, quanto para o outro, muito menos em sua altura. Como havia chegado
ali? Seria sim, com certeza absoluta, fruto da minha imaginação. A praia
inteira era cercada, não havia como chegar ali. Não havia sequer porta!
Estava todo vestido de branco, com uma calça dobrada até os
joelhos e uma camisa indiana como se fosse uma bata. Não estava vestido
assim, mas ali, esta era minha vestimenta. Percorri a praia durante um bom
tempo, olhando hora para o mar, hora para o muro. O silêncio somente era
quebrado pelo barulho do mar que rugia em sua sinfonia de vida. Cheguei a
um lugar onde não mais podia andar. Existiam pedras que formavam uma
pequena elevação na qual seria possível escalar alguns metros para chegar
ao topo das pedras e, consequentemente, não dava para se atravessar. Ali
acabava o que havia nessa praia.
Sentei-me então sobre as pedras e lá de cima fiquei a observar. A
paz que sentia era imensa e não havia nenhuma vontade de voltar. De
repente, tudo se modifica quando vejo alguém parecido comigo andando
abaixo, na praia. Começa a subir escalando da mesma forma que fiz e
chega até onde eu estava e, novamente, pude ver que se tratava de meu
“outro eu”. Fiquei feliz em vê-lo e ao mesmo tempo confuso, não seria ele
a minha própria mente? O que fazia ali?

A Realidade Interna 245


Loucura do Espelho
- Olá Coiote! Quanto tempo! – disse e fiquei em silêncio. – Desde
que você enxergou quem era eu realmente, não nos vimos mais.
- Não entendo! Agora que sei que é a minha própria mente, por que
está aqui? – perguntei.
- Bom, vai ser difícil de explicar, não sou eu que estou “aqui”. Eu
vivo aqui. É você que está “aqui”! – disse ele fazendo um gesto de que
aquilo tudo era outro lugar.
- Então, que lugar é este? – perguntei.
- Sua mente, Coiote! – houve silêncio. - Sua mente subconsciente.
Quer dizer, o meu mundo! – disse meu outro eu.
- Estou em meditação agora, não estou? – perguntei.
- Sim. Mas, o que faz aqui? – perguntou em resposta me deixando
confuso. - Se você não sabe o que está fazendo aqui, não sou eu que posso
responder, eu somente vivo através de suas convicções, seus desejos, suas
vontades. – disse.
- Bem, então tenho que responder às minhas perguntas sozinho. –
falei.
- Isso você sempre fez, mas não sabia que funcionava assim.
- Então, aqui é meu subconsciente? – perguntei.
- Sim. Não é bonito? – falou ele olhando para todos os lados
contemplando a visão magnífica e se sentando ao meu lado.
- Por que existe aquele muro? – perguntei.
- Dali para frente é você, conscientemente. – silêncio. - Vê? O mar
é simplesmente a sua mente consciente. Tudo isso aí é o que você guarda
dentro de sua mente. Um mar. Imenso. Cheio de desejos que nem sabe que
existem dentro de você. Cheios de conhecimentos desde quando era um

A Realidade Interna 246


Loucura do Espelho
recém-nascido até o que vê hoje. A faixa de areia é onde costuma vir, mas
nunca assim, desta forma que está agora.
- É muito estranho eu estar dentro de minha mente. Como
consegui? – perguntei a mim mesmo.
- É novamente muito simples. Quando vemos que tudo a nossa
volta está se tornando melhor a cada dia que se passa, é porque dentro,
estamos realmente mudando. Se assim se faz, uma hora temos que olhar
dentro de nós mesmo com outros olhos, talvez com os olhos da alma. É
realmente uma loucura, mas uma loucura controlada. Você está se
enxergando de dentro para fora. Por isso está agora pensando que quer
buscar o que lhe deixa feliz. Entende agora?
- Sim. Mas, vejo que sua voz está mais calma, com outra
entonação. Parece que até mesmo mudou de personalidade. – falei.
- Está certo. Você está realmente diferente e isso por minha causa,
o subconsciente!
- Meu Deus! – falei e fiquei em silêncio alguns segundos. – É
muito gigantesca a minha mente! – falei terminando e olhando para aquela
imensidão de mar à minha frente.
- Vá! Mergulhe! – disse ele.
- O que? Está louco? Não sou bom nadador. – falei.
- E desde quando a sua mente pode lhe afogar? – perguntou e ficou
em silêncio olhando para o grandioso mar a nossa frente.
Levantei-me, depois de tê-lo olhado, analisando a frase verdadeira
que acabou de me dizer. Desci as pedras com certa rapidez de quem
conhece o lugar onde pisa e olhei para onde estava, vi que não mais estava
lá. Havia desaparecido. Ou, seria ele, realmente, tudo aquilo à minha

A Realidade Interna 247


Loucura do Espelho
frente? Olhei de volta para o mar e fui entrando. Agora, não o sentia
molhado, como antes havia pensado. Notei que assim como se pensa, assim
é que se sente. Mergulhei e senti como se estivesse nadando, mas não me
sentia molhado. Cheguei até um lugar e vi que estava ficando cada vez com
menos ar e tentei respirar. Sim! Para minha surpresa podia sentir o ar
entrando em meus pulmões! Estava “dentro d’água”, que não era molhada,
e respirava como se estivesse à superfície! Na verdade, não estava na água,
estava dentro de minha própria mente. Pensei. Comecei então a caminhar.
Tudo era como se fosse em cima à superfície. Existia tudo. Desde
repartições públicas até comércios. Havia um lado do que eu queria ter,
sonhos sem princípios e outras coisas de que nada adianta explicar, pois é a
minha mente. Do outro lado, existiam os medos, as angustias e tudo o que
de ruim que uma mente pode conceber. Tudo era estranho, haviam pessoas
parecidas comigo em cada canto e trabalhavam a todo vapor. Enquanto
andava, algumas pessoas estavam trabalhando em algumas máquinas,
ficavam girando suas alavancas e me olhavam com cara de quem estavam
chateadas de fazer aquele trabalho por mim. Outros dirigiam grandes carros
que levavam pessoas para todos os lugares, cada uma carregando papéis.
Era um grande cenário debaixo d’água, porém todos eles andavam com
perfeição e somente eu estava vagaroso como se estivesse mesmo sob a
água. Realmente se tratava de minha mente. Não era o fundo do mar,
somente era uma comparação do que era a minha mente subconsciente.
Tentei olhar novamente para os medos e vi que aquilo era ruim,
extremamente ruim. Tentei colocar uma porta ali para que não pudessem
sair e me interromper em algum sentido em minha vida. Em seguida pensei
que não poderia simplesmente colocar uma porta. Então pensei melhor e

A Realidade Interna 248


Loucura do Espelho
decidi que iria resolver imediatamente tais conflitos em minha mente
quando voltasse “à superfície”. Assim foi feito. Do outro lado, haviam
coisas que pareciam tratar de repartições públicas, existentes e não
funcionais. Fiz reformas com meu pensamento que tratou de colocar as
prioridades em prática. Sempre procurando o melhor jeito de conseguir
chegar à realização. Nosso subconsciente tem este poder, encontrar
soluções, desde que você o faça fazer isso. Ou, se não, você coloca uma
meta e a fixa como sendo realmente o seu alvo, completamente distinto
para todo o seu subconsciente saber o que precisa ser feito.
Andei por mais um tempo e vi que muitas coisas estavam
simplesmente congestionando o “sistema” de minha mente. Havia alguns
processos inacabados, algumas brigas sem fundamento com pessoas que
havia amado e por isso travava os próximos amores ou amizades que
poderia ter, por esse passado e pensamento infeliz. Tratei não de apagar,
mas de simplesmente os colocá-los em outros lugares mais profundos, para
que, futuramente, pudesse fazer as coisas certas e resolver o que estava
pendente. Outras, eu pude resolvê-las imediatamente somente com um
perdão sincero em meu coração. Agradeci também a oportunidade de ver
tudo o que vi e poder reestruturar o que parecia estar “escangalhado”.
Percebi que minha mente estava completamente fora de lugar.
Parecia minha casa quando morava no apartamento do Sr. Fagundes.
Pensei: “Se tudo estava fora do lugar e ainda assim a minha vida havia
melhorado, então como deveria estar antes?” Deveria estar tudo fora do
lugar mesmo! Então, agora que novamente dei mais uma arrumada na casa,
quer dizer, em meus pensamentos “subconscienciosos”, tudo tenderia a ir
para cima, quase à perfeição, dentro da imperfeição. Este sim é um assunto

