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UNIVERSIDADE DA INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA

CURSO DE ANTROPOLOGIA

Estudante: Leonardo Pontes Ferreira


Disciplina: Etnografia das populações indígenas
Professor: Pablo Quintero

Resenha “Tutela e Resistência Indígena:


Etnografia e história das relações de poder entre os Terena e o Estado
brasileiro”1

Esta presente resenha crítica foi escrita a partir da leitura de dois capítulos 2 da tese de
doutorado de Andrey Ferreira. Os principais objetos de sua tese são o Regime Tutelar, as formas de
colaboração/resistência indígena e a mudança/reprodução social, dessa forma sua etnografia tem o
“poder” como uma preocupação teórica importante, ou seja, as relações de poder que pressupõe a
existência de uma sociedade, enquanto uma entidade totalizadora. Além disso (e para se dizer desta
forma), entendendo o “processualismo” enquanto uma corrente etnográfica que se preocupa com os
processos de contato e transformação das culturas, a etnografia de Andrey poderia se inserir neste
campo da Antropologia Política, que parte da realidade inter-relacional das culturas para entender os
processos históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais do “campo e da arena das relações
inter-étnicas”. Portanto, esses processos compreendem relações entre os indígenas, o Estado
(através das instituições estatais como a FUNAI, o SPI e o arranjo político municipal-estadual-
nacional) e o Capitalismo (através de atores econômicos locais e regionais).
Os objetos referidos acima se apresentaram e foram delineados enquanto objetos de
investigação a partir do trabalho de campo etnográfico, que foi realizado a partir de 2001 com os
Terena, na região da cidade de Miranda, Mato Grosso do Sul. Os Terena enquanto grupo cultural
homogêneo, se situam nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo, sendo um
grupo cultural que se espalha descontinuamente pelo “território brasileiro”. Para “contextualizar”
brevemente com alguns dados, a respeito da população total, segundo o senso do SIASI 3 (Serviço
de informações da atenção à saúde indígena), em 2014 haviam 26.065 indivíduos Terena. Dito isso,

1 Tese de doutorado apresentada ao PPGAS do Museu Nacional do Rio de Janeiro-RG por Andrey Cordeiro Ferreira,
em 2007.
2 São os capítulos 5 – Centralização estatal/descentralização faccional: A organização política Terena e 6 – Co-
gestão indígena e as micropolíticas de colaboração e resistência cotidiana.
3 Extraído do PIB-Socioambiental, no seguinte endereço: <https://pib.socioambiental.org/pt/povo/terena/1040> no
dia 06/12/2017.
como já exposto, o trabalho etnográfico de Andrey foi realizado na Terra Indígena (T.I.) de
Cachoeirinha, no Mato Grosso do Sul. A T.I. Cachoeirinha possui uma área de 36 mil hectares e
uma população de 4920 indivíduos, segundo dados da FUNAI/Campo Grande de 20104.
Em continuação, juntamente com o trabalho de campo, foram levantados uma série de
dados históricos, centrais na etnografia de Andrey. Dessa forma, o tempo enquanto categoria faz
parte das descrições presenciais do antropólogo, atuando como base para a explicação histórica e
etnográfica. Trabalhando com o tempo, o autor consegue identificar e explicar os processos de
transformação e contato dos Terena dentro do campo das relações inter-étnicas. Assim, todos os
objetos teóricos são investigados em sua dimensão histórica e etnográfica, constituindo o núcleo
central da etnografia de Andrey.
Isto posto, após essa breve introdução, cabe dizer que esta resenha foi empreendida a partir
da leitura dos capítulos já mencionados e também das anotações do meu caderno sobre a aula
referente a obra de Andrey. Em seguida, apresentarei as minhas considerações sobre a leitura que
realizei desses capítulos, que são – no tese de Andrey – subdivididos em vários tópicos, que não vou
especificar no corpo deste texto. Todavia, nesta resenha encontrá-se uma espécie de resumo de cada
capítulo, recheado com as minhas considerações.

Capítulo 5: “Centralização estatal/descentralização faccional:


A organização política Terena”

No capítulo 5, Andrey Ferreira pretende analisar a dinâmica da organização política Terena


e suas transformações ao longo da história. A “política Terena” por sua vez, insere-se num campo de
relações com as instituições estatais e com o Capitalismo. Essas relações entre diferentes atores
econômicos, políticos e sociais são produtos de um processo histórico, que será analisado por
Andrey como fontes explicativas para o que ele encontrou em seu presente etnográfico. A dinâmica
política Terena passa por formas cotidianas de repressão/colaboração, que agem como estratégias
políticas de resistência contra o Regime Tutelar.
Dessa forma, Andrey pretende analisar alguns processos sociais, que ele identificou dentro
da T.I. Cachoeirinha: 1 – Dramas sociais; conflitos de sucessão dos caciques e sua dimensão
histórica; 2 – Empreendimentos indigenistas; drama de cisão; descentralização e segmentação
política; A análise destes processos histórico-sociais é importante para se entender a dinâmica

4 Extraído do PIB-Socioambiental, no seguinte endereço: <https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3629>


no dia 06/12/2017.
política faccional Terena e sua relação com as políticas indigenistas. O que o autor quer analisar é
“como as formas de resistência contra a tutela expressam a fricção da organização política indígena
com a política indigenista” e como ocorre a adaptação política dos Terena às políticas verticais do
Estado brasileiro na realidade local das aldeias que compõem a T.I. Cachoeirinha.
O giro histórico realizado pelo antropólogo procura remontar uma série de conflitos que
caracterizam os dramas sociais. Tais conflitos despontaram no final dos anos 50 a partir da morte de
um cacique, que desencadeou o início de uma luta pelo poder, luta essa que foi institucionalizada
como um fator do regime tutelar e de suas influências sobre os modos de organização política
indígena. Esses conflitos de sucessão são atos de dramas sociais de longa duração e que têm
continuidade na história de Cachoeirinha e também, em outras T.I. Terena. Os conflitos de sucessão
se caracterizam como lutas de facções políticas pelo controle do poder político, representado pela
figura do cacique.
Assim, Andrey procura analisar os processos de luta pelo poder na Aldeia Sede através da
ação/reação entre a política indígena e a política indigenista. A política indígena dentro do regime
tutelar sugere uma série de estratégias dos grupos domésticos e das facções políticas no que se
refere a luta pelo poder que o posto do cacique representa. Considerando isso, no capítulo 5, os
conflitos são analisados a partir da dialética centralização estatal/lógica segmentar que gera a
síntese descentralização faccional. Essa dialética é de suma importância para entender os conflitos
políticos derivados da relação entre política indígena e política indigenista dentro do campo das
relações inter-étnicas.