A Realidade Interna 249


Loucura do Espelho
muito interessante, mas que não irei falar agora. A perfeição dentro da
imperfeição.
Aquele momento dentro de minha mente era impressionante para
mim. Meus pensamentos caminhavam como se fossem pessoas, andando
no fundo do mar. Essas coisas que dizem ser impossível, como, falar
consigo mesmo, entrar em sua mente sem ficar louco, olhar para o passado,
vê-lo e ainda aprender com ele e decidir o que se quer fazer usando as duas
mentes que temos, está mostrando para mim uma forma de ser melhor
desenvolvido e que é completamente possível e real! Fazendo-me ver
principalmente os meus “podres” do que ver somente minhas qualidades!
Vendo os nossos defeitos podemos ter a chance de melhorá-los, enquanto o
que já está bom não precisamos mexer, se não, as qualidades, quando muito
mostradas, viram defeitos. Viram um exibicionismo sem tamanho.
Comecei a me preparar para sair de minha meditação e como havia
me acostumado com essa meditação e sua saída, logo estava acordado para
ver minha casa. Estava então em paz comigo, como sempre depois de uma
boa meditação. Deitei-me a dormir.
Meus sonhos foram mais do que normais. Não vi nada diferente do
que um sonho comum e quase sem nexo, se é que podemos falar assim.
Tudo fora propositado como este descanso nesta noite, pois iria vir muita
coisa estranha dentro daqueles dias.

Acordei como sempre e olhei em volta, parecia que não estava


ainda totalmente acostumado com tudo aquilo que havia pra mim. Preparei
o meu desjejum, um café rápido à cafeteira e ainda com cara de sono. Era
cedo e liguei a TV no canal onde passava os jornais que costuma ter o seu

A Realidade Interna 250


Loucura do Espelho
horário na manhã. Fiquei a observar, mas não dando muita atenção ao que
diziam. A campainha soou. Olhei para o relógio. Sete e trinta e cinco da
manhã.
Abri a porta sem saber quem era.
- Olá Coiote, como vai?
- Olá Sr. Fagundes, que surpresa, por favor, entre! – falei com
pouca felicidade.
Fagundes entrou e olhou tudo com seus olhos escrutinadores.
- Precisamos conversar meu rapaz. – disse sentando-se ao sofá.
- Sim, pois não. Aceita um café? – perguntei.
- Não Coiote, muito obrigado.
- Mas, então, o que precisa conversar comigo? – perguntei sentando
no sofá ao lado.
- Temos, todos, - disse ele gesticulando um circulo com os dedos
enfatizando a fábrica. - muita preocupação com você meu rapaz. – disse ele
olhando agora fixamente em meus olhos.
- Todos? – perguntei.
- Sim, todos na fábrica anseiam para que você volte. Renata
também sente a sua falta. E eu, bem, estou completamente certo de que
preciso de você.
- Sim, Sr. Fagundes. Acho que o tempo já foi o suficiente para que
eu tome minhas responsabilidades novamente. – respondi. – Mas, acho que
isso não era para ser tão sério a ponto de receber uma visita, assim, tão
inesperada do Senhor. – houve silencio e um sorriso de Fagundes. –
Desculpe, mas poderia ser direto Sr. Fagundes?

A Realidade Interna 251


Loucura do Espelho
- Sim, Coiote! Não posso esconder o que quero dizer. – disse ele
olhando para o chão estando um pouco sem graça, o que é muito difícil de
acontecer. – Bem, você chegou a um ponto muito distante de sua mente e
agora as suas escolhas serão cada vez mais acertadas. Mas, ainda tenho que
lhe dizer muitas coisas.
- Como assim? Não estou entendendo. – falei.
- Não se faça de desentendido. Todo esse tempo nos encontrarmos
em meditação. Isso não mostrou nada a você? – falou ele.
- Como assim? Tudo aquilo era verdade? – perguntei.
- E não era para ser? Todas as meditações e tudo o que aconteceu
com você é a pura realidade de uma mente desprendida, meu rapaz!
- Não é possível! Tudo é ainda mais profundo do que eu
imaginava! – falei como que para mim mesmo tomando consciência e
acordando definitivamente. Pus-me de pé.
- Sim! Tudo é mais interessante do que pode imaginar! Mas, este
ponto eu devo lhe mostrar. Com o conhecimento interno temos a tendência
de entender o que está acontecendo conosco e ao nosso redor. Por assim
dizer, nos desprendemos da realidade e ficamos somente em nossa
realidade interna. O que pode nos trazer problemas! Nos desprendermos de
tudo, inclusive de nós mesmos, dentro de uma realidade que é nossa vida
cotidiana.
Olhava agora para o Sr. Fagundes tentando ver o que parecia ser
realidade e o que parecia ser meditação. Tudo se embaralhava, misturava e
tremia. O que achava ser real, era real? O trabalho, Sr. Fagundes, Renata,
Abigail, tudo era real? Mas, o que achava ser irreal ou somente ilusão,
também era real? Ou seja, minhas visitas no passado, meu outro eu, Sr.

A Realidade Interna 252


Loucura do Espelho
Fagundes conversando comigo em meditação, tudo também era real? Agora
sim, podia ver a dimensão de uma mente!
- Quer dizer que tudo em demasia pode ter seus problemas? –
perguntei entendendo uma parte do que disse.
- Sim! Deve ter precaução em fazer suas meditações. Logo estará
quase dentro de sua mente subconsciente, e dá para se viver dentro dela,
sem depois querer voltar à vida real! É mais interessante dentro, do que
fora! – disse ele.
- Então o que devo fazer? – perguntei ainda estando em pé.
- Deve fazer sim suas meditações, equilibrando com algo realmente
real para se importar. O que não se pode fazer é deixar a sua mente achar
que tudo o que está dentro é mais importante do que está fora. O exterior é
o que nos segura, o interior é o que nos alucina.
- Está dizendo que encontramos respostas dentro de nós e que
depois podemos encontrar a loucura também?
- Sim! A loucura está junto disso, dentro de nossas mentes!
Conhece a linha da loucura, não conhece?
- Sim, eu a conheço.
- Então me diga, onde é que ela se encontra em seu caso? –
perguntou ele ainda recostado ao sofá.
- Bem, não sei dizer, mas acho que está bem longe atualmente.
- Sim, está, e este é o problema!
- Por quê?
- Quanto mais longe, mais a sua mente se perde em pregar peças
devido à não restrição do que pode considerar loucura ou realidade!
- Pode trocar em miúdos? Por Favor?

A Realidade Interna 253


Loucura do Espelho
- Sim, claro! Você e sua mente já andaram muito em questão de
conhecimento. Está prestes a conhecer o verdadeiro poder de sua mente.
Força essa que transformam coisas. Não em questão rápida, de uma hora
para outra, mas a mente tem a força de conseguir mudar as coisas, e você
está indo muito depressa nesse ponto. Se conseguir ver o que precisa ver
para entender como funciona este poder, tudo o que está dentro de sua
mente pode ser real. De uma forma ou de outra, a loucura procurará ser a
realidade diante de sua mente. E, você, já não sabe o que é e o que não é.
Ou seja, a loucura poderá ser a sua realidade.
- Mas, isso, pode ser bom! Não pode? – falei.
- Sim! Claro! Se tiver o controle absoluto em seus pensamentos. E
ainda mais, souber, definitivamente, o que é um bom pensamento.
- E como posso tê-lo? – perguntei.
- Isso, somente a sua mente pode conceber. Parece até brincadeira,
mas a verdade é essa. A mente avançada acha as respostas sem ao menos se
esforçar. Use-a!
- Como posso conceber isso então Sr. Fagundes? – falei meio
desesperado.
- Pelo menos este conselho eu posso lhe dar. – houve silêncio e ele
sentou-se mais a ponta da poltrona de minha sala. – Apegue-se a alguma
coisa real, para que a mente possa entender o que é realidade e o que é
pensamento interno.
- Está ficando cada vez mais complexo. – falei. – O que está me
dizendo é que posso perder a minha mente quanto a meditações? –
perguntei sentando-me em outra poltrona.