Andrey nos apresenta o “cenário” de um dos atos do drama social que pretende analisar:
Em 2004, o cacique Lourenço Muchacho da aldeia Sede enfrentava um movimento de oposição
com o chefe do Posto Indígena (P.I.) Argemiro Turíbio. No mesmo ano, aconteceriam as eleições
municipais na cidade de Miranda e essa situação seria propícia para o re-fortalecimento de alianças
com lideranças partidárias que concorriam na corrida eleitoral. Todo este cenário é o cenário das
relações inter-étnicas que caracterizam os dramas de cisão.
A narrativa etnográfica nos apresenta aos próprio atores indígenas, trazendo por exemplo, o
ponto de vista do cacique Lourenço Muchacho, que confirma que há uma crise política inter-étnica
acontecendo na T.I. Cachoeirinha, se referindo ao movimento de oposição que enfrentava em
decorrência da segmentação da política indígena. Além disso, Lourenço também aponta alguns
“vetores” do afastamento comunidade indígena/lideranças indígenas, que segundo ele, seriam as
associações, as igrejas e as facções que segmentavam as relações políticas.
Todavia, Lourenço nos apresenta ainda a um ponto central do descontentamento da
comunidade: A gestão dos recursos materiais, a escassez de recursos vindo da FUNAI, a falta de
investimentos nas aldeias e a “falta de posicionamento” do cacique diante dessas faltas. Segundo
Lourenço, a responsabilidade que deveria ser cobrada ao Estado estava sendo cobrada dele pela
própria comunidade.
Ao que tudo indica, os grupos de oposição estavam solicitando intervenção política de
organismos estatais para “tirarem” Lourenço do cargo de cacique. Esse movimento de oposição
tinha precedentes nas mudanças no conselho tribal – dissoluções de alianças políticas,
reformulações dos membros do conselho, etc – “dirigido” pelo cacique. Um outro motivo, que
alimentava esse movimento de oposição seria “a questão dos contratos com as Usinas”, de uma
suposta corrupção por parte do cacique e de um não-investimento do dinheiro do Caixa-comunitário
dentro da aldeia. Esse último motivo é ilustrativo dos motivos que desencadeiam a luta pelo poder:
A questão da gestão dos recursos naturais e das alianças políticas que as viabilizam.
Enfim, esse acontecimento é apenas um dentre outros acontecimentos que se inserem
dentro de um processo (uma série de acontecimentos e situações sociais) da luta pelo poder local da
aldeia Sede. Portanto, são acontecimentos que se referem a lutas políticas e que são “ilustrados”
através de entrevistas, da reconstituição de eventos históricos precedentes à eclosão dos conflitos e
também, de fatos que desencadearam outros fatos e que articulam-se uma cadeia de conflitos, que
caracterizam os dramas sociais. Andrey compreende que as lutas pelo poder têm uma dinâmica
estrutural que deve ser interpretada através do funcionamento da organização política Terena.

Sendo assim, Andrey organiza uma espécie de “roteiro” dos dramas de sucessão: 1 –
Mobilização política faccional pela disputa do cargo do cacique; 2 – O cacique se mantem no cargo
devido a autoridade que possui, de gerir os recursos e os poderes, mas isso depende de alianças
internas e externas; 3 – As facções de oposição continuam lutando pelo poder; 4 – A resolução dos
conflitos passa pela intervenção de agentes estatais, como a FUNAI que atua como “poder
moderador”, visando gerar um (des)equilíbrio a esta ou àquela facção ou liderança; 5 –
Multiplicilidade local de poderes;
Esse “roteiro” demonstra e existência de diferentes atores inter-relacionados nos dramas de
sucessão: As lideranças indígenas, os recursos materiais, a FUNAI, as lideranças políticas locais e
estaduais, etc. No entanto, o que Andrey quer explicar é a forma de organização da unidade política
dos Terena. Segundo o autor, entender essa estrutura de organização é fundamental para entender de
forma mais profunda o decorrer dos dramas sociais.
A forma de organização político-territorial dos Terena é uma pirâmide de poderes: No
topo está o cacique, que centraliza o poder decisório e administrativo da vida pública e dos recursos
materiais; Abaixo do cacique, estão o vice-cacique e o conselho tribal (este, escolhido pelo cacique)
cuja a função é de regular e fiscalizar o cacique e até de destituí-lo do cargo, quando preciso; E na
base, estariam a população Terena. A relação cacique/conselho tribal revela uma tensão estrutural,
pois o cacique centraliza o poder podendo escolher os membros do conselho, porém, de outro lado,
o conselho escolhido pelo cacique pode destituir o cacique do cargo.
O cacique é escolhido por eleições regulares a cada quatro anos (Andrey aponta algumas
similitudes entre o processo eleitoral indígena e o processo eleitoral democrático-burguês). O cargo
de cacique centraliza o poder, sendo a principal autoridade formal da aldeia, ao mesmo tempo ele:
(1) controla as relações sociais e familiares dentro da aldeia, a ação e atividade dos indivíduos,
podendo aplicar conduta criminal quando há alguma violação de regras e normas sociais; (2) É
responsável pelas relações inter-étnicas, sendo a principal representação perante as instituições e
grupos não-indígenas ou de fora da aldeia; (3) Controla a relações econômicas e os bens coletivos
do grupo e também, os contratos de trabalho assinado pelos indígenas com empresas locais.
Dessa forma, o cacique monopoliza o controle social, a representação política e a gestão
econômica dentro da aldeia, sendo o “vértice” de uma poder centralizador sobre todos os domínios
da vida social. No entanto, a figura do cacique situa-se, da mesma forma dentro de uma outra
estrutura de poder, que é o sistema político estatal. Conforme nos lembra Andrey, o cacique
(enquanto categoria e função) é um “produto colonial”, portanto, uma imposição do Estado aos
grupos étnicos que visava a governamentalidade e a homogeneização. Assim, o controle do Estado
sobre o grupo étnico necessitava da figura do cacique como mediador e representante.