A Realidade Interna 254


Loucura do Espelho
- Sim! Você está agora mais longe do que eu em sua idade! – disse
ele levantando-se e indo até a janela. – Eu mesmo, com a correria dentro de
minha mente fui tão longe que quase não pude voltar! E agora vejo que
você está fazendo coisas com a sua realidade que me deixam de cabelo em
pé! – disse.
- Mas, Sr. Fagundes? Estamos num paradoxo, não acha? – falei
assustando-o.
- Paradoxo? Por que estaria? – disse ele olhando para mim.
- Sim. Se uma mente sabe encontrar as respostas, então eu e minha
mente, podemos encontrar o que é certo e não cair no abismo da loucura.
- Está certo! – confirmou ele sentando-se novamente. – Mas, a
questão é a seguinte. Olhe para tudo isso o que fez em seis meses. Comprou
uma casa, tem seu carro, tem até mesmo o seu cachorrinho. O que é muito
legal. Sua mente correu demais, teve idéias geniais, lógicas e que deram
grande lucro para empresas grandes! Você se esforçou muito e deve estar
preparado para que as coisas agora tendam a ser perniciosas dentro de sua
mente. Pior do que a arrogância numa pessoa é a mente se achar ou estar
arrogante! Ela faz com que a pessoa não escute, não se lembre do antes, e
continue uma jornada rápida, dando vazão ao que não deveria dar atenção
primaria.
- Não estou entendendo novamente Sr. Fagundes.
- Bem. Coiote. Você caminhou o que caminhei em cinco anos em
apenas seis meses! Sua mente deve estar sobrecarregada de informações do
que é irreal! O que estou dizendo é que você está deixando a realidade
escapar!

A Realidade Interna 255


Loucura do Espelho
- Acho que sinto em dizer que estou em tranqüila harmonia. Tive
sim, um pequeno acaso com a ansiedade, mas tenho certeza que estou
encontrando o que me fará feliz. – falei com todas as palavras e com toda a
minha persuasão.
- E o que seria isso?
- Música!
- Sim! Sei que é verdade, sua alma transpira música. Acho que
seria uma forma interessante de recomeçar. Mas, não quero ser, “estraga
prazer”, você não acha que deveria se entender melhor?
- Por que diz isto Sr. Fagundes? – perguntei incrédulo de que teria
uma resposta à altura.
- Bem, é simples, como tudo está se mostrando. Você acha que se
conhece, mas ainda não tem a mínima noção. – disse cortando a minha
sobriedade diante de tudo.
- Não acredito! – falei, me levantando. – Então está me dizendo que
tudo isso que passei, não me ensinou o que restava para aprender?
- Não! – disse secamente e ainda sentado a poltrona.
- O que vem agora? – perguntei. – Vou rever meu outro eu
novamente? – falei olhando para os lados o procurando.
- Não Coiote, não se preocupe, esta foi a sua primeira fase. Tudo
agora pode ser muito diferente. As suas reações ao aprendizado são, de
fato, surpreendentes, mas agora, você irá ver o que realmente é a sua mente.
- Como? – falei voltando a me sentar e percebendo que meus
ensinamentos agora iriam ser feitos no mundo real, não dentro de minha
mente, se é que há alguma distinção.

A Realidade Interna 256


Loucura do Espelho
- Bem, tente se acalmar. Respire fundo e acompanhe o meu
pensamento. – disse calmamente. – Você viu o seu outro eu, no final
descobriu que este saiu de sua própria mente, mostrando assim o que você
pode conceber em seus pensamentos. Ele, ou seja, você mesmo, mostrou
tudo o que estava somente guardado em sua mente, sem que você tirasse
qualquer proveito destes conhecimentos. Aí está! Você recuperou alguns
poucos ensinamentos da vida que ficaram para trás. Aprendeu a meditação
de uma forma rápida, mas, embora pensávamos que iria demorar,
rapidamente você conseguiu entrar em sua mente subconsciente de forma
não muito corriqueira. Agora, desembestou o máximo de sua mente,
causando conflitos entre o que pensa e o que realiza. Sua mente está mais
rápida em conceber idéias ou vontades e a naturalidade do universo está um
pouco mais devagar quanto ao realmente realizar estas idéias. Em miúdos,
sua mente alcançou nível alto de inteligência, as coisas que pensa se
realizam, mas, você não consegue esperar o tempo certo das suas devidas
proporções. E nem mesmo consegue ainda controlar todos os pensamentos
que tem durante um dia inteiro! As sutilezas de um pensamento podem
contaminar toda uma vida! – houve novamente um silêncio perturbador.
- É mais ainda do que eu pensei! Então, realmente está explicada a
minha ansiedade quanto às coisas. – falei.
- Sim, você já se desprendeu da realidade, há muito tempo. Porém
falta a realidade desprender as rodas do tempo. – disse ele. – Eu mesmo não
me imaginava conversando coisas tão profundas com você Coiote, isso para
mim, justifica-se, ser muito estranho. Muito além do que uma imaginação
convencional.

A Realidade Interna 257


Loucura do Espelho
- Sim, percebo que nossa conversa irá me mostrar o que devo
entender quanto ao que disse agora, as rodas do tempo. Pode fornecer mais
informações sobre isso? – falei já captando um novo assunto para se pensar.
Fagundes me olhou como quem não acredita em escutar aquela
grande pergunta e recostou-se novamente ao sofá e fez seus lábios fazerem
barulho de bexiga sendo esvaziada.
- As rodas do tempo! Meu Deus! – disse ele. – Digamos que para
encontrarmos um tempo, temos que esperar ciclos de tempos, ou anos, que
se passam, para que algo novo aconteça. Quando nos deixamos ficar a
mercê de tudo o que achamos ser interessante, mas, que de nada será de
valia à nossa vida, estamos deixando o tempo ficar andando sem nos
preocupar com as “rodas do tempo”. As rodas, nada mais são do que o
tempo necessário para que ocorram as coisas que desejamos ou para que
tenham um tempo certo para acontecer. Fatos e momentos têm que
acontecer antes de se chegar ao fim, ao que imaginamos em nossa realidade
interna, e quando deixamos essas rodas do tempo agir sobre nós, estamos
esperando as coisas acontecerem de maneira correta, sem pressionar o
tempo ou a nós mesmos. Como uma maçã que amadurece no pé lentamente
e, no final, fica saborosa, suculenta. Diferentemente quando a pegamos no
pé, verde como suas primas, as folhas e que a colocamos no sol ao invés de
amadurecer, ela apodrece.
- Então existe um mecanismo que me irá dizer quando estou pronto
ou não para receber um entendimento? – perguntei cortando o seu assunto.
- Sim. Ou melhor. Bingo, como antes dizia a si mesmo. – disse
fazendo uma cara de louco, como nunca o havia visto antes.

A Realidade Interna 258


Loucura do Espelho
- Como assim? Como sabe? – falei perplexo por ele saber como
meu outro eu falava comigo mesmo. – Deixa pra lá. Mas, então é isso
mesmo? Tenho que esperar o tempo de tudo, como o amadurecimento de
uma fruta qualquer?
- Bom, isso é o que se fala por aí, em qualquer explicação de algum
estudioso espiritual. – disse Fagundes num tom agora de pouco interesse no
assunto, mostrando-se muito mais profundo do que aquilo que acabara de
falar. – Mas, se for analisar. – continuou chamando atenção ao seu
conhecimento. – Talvez possamos até quebrar as rodas do tempo.
- Como? – perguntei interessado.
- Bem, imagine por si só. O tempo, parece ser manipulador da
mente humana. Todos têm um relógio, ou algo parecido que marcam as
horas. Veja bem, horas. – disse categoricamente levantando o indicador. –
O tempo, em si, é algo que se formos tentar entender, simplesmente não
existe! – disse e sorriu. – Entra no que foi concebido por uma mente
avançada e que hoje chamam de “relatividade”.
- Sr. Fagundes! – disse levantando-me. – Não estou querendo ser
alguém ignorante, mas, como o tempo pode não existir? – falei
gesticulando e agora dando asas a minha louca risada. – Desculpe, já passei
por muitas coisas, mas isso não dá pra acreditar.
- Pois sim Coiote. Todos dizem isso. Mas, você pode entender isso
por si só. – disse ele calando-se com um sorriso ao rosto que me deixou
intrigado.
Respirei fundo, olhei para aquele par de olhos profundos,
cintilantes e um sorriso apareceu dizendo que aqueles lábios iriam
continuar a falar e louco seria eu de não escutá-lo. Vagarosamente olhei