Estado → Política indigenista → Cacique → Grupo étnico

Para além do cacique, está a categoria “chefe do posto”, sendo um papel político
representativo do SPI/FUNAI perante aos índios. O chefe do posto é um funcionário público
oriundo da sociedade nacional. Como colocado, “cacique” e “chefe do posto” são duas categorias
importantes para se pensar as relações políticas entre os Terena, pois segundo Andrey, o chefe do
posto e o cacique “compartilham” o poder sobre a aldeia no que toca ao controle social, a
representação política e a gestão econômica e burocrática da aldeia.

Grupo étnico ← Posto indígena ← Chefe do posto ← FUNAI

Da mesma que o cacique atua como mediador entre o grupo étnico e o Estado, o chefe do
posto também media a relação grupo étnico/FUNAI. Todavia, existem “diferenças substanciais” no
que se refere à “importância” dessas categorias. O cargo do chefe do posto, como já dito, é um
emprego público, remunerado e que exige um acúmulo de “saberes técnicos” e específicos, além do
fato do chefe do posto possuir um status diferenciado e prestigiado. Essa diferença aponta para uma
outra tensão estrutural entre o cacique e o chefe do posto.
Essa tensão estrutural aponta para uma luta pelo poder entre cacique e chefe do posto pela
co-gestão dentro do regime tutelar. Essa luta se explicita na disputa pelo controle dos contratos de
trabalho e pelas decisões relativas aos bens materiais e as relações de mediação política. O cacique
e o chefe do posto concentram os poderes de exercer controle sobre a mão-de-obra indígena e
também, do fundo gerado pelas relações de trabalho, assim, essas duas categorias lutam pela co-
gestão da aldeia dentro do regime tutelar. Essa estrutura organizativa opera em todas as aldeias
dentro de Cachoeirinha, entretanto existe ainda, uma hierarquia de poder entre as aldeias, sendo a
aldeia Sede, uma espécie de centro político dentro da T.I. Cachoeirinha.

Tendo em vista a hierarquia entre as aldeias, podemos falar que existe também uma
hierarquia entre os caciques, sendo o cacique-chefe a figura central da organização político-
territorial da T.I. Cachoeirinha. Assim, essa hierarquia baseia-se num sistema político e econômico
do qual a T.I. Cachoeirinha faz parte, portanto, a base para a diferenciação entre as aldeias está na
localização destas unidade sociais dentro do campo das relações inter-étnicas.
Tendo explicado um pouco como funciona e como se organiza a unidade político-territorial
Terena, Andrey aborda outra questão muito importante: A base econômica da organização política
Terena, o modo como a política ocorre a partir de relações materiais de trabalho e de acúmulo de
renda. Entre os Terena, essa base seria o Caixa-comunitário ou o fundo das relações de trabalho,
que é administrado pelo cacique-geral, sendo a base do poder do cacique. Esse fundo é gerado,
como já dito, pelas relações de trabalho entre os Terena e as usinas de açúcar. Ocorre dessa forma:
10% do valor do rendimento do trabalho (5% descontado do salário de cada trabalhador e 5% pago
pelas usinas) é revertido para a aldeia, mas controlado pelo cacique. Além disso, os caciques Terena
têm legitimidade própria, pois são eles quem indicam o administrador regional da FUNAI. No
entanto, cada cacique ocupa diferentes posições hierárquicas no que tange a representação política,
e isso depende da “investidura estatal” e do reconhecimento externo que têm.
Segundo Andrey Ferreira:
“A organização política Terena revela dois aspectos antinômicos: Uma tendência descentralizadora
pela existência de uma pluralidade de lideranças políticas locais, e uma tendência centralizadora, dada
pela hierarquização entre os caciques-locais e o cacique-geral” (FERREIRA, 2007:252)
Assim, da forma como o autor expressa, a contradição se constitui a base material da
organização política Terena, que se dá no marco das relações capitalistas de dominação e de uma
“interdependência” com o mercado regional, através das relações de trabalho. Como vimos, o caixa-
comunitário é um fundo gerado pela articulação do Estado com as unidades produtivas capitalistas,
essa articulação ao mesmo tempo visa a exploração do trabalho indígena e atua como principal fator
dos conflitos faccionais pelo controle do poder do cacique.
Nesse sentido, a co-gestão indígena atua sobre a gestão da propriedade indígena e das
relações de trabalho, apontando para uma relação entre o Estado, o mercado capitalista e as
instituições indígenas. A partir das relações de (exploração do) trabalho, os Terena tornam-se uma
“classe” e esse, é o fundamento material de sua organização política. Dessa forma, a política
indígena está subordinada a dinâmicas econômicas regionais e nacionais.

Após ter descrito o modo de organização política através de uma reconstrução histórica do
que seria a “base material” da vida política Terena, Andrey passa a analisar como essa organização
se dá em termos sócio-culturais, mas também, históricos. O autor realiza outro giro temporal para
discutir sobre momentos e situações históricas que antecedem o seu presente etnográfico. O
principal objetivo desse “giro” é analisar “as transformações decorrentes do processo de formação
do Estado-Nacional no regime tutelar e no campo das relações inter-étnicas.
Assim, Andrey quer entender como opera o processo da diferenciação naati e wharê-chané
entre os Terena para entender as formas de ação política dos chefes indígenas e também, o padrão
de distribuição e transmissão do poder. Para isso, o autor realiza uma leitura e comparação – para
citar estas – entre duas etnografias (Altenfelder Silva, 1949; Cardoso de Oliveira 1976; 2002;) sobre
e com os Terena. O primeiro autor classificava a organização política Terena em quatro categorias:
Unati-aché, “chefe do povo”, wharê-chané, “gente feia”, cauti, “cativos” e chuna-axeti, “chefes
guerreiros”. Já o segundo autor trabalhava com três categorias: Naati, “chefe do povo”, wharê-
chané e cauti. Para Andrey essas etnografias possuem algumas limitações e divergências quanto à
caracterização do líder Terena. Além disso, uma outra crítica bem contundente, se refere as
dificuldades (limitações) dessas etnografias na reconstrução histórica da organização social e
política Terena, para Andrey, as duas teses descrevem “funcionalmente” como se organiza a
instituição política dos Terena, mas não consideram a situação histórica onde as relações políticas se
dão e nem de que forma os Terena se inscrevem no campo das relações inter-étnicas.
Isto posto, o giro histórico de Andrey procura remontar os contextos históricos do Chaco e
do Diretório. O primeiro se refere à localização dos Terenas na região do Chaco, terras
administradas pelo Império do Brasil, no século XIX. Já o segundo se trata do contexto no qual os
Terena (na região do Chaco) mantinham fortes relações de aliança com os Mbaya Guarani, no
século XVIII. Esses dois “eventos” históricos remontam a conquista e partilha dos territórios do
Chaco (denominação em espanhol), Pantanal (denominação em português) ou Exiwa (denominação
em Aruak, Terena) e se referem ao deslocamento dos grupos étnicos e aos, então, novos processos
de territorialização indígena que afetaram as relações sociais entre os Mbaya Guarani e os Guaná
(Terena).
No contexto do século XIX, os Terena seriam inseridos (engolidos?) no movimento de
colonização da região Centro-Oeste brasileira (ocupação territorial que estava na agenda do governo
imperial do Brasil). Nesse contexto, as relações entre o aparelho do Estado imperial com os grupos
indígenas se intensificou, inclusive e da mesma forma que as relações entre os grupos indígenas
passaram por bruscas transformações, como o “desmantelamento” das relações de simbiose entre
esses grupos indígenas.
Nesse contexto, a organização política dos Guaná/Chané (Terena) era definida segundo a
posição que este grupo ocupava no sistema social do chaco pantanal, assim, não se pode falar da
organização política Terena considerando os “fatores internos” deste grupo, uma vez que eles
estavam inseridos num contexto de relações e contatos com outros grupos étnicos e com o
colonialismo português e espanhol. Assim, por exemplo, a categoria cauti, “cativos” era uma
categoria do sistema social indígena que existia no contexto da economia colonial-escravista.
Considerando isso, no contexto histórico do chaco, os Terena estabeleciam fortes relações
com o Mbaya-Guaicuru através das categorias naati/unati, que seriam os “mensageiros-
representantes” de ambos povos. Os Guaicuru eram um grupo dominante no contexto histórico-
geográfico do chaco, assim, em suas relações com os Guaná estabeleciam fortes relações de
alianças matrimoniais com grupos familiares específicos dos Terena, assim, “[...] estas alianças
políticas baseadas em trocas matrimoniais, econômicas e acordos militares se colocaram como um
padrão de interação entre os dois grupos indígenas” (FERREIRA, 2007: 267). Esse padrão de
interação resultou em um relativo equilíbrio de forças entre os dois grupos. No entanto, como
Andrey destaca, se tratavam de alianças verticais dos Guaicuru – grupo dominante – com os Terena.

Após esse giro histórico, Andrey passa a discutir como se deram a formação das distintas
aldeias dentro da T.I. Cachoeirinha. É de suma importância considerar que a formação das aldeias
ocorreu através de interações com as instituições estatais, órgãos indigenistas e empreendimentos
militares. Assim, as primeiras reservas indígenas Terena forma fundadas em 1904, mas ao longo do
século XX, dentro de cada reserva forma surgindo “aldeias” com organização política própria.
A partir disso, Andrey descreve como se deu o processo de formação de cinco aldeias
(Sede, Argola, Morrinho, Campão/Babaçu e Lagoinha) dentro da T.I. Cachoeirinha. O antropólogo
descreve esses processos trazendo informações histórico-etnográficas de outros autores e também,
relatos vividos em primeira pessoa dos próprios Terena através de entrevistas etnográficas, que
narram o surgimento de cada aldeia.
Sendo assim, Andrey encontra algumas regularidades na formação das comunidades locais
Terena: 1 – As famílias extensas eram as unidades básicas da organização social das aldeias; 2 – A
fixação de residência em cada aldeia se deu por motivações econômicas (ocupação de áreas de roça
→ produção/consumo); 3 – A construção dos diferentes setores da T.I. Cachoeirinha se deu a partir
das décadas de 30/40, depois, das décadas de 50 e 70. Os setores oram formados sob o período da
existência e atuação do SPI, ou seja, pela intervenção da política indigenista; 4 – Os primeiros
caciques de cada setor saíram das famílias extensas que inicialmente ocuparam as áreas de roça.
Além disso, havia um relação dessas famílias extensas com os chefes do posto do SPI,
nesse sentido, os caciques eram escolhidos “pelos mais velhos” dessas famílias e pelos chefes do
posto indígena. Andrey destaca que nesse contexto “[...] criou-se uma rede determinada de famílias
que compartilhavam, em certa medida o poder de certas instituições de Estado, ou melhor, o poder
concedido pelo Estado sob certos objetos específicos.” (FERREIRA, 2007: 265-266).
Dessa forma, os empreendimentos indigenistas conciliavam os interesses do Estado com os
dos grupos familiares Terena. Esses empreendimentos se davam como um processo centralizador
dentro das aldeias, que tentava “criar” um representante deste poder centralizador, o cacique. No
entanto, o que ocorreu foi mais um processo de descentralização político-territorial: A formação das
aldeias se deu com uma estruturação vertical de lideranças, o cacique. Por outro lado, a
segmentação territorial das aldeias e a formação dos diferentes setores (e a decorrente disputa
política entre os caciques) são produtos históricos oriundos das relações inter-étnicas e das relações
entre a política indígena e a política indigenista.

Esse processo de diferenciação de Cachoeirinha revela um movimento de diferenciação