A Realidade Interna 259


Loucura do Espelho
para o teto de minha nova casa, coloquei as duas mãos ao rosto e depois
desci os braços e segurando firme a minha própria cintura, olhei para ele.
Aquele sorriso me falava muitas coisas desde quando o encontrei pela
primeira vez na rodoviária.
- Por favor, Sr. Fagundes, não complique mais a minha cabeça,
mas, explique-me. – falei isso indo até o sofá novamente e sentando
terminei. – Como o tempo não existe?
- Note. Quanto tempo precisamos para nascer? – perguntou ele e
não dei resposta.
- Coiote, somente me responda! Quanto tempo precisamos para
nascer? – disse novamente.
- Nove meses. – respondi secamente e quase que desinteressado da
pergunta.
- Sim, nove meses! – disse ele. – Não é fantástico? Precisamos de
nove meses para nascer. Mas, por que muitos bebês nascem de oito, sete e
às vezes, até de seis meses? Já vi alguns nascerem de cinco meses e meio e
ainda sobreviver, sabe explicar isso?
Fiquei anestesiado com essa idéia, simples, mas com teor de muita
profundeza. Nem pude responder, mas pela minha fisionomia diante desta
pergunta ele simplesmente continuou.
- Bom, o que estava dizendo antes era que, se o tempo é a hora,
então temos um grande paradoxo em nossas mãos ao qual todos, por
estarem acostumados com essa idéia de relógio, esqueceram o que
realmente é o tempo! – deu-se um segundo de silêncio, o que foi muito para
tal explicação. – A hora é algo que se escoa, perdemos horários, atrasamos
e deixamos de fazer coisas que eram pra ser feitas dentro de prazos de hora

A Realidade Interna 260


Loucura do Espelho
e data. Estamos, hoje em dia, cada vez mais longe de sabermos o que
realmente é o tempo. Agora olhe para a natureza em si. Vê algum animal
com relógio? – silêncio. – Não! É somente esperar o “tempo” passar e seu
estomago irá pedir o que comer, com isso o animal irá tratar de arrumar
algo para comer. Nós fomos acostumados ao horário de almoço,
condicionados pelo relógio, enquanto os animais simplesmente sentem a
grande Lei que está inscrita dentro de suas mentes, dentro de cada ser vivo
da natureza. Mas, aí é que entra as rodas do tempo.
- Agora deu problema na minha cabeça. – falei. – Se não existe
tempo, como ainda existe as rodas do tempo? – perguntei causando aflição
em Fagundes.
- Simples meu caro Coiote. – disse ele se ajeitando na poltrona. –
As rodas do tempo são apenas ciclos, que dependem de cada um, demoram
anos, meses, dias, ou apenas horas para se darem. Quer dizer, talvez eu
demore seis meses para aprender a dirigir um carro e você demore apenas
um dia para entender as engrenagens de como a marcha se engata no carro.
Entende?
- Sim, agora estou começando a entender, ou melhor, entendendo.
O tempo não existe, o que existe é uma marcação de ciclos por meio de
relógio. Certo?
- É uma ótima comparação Coiote. Mas, pode-se lapidar mais um
pouco. As horas passam, são contadas, esperadas e lembradas, assim se
olha ao relógio. Mas, analise se não houvesse relógio, que horas iria
dormir?
- É! Boa pergunta, somente iria dormir quando viesse o sono. –
respondi.

A Realidade Interna 261


Loucura do Espelho
- Sim! Mas, e se precisasse acordar bem cedo no outro dia? O que
faria?
- Sim, a mente iria ter que dormir o suficiente para se recompor, e o
que, cada um tem o seu tempo de adormecer.
- Bingo! – disse Fagundes. – A repetição que temos é de um ciclo,
acordar e dormir. E quando acordas, precisa ir ao banheiro, inicia-se outro
ciclo, o do seu metabolismo, que também ocorre de outra forma enquanto
está adormecido.
- Nossa! Nunca havia parado pra pensar nisso, parecia ser tão
pequeno! – falei olhando para o chão e tentando entender o que estava
acontecendo.
- Pois sim, mas este é o seu ciclo e ele tem um tempo para
acontecer, assim sendo, diferentemente será o de outra pessoa. Então esse é
o seu tempo, para a outra pessoa, é o tempo dela, causando assim vários e
vários tempos diferentes. Impossibilitando assim a formalização do tempo,
mas sim, da hora. Entendeu agora?
- Sim! O relógio foi criado para marcar um padrão, mas o universo
tem seus diferentes padrões de elaboração, criação, nascimento,
amadurecimento e execução! O que relógio nenhum pode entender! – falei.
- Sim Coiote, o que nos mostra que o relógio foi uma invenção
fajuta de alguém, para prender tudo dentro do que achava ser correto, hora
pra dormir, hora pra acordar, hora para comer, hora para trabalhar e assim
por diante, desdizendo o nosso subconsciente e o tempo correto das nossas
necessidades. – disse calmamente e olhou para o seu relógio. – “Ops”,
infelizmente é impossível não poder se apegar a esses relógios para viver
em conformidade com aqueles que se apegaram a ele também. Por isso

A Realidade Interna 262


Loucura do Espelho
Coiote, tenho que ir. Foi um prazer. – disse ele se levantando e pegando em
minha mão murcha que pendia juntamente com olhar em Fagundes, mas,
não o enxergando.

Virou as costas e saiu me deixando atrelado a todas as palavras que


havia me dito.

Parei para tentar reiniciar os meus pensamentos sobre o que havia


acabado de escutar de Sr. Fagundes.

Os nossos destinos seriam muito diferentes dali para frente. Meus


ínfimos pensamentos não poderiam entender naquele momento a
grandiosidade das palavras de Fagundes. Tempo! Algo que sempre estamos
acostumados a falar que não o possuímos, mas na verdade “temos todo o
tempo do mundo”, para pensar o que será melhor para nós. Há tempos, o
mundo se apegou no relógio, o que de fato, nos faz ficarmos sem tempo, ou
melhor, sem hora.

Pasmo, continuei ali sentado à minha poltrona. O meu pensamento


ficou completamente atordoado com as palavras de Fagundes. Ficava
pensando agora como poderia encontrar então o meu ciclo, e o que se daria
de novo dentro dele. Olhava a tudo, novamente, com outros olhos. Os
acontecimentos, sim, eram grandes demais para qualquer mente entender o
que havia acontecido, e na verdade, não iriam acontecer se esta mente
estivesse realmente preparada para aquilo.

A Realidade Interna 263


Loucura do Espelho
Como ainda não chegava a metade da manhã, descobri que meu
desejo na noite anterior era de simplesmente tocar violão, até meus dedos
voltarem a estarem calejados com as cordas. Levantei-me então, um tanto
tonto com o discurso de Fagundes ainda, mas com toda a força do mundo
agora para querer começar um novo ciclo, aonde agora eu iria, de forma ou
outra, encontrar o que me faz feliz.

As cordas de meu violão pareciam cortar os meus dedos, de


tamanha falta de contato durante anos com o instrumento. Mas, como se
voltasse a um ciclo passado, meus dedos foram acostumando e logo
estavam fazendo as posições de acordo como as fazia há tempos atrás. Foi
quando percebi que os ciclos realmente se encontram e reencontram. Tudo
é verdade, se faz num ciclo e este ciclo pode retornar depois em outro
tempo e voltar.
Decidi que então era tempo para montar novamente uma banda.
Agora estava mais dentro de mim o possível, embora Fagundes dissesse
que estava apenas começando a me entender. Mas, mesmo sendo Fagundes
uma mente avançadíssima, será que ele realmente poderia prever o que iria
acontecer com a minha mente?

Logo minha casa havia se transformado em um estúdio musical.


Alguns de meus amigos antigos e eu estávamos com a banda formada. Até
ali, algumas semanas se passaram e fui novamente chamado a Fábrica nova
que Fagundes tinha seu escritório central, a mesma que antes estava
abandonada.
- Olá Coiote! – disse a voz firme de Sr. Fagundes.

A Realidade Interna 264


Loucura do Espelho
- Como vai Sr. Fagundes. Há tempos não nos vemos hein? – falei
abrindo o sorriso.
- Sim, pois é! – disse se levantando e vindo até mim e me
abraçando. – Temos que conversar novamente.
- Eu é que tenho que pedir desculpas Senhor. Eu abandonei
completamente o meu serviço.
- Bom, isso é apenas um detalhe. – disse ele me indicando a cadeira
a sentar-me. – Mas, o que quero falar com você é mais profundo do que
esta nossa realidade. – disse terminando e sentando-se em sua cadeira.
- Bom, então é melhor que me diga! – falei não notando a minha
impaciência diante a situação.
- Coiote! Meu filho! Você está muito mais avançado em
pensamento do que eu podia conceber. Surpreende-me a cada dia. Não me
faz deixar de notar que muitos não entendam o seu pensamento e suas
decisões. Todos dizem que é louco de deixar um serviço certo, o que estava
aparentemente certo, dentro de minhas empresas, e chamar seus amigos
para fazerem música! Mas, vejo que isso o torna melhor a cada dia. Vejo
até a sua “indignação” de entrar na Fábrica novamente.
- Sim Sr. Fagundes, eu escolhi isso agora e irei até o fim. Quero
fazer o que me deixa feliz e agradeço o que o Senhor fez por mim. – falei.
- Vejo que sua decisão mudou muito o seu jeito de ser.
- Sim. Descobri que quando escolhemos não mudamos, quando
decidimos também não mudamos, mas, quando fazemos, sentindo de
dentro para fora, aí sim, mudamos completamente. – falei.

A Realidade Interna 265


Loucura do Espelho
- Sábias palavras Coiote! – disse com um sorriso paterno. – Me
surpreende muito. Mas, eu lhe chamei aqui para falar a você simplesmente
duas coisas.
- E quais são? – perguntei curioso.
- Primeiro Coiote, quero que comece a se lembrar que o
pensamento pode o levar tanto para o futuro, vendo as suas escolhas e
decisões dando resultados, quanto também ao passado, o fazendo voltar por
um instante e fazer tudo diferente.
- Mas, isso seria possível? – perguntei já mostrando certo brilho em
meus olhos.
- Analise! – disse Fagundes. – Você conheceu o poder das escolhas,
das decisões e das ações. Conheceu também a irrealidade da mente humana
simplesmente acontecer à sua frente e se transformar em realidade.
Descobriu como funciona a meditação reflexiva e aprendeu a encontrar
contrapontos em suas vivências. Além do que, controlou a linha da loucura
e do medo, que simplificadas essas linhas, nada mais é do que a coisa mais
importante de uma mente, que é aprender a controlar o prazer e a dor! Você
agora está praticamente pronto, para voltar, ou para prosseguir.
- Nossa! Eu não havia parado pra pensar ainda em tantas coisas que
aconteceram em minha vida, em minha mente, em minha realidade! – falei
olhando para o chão como justamente, de um tempo para cá, costumava
fazer minhas ponderações.
- Pois sim. – disse Fagundes completando o pensamento. – Você
foi longe demais para simplesmente um garoto. Mas, agora é o ponto onde
irá decidir realmente o que irá acontecer.

A Realidade Interna 266


Loucura do Espelho
Parei um pouco e fiquei a observar internamente as coisas que
Fagundes acabara de falar. Os pensamentos eram tão uniformes agora que
não havia razão para eu não soltar um sorriso de louco, ao mesmo tempo de
completamente sóbrio dentro da realidade qual havia formulado. Mudei
muito nesse ano em que comecei a me entender de dentro para fora. Uma
vivência inteira, sem olhar para dentro, não poderia ser melhor do que essa
oportunidade que tive de me conhecer. Mas, ainda não estava terminada,
pensei.
- Mas, Sr. Fagundes? E o segundo ponto que me disse
anteriormente? – falei lembrando-me.
- Sim, sim. Estava o esperando digerir o que acabei de lhe falar.
Tudo o que lhe disse sei que irá ajudar você a pensar, mas isso que eu irei
lhe falar pode realmente mudar tudo o que pensa a respeito do que era
simplesmente para ver! Isso irá mudar o seu mundo, o meu e o de todos que
estariam envolvidos sentimentalmente, profissionalmente e mentalmente
em nossas vidas!
- O que seria de tão importante assim? Está até me assustando com
essa conversa. – falei.
- Sim Coiote! O amor! Essa palavra é que faz o mundo girar, faz os
ciclos se transformarem! – disse.
- Sim, mas não entendo! O que irá me fazer o amor de tão
importante que irá mudar a realidade de todos nós? – perguntei.
- Boa pergunta, mas isso, como já disse, parece até piada, somente
você, poderá descobrir e somente com uma pessoa. Somente essa pessoa
pode lhe dar a vivência que precisa para entender o que o amor pode fazer.
– disse e me deixou em silêncio para pensar a respeito.

A Realidade Interna 267


Loucura do Espelho
Entre pensamentos de sarcasmo me dizendo que o Sr. Fagundes
estava louco por me falar aquilo tudo e vendo que eu ainda estava
engatinhando em meus conhecimentos mentais, consegui descobrir, não
com muito tempo após, mas como um véu que é rasgado e lhe mostra uma
imagem, assim o rosto, agora triste, de Renata, apareceu à minha frente
como mágica.
- Meu Deus! Renata! – falei como se agora houvesse tido uma
lembrança ou visão do que sentia por ela.
- Está vendo? Você não quis sofrer e por isso a guardou no fundo
de sua mente, até que esqueceu por completo o que sentia. Mas, isso foi
somente bom pra você, nem imagina como está Renata?
- Não! – falei sentindo o meu erro surgir de dentro das profundezas
de minha mente. – Certamente fui egoísta em pensar assim. Imaginei que se
eu esmagasse meus sentimentos, estaria me poupando de uma infelicidade.
- E nem ao menos conseguiu pensar no sentimento alheio, não é
verdade? – disse Fagundes.
- Sim. – falei completamente sem graça com tamanha lição.
- Pois bem, esta seria a maior de suas lições. Amor. Agora vá, faça
o que tem de ser feito e depois conheça o que este sentimento pode fazer de
tão grande dentro e fora de você.

Fiquei profundamente agradecido por tudo aquilo, de acordo com o


que me disse antes, uma mente pode ficar achando-se melhor do que todas
e, mesmo assim, não enxergar coisas pequenas que realmente existem
dentro do amor, ou até mesmo dentro de pessoas. Às vezes, não sabendo o
que falar, podemos simplesmente corromper uma amizade, transformar

A Realidade Interna 268


Loucura do Espelho
uma amizade em inimizade, por simplesmente não termos empatia e não
vermos a dificuldade do outro na mesma questão que nós já nos decidimos.
Nossa forma de pensar é realmente muito distante uma da outra. O que
pensamos estar certo, para o outro é o maior erro que poderíamos cometer.
Assim, temos a nossa trajetória de vida completamente aberta a tantos
desafios e escolhas que temos que ter. Saber formular as perguntas na hora
certa e abrir a boca também para falar qualquer assunto na hora certa,
podem mudar completamente uma situação. É muito mais interessante do
que se pode pensar.
Saí da Fábrica e olhando para trás, antes de entrar em meu carro,
pude ver o Sr. Fagundes acenando para mim, quase tive a impressão de que
seria a última vez que nos veríamos. Tamanha certeza disso, eu tive, que
um arrepio imenso percorreu todo o meu corpo, quem sabe também a
minha alma.
Dirigindo pela cidade e pensando em tudo o que acontecera até
aquele momento, pude analisar que as coisas acontecidas simplesmente
eram para que eu encontrasse aquela garota. Tudo na verdade, estaria
ligado espiritualmente, de forma única e propensa a se tornar realidade a
qualquer custo! Os movimentos do universo estavam conspirando para
convergir até aquele ponto, não importando tudo o que acontecesse em
nossa vida. Não importando com minha vontade de fazer o contrário, ou a
dela de ir para outro país! Estávamos fadados a nos encontrar! Com o
pensamento ainda obscuro do que eu deveria fazer, fui até a outra Fábrica
de Sr. Fagundes, onde Renata havia assumido a total Presidência dela.
Encostei o carro e vi que muita coisa havia mudado de quando eu estava