interna, que aponta para uma descentralização político-territorial como uma contrapartida indígena
à tentativa de centralização das políticas indigenistas. A T.I. Cachoeirinha era historicamente
dividida em “bairros” e isso se dava pela localização dos grupos domésticos em porções espaciais
delimitadas dentro das aldeias.
Assim, os dramas de sucessão do cacique e as lutas político-faccionais decorrentes tem de
ser entendidos dentro desse sistema de diferenciação interna dos Terena, por isso, os conflitos de
sucessão tem uma longa história: Em 1920 houve a indicação do cacique pelo chefe do posto. Em
1930 houve a criação do conselho tribal, que a partir daí, indicaria os próximos caciques; somente
em 1960 o sistema eleitoral para a escolha do cacique passa a ser discutido para, em 1980 ser
“institucionalizado”.
No início, a luta de sucessão se dava entre membros de uma mesma parentela (disputa
entre os irmãos Polidoro). A linha sucessória do poder político passava por uma determinada
linhagem de grupos familiares – todos relacionados por relações de parentesco – e remonta a
primeira linhagem do poder cacical. Haviam apenas algumas alternâncias entre diferentes facções,
mas todas seguindo essa linhagem de sucessão. Somente nos anos 80, quando as eleições foram
institucionalizadas foi que houve uma quebra na linha de sucessão.
Essa segmentação político-territorial de Cachoeirinha levaria a um acirramento das lutas
faccionais, como a cisão entre as aldeias Cruzeiro x Mangao, no final dos anos 70. Esse episódio foi
analisado a partir das alterações na política indigenista com a introdução de um projeto agrícola em
1979. A implementação deste projeto foi bem aceita pelos indígenas, que aproveitaram o embalo
para formularem uma pauta de reivindicações de maquinários para a roça. Essas reivindicações
passavam por acordos entre os indígenas, a FUNAI e os podere locais.
Todavia, no começo dos anos 80, apareceriam novos atores políticos no contexto regional,
como as missões religiosas e políticas, e também o CTI (Centro de Trabalho Indígena). O
aparecimento deste último ator revelou um conflito entre os projetos agrícolas da FUNAI e do CTI.
Havia uma “desconfiança” da FUNAI em relação a atuação do CTI dentro das reservas indígenas.
No entanto, o CTI representava uma alternativa à política de assistência oficial do regime tutelar,
criando e possibilitando um canal “diferente de diálogo”, uma espécie de “indigenismo não-estatal”.
A introdução desse projeto agrícola incrementou a produção (com a formação de um
capital e o re-investimento deste capital na produção) e levou a T.I. Cachoeirinha a um certo
“desenvolvimento” regional. As relações comerciais com setores municipais se intensificaram e a
própria “imagem” dos Terena na região se modificou “positivamente” e todos esses reflexos do
“desenvolvimento” eram sentidos dentro de Cachoeirinha.“A lógica “desenvolvimentista” da
política indigenista encontrava assim entre os Terena um espaço exemplar de realização. ”
(FERREIRA, 2007: 274).
Por outro lado, estava posto uma disputa entre os órgãos indigenistas: Esse conflito entre
os projetos agrícolas da FUNAI e do CTI iria se refletir, pois, no contexto das lutas faccionais
Terena pelo controle do posto do cacique. O projeto agrícola da FUNAI visava a expansão da
produção, da circulação de dinheiro e de novas tecnologias dentro das aldeias, mas isso respaldaria
os conflitos de sucessão, pois quem monopolizaria esses recursos materiais seria o cacique. Isso
porque a política indígena se dava através das lutas faccionais pelo controle das instituições e dos
recursos das aldeias. Essas lutas demonstram as relações de poder (ou de disputa pelo poder) dentro
das aldeias, lutas que se davam dentro de um contexto político-econômico regional e nacional.
Assim, com a implantação dos projetos agrícolas surge a “política do óleo e da semente”:
Com a introdução do trator e da mecanização da lavoura criou-se uma demanda indígena
permanente por combustível e sementes que viabilizariam o ciclo de expansão dos cultivos e o
maior lucro gerado pelos cultivos. Portanto, os conflitos e sucessão vão ocorrer em função de quem
controlaria todos esses recursos e capitais. Dessa forma, Andrey vai descrever esses conflitos que
eclodiram na cisão entre as aldeias Cruzeiro x Mangao, conflitos que envolvem diferentes atores
inter-relacionados por alianças e acordos, tendo o controle dos recursos naturais como motor
gerador dos conflitos.
Isto posto, seguem-se algumas explicações sobre a cisão Cruzeiro x Mangao: Ao analisar
as genealogias das principais lideranças políticas de Cachoeirinha, Andrey indica que as facções de
Cruzeiro e Mangao eram compostas por grupos domésticos que se inseriram dentro de relações
político-territoriais mais amplas, constituindo unidades de poder político-territorial. Como já dito,
essas relações eram marcadas por laços de parentesco, construídos por alianças matrimoniais entre
diferentes famílias de Cachoeirinha. Com isso, para entender a dinâmica destas relações de poder, é
necessário entender a organização espacial dessas famílias nos “bairros” de Cachoeirinha.
Analisando os mapas desses bairros, Andrey aponta que esses bairros passaram por um processo de
fragmentação, indicando uma tendência a descentralização faccional, que além de tudo, é móvel no
que diz respeito a composição das alianças entre facções, lideranças indígenas, grupos políticos,
dirigentes locais e regionais.
Levando isso em consideração, é necessário analisar a cisão Cruzeiro x Mangao enquanto
um drama social, pela sua realidade “relativa” e que explicita os conflitos e contradições históricas
dentro da aldeia, conflitos e contradições que articulam-se historicamente. Andrey analisa que a
organização político-territorial dos Terena em bairros – com certo poder político próprio –
possibilita o surgimento dos poderes faccionais, assim, segundo a linha de raciocínio do
antropólogo, a descentralização político-territorial explica – em partes – a descentralização da
autoridade política. Todas essas descentralizações criariam um clima de instabilidade, marcado por
conflitos de sucessão e lutas pelo poder.
E na base de todos esses conflitos encontra-se a problemática do regime tutelar. Segundo
Andrey, a colaboração contínua entre SPI/FUNAI e grupos indígenas revela o compartilhamento de
um poder monopólico sobre a aldeia (compartilhado pelo cacique-chefe e pelo chefe do posto).
Dessa forma, as facções indígenas que emergiam ao poder o faziam em detrimento de outras, isso
porque o poder que o regime tutelar oferecia passou a ser objeto de disputa política por parte dos
indígenas. Por outro lado, as formas de resistência indígena (a segmentação político-territorial)
contra a tutela revelam lutas políticas internas. Segundo Andrey, “A centralização estatal não
eliminou a descentralização segmentar, […] ao contrário, atuou sobre ela, acentuou e a transformou
numa descentralização segmentar-faccional” (FERREIRA, 2007: 302).

Capítulo 6: Co-gestão indígena e as micropolíticas de colaboração e a resistência cotidianas

No capítulo 6, após ter aprofundado a questão das lutas faccionais pelo posto do cacique,
mostrando suas relações com a política indigenista, Andrey destaca, por outros lados, que a luta
pelo posto do cacique não encerra as lutas faccionais. Dessa forma, o autor quer analisar a forma
como essas lutas faccionais estendem-se para outros domínios, como as associações indígenas.
Esses “órgãos indígenas” revelam formas de organização “nativa” que culminam em outras lutas
faccionais, ou seja, na luta pela autonomia dos setores contra o cacique-geral.
Assim, o autor procura descrever e analisar as transformações nas relações entre os índios
e o Estado, de forma a mostrar as contradições – as tensões entre as formas de resistir e a co-gestão
indígena. Analisar essas relações implica abordar a história da formação das associações AITECA e
ACIC (1980/1990) como produto da luta entre facções indígenas. A criação dessas associações
indicam para uma contrapartida indígena, uma resistência aos esquemas de distribuição de poder
impostos pelos órgãos indigenistas. Aqui caberia questionar – até que ponto – se a criação e
osurgimento dessas associações indicam formas de resistência contra o regime tutelar.