A Realidade Interna 269


Loucura do Espelho
trabalhando ali, mesmo sendo eu o principal executor das mudanças, não
havia reparado.
O logotipo da empresa estava diferente, os uniformes dos
funcionários agora eram de uma cor mais viva. Entrando aos escritórios os
computadores e as salas reformuladas me deixaram até um pouco cheio de
orgulho. As pessoas também mudaram, eram as mesmas, mas tamanha era
a felicidade de trabalharem naquela empresa que o sorriso que antes
possuíam por simplesmente ser educado, agora transbordava em seus
lábios. Até mesmo a luz que chegava aos escritórios era totalmente
diferente! Estava mais forte! Tudo estava mais claro. Não possuía mais o ar
sombrio com pouca luz que antes havia. Olhavam para mim e quando me
reconheciam, vinham me dar boas vindas à fábrica. Novamente pude notar
que havia realmente muitos amigos que gostavam de minha presença. Não
pelas mudanças e pelos lucros transformados que havia feito, mas sim, por
verdadeira amizade que havia adquirido quando eu ainda era somente mais
um empregado comum na empresa.
Ao fundo de todas aquelas salas, havia a sala a qual queria chegar a
todo custo. Ainda sentia uma pontinha de medo do que poderia acontecer
quando a secretaria de Renata abrisse a porta. Mesmo assim fui sendo
gentil com todos que me perguntavam o que havia acontecido e eu
respondia que estava de férias. Depois de alguns minutos cheguei à frente
da secretaria que olhou para mim com um olhar simples e singelo e disse:
- Pode entrar Coiote! Acho que ela o aguarda. – disse isso me
deixando sem entender e antes que eu pudesse falar algo ela completou –
Tenho certeza de que este momento é oportuno.

A Realidade Interna 270


Loucura do Espelho
Olhei para a porta da sala e fiquei receoso de colocar a mão à
fechadura. Mesmo assim, sabia realmente que teria que fazer isso de uma
forma ou outra. Pensei em tudo o que havia acontecido até aquele inusitado
momento. Pude perceber que as coisas eram finalmente para darem certo,
ou para simplesmente ter um fim, fim esse que talvez eu nem estivesse
preparado para que acontecesse.
Com um pensamento decidido abri a porta. O olhar de Renata
encontrara-se com o meu, e o arrepio foi imenso. Totalmente comedido em
meus atos e percebendo que Renata também estava contendo os seus
impulsos.
- Olá Renata! Como estão as coisas por aqui? – perguntei entrando
vagarosamente em sua sala.
- Olá Coiote! – disse ela não muito empolgada e com a voz um
pouco trêmula por tamanho susto. – Está sumido e agora resolveu aparecer?
– perguntou colocando um livro caixa sob a sua mesa.
- Pois é. – falei andando pela sala e indo até o grande vidro que
dava para a Fábrica. – Tenho que conversar com você.
- É? E sobre o que quer conversar? – disse ela me olhando mesmo
eu estando de costas.
- O que acha que aconteceu aqui Renata? – falei e terminando virei
para ela.
- Como assim? O que aconteceu aqui? – respondeu perguntando.
- O que fizemos? – falei indo até a cadeira à sua frente, sentando-
me.
- O que fizemos não, o que você fez, você quer dizer? – falou.
- É! Mas, éramos para ter feito isso juntos. – falei.

A Realidade Interna 271


Loucura do Espelho
- Disse tudo, “éramos”, mas não fizemos juntos. O mérito é seu e
devo lhe elogiar por isso. Tudo está indo muito certo nas empresas, e não
sei conceber como você conseguiu fazer tudo isso e ainda, não me entra na
cabeça, como você deixou isso tudo e foi embora! – disse ela ficando
nervosa comigo e falando mais alto.
- Na verdade Renata, você não está chateada por eu ter largado as
empresas, não é? – falei causando um alvoroço dentro dos pensamentos
dela que ficou sem resposta e seus olhos encheram-se de lágrimas.
- Isso não vem ao caso! – disse ela mostrando os seus sentimentos.
– Como você pôde abandonar o meu tio, que sempre lhe tratou como um
filho! – disse ela se levantando e tentando arrumar alguma coisa em sua
mesa, mas na verdade queria arrumar os seus sentimentos.
- Isso na verdade não tem importância, seu tio e eu nos entendemos
de outra forma. Mas, gostaria que você soubesse que eu não entendi o que
você fez em abandonar a mim e ao seu tio e ir para Portugal.
Renata olhou para mim e agora sim entendi que o que ela estava
sentindo naquele momento, era apenas o mesmo sentimento que eu havia
experimentado quando ela partiu de um momento para o outro, quase sem
explicação.
- Você não entendeu? – disse ela se entregando as lágrimas. – Eu
também lhe amava! Sempre lhe amei, desde que nos encontramos na
rodoviária quando cheguei aqui apenas uma garotinha! Mas, você nunca me
olhou! Você sabe o que eu tive que engolir toda vez que nos
encontrávamos? – houve silêncio. - Depois tudo ficou confuso, eu queria
estar ao seu lado, mas a vida me trouxe obstáculos! – disse ela

A Realidade Interna 272


Loucura do Espelho
completamente em prantos me deixando também constrangido e a vontade
de chorar também me contagiou.
- Se apenas eu soubesse que isso era verdade. – disse calmamente.
– Pois, agora tenho certeza que tinha medo do que sentia por você. – falei
com a voz enrolada a fazendo olhar para mim de outra forma. – Acho que
por isso me entreguei aos vícios, para simplesmente esquecer a sobrinha do
patrão, pois não ficaria com um simples empregado. – terminei soltando o
último sentimento de inferioridade que ainda me assolava.
- Se tudo fosse somente uma forma de ter medo. – disse Renata
fazendo com que eu não entendesse esse comentário. – Apenas medo. Eu
não teria medo de enfrentar meu tio, pois meus sentimentos nunca me
traíram sobre o que sentia por você.
Essa frase me espancou de forma que fiquei sem reação, mas uma
palavra me deixou mais transtornado ainda.
- Sentia? – perguntei.
- Sim. Agora não tenho mais certeza do que acontece aqui dentro.
Devo admitir que fui dura, escolhendo ficar longe de você, mas quando
voltei, conversamos somente uma vez e você agiu como se fosse um bom
amigo. – falou ela.
- O que queria que eu fizesse? – perguntei e Renata olhando para
mim e enxugando as suas lágrimas simplesmente respondeu.
- Que me amasse!

O silêncio realmente foi inevitável naquele momento. Fiquei a


observar os olhos de Renata que nunca havia visto com tamanha tristeza.
Ficamos nos olhando durante um tempo e muitas das lembranças que eu

A Realidade Interna 273


Loucura do Espelho
havia visto se tornaram poucas para me trazer a culpa de não ter tentado, de
não ter escolhido e decidido o que eu queria em relação a um amor
verdadeiro. Isso me doeu muito, mas tinha que perguntar.
- E agora? O que faremos? – perguntei com voz engasgada.
- Já estou esquecendo de que lhe amei. – disse ela com todas as
palavras.
- Tem certeza? – perguntei segurando as lágrimas por ter jogado
tudo fora.
- Sim. E peço para que você siga seu caminho e me deixe seguir o
meu. – disse completamente sóbria de seus pensamentos. – Se ao menos
você tivesse feito diferente, hoje poderíamos estar tendo uma conversa
totalmente diferente.
- Eu peço desculpas, por todas as mágoas que lhe causei.
- E eu peço desculpas por ter lhe amado. – falou ela simplesmente
terminando ali a nossa improdutiva conversa.

Levantei-me e a vi chorar mais um pouco antes de sair de sua sala.


Pelo meu semblante, todos notaram que a conversa havia sido
desnecessária. E o meu abatimento estava claro e visível que o amor havia
desaparecido de nós dois. Muitos ficaram surpresos pelo que havia
acontecido e todos pararam de trabalhar. Sem ao menos uma palavra
muitos se compadeceram de meu triste olhar e alguns deram tapas em
minhas costas. Completamente em silêncio. Outros foram comigo num
cortejo silencioso até o meu carro.
Liguei o carro e olhei para a Fábrica. Novamente o sentimento que
iria vê-la pela última vez, assim como foi com o Sr. Fagundes, voltou a me

A Realidade Interna 274


Loucura do Espelho
perturbar. Comecei a pensar o que iria acontecer dali para frente. No
restante da manhã, fiquei em casa, murmurando para mim mesmo o que
havia acontecido. Nesses instantes não percebi que não estava nem um
pouco interessado em entender o que havia acontecido. Esqueci
completamente o meu avanço espiritual e mental até ali. Fiquei entediado
com a minha vida de conquistas e perdas.
Durante a tarde fiz um retrocesso metal, apensa relembrando de
tudo o que passei até ali. Desde nosso encontro na rodoviária, Sr. Fagundes
era de certa forma o meu pai e até mesmo havia me esquecido de meu
verdadeiro pai e da minha verdadeira mãe. Saí então andando com meu
cachorrinho para dar um alívio à dor da minha mente. Encontrei com
alguns amigos antigos e assim eles me convidaram para ir num lugar novo
ao qual haviam descoberto, pois tiveram que encontrar outro lugar desde
que a fábrica havia voltado ao seu funcionamento.
- Pois é Coiote! – disse Marquinho um dos antigos amigos. – Quem
diria, você se tornou executivo em pouco tempo, quando decidiu,
conseguiu. Pode me ensinar como você fez isso?
- Não tenho nem idéia Marquinho, foi muito estranho. Pelo que
estou sentindo agora, acho que não deve querer usar o meu jeito, pode
encontrar o seu jeito por si só. – falei não percebendo a aula que lhe dei em
somente duas frases.
Tudo estava diferente, o lugar era diferente, as pessoas eram
diferentes, eu estava diferente. Havia transformado completamente a minha
realidade. Eu não era mais aquele “moleque” drogado, era uma pessoa com
prestígio e havia conseguido tudo em apenas um ano e poucos meses. Mas,

A Realidade Interna 275


Loucura do Espelho
agora não sabia mais o que eu queria e meus pensamentos somente iam
para um lugar, onde Renata estaria.
Depois de fumar daqueles cigarros com meus amigos antigos,
voltei para casa. Sentei-me no sofá e comecei a pensar o que o efeito do
cigarro me ajudou mais uma vez, a última, talvez. Comecei a fazer
perguntas e as lembranças de Renata começaram a me perturbar e uma das
frases que disse começou a soar dentro de minha mente como se fosse um
mantra.
- “Se ao menos pudesse fazer diferente”!
Aquilo me deixava angustiado e novamente a lembrança vívida de
tudo o que acontecera desde que havia descoberto o espelho me veio à
mente. Desde o primeiro dia, a visão do paraíso, a primeira visão de meu
outro eu, que resumidamente era a minha própria subconsciência. As festas,
as bebidas, as drogas, tudo voltou a minha mente como o mesmo filme que
via com meu outro eu. Fechei os olhos, vi o Sr. Fagundes falando comigo,
como a mente pode ir à frente ou voltar no tempo. Comecei a analisar ali o
que havia me dito, pois, os acontecimentos haviam me tirado o foco desta
última lição.
Comecei a entrar em meu estado de profunda meditação, ao qual,
diante todo o meu aprendizado não demorava mais do que dez segundos
para atingi-lo. Assim comecei a pensar e perguntar. Como minha mente
pode ir ao futuro? Pensando em simplesmente ações e reações. – respondi. -
Tudo o que eu faço irá me levar a um fim, exatamente como uma estrada o
leva a um destino, mas o futuro não é destino e está em completa mutação,
em completa mudança. Em diferença disto, o passado está simplesmente
para trás, parado, sendo que uma mudança não pode mais ocorrer. Mesmo

A Realidade Interna 276


Loucura do Espelho
assim quando se lembra de um fato acontecido e não houve o aprendizado
exato do que era para se aprender, podemos muito bem imaginá-lo de
forma que poderemos relembrar e aprender o que éramos para ter
aprendido. Mas, se pensarmos de acordo com as rodas do tempo, os ciclos,
podemos entender que voltar ao passado, literalmente, não é tão impossível
de acontecer, assim como, ir presenciar o futuro não é impossível também.
Se uma mente vai ao futuro, tendo como premissas nossas escolhas e
decisões, podemos muito bem enxergar o futuro como um acontecimento
real e que na verdade é apenas uma conjectura de nossa mente. Quer dizer,
nossa mente, se avançada for, pode criar todo um contexto, ou uma história,
para que acreditemos que aquele será realmente, sem dúvida, o nosso
futuro, porém, ainda temos as escolhas no presente, que pensamos ser
passado, para moldarmos os acontecimentos. As rodas do tempo dentro de
uma mente fazem com que o tempo seja algo somente para se acreditar ou
não. Acreditando assim que esse é realmente o nosso futuro, entregamos os
pontos e iremos culminar nesse futuro, já acreditado por nossa mente. Mas
se não fizermos dessa maneira, poderemos obter um novo futuro. Que
mente poderia conceber isso de forma tão grandiosa que simplesmente uma
conjectura pudesse ser demasiadamente forte para fazer com que uma
mente acredite que viverá tudo aquilo?
Essa pergunta me fez ficar um tempo tentando encontrar a resposta,
mas sem sucesso, acabei dormindo num sono muito profundo e reparador.

Com todas aquelas perguntas, minha mente se desligou como há


muito não acontecia. Nem mesmo um sonho eu me lembrei quando abri os

A Realidade Interna 277


Loucura do Espelho
olhos. E tudo estava diferente. Realmente, muito diferente de tudo o que
havia acontecido até aquele momento.
Notei que estava deitado, mas não como me lembrava. Acabei
dormindo ao sofá na noite anterior. Mas, não estava no sofá da minha casa.
Abri direito os olhos e vi que o cobertor era meio velho com várias cores,
as paredes estavam próximas demais, a sala parecia estar menor do que era
onde morava agora. Um sentimento que meu quarto havia encolhido estava
me sufocando. Olhei em volta, agora mais atento e vi os meus pôsteres de
grandes bandas de rock and roll. As fotos de show que havia ido, meu
violão à um canto encostado ao guarda roupa. Naquele momento tive um
grande arrepio, daqueles que você nunca mais terá e que também nunca
teve. Estava novamente dentro de meu quarto! Levantei correndo e fui até a
porta, abri e tive uma sensação de náusea. Vi o corredor da minha casa, mas
a casa quando morava com meus pais! Fiquei atônito, voltei e sentei em
minha cama, tentando colocar a minha mente em ordem. Olhava em volta
para tentar entender tudo aquilo. Os pensamentos eram rápidos e
completamente irracionais. Onde eu estou? Comecei a me perguntar. Ouvi
vozes do lado de fora de meu quarto e essas vozes pareciam que há anos eu
não as escutava. Arrepiei novamente. Levantei-me e fui até o guarda roupa
e o abri. Minhas roupas antigas estavam ali! Corri e abri a porta do quarto e
fui até o banheiro e me tranquei lá. Olhei diretamente ao espelho e me
assustei a ponto de ter quase um colapso. Era eu, sim, era eu, mas com a
mesma idade de quando havia saído de casa! Arrepiando de segundo em
segundo vi que a minha realidade era aquela, novamente! Lembrei-me de
tudo como aconteceu naquele trágico dia e nesse momento que estava no
banheiro lembrei-me que minha mãe costumava ir arrumar o meu quarto

A Realidade Interna 278


Loucura do Espelho
assim que eu saia dele. Lembrei também que foi nesse dia que ela
encontrou droga em meu quarto. Desembestadamente corri para o meu
quarto segundos antes que minha mãe pudesse encontrar o “bagulho”. Fui
até a minha escrivaninha e peguei o saquinho com a droga. Segurei-a firme
e naquele momento comecei a lembrar de tudo como “flashs”, do que havia
acontecido comigo naquele fatídico dia. Seria sonho? Seria realidade? O
que estava acontecendo comigo? Atônito, apertava aquele saquinho como
se fosse dali que sairiam todas as resposta. Logo meu pai gritou da cozinha.
- Alex! Alex! Já se levantou? – disse isso me fazendo lembrar do
meu verdadeiro nome. – Coiote! – gritou novamente. – O que combinamos
ontem?
- Já estou indo! – gritei de dentro do quarto.
Um segundo foi o suficiente para eu entender o que estava
acontecendo.
- As rodas do tempo! – falei baixinho para mim mesmo.
Fui novamente ao banheiro e ali me tranquei. Olhei para o espelho
e passei a mão por meu cabelo, recém pintado de roxo, assim como estava
em meu sonho quando encontrei com o Sr. Fagundes. Lembrei-me de tudo
naquele momento, Renata, a Fábrica, meu apartamento. Olhei para minha
mão e o saquinho com a droga que fez com que tudo de ruim acontecesse a
mim, ainda estava ali. Joguei-a na privada e dei descarga sem ao menos
pensar a respeito. Sabia que tinha de me livrar de tudo aquilo! Obtive de
mim mesmo um arrepio e uma certeza de que estava fazendo a coisa certa.
Agora, com um sorriso interminável ao meu rosto, lavei as mãos, o rosto e
penteei o cabelo. Saí do banheiro e encontrei meus pais tomando café à
cozinha.