A associação AITECA (associação Indígena Terena de Cachoeirinha) foi fundada em 1989


– ano da cisão Cruzeiro x Mangao. A formação dessa associação partiu dos produtores rurais
indígenas de Cachoeirinha, mas foi impulsionada pela figura de Sabino Albuquerque. Esse
“impulso” demonstra uma proeminência da família Albuquerque na fundação da AITECA. No
entanto – como já abordado por Andrey – a base da organização político-territorial é marcada por
fortes inter-relações entre grupos familiares ligados por parentesco. Portanto, “essa base” também é
a base do poder político de Sabino Albuquerque.
Andrey indica que as formas de colaboração/aliança com a FUNAI garantiam (por parte da
FUNAI) a monopolização de recursos nas mãos da facções mais “fortes” que eram aliadas ao
Estado brasileiro. Essa forma de privilégio garantida pela FUNAI seria um dos “motivos” da cisão
entre facções indígenas dominantes. A criação da AITECA evidenciava uma oposição a dominação
da FUNAI sobre o cacique, mas também a tentativa de criar um movimento político indígena. No
entanto, a associação surgiu a partir da aliança entre a facção de Mangao com o CTI – este novo
ator político-econômico significava para os Terena um novo campo para articulações políticas que
possibilitaria “outros canais de aquisição de recursos materiais”. A associação, para além de
promover projetos para a agricultura e a agropecuária representava um novo espaço de poder local,
e também de interação com os órgãos indigenistas e as formas de dominação do regime tutelar.

Por outro lado, a associação ACIC (associação da comunidade indígena de Cachoeirinha)


foi criada em em 1992 e “assumida” pelo cacique Argemiro Turíbio. A criação desta associação
estava relacionada à resolução de problemas materiais, tendo como principais “campos de atuação”
a agricultura e agropecuária. Essa resolução de problemas por sua vez estava relacionada à
organização do trabalho indígena visando o aumento das forças produtivas locais.
Havia uma suposta “representatividade” da ACIC em relação a T.I. Cachoeirinha, contudo,
a associação estava ligada a uma rede particular de grupos de parentesco com objetivos também
particulares, ou seja, a associação era a associação de uma facção política particular: A facção do
Cruzeiro. A formação da ACIC visava restabelecer o poder de um grupo de parentesco específico
dentro de Cachoeirinha, através da realização de projetos que dessem viabilidade para a gestão
indígena das atividades agrícolas, portanto, a associação se inseria numa arena de alianças com
instituições estatais, ONG's e lideranças políticas locais.

Após ter apresentado e descrito a formação das associações indígenas, Andrey coloca que a
formação das associações indígenas é produto dos dramas sociais verificados ao longo dos anos 80
– as lutas faccionais entre grupos vecinais e também a luta por um “ideal indígena” de oposição à
sociedade regional, ideal que era fragmentado pela organização política segmentada. Assim a
formação das associações demonstram:
1. A crise do esquema de poder produzido pela situação histórica de reserva, onde havia uma
tentativa/imposição de uma centralização do poder por parte do SPI/FUNAI e ao mesmo
tempo, a articulação do chefe do posto com grupos locais por um certo “compartilhamento”
do poder;
2. Estratégias indígenas de ação política no plano local;
3. O contexto de Liberalismo econômico, através da redução do orçamento da assistência às
áreas indígenas, do incentivo ao associativismo e da criação a um novo mercado do
financiamento;
Mas para além disso, também significavam a reação local à centralização política imposta
pelo Estado. Segundo Andrey, “um efeito direto e contraditório, já que em última instância,
representa uma descentralização faccional que dinamiza e reproduz as mesmas estruturas e
esquemas de distribuição de poder contra as quais se coloca, a princípio ” (FERREIRA, 2007: 327).
Assim, a luta de facções dos anos 80 culminaria na luta das associações dos anos 90 e para uma
“recombinação de forças”, já que representava o surgimento de um novo espaço de articulação
política, uma vez que o cacique não seria mais o único representante das comunidades indígenas.

Entretanto, as lutas faccionais se estenderiam também para o que Andrey chamou de