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Loucura do Espelho
Meu pai estava já sentado e ia colocando um pedaço de pão a boca
quando olhou pra mim.
- Que sorriso é esse no seu rosto? Não me diga que vai dar mais
uma desculpa para não ir trabalhar comigo? – disse colocando o pão na
mesa e olhando a minha mãe que lavava a louça.
- Nada! Acho que tive uma idéia melhor! – falei indo me sentar. –
Vou procurar emprego na fábrica do Sr. Fagundes! –falei.
- Na fábrica de quem? – perguntou ele.
- Naquela fábrica de tecido, aquela grande no pólo industrial.
Conhece? – falei não percebendo que havia falado demais.
- O que o faz pensar que um garoto de 16 anos de idade irá
encontrar serviço dentro de uma fábrica? – disse ele em tom grosso.
- Não sei. – Falei. – Somente estou pensando em tentar. – olhei
para o relógio e já havia visto que seria à hora de ir embora.
Levantei-me com tanta decisão que meus pais me acompanharam
até o portão e meu pai estava bravo, dizendo que estava querendo me
esquivar de meu compromisso com ele, até que disse:
- Esta é a última vez que lhe dou chance de trabalhar comigo! –
gritou.
Já ao portão, parei e toda aquela cena me veio à mente, mas de
forma diferente. Um arrepio subiu dos pés à cabeça me lembrando de como
tudo havia começado. Olhei para trás e vi seu rosto furioso. Simplesmente
eu sorri e disse:
- Espere Pai. Ficará orgulhoso de mim. Estou querendo trabalhar e
mudar completamente a minha vida. – falei calmamente indo até ele e
minha mãe, que estava mais atrás e chegou até nós. – Eu descobri que

A Realidade Interna 280


Loucura do Espelho
tenho um futuro grandioso pela frente, mas tenho que conversar com o
dono da fábrica. – falei isso e dei um abraço em meu pai, coisa que há
muito tempo não o fazia, e outro em minha mãe.
Ficaram em silencio e me viram com aquele sorriso de louco ao
rosto. Desci a rua de minha casa, da mesma forma que havia visto, agora
sem as malas e sem aquele rancor nos olhos. Mas sim, um grande sorriso.
Fui correndo para a rodoviária e lá chegando, procurei o mesmo lugar que
havia sentado, onde em meu sonho, ou seria realidade, havia conhecido o
Sr. Fagundes. Lamentei por ele não estar ali. Mesmo assim me sentei e
fiquei a observar a chuva. Olhei ao relógio na parede da rodoviária para ver
se havia me atrasado ou adiantado. Era aquele mesmo horário. Comecei a
pensar afinal se era real aquele sonho, ou se era somente ilusão da minha
mente. Como poderia ser verdade tudo aquilo que havia visto? Pelo menos
os meus pais não encontraram a droga em meu quarto e não tivemos aquela
briga que fez com que eu nunca mais voltasse para casa depois daquela
manhã. Mas, será que iria ficar somente naquela coincidência? Embora
depois daquele sonho, eu não acreditava mais em coincidências. E veio
outra pergunta em minha mente. Como eu poderia ter tanta certeza sobre o
que fazer de minha vida agora, simplesmente depois de um sonho? Por que
minhas convicções estavam tão afloradas a ponto de querer acreditar que
tudo foi real? Por que estava com aquela certeza interna de que me
conhecia tão bem que não era ilusão de minha mente? Intrigava-me, e
olhava aquela chuva me lembrando do apartamento, do Sr. Fagundes e de
tudo!
- Chegou cedo, hein Coiote! – disse uma voz atrás de mim que
reconheci no mesmo momento.

A Realidade Interna 281


Loucura do Espelho
- Eu não acredito nisso! – falei olhando para o chão e sentindo
todos os arrepios possíveis naquele momento.
Era engraçado ver aquela cena, um menino como eu era, mas com
o pensamento avançado e falando como se fosse experiente.
- Pode ter certeza que sim! – disse a figura também mais nova de
Sr. Fagundes chegando ao meu lado e sentando-se. – O que somos,
simplesmente somos Coiote.
- Sr. Fagundes? Posso lhe perguntar? – falei levantando meu olhar
para ele, como se realmente o conhecesse há décadas.
- Sim! – disse ele tirando a cigarreira e me oferecendo um cigarro
ao qual sorri e recusei. – Você tem mais perguntas ainda, não é meu rapaz?
- Na verdade não. Tenho apenas mais uma pergunta.
- Então a faça! – disse ele soltando a primeira baforada do cigarro
que acabara de acender.
- Sabia o tempo todo? – perguntei fazendo-o rir.
- O que significa o saber? – perguntou ele em resposta. –
Simplesmente que somos mentes avançadas? Ou que na verdade somos
loucos?
- Eu preciso saber. – falei. – Se não, hoje sim, eu fico louco.
- Continue a sua experiência Coiote. Um dia irá notar que somos
mais do que simplesmente pensamos que somos e se aprendermos a pensar,
seremos mais, muito mais, do que qualquer um pode imaginar. Pena que
muitos não têm consciência de que podem se tornar melhores a cada dia. –
disse ele parando de falar e olhando para o ônibus que encostava. – Seu
aprendizado somente começou meu caro Coiote. – disse levantando-se e
indo até o ônibus.

A Realidade Interna 282


Loucura do Espelho

A mesma garota desceu as escadas e veio ao encontro de seu tio.


Chorando e seus olhos vermelhos, pois o que tinha acontecido mudou
completamente a realidade a qual vivia. Depois do abraço demorado,
Fagundes olhou para trás e apontou para mim falando com sua sobrinha.
Arrepiei mais do que minha imaginação permitiu. Fui ao encontro dela e a
cumprimentei.
- Olá Renata. Como está se sentindo?
- Triste! Meu tio disse que irá lhe arrumar um emprego. E que você
chegou hoje também.
- Sim, é isso. – respondi olhando para trás dela onde Fagundes
pegava a mala de Renata e que com um gesto me disse para que ficasse em
silêncio.
- Bom, então vamos né? – falei cheio de segurança em mim
mesmo. – Acho que essa cidade irá nos acolher muito bem. Pode contar
comigo para qualquer coisa Renata, quem sabe não iremos nos tornar bons
amigos.
O sorriso nos lábios de Renata se transformou com aquelas
palavras e olhando fixamente em seus olhos pude perceber que havia
realmente sido ali, naquele momento, que começara novamente o nosso
verdadeiro sentimento. Fui até Fagundes e o ajudei com as malas de
Renata, e perguntei.
- Somente nós dois que sabemos o que aconteceu? – perguntei.
- O que na verdade aconteceu, será realidade? Ou apenas loucura
de nossa mente? – perguntou Sr. Fagundes terminando com um sorriso

A Realidade Interna 283


Loucura do Espelho
quase angelical. – As dimensões estão todas conexas, mas apenas alguns
conseguem visitá-las.

Com uma piscada o Sr. Fagundes e eu pegamos as malas. Fomos


embora da rodoviária e estava com uma certeza. Não podemos deixar de
encontrar os detalhes em tudo e no todo. Assim iremos fazer nossas
escolhas e assim tomaremos nossas decisões, que simplesmente culminará
em nossas ações, para nos melhorarmos a cada dia, bem como o nosso
próprio modo de pensar! A interconectividade do universo está em todos
nós. Estamos ligados e em sincronia com o universo, com as dimensões e a
nossa mente é como um rádio, que absorve a frequência que estamos
acostumados. Somente precisamos ampliar a nossa consciência para que
assim vejamos mais do que nossos olhos materialistas podem enxergar...

A Realidade Interna 284

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