“ocupação de espaços” na política local e regional. Esse “fenômeno” aconteceria no ano de 2004, o
ano das eleições municipais, onde a disputa pelo cargo da prefeitura se dava entre Ivan Paz Bossay
(PDT), Beth Almeida (PT) e João Pedro Pedrossian (PSDB). Nesse ponto da história, é onde o
antropólogo está presente na narrativa etnográfica e procura descrever as eleições nas situações dos
comícios, das assembleias indígenas, das visitas de políticos em Cachoeirinha, etc. E o que está
“por trás” da inquietude etnográfica é a vontade de entender como a realização dessa “ocupação de
espaços” expressa uma tentativa de construção da co-gestão indígena nas arenas da política.
Durante as eleição foram estabelecidas redes políticas (que articulam diferentes atores,
instituições e arenas políticas) dentro das aldeias através de ações dos candidatos com “mais força”
na disputa eleitoral, como obras, comícios e propagandas políticas. Essas situações são descritas
etnograficamente pelo olhar e percepção de Andrey e a partir de seus relatos de observação
entrecruzados com dados – organizados em quadros, tabelas – e com as vozes das distintas
lideranças políticas, o antropólogo organiza algumas explicações:
1. A atividade de campanha do terena Carlos Jacobino (aliado político da então prefeita de
Miranda) explicita um discurso “hegemônico” entre os Terena, da importância do voto
étnico enquanto “controle da própria vida/gestão indígena” e das atividades políticas – a
representação e a administração política das atividades públicas dos organismos estatais.
Esses discursos correspondem a práticas políticas da vida cotidiana da organização de cada
aldeia, ou seja, a reivindicação do voto étnico expressa uma luta pela ocupação de espaços
políticos de poder dentro das arenas da política estadual e nacional;
2. Os aspectos organizativos (a presença de coordenadores de campanha e mediadores
políticos, como a figura de Alírio – líder da facção do Cruzeiro e da ACIC, que atua como
mediador entre os diferentes grupos familiares indígenas e o políticos locais nas afirmações
de alianças políticas) de um processo que seria “coletivo” recaem nas mãos de facção
particulares. Isso porquê Alísio representa o interesse de facções particulares, portanto, os
interesses de um bairro, de um grupo de parentesco e não os interesses dos Terena “como
um todo”.
3. Os recursos materiais atuam como “moeda de troca” entre as facções indígenas e lideranças
políticas municipais. Esses recursos são atores dentro da rede das (situações) e relações
políticas descritas, englobando as reivindicações por reformas infraestruturais, melhorias na
aldeias, nas redes viárias, nos programas habitacionais, assim como a aquisição de
maquinários e instrumentos utilizados na agricultura e agropecuária;
4. As alianças políticas acontecem entre diferentes atores dentro do campo das relações inter-
étnicas. No contexto em que acontecem, as alianças entre as lideranças indígenas e as
lideranças políticas municipais apontaram para “a necessidade de uma aproximação com a
prefeitura”. Tendo em vista a situação de privilégio que alguns atores políticos indígenas
tinham em relação a uma maior aproximação com a prefeitura, a aliança de uma facção
particular exclui a participação de outras facções dentro da arena política das relações inter-
étnicas.
Assim, a utilização dos recursos materiais como “moeda de troca” do voto indígena por
investimentos materiais dos representantes políticos municipais nas aldeias aponta para uma
continuidade das mesmas formas de colaboração/aliança desenvolvidas pela FUNAI. Isso aponta
para a profunda questão da intensa disputa faccional entre os Terena pela gestão e controle dos
recursos materiais. Por outro lado, essas alianças, por parte dos indígenas, visavam aumentar o
poder político local das facções através de políticas de colaboração com o Estado e os grupos
dominantes da política municipal e estadual, ou seja, através dos dispositivos do regime tutelar os
Terena se inseriam nas arenas políticas em função de interesses particulares de determinadas
facções.
A liderança Terena, ou tuuti faz referência à figura do líder e sua aceitação se dá pela sua
capacidade de construir e manter relações de aliança através de “boas relações” com as autoridades
políticas. Mais do que aceitação entre os pares, o líder também seria avaliado pela sua capacidade
de obter bens materiais e recursos (para si e para o grupo), sendo esta capacidade uma consequência
direta do bom relacionamento com as autoridades políticas. No ano de 2004, essas alianças estavam
sendo refeitas ou reafirmadas, então, essas alianças tinham importância econômica e social, assim, o
que Andrey chama de “tempo da política” seria o momento ideal para o fortalecimento de alianças e
acordos políticos.
Além disso, o “tempo da política” também significava a abertura de postos de trabalho
temporário nas campanhas políticas e seriam os tuuti responsáveis pela contratação de um “exército
de trabalho” dentro de seu núcleo familiar ou vecinal. A existência desse mercado de trabalho
temporário é importante para entender as relações de poder no contexto da política local, onde cada
facção, cada grupo de parentesco e grupo vecinal estabelece suas próprias redes de alianças
políticas de maneira (autônoma?) e muitas vezes, conforme Andrey coloca, concorrentes umas com
as outras.
Assim, a descentralização faccional provocou algumas mudanças dentro do regime tutelar,
abrindo alguns espaços de poder aos indígenas, mas, continuou reproduzindo a mesma dominação
centralizada através de uma relação clientelista (entre lideranças indígenas e lideranças políticas
locais) que poderia aparecer sob a forma de reciprocidade, mas também, de repressão através de
relações de trabalho formal e da exclusão do acesso a bens públicos, como a escola e posto de saúde
da FUNAI. Esses”bens públicos”, para além de instituições político-sociais, são geradoras de
serviços públicos, mas também difusoras e reprodutoras de mensagens simbólico-culturais, no
entanto, tais espaços públicos representam para os indígenas a possibilidade do trabalho assalariado
– que passa por processos de dominação política – e da inserção na arena política municipal e
estadual e nesse sentido, esses bens públicos também são utilizados como “moeda de troca”.

É o caso da escola indígena, analisado por Andrey dentro do marco das relações de poder
local, da disputa pela ocupação de espaços políticos em Cachoeirinha. De acordo com Andrey “[...]
a Escola se constitui não só num mecanismo de mobilidade profissional individual e familiar, mas é
também depositária de uma expectativa coletiva relacionada ao grupo étnico como um todo.”
(FERREIRA, 2007: 335). Assim, há de se considerar que entre os Terena há uma valorização da
educação e da escolarização, indicando a importância simbólica e identitária da escola, mas também
a importância deste espaço como um local de trabalho.
Nesse sentido, os professores indígenas são agentes políticos que se inserem dentro da
dinâmica da política local, marcada por relações de trabalho e de poder, e são essas relações que
Andrey quer analisar a partir da escola e também a partir das restrições que se impõe (desde a
política municipal) às ações dos professores. A atuação na escola enquanto professor auxilia na
formação de lideranças políticas através da construção de “redes de comunicação” dentro do
cenário político local.
Em Cachoeirinha existem cinco escola indígenas, uma delas atua como escola “polo”,
localizada na aldeia Sede, e que têm cinco “extensões” nos demais setores. As escolas dos setores
são subordinadas administrativamente à escola polo. Andrey indica que a história da escola indígena
insere-se em processos políticos locais e nacionais. Nesses processos, a vinculação da educação
indígena passou da FUNAI para a prefeitura, e que demonstram a ação de Sabino Albuquerque
através de alianças com os poderes locais. Portanto, a construção da escola indígena remete a
iniciativas dos caciques e a adoção dessas propostas pela prefeitura se deu através de diálogos e
negociações entre as lideranças indígenas, a APROTEM (associação dos professores indígenas
Terena de Miranda) e a prefeita Beth Almeida.
Por outro lado, o espaço da escola também seria um campo de disputa política dentro da
aldeia: A disputa pelo cargo da diretoria da escola. Entretanto, as lutas políticas locais também
reivindicavam a autonomia administrativa e pedagógica da escola, pois o que se constatou, a partir
das narrativas dos professores sobre a história da escola, foi que essa autonomia era pouco
respeitada.
A co-gestão da escola no nível local é marcada por relações de poder dentro da escola
enquanto espaço de trabalho, pois “[...] o status ocupado pelo professor indígena dentro das relações
de trabalho se coloca como um instrumento de poder de grupos políticos locais.” (FERREIRA,
2007: 344). Assim, os casos das escolas indígenas mostram uma estreita relação entre trabalho e
política. Ser professor contratado abre alguns espaços na política, mas indica também um certo
posicionamento estratégico dentro da aldeia, assim, essa posição de poder coloca o “índio” que a
ocupa numa posição de “conciliador” de interesses (dos seus patrões e do grupo indígena).
Dessa forma, a co-gestão e a ocupação do espaço da escola por parte dos indígenas
demonstram a concentração (e a disputa) de poderes individuais e faccionais. A experiência da co-
gestão na escola indígena reativou os conflitos e mudanças no ciclo de poder dentro dessas
instituições no que tange a ocupação do cargo da direção da escola, expressando assim, as lutas
faccionais pelo poder e também processos políticos de colaboração/conflito entre as facções
indígenas, as elites locais e o CTI, processos esses marcados por clientelismo.

Finalmente, Andrey ainda analisa as repercussões das formas de resistência indígena que
retroalimentam o faccionalismo Terena como tendência (des)centralizadora. Essas formas de
resistência seriam três casos que aconteceram entre 2003-2006: A luta contra o cacique-chefe; a
cisão na aldeia Argola e a retomada de uma fazenda realizada pelos indígenas.
O primeiro caso expressa a luta das lideranças dos setores contra o cacique-geral,
especificamente na aldeia Argorla, onde a vontade de autonomia era mais persistente do que a
tentativa de centralização por parte do cacique-geral, que representava o (ab)uso monopólico dos
bens coletivos da comunidade e do poder político. A articulação dos caciques locais contra o
cacique-geral reivindicava a autonomia de cada um dos setores para a gestão dessas respectivas
aldeias, no entanto, essas reivindicações apelavam para um poder centralizador, a FUNAI, como
uma intervenção verticalizada sobre Cachoeirinha.
O segundo caso se refere às lutas internas na aldeia Argola pela retirada do cacique João
Candelário. Esses conflitos políticos foram estabelecidos pela vitória de uma facção nas eleições
para o cargo do cacique. Essa vitória evidenciava o monopólio político e dos bens materiais e
reativa as lutas faccionais pelo poder do cacique. Todas essas lutas faccionais culminariam na cisão
da aldeia Argola e no deslocamento de muitas famílias para o “acampamento” na fazenda Santa
Tereza.
Em seguida, o terceiro caso é a ocupação da fazenda Santa Tereza, processo que se iniciou
com a cisão de Argola, dando abertura a novos processos de territorialização, que culminaram na
“retomada” da fazenda Santa Tereza (retomada por que eram terras indígenas tradicionais) e na
formação de uma nova aldeia dentro de Cachoeirinha. Ainda mais, o movimento de ocupação e de
luta política pela “retomada” adquiriu grandes repercussões no nível local e regional, repercussões
essas que se referiam ao “reavivamento” da resistência indígena.

Em seguida, seguem as principais conclusões de Andrey a respeito dos diversos


movimentos de resistência indígena que ele abordou ao longo do capítulo 6:
1 - A vontade da autonomia e a luta contra o cacique-geral expressam uma luta contra a
principal base do poder tutelar: o cacique-geral, ou seja, a centralização e o monopólio da
representação política, do controle social e da gestão econômica;
2 - A cisão na aldeia Argola mostra as contradições desse processo, assim, a luta pela
autonomia também é a reivindicação pela proteção e contra as órgãos tutelares;
3 - A crítica prática e discursiva conta a centralização política e da lógica monopolista
imposta era direcionada aos modelos de distribuição do poder do regime tutelar. Todavia, a co-
gestão não exclui a intervenção estatal nem a articulação com os poderes estatais e com as elites
locais e regionais. A articulação com o Estado é utilizada como dispositivo das lutas faccionais
contra o cacique-geral, ou seja, através da articulação com o Estado se chegaria numa “suposta”
correlação de forças;
4 - O imaginário do “índio modelo” aplicado aos Terena pelo discurso indigenista é um
imaginário que se transpôs tanto para as relações sociais quanto para o discurso acadêmico. No
trabalho etnográfico de Andrey há uma refutação desse imaginário: “Os índios Terena na realidade
[…] sempre oscilaram entre uma política de aliança/colaboração e guerra/resistência contra os
poderes estatais. E esta colaboração não exclui as formas cotidianas de resistência, assim como uma
política de “guerra” não excluía formas cotidianas de colaboração. ” (FERREIRA, 2007: 370-371).
Segundo Andrey, essa dinâmica estaria sendo re-configurada, pois as formas de resistência
atacam os modos de distribuição do poder e não o regime tutelar em si, mas por outro lado, o
regime tutelar pressupõe a colaboração entre facções e o fortalecimento destas, culminando na
criação de uma “aristocracia indígena”, assim, as lutas internas contra o poder faccional instituído
leva a uma substituição de uma facção por outra.
Essas lutas de resistência valem-se de dispositivos próprios do regime tutelar, levando a
uma manutenção da ideologia e política que o constituem. Isto posto, as lutas contra as formas de
distribuição de poder reproduzem o próprio sistema de poder numa relação dialética entre
mudança/reprodução social;
5 – A resistência contra o regime tutelar culminou na constituição dos “bairros cacicados”
de acordo com a lógica sedimentar Terena. Esse locus de poder articulam-se com instituições
politicas e religiosas através de alianças políticas dentro do campo das relações inter-étnicas. Essa
alianças davam-se através de relações clientelistas dentro da política local e permitia a irrupção de
determinadas facções na luta pelo poder política da aldeia;
6 – Essas resistências cotidianas culminavam na resistência aberta contra o regime tutelar:
A ocupação de terras como a evolução dos conflitos faccionais e da luta contra a centralização e
monopólio político em Cachoeirinha. Essa resistência aberta levou a um aprofundamento das
formas de resistência e a um acirramento dos conflitos entres “índios” e a FUNAI e entre “índios” e
a as elites locais.
Por outro lado, esse aprofundamento das formas de resistência trouxe à tona o
protagonismo indígena na política local e regional e reavivou a imagem do “índio bravo” e ao
mesmo tempo, a articulação ideológica contra os “índios”, no que tange ao fortalecimento de suas
lutas políticas pela terra. Essa articulação ideológica contra os indígenas partiu de uma estrutura de
poder centralizada pelas elites locais, regionais e pelas burocracias estatais e se ativavam contra o
protagonismo indígena, pela manutenção de sua condição de subalternidade, servindo aos interesses
da burguesia ruralista e da política fundiária do Estado brasileiro.

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